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Hugo Oliveira – A88260

Crime e arte – 16 de maio

A ambivalência do crime na arte – professor Albertino Gonçalves (JCSUM)

Tendo em conta que a arte é uma coisa imensa, o Professor Albertino Gonçalves cingiu-se à
parte da arte onde o crime pode ter diferentes leituras, recorrendo a noções jurídicas, e
abordando principalmente 5 tópicos, muito tratados na arte e que têm a ver com o crime:

1. A tragédia ou o sentimento trágico do mundo é uma das inspirações mais importantes na


arte

Inspirada sobretudo na mitologia, em particular a grega (exemplos: Édipo e Electra - ligados


também à psicanalise, nomeadamente ao complexo de édipo com Freud e Complexo de Electra
com Carl Jung), é muito representada no teatro, como por Shakespeare.

A tragédia implica protagonistas com a personalidade macabra, cujo desfecho acaba por ser
fatal, tem um destino macabro. Vivem num mundo em que não há meios termos, e que não há
compromisso. Foi previsto que Édipo mataria o pai. Tendo feito de tudo para não o fazer,
acabou por criar as condições necessárias para o matar sem saber. Assim, a figura de Édipo é a
seguinte: Édipo cometeu um crime, o pior dos crimes, mas sem o saber e sem intensão, tendo
feito de tudo para o evitar. Em termos jurídicos a autoria moral, aqui é fraca. E se pensarmos
bem quem comete um crime aqui, é de facto a vítima. O Édipo é a vitima. Ele de tudo fez para
lutar contra o destino. Nós temos aqui o autor de um crime, cuja responsabilidade ou o arbítrio
individual é questionável, porque no fim de contas só cumpre o seu destino. No caso de
Electra, ela instiga Orestes, o seu irmão, a matar a sua mãe e o amante da mãe e fá-lo por duas
razões. Em primeiro lugar, a mãe e o amante mataram-lhe o pai e, por isso ela queria vingança,
em segundo lugar, o amante da mãe, queria matar Orestes. Assim, Electra quando instiga o
irmão a matar a mãe e o amante, tem a autoria moral do crime, mas ao mesmo tempo, Electra
está a fazer justiça (pelas próprias mãos), porque está a castigar quem foi o assassino do pai, e
ao mesmo tempo está a fazer “justiça preventiva”, porque está a evitar que o padrasto mate o
irmão. O que é certo é que Orestes foi castigado, enlouqueceu, mas foi mais tarde terá sido
absolvido pelo tribunal (com a deusa Atenas a interceder por ele) e Electra, embora autora
moral do crime, não teve qualquer tipo de castigo. Na mitologia existem muitas situações em
que o criminoso não só não é castigado, como muitas vezes até é compensado.

Quando alguém abraça o seu destino, até que ponto é responsável pelo que faz? Até que ponto
é criminoso e não a vítima? Esta é a ambivalência que atravessa quase toda a representação do
crime na arte.

2. A miséria humana – retrata situações como a guerra, calamidades, epidemias…que são de


tal modo impactantes que a ordem moral é suspensa, isto é, são situações em que a
humanidade perde a sua humanidade.

Um autor que abordou muito este tema, da suspensão da humanidade devido às


circunstâncias foi Goya, no entanto, atualmente o que não faltam são filmes de ficção científica
pós apocalípticos que abordam este tema. E aqui voltamos ao mesmo problema, se a perda da
humanidade depende das circunstâncias, até que ponto o criminoso é criminoso ou vítima das
circunstâncias? Até onde podem ir as circunstâncias atenuantes?

3. Massacre dos inocentes – são situações em que grupos coletivos são assassinados ou
raptados por quem tem o poder.
Hugo Oliveira – A88260

Um exemplo disso é o facto de Herodes ter enviado soldados a Belém com a ordem de
matarem todas as crianças até aos dois anos, com o intuito de matar Jesus. Isto é um tema
recorrente na arte. Do ponto de vista do poder e da lei isto não era um crime. Era a execução
de um decreto, era uma sentença. Embora seja uma ação do Estado, não deixa de ser um crime
do Estado. Não deixa de ser um crime contra a humanidade. Mais uma vez, a ambivalência.

4. Martírio

O martírio de heróis e sobretudo de santos é dos temas mais recorrentes nas obras de arte. Os
martírios são execuções de panas, penas decididas por tribunais. Por exemplo, São Lourenço é
queimado porque é culpado, São Sebastião é alvo de inúmeras setas, o cristo na cruz… O que
mais uma vez nos leva à ambivalência

5. Cristo e sua crucificação – é tema mais retratado na arte ocidental

Tema poliédrico. É um tema que tem imensos sentidos e leituras. Por exemplo, há uma
interpretação em estamos perante um criminoso, culpado e condenado. Há vários indicadores
disso. A crucificação era a pena maior que havia no império romano. Só eram crucificados os
piores criminosos. Por outro lado, Cristo sacrifica-se pelos pecados de toda a Humanidade,
pelo que conseguimos ver em vários quadros o olhar de Cristo, no momento da crucificação a
oscilar entre a humanidade que está em frente e o céu que está em cima, sendo que esta
oscilação retrata a dupla natureza de cristo. Por um lado, temos cristo condenado, aos olhos do
homem, um criminoso, por outro lado temos um cristo que olha para o céu pedindo a Deus
para os perdoar, pois “não sabem o que fazem”. Cristo além de ser o condenado, é a vítima por
excelência, é a vítima da humanidade pela humanidade. Assim, não há no imaginário ocidental,
maior vítima do que ele. Daí também existir aqui uma ambivalência.

Crime e arte sob a perspetiva das Mulheres - doutora Monique Lopes (CEUB)

A arte no Brasil fica renegada a um segundo plano, sendo que o acesso à cultura é dada a
poucos. Segundo a Doutora Monique Lopes, sendo mulher numa “sociedade machista”, a
violência física e psicológica é muito comum, sobretudo no acesso à cultura. A arte está em
tudo, pelo que é preciso fazer as pessoas reconhecer isso, para que as desigualdades de
género, também na arte deixem de acontecer, até porque existem inúmeras mulheres muito
talentosas que simplesmente parecem invisíveis, precisamente por serem mulheres. A
invisibilidade gera vulnerabilidade, estando assim a mulher vulnerável a ser vítima de crimes
contra os seus direitos. Assim nasceu o projeto “Mulheres eternas”, um projeto que visa alterar
essa realidade e inserir as mulheres do Brasil num contexto mais justo e humanista. Este
projeto tinha o que era preciso para ir alem de um mero evento, tendo sido criado todo um
movimento de transformação social. Há muitos esforços nesse sentido no Brasil, mas o objetivo
é somar a todos eles, quantos mais existirem melhor. Esse é um movimento urgente. O Brasil
alcançou a 78ª posição no ranking de igualdade de género em 2022, a pior situação desde
2015. Cerca de 43% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência psicológica
(dado oficial, mas que pode ser maior, dado ao silencio de muitas), o que representa quase
metade das mulheres brasileiras. Cerca de 1.6 milhões de mulheres foram vítimas de violação
ou tentativa de violação (dados de 2019). Houve cerca de 1350 feminicídios em 2020 (aumento
de 1.9% em relação a 2019). Mulheres morrem pelo simples facto de terem nascido mulheres.
Uma violência que precisa de ter fim. Pelo que o movimento visa promover a criação de um
estado de consciencialização de empoderamento feminino e vigilância contra a violência do
género feminino. Este movimento não é, nem deve ser o único esforço nesse sentido, pelo que
todas as iniciativas são bem vindas, sendo interessante que hajam vários movimentos
Hugo Oliveira – A88260

descentralizados, complementares e que organizem ocasionalmente atividades especificas


para se tornar impossível de serem negligenciados pelo fator politico, económico ou civil.

Um olhar sobre o drama dos Yanomanis - Manu Militão (artista multimédia)

Um artista, quando analisa uma obra tem sempre que ter em consideração o perímetro, as
cores, os movimentos, a técnica e até mesmo a vertente jurídica, a riqueza dos detalhes nas
obras é o que as faz serem arte.

Manu Militão perceciona o ser humano como um ser artístico, pelo afirma que o homem nasce
artista e vai se desconstruindo porque às vezes é mais fácil simplificar para poder entender,
pelo que somos complicadamente artistas.

A arte, desde os primórdios que tenta explicar e eternizar as nossas emoções e ideias e
também tenta dar um significado àquilo que nós não compreendemos. A arte passou por
vários períodos ao longo da história, por vários estilos, movimentos e que mostrou em cada
momento o que acontecia. A história chega até nós principalmente através da arte. Desde as
pinturas rupestres, até se densificar na própria escrita, com a poesia por exemplo.

Manu Militão à alguns anos decidiu eternizar mulheres através da pintura, tendo começado a
pintar mulheres, tentando sobretudo explicar o que elas fizeram, como atuavam e como era a
sua vida, numa sociedade tão desigual como a nossa. Assim, quando decidiu pintar o povo
Yanomanis, um povo indígena brasileiro, teve uma dificuldade acrescida dado que para esse
povo, a fotografia, o retrato, a pintura é configurada como a captura da alma, sendo isso uma
crença espírita. Isto é algo difícil compreender para o mundo ocidental, como a religião pode
ser descolada da espiritualidade, mas é diferente. Hoje existem pouco mais de 38.000
indígenas Yanomanis, na área de reserva deles, que gira em torno de 9.6 milhões de hectares
(2 Suíças), o que até parece muito para o pensamento capitalista ocidental, mas temos que
entender que há mais formas de pensar. Mas até que ponto é que aquilo que conseguimos
colocar como normatização, ou preservação dos direitos de um individuo inerentes a uma
sociedade, isso leva em conta as individualidades e culturas típicas como a do povo Yanomanis.

Para o povo Yanomanis qualquer retrato que fique no mundo depois de um individuo morrer, é
como um aprisionamento do próprio individuo, que não consegue transitar para o plano
espiritual. Será então que temos o direito de fazer isso?

Recentemente, o povo Yanomanis tem vivido um drama muito sério com o aumento drástico
da mortalidade e isso está a acontecer principalmente devido à invasão do homem ocidental
nas florestas amazónicas, onde para extraírem o ouro das lamas dos rios deixam resíduos em
grandes quantidades de mercúrio nas aguas e nos solos que tem matado este povo.

Para alem disso, na época da pandemia o povo Yanomanis que adoecia, era levado para os
hospitais, pelo que eram separados das suas famílias e quando morriam era sepultados em
lugares que não eram próprios segundo a sua cultura, muitas vezes eram até incinerados não
podendo ser recolhidos os brincos, colares, anéis…

Onde é que está a justiça para este povo? Manu Militão fez então uma pitura de uma menina
Yanomanis (o que parece um pouco contraditório), no entanto, essa é uma obra que se
autodestruirá ao longo do tempo, precisamente com o objetivo de respeitar as crenças dessa
menina e desse povo. Com isto Manu Militão pretende respeitar a cultura, a forma de olhar
para o mundo, a espiritualidade do povo Yanomanis.

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