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Rodrigo Monteiro.
NUPEVI/IESP/UERJ.
Introdução
Desde a primeira favela no Rio de Janeiro, em 1897 até hoje, as relações entre a cidade
formal e as áreas favelizadas foram marcadas por tensões e exibem, com extremo vigor, a
desigualdade social, uma das mais perversas marcas de nosso Estado-Nação.
Para alguns autores, o Brasil construiu um modelo de cidadania que era regulada
(SANTOS, 1979), ou seja, concedida pelo Estado a determinados grupos e segmentos sociais
de acordo com alianças e estratégias políticas, especialmente nos anos 1930.
Houve avanços substanciais nos últimos trinta anos, como a estabilidade monetária,
seguidas e seguras transições políticas, redução da pobreza e da miséria, estabilidade
democrática com garantias das liberdades.
Entretanto, a forma com que a política de segurança pública tentou tratar do problema
da violência nas favelas era basicamente de fazer intervenções pontuais que ocupavam as
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favelas por um ou dois dias quando havia confronto e depois deixavam a segurança das
favelas às suas próprias sortes, aos traficantes ou milicianos e aos policiais corruptos.
Experiências pontuais como o Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais (GEPAE)
existiram mas não tiveram a dimensão e o investimento feito nas UPPs.
3 Esse número corresponderia a quase 1/3 do total de moradores residentes em favelas na cidade do Rio de
Janeiro, estimado pelo IBGE (http://www.vivafavela.com.br/materias/censo-2010-rio-tem-17-milh%C3%A3o-
de-moradores-de-favelas) em 1,7 milhão de moradores de favelas para toda a região metropolitana do Rio de
Janeiro, o que inclui, evidentemente, outras cidades.
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das próprias Associações de Moradores que, em geral, recebem um percentual ou uma taxa
diante de cada negociação.
Observando o mapa das UPPs, nota-se que elas estão concentradas em quase todas as
favelas do Centro da cidade e da Zona Sul, em parte de favelas da Zona Norte e em apenas
duas favelas da Zona Oeste.
De todas as atuais 32 UPPs, apenas uma era anteriormente dominada pelos chamados
milicianos, outro modelo de crime organizado que são grupos paramilitares formados em sua
maioria por militares, bombeiros e policiais civis, geralmente aposentados, grupos que
proíbem venda de drogas, mas exploram as comunidades comercialmente, também exercendo
domínio armado e severas repressões.
Nesse artigo tentamos exercer uma característica da antropologia desde suas primeiras
horas: estudar de forma empírica as diferenças entre grupamentos humanos, aqui
representados por três comunidades pacificadas: Batan (40.000 habitantes), Coroa-Fallet-
Fogueteiro (20.000 habitantes) e Complexo do Alemão (60.000) habitantes.
O Caso Alemão
Publicados no portal Rio Como Vamos5, dados do DATASUS revelam queda na taxa
de homicídio juvenil masculino na Região Administrativa do Complexo do Alemão:
85/100.000 em 2009, 79,92/100.000 em 2010 e 47,69/100.000 em 2011. Para toda a cidade,
os dados também mostram queda nesse item: 115,81 em 2009, 100,26 em 2010 e 63,74 em
5 Outro dado para ilustrar a situação do Complexo do Alemão é o de analfabetismo, que na região é de 6,95%,
enquanto o percentual de analfabetos para toda a cidade é de 2,9%, ambas menores que a média nacional que é
de 9,6% (Censo 2010).
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20116. O jornal “O Globo” de 24 de março de 2013 também revela queda no número de
disparos de armas de fogo de policiais: em 2007 foram 40.332 disparos, em 2008 foram
53.657, 28.484 em 2009, 23.334 em 2010, 4.244 em 2011 e 2395 em 2012.
É comum que políticos e gestores locais afirmem que as UPPs recuperam o direito de
ir e vir de moradores das comunidades. De fato, esse direito se estende a moradores de toda a
cidade e também de turistas que visitam o Complexo do Alemão tendo como porta de entrada
o teleférico7. As UPPs também deram fim ao tribunal do tráfico, prática onde traficantes
julgavam acusados de traição que deveriam pagar até mesmo com a vida. Essa nova
conjuntura abre espaço para novas lideranças e reconfigura as relações de poder nas
comunidades.
Comerciantes ouvidos por essa pesquisa revelam grande alívio com o fim do tráfico
armado. Segundo alguns deles, os traficantes não traziam benefício algum para a comunidade,
sobretudo aos comerciantes, que em muitos casos eram coagidos a dar alimentos, dinheiro ou
bebidas a traficantes. Para esses mesmos comerciantes, as reclamações agora são as mesmas
dos comerciantes da chamada cidade formal: alta carga tributária, concorrência desleal de
produtos não regulamentados, concorrência de comércio ambulante.
Há, por outro lado, comerciantes prejudicados com o advento da ocupação e das UPPs,
por serem fornecedores privilegiados para as festas de traficantes e bailes funks promovidos
por eles. Para os traficantes, portanto, parecia haver dois tipos de comerciantes, os que eram
remunerados pelo que forneciam e os que eram extorquidos.
Uma vez que a ocupação em 2010 deu fim ao domínio armado de traficantes no
Complexo do Alemão, sem prender a maioria dos traficantes locais, mas afastando os
traficantes mais conhecidos e que estavam fichados pela polícia para outras áreas da cidade,
assim, traficantes desconhecidos e com menos prestígio dentro da hierarquia do tráfico
7 De acordo com o Jornal O Globo de 19 de maio de 2013, o teleférico do Alemão recebe 12.000 passageiros
por dia, e aos fins de semana 60% desse público seria de não moradores, o que daria ao teleférico do Alemão um
número maior de visitantes do que outros pontos turísticos tradicionais da cidade do Rio de Janeiro. Fonte:
http://oglobo.globo.com/rio/teleferico-do-alemao-bate-icones-do-rio-em-numero-de-visitantes-8433461.
Acessado em 19 de maio de 2013.
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continuaram vivendo e atuando nas favelas do Complexo do Alemão de forma discreta, ainda
que sejam relatados confrontos com policiais, ordens para fechamento de comércio, etc. Isto
poderia, em linhas gerais, ser considerado o retorno ao modelo inicial de tráfico de drogas
ilegais como era praticado na década de 1970.
Tal ‘retrocesso’ teria atingido fortemente esses grupos de traficantes que tinham como
estilo de masculinidade, a exibição de armas, carros, joias e motos para todas as suas
comunidades ‘dominadas’, práticas de consumo conspícuo entendidas como estilo de
hipermasculinidade8 (Zaluar, 2004), pois o domínio armado não se restringia apenas ao uso de
armas, mas à sua exibição, bem como na exibição de símbolos de consumo, como carros e
joias e bens que serviam para ostentar e demonstrar quem eram os ‘donos’ poderosos,
servindo para seduzir mulheres e atrair novos ‘soldados’, que se continuassem vivos e
seguissem na estrutura, cresceriam na hierarquia (Zaluar, op. Cit).
A exibição de armas, joias, carros de luxo, motos de elevado custo não é mais
possível, bem como outras atividades de exibição e ostentação de poder econômico e
simbólico, em razão da necessidade de uma nova estratégia que obriga aos traficantes
operadores do comércio local de drogas ilegais a serem discretos. O que também provocou
alterações na economia do tráfico.
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associações que estão há menos de um ano no cargo, quando do trabalho de campo. Sinal de
mudança?
Batan
Cidade de Deus e Batan são as duas únicas UPPs localizadas em áreas da Zona Oeste
do Rio de Janeiro. Essa região da cidade também é a mais dividida entre milicianos e
traficantes. A área da UPP do Batan corresponde a seis pequenas comunidades: Jardim Batan,
Morrinho, Vila Jurema, Cristalina e, mais recentemente, o Fumacê. Por ser um micro bairro
dentro de Realengo, os dados sobre homicídios no Batan não estão disponíveis, via
DATASUS como no Complexo do Alemão, que é uma região administrativa exclusiva.
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menor percentual de empregados (80,3%) e o maior de desocupados (19,7%).
Paradoxalmente, o Batan é o terceiro maior percentual de moradores funcionários públicos e
militares (2,2%) e é o segundo maior percentual de pessoas empregadas, mas sem carteira
assinada (22,4%). O Batan registra ainda o mais baixo percentual de moradores com
documentos de identidade (94,9%), carteira de trabalho (93%), CPF (91,8%) e título de eleitor
(91,3%). A população do Batan tem média de 6,5 anos de estudo. Ao mesmo tempo era o
Batan a região com o maior interesse por áreas culturais. Apesar disso, logo após a instalação
da UPP, o Batan também recebeu (como parte do programa das UPPs) uma unidade do Centro
de Ensino Técnico Profissionalizante, o CETEP, órgão da Secretaria Estadual de Ciência e
Tecnologia, que oferece cursos básicos de idiomas, camareiras, cabeleireiras e manicures e
noções de informática.
É preciso reconhecer, entretanto, que parte do Batan não pode ser considerada um
exemplo clássico de favela, casas mal conservadas, com ligações clandestinas de energia,
água e esgoto sanitário. Ao contrário, a parte central se parece mais com um bairro pobre de
subúrbio do que com uma favela, ainda que não exista uma única agência bancária ou
correspondente como uma simples casa lotérica.
Segundo entrevistas com moradores do Batan, um dos grandes dramas dessa região
seria a questão fundiária. Até a instalação da UPP, a venda de terras ilegais seria feita pela
Associação de Moradores, que cobrava não só pela venda da terra como exigia uma comissão
no momento da revenda da propriedade. O título de posse dessas propriedades construídas em
Entretanto, parece haver apenas duas ONGs na localidade. Uma delas é denominada
de Centro Social e Cultural Tatiane Lima (CSCTL) e atua na comunidade desde 1998. A outra
ONG é ligada ao grupo chamado Rio de Retribuição e foi instalada após a implantação da
UPP, por um policial militar da UPP e pastor evangélico, tal projeto parece ser apoiado pela
UPP do Batan e pela FIRJAN/SESI, como visualizado em placas publicitárias colocadas na
frente de suas sedes.
Durante o trabalho de campo também pude observar moradores levarem diversos tipos
de demandas à policiais da UPP local. Desde relatos detalhados de comportamento de
10 Destaque-se a ausência de qualquer uma das grandes ONGs do Rio de Janeiro no Batan.
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usuários de drogas no bairro até pedidos de intervenção junto a agentes de concessionárias de
serviços públicos para que fizessem reparos na rede elétrica ou telefônica, assim como
relatado no Complexo do Alemão.
Nenhum morador relatou ser vítima direta de abusos ou desvios de policiais militares.
Entretanto, relatam haver ruídos e boatos de desvios de conduta quanto à pequena corrupção e
supostas festas informais na sede da UPP.
Por conta de tais demandas, o comandante da UPP teria solicitado a uma das empresas
de ônibus que atendem à região que fizesse uma linha ligando o Batan ao centro comercial de
Realengo. A linha funcionou por pouco tempo, tendo sido logo depois descontinuada. O
transporte é feito basicamente por meio de vans e kombis que operam no chamado transporte
alternativo.
Um fato curioso que vem se sucedendo com a UPP do Batan e de outras comunidades
pacificadas diz respeito à imagem da policial feminina. Seja resultado da maior autonomia das
mulheres, ou, resultado de uma estratégia de aproximação da PM com as comunidades, têm
sido observadas policiais militares mulheres mais feminizadas, com imagens menos
masculinizadas, mais maquiadas, com cabelos tingidos, mostrando uma imagem até certo
ponto fragilizada ou menos brutalizada de tais profissionais da segurança.
Outro ponto abordado por moradores diz respeito ao consumo de drogas na localidade.
Embora pacificada, e a grande maioria dos moradores ouvidos reconheça que a UPP gerou
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ganhos reais para a comunidade, muitos demonstravam desapontamentos pelo fato da
comunidade situada do outro lado da Avenida Brasil, o Fumacê não ter sido pacificada (até a
realização da pesquisa de campo) e ser motivo de constantes riscos por conta de trocas de
tiros11.
A UPP responsável por esses três bairros foi instalada em 25 de fevereiro de 2011. As
três comunidades ficam próximas ao Centro da cidade do Rio de Janeiro e do tradicional
bairro de Santa Tereza. Juntas, elas somam cerca de 20.000 habitantes. Há poucos dados
socioeconômicos oficiais disponíveis especificamente das três comunidades devido ao seu
reduzido tamanho e por esses dados estarem mais integrados aos bairros formais vizinhos.
Até janeiro de 2013, o comando da UPP local tinha sido substituído três vezes. O
primeiro comandante foi afastado por denúncias de corrupção. O segundo teria sido afastado
pelo fato de moradores denunciarem a cumplicidade dele com policiais truculentos e que
abusavam do poder. Esse segundo comandante da UPP era tido por alguns moradores como
estrategista e não necessariamente como um oficial especializado em policiamento de
proximidade, proposta oficial das UPPs. O terceiro comandante assumiu a UPP quando já
encerrávamos a pesquisa, mas a impressão dada por moradores e comerciantes era de que ele
O acesso às comunidades é por ruas asfaltadas, entretanto as ruas são muito íngremes
e estreitas, fato que dificulta o acesso para moradores sem automóveis e para a prestação de
serviços, entrega de mercadorias, etc. Tal fato deve servir também para dificultar ações
policiais mais ostensivas. O acesso de moradores ao topo dos morros se dá apenas por
transporte alternativo ou veículos particulares.
Além das três associações de moradores, poucas ONGs estão presentes nas
comunidades. Isso pode ser explicado pela baixa visibilidade das comunidades na imprensa,
ao ser comparada com o Complexo do Alemão, a Maré ou a Rocinha, por exemplo.
Ao contrário de outras comunidades, o comércio local é muito fraco e parece não ter
crescido após a pacificação. Existem alguns bares e biroscas espalhados pelas comunidades,
mas esses são muito simples e voltados para a população local que busca uma pequena falta
em suas dispensas ou para o consumo de bebidas. Não se percebem pequenos mercados ou
mesmo bancas vendendo serviços de telefonia fixa ou móvel nas ruas, como é o caso das ruas
do Complexo do Alemão, onde suas principais entradas estão lotadas de bancas e
estabelecimentos que vão desde padarias, bares, serviços, roupas a equipamentos eletrônicos,
loterias e agências bancárias.
“....tinha o quadro trágico que era você ver as pessoas circularem com fuzil,
crianças se misturando no meio das armas como se fosse uma coisa normal. Como
morador você até se acostuma.”
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como fator positivo da instalação da UPP no local, o fato da guerra entre traficantes armados
desses comandos rivais ter se encerrado e com isso se torna possível novamente circular pelas
três comunidades. Não deixam de reconhecer, porém, que o tráfico não se encerrou e que a
divisão de comandos continua, embora a venda de drogas também tenha se tornado mais
discreta e enfraquecida.
Conclusão
Pode-se dizer, em linhas gerais, que as UPPs podem vir a encerrar o ciclo de grupos
criminosos armados nas favelas que ocupam, sem necessariamente, conseguir dar fim ao
tráfico de drogas ilegais, o que pode acabar por se tornar um foco de resistência à presença
dos policiais e ao projeto das UPPs, muito por conta da lógica de guerra que preponderou
sobre policiais e traficantes durante mais de 20 anos.
As inegáveis mudanças que a cidade como um todo vem passando não deixam de fora
nem Batan, nem Coroa/Fallet/Fogueteiro e nem o Complexo do Alemão, que, porém,
experimentam tais mudanças de formas, ritmos, cadências e intensidades diferentes. Ou seja,
nem mesmo dentro do Complexo do Alemão, os investimentos são homogêneos.
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A concentração de poderes nas UPPs que passam a se ocupar não só do policiamento,
mas também de papéis como a gestão de ONGs, a mediação de conflitos, a intermediação
com concessionárias de serviços públicos, que deveriam ser deixados a cargo de moradores
locais, ou então, que esses fossem estimulados e encorajados a assumir funções acaba por não
favorecer o fortalecimento das próprias comunidades.
A história de cada comunidade e o estilo de gestão das UPPs locais são as chaves para
compreender os conflitos e as trocas entre moradores e policiais. Uma vez que assim como as
comunidades não têm as mesmas histórias e formações, o estilo de comando de cada UPP é
muito importante para entender como será a relação entre policiais e moradores. Uma vez que
também não há homogeneidade absoluta entre os estilos de oficiais e praças das UPPs.
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capital, 45,7/100.000 em 2002 e 22,4/100.000 em 2011, enquanto no estado do Rio de
Janeiro, sai de 46,6/100.000 em 2002 para 26,3/100.000 em 2011. Ainda que considerado
fator elevado pelos padrões da OMS, os dados revelam queda das taxas de homicídios no
estado e na cidade do Rio de Janeiro. Estaríamos caminhando para o controle das emoções, no
sentido de Elias? Isso não é de pouca importância, mas é preciso garantir avanços.
Fortalecer espaços públicos que celebrem a vida social pode ser o caminho para a
construção de sujeitos baseados em valores plurais, lúdicos, democráticos e mais igualitários.
Por fim, como avanços, podemos considerar avanços que deem sustentabilidade às
mudanças que podem estar em curso, o que nos leva a considerar: a necessidade de reforma
da polícia (e do judiciário e suas leis) e levar em conta o justificado temor de moradores que
as UPPs deixem suas comunidades após os Jogos Olímpicos de 2016.
Bibliografia
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