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Recife
2023
1 INTRODUÇÃO
A literatura expressa traços de um país, sendo a materialização histórica e cultural de
um modo de estar no mundo. Publicado em 1906, na antologia Relíquias de Casa Velha, o
conto Pai Contra Mãe, de Machado de Assis, apresenta uma trama imersa no contexto
escravocrata brasileiro. No entanto, engana-se quem interpreta o conto como apenas um
recorte da sociedade brasileira, mesmo que a obra aborde esse tema de maneira tão explícita.
Explana-se já no início do conto o contraste étnico-racial entre pessoas pretas e
brancas quando, logo após a descrição de métodos de castigo para pessoas pretas
escravizadas e o ofício de se prender escravizados fugidos, o conto se afunila até a
apresentação do personagem que dedica a vida a esse ofício: Cândido Neves (ou Candinho).
Com isso, o autor já coloca Candinho como uma figura acima de pessoas pretas na hierarquia
social no enredo.
Além disso, Cândido, nome advindo da palavra latina candidus, significa literalmente
“branco”, “puro”, e tem seu nome completo com “Neves”, o que remete a ainda mais
branquidão. Sua esposa, Clara, cujo nome também vem do latim clarus, também remeteria ao
que é claro e branco. Temos assim, uma família branca cuja maior parte da renda era advinda
do sistema escravocrata da época. Ironicamente, em contraposição aos nomes do casal da
narrativa, Arminda, o nome da escrava fugida que é capturada por Candinho no fim do conto,
é de origem germânica e significa “a que possui armas”.
Considerando inicialmente os nomes dos personagens, é possível fazer a interpretação
dessa distância étnico-racial entre eles, apesar de essa questão não ser a única forma de
interpretar o texto.
5 CONCLUSÃO
“O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne
homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no
espaço.” (ASSIS, 1986). Com isso, mesmo com a publicação do conto em 1906, exatamente
18 anos depois da Lei Áurea, Machado apresenta no conto um narrador mergulhado na
sociedade escravocrata, muito bem precisamente localizado socialmente, com ideologias e
posição de classe muito bem claras para o leitor.
É possível observar tais fatos a partir da atribuição por parte do narrador de
características essenciais de africanos e afrodescendentes, em geral, negativas. Percebe-se,
então, a hierarquia natural das raças, estabelecida pelo narrador. Pereira (2020) destaca o uso
do advérbio “naturalmente” ao longo do conto pelo narrador, apresentando uma ideia de
natureza e essencialidade ao longo do texto, como em “Clara queria naturalmente casar; tia
Mônica era naturalmente alegre e ajudava naturalmente a sobrinha nas tarefas de casa.
Depois, o utiliza para dizer que naturalmente ninguém ouviu os pedidos de ajuda de
Arminda.”
Imerso em um contexto de segregação étnico-racial da sociedade brasileira, o conto
retrata de formas diferentes a dor histórica sofrida pelos pretos, mas também a luta pela
sobrevivência familiar e a dor psicológica de se perder um filho. É essencial ressaltar que a
percepção de um desses fenômenos não exclui os outros, eles dialogam entre si ao longo da
narrativa.
Dessa forma, o conto é sobre a dor histórica sofrida pelos pretos, mas também sobre a
dor psicológica de se perder um filho. Com o cenário do Brasil escravocrata, Machado
expressou muitos sentimentos que vieram a se expressar com o conto, mesmo que tenha
abordado temas específicos de um período, abordou questões emocionais e psicológicas que
são atemporais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Instinto de nacionalidade. In: Obras Completas de
Machado de Assis, 3 vols. Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar, 1997.
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Pai contra mãe. In: Relíquias da Casa Velha. 2 ed. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.