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Resenha crítica
Obra: A República das Milícias
Referência: A REPÚBLICA DAS MILÍCIAS: Bruno Paes Manso. Rio de janeiro: Globoplay, 27 de ago. de 2021.
Disponível em: https://open.spotify.com/show/6rOkNLT6HOZLD4syOMKZxv?si=u6lR8tZ8TJqm
BquJrpzpEQ&utm_source=copy-link. Acesso em: 10 jun. 2022
Introdução
"A República das Milícias" é uma série documental em formato de Podcast, fruto da
adaptação do livro de mesmo nome do jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso, uma produção
original da Globoplay, em parceria com a Rádio Novelo.
Bruno tem dedicado sua carreira a tentar entender a violência no Brasil. Traz nessa obra
uma análise da realidade criminosa na sociedade brasileira e a sua ligação com o mundo político,
onde servidores que deveriam garantir a segurança da população firmam alianças com todos os
tipos de organizações criminosas.
No decorrer dos seus oito episódios, nos leva a fundo nesse submundo do poder paralelo,
cheio de novos achados. A República das Milícias é uma verdadeira investigação acerca da
violência, mas com um olhar que leva em consideração os problemas sociais mais nítidos do país
comcomo a desigualdade social, a corrupção, o racismo e o machismo.
Bruno Paes Manso inicia a adaptação em podcast do seu livro, relatando uma história até
então inédita. Ele conta que foi convidado pela nova administração da Central do Brasil a viajar
em um trem de manutenção da SuperVia para conhecer de perto algumas das dificuldades
enfrentadas por eles, e ajudar a entender melhor esse lugar ocupado por facções criminosas.
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Durante a viagem ele ouvia os relatos pelos funcionários das situações assombrosas que
aconteciam ali, desde sequestros de vagões até roubos dos próprios trilhos do trem. Segundo o
autor, hoje, apenas 2% do território da cidade do Rio de Janeiro vive sem algum tipo de controle
armado. Olhando pela janela do trem, ele se indagava como uma cidade tão importante chegou a
um estágio tão grave de degradação, e quando as instituições que deveriam se preocupar com a
segurança da população começam a competir com os traficantes pelo domínio urbano neste novo
modelo de crime organizado que chamamo de milícia.
Para entender melhor esse cenário o pesquisador vai ao encontro de alguém que realmente
entendesse do assunto para entrevistar, o delegado Vinícius George que tem mais de trinta anos de
polícia. Paralelamente a isso, para compreender como as pessoas desse tipo de organização
pensam e agem, ele também tem uma conversa com o personagem que dá nome a esse primeiro
episódio, um ex-miliciano ao qual deu o apelido de "Lobo". A partir dos relatos dessas duas
figuras vamos entendendo esse poder paralelo do Rio de Janeiro desde o seu surgimento, e como
se estabeleceu.
Lobo conta que o seu grupo de milícias foi o primeiro grupo caracterizado como tal a ser
preso no Rio de Janeiro, antigamente chamado de "Mineira". O delegado Vinícius nos explica que
se trata de grupo de agentes de segurança de um bairro que assume o controle do lugar e passa a
lucrar com isso.
Entrando mais a fundo na história desse ex-miliciano, nos é relatado um pouco de sua
infância na baixada fluminense, segundo ele mesmo "tranquila", que na época contava com a
presença de grupos de extermínio violentos, dentre eles o comandado por Tenório Cavalcanti,
famoso como “o Homem Da Capa Preta”, um vereador e deputado no Rio de Janeiro que queria
fazer justiça com as próprias mãos. Na região em que Lobo cresceu, no entanto, quem agia era um
matador que atuava como xerife, que marcou sua infância com histórias e cenas impressionantes
que testemunhou com os próprios olhos, como extermínios em plena luz do dia na calçada do bar,
com total conhecimento e inércia de policiais.
Crescer nesse universo violento, com essas referências de justiça e autoridade masculina
despertou em lobo, assim como em várias crianças em mesma situação, o sonho de se tornar
policial. Esse desejo não se concretizou, mas posteriormente surgiu a oportunidade de virar
segurança, e de lá se envolveu com a milícia. Ele subiu rapidamente na hierarquia dos
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Retornando para história de Lobo, após muito tempo em seu posto, mesmo acobertado
pelos seus amigos polícias, as coisas acabaram fugindo do controle, e ele acabou sendo preso
pelos próprios amigos. Os anos que passou na cadeia foram determinantes para que ele pudesse
repensar sua vida, e percebeu que não faria sentido seguir o mesmo caminho dos seus
companheiros. Por isso, vive hoje fora da milícia, apesar de ainda morar em uma região dominada
por ela.
O segundo episódio desta série documental vem focada em expor a forte relação entre a
corrupção e a violência, nesse sentido é feita inclusive uma analogia que elas seriam como fios
desencapados, que quando se encontram, causam tremendo estrago. Os agentes de segurança
pública e os paramilitares costumam abusar desse modelo de pedagogia focada na violência, para
se impor sobre os cidadãos e simular uma percepção de ordem.
Bruno Paes Manso nos apresenta mais um entrevistado, o delegado Hélio Luz, um famoso
policial do Rio de Janeiro. Segundo ele, o uso da violência é essencial para que se consiga
sobreviver nessa cidade.
Nos é apresentado mais um conversa, agora com a jornalista Daiene Mendes, moradora do
Complexo Do Alemão. Ela conta que sua família foi umas das que participaram da criação da
comunidade, que vive desde sempre os conflitos entre o tráfico e a polícia. Dentre as histórias
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compartilhadas, uma chama mais atenção, as do "Caveirão", o carro-forte do BOPE que adentrava
as ruas da região anunciando frases amedrontadoras com o “sai da rua morador, o Caveirão está
subindo e vai roubar a sua alma”. Nota-se que Daiene vive na prática, desde muito nova, a
realidade e as consequências da pedagogia da violência.
Buscando cada vez mais adentrar os bastidores desse cenário, o jornalista entrevista mais
uma figura, agora um ex-policial envolvido no comando de milícias, que topou conversar com ele
com a condição de não ser gravado. Como de costume, ele lhe atribuiu um apelido, “Pescador”.
Com o decorrer da entrevista é possível compreender que esse mundo distópico possui
normas próprias e que as leis sancionadas pelo Estado, não tem aplicabilidade, e nem mesmo a
hierarquia policial importa, o que realmente faz alguma diferença são as conexões políticas e seus
posicionamentos.
Com essa situação, a polícia passou a organizar no final dos anos 50, grupos que tinham
como objetivo limpar a cidade, mas esse foi só o início de um problema muito maior. Derivam se
posteriormente dessas organizações e dos conflitos nelas envolvidos O Esquadrão da Morte e os
primeiros grupos de extermínio. Ainda nos é apresentado outro grande marco da época, o Jogo do
Bicho, jogo de azar, a princípio inofensivo, mas que na realidade movimentava a corrupção
policial desde os anos 60, com o dinheiro advindos dessa loteria ilegal os policiais chegavam até
mesmo a realizar as manutenções das viaturas.
Episódio 4: Os fuzis
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Além disso, é exposto a evolução do armamento das comunidades, antes composta por
facões, agora com fuzis, que segundo Cabeça, são obtidos através das forças das forças armadas.
Os fuzis marcaram uma revolução para o tráfico, que até hoje está fora do controle do Estado. As
armas antes usadas em guerras entre países, agora é parte do cotidiano dos moradores das
comunidades.
Nesse quinto episódio retorna a história contada no segundo episódio, de como as milícias
se apresentaram como defensoras dos moradores da comunidade e se viraram nocivas ao se
estabelecer. Para descrever melhor o outro traz, como já é de costume, uma conversa com uma
moradora, a Fernanda, que dorme com medo de ser morta desde o dia que discutiu com um
miliciano ao perder a cabeça. Hoje a situação é tão grave que os moradores sequer tem autonomia
sobre sua propriedade.
Bruno traça um paralelo entre a ficção e a realidade, ao revelar que o Juvenal Antena,
personagem de uma novela da Rede Globo, foi inspirado por um miliciano real de Rio das Pedras.
Ele tem uma imagem ao mesmo tempo de "paizão" e "dono da comunidade", o que na
dramaturgia foi erroneamente romantizado.
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Adiante no episódio, é relatado a abertura de uma CPI para investigar a milícia, por
Marcelo Freixo, em 2007, no mesmo lugar onde havia vários milicianos eleitos. Com o avanço
das investigações foi possível chegar ao deputado Natalino, e um vídeo dele cantando a música
"Todo Azul" dá nome a esse capítulo. Na música ele canta que uma pessoa sofre enquanto outro
ri, isso ganha um novo significado quando sabemos que o seu apelido na milícia é "mata rindo", e
a “imensidão azul” faz referência ao uniforme da PM carioca.
Entretanto, apesar de várias prisões derivadas da CPI, não foi suficiente para acabar com
os esquemas de milícias na cidade do Rio de Janeiro. Com a perda do apoio da população, os
nomes da milícia foram apenas substituídos, mas ainda subsiste.
Episódio 6: Adriano
Nesse ponto, Bruno Paes Manso faz jus ao subtítulo do seu livro originário "Dos
Esquadrões Da Morte à Era Bolsonaro" e o sobrenome do atual chefe do executivo passa a
aparecer inúmeras vezes na história. Adriano, ao ser transferido para um batalhão com má fama
com pela corrupção, recebeu pelo então deputado Flávio Bolsonaro, uma menção de louvor pelos
serviços prestados à sociedade. Pouco tempo depois, foi acusado de tortura e extorsão mediante
sequestro de três jovens moradores de uma comunidade. Após ser preso por homicídio em 2004,
foi homenageado novamente pelo deputado, com maior honraria do estado do Rio de Janeiro, e
em seguida defendido pelo Presidente Jair Bolsonaro. Isso deixa ainda mais claro que, assim
como diz o delegado Ferraz, é o respaldo de pessoas em altas posições do poder que trazem
segurança e impunidade para esses policiais corruptos.
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se destaca a que diz que ela teria um relacionamento com um conhecido traficante da cidade do
Rio de Janeiro.
Tempos depois, foi estabelecido uma investigação com o objetivo de identificar o autor do
crime, feita pela uma equipe Polícia Federal, porém com um nítido viés ideológico. Com o início
deste inquérito, chegou-se ao nome do conhecido criminoso: Orlando Curicica. Porém prosseguir
com as investigações era extremamente difícil, dada as origens dos agentes envolvidos, que
faziam de tudo para impossibilitar as operações.
Por todos esses empecilhos acima citados, que até hoje o caso de Marielle não possui um
desfecho, e a impunidade é uma realidade para as pessoas envolvidas.
Neste oitavo episódio o autor traz uma conversa com o rapper Gabriel, que conta um
pouco sobre a forte presença dos milicianos, que tudo vêem, tudo sabem e interferem sempre que
necessário no cotidiano da comunidade. Nesse cenário, a música é um instrumento utilizado para
expor os problemas relacionados à milícia vivenciados diariamente, segundo ele seria “o meio do
caminho entre a crônica e a crítica”.
Nesse ponto, é notório a sensação, tanto pelo autor, quanto pela população, de que essa
situação seria irreversível. A inércia dos moradores diante desse caos, se trata da única opção para
que possam sobreviver nesse ambiente tão hostil.
Rumando para o fim, Paes Manso nos traz a última entrevista, com a deputada estadual
Renata Souza, que conta que em meio a esse medo de agir, surge um movimento inusitado, o
bloco de carnaval intitulado “Se benze que dá”. Em um lugar onde favelas distintas não se
misturavam por medo se serem confundidas com integrantes de facções rivais, se propor a uma
procissão de festividades que atravessa esse território, é um ato de extrema coragem.
Conclusão
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No decorrer dos oito episódios, acompanhamos o narrador em uma escuta muito sofrida,
relatos que nos despertam sensações difíceis, como tristeza, revolta, impotência e medo. Mas esse
mal estar é essencial para o aprendizado e a transformação.