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ISBN 978-85-7846-455-4

ANALOGIA DE OBRAS FILOSÓFICAS COM


FILME CIDADE DE DEUS

Mariane Lopes de Araújo, marianearaujo290@gmail.com


Natalia de Paula Mantovani, mantovani.natalia@hotmail.com
Tamara Candido de Lima, tamaralima2829@gmail.com
Universidade Estadual de Londrina
Eixo 2: Educação, diversidade e direitos humanos;

Resumo

A partir do filme vamos   relacionar com autores da filosofia, o  filme cidade de


Deus baseado no livro do antropólogo Paulo Lins que viveu 20 anos na favela
carioca e relata fatos reais. É um filme de ação brasileiro (2002) produzido pela O2
Filmes, Globo Filmes e dirigido por Fernando Meirelles. Houve a participação de
centenas de garotos da periferia do Rio de Janeiro , com objetivo   de evidenciar a
condição real dos moradores.Neste trabalho trazemos como foco a vida de jovens
à margem da sociedade e a disputa entre si. Como justificativa dessa análise
filosófica os problemas contextualizados no filme cidade de Deus que mostra um
pouco da realidade, assim iremos mostrar a relação de poder instituída pelo
homem pelo olhar de alguns autores.

 
Palavra-chave: Análise; Sociedade; Existencialismo.

 INTRODUÇÃO

Para contar a trajetória deste lugar, o filme narra a vida de diversos


personagens através do ponto de vista do narrador, Buscapé, um menino que
cresceu em um ambiente muito violento, porém, encontrou alternativas para não
ser atraído pela vida do crime.
Buscapé, o narrador, começa a contar a história de sua infância, e o filme
volta ao final dos anos 1960. A favela Cidade de Deus é construída longe do
centro urbano do Rio de Janeiro, com pouco acesso à eletricidade e água.
Três ladrões amadores conhecido como "Trio Ternura" : Cabeleira, Alicate
e Marreco aterrorizam os negócios locais. Marreco é o irmão de Buscapé. Eles
dividem parte do dinheiro roubado com os habitantes da favela chamada de
Cidade de Deus e, em troca, são protegidos por eles.
Vários garotos admiram o trio, e, um deles, Dadinho, os convence a roubar
um motel. A gangue concorda, porém, decidem por não matar ninguém e,
achando que Dadinho é pequeno demais para participar, deixam ele como vigia.
Dadinho dá um tiro no meio do roubo e segue assassinando todos ocupantes no

1968
motel. O massacre chama a atenção da polícia, forçando o Trio Ternura deixar a
favela.
Buscapé passa tempo se juntando a um grupo de jovens para fumar
maconha, fotografar os amigos e ficar próximo de Angélica, mas todas suas
tentativas de se aproximar dela são frustradas.
Dadinho muda seu nome para Zé Pequeno e, junto com seu amigo de
infância Bené, estabelece um império do tráfico de drogas eliminando toda a sua
competição, com a exceção de um traficante chamado Cenoura.
Uma relativa paz chega à Cidade de Deus quando Zé Pequeno está no
comando, pois evita chamar a atenção da polícia eliminando o aparente problema
local, matando um dos Caixa Baixa, que cometia crimes na área.
Zé planeja matar seu concorrente, Cenoura, porém é impedido por Bené,
que é amigo de Cenoura. Bené era o único homem que impedia Zé Pequeno de
atacar os negócios de Cenoura. Após a morte de Bené, Zé Pequeno estupra a
namorada de Mané Galinha e mata seu tio e irmão. Galinha, procurando vingança,
se alia a Cenoura. Depois de matar um dos homens de Zé uma guerra entre as
duas facções começa envolvendo toda a Cidade de Deus.
Zé Pequeno faz Buscapé tirar fotos dele e da sua gangue e ganha
notoriedade com isso. Buscapé se surpreende quando Zé manda que ele pegue a
galinha que fugiu. Enquanto Buscapé se prepara para capturar a ave, Cenoura
aparece e um tiroteio começa entre as duas gangues e, mais tarde, a polícia
intervém.
Mané Galinha é morto por Otto, um menino que havia se infiltrado na
gangue para vingar a morte de seu pai. Zé Pequeno e Cenoura são presos.
Buscapé fotografa tudo. Os Caixas Baixos cercam Zé e o matam em vingança de
seu amigo. Buscapé tira fotos do corpo de Zé e leva ao jornal.
A partir desse contexto e cenário, a filosofia nos  ajuda a compreender
certos tipos de comportamentos e indivíduos, dentro de uma determinada
sociedade.

ANÁLISE ANTROPOLÓGICA

Dentro de uma abordagem filosófica entendemos que o homem nasce em


um estado de natureza em que a necessidade de buscar elementos para a sua
sobrevivência básica é latente e neste sentido o respeito às regras socialmente
estabelecidas regulam estes desejo. Segundo Rousseau “O mais forte não é
suficientemente forte para ser sempre senhor”, mesmo um senhor que acha que
domina sobre os demais de alguma forma ele também é dominado, ou acabará
sendo dominado. No filme é demonstrado o ciclo do poder mediante a força Zé
pequeno assumindo o poder a partir de eventuais problemas acontecidos na
favela, percebemos o quanto o homem se transforma.
No contexto da favela Cidades de Deus percebem alguns “Contratos
sociais” instituídos pelos moradores e conseqüentemente executados: o sistema
de tráfico é aceito pelos moradores e a violência das gangues é tolerada, pois
implica em interesses, a população da favela aceita isso, pois garante dinheiro e

1969
“paz” aos moradores. Mas para isso determinadas convenções precisam ser
respeitadas.
Sobre o direito do mais forte “O mais forte não é suficientemente forte para
ser sempre senhor”. É uma convenção social aceitável que transforma a
obediência em dever e ceder a essa força, em certas circunstâncias, é uma
necessidade e prudência. Zé Pequeno utiliza-se da violência para se estabelecer,
na linguagem da violência, manda o mais cruel, em alguns momentos o próprio
“senhor” traficante entende sua fraqueza e cede espaço para não acabar morto.
Apesar daquela comunidade viver em contextos humanamente ruins
comparados aos da cidade urbana, a escravidão voluntária é algo que chama
nossa atenção. Apesar de viverem assim tem assegurado algo que lhe interessa:
relativa paz e rendimentos mesmo que ilícitos, mas compartilhado em várias
famílias. Portanto, há ganhos secundários (garantia de subsistência) em
submeter-se a esta escravidão ao tráfico e a violência local.
    Segundo Freud (1996) o ser humano é como um animal dotado de razão
imperfeita e influenciado por seus desejos e sentimentos, a contradição entre
esses impulsos e a vida em sociedade gera, no ser humano, um tormento,
percebemos que Zé pequeno é tomado pelos impulsos e  faz de tudo para
alcançar seus objetivos naquele lugar, indo contra os preceitos de uma vida em
sociedade.

   Assim como os desejos internos tomaram  Zé pequeno as desta forma o


capitalismo é presente na  favela é  retratado  como sistema de injustiça, onde
percebemos as várias desigualdades existentes na  sociedade, que  está marcada
pelos interesses. Marx (2004)  explica que o mais fraco é explorado, e que as
classes despossuídas de poder não tem outra fonte a não ser a força de trabalho.
Esses interesses antagônicos criam muitos conflitos, Como percebemos no Filme
Cidade de Deus,  Zé pequeno cria um conflito naquela sociedade que muitas
vezes por falta de oportunidade para se viver dignamente, alguns indivíduos são
influenciados pelo tráfico e pela bandidagem, além de utilizar o mecanismo
primitivo da força para estabelecer poder.
       Sartre (1984) em sua visão filosófica fala do existencialismo, em que o
homem precede a sua essência, ou seja, primeiro o homem existe no mundo e
depois se realiza, e se define por meio de suas ações e pelo que faz com sua
vida. Ambos os personagens vivem em um mundo de violência, mas cada um
seguiu um caminho conforme suas escolhas.  Zé pequeno se realizou quando se
tornou chefe do tráfico na favela, Buscapé por outro lado não queria aquilo para
sua vida, então decidiu mudar sua vida estudando e trabalhando para alcançar
sua essência na vida.
Segundo Kant (1974) o homem é um ser livre quando “se determina a agir
com inteligência, por conseguinte, segundo leis da razão, independente de
instintos naturais”(p.253) e que portanto “o homem faz de si mesmo, ou pode e
deve fazer como ser que age e livremente”, portanto um ser histórico, social e em
contínua construção e a moral do personagem Buscapé vem de sua livre escolha
e o que decide fazer de si.

1970
Para Kant “O homem é a única criatura que precisa ser educada” (1991,
p11) Esta educação é importante, pois humaniza e desenvolve sua capacidade
cognitiva dando vantagens para a sobrevivência da espécie. Enquanto a disciplina
o conforma às leis da humanidade, e a selvageria coloca o homem na
independência de qualquer lei. O personagem Zé Pequeno tenta se impor de
forma violenta, demonstrando falta de reflexão sobre seus atos, o que mostra a
necessidade de educação deste personagem para que ele possa entrar em
harmonia com as leis humanas e tornar-se um “verdadeiro homem” pela educação
(p.15).
A educação para Kant tem o papel de humanizar, delegar ou fazer
reconhecer traços inerentes a humanidade e também desenvolver certas
qualidades que de outro modo se deixadas à vontade não seriam desenvolvidas.
Claro que a natureza “selvagem” do homem luta por espaço, mas a educação é
um passo a mais no sentido da humanização, portanto “a natureza humana será
sempre melhor desenvolvida e aprimorada pela educação” (p.16).
O esclarecimento é um processo de emancipação da ignorância, no sentido
de avançar ao entendimento, para o autor existe uma comodidade em ser menor,
ou seja, ser dominado pelo outro ou simplesmente seguir regras. Para o homem é
difícil desvencilhar-se dessa menoridade, desta falta de autonomia, em outras
palavras, sair da caverna da ignorância exige esforço. O esclarecimento é um
processo lento, contínuo e racional.
O meio social Cidade de Deus não é um lugar em que a racionalidade é
estimulada, mas sim a estrita obediência, dificultando o esclarecimento. Vemos
que os jovens daquela periferia anularam o processo de aperfeiçoamento e
adiaram o esclarecimento quando se negaram a refletir.
Em Cidade de Deus entendemos que um bom caminho para isso é permitir
que cada homem utilize sua própria liberdade na construção da sua consciência
moral, isso libertará o gênero humano da menoridade da ignorância, da maldade,
dos impulsos destrutivos. Fazer um uso público de suas idéias e expô-las com um
grau de liberdade é um caminho para o pensamento livre e exercício da dignidade
humana.

RELAÇÃO DO FILME COM A ALEGORIA DA CAVERNA

Podemos relacionar o filme Cidade de Deus com o mito da caverna de


Platão, esta alegoria  é possível quando percebemos que o homem conhece
apenas aquele mundo e não conhece o mundo exterior. -Dadinho (Zé Pequeno)
acabam sendo ‘acorrentado’ pela sua própria ganância no decorrer do filme Zé
Pequeno acredita (ilusão) que ter o comando da favela o faz poderoso e não
acorrentado.
Outro personagem que se faz presente narrando toda essa história é
Buscapé um garoto morador da Cidade de Deus que tem como sonho se tornar
um fotógrafo famoso, tentou fazer pequenos roubos, mas percebeu que não era
essa vida que ele queria. Neste sentido, análogo ao mito da caverna, Buscapé

1971
conseguiu se libertar da caverna e sua ganância não o dominou, percebeu que há
um mundo sem a criminalidade, fora da caverna (obscuridade/ilusão).  
O homem que está preso a sua ganância e ao poder não consegue se
libertar facilmente, pois precisa abrir mão de muita coisa, precisa fazer um esforço
mental, uma escolha e seguir rumo a claridade de idéias.
Assim como no mito percebemos na obra uma série de oposições
semânticas: bem X mal, riqueza X pobreza, poder X submissão. Estes contrastes
aparecem nas interações entre os personagens, entre a comunidade, entre cidade
e favela. Os personagens Dadinho X Buscapé se contrapõem, apesar de no início
estarem aparentemente destinados ao mesmo fim. A interação de poder e
submissão e ao mesmo tempo envolvendo a riqueza entre a gangue de traficantes
e sua escalada sanguinária por poder e dinheiro. Esta dinâmica termina
novamente com outra oposição, vida X morte. No mito da caverna, apesar de às
vezes não parecer, sempre existem dois lados, e, portanto existe escolha.

CONSIDERAÇÕES

A partir da análise dos personagens, de leituras filosóficas, chegamos a


uma compreensão antropológica na obra Cidade de Deus. Podemos destacar a
relação do indivíduo,  para seguir a vida do crime ou parar ser incentivado pelo
destaque na mídia e comunidade, é uma constituição social. Relacionando o
poder da mídia com o indivíduo, este age de acordo com o imaginário de mundo
vigente e a partir dos significados transmitidos. Esta ação é desvelada pelo mito
da caverna de Platão que mostra a manipulação destas ideias por parte dos
homens que controlam a ordem social.
As memórias de Buscapé revelam também um recorte de sociedade e
condição humana, possibilitando uma análise antropológica dos personagens. O
homem em Cidade de Deus é um ser constituído pelo seu meio social e suas
escolhas pessoais. Ele está inserido em uma disputa de classes (dominantes X
dominados) cidade X favela. Esta estrutura recai sobre as relações humanas e até
mesmo na favela entre os traficantes se mantém a disputa por poder e dinheiro.
Para Sartre a existência precede a essência, então o homem em Cidade de
Deus é produto das escolhas anteriores, diárias e possíveis dentro da favela. Kant
também destaca que o homem é aquilo que se dedica a ser apesar dos instintos
naturais. Para Freud o homem tem seus instintos primitivos de alimentar seu ego,
contudo consegue socializar-se e respeitar as normas ao cultivar o intelecto e
respeitar os limites socialmente imposto.
O jovem da periferia convive com a realidade do banditismo, e este ainda
como status social, a marginalidade, envolvimento com tráfico, droga e até morte.
As possibilidades de sucesso ou de uma vida diferente deste caminho são bem
restritas, mas através de uma fotografia abre-se uma possibilidade de uma vida
diferente para Buscapé. Cidade de Deus é um recorte de Brasil e de mundo, em
que as escolhas de constituição do papel social e de homem oscilam a todo o

1972
momento, entre o bem X mal, poder X submissão, vida X morte, criminalidade X
dignidade. As identidades são mutáveis de acordo com as possibilidades e
determinantes sociais e o cinema reflete bem como isso acontece.
Em Kant percebemos o quanto a educação pode contribuir para a
humanização do indivíduo em “homem verdadeiro” e o que conseqüentemente
acarreta ao exercício de sua liberdade. O personagem Zé pequeno, em seus
delitos e desejo por matança percebemos como a falta de educação para auxiliar
no controle dos instintos primitivos pode trazer conseqüências ruins. O caminho de
todo homem é emancipar-se, ou seja, libertar-se das ilusões da ignorância, do erro
e da destruição moral. Através da educação  pode aperfeiçoar-se e esclarecer-se
a fim de que verdadeiramente exerça o pensamento livre e vivo dignamente.
Em Rousseau entendemos que o homem pode chegar a submeter-se a
escravidão por garantia de subsistência, na favela Cidade de Deus os moradores
tolerava o crime a guerra e a violência, pois por meio do tráfico asseguravam seu
lucro. E o transtorno em conflitos com a polícia e transição de uma gangue para
outra também trazia em decorrência disso “paz” local. A comunidade aceitava este
“pacto social” e elegia uma soberana Cenoura/Zé Pequeno, por entender que esta
é a melhor maneira de viver e para a conservação de todos.
Verificamos que em Cidade de Deus este pacto não é satisfatório pois não
há igualdade de direito a todos, os donos das bocas são truculentos, agem
seguindo por seus próprios estímulos e não pedem opinião a ninguém; resolvem
os conflitos com mais conflitos e na força, os moradores não reivindicam melhorias
e não tem coragem de enfrentar a situação. Neste sentido entendemos que as
relações de poder e também humanas em Cidade de Deus são desiguais e
precisam ser emancipados, trabalhados pelo senso dialético e reflexivos. O
homem em Cidade de Deus precisa sair desta “caverna”, mesmo achando que lá
dentro está bom, na verdade lá fora é bem melhor, é a vida verdadeira, mas que
demanda vontade e esforço tanto individual quanto coletivo.

REFERÊNCIAS

Maia. Aline Silva Correa. A cidade de Deus em foco. Análise de representações de


jovens na sociedade. Compos: Revista da Associação Nacional dos programas
de pós-graduação em comunicação.   Acesso em 20 de fev. 2016:
www.compos.org.br/

CHAVES, Noemia de Souza. O conceito de pessoa na antropologia kantiana:


uma abordagem prática e pragmática. POLYMATHEIA – REVISTA DE
FILOSOFIA (ISSN 1984-9575. Acesso em 1 mar de 2016 :
http://www.uece.br/polymatheia/

FREUD, S.  Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. Rio de Janeiro: Imago,


1996. v.6.

1973
MARX. Karl. Manuscritos econômicos e filosóficos. Trad. Octávio Alves Velho.
In: FROM, Erich. Conceito Marxista de Homem. Rio de Janeiro: Zahar Editores. 7ª.
Ed. Texto: Primeiro e terceiro manuscritos. p. 89-102 / 110-127.ano 2004

________. Manuscritos econômicos -filosóficos. Trad. Jesus Raniere. São Paulo:


Boitempo, 2004.

SARTRE, Jean Paul. O existencialismo é um humanismo. Tradução Virgílio


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https://pt.wikipedia.org/wiki/Cidade_de_Deus_(filme)

KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. São Paulo.


Quintela. São Paulo: Abril Cultural, 1974.  

KANT, Immanuel. Textos Selectos. Que é o esclarecimento? (p.100-117)

KANT, I.. Sobre a pedagogia. Akal. 1991 (p. 11-36)

1974

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