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POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA DO GOVERNO BRIZOLA E SUAS

REPERCUSSÕES NA CRIMINALIDADE NO RIO DE JANEIRO (1983-1987)

Carla Maria Damasceno Balbi


Mestranda do PPGH

RESUMO
A apresentação insere-se nos debates da Dissertação de Mestrado As Políticas de
Segurança Pública do Governo Brizola e suas repercussões na criminalidade no Rio de
Janeiro (1983-1987), que está em fase de elaboração no PPGH da UNIVERSO. As
primeiras eleições diretas após os “anos de chumbo” instaurados pela ditadura militar
traduziram, no estado do Rio de Janeiro, a insatisfação dos eleitores que escolheram
Leonel Brizola em 1982 para o governo do estado. Sua plataforma de administração
objetivava profundas transformações na sociedade vigente, notadamente, no tocante às
camadas mais pobres locais. Neste panorama, para os seus adversários políticos, assim
como para parcela da população que, até então, havia sido beneficiada pelos governos
anteriores - classes econômicas média a alta - a política por ele implementada quanto à
reestruturação da Polícia Militar, impedida de realizar operações nas comunidades
pobres do Rio de Janeiro, possibilitou a ocupaçãodas áreas desvigiadas pelo crime, que
ali encontrou espaço para se fortalecer e refinar o seu funcionamento. O projeto busca
compreender a relação entre as políticas implementadas pelo governo Brizola e a
estruturação e domínio da facção criminosa Comando Vermelho, no período, com o
consequente aumento da criminalidadeno estado fluminense.

Palavras-chave: Leonel Brizola; Segurança Pública; Comando Vermelho.

Abstract
The presentation is part of the debates of the Master's Dissertation The Public Security
Policies of the Brizola Government and its repercussions on crime in Rio de Janeiro
(1983-1987), which is being prepared in the PPGH of UNIVERSO. The first direct
elections after the “lead years” established by the military dictatorship, in the state of
Rio de Janeiro, reflected the dissatisfaction of voters who chose LeonelBrizola in 1982
for the state government. Its administration platform aimed at profound transformations
in the current society, notably, with regard to the poorest local strata. In this scenario,
for his political opponents, as well as for part of the population that, until then, had
benefited by previous governments - middle to upper economic classes - the policy he
implemented regarding the restructuring of the Military Police, prevented from carrying
out operations in the poor communities in Rio de Janeiro, made it possible for crime to
occupy the space, which found space there to strengthen and refine its functioning. The
project seeks to understand the relationship between the policies implemented by the
Brizola government and the structuring and dominance of the criminal faction
ComandoVermelho, in the period, with the consequent increase in crime in the state of
Rio de Janeiro.

Keywords: Leonel Brizola; Publicsecurity; Comando Vermelho.

Introdução
As políticas públicas adotadas durante o primeiro governo Leonel Brizola (1983)
no Estado do Rio de Janeiro alteraram radicalmente a forma como a comunidade passou
a ser tratada pela polícia, com destaque aorespeito à cidadania eao entendimento de que
o crime era um problema de todos. Diante de tamanhas mudanças, que deram azo à
resistência de alguns, verificou-se a necessidade de alterar a formação do policial, além
da percepção daqueles que já atuavam perante as comunidades, fazendo-os internalizar
conceitos mais modernos e que passariam a fazer parte do seu cotidiano, a partir da
nova gestão.1
A fim de pensar a trajetória das instituições de segurança no Brasil, far-se-á uma
breve discussão sobre as suas origens a partir do recorte da vinda da Corte lusa para a
então colônia.Nesse processo, em meio ao Bloqueio Continental, os membros da coroa
que desembarcaram na capital da América portuguesa, o Rio de Janeiro, depararam-se
com a beleza, mas também, de acordo com Leila Algranti com uma “pequena área

1
SILVA, Bruno Marques. “Uma nova polícia, um novo policial”: uma biografia intelectual do coronel
Carlos Magno Nazareth Cerqueira e as políticas de policiamento ostensivo na redemocratização
fluminense (1983-1995). 2016. 471 f. Tese (Doutorado em História, Política e Bens Culturais) - Centro de
Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Programa de Pós-Graduação em
História, Política e Bens Culturais, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em:
https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/17122/TESE%20Bruno%20Marques%20Si
lva%20DEP%C3%93SITO%20FINAL.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 14 jul. 2020.
espremida entre a praia e a montanha, formada por escassas ruas paralelas e mais
algumas transversais, rodeadas por matas e logradouros desertos”2. Sendo assim, a
Corte portuguesa introduziu uma série de mudanças na cidade que transformar-se-ia em
capital do Império:
Eles supervisionaram a construção de um novo teatro e de prédios do
governo, a reforma da mansão de um produtor agrícola para fazer dela
um palácio, e a transferência da Biblioteca Real para o Rio, enquanto
se erigia às pressas uma fachada metropolitana.3

E para combater o que era considerado um grave problema de desordem nas


ruas, foi criada uma força policial nos “moldes modernos” diante da necessidade de uma
certa civilidade para a colônia que agora abrigava a família real “(...) primeiro e de
forma mais efetiva no Rio de Janeiro e depois nas capitais das principais províncias”.4.
Deste modo, em 1809 originaram-sea Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado
do Brasil, que tinha como atribuições o exercício da polícia judiciária, além de punir e
fiscalizar o fiel cumprimento das reprimendas5, sendo responsável pela fiscalização e
autorização das obras públicas, o abastecimento da cidade, segurança pessoal e coletiva
- manutenção da ordem pública, vigilância da população; investigação dos crimes e a
captura de criminosos–e também a Guarda Real de Polícia6 – com efetivos recrutados
entre soldados da Cavalaria e da Infantaria do Exército –,possuindo como uma das
principais finalidades cuidar da ordem e perseguir os criminosos.7Assim, diante das
necessidades do nascente Estado brasileiro, as elites teriam se concentrado nas tarefas

2
ALGRANTI, Leila Mezan. O Feitor Ausente (estudo sobre a escravidão urbana no Rio de Janeiro 1808-
1822), Petrópolis: Vozes, 1988.
3
WILCKEN, Patrick. Império à deriva [Recurso eletrônico]. Rio de Janeiro: Objetiva, 2010. Disponível
em: <<https://books.google.com.br/books?hl=pt-
BR&lr=&id=2IRipvNEtgYC&oi=fnd&pg=PT5&dq=corte+portuguesa+no+brasil&ots=KSq7E-
cNss&sig=DC95cs_0GnmxAYXE-
HOHQTUNqPQ#v=onepage&q=corte%20portuguesa%20no%20brasil&f=false>>. Acesso em: 15 de
julho de 2020.
4
HOLLOWAY, Thomas. Polícia no Rio de Janeiro: repressão e resistência numa cidade do século XIX.
Rio de Janeiro: FGV, 1997.
5
BRETAS, Marcos Luiz. A polícia carioca no Império. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 12, n. 22.
p. 1-17, 1998. Disponível em: <https://goo.gl/LdJBph>. Acesso em: 14 jul. 2020.
6
A Guarda Real de Polícia e a Intendência Geral de Polícia, com o passar das décadas e após algumas
mudanças de nomes, constituem, atualmente, a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro e a Polícia
Civil do Estado do Rio de Janeiro.
7
HOLLOWAY, Thomas. Polícia no Rio de Janeiro: repressão... p.48
imediatas de manter obedientes e ordeiras as massas oprimidas de escravos e homens
livres pobres.8
Os escravos e pobres constituíam o foco da atenção da Guarda Real de
Polícia,em uma prática seguida pelos sucessores Corpo das Guardas Municipais
Permanentes e Corpo Militar de Polícia da Corte9, no Império, dentre outros. Nesta
perspectiva, conforme destaca Crespo.
Se realmente existia uma alta probabilidade da “ordem pública” ser
perturbada por esse tipo de confraternização onde se dançava e bebia,
existia também uma profunda incompreensão do diferente e de abuso
de poder, sendo a polícia um instrumento para fazer cumprir as regras
que uma determinada classe decidia serem as que deviam ser
seguidas. A relação assim estabelecida nos primeiros anos do serviço
policial com a população foi inicialmente de um medo profundo,
seguido de uma enorme falta de contentamento e de justiça.10

Com a consolidação da República, em 1889, o panorama permaneceu inalterado


e, não obstante o advento do Código Penal em 1890, as soluções por ele apresentadas
para os problemas atinentes à violência continuaram ineficientes. Uma das questões que
podem ser ressaltadas para esse fenômeno é que a violência era pensada mais em função
dos criminosos do que em relação à essência do crime. Por criminosos entenda-se o
sujeito criminoso, isto é, uma determinada classe de cidadão das camadas pobres da
sociedade que ganhava a atenção do policiamento. A polícia, desta forma, preocupava-
se com o sujeito criminoso e não com o fato criminoso, o que vale dizer, a sociedade era
dividida em castas que recebiam tratamento diferenciado pelos entes estatais, o que se
protraiu no tempo, ainda que de forma diminuída, até a sociedade atual.11
A Era Vargas marca a chegada de um período de autoritarismo e de propaganda
política diverso do modelo até então adotado. Assim, pouco a pouco o governo federal
passou a intervir nos estados, incialmente, através da nomeação de interventores, com
vistas à redução dos poderes constituídos localmente, conforme a República

8
SILVA, Bruno Marques. “Uma nova polícia, um novo policial”: uma... p.16
9
MUAZZE, Mariana. Período Imperial. In: LEAL, Ana Beatriz, SILVA, Ibis Pereira e MUNTEAL,
Oswaldo. 200 Anos – Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora PUC/RJ, 2010,
p. 61.
10
CRESPO, Daniele dos Reis. O cotidiano da repressão policial no Rio de Janeiro da Belle Epoque
(1902-1906). In: COLÓQUIO DO LAHES, 1., 2005, Juiz de Fora. Anais [...] . Juiz de Fora: Ufjf, 2005.
p. 1-10. Disponível em: https://www.ufjf.br/lahes/files/2010/03/c1-a15.pdf. Acesso em: 15 nov. 2020.
11
XAVIER, Arnaldo. A construção do conceito de criminoso na sociedade capitalista: um debate para o
Serviço Social. Rev. Katál, Florianópolis, v. 11, ed. 2, p. 274-282, jul/dez 2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/rk/v11n2/13.pdf. Acesso em: 16 jul. 2020.
Oligárquica. Com o intuito de atingir os seus objetivos, instituiu um aparato coercitivo e
repressor em todo o território nacional. Nesse contexto, na constituição de 1934, as
Polícias Militares (PM) foram instituídas como parte da reserva do Exército sendo
mobilizadas para atuar em proveito do Governo Federal.12
O mesmo tratamento dado às polícias por Vargas foi mantido na constituição de
1946, como se observa pela leitura do seu“Art, 183: As polícias militares instituídas
para a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no
Distrito Federal, são consideradas, como forças auxiliares, reservas do Exército.”13
Além desse vínculo formal, o Exército também fornecia equipamento
às polícias e completava a formação da oficialidade. A partir desse
período ocorre o sucateamento das PMs, haja vista só utilizar
armamento e treinamento aprovado pelo Exército brasileiro, o que
gerou uma defasagem de tecnologia que até hoje atinge as Polícias
Militares.14

Em meados do século XX, a polícia militar daria continuidade à prática de


proteção das classes mais favorecidas e à manutenção do sistema político em tempos
democráticos – com a repressão das manifestações contrárias à ordem estabelecida–
ocupando-se, também, com uma determinada classe de cidadão.15
Com a implantação da ditadura militar em 1964, o controle sobre o efetivo das
Polícias Militares e a centralização da segurança nas Forças Armadas tinham por
finalidade a repressão como meio de preservar a ordem e combater os chamados
“inimigos internos”16, o que foi positivado na constituição federal de 1967, na qual as
Polícias Militares passaram a ser comandadas por oficiais do Exército, que imprimiram

12
CRUSOÉ JÚNIOR, N. C. O ensino militar na Era Vargas e a formação dos policiais militares da Bahia.
Revista Educação em Questão, v. 33, n. 19, 15 set. 2008.
13
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18 de setembro de 1946.
14
SOUSA, Reginaldo Canuto de; MORAIS, Maria do Socorro Almeida de. Polícia e sociedade: uma
análise da história da segurança pública brasileira. Revista de Políticas Públicas, São Luís, p. 1-10, 23 a
26 2011. V Jornada Internacional de Políticas Públicas, 2011, São Luís.
15
BENGOCHEA, Jorge Luiz Paz; GUIMARÃES, Luiz Brenner; GOMES, Martin Luiz; ABREU, Sérgio
Roberto de. A TRANSIÇÃO DE UMA POLÍCIA DECONTROLE PARA UMA POLÍCIA CIDADÃ.
São Paulo em perspectiva, São Paulo, v. 18, ed. 1, p. 119-131, 2004. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/spp/v18n1/22234.pdf. Acesso em: 16 jul. 2020.
16
De acordo com Nilson Borges, o conceito “inimigo interno”, neste período, era associado ao
comunismo internacional e pensado como um risco à segurança do país, estando próximo a “[...]todo
aquele que não se pronuncia em favor do regime e ideais revolucionários, seduzido por ideologias
estranhas e apoiado por forças externas”. Cf.: BORGES, Nilson. A doutrina de Segurança Nacional e os
governos militares. In: FERREIRA, Jorge e DELGADO. Lucilia (org.). O Brasil republicano: o tempo da
ditadura-regime militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2003, p. 34.
à corporação valores das Forças Armadas e priorizaram a segurança nacional, em
detrimento da segurança pública.
Típica do regime ditador, a ideologia militarista baseia-se no combate
e eliminação de um inimigo que perturbe a ordem pública. Isso
explica o comportamento da polícia, acarretando para a sociedade uma
concepção de guerra.17

A partir da gradual implementação da abertura política, no início da década de


1980, inicialmente com eleições diretas para governadores, estabeleceu-se no Rio de
Janeiro um governo com promessas administrativas diametralmente opostas ao sistema
até então vigente, incluindo no rol de mudanças uma nova orientação para a Segurança
Pública.18
Para Sarmento, o processo de abertura política iniciado durante o Governo
Geisel e continuado por Figueiredo, tinha como um dos objetivos a realização de
eleições diretas para governador dos estados-membros e do Distrito Federal.19 A lei de
anistia, assinada em agosto de 1979, permitiu o retorno de várias personalidades ao país,
dentre elas, Leonel Brizola. Figura ímpar da cena política brasileira, Brizola governou o
Estado do Rio Grande do Sul em 1958, liderou a campanha da legalidade com vistas à
posse presidencial de João Goulart em 1961, militou pela resistência armada ao golpe de
1964 e foi exilado político entre 1964 e 1979, sendo eleito em 1982 governador do
Estado do Rio de Janeiro, nos anos finais do regime militar.20

Governo Brizola – a realidade social enfrentada e o início das mudanças de base

17
CRUZ, Gleice Bello da. A historicidade da Segurança Pública no Brasil e os desafios da participação
popular. Cadernos de Segurança Pública, [S.L], p. 1-9, mar. 2013. Disponível em:
http://www.isprevista.rj.gov.br/download/Rev20130403.pdf. Acesso em: 15 nov. 2020.
18
SENTO-SÉ, João Trajano. O discurso brizolista e acultura política carioca. Varia História, [s. l.], ed.
28, dez 2002. Disponível em:
https://static1.squarespace.com/static/561937b1e4b0ae8c3b97a702/t/572b56e986db43e1a02f3edd/14624
58090415/06_Sento-Se%2C+Joao+Trajano.pdf. Acesso em: 16 jul. 2020.
19
SARMENTO, Carlos Eduardo. Entre o carisma e a rotina: as eleições de 1982 e o primeiro governo. In:
FERREIRA, Marieta de Moraes et al, (org.). A força do povo: Brizola e o Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
FGV, 2008. cap. 2, p. 43-67. Disponível em:
https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/10020/a_for%C3%A7a_do%20_povo1.pdf.
Acesso em: 14 jul. 2020.
20
FREIRE, Américo. Novo sindicalismo e movimentos sociais. In: FERREIRA, Marieta de Moraes et al,
(org.). A força do povo: Brizola e o Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: FGV, 2008. cap. 5, p. 43-67.
Disponível em:
https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/10020/a_for%C3%A7a_do%20_povo1.pdf.
Acesso em: 14 jul. 2020.
Durante a sua gestão, Brizola se deparou com uma série de problemas, muitos
herdados das administrações anteriores, e outros surgidos ao longo do mandato. Na
dimensão social havia questões sérias habitacionais, entre elas: invasões de terrenos,
regularização de áreas já ocupadas, melhoria das condições das favelas e as questões
agrárias.21 De todos os problemas citados, a situação das comunidades carentes foi a que
mais recebeu atenção do novo governo, que fez investimentos consideráveis na
regulamentação de lotes, introdução de saneamento básico e realização de mutirões para
a construção de creches e centros comunitários, obras estas realizadas pela população
local, devidamente remunerada.22
Brizola fez questão de jogar todo o peso das máquinas estadual e
municipal. No plano estadual, coube à Secretaria de Trabalho e
Habitação coordenar algumas das iniciativas governamentais
realizadas nas favelas, das quais a mais importante constitui no
trabalho de regularização da propriedade e de urbanização,
levando adiante pelas equipes que atuaram no programa ‘Cada
família, um lote’.23

No decorrer do seu mandato, e seguindo a sua trajetória de aproximação com as


massas, Brizola adotou práticas políticas que contemplavam a área social, de forma a
criar um novo padrão de escolas públicas, disponibilizando terrenos para construção de
casas e modificando a forma como a polícia atuava nas favelas, com o intuito de
conseguir conter a criminalidade nas camadas mais pobres da sociedade, dentre outros
fatores. Ainda citando Freire, o novo governador do Rio de Janeiro, no período em que
esteve no comando do estado - seu primeiro governo - em diversos momentos adotou
comportamentos ambíguos, principalmente nas questões trabalhistas o que, na
percepção do estudioso, relacionava-se com o seu interesse político de se candidatar ao
cargo de Presidente da República. Como exemplo, podemos citar o caso da greve dos
operadores das barcas ocorrida em 1984, os quais foram atendidos em quase todas as
suas reivindicações de maneira rápida, após uma reunião com o governador, ovacionado
ao final do encontro. Por outro lado, as insatisfações dos metroviários, que paralisaram
o serviço do metrô em abril de 1985, foi alvo de grande resistência por parte da

21
FREIRE, Américo. Novo sindicalismo e movimentos... p.142
22
FREIRE, Américo. Novo sindicalismo e movimentos... p.147
23
FREIRE, Américo. Novo sindicalismo e movimentos... p.146
administração do governo, que politizou a manifestação, indicando que o ato estava
sendo organizado por seus desafetos partidários, mas cedendo tempos depois. Segundo
Freire, a diferença entre as medidas adotadas se deve ao fato da proximidade das
eleições presidenciais e também porque Brizola queria mostrar firmeza, diante das
críticas que recebia de seus adversários políticos.24
O governo Brizola deparava-se com uma outra conjuntura no campo da
Segurança Pública. O crescente consumo de drogas ilícitas no mundo a partir da década
de 1970 originou um novo mercado para a criminalidade, rejeitado pela cúpula do jogo
do bicho – cuja organização dominava as atividades ilícitas até então – e tornou-se um
filão para o Comando Vermelho, o que só foi possível devido às relações firmadas nas
comunidades e das redes estabelecidas dentro do sistema prisional.25
Nesta perspectiva, Misse destaca que:
O Comando bancava tudo à pessoa que se dispunha a ‘botar o
movimento’ numa área nova: dava-lhe armas, contatos para a compra
da droga, dinheiro. Em troca, ele pagaria regularmente com uma parte
ponderável de seu lucro à ‘caixa’ comum do Comando e respeitaria as
regras de apoio mútuo, aliança contra adversários, respeito, apoio e
‘proteção’ aos moradores locais e, principalmente, aos ‘amigos’.26

É cediço que a administração pública é a principal responsável pela adoção de


medidas que visam a contenção da criminalidade e da violência, além de criar e adotar
mecanismos que melhorem a qualidade de vida da população como um todo.
Entretanto, é necessário ressaltar que trata-se daprincipal responsável, enão a
única,pela repressão da criminalidade (grifo nosso).
Zygmunt, em sua obra Comunidade: a busca por segurança no mundo atual,
indica que:
O Estado não mais preside os processos de integração social ou
manejo sistêmico que faziam indispensáveis a regulação normativa, a
administração da cultura e a mobilização patriótica, deixando tais
tarefas (por ação ou omissão) para forças sobre as quais não tem
jurisdição.

24
FREIRE, Américo. Novo sindicalismo e movimentos... p.145
25
MISSE, Michel. Violência e teoria social. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social,
[s. l.], v. 9, ed. 1, p. 45-63, jan/abr 2016. Disponível em:
https://www.researchgate.net/publication/311930250_Violencia_e_Teoria_Social/link/59f1df89a6fdcc1d
c7bb05f9/download. Acesso em: 20 jul. 2020.
26
MISSE, Michel. Violência e teoria social... p. 149
Essa transformação, contudo, priva o Estado de seu antigo status de
lugar supremo, talvez único, do poder soberano. As nações, antes
firmemente abrigadas na armadura da soberania multidimensional do
Estado-nação, se acham num vazio institucional.27

Já para Bauman, existe uma relação direta entre a favelização e a criminalização,


tanto que, normalmente os detentos circulam entre esses dois mundos, sem a menor
possibilidade de ascensão social. Ainda mais quando saem do sistema prisional e por
falta de oportunidade, na maioria das vezes, acabam por retornar à vida do crime.28
O binômio segurança pública-criminalidade apresenta um contexto histórico que
remonta à época colonial. No entanto, para fins deste estudo, nos concentraremos entre
a década de 1970 e o ano de 1987. Com a aproximação do fim da Ditadura Militar,
houve a necessidade de mudar a maneira de agir dos órgãos de segurança pública, uma
vez que estes, durante anos, foram fortemente influenciados por um regime autoritário e
violento.29
No governo Brizola o escolhido para ocupar o cargo de secretário de segurança
foi Nilo Batista, enquanto o Coronel Carlos Magno Nazareth Cerqueira passou a chefiar
a recém-criada Secretaria de Estado de Polícia Militar. Batista e Cerqueira, juntamente
com o Governador, deram início a um conjunto de mudanças na estrutura policial e na
forma como esta operava na repressão ao crime dentro das comunidades.30
Brizola e os principais quadros do governo na área de segurança
parecem não ter compreendido e emoldurado corretamente os
problemas criminais que tinham diante de si e definiram uma política
de segurança com uma prioridade clara: não recorrer a intervenções
policiais nas áreas de favela. Como não havia um modelo de
intervenção adequado (as primeiras experiências desse modelo
surgiram no governo Garotinho) ou não existia uma polícia
comunitária pronta para a tarefa de policiar de forma permanente essas

27
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atua. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed, 2003. 136 p.
28
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por... p.109
29
CARVALHO, Vilobaldo Adelídio de; SILVA, Maria do Rosário de Fátima e. Política de segurança
pública no Brasil: avanços, limites e desafios. R. Katál, Florianópolis, v. 14, ed. 1, p. 59-67, Jan/jun 2011.
Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rk/v14n1/v14n1a07.pdf. Acesso em: 14 jul. 2020.
30
CARNEIRO, Leandro Piquet. Mudança de guarda: as agendas da segurança pública no Rio de Janeiro.
Revista Brasileira de Segurança Pública, São Paulo, ano 4, ed. 7, Ago/Set 2010. Disponível em:
https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwje3OrXzMvqA
hUDH7kGHTRnBuwQFjAHegQICBAB&url=http%3A%2F%2Frevista.forumseguranca.org.br%2Findex
.php%2Frbsp%2Farticle%2Fview%2F74%2F72&usg=AOvVaw3GzZ-SrB-FW2BpYLqZbWN6. Acesso
em: 13 jul. 2020.
áreas, a opção foi a não intervenção, o que terminou por gerar uma
série de ‘economias de escala’ para o crime.31

Dentre os projetos de lei da sua iniciativa enviados à Câmara dos Deputados no


seu mandato, a Segurança foi uma das áreas que mais recebeu atenção:
O conteúdo desses projetos de lei modificava o piso salarial dos
policiais e bombeiros, fixava seus efetivos e alterava regras internas
da corporação, tratando da questão da ascensão da carreira e dos
cursos formadores. A atenção a esta temática tem uma variação
grande no período, mas esteve presente em 16,7% da produção com
origem no Palácio Guanabara.32

Neste mesmo período, por determinação do governador houve uma mudança


considerável na forma como a Polícia Militar interagia com as comunidades pobres,
principalmente com os moradores das favelas. Se antes os agentes da lei seguiam os
parâmetros“truculentos”,estabelecidos/perpetuados pela ditadura, na transição para o
estado democrático de direito o cidadão deveriaser protegido, aspecto este latente como
se observa na fala do próprio governador em matéria publicada no Jornal do Brasil de
1983, ao fazer um balanço dos 180 dias de seu governo:
O Governo criou junto ao cidadão a consciência do fim da
impunidade. o cidadão já não teme a polícia, que é agora acionada
para protegê-lo, não para reprimi-lo. Não há mais blítzen de trânsito,
nem prisões sem flagrante, e não se entra mais em favelas,
arrombando barracos. A manutenção da ordem pública se faz através
do policiamento preventivo, do diálogo e da ação política. Governo
garante ao cidadão o direito de se manifestar livremente. Os
distúrbios, as invasões, os saques, enfim toda a ação criminosa tem
sido reprimida com firmeza, sem violência. Da mesma forma, tanto na
repressão aos assaltos quanto no necessário e indispensável combate
às formas de violência e criminalidade, a autoridade tem agido com
cuidado, evitando envolver ou atingir a população. Esta, sim, em
última instância, a vítima de tudo isto. Além disso, há uma
preocupação do Governo em informá-la e sua colaboração. Os
‘esquadrões da morte’ foram eliminados e seus remanescentes não
atuam com a desenvoltura de antes. Os presídios estão sendo
humanizados.33(grifo do autor)

31
CARNEIRO, Leandro Piquet. Mudança de guarda: as... p.52
32
GUEDES GRAÇA, Luís Felipe. Produção Legislativa no primeiro governo Brizola (1983 - 1987).
Cadernos do Desenvolvimento Fluminense, Rio de Janeiro, ed. 3, p. 162-185, nov 2013. Disponível em:
https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/cdf/article/view/9345. Acesso em: 14 jul. 2020.
33
BRIZOLA, Leonel. O que o Governo fez e não fez nos seus primeiros 180 dias. Jornal do Brasil, Rio
de Janeiro, n. 00163, 18 set. 1983. 1º Caderno, p. 7. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/030015_10/69422. Acesso em: 15 jul. 2020.
É imprescindível para este artigo observarmos que, durante a ditadura civil-
militar, as Polícias Militares estiveram, em certa medida,divididas entre as questões que
envolviam os crimes comuns e as que se relacionavam aos crimes políticos, por
constituírem-se como força auxiliar do Exército, instituição militar empenhada na
segurança nacional neste período. Sendo assim, ao retornarem para a administração dos
governadores, houve a necessidade de uma readaptação e reestruturação, sobretudo, dos
próprios membros das corporações, acostumados com as práticas anteriores. De
qualquer forma, as tropas de segurança estaduais não tinham condições de combater o
crime já organizado, que dominava o tráfico de drogas, além de outros crimes
hediondos.34
A fim de ilustrar como a Polícia anteriormente tratava o cidadão morador da
favela, colaciono trechos de uma reportagem publicada no ano de 1982, no jornal
Correio Braziliense:
Nas mais de cem favelas cariocas vivem mais de 1 milhão e meio de
pessoas. Pelo que se vê na TV e se lê nos jornais, para a polícia esse
milhão e meio de seres são, todos, marginais. E como tal devem ser
tratados. A maneira como a polícia, a militar e a civil, invade os
morros, atirando, matando, ferindo e arrombando barracos, é uma
incrível brutalidade. [...]
Enquanto isso, as centenas de milhares de pacatos e honestos
cidadãos, que moram nas favelas porque não tem onde morar, vivem
constante estado de pânico, já que, para a polícia carioca, morar na
favela e ser bandido é a mesma coisa. A isso se chama arbítrio. E
também covardia.35 (grifo nosso)

O início do Governo Brizola teve como órgão superior para as questões de


segurança a Secretaria de Segurança Pública, que acabou sendo extinta em uma
tentativa de demonstrar à população o afastamento das políticas repressoras da Ditadura
civil-militar. Tal Secretaria foi sucedida pelo Conselho de Justiça, Segurança Pública e
Direitos Humanos, que tinha como princípios básicos: respeito às camadas mais pobres
da sociedade e aos direitos humanos; melhoria das condições de trabalho da polícia;

34
SOARES, Gláucio Ary Dillon. Prefácio IN SAPORI, Luís Flávio. Segurança pública no Brasil:
desafios e perspectivas. 1. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2007. 208 p.
35
SILVEIRA, Joel. Brutalidade. Correio Brasiliense, Distrito Federal, ano IV, n. 07141, 18 dez. 1982.
Revista NACIONAL, p. 4. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/028274_03/34269. Acesso
em: 15 jul. 2020.
respeito à lei pelas forças legais; uso da força somente quando estritamente necessário; e
a noção de que a violência e a criminalidade era um problema de todos.36
De uma forma geral, a proposta do governo Brizola foi alvo de inúmeras críticas
por parte de seus opositores e da grande imprensa, que indagavam se a alteração abrupta
no tratamento da violência e da criminalidade por parte do estado não poderia aumentar
os seus índices. Questionava-se, assim, a ausência de uma atuação mais efetiva do
estado em áreas conflagradas pela violência.
Dentro da perspectiva de Arendt, a ausência dos poderes legais constituídos
possibilita que a violência e seus perpetradores se instalem na localidade de modo
permanente, dominando-a com base no terror estabelecido.37
Uma das poucas lições certas e constantes que podemos retirar da
história é que a violência chama a violência, não só de fato, mas
também — o que é ainda mais grave — com todo o seu séquito de
justificações éticas, jurídicas, sociológicas, que a precedem ou a
acompanham. Não há violência, ainda que a mais terrível, que não
tenha sido justificada como resposta, como única resposta possível, à
violência alheia: a violência do rebelde como resposta à violência do
Estado, a do Estado como resposta à do rebelde, numa cadeia sem fim,
como é sem fim a cadeia das vinganças familiares e privadas.38

Qualquer que seja a causa para o avanço criminalidade no Rio de Janeiro, é


oportuno ressaltar que, diante da falta de continuidade de políticas públicas de
segurança fundamentadas, a violência tomou conta das favelas, nas quais as
organizações criminosas detêm os verdadeiros poderes paralelos sendo, de certa forma,
violenta ou não, legitimadas.39

Surgimento do Comando Vermelho – as entranhas do Presídio Cândido


Mendes/Baía Ilha Grande

36
SOARES, Luiz Eduardo; SANTO-SÉ, João Trajano. Estado e segurança pública no Rio de Janeiro:
dilemas de um aprendizado difícil. Projeto MARE-CAPES, Rio de Janeiro, p. 1-32, 2000. Disponível em:
https://www.ucamcesec.com.br/wp-content/uploads/2011/06/01-Estado-e-seguran%C3%A7a-
p%C3%BAblica-no-Rio-de-Janeiro.pdf. Acesso em: 17 jul. 2020.
37
ARENDT, Hannah. Da Violência. [S. l.: s. n.], 1969.
38
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 7. ed. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2004.
39
NEVES, Ana Beatriz Scherer Soares. Atores não estatais-violentos no Brasil como desafios à paz: um
estudo de caso sobre oconflito entre comando vermelho e primeiro comando da capital (2016-2018).
2019. 89 f. TCC (Graduação) - Curso de Relações Internacionais, Departamento de Relações
Internacionais, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2019. Disponível em:
https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/16821/1/ABSSN17022020.pdf. Acesso em: 17 nov.
2020.
Para se compreender a formação da facção criminosa Comando Vermelho é de
fundamental importância destacar o que ocorria no presídio localizado na baía da Ilha
Grande- RJ, que culminou com a criação da denominada Falange Vermelha,
posteriormente denominada pela imprensa de Comando Vermelho.
A instalação da prisão naquele local se deu na década de 1920, quando foi
construída a cadeia para os presos idosos e para aqueles em fase de término da pena.
Posteriormente, a partir dos anos 1960, diante do sistema vigente, a Ilha Grande se
transformou em um reduto para os presos mais perigosos – prisão de segurança máxima
– no qual ficavam acautelados os presos ditos “irrecuperáveis”, presos comuns e os
denominados presos políticos.40
E em que pese a divergência acerca de como se originou a Falange Vermelha, se
decorrente da convivência direta ou indireta (com observação) dos presos comuns com
presos políticos– esses últimos sabidamente com conhecimento sobre técnicas de
guerrilha e de organizações ilegais– tiveram relevante influência na formação da nova
ordem criminosa.41
O entrosamento já era grande e 1968 batia às portas. Repercutiam
fortemente na prisão os movimentos de massa contra a ditadura, e
chegavam notícias da preparação da luta armada. Agora, Che Guevara
e Regis Debray eram lidos. Não tardaram contatos com esses grupos
guerrilheiros em vias de criação.42

Para Cátia Faria, o surgimento do Comando Vermelho teve grande repercussão


da mídia, que acabou convencendo os brasileiros de que havia uma semelhança entre os
crimes praticados pelos dois grupos: guerrilheiros e criminosos. Na verdade, para a
autora,este segundo grupo–criminosos–já estava em processo de aprimoramento dassuas
técnicas e formas de atuar. Assim, a convivência entre os presos políticos e os comuns
dentro do complexo penitenciário teria apenas aceleradoo aperfeiçoamento da citada
facção criminosa.43

40
LIMA, William da Silva. Quatrocentos contra um: Uma história do Comando Vermelho. 2. ed. São
Paulo: Editorial, 2001.
41
LIMA, William da Silva. Quatrocentos contra um: Uma... p.36
42
LIMA, William da Silva. Quatrocentos contra um: Uma... p.39
43
FARIA, Cátia. Revolucionários, Bandidos e Marginais: Presos políticos e comuns sob a ditadura
militar. 2005. 134 f. Dissertação (Mestrado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia,
Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2005. Disponível em:
https://www.historia.uff.br/stricto/teses/Dissert-2005_MACHADO_Catia_Conceicao_Faria-S.pdf.
Acesso em: 21 jul. 2020.
O trabalho desenvolvido pelo repórter Carlos Amorim, em livro publicado no
início da década de 1990, por sua vez, apresentou para a sociedade um lado da
criminalidade até então pouco conhecido, relativo à uma das maiores facções criminosas
do períodoo Comando Vermelho.
Criado na cadeia onde a repressão jogou, juntos, presos políticos e
comuns, cresceu no vazio político e social ao qual o capitalismo
selvagem relegou a grande massa, o povo das favelas, da periferia.
Filho da perversa distribuição de renda, da falta de canais de
participação política para esse povo massacrado, o Comando
Vermelho pôde parodiar impunemente as organizações de esquerda da
luta armada, seu jargão, suas táticas de guerrilha urbana, sua rígida
linha de comando. E o que é pior: com sucesso.44

O autor relata que a primeira vez em que foi percebida a existência de uma
organização entre criminosos no presídio Cândido Mendes – Ilha Grande - denominado
por alguns de Caldeirão do Inferno – o diretor capitão Nelson Salmon, ao passar pelas
galerias do local, atentou para uma cena inusitada: um dos acautelados, nada afeito à
literatura, estava absorto lendo, fazendo anotações e sublinhando um livro. Diante da
cena inusitada, o Capitão adentrou à cela a pediu para ver o que o preso estava lendo.
Com o livro nas mãos, constatou que a capa havia sido modificada para que não fosse
visto o seu real título - A Guerrilha Vista por Dentro -e que continha instruções e
comentários sobre a luta armada, técnicas e programas de ação militar utilizadas na
guerra do Vietnã. Cabe ressaltar que tal livro teve edição reduzida no Brasil e foi
recolhido durante os governos militares. O Capitão levou-o consigo, e verificou que os
trechos sublinhados pelo detento, quando analisados em conjunto, constituíam um
verdadeiro manual de procedimentos e conselhos práticos para o combate (grifo
nosso)45.
Assim, na manhã seguinte, determinou que o citado preso, Giovani Szabo,
comparecesse ao seu gabinete. Perguntado sobre as razões daqueles destaques no livro,
o preso, sem outra saída, aduziu:
[...] o negócio é o seguinte: a gente tá lendo uns livros assim pra poder
se prevenir contra o pessoal do ‘fundão’. É de lá que vêm umas ideias
novas que estão deixando todo mundo de cabelo em pé. O pessoal da
LSN que tá começando um movimento pra dominar o presídio. Eles

44
AMORIM, Carlos. Comando Vermelho: a história secreta do crime organizado. 4. ed. Rio de Janeiro:
Record, 1994. 227 p.
45
AMORIM, Carlos. Comando Vermelho: a história secreta do... n.p
aprenderam com os políticos um tal de socialismo científico e um tal
de materialismo histórico. E agora querem formar grupos que eles
chamam de célula ou coletivo. Eles acham que vão influenciar a
massa pra (sic) acabar com a gente e mandar na cadeia. Isso aí vai
sobrar até pro senhor.46

No denominado Fundão, local insalubre e escuro do presídio, se organizava o


grupo que destoava das outras falanges do presídio, falanges estas que tinham a
brutalidade como a sua forma precípua para se impor, a denominada Falange da Lei de
Segurança Nacional (LSN), segundo Amorim, o embrião do Comando Vermelho.
Diante do quadro percebido, iniciou-se uma apuração ainda mais eficaz do que se
passava naquele local.47
De outro flanco, Cátia Faria afirma que “a semelhança entre os tipos de crimes e
a ousadia com que eles eram praticados pelo Comando Vermelho e as ações praticadas
pelos guerrilheiros dos anos 1960/1970”, pode encontrar explicação em outras
premissas, diferentes da apresentada por Amorim. Uma delas faz menção ao fato dos
criminosos estarem trabalhando em apoio aos militantes de direta para a manutenção do
Regime Militar, ou em benefício da esquerda no enfrentamento às forças federais. Além
destas, a autora aponta a versão apresentada pelo então Jornalista Olavo de Carvalho,
que indica a possibilidade dos grupos criminosos estarem copiando ou adaptando as
ações guerrilheiras narradas nos noticiários da época.48
Merece destaque ainda, segundo Lemos Ceccato (2006, p. 14), a atuação
econômica do Comando Vermelho, especialmente no tráfico de drogas, que criou
oportunidade de emprego para as camadas historicamente esquecidas pelo poder
público. Sendo assim, até mesmo crianças esperavam por uma oportunidade de mostrar
o seu valor e de ganhar uns “trocados” em meio à realidade desassistida das favelas.

Conclusão
Opresente artigo buscou apresentar o contexto no qual as atividadesde polícia
foram desenvolvidas, desde o Brasil Império até o início da década de 80, quando se
deu o início da abertura política e também do abrandamento da repressão militar.

46
AMORIM, Carlos. Comando Vermelho: a história secreta do... n.p
47
AMORIM, Carlos. Comando Vermelho: a história secreta do... n.p
48
FARIA, Cátia. Revolucionários, Bandidos e Marginais: Presos... p.114
A eleição de Leonel Brizola para o cargo de Governador do Estado do Rio de
Janeiro, marcou uma alteração na forma de agir dos agentes de segurança pública
estaduais, que após séculos passaram a reprimir o fato delituoso e não o indivíduo,
repercutindo sobremaneira na população mais pobre da sociedade, que passou a ser
tratada de maneira mais humana.
Mesmo antes destes acontecimentos e na esteira deles surgia no Presídio
Candido Mendes localizado na Baía da Ilha Grande, o embrião do que se tornaria uma
das maiores facções criminosas do Brasil, o Comando Vermelho. Muito tem se
discutido sobre até que ponto o relacionamento entre os presos políticos lá encarcerados
e os bandidos comuns foi determinante/importante para a formação do Comando
Vermelho. No entanto, não há como negar esta relação e, muito menos, a disseminação
dos ideais guerrilheiros entre os presos naquele estabelecimento prisional.
Finalizando, este trabalho faz parte do projeto de pesquisa As Políticas de
Segurança Pública do Governo Brizola e suas repercussões na criminalidade no Rio de
Janeiro (1983-1987), no qual pretendemos aprofundar o debate sobre os temas aqui
tratados, quais sejam, o primeiro Governo Brizola, as Políticas de Segurança Pública do
Estado do Rio de Janeiro entre 1983 e 1987 e o surgimento do Comando Vermelho.

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1931 – 1997. Documentos contendo informações pessoais sobre internos das diversas
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