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Trabalho de Conclusão de Curso

Curso de Relações Internacionais


TCC em Formato de Artigo Científico Conforme Definido Pelo Regulamento de TCC
Projeto Pedagógico de Curso do Curso de Relações Internacionais em Cumprimento das
DCNs do Curso de Relações Internacionais (MEC/CNE)

Título do Trabalho: Escândalos de Corrupção: As Operações Mãos-Limpas e Lava-Jato


Nome do(a) Estudante: Aline Manzo de Arruda
Nome do(a) Orientador(a): Esther Solano
Ano de Depósito: 2021

RESUMO
Para alguns a operação Mãos Limpas significou um divisor de águas que alterou
drasticamente a política, a sociedade e a cultura italiana uma vez que o partido comunista fora
dissolvido. Para outros a operação significou a perpetuação da corrupção na Itália, já que
falhou no cumprimento de seu objetivo e acabou possibilitando que se instaurassem medidas
que facilitariam a corrupção. Ambas as visões possuem coerência, mas não necessariamente
eliminam as argumentações da outra. Uma operação monumental na qual as autoridades
investigaram mais de 6.000 pessoas e emitiram quase 3.000 mandados de prisão no decorrer
de dois anos, trouxe a tona subornos pagos e uma articulação corrupta entre políticos e
empresas, onde o primeiro ministro também se viu no meio das investigações. Para o juiz
Sérgio Moro, foi um marco na história do Judiciário e teve uma relevância somente antes
vista no combate ao terrorismo e à máfia, um verdadeiro divisor de águas no que tange o
combate da corrupção, servindo de inspiração para que ele desse início a Operação Lava-Jato
no Brasil. O objetivo seria apurar um grande esquema de lavagem de dinheiro, que vinha
sendo investigado há algum tempo, e que envolvia grandes empresas do ramo de combustível
no Brasil, a principal delas, a Petrobrás, além da vinculação com grandes empreiteiras
envolvidos em um esquema de lavagem de dinheiro que movimentou bilhões de reais em
propina de pessoas em cargos públicos no Brasil, e utilizou diversas organizações, públicas e
privadas, para a realização de seus crimes. Tal esquema de corrupção e lavagem de dinheiro,
entre outros delitos perpetrados, teve duração de mais de dez anos, e movimentou quantias e
valores altíssimos. Neste ano, sete anos após sua deflagração, a operação foi oficialmente
encerrada deixando grandes descontentamentos pela sua falta de efetividade, que não
alcançou o patamar desejado.

ABSTRACT

For some, Operation Clean Hands (Mani Pulite) meant a turning point that drastically
altered Italian politics, society and culture once the Communist party was dissolved. For
others, the operation meant the perpetuation of corruption in Italy, since it failed to achieve its
goal and ended up enabling measures to be taken that would facilitate corruption. Both views
are coherent, but they do not necessarily exclude the arguments of the other. A monumental
operation in which the authorities investigated more than 6,000 people and issued nearly
3,000 arrest warrants over the course of two years, brought to light bribes and a corrupt
articulation between politicians and companies, where the prime minister also found himself
in the middle of the investigations. For judge Sérgio Moro, it was a milestone in the history
of the Judiciary and had a relevance only before seen in the fight against terrorism and the
mafia, a true game changer in the fight against corruption, serving as an inspiration for him to
start the Operation Lava-Jato in Brazil. The objective would be to investigate a large money
laundering scheme, which had been investigated for some time, and which involved large
companies in the fuel industry in Brazil, the main one, Petrobrás, in addition to the link with
large contractors involved in a money laundering that moved billions of reais in bribes to
people in public positions in Brazil, and that used several organizations, both public and
private, to carry out their crimes. Such a scheme of corruption and money laundering, among
other crimes perpetrated, lasted for more than ten years, and moved very high amounts and
values. This year, seven years after its start, the operation was officially terminated, leaving
great displeasure due to its lack of effectiveness, which did not reach the desired level.

PALAVRAS CHAVE
Corrupção; Mãos-Limpas; Lava-Jato; lavagem de dinheiro; governo; crime organizado
1

ESCÂNDALOS DE CORRUPÇÃO: AS OPERAÇÕES MÃOS-LIMPAS E LAVA-JATO

De acordo com o dicionário, “corrupção” pode ser definida como: “ação ou efeito de
corromper, de adulterar o conteúdo original de algo; ação ou resultado de subornar, de
oferecer dinheiro a uma ou várias pessoas, buscando obter algo em benefício próprio ou em
nome de uma outra pessoa; suborno; utilização de recursos que, para ter acesso a informações
confidenciais, podem ser usados em benefício próprio; alteração das propriedades originais de
alguma coisa; ação de decompor ou deteriorar; desvirtuamento de hábitos; devassidão de
costumes; devassidão”. Durante entrevista em 2006, o então presidente do Banco Mundial,
Paul Wolfowitz, classificou a corrupção como "um grande tema" no Brasil e também como
sendo "endêmica e profundamente enraizada" ao falar sobre as denúncias de corrupção no
Brasil envolvendo o Congresso Nacional e o governo federal.

O Brasil tem sido símbolo de governança corrupta. A corrupção é um tema recorrente da


política brasileira, tendo entrado em evidência internacionalmente recentemente com as
proporções que a Operação Lava-Jato teve na cobertura midiática. Raras às vezes tais
escândalos em outros países, em especial países chamados de Primeiro Mundo, acabam
estampando capas de jornais e revistas mundo a fora e se tornando tema de discussões
populares e acadêmicas como vivenciamos com a Operação Lava-Jato. Uma operação de
características semelhantes se deu na Itália na década de 1990 e teria servido de inspiração
para a operação brasileira, tendo inclusive sido tema de artigo do juiz Sergio Moro.

Até recentemente imperava no Brasil a idéia de que existia uma tolerância à


corrupção, em especial quando existia o envolvimento de políticos ou como agente públicos,
em crimes e organizações criminosas, sendo que nas últimas décadas essa visão foi se
alterando, em especial em virtude das medidas efetivas que vem tomando o Estado no
combate a crimes perpetrados por grandes organizações criminosas.

Felizmente a mentalidade de tolerância a crimes cometidos por grandes e poderosas


organizações criminosas, em especial quando existe o envolvimento de agentes públicos, vem
se modificando ao longo da história do país, com a maior severidade trazida no combate ao
crime organizado e aos crimes cometidos por agentes públicos, como cita Filgueiras:

A tolerância à corrupção não é um desvio de caráter do brasileiro, uma propensão e


culto à imoralidade, nem mesmo uma situação de cordialidade, mas uma disposição
prática nascida de uma cultura em que as preferências estão circunscritas a um
contexto de necessidades, representando uma estratégia de sobrevivência que ocorre
pela questão material. A tolerância à corrupção não é uma imoralidade do brasileiro,
2

mas uma situação prática pertencente ao cotidiano das sociedades capitalistas.1

No Brasil, especialmente, é de praxe a relação entre crime organizado e o poder


público, sendo este diuturnamente utilizado pelo crime organizado para seus fins escusos,
como no caso da Operação Lava-Jato, que é um conjunto de investigações, em que se busca
apurar e julgar um grande esquema de lavagem de dinheiro onde o crime organizado
movimentou bilhões de reais em propina de pessoas em cargos públicos.

A operação Lava-Jato, deflagrada pela Polícia Federal em 2014 para apurar um grande
esquema de lavagem de dinheiro envolvendo empresas públicas e privadas, sendo a maior
operação anticorrupção na história do Brasil, onde dezenas de pessoas foram presas ou
indiciadas na aludida operação, que até então era de competência da Justiça Federal e que
pelo entendimento recente do Tribunal pátrio deveria ser enviado para a Justiça Eleitoral, que
passaria a deter competência exclusiva.

A Operação Lava Jato foi iniciada há cinco anos, em março de 2014, e conta,
atualmente, com 57 fases. Considerando o lapso temporal, nos questionamos se ela
seria uma consequência da promulgação da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/13),
em 1º de agosto de 2013. No entanto, embora haja semelhança semântica entre a
ideologia da operação e o nome dado à lei, a atuação das duas são juridicamente
distintas.2

Segundo Barros3, a Operação Lava-Jato é considerada pela Polícia Federal como a


maior investigação de corrupção da história do Brasil. O Ministério Público Federal acredita
que no esquema criminoso, grandes empreiteiras, como Camargo Corrêa, OAS, Odebrecht
dentre outras, se organizavam em forma de cartel e pagavam propina para altos executivos da
Petrobrás e outros agentes públicos, sendo tal suborno distribuído por meio de operadores
financeiros do esquema, que incluía doleiros investigados em sua etapa inicial.

Ainda segundo o MPF, em um cenário normal, empreiteiras concorreriam entre si,


em licitações, para conseguir os contratos da Petrobrás, e a estatal contrataria a
empresa que aceitasse fazer a obra pelo menor preço. Neste caso, as empreiteiras se
cartelizaram em um “clube” para substituir uma concorrência real por uma
concorrência aparente. Os preços oferecidos à Petrobrás eram calculados e ajustados
em reuniões secretas nas quais se definia quem ganharia o contrato e qual seria o
preço, inflado em benefício privado e em prejuízo dos cofres da estatal. O cartel
tinha até um regulamento, para definir como as obras seriam distribuídas.4

O esquema de corrupção e lavagem de dinheiro, entre outros delitos perpetrados, teve

1
FILGUEIRAS, Fernando. A tolerância à corrupção no Brasil: uma antinomia entre as normas morais e prática
social. Opin. Publica , Campinas, v. 15, n. 2, p. 386-421, novembro de 2009.
2
FERRARI, Ana Carolina; MACEDO, Isabella Nascimento. Justiça Eleitoral: a Lei Anticorrupção e a
competência da Lava Jato. Instituto de Estudos Avançados em Direito. 2019.
3
BARROS, Mariana. Análise da ‘Operação Lava Jato’ a luz dos conceitos da Governança Corporativa. 2015.
4
BARROS, Mariana. Análise da ‘Operação Lava Jato’ a luz dos conceitos da Governança Corporativa. 2015.
3

duração de mais de dez anos, e movimentou quantias e valores altíssimos, envolveu centenas
e centenas de pessoas, tanto ativa como passivamente, assim como utilizou de diversas
empresas, públicas e privadas, para a prática de seus fins delituosos, inclusive organizações
públicas ou mistas como é o caso da Petrobrás. Não obstante, escândalos e ações penais
anteriores como no caso conhecido como Mensalão, a Operação Lava-Jato se tratou de uma
esquema contra a corrupção nunca visto na história do Brasil, tendo envolvido uma força
tarefa de uma equipe numerosa e especializada, formada por cerca de 14 procuradores e
apoiada por mais de 50 profissionais entre assessores, técnicos e especialistas, que com muita
maestria ao longo dos anos ajudaram a colocar na prisão muitos políticos condenados por atos
de corrupção.5 As consequências advindas da Operação Lava-Jato também nunca antes
ocorreram em tais proporções no Brasil, com a condenação de inúmeros agentes de corrupção
e a recuperação de enormes somas desviadas de órgãos e empresas públicas, que foram
devolvidas aos cofres públicos.

A Operação Lava-Jato, mencionada diariamente nos meios de comunicação, consiste


na maior investigação sobre corrupção já realizada no Brasil. Foi deflagrada em 17
de março de 2014 pela PF, por meio da unificação de investigações que apuravam
crimes financeiros e desvio de recursos do erário público. Inicialmente, a
investigação identificou a atuação dos principais indivíduos envolvidos no mercado
clandestino de câmbio no Brasil.6

Segundo Ferrari e Macedo7, a Operação Lava-Jato trata-se de um conjunto de


investigações deflagradas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, no sentido
de apurar supostas ocorrências de condutas corruptivas e de outros delitos na seara do Direito
Penal Econômico, sendo que seu julgamento se deu com base na fixação da competência
jurisdicional. Atualmente a Operação encontra-se com mais sessenta fases, estando em sua
61º fase.

A escolha do nome Lava-Jato se deu em virtude da prática das pessoas envolvidas no


esquema de lavar o dinheiro através da movimentação em postos de gasolina. Tal operação é
considerada a maior operação contra a corrupção da história do país, e os números assim
apontam, com o envolvimento de grandes empreiteiras brasileiras e de empresa estatal como a
Petrobrás. Foi ainda responsável por uma maior conscientização da sociedade sobre a
proporção da corrupção no país e nos órgão públicos, sendo que após a deflagração da

5
BORGES, Bruno. Urgente! É o fim da Lava Jato? 2019.
6
GONCALVES, Vinícius Batista; ANDRADE, Daniela Meirelles. A corrupção na perspectiva durkheimiana:
um estudo de caso da Operação Lava Jato. Rev. Adm. Pública, Rio de Janeiro , v. 53, n. 2, p. 279. Apr. 2019.
7
FERRARI, Ana Carolina; MACEDO, Isabella Nascimento. Justiça Eleitoral: a Lei Anticorrupção e a
competência da Lava Jato. Instituto de Estudos Avançados em Direito. 2019.
4

operação é que não só a corrupção ganhou visibilidade como houve o endurecimento do


combate a ela.

A INFLUÊNCIA DA OPERAÇÃO LAVA-JATO: A OPERAÇÃO MÃOS LIMPAS

Para entender esse impacto que estamos vendo com a operação, é preciso ir até a raiz
da rede de influência da Operação Lava-Jato que coincide com uma Operação similar, em
quase tudo, porém ocorrida na Itália, chamada Mãos Limpas, Essa operação, segundo
PEDERZOLI; ANIA (2004) começa na Constituição de 1948, promulgada logo após o
regime fascista, porém com viés democrático.

Em 1992 teve início em Milão a operação conhecida como “Mãos Limpas” (Mani
Pulite), após a prisão de Mario Chiesa, o diretor de uma instituição filantrópica associado ao
partido socialista italiano. Em dois anos de investigação, quase 3000 mandados de prisão
foram expedidos e mais de 6000 pessoas estavam sendo investigadas, dentre as quais se
encontravam diversas figuras públicas – quase 500 parlamentares, 872 empresários e 1978
administradores locais. A operação se estendeu então para o resto do país e mais de 1.223
pessoas foram condenadas.

A instauração do processo teria sido possível devido a conjuntura econômica difícil


que o país enfrentava e os altos custos da corrupção, a integração européia e a queda do
socialismo que deslegitimou o sistema político corrupto baseado na oposição entre
comunistas e democratas. A queda do socialismo representou a quebra de um dos pilares da
política na Itália, baseada na oposição das ideologias, e a integração dos mercados europeus
levantou a preocupação com os altos custos da corrupção que poderiam representar
desvantagem para a Itália em níveis de competitividade com os demais mercados.

A operação Mãos Limpas teve inicio pela motivação de investigar um esquema de


pagamento de propina a estatais e órgãos públicos por parte de empresas privadas e também
desvio de verbas para financiamento de campanhas eleitorais. No curso da investigação,
grandes empresários renomados, parlamentares e inclusive o primeiro ministro foram presos e
condenados. Um dos instrumentos utilizados foi uma espécie de "delação premiada". Um dos
desdobramentos da operação foi a dissolução de partidos políticos e uma mudança na
correlação de forças políticas após sua conclusão.

Para uns, a operação significou uma nova era para a política e a sociedade italiana,
enquanto outros enxergam a operação como tendo sido uma perpetuação da corrupção, uma
5

vez que o tema foi sendo deixado de lado nas agendas políticas e que, as mudanças sociais,
políticas e culturais favoreceram a instauração medidas que potencialmente facilitavam a
corrupção e um sistema que falhou em combatê-la. As tensões teriam então somente escalado
e ao poder havia chegado o primeiro ministro Silvio Berlusconi, envolvido em diversas
investigações de corrupção e que obteve sucesso em instaurar medidas onde ficava definido
que ele não poderia ser investigado.

A Operação Mãos Limpas (Mani Pulite), foi uma operação monumental, na qual as
autoridades investigaram mais de 6.000 pessoas e emitiram quase 3.000 mandados de prisão
no decorrer de dois anos, trazendo a tona subornos pagos e uma articulação corrupta entre
políticos e empresas, inclusive o primeiro ministro. Tendo sido inspiração ou não para a
operação Lava-Jato em curso no Brasil, a Operação Mãos Limpas tem admiradores e críticos,
uns afirmando que o cenário político e social foi drasticamente alterado e que a operação
cumpriu seu objetivo ao condenar grandes empresários e políticos de alto escalão italianos,
tornando-se exemplo de combate a corrupção, enquanto outros afirmam que a operação
apenas perpetuou o cenário de corrupção italiano e que serviu de ferramenta para que se
instalasse um governo corrupto e protegido por medidas instauradas na reestruturação da
política italiana, desconstruída após a conclusão da operação.

Defensor da “Mãos Limpas” como exemplo de combate a corrupção, o magistrado


brasileiro Sergio Moro, em seu trabalho sobre o tema, afirma que a operação foi um
“momento extraordinário na história contemporânea do Judiciário”, uma vez que Milão, e a
Itália como um todo, se encontravam mergulhadas em esquemas de corrupção que cobravam
propinas para todos os tipos de contratos firmados. Para ele, a deslegitimação da classe
política fez possível a ação do judiciário e garantiu a continuidade do processo, juntamente
com as pressões da opinião pública. Houve tentativas por parte do poder político de
interromper o processo de investigação, mas todas enfrentaram forte oposição da opinião
pública e não vingaram.

Processos em que os investigados são figuras públicas poderosas e influentes exigem


um Judiciário forte e independente para enfrentar as pressões internas e externas, uma vez que
é inevitável a reação da opinião pública, tendo esta própria grande importância no êxito do
processo. No pós-Segunda Guerra, a Europa se encontrava dividida entre dois grandes blocos,
o Democrático e o Socialista, e a Itália espelhava esse cenário político bipartidário, onde
dominavam o partido Democrata Cristão e o partido Comunista. Uma vez que o socialismo
entrava em colapso e o debate ideológico se aquecia entre democratas e socialistas, a
6

fragilidade do sistema se evidencia, assim como a corrupção. Por conta do escândalo de


corrupção denunciado e investigado pela operação, nas eleições de 1994 ambos os partidos,
antes dominantes no cenário político italiano, não alcançaram 14% dos votos se somados. Foi
um colapso do sistema político italiano. Para Moro, talvez não seja possível encontrar
processos de ações do judiciário com “efeitos tão incisivos na vida institucional de um país”.

Ao fim das investigações, o cenário foi de mudança completa na política e na


sociedade italianas. O partido comunista foi dissolvido, diversas figuras políticas importantes
foram condenadas ou obrigadas a se exilar e 10 acusados cometeram suicídio, dentre eles um
diretor e um presidente da ENI (estatal italiana de petróleo). Artifícios como o de uma espécie
de “delação premiada” foram utilizados para conseguir confissões e informações (algo como
o dilema do prisioneiro). Para Moro foi um marco na história do Judiciário e teve uma
relevância somente antes vista no combate ao terrorismo e à máfia, um verdadeiro divisor de
águas no que tange o combate da corrupção.

Há também um segundo ponto de vista, dos críticos da operação. Em seu artigo “The
Controversial Legacy of ‘Mani Pulite’: A critical analysis of Italian corruption and anti-
corruption policies” (2009), Alberto Vannucci aponta que a corrupção se tornou um grande
problema político na Itália na década de 1990, quando a operação teve inicio, e ao longo dos
próximos anos foi desaparecendo da agenda política. A operação contra a corrupção teria
servido de instrumento para a perpetuação dos governos corruptos. Após a operação que
resultou em mudanças drásticas e a dissolução do partido comunista italiano, havia um vácuo
de poder a ser preenchido e o primeiro ministro eleito foi Silvio Berlusconi, um dos
investigados na operação e também em diversas outras investigações sobre corrupção.
Medidas implementadas pelo governo seriam facilitadoras da corrupção e a operação teria
sido um fracasso em seu objetivo.

As visões favoráveis ou contrárias a operação não necessariamente se excluem, uma


vez que condenações aconteceram assim como mudanças profundas no cenário italiano, no
entanto a reestruturação após o fim de um dos partidos dominantes não somente na Itália, a
integração européia que estava em curso e as medidas aplicadas pelos governos posteriores
podem não ter representado a continuidade a política de combate a corrupção, um tema em
evidência na política mundial e inclusive no Brasil com a repercussão da operação Lava-Jato.

Para alguns a operação Mãos Limpas (Mani Pulite) significou um divisor de águas que
alterou drasticamente a política, a sociedade e a cultura italiana uma vez que o partido
7

comunista italiano fora dissolvido. Para outros a operação significou a perpetuação da


corrupção na Itália, já que a operação falhou no cumprimento de seu objetivo e acabou
possibilitando que se instaurassem medidas que facilitariam a corrupção. Ambas as visões
possuem coerência, mas não necessariamente eliminam as argumentações da outra. A
conjuntura brasileira em 2014 – tendo já enfrentado escândalos de corrupção, como no caso
do Mensalão, que marcou a história política e que ainda estava recente na memória dos
brasileiros – onde políticos do primeiro escalão ligados ao governo, grandes empresários e
executivos estão sendo presos e acusados de roubos milionários é uma cena chocante para o
país. Os protestos maciços vistos em 2013 e em 2015, já davam conta da insatisfação popular
e de que algo deveria ser feito para mudar o cenário brasileiro. Estava instaurada a situação
ideal que Sérgio Moro esperava para colocar em prática o que estava ensaiando há anos.

A Operação Mãos-Limpas foi instaurada em essência como a Lava-Jato, com as


mesmas motivações e teve curso semelhante ao que estamos observando no caso brasileiro.
Uma década atrás, o juiz Sérgio Moro, que hoje conduz as investigações da Operação Lava-
Jato, escreveu um trabalho baseado na investigação realizada nos anos 1990 sobre pagamento
de propina por parte de empresas privadas para assegurar contratos com empresas estatais em
Milão. A investigação sobre os grandes desvios de dinheiro público por meio do pagamento
de suborno por contratos com o Estado acabou por desconstruir o sistema político da Itália,
instaurado no período pós-Segunda Guerra. O juiz Moro viu paralelos com o Brasil e por 10
anos veio ensaiando e buscando as condições mais propícias para deflagrar uma operação
similar no Brasil. A Operação italiana conseguiu desarticular o esquema e atribuiu méritos ao
juiz, em parte porque uma nova geração de procuradores obstinados utilizaram a ferramenta
da delação premiada para conseguir confissões e provas, e foi apoiada por uma opinião
pública cansada de corrupção. Tendo ocorrido em um período histórico importante, uma vez
que o início da operação se deu à época da queda do Muro de Berlim e dissolução da União
Soviética, o envolvimento de Washington e da CIA já foi reconhecido até mesmo por
diplomatas norte-americanos. Ao final da Guerra Fria, os Estados Unidos buscavam se
estabelecer como a única potência mundial, e tiveram envolvimento decisivo na política
italiana desde o final da Segunda Guerra Mundial, fosse em oposição ao então Primeiro
Ministro Bettino Craxi, do Partido Socialista, simpatizante das ditaduras fascistas e do
salazarismo, fosse em articulações na formação de um novo sistema de partidos políticos,
onde antigos inimigos, como neofascistas e membros do dissolvido Partido Comunista,
estivessem presentes porém convertidos à aliados da Casa Branca.
8

Dez anos depois, acredita-se que a operação foi inspiradora para Moro, que acreditou ter
encontrado o melhor momento politicamente para colocar em prática suas observações
acadêmicas em prática. Ele lidera um grupo de jovens investigadores, alguns capacitados pelo
FBI, que se utilizando das mesmas ferramentas estão desarticulando esquemas que atingem
hierarquias antes vistas como intocáveis, fato já apontado por Semler em sua entrevista.

O ano de 2014 no Brasil foi profundamente marcado pelo início e posteriores


desdobramentos da operação da polícia federal, que foi chamada de Operação Lava-Jato. O
nome faz analogia ao ambiente em que a operação se deflagrou, em um posto de gasolina, no
dia 17 de Março de 2014, pela Polícia Federal. O objetivo dessa operação era apurar um
grande esquema de lavagem de dinheiro, que vinha sendo investigado há algum tempo, e que
envolvia grandes empresas do ramo de combustível no Brasil, a principal delas, a Petrobrás,
além da vinculação com grandes empreiteiras do país. Até hoje, é considerada pela Polícia
Federal como a maior investigação envolvendo corrupção no Brasil (ARANTES, 1999).

Essa operação teve um impacto gigante na opinião popular, que era expectadora da
operação, e que se tornava cada vez mais um parâmetro de medida para as futuras ações de
Magistrados, Ministério Público, Advocacia e demais participantes dos processos em massa
que seriam travados durante essa Mega Operação.

Em 2019, cinco anos após o início dessa Operação, o então Ministro do Supremo
Tribunal Federal Edson Fachin divulgou um balanço geral8 dos números de 2019 referentes a
Inquéritos, ações penais, petições, colaborações premiadas, ações cautelares denúncias e
Recursos que foram sendo apresentados durante os desdobramentos da Operação Lava-Jato.

Segundo dados oficiais foram feitos:

• 418 decisões;

• 1.696 Despachos;

• 4.252 petições e expedientes recebidos do MP; de outros órgãos e de


investigados;

8
Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=432874> Acesso em 29
de maio de 2020.
9

• 12 inquéritos arquivados; 24 inquéritos foram encaminhados para outras


instâncias;

• 1 inquérito redistribuído.

Esses números se referem apenas ao ano de 2019, porém, não deixa de ser impactante
notar que uma Operação Policial sozinha, já perdurou por mais de 5 anos e não teve todos os
seus desdobramentos concluídos. Mas, o mais relevante a essa Operação, porém, está muito
mais relacionado ao seu impacto social gigantesco, que movimentou inclusive prisões de
políticos importantes, e um processo de impeachment, a que alguns defendem a legitimidade e
outros o questionam se não teria sido um golpe.

OS ENSAIOS DE MORO PARA O GRANDE DIA

Em seu artigo “Considerações sobre a Operação Mani Pulitti”, publicado em 2004,


Moro já deixava claro que havia 11 anos que ele já estava decidido a replicar no Brasil o que
havia sido feito na Itália, ou seja, no segundo ano da Operação Mãos Limpas, Moro já podia
enxergar similaridades e vislumbrar a aplicabilidade no contexto brasileiro. Antes mesmo que
houvesse o escândalo do Mensalão. O texto de Moro, confirma seu grande conhecimento
jurídico, mas também passa longe da postura que se espera de um magistrado, de
distanciamento e equilíbrio, muito pelo contrário, seu texto claramente objetiva agitação
política, o uso de seu conhecimento jurídico para apresentar e discutir estratégias para atingir
seus objetivos, apenas a espera do momento propício.

Ele afirma que o Brasil possuía condições institucionais para uma ação judicial
parecida, fazendo um diagnóstico do sentimento da população (“grande frustração pela
quantidade de promessas não cumpridas após a restauração democrática”) que os dados de
2004 e o resultado das eleições seguintes pareciam não corroborar. Em 2004, a economia
havia crescido 5,7% e, em 2006, 11 milhões de famílias já estavam sendo beneficiadas pelo
Bolsa Família (mesmo o programa sendo atribuído ao governo de FHC, e que seja dito que o
governo Lula unificou uma série de benefícios já existentes e renomeou de Bolsa Família, é
inegável que sua expansão ocorreu no governo Lula, fazendo do programa o maior em
distribuição de renda do mundo). Após a eleição de Lula em 2003, os brasileiros não só o
reelegeram para um segundo mandato, como a candidata do Partido dos Trabalhadores, Dilma
Roussef, também foi eleita por dois mandatos. Além disso, pesquisas do Ibope apontam que a
aprovação dos brasileiros à democracia estava em elevação crescente durante os governos
10

Lula e Dilma, fatos que vão na contramão do diagnóstico de Moro. Nos dois últimos anos do
governo FHC, em 2000, 52% dos brasileiros afirmaram que iam as urnas apenas por serem
obrigados, porcentagem que caiu para 36% em 2010, durante governo do PT.

As semelhanças vistas por Moro, frente aos dados e pesquisas, seriam mais a tentativa
de construção da situação favorável através do discurso de agitação política, do que uma
situação real vivida pela sociedade brasileira. Desde o pós Guerra, a Itália vivia uma situação
política instável, sendo que no período de 46 anos entre 1946 e 1992, ano que foi deflagrada a
Operação Mãos Limpas, a Itália teve 28 governos diferentes, poucos durando mais de 4 anos e
um deles, o de Amintore Fanfani, durando apenas 20 dias. A intervenção dos Estados Unidos
era clara e decisiva para a política italiana, mantendo o Partido Comunista sob controle,
permitindo que participassem da política e das eleições, porém o mantendo fora do poder. O
texto de Sérgio Moro nos leva a concluir que a situação favorável que se buscava era a de
“deslegitimação do sistema político brasileiro”, algo difícil de se acreditar tendo em vista que
o país passou por um regime militar de 20 anos e agora promoveria a “deslegitimação” das
suas instituições democráticas.

Para Moro, o sucesso das ações judiciais na Operação Mãos Limpas foi devido a
“maior legitimação da magistratura em relação aos políticos profissionais”, ou seja, apresentar
os políticos como criminosos, profissionais comprometidos apenas com o benefício próprio,
generalizando o comportamento criminoso para caracterizar a “profissão” inteira. Outro
agente importante na construção do cenário oportuno foi a mídia, tendo suas publicações
apontadas como “opinião pública”. Porém seria “opinião pública” ou “opinião publicada”? As
empresas jornalísticas não deixam de ser instituições privadas, com preferências políticas, que
buscam sustentação no mercado publicitário, determinando o que publicar e o que eliminar, e
que podem sim direcionar a real opinião pública para um ou outro lado. Moro atribui
participação da mídia na punição de agentes públicos, que por vezes não se pode fazer no
âmbito judicial, devido a dificuldade de se obter a carga de provas necessária para uma
condenação. O papel punitivo da mídia à agentes corruptos se dá por meio do ostracismo. Ou
seja, Moro acredita na utilização da mídia para punir agentes públicos mesmo quando o
sistema judiciário não consegue encontrar provas suficientes para corroborar com a prática
criminosa atribuída.

Em suas decisões quanto a prisão de João Vaccari Neto e sua cunhada, Marice Correia
de Lima, Moro autoriza prisões sem demonstrar a postura de um juiz, antecipando a pena sem
11

o devido processo legal e o direito a defesa, o famoso “inocente até que se prove o contrário”.
Contra Marice Correia não havia evidência nenhuma que justificasse a prisão. A prisão de
Vaccari se baseia em depoimento sob delação premiada de Augusto Mendonça, sendo que na
definição das regras para a delação premiada está estabelecido que não haverá condenação
baseada apenas em declarações do colaborador (artigo 6, parágrafo 16 da lei 12.850), ou seja,
as declarações devem estar acompanhadas de provas concretas. De acordo com Paulo Moreira
Leite (2015):

No Brasil de 2015, Sérgio Moro é a autoridade que autoriza prender e soltar, castigar
e punir, vigiar e perseguir. Controla o poder de estado em seu grau máximo, que diz
respeito à liberdade dos cidadãos. Estabelece as duas fronteiras do mando – aquilo
que se exerce por consenso, quando a sociedade aceita o que o Supremo mandatário
deseja, e aquilo que se cumpre por coerção, que envolve o uso da força.

Mais uma evidência da articulação política de Moro para colocar a magistratura acima
dos poderes estatais, se encontra em mais um artigo acadêmico de sua autoria, agora no ano
de 2001, “Caso Exemplar: Considerações sobre o Caso Warren”, no qual faz considerações
sobre a atuação de Earl Warren, influente juiz da Suprema Corte norte-americana, Moro
oferece argumentos que poderiam ser usados como justificativa para a soltura de João Vaccari
Neto e outros muitos presos da Lava-Jato. O caso específico do qual estamos falando é o de
Miranda versus Arizona, onde Ernesto Miranda, acusado de raptar e estuprar uma jovem no
Arizona foi coagido, após horas de interrogatório, a confessar o crime de rapto e estupro além
mais dois crimes. De acordo com o artigo de Moro, a Suprema Corte então se envolveu no
caso para que Miranda pudesse ter seu direito de proteção contra autoincriminação garantido
(5ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos), uma vez que em uma delegacia e sob
pressão de interrogatório a chance de um acusado confessar atos criminosos, tenham sido
cometidos por ele ou não, aumentam. Outro motivo do envolvimento da Suprema Corte seria
para que confissões de atos criminosos não fossem extraídas forçosamente por meios físicos e
psicológicos. A decisão da Suprema Corte foi favorável a Miranda, pois no seu entendimento,
suspeitos em interrogatórios sob custódia não podem ser pressionados para ir contra sua
vontade individual de resistir a autoincriminação e compelido a confessar algo que não o faria
em outra circunstância, ele deve ter seus direitos fundamentais garantidos. No código penal
Brasileiro, a prisão preventiva só pode ocorrer “quando houver prova da existência do crime e
indício suficiente da autoria”, o que não foi o caso da prisão de João Vaccari Neto, sua
cunhada e outros acusados, ou seja, em seu próprio artigo, Moro criticava atitudes do
judiciário que ele mesmo viria a repetir anos depois.
12

ALGUMAS IRREGULARIDADES NO DECORRER DAS INVESTIGAÇÕES

Além das irregularidades e contradições nas prisões preventivas de João Vaccari Neto
e outros presos da Lava-Jato, outras irregularidades chamaram a atenção no decorrer da
Operação. A Polícia Federal admite que seja difícil distinguir o que se trata de propina e o que
seria doação de campanha, afirmando que possui “elementos iniciais” que indicam que
doações foram utilizadas como forma de corrupção, mas que há necessidade de “aprofundar
as análises”, trocando em miúdos, pode ser que tenha sido corrupção, mas pode ser que não e
a Polícia Federal não pode provar o que foi ou deixou de ser.

Outro ponto no qual houve irregularidade, algo gravíssimo, foi o caso das escutas
telefônicas na carceragem da Polícia Federal em Curitiba. Delegados foram pegos em atos de
desrespeito às leis, em declarações de seus próprios colegas, por tentativas de incriminar
inocentes para encobrir os verdadeiros culpados, mirando a oposição, os inimigos da
administração, ao invés dos reais criminosos. Em abril de 2014, o doleiro Alberto Youssef,
denunciou uma escuta colocada na cela da carceragem que dividiu com Paulo Roberto Costa,
ex-diretor de abastecimento da Petrobrás. A Polícia Federal negou que tivesse plantado
escutas ilegais na carceragem e que o aparelho que Youssef encontrou estava fora de uso e
havia sido legalmente utilizado quando o traficante Fernandinho Beira Mar ocupou aquela
mesma cela. A PF também negou que Youssef houvesse encontrado o dispositivo e que na
verdade a própria PF havia retirado o aparelho da cela. Um despacho do juiz Odilon de
Oliveira, corrobora a versão de que a escuta na cela de Fernandinho Beira Mar havia sido feita
de forma legal e autorizada.

A versão da PF foi aceita e ganhou credibilidade com a mídia, porém, os dados não
batiam. Ao examinar mais a fundo os registros da Polícia Federal do Paraná, o delegado
Mário Renato Castanheira Fanton constatou, através de uma nota fiscal eletrônica, que o
aparelho de escuta recuperado na cela de Youssef foi adquirido pela PF seis meses após
Fernandinho Beira Mar ser transferido para cumprir sua pena em um presídio, ou seja, a PF
não tinha em sua posse o equipamento em questão, tornando impossível que o mesmo
estivesse na cela 5 desde a época em que Fernandinho Beira Mar se encontrava na carceragem
da Polícia Federal de Curitiba. Não havia autorização da justiça para uma escuta na cela de
Alberto Youssef e Paulo Roberto Costa.
13

A escuta em questão havia sido instalada por Dalmey Fernando Werlang, a pedido dos
delegados Igor Romário de Paula, chefe da Operação Lava-Jato, Márcio Adriano Anselmo,
envolvido diretamente na operação, e Rosalvo Franco, superintendente da Polícia Federal no
Paraná. Após a foto de Youssef, visivelmente abatido por conta do encarceramento,
segurando a escuta, foi vinculada pelos jornais, Dalmey contatou o delegado Igor para saber
se havia autorização judicial para a escuta, onde Igor afirmou que não. De acordo com
Dalmey, em seu “Termo de Depoimento”, afirmou que somente neste momento tomou
consciência de que a escuta era ilegal. Os dados obtidos com a escuta eram colocados em pen-
drives e entregues diretamente ao delegado Márcio Anselmo, a cada 24 ou 48 horas.

Considerado um dos melhores especialistas em escutas em atividade na Polícia


Federal, Dalmey esperava ser ouvido, e tinha muito mais a declarar, quando soube da
sindicância interna aberta para investigar o caso. Ao contrário do que pensava, nunca lhe
perguntaram sobre o que sabia, apenas pediram sua opinião técnica sobre o funcionamento do
aparelho encontrado. Obviamente totalmente fora de funcionamento, completamente
destruído, ajudou a sustentar a versão de que a escuta era antiga.

O delegado Fanton também ficou responsável por investigar vazamentos de


informações da Operação Lava-Jato para os meios de comunicação. Ao chegar a Curitiba,
Fanton teve a impressão de estar investigando indícios e pistas já prontos, que levavam a
conclusão do caso na direção que agradava Igor e outros delegados.

Um vazamento de conversas atribuídas a Moro e procuradores de justiça no aplicativo


Telegram foi publicado pelo The Intercept Brasil em 9 de junho de 2019, e gerou uma série
de implicações políticas. O conteúdo das mensagens mostra o então juiz, Sérgio Moro, que
mesmo que por lei estivesse impedido de aconselhar as partes de um processo que esteja
julgando, fazendo sugestões sobre testemunhas, dando indicações sobre o encaminhamento de
futuras decisões e dando conselhos a membros do Ministério Público Federal, dentre eles o
procurador Deltan Dallagnol. O conteúdo foi utilizado pela defesa do ex-presidente Luiz
Inácio Lula da Silva para reafirmar o que já havia sido apontado, que Moro não foi imparcial.
Julgado em primeira instância por Moro, que entre 2019 e 2020 foi Ministro da Justiça e
Segurança Pública do governo Bolsonaro, Lula foi condenado por corrupção e preso em abril
de 2018.
14

Um pedido de abertura de inquérito foi feito pelo procurador Valtan Timbó Martins
Mendes Furtado, em 2015, para investigar “tráfico de influência” do ex-presidente Lula em
favorecimento da construtora Odebrecht, sem a apresentação de provas que justificassem o
pedido. Os advogados de Lula apontaram que houve um desvio de função e irregularidade na
atuação do procurador, que estaria interferido com a apuração preliminar, a qual estava sob
responsabilidade da procuradora Mirella de Carvalho Aguiar, que havia sido sorteada para
atuar no caso e que assim que o recebeu afirmou em seu despacho que os elementos
apresentados nos autos não eram suficientes para se iniciar uma investigação formal, no
entanto, ela ainda solicitou esclarecimentos por parte do Instituto Lula, Polícia Federal e
BNDS. O prazo concedido para apresentar os devidos esclarecimentos era 10 de julho, assim
a procuradora teria até 18 de setembro para analisar as explicações fornecidas e decidir se
haveria instauração de inquérito ou se o caso seria arquivado. Então, no dia 08 de julho, antes
mesmo do final do prazo para a defesa apresentar os esclarecimentos, Valtan Timbó
determinou em despacho que a investigação deveria ser iniciada. O próprio procurador Valtan
Timbó foi alvo de investigação de negligência na condução de 245 processos que estavam sob
sua responsabilidade.

Poderíamos continuar uma longa discussão sobre as irregularidades nos processos e


acontecimentos duvidosos no decorrer da operação, ações que vão contra a lei e ferem os
direitos fundamentais dos investigados, onde: “são inocentes até que se prove o contrário”, a
condenação e prisão só podem ocorrer após todo o processo judicial criminal ser concluído,
argumentos fracos para justificar prisões preventivas, a delação premiada que por si só não
consiste em prova de inocência ou culpabilidade e deve ser apresentada juntamente com
evidências concretas, etc, porém este não é o tema principal deste artigo, portanto nos
limitaremos ao exemplos supramencionados. Os mesmos também poderiam ser
detalhadamente esmiuçados, o que também não faremos nesta ocasião e nos limitaremos a
breve e resumida apresentação dos mesmos.

IMPEACHMENT OU GOLPE?

Poucos presidentes na história da política brasileira já sofreram impeachment. A lei nº


1.079, de 10 de abril de 1950 versa sobre irregularidades cabíveis de remoção do cargo, do
Presidente da República ou Ministros de Estado, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal
e do Procurador Geral da República. Anteriormente a Dilma Rousseff, o último processo de
impeachment visto na política brasileira se deu em 1955, uma vez que Fernando Collor de
15

Mello renunciou ao cargo em 1992 antes da conclusão do processo na justiça. Em 12 de maio


de 2016, o Senado Federal determinou, por 55 votos a 22, o afastamento de Dilma Rousseff
da presidência para enfrentar a acusação sobre as “pedaladas fiscais”. O termo “pedaladas
fiscais” é de autoria da imprensa, que nunca teve um conceito preciso do que significavam as
tais pedaladas, mas que dizia respeito a mudanças internas no orçamento federal e operações
financeiras, o que não era possível definir como crimes de responsabilidade nos termos da lei
nº 1.079, que nos artigos 9º a 11º determinam o que se caracteriza como crimes de
improbidade administrativa, crimes contra a lei orçamentária e crimes contra a guarda e legal
emprego do dinheiro público. O fato é que se houve algo que se encaixasse nos critérios
desses artigos, não puderam ser definitivamente e sem sombra de dúvidas vinculados à então
presidente.

Na ausência do presidente da república, seja por motivo de viagem internacional ou


qualquer condição extraordinária que o afaste da presidência, o chefe de Estado em exercício
passa a ser o vice-presidente da república, o que ocorreu em algumas ocasiões durante o
governo Dilma. Ao realizar viagens para compromissos oficiais internacionais, o então vice-
presidente Michel Temer assumiu a presidência interina e durante esse período assinou quatro
decretos de créditos suplementares que totalizaram o valor de R$10,7 bilhões, o que também
poderia ser considerado como “pedaladas fiscais”.

O que Temer usou como defesa quando a assinatura dos decretos veio à tona, foi o
argumento de que ele simplesmente cumpriu uma “rotina burocrática”, afirmando que o vice-
presidente “não formula a política econômica ou fiscal”. Ora, se o chefe de Estado estava
ausente e o vice-presidente interino possuía decretos para assinar antes que o prazo expirasse,
este apenas assina os decretos, mesmo que contenham conteúdo considerado crime de
responsabilidade? O vice-presidente como chefe de Estado interino, em exercício, não possui
a capacidade de analisar um decreto e determinar se fere as leis? E mesmo que a formulação
de políticas econômicas e fiscais caiba ao presidente da república, o que faz o presidente
interino acreditar que mesmo contendo conteúdos que ferem as leis, ao retornar, o presidente
eleito assinaria os decretos como parte de “rotina burocrática”? Vamos pensar na vida
cotidiana, como quando desempenhamos certo cargo em uma empresa, por exemplo, se nos é
apresentada uma situação que sabemos ser errada, caso não tenhamos orientação do nosso
superior para não dar seguimento a tal situação nós faremos o que sabemos que é errado
somente porque é uma “rotina burocrática”? Acredito que a esmagadora maioria das pessoas
ao se depararem com uma situação similar, não faria algo que sabem que é errado. O mesmo
16

se espera de alguém que foi eleito para defender a Constituição de um país, que haja da
maneira correta dentro da lei. Não houve grandes consequências no caso de Michel Temer.
Tanto magistrados renomados internacionalmente quanto grandes periódicos mundo a
fora, concordam que o afastamento da presidente Dilma, sem provas consistentes, tratava-se
de uma articulação política para a mudança do governo, em resposta as investigações
perpetradas pela operação Lava-Jato, que ameaçava ministros, grandes empresários,
senadores, etc. Em momento algum, enquanto foi vice-presidente de Dilma, Michel Temer fez
forte oposição ou manifestou divergências sérias à administração da presidente, apenas de
fazerem parte de partidos de oposição um ao outro. A partir de 2015, no segundo mandato de
Dilma, Temer começou uma movimentação para ampliar sua base política, buscando se
aproximar cada vez mais dos setores de oposição à presidente. Isolado politicamente, sem
contar com um serviço de inteligência confiável que pudesse monitorar qualquer tentativa de
sabotagem, o Planalto estava fragilizado. Alguns ministros de Dilma, em 2015, conseguiam
notar certa estranheza no comportamento de ministros indicados por Temer, que não
buscavam se envolver na elaboração de políticas, não faziam sugestões nem críticas. Um
silêncio que preocupava mas não indicava o que iria acontecer.
Entre 2014 e 2016, o movimento que se formava era o de “deslegitimação” da
instituição democrática que é o Poder Executivo, na busca de colocar o Poder Judiciário
acima dos partidos e dos outros Poderes, utilizando a mídia para vincular sua agenda, para
ofuscar e contrariar o que as pesquisas mostravam, criando uma conjuntura política que não
existia para cumprir os objetivos políticos da oposição. O governo de Dilma Rousseff
alcançara níveis de aprovação altíssimos, que nem Lula havia alcançado, não havia
insatisfação como a mídia estava vinculando. Apesar de um golpe como o de 1964 ser algo
distante da realidade atual, a articulação política para se criar uma conjuntura favorável para a
manipulação do poder, alteração da hierarquia determinada na Constituição, não deixa de ser
considerado um golpe.

De acordo com a Lei nº1.079, artigo 16º, sobre processo e julgamento de um


presidente da república, sobre a denúncia:

Art. 16. A denúncia assinada pelo denunciante e com a firma reconhecida, deve ser
acompanhada dos documentos que a comprovem, ou da declaração de
impossibilidade de apresentá-los, com a indicação do local onde possam ser
encontrados. Nos crimes de que haja prova testemunhal, a denúncia deverá conter
rol das testemunhas, em número de cinco, no mínimo.
17

A denúncia contra a presidente Dilma foi aceita em 2016, pelo então presidente da
Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que no decorrer do processo agiu de forma
imparcial, incompatível com a posição que ocupava, tanto do que se espera de alguém no
cargo em que ocupava quanto do que se espera de um magistrado. Em certo ponto, ele chegou
a apontar alterações que deveriam ser feitas na denúncia para evitar questionamentos que
poderiam surgir nos tribunais. Condenado em 2017 a 15 anos e quatro meses de prisão pelos
crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, Eduardo Cunha se
encontra preso, um dos condenados como consequência das investigações da Operação Lava-
Jato. O silêncio dos ministros do Supremo Tribunal Federal frente as irregularidades no
processo de impeachment da presidente Dilma, demonstrou falha no cumprimento de seu
objetivo, de defender a Constituição e os direitos dos brasileiros. Como esclarece Paulo
Moreira Leite, o que é facilmente compreendido, “autoridades sob suspeita não deve ser
responsável pela apuração de crimes, nem por seu julgamento...se as acusações forem
comprovadas, as decisões terão de ser revistas e, conforme o caso, anuladas” (MOREIRA
LEITE, 2015), portanto, Cunha sequer poderia ter analisado e aceitado a denúncia contra
Dilma Rousseff. No entanto, em algo que aparenta ser uma articulação política proposital e
não apenas obra do acaso, Eduardo Cunha, frente sua capacidade de mobilização de apoio que
o fez aliado importantíssimo e indispensável para que afastasse ou mantivesse um presidente
no posto, mesmo tendo sido denunciado em dezembro de 2015, apenas em maio de 2016, foi
determinado seu afastamento da presidência da Câmara dos Deputados. Nesse período, a
qualquer momento, baseado em fatos concretos e depoimentos consistentes. As contas
secretas em bancos na Suíça não só eram reais, como foram bloqueadas pela justiça,
depoimentos em delações premiadas que eram suportados pelas existência das contas no
exterior acusavam o deputado de recebimento de propina, desde a época de Fernando Collor o
nome de Eduardo Cunha estava nas listas de autoridades suspeitas de corrupção, etc. De
acordo com a lei nº 1.709, haviam evidências mais do que suficientes para o afastamento de
Cunha de suas funções e para o impedi-lo de analisar e julgar processos de autoridades
suspeitas de atos ilícitos.
Em 31 de agosto de 2016, Michel Temer era empossado como Presidente da
República do Brasil, após a condenação de Dilma Rousseff pelas “pedaladas fiscais”, conceito
vago e criado pela imprensa. O presidente Temer, sob quem também pesavam acusações da
mesma natureza que custaram a Dilma o seu mandato, nunca foi julgado ou chamado a prestar
esclarecimentos sobre os R$10,7 bilhões e era condenado por crime eleitoral. Uma denúncia
feita em investigações da Operação Lava-Jato, Temer era acusado de solicitar pagamento de
18

propina da construtora Odebrecht, colocada em grande evidência no curso da Operação Lava-


Jato. Nenhuma condenação, denúncia ou acusação impediu que Temer fosse empossado.
Em um evidente desrespeito a soberania popular, onde agentes públicos e imprensa
(seja como um peão utilizado por uma articulação política ou como um participante direto)
manipularam o que diziam ser a vontade popular, o clamor popular, e o transformaram em
uma coalizão da oposição com o objetivo e alterar o poder em benefício próprio,
desrespeitando a Constituição e os direitos dos brasileiros aos quais haviam jurado defender.
De acordo com Paulo Moreira Leite, a articulação política criada por Temer juntamente com
ministros e a oposição com o objetivo de tirar Dilma e o PT do poder, e também de proteger
grandes figuras políticas e empresas ameaçadas pelos rumos da Operação Lava-Jato, foi um
“golpismo de coalizão”. Moreira Leite afirma ainda, após Fernando Henrique Cardoso
declarar para o jornal O Estado de São Paulo que “a ruína do governo petista provoca o
desabamento do sistema político”:

Numa conjuntura em que se torna necessário reconstruir o sistema político em bases


democráticas, sob ataque permanente desde a AP 470, mais conhecida como
Mensalão, o 31 de agosto representa um passo na direção errada. Reforça medidas
de caráter parcial e excludente, sem paralelo desde que, a partir das franquias
democráticas abertas pela Constituição de 1988, os brasileiros colocaram de pé a
primeira democracia de caráter popular em dois séculos de vida política como nação
independente.

SIMILARIDADES ENTRE OS SISTEMAS ITALIANO E BRASILEIRO, E


POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS

O sistema que vigorava na Itália foi elaborado de forma que o Judiciário e o Ministério
Público possuíssem ligações intimas. Assim, um indivíduo que adentrasse o sistema de justiça
por meio do concurso público, poderia durante a sua carreira exercer tanto a função de juiz
como a função de promotor. O objetivo desse sistema era que “o público em geral não
perceba mais a diferença entre os dois papéis” (DI FEDERICO, 1995).

A consequência desse tipo de diretriz era que o governo coordenava as promoções, as


indicações, as remoções e as decisões em relação a quais casos seriam processados e quais
não. Segundo PEDERZOLI & GUARNIERI (1997) esse tipo de iniciativa se revestia de
garantia de autonomia aos magistrados em relação à política. Mas servia de maneira muito
mais peculiar aos promotores (SBERNA & VANNUCCI, 2013).
19

“Evitar a possibilidade que os poderes do Ministério Público pudessem ser usados


de forma politicamente discriminatória, como tinha sido anteriormente no período
fascista, [por isso] consideraram necessário retirar a tradicional ligação que existia
entre promotores hierarquicamente dependentes do ministro da justiça” (DI
FEDERICO, 1995)”.

Nesse mesmo contexto, foi criado o Alto Conselho da Magistratura, que se consolidou
dentro da sociedade como um órgão de autogoverno (SBERNA & VANNUCCI, 2013).
Formado por dois terços de membros eleitos pelos próprios juízes, e um terço pelo parlamento
(NELKEN, 1996). O papel desse Conselho, apesar de protuberante, se limita a proteção que
juízes e promotores possuem pelo controle das instâncias superiores do próprio Poder
Judiciário.

Esse breve resumo do sistema italiano de processo e investigação, dentro do espectro


brasileiro, na realidade, apenas serve como ilustração de um sistema, em que todas as etapas
que envolvem um processo criminal (investigação, acusação e julgamento), e que devido a
especificidade da matéria e a importância do assunto, é envolto em processo e conhecimentos
muito complexos e específicos, nesse sistema, convergiam para as mãos de uma única
instituição: o Poder Judiciário italiano (GAURNIERI, 2015).

Esse tipo de circunstância foi o quadro institucional que permitiu aos magistrados
italianos que tivessem amplitude e liberdade de atuação dentro dessa Operação chamada
Mãos Limpas. A estratégia utilizada pelos decanos consistia em dois pontos principais:
delações dos investigados e a busca por apoio da opinião pública (GUARNIERI, 2015).

São pontos estrategicamente relevantes para entender a força que o Supremo Tribunal
Federal fomentou a si mesmo durante os desdobramentos da Operação Lava-Jato. A mídia,
durante a Operação Mãos Limpas, foi estrategicamente utilizada pela magistratura como
forma de aumentar o apoio a investigação (SBERNA & NANNUCCI, 2013).

“[…] algumas vezes fizeram uso estratégico de suas habilidades para tornar públicas
informações sobre acusações criminais, às vezes (ilegalmente) vazando a história
para um jornalista aliado. Essa oferta não apenas era uma oportunidade para
aumentar o prestígio, mas também possíveis vantagens para as investigações que
eles estavam conduzindo” (NELKEN, 1996).”

No início, esse tipo de articulação midiática era um jogo para disputar, entre juízes e
políticos, quem possuía maior influência entre a sociedade e gozava de maior prestígio. Isso
se tornou tão claro que muitos juízes e promotores abandonaram a carreira de dentro do
sistema de justiça, para levar essa disputa a uma luta partidária, com a disputa de eleições e
fundações de novos partidos (GUARNIERI, 2015).
20

No Brasil, esse tipo de consequência direta, se deu de maneira mais evidente, com a
9
saída do então juiz Sergio Moro, figura singular dentro dessa Operação Lava-Jato, para ser o
então Ministro da Justiça do governo de Jair Messias Bolsonaro, cargo, inclusive, que
deixou10 recente em meio a um vendaval de denúncias que seguem sendo investigadas pelo
Supremo Tribunal Federal, contra o então presidente da República, Jair Messias Bolsonaro. O
apoio popular, conforme pode ser observado no caso em tela tem muita proeminência dentro
do Poder Judiciário em momentos ímpares como essas duas Operações da História.

De fato, ambas possuem similaridades que podem ser evidenciadas mesmo na


promulgação de ambas as Constituições. No caso da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988, bem como na Constituição Italiana, a promulgação da Constituição se deu
como resposta a um período obscuro da história, porém, no caso da Constituição Brasileira
mesmo dentro desse contexto, o modelo burocrático do Ministério Público foi desfeito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse clamor popular por justiça e por processos mais transparentes no Brasil teve seu
auge em 2014, com a aclamação de Juízes, principalmente a figura do ex-Juiz Sergio Moro, e
da Cúpula de 11 Ministros do Supremo Tribunal Federal, porém, como todo movimento
repentino e intenso, aos poucos essa chama foi se apagando e foi dando espaço a movimentos
menos guiados pelo senso justiça, com a disseminação de conceitos muitos mais raivosos, de
fato.

O importante é destacar que esse período, marcou a história, pois foi a partir dele que
houve uma mudança estrutural do modo como a sociedade brasileira se comportava em
relação à política. Como também, ficou muito mais claro o quanto a política pode estar
relacionada com o Poder Judiciário, e toda estrutura do Processo Penal de forma muito íntima.

Os frutos desse período ainda estão sendo evidenciados, porém, é importante entender
que, a influência social, também pode se modificar de maneira brusca. Isso ocorre, ocorreu e
ocorrerá em processos tão miscigenados como a Operação Lava-Jato. E normalmente, tende a
ser motivado pelas figuras mais expoentes no decorrer de toda essa influência e manifestação.

9
Disponível em < https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/24/juiz-da-lava-jato-moro-deixou-a-
magistratura-para-assumir-ministerio-da-justica-no-governo-bolsonaro-veja-perfil.ghtml. > Acesso em 29 de
maio de 2020.
10
Disponível em <https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/04/24/moro-anuncia-demissao-do-ministerio-da-
justica-e-deixa-o-governo-bolsonaro.ghtml> Acesso em 29 de maio de 2020.
21

O modelo institucional brasileiro, que se assimilou e muito ao modelo italiano, se deu


de maneira diversa daquela que foi aprovada pelos constituintes brasileiros em 1988. E desse
modo, permitiu que os atores que estavam envolvidos na Operação Lava-Jato, principalmente
aqueles que figuravam na primeira instância, pudesse se munir de estratégias que foram
utilizadas de forma muito similar pela magistratura italiana.

Segundo ALMEIDA (2016) isso ficou claro quando se observava de um lado os


veículos de imprensa possuindo acesso amplo a informações relacionadas aos inquéritos,
havendo “uma interação bastante próxima das instituições de justiça com as mídias e a
opinião pública, em uma clara estratégia de legitimação dos agentes judiciais” (ALMEIDA,
2016). Porém, de outro lado, ocorriam prisões, que não tinham necessariamente as suas
garantias constitucionais básicas respeitadas, como ocorrerem de forma prematura ao próprio
julgamento, e de condenações. Isso somente se tornou um incentivo para que mais
investigados cedessem à delação premiada, e fomentou a inclusão de novos suspeitos em um
sistema que autoalimentava11.

Em fevereiro de 2021 foi comunicado o encerramento oficial da Operação Lava-Jato,


após 7 anos e 79 fases, os dados oficiais da Operação podem ser consultados diretamente no
site da Polícia Federal (Anexo A). Deixando de existir da forma como foi originalmente
estruturada, as investigações passam a incorporar o Grupo de Atuação Especial de Combate
ao Crime Organizado (GEACO) do Ministério Público Federal (MPF), no Paraná. A Força
Tarefa da Operação no Rio de Janeiro também deve ser encerrada este ano, em abril. A Força
Tarefa em São Paulo já estava dissolvida desde setembro de 2020, quando os procuradores
que a integravam fizeram um pedido de demissão coletivo, deixando apenas a procuradora
Viviane Martinez responsável pelas 190 investigações em aberto. Tanto no Rio de Janeiro
como em São Paulo, as investigações que antes eram de competência das forças-tarefas
dedicadas, agora são de responsabilidade do GAECO, sendo que alguns promotores acreditam
que o Grupo não está preparado e estruturado para atender a demanda das investigações.
Mesmo tendo sido decisiva para os rumos da política nacional, em especial na eleição
presidencial de 2018, que elegeu Jair Bolsonaro, nos últimos anos a Operação vinha perdendo

11
Como disse o próprio ex-juiz Sergio Moro:
“A estratégia de ação adotada pelos magistrados incentivava os investigados a colaborar com a justiça: A
estratégia de investigação adotada desde o início do inquérito submetia os suspeitos à pressão de tomar decisão
quanto a confessar, espalhando a suspeita de que outros já teriam confessado e levantando a perspectiva de
permanência na prisão pelo menos pelo período da custódia preventiva no caso da manutenção do silêncio ou,
vice-versa, de soltura imediata no caso de uma confissão (…)” (MORO, 2004)
22

relevância e credibilidade, com os vazamentos de informações sobre os inquéritos, áudios e


mensagens de texto trocadas entre juízes, procuradores e advogados.

A eleição de Jair Messias Bolsonaro, em 2018, teve muito a ver com o movimento
anticorrupção que a Operação Lava-Jato propagou no pensamento dos brasileiros, falando o
que o eleitor queria ouvir, prometendo “acabar com as indicações políticas no governo em
troca de apoio”, realização de privatizações, apoio total a Lava-Jato e a luta contra a
corrupção, etc. Após eleito, fez exatamente o oposto, nomeou Augusto Aras para Procurador
Geral da República, cargo que lhe dá o poder de criar, ampliar ou encerrar forças-tarefa.
Crítico da Lava-Jato, a nomeação de Aras já foi um sinal de alerta do que poderia se
desenrolar nos anos seguintes, tendo recentemente se referido as investigações como “caixa
de segredos” dos procuradores, afirmando que era necessário “corrigir rumos” para que o
“lavajatismo” não continue. Na contramão do que afirmava em campanha sobre o combate a
corrupção, Bolsonaro foi acusado de tentar interferir em investigações ativas da Polícia
Federal e também de tentar impedir o início de novas investigações, por envolverem os nomes
de seus filhos, que também possuem cargos públicos. Enquanto o país buscava enfrentar uma
pandemia mundial avassaladora, o presidente se coloca como negacionista e oportunista,
aproveitando-se do momento de fragilidade e do deslocamento do foco da imprensa na
cobertura de suas irregularidades e insanidades para o combate pandemia, para aprovar
medidas que não tinham apoio popular, como no caso de medidas que aumentariam a
destruição ambiental. E como não mencionar os 89 mil reais depositados por Fabrício Queiroz
e sua esposa na conta da primeira-dama, Michelle Bolsonaro? Até o hoje o presidente não
soube explicar o valor e tem atitudes desrespeitosas e de ameaças de violência contra a
imprensa quando questionado sobre o assunto. O famoso Queiroz é ex-assessor do senador
Flávio Bolsonaro, filho número 1 do presidente, e apontado pelo Ministério Público do Rio de
Janeiro como o operador do esquema de desvios de verbas públicas do gabinete de Flávio,
que na época era deputado estadual. Ao que parece, após os esforços da Operação nos últimos
7 anos, o que teremos é mais do mesmo, o que tanto foi criticado pela população, com o
presidente em exercício institucionalizando a corrupção e determinando o que será
investigado ou não.
23

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Frederico de. Justiça, combate à corrupção e política: uma análise a partir da
operação Lava Jato. Revista Pensata, v. 5, n. 2, 2016, pp. 69-82.

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LEITE, Paulo Moreira. A outra história da Lava-Jato. 2ª Edição. São Paulo: Geração
Editorial, 2016.
25

ANEXO - A

Trabalho de Polícia Judiciária Total

Mandados de busca e apreensão (Brasil e exterior) 844

Mandados de condução coercitiva 210

Mandados de prisão preventiva (Brasil e exterior) 97

Mandados de prisão temporária 104

Prisões em Flagrante 6

Policiais envolvidos para cumprimento de medidas judiciais 4.220

Viaturas policiais 1.320*

Procedimentos de quebras de sigilo bancário e fiscal 650*

Procedimentos de quebras de sigilos de dados (telemático) 350*

Procedimentos de quebras de sigilo telefônico 330*

Inquéritos policiais instaurados 326

Inquéritos policiais em andamento 187

Processos eletrônicos abertos 1.397

Bens bloqueados ou apreendidos nas operações R$ 2.400.000.000,00

Repatriados R$ 745.100.000,00

Valores analisados em operações financeiras investigadas R$ 12.500.000.000.000,00


Números atualizados até 14/08/2017.
*números aproximados
FONTE: POLÍCIA FEDERAL (http://www.pf.gov.br/imprensa/lava-jato/numeros-da-operacao-lava-
jato)

Material Periciado Total

Dispositivo de armazenamento computacional (Pen drive) 1592

Dispositivo de armazenamento computacional (Disco rígido) 985

Equipamento computacional (Telefone celular) 967


26

Equipamento computacional (Computador) 725

Dispositivo de armazenamento computacional (Mídia ótica) 437

Dispositivo de armazenamento computacional (Cartão de memória) 139

Equipamento computacional (Outros) 128

Dispositivo de armazenamento computacional (Disquete) 100

Equipamento computacional (Tablet) 97

Documento contábil 96

Documento (Outros) 96

Dispositivo de armazenamento computacional (CD) 93

Dispositivo de armazenamento computacional (DVD) 77

Dispositivo de armazenamento computacional (Outros) 74

Elemento de munição (Projetil) 30

Dispositivo de armazenamento computacional (Fita magnética) 25

Material (Outros) 24

Dispositivo de armazenamento computacional (Cartão SIM) 14

Equipamento eletroeletrônico (Circuito eletrônico com memória) 10

Equipamento eletroeletrônico (Outros) 10

Material de audiovisual (Fita magnética de áudio) 5

Documento (Auto de colheita) 5

Embalagem 5

Equipamento computacional (Agenda eletrônica) 4

Arma de fogo 3

Equipamento computacional (Periférico) 3

Material vegetal (Outros) 2

Documento (IPL) 2

Equipamento eletroeletrônico (Captação de áudio e vídeo) 1


27

Moeda (Cédula de real) 1

Equipamento computacional (Personal digital assistant - PDA) 1

Munição 1

Equipamento eletroeletrônico (GPS) 1

Documento (Carteira de identidade) 1

Laudos Periciais Total

Laudo de Exame de Equipamento Computacional Portátil 475

Laudo de Exame de Dispositivo de Armazenamento Computacional 473

Laudo de Exame de Equipamento Computacional 260

Laudo de Exame Financeiro 95

Laudo de Exame Contábil 51

Laudo de Exame de Local da Internet 29

Laudo de Exame Documental de Engenharia 16

Laudo de Exame de Local de Informática 11

Laudo de Exame Documentoscópico 6

Laudo de Avaliação de Bens 4

Laudo de Exame de Obra de Engenharia 3

Laudo de Exame de Arma 2

Laudo de Exame Merceológico 2

Laudo de Exame de Autenticidade e/ou Alteração Documental 2

Laudo de Exame de Registros de Áudio e Imagens 2

Laudo de Exame de Substância em Material Suporte 1

Laudo de Exame de Licitação 1

Laudo de Exame da Internet 1

Laudo de Caracterização Física de Materiais 1

Laudo de Exame de Preço 1


28

Laudo de Exame de Elemento de Munição 1

Laudo de Exame de Quantitativos e Especificações Técnicas 1

Laudo de Exame de Moeda 1

Laudo de Exame de Local 1

Laudo de Exame de Identificação de Espécie Vegetal 1

Laudo de Exame de Sistema Informatizado 1

Informação Técnica 179


Números atualizados até 05/06/2018.
FONTE: POLÍCIA FEDERAL (http://www.pf.gov.br/imprensa/lava-jato/numeros-da-operacao-lava-
jato)

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