Você está na página 1de 3

GRUPO 03

Olá, estudantes! A seguir apresentaremos o relato do jovem Brito Andrade*,


que, ao analisar a violência, percebeu que ela é, muitas vezes, indicada com
mais ênfase a alguns grupos específicos na sociedade e analisada de forma
superficial, sem entender suas profundas raízes e consequências indiretas.
Depois de ler o relato em grupo, dialogue com seus colegas a seguinte
questão: Por que, quando pensamos em lugares violentos, localizamo-nos
apenas para algumas regiões?

Relato do estudante Brito de Andrade


Chegar a uma conclusão quando o assunto é violência urbana
pode ser fácil demais devido à carga de informações lançada
constantemente pela mídia. Porém, uma opinião mais reflexiva sobre o
assunto não depende apenas do uso dessas informações - é necessário
ter um olhar crítico e intenso a respeito. Desde que nasci, moro no
Complexo do Alemão, e hoje, com 20 anos de idade, acompanho
a vida da comunidade em seus medos, angústias e, também, nos
momentos felizes.
Posso dizer que quando nos atentamos para as diferentes realidades
(dentro e fora das comunidades) percebemos a injustiça cometida
pelos grandes veículos de comunicação ao venderem apenas uma
imagem das comunidades - a mais pejorativa.
Todos os instrumentos da mídia divulgam a expressão “guerra
urbana” (GU) quando querem falar da situação da violência. Dizem
que essa tal guerra está afetando o Rio de Janeiro quando, na verdade,
ela ocorre de forma direta para uns e indireta para outros.
O sofrimento maior provocado por essa ‘guerra’ concentra-se
no interior das comunidades (morros e favelas do Rio), onde a ação é
direta, porque lá habitam seres chamados por lei de ‘cidadãos’, que, no
entanto, não são tratados como tais, já que nesse território a atuação
do poder público não condiz com a atuação que se dá fora; ou seja,
esses cidadãos são obrigados a viver tendo diferentes referências de
leis a serem seguidas: a constitucional e a “faccional”. E os cidadãos
moradores das comunidades vivem como verdadeiros réus de ambas
as leis.

1 CULTURA DE PAZ
Os reflexos da chamada “GU” se encontram onde não é
mostrado. Estão onde câmeras não podem filmar ou fotografar para
conseguir audiência - eles se escondem no imaginário de crianças que
assistem a seus pais serem agredidos, de mães que veem suas filhas
sendo violentadas ou do jovem cidadão ou pai de família que vê
sua dignidade indo embora ao levar tapa na cara e ser brutalmente
agredido, verbal e fisicamente.
Ser refém da violência já virou o destino de milhares de moradores
das comunidades do Rio de Janeiro. Destino esse que consiste em
se esquecer dos seus direitos fundamentais e, por vezes, negligenciar
deveres para tentar sobreviver. Para exercer o direito de ir e vir temos
que arriscar perder nosso direito mais precioso que é a vida, já que, no
caminho de nossas casas, deparamo-nos com tiros e bombas letais.
A morte é apenas uma consequência, uma estatística; afinal, na
contagem da segurança pública, morador morto é bandido morto.
O maior problema é que afirmações como essas a mídia divulga e o
povo aceita [...].
[...] é preciso dizer que milhares de moradores são diariamente
reprimidos pela minoria de bandidos que lá existem. Mas também
é preciso dizer que, além da opressão do tráfico, um morador de
comunidade tem seus direitos violados nas operações da polícia quando
ocorre uma entrada violenta de policiais, por vezes despreparados, e
com um objetivo específico: “pegar o bandido”. A partir do momento
em que esse objetivo é traçado, nada mais importa. Não importa
se cidadãos estão na frente - serão apenas “auto de resistência”
(obstáculos no caminho).
Sabemos também dos impactos indiretos proporcionados pela
GU, que se refletem na diminuição do turismo, na queda da venda
de passagens para o Rio [...]. Esse é mais um exemplo real de que a
violência afeta as classes menos favorecidas, não só de forma direta,
como também indiretamente.
No nível de violência em que nos encontramos é necessário
dizer, ao invés de ‘basta’, outras palavras mais esperançosas, como
vida e dignidade, pois são nelas que o poder público deve investir e
a sociedade deve aceitar e defender. Somente dando valor à vida
e à dignidade humanas nossos governantes investirão em saúde,
educação e cidadania como um caminho possível para a resolução,
a longo prazo, desse problema urbano.
[...]

2 CULTURA DE PAZ
Com a experiência que tenho já há cinco anos em trabalhos
comunitários, pude perceber, cotidianamente, que as necessidades
das comunidades vão muito além do pouco que é oferecido pelo
poder público. Se faz presente nas comunidades uma vontade de
crescimento muito grande. Todos estão buscando melhorias para suas
vidas pessoais e em comunidade[...]. Florescem em nossas comunidades
variadas iniciativas de moradores que, ao realizarem atividades com
crianças e adolescentes, idosos, mulheres, têm a preocupação de
oferecer lazer de qualidade, espaços de educação e de cultura, onde
as pessoas se encontram, fazem amizades e vivem momentos felizes.
Apesar da busca por melhorias, grande parte dos moradores,
infelizmente, só consegue ter acesso a seus direitos, garantidos por lei (mas
não obtidos na prática), através de projetos ou de ações assistencialistas,
pois muitos moradores ganham menos do que precisam para sobreviver,
e as necessidades são maiores do que as condições financeiras.
“Viver e não ter a vergonha de ser feliz.” É isso que motiva as
comunidades do Complexo do Alemão a seguirem sua rotina diária.
O Complexo do Alemão enquanto conjunto de comunidades pode
até ser “carente”, como afirma a mídia. [...] Poderíamos dizer que a
“carência” é de escolas públicas com ensino de qualidade, salários
capazes de suprir nossas necessidades e equipamentos de saúde que
atendam realmente à população.
Em nossa realidade cercada pelos conflitos, não será com “ajuda
de custo” (assistencialismo) que iremos resolver a situação, mas, sim,
com um conjunto de ações que sejam pensadas junto à comunidade
antes de sua implantação. [...].
Se existirem mais oportunidades saudáveis e sem discriminação
para quem vive nas comunidades populares, muito distantes da
violência policial que hoje bate em nossas portas, o tráfico vai ser, para
a maioria (principalmente de crianças e adolescentes), apenas mais
uma opção e, quem sabe, a menos interessante.
* Brito Andrade é um nome fictício adotado pelo autor, um jovem morador do
Complexo do Alemão. Na época dessa escrita, era estudante de pré-vestibular e
atuante em projetos comunitários, tendo como foco trabalhos desenvolvidos com
jovens.
Fonte: UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Violência nas comunidades
populares: problema ou solução? Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Intercâmbio para
a Infância e Adolescência Contemporâneas (NIPIAC). Disponível em: <http://www.nipiac.
ufrj.br/producao2/item/561-violencia-nas-comunidades-populares-problema-ou-solucao>.
Acesso em: 28 de set. de 2020.

3 CULTURA DE PAZ

Você também pode gostar