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UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES

Fabiana Oliveira de Matos


RGM: 11211401969

POLÍTICAS PÚBLICAS E PAPEL DO ESTADO ALIADOS


AS TEORIAS DA PSICOLOGIA SOCIAL
SOBRE A NARRATIVA DO FILME- Cidade de Deus (2002).

Fotografia da Cidade de Deus - Arquivo Nacional.

São Paulo
2022

Fabiana Oliveira de Matos

POLÍTICAS PÚBLICAS E PAPEL DO ESTADO ALIADOS


AS TEORIAS DA PSICOLOGIA SOCIAL
SOBRE A NARRATIVA DO FILME- Cidade de Deus (2002).

Trabalho de M1, apresentado a


Universidade de Mogi das Cruzes, como
parte das exigências parciais para a
obtenção do título de finalização de
semestre.

Prof. Eliziane Jacqueline dos Santos


São Paulo
2022

RESUMO

O presente trabalho, tem como objetivo aliar às teorias da Psicologia Social a


algumas questões presentes no filme Cidade de Deus. A história da
comunidade Cidade de Deus (CDD) surgiu na década de 1960, com o
Governo Carlos Lacerda, que implementou políticas públicas de remoção de
favelas entorno da Zona Sul da cidade. Situada em um bairro da Zona Oeste
do município do Rio de Janeiro, a região pertencia ao sub-bairro de
Jacarepaguá, que por um decreto municipal, foi fragmentado, e tornou-se
oficialmente o bairro Cidade de Deus. Além disso, o trabalho visa analisar o
papel da Família, estado, escola, a comunidade local, na formação e no
processo de desenvolvimento humano, desigualdade social, a discriminação
étnico-raciais, repressão e o descaso das autoridades na década de 60, que
infelizmente perpetua até os dias atuais. Na época aproximadamente mais de
63 comunidades de todo o estado do Rio de Janeiro, passaram a viver no
conjunto habitacional que consequentemente tornando-se uma das maiores
favelas do Brasil. Embora a comunidade esteja em torno de bairros nobres do
Rio de Janeiro como: a Barra da Tijuca e a Freguesia. A Cidade de
Deus apresenta indicadores sociais entre os mais críticos de todo o estado.
Segundo o IBGE (2000), seu índice de desenvolvimento humano (IDH), era
de 0,751, o 113.º colocado entre 126 regiões analisadas na cidade do Rio de
Janeiro. Para mais, o índice de violência aumento significativamente nos
últimos anos, no ano que o filme foi lançado em 30 de agosto de 2002, houve 84
mortes violentas registradas na área da 32ª DP, segundo dados do Instituto de
Segurança Pública (ISP).
1. Contexto do filme com os principais personagens e descrição
das questões ligadas ao papel da Família, estado, escola, comunidade
local, na formação e desenvolvimento humano.

Conforme dispõe a Constituição Federal de 1988, Art. 6º- todo cidadão


brasileiro nato ou naturalizado tem direito a educação, a saúde, o trabalho,
a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e
à infância, a assistência aos desamparados. No entanto, quando se trata do
direito de ir e vir, da inviolabilidade de civis que habitam as periferias das grandes
cidades do Brasil, isso não passa de falácias. Isto porque, a nossa Constituição é
válida apenas para uma parte da sociedade. Segundo Marx (2010, p. 59), o
“Estado e a organização da sociedade não são, do ponto de vista político, duas
coisas diferentes”. Sobre isso o autor afirma que o Estado (burguês), foi criado
para garantir os interesses particulares da classe capitalista, e não para garantir
os interesses dos trabalhadores e do povo, que por sinal é a maioria absoluta da
população. ‘O Estado é o ordenamento da sociedade”, e por isso não se
considera o responsável pelos males sociais que a assolam”. (1999, pp. 84-5).
Ou seja, o Estado e a polícia, seu braço direito armado, defende apenas o direito
da elite e não o direito à cidadania da população, em especial das comunidades
carentes, como a Cidade de Deus.

O conceito de que o Estado deve garantir o “interesse de todos” contra os


interesses particulares, esconde uma realidade oposta revelada pelo filme
Cidade de Deus, a única lei predominante na comunidade é a violência, a
criminalidade e a pobreza. O primeiro marco importa da Comunidade Cidade de
Deus, foi sua criação em 1960, quando o Governador do Rio de Janeiro Carlos
Lacerda removeu as comunidades entorno da Zona Sul, assim como em outras
regiões, e realocou todas as favelas do estado, no sub-bairro do Jacarepaguá.
Mais adiante, a comunidade recebeu os flagelados da enchente de 1966. Esse
feito, marcou a primeira heterogeneidade na sua composição populacional, pois
essa nova ocupação de pessoas de diferentes favelas e características sociais e
culturas diferentes, contribuiu para o rompimento da população, quebrando
vínculos de amizades e a política de boa vizinhança. Sem falar no impacto
econômico, que ao deixarem para trás suas casas e seus empregos, favoreceu
para os altos índices de pobrezas, desempregos, assassinatos, brigas territoriais
entre facções, tráfico de drogas, estupro, feminicidio, entre outros crimes.

A narrativa do filme, releva desde a primeira cena o reflexo do abandono


Constitucional, visto que, o morro não tinha condições básicas de moradia como
água, luz, asfalto, saneamento, muito menos escolas o suficiente para suprir
todas as necessidades e demanda do lugar. É nítido que o Estado não se
importava com a situação do lugar, uma vez que a Cidade de Deus “ficava
distante do cartão postal do Rio de Janeiro". De acordo com o governo da época,
a construção da CDD, pretendia abrigar funcionários da construção civil, mas
devido o remanejamento das favelas da cidade, a catástrofe ambiental de 1966,
e o número de habitantes aumentando dia a dia, as coisas saíram do controle.

Um dos personagens principais do filme Buscapé, relembra a sua infância


triste e o modo como cresceu na comunidade entre o crime e a violência. É
durante um jogo de futebol que Buscapé e Dadinho se conhecem, o primeiro
sempre encara o segundo com temor, mas é ignorado. Desde crianças os dois
personagens estão em contraste evidencia, como se os seus destinos já
estivessem traçados: pois um (Buscapé) sonhava em ser fotografo, queria paz e
um futuro longe do crime, e o outro (Dadinho), queria ser membro importante da
facção. Nessa época, três adolescentes comandavam o crime na região:
Cabeleira, Alicate e Marreco (trio ternura), juntos eles cometiam pequenos
assaltos e, em alguns casos, oferecia à comunidade participação no produto do
roubo. Esse grupo deu início a uma espécie de “ escola do crime”, uma vez que,
a cada nova ação da quadrilha, mais e mais crianças e adolescentes entravam
para participar dos assaltos.
Segundo Martín-Taró (1985), ao abordar a ação e a ideologia sobre o
sofrimento contínuo do povo, afirma que a psicologia pode e dar suas
contribuições em novas formas de coexistência humana e que não se forjem
entre relações de dominação e exclusão social. Nesse sentido, observava-se que
o indivíduo para enfrentamento das expressões referente as questões sociais,
torna-se o sujeito social da própria história. Ou seja, o processo de participação
da comunidade é fundamental para o desenvolvimento da mesma. Com a
ausência do Estado, a comunidade torna-se sujeito e agente da própria história
no processo de desenvolvimento, e muitas vezes o crime organizado agem como
se fossem o Estado promovendo o desenvolvimento. Isso fica claro, quando o trio
ternura decide roubar um caminhão de gás próximo ao morro, a cena é marcada
pela a agressividade de Dadinho. No entanto, o que é relevante a se observar é
que a quadrilha fica com o dinheiro, enquanto as pessoas da comunidade
recolhem os botijões de gás e dividem entre sí. Ou seja, eles roubando dos ricos
para dar para os pobres, assim como Robin Hood. A polícia, diga-se de
passagem, só entrava na comunidade em busca de dinheiro. O estado por sua
vez, não possui nenhum poder, e consequentemente a comunidade fica à mercê
dos traficantes, cabendo a eles ditarem as leis e suas definições de
organizações, bem como o funcionamento das instituições e das relações
sociais. Festas, as relações familiares, a religião, o funcionamento de escolas, o
comercio local, e até mesmo o julgamento de pessoas tinham que respeitar as
leis ditas pelos traficantes. Quem discordassem ou não respeitassem o que as
fações determinavam como certas ou erradas, era expulso ou mesmo executado.
Entre as décadas de 70 e 80 o narcotráfico passa a dominar a CDD, assim como
em outras comunidades do Rio, agravado pela escassez econômica que traça o
final do governo militar e o início da Nova República.

2. Principais políticas públicas que podem ser aplicadas às questões de


vulnerabilidade apresentadas na história.

Visando a democratização de informações e garantia de direitos,


algumas ações foram implementadas na comunidade, como medidas
compensatórias, com o objetivo de desarticulá-la. Segundo Iamamoto (2011,
p. 304), O empreendimento de educação e lazeres para as classes populares
se volta justamente para a ocupação desse tempo resgatado ao capital. Para
ocupá-lo de uma forma que neutralize, que esterilize se conteúdo de
autonomia e relativa liberdade. Em 1970, a regulação estatal das favelas
foram ganhando cada vez mais visibilidade, bem como o engajamento de
movimentos sociais, a fim de fortalecer a participação da comunidade na
construção dos seus interesses. De acordo com Leroy (2002) a participação
da população seja direta ou indiretamente, bem como a democracia
constituem bases fundamentais e dispensáveis para o planejamento
sustentável de uma determinada sociedade. Seu pleno funcionamento remete
a uma sociedade ativa, participativa e acima de tudo consciente da
importância de seu papel frente no desenvolvimento e planejamento,
buscando, assim, valer os seus direitos.

Em meio a todo caos de criminalidade e violência que habita a


comunidade, percebe-se que não é só o meio físico que afeta a subjetividade
do sujeito. Mas, todo o contexto sociocultural em que esse sujeito está
inserido. Ao longo dos anos, as periferias foram estigmatizadas por suas
características territoriais, casas sem reboco, as ruas sem saneamento
básico, a falta de escolaridade dos moradores, a fome e escassez dos
serviços públicos. No entanto, o sujeito periférico tem problemas existenciais
que acometem, tanto a sua experiência, quanto a sua existência. Além disso,
essa definição generalizada desconsideram os desejos das vidas familiares
dos sujeitos, bem como, o interesse individual. Cada cidadão, cada mãe solo,
cada trabalhador, cada criança como o (Buscapé), possuem expectativas
distintas de vida. Porém é possível implementar políticas públicas nesse
contexto, através da educação, através do resgate da autoconfiança
individual ou em grupo, por meio de implementação e no desenvolvimento de
ações, que fortaleçam a emancipação dos discursos dos sujeitos da
comunidade, por meio de oficinas artística, ou na capacitação atrás de
cursos, para que os indivíduos alí possam desenvolver independência e
capacidade, além de enfraquecer a ideia de que o crime, a violência e armas
são suas únicas opções.
3. Papel e contribuição do Psicólogo na Assistência Social e as referências
técnicas das Políticas Públicas (CREPOP) envolvidas.

As reflexões de Martín-Baró sobre o papel do psicólogo frente às


questões sociais e dos projetos de transformação social, é de extrema
relevância para a nossa sociedade. Pois, entende-se a partir de suas
contribuições para a PSC que, não basta querer transformar a vidas das
pessoas em situação de vulnerabilidade. Mudar de certa forma ou transformar
a vida de pessoas que vivem nessas condições não é algo fácil. Pois, para
compreender a real necessidade e dificuldades, é necessário trazer para o
campo da PSC, pautas sociais que compreenda o sujeito no seu meio social,
e a partir disso, desenvolver estratégias de enfrentamento de acordo com a
realidade individual e plural do sujeito. Vale ainda mencionar que, essa
intervenção não tem a ver com o processo unidirecional, de imposição do
"querer" de um determinado profissional ou uma determina abordagem, e sim
de, procurar buscar no campo da Psicologia de modo geral a criação de
ferramentas e metodologia para a realização das capacidades dos sujeitos
trabalhados (Sarriera, Silva, Pizzinato, Zago, & Meira, 2000). Sobre isso,
Freitas (1998b) afirma que está inserção se estabelece numa relação de dois
polos, no qual de um lado se encontra o profissional, com seus
conhecimentos, e do outro a comunidade, inserida em um contexto
sociopolítico e seus espaço geográfico e em um determinado tempo histórico.
Além disso, faz-se entender que a Psicologia não deveria atentar-se apenas
as demandas e os problemas sociais já existentes, mas ser ativa na sua
construção e transformação. Para isso, é necessário deselitizar a psicologia,
na tentativa de aproximar-se das necessidades e problemas reais das
comunidades. Nesse sentido é possível estabelecer uma conexão entre a
constituição histórica cultural e o campo de atuação da Psicologia Social
Comunitária, através do SUAS/CRAS.

Góis (1988) afirma que a Psicologia Social Comunitária tem como


objetivo estudar os processos e as propriedades do psiquismo humano
decorrentes da vida em comunidade. Sua prática estar ligada ao processo de
desenvolvimento da consciência dos moradores das comunidades como
indivíduos históricos, ou seja, seu objeto de estudo é o reflexo psíquico da
vida e o desenvolvimento humano nesse contexto, a imagem ativa das
relações da comunidade no psiquismo e o aprofundamento da consciência de
cada sujeito. Deste modo, a PSC vem a ser uma ciência comprometida com a
verdade de cada cidadão na construção da sua própria identidade,
considerando acima de tudo, o contexto social que esse mesmo sujeito estar
inserido (Sawaia, 1998). Além disso, é de suma importância os
conhecimentos da psicologia em ações desenvolvidas no sistema único de
Assistência Social (SUAS), através de equipamentos socioassistenciais como
os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de
Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). Cada Centro de
Assistência tem uma demanda de trabalho diferenciada, mas olhando como
um todo, um suplementa a carência do outro. No CRAS, por exemplo, são
realizadas ações de cunho preventivo, através de monitoramento das
famílias, assim como: promover a interação do sujeito e a garantia dos seus
direitos na sociedade. Como; acompanhamento familiar, desenvolvimento de
grupos terapêuticos com crianças e idosos, a fim do fortalecimento de
vínculos, visitas domiciliares entre outros. Já o CREAS, tem como objetivo
oferecer apoio e orientação de forma especializada para a população, como
em casos de violência doméstica, negligência familiar, abusos sexuais. Em
2006, para fortalecer a Psicologia e ações de cunho político social, foi criado
o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas
(CREPOP), a fim de promover a qualificação do psicólogo para atuar nas
diferentes áreas de políticas públicas. Além da questão ética e política o
CREPOP, propõe que a Psicologia tenha um novo olhar em relação aos
compromissos com os Direitos Humanos e com as Políticas Públicas.

4. Conclusão

Em suma, o filme cidade de Deus (2002), é um retrato real e preciso


do caos, violência e da negligencia em que se encontra as comunidades
brasileiras até hoje. O instinto por sobrevivência é o que move e mantem de
certo modo, a comunidade viva e unida. No Brasil, supõe-se que a
democracia tenha sido instalada pelo restabelecimento do estado de direito
no período pós-ditadura, no entanto, as enormes dimensões das
desigualdades sociais só refletem o paradoxo entre os direitos institucionais
e a cidadania. Em especial nas comunidades, onde em sua maioria são
habitados por pessoas negras. É justamente nessa deficiência de
organização social por parte do Estado, que a PSC pode atribuir seus
saberes, tanto no ponto de vista cientifico, quanto para a construção de
novos saberes, visando o bem-estar do sujeito na sua subjetividade e
pluralidade nesse contexto de vulnerabilidade social.
5. Referências

Filme: CIDADE DE DEUS. Link: https://www.youtube.com/watch?v=j5TlzAUe6kg.


Acessado em 07 de novembro de 2022 às 15:29.

https://www.ibge.gov.br/busca.html?searchword=favela+cidade+de+deus%2C+rio
acessado em 08 de novembro de 2022 às 13h00.

https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/rio-de-janeiro/historico acessado dia 09 de


novembro de 2022 às 15h00.

Sara de Lima Dias. MARIA.O Legado de Martín-Baró; A questão da consciência


Latino Americana. Revista Psicologia Latina n. 33, p.11-22, julho 2020.

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psicólogo e a tarefa de transformação social na obra de Martín-Baró e na
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http://www.teocripsi.com/ojs/ (ISSN: 2116-3480).

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Brasília: MDS, 2012.

https://www.gov.br/pt-br/servicos/acessar-o-cras-centro-de-referencia-da-
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http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?
option=com_content&view=article&id=34784&Itemid=43 IPEA. Atlas da violência,
2019. Acesso em 09 de novembro de 2022 às 16h00.

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