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OS PRINCIPAIS DESAFIOS E MECANISMOS PARA

COMBATER A VIOLÊNCIA URBANA NO BRASIL

No Brasil, a violência é presente desde os


primeiros arranjos sociais. No período
colonial, compreendido entre os anos 1540
e 1822, a metrópole portuguesa valia-se da
violência para manter o sistema escravista

Foto: Reprodução
e a centralidade política na colônia. No
período da ditadura militar brasileira, a
violência foi também utilizada como
mecanismo de repressão política e social.
Somados à brutalidade do governo
ditatorial ao longo da década de 1970, os
atos violentos, como assaltos, homicídios e
chacinas – praticados por policiais,
bandidos ou sujeitos comuns –
multiplicaram-se consideravelmente.
Mesmo após a democratização do país, os
índices de violência continuam alarmantes
e sinalizam uma realidade social cujo
debate é imprescindível.

A violência destrói o que ela pretende defender:


a dignidade da vida, a liberdade do ser humano.
Papa João Paulo II
Demócrito.
Demócrito.
Em 1997, na cidade de Brasília, De início, é imprescindível
cinco rapazes de classe média reconhecer que a violência urbana
atearam fogo no INDÍGENA atinge, majoritariamente, a
PATAXÓ Galdino Jesus dos Santos, população mais vulnerável,
de 44 anos, que dormia em uma conforme se nota na situação
parada de ônibus. Na tentativa de experimentada pelo indígena
se defenderem diante das pataxó. O ATLAS DA VIOLÊNCIA,
acusações, os jovens em consonância com o exposto,
argumentaram que não sabiam que estipula que os cidadãos negros
a vítima era um indígena, pensando representam as principais vítimas
que era “apenas um mendigo” e de homicídios no país. Apenas em
que tinham lançado gasolina e 2018, 75,7% das vítimas de
posto fogo nas suas roupas “por homicídios foram pessoas negras,
brincadeira”. O caso em questão com uma taxa de homicídios de
traz à tona a dura realidade das 37,8 por 100 mil habitantes. Entre
cidades brasileiras, no que tange à os não negros, a taxa foi de 13,9.
violência e à consequente falta de Esse cenário de vulnerabilidade
segurança pública. Nesse contexto, decorre, principalmente, das
entende-se por VIOLÊNCIA todo diferenças socioeconômicas e da
ato de agressão, autoritarismo ou SEGREGAÇÃO URBANA
anulação do outro, ocasionando experimentada pela população
danos físicos, psicológicos ou negra e menos favorecida. Isso
sociais. A partir desse conceito, é ocorre, pois a população pobre, na
possível analisarmos os entraves maioria dos casos, não possui
enfrentados pelas urbes brasileiras meios para garantir sua proteção e,
na administração dessa violência. regularmente, é vítima do
Apesar das dificuldades DESAMPARO DO PODER PÚBLICO,
enfrentadas na caracterização da no tocante à segurança pública.
violência urbana, o professor Além dos casos associados à
universitário brasileiro RUBEN crescente criminalidade, a violência
OLIVEN, especializado na área de urbana pode também ser
Antropologia, infere que o termo ocasionada pela IMPRUDÊNCIA NO
VIOLÊNCIA URBANA diz respeito à TRÂNSITO. De acordo com
brutalidade que acontece ou se levantamento realizado pelo
manifesta na cidade – entende-se, Observatório Nacional de
nesse contexto, que a cidade é o Segurança Viária, a cada 12 minutos
palco onde as práticas sociais são uma pessoa morre no trânsito, o
desempenhadas. que corresponde a cinco mortes
por hora.
por hora. A realidade narrada notabiliza as complicações do modelo de MOBILIDADE
URBANA escolhido pelo governo brasileiro. O predomínio dos transportes
individuais e a crescente frota de veículos automotores associada às decadentes
rodovias brasileiras são alguns dos fatores que influenciam o crescente extermínio
no tráfego urbano. A problemática exposta é muito bem aludida na canção
“CONSTRUÇÃO” de Chico Buarque. O verso “morreu na contramão atrapalhando o
tráfego” retrata com precisão o descaso com a violência nos centros urbanos. Dados
os exemplos, nota-se que a violência urbana se dissemina nas cidades brasileiras de
forma desenfreada. O contexto das urbes coloca a população brasileira em
constante estado de alerta e temor diante da ausência de segurança pública. Nesse
sentido, EDIALAINE SILVA, coordenadora da Organização Internacional ACTION AID,
estabelece
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tipos distintos dos agentes infratores. A
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as crianças. Para ela, “é difícil PREVENÇÃO PRIMÁRIA tem o intuito
mensurar os impactos psicológicos e de combater os fatores indutores da
emocionais que afetam a juventude, violência antes que eles incidam no
em decorrência do medo e da sujeito. Para que essa providência
insegurança com os quais é obrigada atinja os efeitos esperados, é
a conviver”. Para tanto, torna-se necessário um investimento de médio
urgente a implementação e o a longo prazos nas áreas de maior
aprimoramento de uma POLÍTICA DE carência social, tais como: saúde,
SEGURANÇA PÚBLICA capaz de educação e moradia. Entre os
atenuar as consequências da investimentos, a EDUCAÇÃO assume
violência urbana no país. É fato que a um papel relevante na construção de
atual forma de combate às infrações uma sociedade ciente dos seus
tem suas raízes na PUNIBILIDADE e direitos fundamentais e, portanto,
REPRESSÃO dos agentes infratores. apta a exigir das autoridades políticas
Contudo, conforme estabelece seu devido cumprimento legal.
Cesare Beccaria, principal Somado a isso, a educação é
representante do Iluminismo Penal, imprescindível para constituir uma
“é mais fácil, mais útil, prevenir que sociedade conscientizada sobre os
reprimir". Em outras palavras, é limites sociais e legais que permeiam
preferível prevenir os crimes a puni- uma convivência harmônica. A
sociedade conscientizada sobre os básicas. A necessidade de maiores
limites sociais e legais que permeiam esforços para que uma cidade seja
uma convivência harmônica. A hígida, harmônica e equilibrada se dá
PREVENÇÃO SECUNDÁRIA, por seu devido às fortes segregações
turno, tem como enfoque reduzir as experimentadas nas urbes brasileiras
taxas de reincidência da população e seu DESENHO URBANÍSTICO
encarcerada. Conforme dito DEFICITÁRIO, o qual compreende, por
anteriormente, a principal exemplo, ruas mal iluminadas,
característica do sistema penal rodovias em situações precárias e o
brasileiro é a punibilidade dos fenômeno da favelização. Portanto, o
agentes infratores, não havendo, direito à cidade, expressão
nesse cenário, uma política eficaz de originalmente utilizada pelo filósofo e
reabilitação e ressocialização. Assim, sociólogo francês HENRI LEFEBVRE,
o criminoso, após o cumprimento da pressupõe que a cidade deve reunir a
pena, encontra na reincidência reforma dos aspectos materiais,
criminal um meio de garantir a sua voltados à infraestrutura urbana, e os
sobrevivência, corroborando os altos aspectos sociais que contribuem com
índices de violência urbana no país. a visão integradora de seus
Em consonância com as medidas habitantes.
referenciadas, é imprescindível que o
PODER PÚBLICO MUNICIPAL, de
acordo com o artigo 182 da
Constituição Federal Brasileira,
implemente uma política de
desenvolvimento e de expansão
urbana, viabilizando o direito
constitucional à cidade e ao
desempenho de suas funções sociais
básicas.

VOCÊ SABIA?

No Brasil, a morte violenta integra as principais causas de óbito de pessoas jovens, entre 18 e 24
anos, do sexo masculino. Isso significa uma redução da força produtiva do país, uma vez que a
referida faixa etária forma a População Economicamente Ativa (PEA). Essa parcela da sociedade é
aquela com maior taxa de inserção no mercado de trabalho, responsável majoritariamente pelas
atividades laborais que estruturam a sociedade. Portanto, os altos índices de violência urbana
refletem substancialmente a economia do país.
ANOTA AÍ

• Entre 2001 e 2015 houve 786.870 homicídios no Brasil, sendo a enorme


maioria (70%) causada por armas de fogo e contra jovens negros. Os dados
da violência do país atingem dimensões ainda mais perturbadoras ao serem
comparados com os dados de guerras internacionais deste século, como,
por exemplo, o conflito sírio. A Guerra na Síria, em 10 anos, alcançou a
margem de 388.652 mortos;

• A violência contra mulheres e garotas nos grandes centros urbanos motivou


a criação da campanha Cidades Seguras para Mulheres. A importância do
debate surge da consequência das violações experimentadas pelas
mulheres ao transitar nas ruas de suas cidades. A vivência feminina no
espaço público revela que o grupo se encontra sob constante ameaça de
violência, assédio e intimidação;

• A Lei nº 10.257, ou Estatuto da Cidade, dispõe sobre as diretrizes gerais da


política urbana, complementando os artigos constitucionais que versam
sobre a temática. Tais diretrizes instituem princípios de ordem pública e de
interesse social que ajustam o uso do espaço urbano em prol do bem
coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos;

• Mesmo em período pandêmico, o Brasil apresentou um aumento de 5% nos


assassinatos no ano de 2020. O índice coletado pelo G1, com base nos dados
oficiais dos 26 estados brasileiros e do Distrito Federal, evidenciou que mais
da metade dos estados apresentaram alta nos indicadores, com atenção
para o Nordeste, que teve um aumento de 20%. O estado do Ceará obteve
destaque negativo, ao apresentar um aumento de 81% nas mortes.
DIALOGANDO

Em entrevista, Murilo Cavalcanti, secretário de Segurança Pública Urbana da cidade


do Recife – PE, fala sobre a importância dos investimentos na área social e como a
crise econômica do país influencia a violência urbana.
Qual a influência da crise econômica no aumento da violência?
A crise, que jogou milhões de brasileiros na rua do desemprego, é um dos maiores
influenciadores do aumento da criminalidade dos grandes centros urbanos do Brasil.
A baixa escolaridade também tem influência direta. Se fizermos um perfil de quem
matou ou morreu, ou da população de um presídio, percebemos que quase 90% não
têm o ensino fundamental completo. A segunda causa é o desemprego [...].
Quais as saídas para essa situação?
Primeiro, oferecer uma escola pública de qualidade onde esse jovem permaneça até
entrar na universidade. Segundo, oferecer, ao menos num momento de transição, o
que eu chamaria de emprego social, para que esse jovem tenha uma fonte de renda
e não vá para o mundo do crime. Seria baixar os tributos que incidem no emprego
para que o empresariado possa ter uma forma de atrair esse jovem. O valor do
salário, com baixas obrigações de contrapartida, é um atrativo para a empresa.
Também é preciso expandir a experiência do Compaz (Centro Comunitário da Paz)
nos centros urbanos do país e ter um programa nacional de alto alcance para a
primeira infância. Está provado cientificamente que a criança de 0 a 5 anos que mora
num lar em que o pai bate na mãe, sofre abuso sexual, vive conflitos por causa de
drogas ou álcool, tem grande chance de ser um delinquente na fase juvenil [...].
Confira a matéria completa: https://bit.ly/3ojxSZA

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MOMENTO SOCIOLÓGICO
Considerando a discussão em torno da violência urbana e suas consequências para o meio social,
podemos fazer uma relação direta ao que ÉMILE DURKHEIM, psicólogo e sociólogo francês,
estabelece em seus estudos. Para ele, a integração social é marcada pela presença dos fatos sociais,
que são exteriores aos sujeitos e existem de forma independente, ou seja, quando o sujeito nasce,
a sociedade já detém aquele fato de forma terminada. A educação, por exemplo, é vista como um
fato social, pois está presente na vida do indivíduo desde a infância e o afetará durante toda a sua
vida, moldando o seu comportamento. Assim, podemos entender a violência urbana como um
FATO SOCIAL inerente à sociedade urbanizada, uma vez que, mesmo nos países desenvolvidos e
com baixos índices de violência, nota-se a sua existência. No entanto, assim como define Durkheim,
a fragmentação dessa sociedade, que ocorre pela formação de uma comunidade sem valores e sem
regulamentação, ocasiona sua debilidade. O desrespeito às regras comuns e às tradições, analisado
pelo autor, é o resultado da desunião dos indivíduos, ocasionando o estado de ANOMIA. Na
elaboração do conceito de anomia, entende-se que os fatos sociais podem ser vistos como normais
ou patológicos. O fenômeno patológico é aquele desviante, em relação aos padrões de dada
sociedade, àqueles que dificultam a integração harmônica da sociedade. O aumento desenfreado
da violência urbana brasileira pode ser observado, a partir da perspectiva durkheimiana, como um
fato social patológico, pois, à medida que influencia a dissimetria social, deixa de ser considerado
inerente à sociedade urbana e passa a caracterizar uma anomia.

O documentário intitulado como “Brasil, um país


violento”, disponível no Youtube, explora assuntos
que tem relação com o tema tratado.
Sinopse: Produzido pelo Jornal “O Globo”, veiculado
no ano de 2017, com narração do ator Lázaro Ramos,
o documentário utiliza animação para demostrar o
número de mortes violentas que ocorre no país.
Confira a matéria completa: https://bit.ly/3bym3JU.
BIBLIOGRAFIA

ACTIONAID. Organização. A Cidade é de quem?. ActionAid, [s. l.], 2017. Disponível em:
https://actionaid.org.br/wp-content/files_mf/1512135627DeQuemeaCidadeLow.pdf. Acesso em: 29
maio 2021
BRASIL. Atlas da Violência. 2020. Disponível em
t
https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/download/24/atlas-da-violencia-2020. Acesso em: 27 maio
2021.
BODART, Cristiano das Neves. Normal e patológico em Durkheim. Café com Sociologia, [S. l.], 10 abr.
2018. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/normal-e-patologico-em-durkheim/. Acesso em:
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COSTA, Márcia Regina da. A violência urbana é particularidade da sociedade brasileira? São Paulo
Perspect., São Paulo, v. 13, n. 4, 1 dez. 1999. Disponível em:
https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88391999000400002#nt01a. Acesso
em: 27 maio 2021.
G1. Brasil tem aumento de 5% nos assassinatos em 2020, ano marcado pela pandemia do novo
coronavírus; alta é puxada pela região Nordeste. G1, 12 fev. 2021. Disponível em:
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2021/02/12/brasil-tem-aumento-de-5percent-
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regiao-nordeste.ghtml. Acesso em: 29 maio 2021.
GONZALEZ, Amelia. Violência nos centros urbanos pode emperrar o desenvolvimento. In: Violência
nos centros urbanos pode emperrar o desenvolvimento. [S. l.], 16 set. 2018. Disponível em:
https://g1.globo.com/natureza/blog/nova-etica-social/post/violencia-nos-centros-urbanos-pode-
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PARANÁ, Secretaria da Educação do. Contribuições de Émile Durkheim. [S. l.], 1 jan. 2021. Disponível
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SAMPAIO, Renata Alves. Da noção de violência urbana à compreensão da violência do processo de


urbanização: apontamentos para uma inversão analítica a partir da Geografia Urbana. 2011.
Dissertação (Mestre em Geografia Humana) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
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https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-29082012-
103945/publico/2011_RenataAlvesSampaio.pdf. Acesso em: 27 maio 2021.

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