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APOSTILA DE LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA

Professor: José Geraldo Sobrinho 2º ANO

Romantismo em Portugal
As revoluções burguesas mudam o perfil da
sociedade europeia no início do século XIX.
Liderando as transformações sociais e econômicas, a
burguesia ganha poder político e passa a buscar uma
arte na qual possa reconhecer-se.

As chamadas revoluções burguesas do século XVIII


(Independência dos Estados Unidos, Revolução Francesa e
Revolução Industrial) determinam a queda do Antigo Regime,
consolidando o capitalismo como novo sistema econômico.
Os heróis do passado cedem lugar ao indivíduo comum.
Assim, a valorização do caráter individual, a divulgação dos
valores burgueses (trabalho, esforço e sacrifício) e o amor à
pátria serão os princípios norteadores da estética do período,
o Romantismo.
As qualidades heroicas românticas espelham mais os
valores da sociedade capitalista do que a nobreza recebida
como herança.
O Romantismo representa uma ruptura com os
padrões clássicos de beleza. A expressão da imaginação,
das emoções e da criatividade individual do artista são os
grandes valores dessa estética.
O autor romântico escreve para uma sociedade
Influenciada pelo Iluminismo, que valoriza os processos
BURNE-JONES, Edward. O último sono de Artur em Avalon. Detalhe. 1881-
-1898. Óleo sobre tela, 645 × 282 cm. Museu de Arte, Ponce, Porto Rico.
racionais e as posturas coletivas. É essa mentalidade que
ele deseja mudar: seu sentimento de desajustamento social O Romantismo e o público
nasce do confronto entre os valores que defende, centrados no
subjetivismo e na emoção, e aqueles que organizam a O desaparecimento da figura do mecenas contribui para
sociedade. Esse confronto de ideias ganha forma em um dos a profissionalização dos artistas. Por isso, os autores
temas mais explorados pela literatura romântica: a fuga da românticos passam a ter dois objetivos distintos: divulgar os
realidade. valores da burguesia e ao mesmo tempo divertir os leitores. A
Nesse contexto, a morte traz a possibilidade de fuga do possibilidade de publicação em veículos de grande
real e, por isso, é idealizada: ela é o alívio para os males do circulação, como jornais e revistas, amplia bastante o alcance
mundo ou permite o encontro definitivo dos amantes, do texto literário.
separados pelos obstáculos da realidade. O mundo dos O público leitor tem agora um perfil bem mais
sonhos torna-se também um espaço de fuga, por meio do qual heterogêneo do que aquele de séculos anteriores: os
o escritor projeta suas utopias. burgueses que leem jornais e folhetins não possuem a mesma
O passado idealizado desempenha a mesma função formação intelectual dos nobres, não conhecem os autores
escapista, e os temas medievais ressurgem com força total, clássicos e têm dificuldade em decifrar as referências à
representando uma época em que a sociedade estava repleta mitologia greco-latina. Por isso, preferem uma linguagem
de feitos heroicos, sentimentos nobres e harmonia. mais direta, passional, que não se preocupe
Recuperar o passado histórico, para os românticos, significa necessariamente com os padrões do cânone literário.
reconstruir a identidade de um povo. Importantes romances
românticos portugueses e brasileiros exploram essa tendência.
Portugal: um país sem rei entra em crise
A imagem a seguir é bastante representativa do
No início do século XIX, Napoleão Bonaparte decreta o
sentimento escapista romântico. O herói medieval, rei bloqueio continental e exige que a coroa portuguesa rompa
Artur, dorme entre as jovens de Avalon, lendária ilha relações comerciais com a Inglaterra. Ao ignorar as ordens do
dos bem-aventurados onde foi forjada a espada imperador francês, o país é invadido, e a corte de D. João VI
mística “Excalibur”. Longe das árduas batalhas, Artur se vê forçada a fugir para o Brasil. A colônia brasileira é, então,
é levado para lá para se recuperar de ferimentos de elevada à condição de Reino Unido a Portugal e Algarve. A
guerra. abertura dos portos brasileiros às nações amigas fortalece o
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comércio entre Brasil e Inglaterra.


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A burguesia portuguesa, que vive das exportações


para o mercado brasileiro, entra em crise. A tentativa
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burguesa de compensar a perda de mercado investindo na Poesia romântico. Seus versos, de tom
terra também fracassa, porque o clero detém grande parte dos confessional, falam de um estado passional
direitos sobre ela. Nesse cenário de crises políticas e permanente, em que o gozo e a dor, a saudade
econômicas, a estética romântica chega a Portugal, definindo e a raiva alternam-se como fonte de inspiração
novos temas e dando voz à sociedade transformada pela do poeta.
revolução liberal que, aos poucos, vai se tornando laica. Os estereótipos do amor romântico
aparecem com força total; destaca-se a
O retorno para Portugal de jovens exilados no início da
caracterização da mulher como um ser que
revolução liberal inicia uma onda nacionalista. Seu objetivo transita entre a virgem angelical e a demoníaca
inicial era resgatar o passado glorioso do país, encontrando sedutora.
figuras históricas representativas do caráter do povo e de uma • O arco de Sant’Ana (volume 1: 1845; volume
nação que, apesar de algumas conquistas políticas 2: 1850).
importantes, precisava de profundas reformas sociais.
• Viagens na minha terra (1846): inspirado por
Os primeiros românticos uma viagem de Garrett a Santarém, o texto
desenvolve-se em dois níveis narrativos: o
primeiro corresponde às impressões de
A primeira geração romântica portuguesa mantém
viagem; o segundo conta a história de Carlos
alguns traços clássicos (como na poesia de Antônio Romance e Joaninha, durante as lutas entre liberais e
Feliciano de Castilho). Já Almeida Garrett e Alexandre miguelistas. A importância do romance se dá
Herculano se voltam para a recuperação do passado por seu simbolismo político: por meio das
histórico português (medieval), com obras de caráter personagens, o autor representa o embate
nacionalista. entre Portugal antigo (representado pela Igreja)
O marco cronológico do Romantismo em Portugal é o e o novo país que surge da revolução burguesa
poema “Camões”, de Almeida Garrett, publicado em 1825. (representado, no romance, pelo emigrado
Mas a produção de textos românticos só começa a ocorrer Carlos).
com vigor no país a partir de 1836, quando a consolidação da
• Helena (1871, obra póstuma).
revolução liberal facilita a penetração das ideias românticas.
• Catão (1822) e Mérope (1841): ambas as
peças apresentam tons claramente clássicos,
Veja, no quadro a seguir, as principais obras da inspiradas nos modelos greco-latinos e
vasta produção literária de Almeida Garrett, um dos renascentistas.
principais autores do Romantismo em Portugal.
• Frei Luís de Sousa (1843): obra-prima de
Garrett, o enredo se dá em torno da figura
histórica de Frei Luís de Sousa, nome
Teatro religioso adotado por Manuel de Sousa.
Casado com Dona Madalena de Vilhena, com
quem tem uma filha, Maria de Noronha, D.
Manuel vê-se envolvido em um triângulo
amoroso com a volta de D. João de Portugal,
primeiro marido de sua esposa, desaparecido
na batalha do Alcácer-Quibir. D. Maria, filha de
Madalena e Manuel, fruto de uma união
adulterina, morre no momento em que seus
pais entram para a vida monástica.

• D. Filipa de Vilhena (1846): obra de


inspiração romântica.
Almeida Garrett
Alexandre Herculano
• “Camões” (1825): dividido em dez cantos e
escrito em decassílabos brancos, é uma
espécie de biografia romântica de Camões e
seus amores com Natércia.

• Dona Branca (1826): desenvolve um tema


medieval, utilizando o folclore nacional
português em lugar da mitologia clássica.
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• Folhas caídas (1853): seu último livro de


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poemas revela a maturidade do autor Alexandre Herculano, consciente da crise de


identidade pela qual passava Portugal desde o trágico
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desaparecimento de D. Sebastião (1580) e a perda da A seguir, observe a organização do conjunto
soberania para a Espanha, acreditava que a revolução liberal das novelas (romances) de Camilo Castelo Branco,
criaria o contexto ideal para a recuperação dos valores conforme o enredo desenvolvido.
nacionais. Esse é o foco principal de sua extensa obra: o
autor dedica-se a recriar a história portuguesa em romances Camilo Castelo Branco
ficcionais repletos de heroísmo e bravura.
Herculano recorria a pesquisas históricas para a
construção do enredo de suas novelas e contos, a maioria
publicada em periódicos. O autor acreditava que o Classicismo
era a expressão literária do despotismo monárquico. Para ele,
era preciso substituir o modelo clássico por uma literatura
de caráter popular, nacional.
Os romances mais importantes de Alexandre
Herculano são:
 O bobo (1843): sua primeira narrativa de ficção.
Passa-se na época das disputas ente D. Teresa e seu
filho, D. Afonso Henriques, o fundador do Condado Tipo de novela (romance) Exemplos
Portucalense, que, em 1143, tornou-se nação Romance-folhetim: focaliza as
independente. Trata da constituição da nação aventuras de uma personagem Mistérios de Lisboa; Livro negro do
misteriosa e dá origem a padre Dinis.
portuguesa e põe em cena personagens históricas narrativas múltiplas e a
ao lado de outras imaginárias, entrelaçando ficção e evocações históricas.
realidade. Romance de amor trágico:
 Eurico, o presbítero (1844) e O monge de Cister história de personagens com
(1848): dois romances que tratam do tema do algum impedimento amoroso Amor de perdição.
(obstáculos sociais ou
celibato clerical, reunidos pelo autor sob o título de familiares).
O Monasticon. O primeiro romance apresenta-nos Romance-sátira: caricatura de Coração, cabeça, estômago; A
uma história típica dos romances de cavalaria tipos sociais. queda de um anjo; O que fazem
medievais. O guerreiro Eurico, disfarçado como o mulheres.
Cavaleiro Negro, derrotará o exército invasor Romance de costumes Novelas do Minho; A brasileira de
praticamente sozinho, revelando que o amor à pátria provincianos: focaliza Prazins.
é o mais alto valor da nobreza individual. Romance histórico: narrativas
ambientadas principalmente no O judeu (António José da Silva); O
século XVIII, resgate de figuras olho de vidro.
A poesia de Alexandre Herculano é de inspiração históricas portuguesas.
religiosa e se caracteriza pelo tom contido e pelo rigor Romance de mistério e terror:
estrutural, afastando-se da estética romântica. Há, no entanto, as marcas dessas narrativas são
uma preocupação romântica em fazer da literatura um espaço o macabro, o enredo complexo, Coisas espantosas; O esqueleto; O
de reflexão sobre temas de importância contemporânea, como a história de separações, demônio de ouro.
reconhecimentos, vinganças, o
a apologia do cristianismo contra a falta de religião excessivo e o inverossímil.
iluminista, o apoio à legislação antimonástica e o perdão para
os vencidos da guerra.
Camilo Castelo Branco atingiu seu ápice com as
novelas passionais. Por meio de histórias de amor
O Ultrarromantismo português impossível, o autor contextualiza importantes cenários de
Portugal. O impedimento amoroso, geralmente de ordem
Livre das crises de natureza política que influenciaram social, enaltece o sofrimento dos amantes, transformando seu
os autores da primeira geração, a segunda geração caráter e envolvendo-os numa aura de pureza e abnegação.
romântica portuguesa revela um tom mais pessoal e Esse amor que transgride os princípios de uma sociedade
particularizado em sua produção literária, marcada pelo interesseira e corrupta tem sempre um final trágico.
exagero sentimental. Inspirados, sobretudo, na obra do inglês Nesse sentido, um romance exemplar de Camilo
Lord Byron, os autores da segunda geração destacam a Castelo Branco é Amor de perdição. A narrativa do
imagem do herói romântico incompreendido, que luta pela impedimento amoroso de Simão Botelho e Teresa traz fortes
honestidade, pelo amor e pelo direito à liberdade. elementos do amor ultrarromântico: a natureza (paradisíaca ou
A grande extensão da obra de Camilo Castelo Branco soturna) que revela o estado de espírito dos amantes, o
nos mostra o que significava ser um escritor profissional desajuste social e a ideia da morte como alívio para os
durante o Romantismo. O autor alterna a produção de sofrimentos.
novelas, cujo centro é a tragédia amorosa, com outras obras, FONTE:
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quase satíricas, que ridicularizam os exageros românticos. ABAURRE, Maria Luiza M.


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Literatura : tempos, leitores e leituras, volume


único / Maria Luiza M. Abaurre, Marcela Pontara. – 2ª.
ed. – São Paulo : Moderna, 2010.

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