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PROSA REGIONALISTA

DE 1930-45
AS TRILHAS DO
ROMANCE

BOSI, A. HISTÓRIA CONCISA


DA LITERATURA BRASILEIRA
 “Reconhecer o novo sistema cultural posterior a 30 não resulta
em cortar as linhas que articulam a sua literatura com o
Modernismo. Significa apenas ver novas configurações
históricas a exigirem novas estruturas artísticas.” (A. Bosi, p.
433)

 Dentre as conquistas dos escritores de 22, permanecem o uso da


linguagem oral, dos brasileirismos e regionalismos;
“[...] enquanto no anos 20 o projeto ideológico do Modernismo
correspondia à necessidade de atualização de estruturas, proposta por
frações das classes dominantes, nos anos trinta esse projeto
transborda os quadros da burguesia, principalmente em direção ás
concepções esquerdizantes (denúncia dos males sociais, descrição do
operário e do camponês), mas também no rumo das posições
conservadoras e de direita (literatura espiritualista, essencialista,
metafísica e ainda definições políticas tradicionalistas como a de
Gilberto Freyre, ou francamente reacionárias, como o integralismo”
(LAFETÁ, 2000, p. 28 - 29)
OS DOIS MOMENTOS
HISTÓRICO-CULTURAIS
A PARTIR DE 30

“Entre 1930 e 1945/50, grosso modo, o panorama


literário apresentava, em primeiro plano, a ficção
regionalista, o ensaísmo social e o aprofundamento
da lírica moderna no seu ritmo oscilante entre o
fechamento e a abertura do eu à sociedade e à
natureza;” (BOSI, p. 434)
30-40,
A “ERA DO
ROMANCE BRASILEIRO”

 O neorrealismo: “ao realismo científico e impessoal do


séc. XIX preferiram os nossos romancistas de 30 uma
visão crítica das relações sociais. Esta poderá apresentar-
se menos áspera e mais acomodada às tradições do meio
em J. A. de Almeida, em É. Veríssimo e em certo J. L. do
Rego, mas daria à obra de G. Ramos a grandeza severa de
um testemunho e um julgamento.” (BOSI, p. 438)
A TÔNICA

Engajamento, participação:

“O romance é, em primeiro lugar, um exercício da


inteligência a serviço de uma sensibilidade
nostálgica ou revoltada” Camus (BOSI, p. 439)
A LINGUAGEM

 Os regionalistas de 30, como Jorge Amado, Graciliano Ramos


e José Lins do Rego, enfatizam, assim como o Modernismo
inicial, o uso da linguagem coloquial, popular, na obra de arte
literária;
 - a diferença fundamental: enquanto os modernistas de 22
procuravam "escrever errado", reproduzindo as incorreções
gramaticais da fala popular de maneira programática na
linguagem literária, os regionalistas de 30 escrevem com
simplicidade, apenas ocasionalmente desrespeitando a norma
culta da língua portuguesa.
As trilhas do romance
O ROMANCE,
A PARTIR DE 30

Segundo Bosi, é possível distribuir o romance


moderno, de 30 para cá, em, pelo menos,
quatro tendências, segundo o grau crescente de
tensão entre o “herói” e seu mundo e, ainda ao
seu modo de captar o ambiente e de propor a
ação:
1 ROMANCE DE
TENSÃO MÍNIMA:

 Neste tipo de romance há conflito, mas as personagens não


se destacam muito da estrutura e da paisagem que as
condicionam; há neste tipo de romance um apelo amplo ao
espacial e histórico, com a forte presença da cor local e de
fatos de crônica, exemplo: Érico Veríssimo, Jorge Amado;
CAPITÃES DA AREIA,
DE JORGE AMADO

A primeira fase da obra: tematizam-se as


preocupações sociais;
Personagens tipo;
Linguagem: registro coloquial e lirismo; o gênero
jornalístico;
O cenário: a Bahia, suas desigualdades e injustiças;
CAPITÃES DA AREIA
JORGE AMADO

"Pirulito mirou o céu azul onde Deus devia estar e agradeceu num sorriso e
pensou que Deus era realmente bom. E pensando em Deus pensou também nos
Capitães da Areia. Eles furtavam, brigavam nas ruas, xingavam nomes, derrubavam
negrinhas no areal, por vezes feriam com navalhas ou punhal homens e polícias. Mas,
no entanto, eram bons, uns eram amigos dos outros. [...]
O padre José Pedro dizia que a culpa era da vida e tudo fazia para remediar a vida
deles, pois sabia que era a única maneira de fazer com que eles tivessem uma
existência limpa.[...]
Pirulito fora a grande conquista do padre José Pedro entre os Capitães da Areia.
Tinha fama de ser um dos mais malvados do grupo [...]. No dia que o padre José Pedro
começou a falar de Deus, do céu, de Cristo, da bondade e da piedade, Pirulito começou
a mudar. Deus o chamava e ele sentia sua voz poderosa no trapiche. Via Deus nos seus
sonhos e ouvia o chamado de Deus de que falava o padre José Pedro.[...]
Ele tinha jurado a Deus, no seu temor, que só furtaria para comer ou quando
fosse uma coisa ordenada pelas leis do grupo, um assalto para o qual fosse indicado
por Pedro Bala.[...]
E é esse amor e esse temor que fazem Pirulito indeciso ante a vitrina nesta hora
de meio-dia, cheia de beleza. [...] Mas, mais belo que tudo é a imagem da Conceição
com o Menino [...]. A imagem da Virgem da Conceição estende o Menino para
Pirulito. Pirulito pensa que a virgem está a lhe entregar Deus, Deus criança e nu,
pobre como Pirulito.[...]
Pirulito avança. Vê o inferno, o castigo de Deus, suas mãos e sua cabeça a arder
uma vida que nunca acaba. Mas sacode o corpo como que jogando longe a visão,
recebe o Menino que a Virgem lhe entrega, o encosta ao peito e desaparece na rua.
Não olha o menino. Mas sente que agora, encostado ao seu peito, o Menino
sorri, não tem mais fome nem sede nem frio.[...].”
2 ROMANCE DE
TENSÃO CRÍTICA:

 Neste caso, o herói opõe-se e resiste agonicamente às pressões


da natureza e do meio social, evidencia-se explícita ou
implicitamente o seu mal-estar permanente; os fatos que retrata
adquirem feições menos ingênuas e servem para pôr em
evidência as lesões que a vida em sociedade produz no tecido
da pessoa humana; as personagens apresentam uma relação
dinâmica com a paisagem e a realidade sócio econômica,
nascendo daí o enredo; passa-se aqui, da construção do mero
tipo ao caráter;
VIDAS SECAS, DE GRACILIANO RAMOS

Acordou sobressaltado. Pois não estava misturando as pessoas, desatinando? Talvez


fosse efeito da cachaça. Não era: tinha bebido um copo, tanto assim, quatro
dedos. Se lhe dessem tempo, contaria o que se passara. Ouviu o falatório
desconexo do bêbedo, caiu numa indecisão dolorosa. Ele também dizia palavras
sem sentido, conversava à toa. Mas irou-se com a comparação, deu marradas na
parede. Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se.
Estava preso por isso? Como era? Então mete-se um homem na cadeia porque
ele não sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele?
VIDAS SECAS, DE GRACILIANO RAMOS

Vivia trabalhando como um escravo. Desentupia o bebedouro, consertava as


cercas, curava os animais – aproveitara um casco de fazenda sem valor.
Tudo em ordem, podiam ver. Tinha culpa de ser bruto? Quem tinha culpa?
Se não fosse aquilo... Nem sabia. O fio da ideia cresceu, engrossou – e
partiu-se. Difícil pensar. Vivia tão agarrado aos bichos. .. Nunca vira uma
escola. Por isso não conseguia defender-se, botar as coisas nos seus
lugares. O demônio daquela história entrava-lhe na cabeça e saía. Era para
um cristão endoidecer. Se lhe tivessem dado ensino, encontraria meio de
entendê-la. Impossível, só sabia lidar com bichos.
3 ROMANCES DE
TENSÃO INTERIORIZADA:

 Neste caso, o herói não se dispõe a enfrentar a antinomia


eu/mundo pela ação, mas pela subjetivação do conflito,
evadindo-se; os romances psicológicos apresentam várias
modalidades , como o memorialismo, o intimismo, a
autoanálise; o tempo, nessas narrativas, perde seus
contornos objetivos para ganhar a dimensão psicológica;
UMA VIDA EM SEGREDO
AUTRAN DOURADO

“Só então Biela levantou os olhos do chão, viu as primas todas que olhavam curiosas
para ela. Devia parecer bicho do mato, nunca-me-viu. O olhar de prima Biela feito o de
um bichinho assustado medroso que procura se acostumar. Os olhos miúdos piscavam
rápidos, não mostravam a cor. Quando deu com aquela porção de olhos em cima dela,
recuou medrosa assustada, como se alguma coisa a ameaçasse não só por fora mas por
dentro. Que mundo aquele em que ia entrar. Meu Deus, me ajude, talvez ela tenha
pensado. Quero voltar pro Fundão, pra minha toca tão sossegada, talvez tenha querido
dizer.
Mas nada disso ela disse. Disse com muito esforço, como se juntasse num grande
alento toda a alma sufocada, disse, a voz apagada que todos ouviram porque havia um
imenso silêncio de montanha, disse apenas me desculpe se fiz esperar.
Constança não podia entender uma fala assim tão sem sentido, tão carregada de
medo. A pobrezinha devia de estar confusa vendo tanta gente assim reunida em sua
volta, à sua espera. Vivendo durante tantos anos sozinha com o pai no casarão da
Fazenda, um convívio humano mais amplo tocou-a de certo bem fundo, perturbou-a.”
4 ROMANCES DE
TENSÃO TRANSFIGURADA:

 Neste caso, o herói procura ultrapassar o conflito que o


constitui existencialmente pela transmutação mítica ou
metafísica da realidade; assim, o romance tangencia a poesia e
a tragédia; dessa maneira, adentra-se o círculo da invenção
mito poética, uma vez que nesta transposição, tempo, espaço e
enredo adquirem a dimensão do mito.
A TERCEIRA MARGEM DO RIO
GUIMARÃES ROSA

“Nosso pai não voltou. Ele não tinha ido a nenhuma parte. Só executava a
invenção de se permanecer naqueles espaços do rio, de meio a meio, sempre
dentro da canoa, para dela não saltar, nunca mais. A estranheza dessa
verdade deu para estarrecer de todo a gente. Aquilo que não havia,
acontecia. Os parentes, vizinhos e conhecidos nossos, se reuniram, tomaram
juntamente conselho.
Nossa mãe, vergonhosa, se portou com muita cordura; por isso, todos
pensaram de nosso pai a razão em que não queriam falar: doideira. “

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