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86 CULTURA, SOCIEDADE E MEIO AMBIENTE GRADUAÇÃO UNIVEL EAD

3.1 Os Direitos Humanos: história e importância


Talvez você até seja gêmeo ou gêmea, mas se não for, pense como fosse e tivesse
alguém idêntico ou idêntica a você. Então, imagine-se viajando durante dias,
com seu irmão ou irmã dentro de um vagão lotado, de pé, por não ter espa-
ço sequer para sentar. Após quase morrerem de fome e sede, o trem para, as
portas se abrem e vocês entram em uma fila de seleção. Você nota que alguns
são mandados para a direita e outros para a esquerda. O fato de vocês serem
gêmeos chama a atenção do médico que está fazendo a seleção. Ele está vestido
elegantemente, parece muito inteligente e até mesmo simpático.

Essa realidade foi vivenciada por milhões de pessoas que foram recepcionadas
nos campos de concentração nazistas. Depois de desembarcarem – alguns mor-
riam na viagem –, os prisioneiros eram colocados em fila para a seleção, sendo
que alguns iriam direto para a câmera de gás e depois incinerados, enquanto
outros iriam para o trabalho pesado até morrerem de fome, doenças, espanca-
mento ou, até mesmo, na própria câmera de gás.

Um relato surpreendente desses eventos analisados a partir da


psicologia dos prisioneiros é feito por Viktor Frankl em sua obra “Em
busca de sentido: um psicólogo nos campos de concentração”. Frankl
descreve os horrores, não só da tortura e da fome, mas também de não
ter mais uma identidade, um mínimo respeito e, até mesmo, a ausência
de um momento a sós para pensar.

Mas, e a cena inicial? E os gêmeos e o médico elegante e “inteligente”? Estamos


falando de Joseph Mengele, o médico nazista chamado de “Anjo da morte” pelos
prisioneiros do campo de concentração de Auschwitz. Para conhecer um pouco
mais de Mengele, veja o que relata Horta (2018, s. p.):

Para os médicos nazistas, a triagem de prisioneiros era a ta-


refa mais estressante do campo. Quem contou isso foi a dra.
Ella Lingens, austríaca presa no campo por ter protegido ju-
deus. “Alguns chegavam a se embebedar antes do batente”.
Mengele, não. Nenhum colega era tão resoluto ao selecionar
prisioneiros para as filas da direita ou da esquerda. Ganhou
notoriedade pela eficiência ao lidar com uma epidemia de tifo
entre as presas de Birkenau, no fim de 1943. Nessa ocasião,
sem hesitar, Mengele mandou matar todas as 600 mulheres
de um bloco e, em seguida, desinfetou o lugar. No fim de 1944,
Mengele resolveu uma crise de abastecimento diminuindo o
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número de bocas no campo: mandou cerca de 4 mil mulheres


para a câmara de gás diariamente, por dez dias. 1,1 milhão de
pessoas seriam mortas em Auschwitz-Birkenau entre 1940 e
1945.

Figura 1 – Campo de concentração de Auschwitz

©lightwise
Fonte: 123RF.

Mengele tinha um interesse especial em gêmeos porque usava-os de todas as


maneiras pensadas em suas pesquisas médicas, sem se preocupar com a dor,
sofrimento ou consequências de suas experiências.

Pares univitelinos eram alimentados e tratados contra doen-


ças num galpão de Birkenau, apelidado de “Zoológico”. Uma
vez saudáveis, seguiam para o hospital, onde médicos tiravam
suas medidas e os entregavam a Mengele, que os examinava
por horas. Começavam, então, os experimentos in vivo: am-
putações, punções lombares, transfusões de sangue de tipo
incompatível, infecção com doenças. Um irmão servia de co-
baia, outro, de controle. Depois, o médico matava os dois e
comparava os corpos (HORTA, 2018, s. p.).

Vamos parar por aqui com as descrições porque elas são, de fato, horríveis.
Agora, voltamos à cena inicial e imagine-se novamente na fila de seleção, sendo
gêmeo ou gêmea. Como você se sentiria se estivesse em total desamparo, sem
ninguém ou sem nenhuma entidade que os auxiliasse e os defendesse? Perceba
o quanto você agradeceria a intervenção de uma comissão dos Direitos Huma-
nos.
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Você poderia afirmar que o exemplo é exagerado. Mas, quantas pessoas são
discriminadas, excluídas ou, até mesmo, torturadas todos os dias? Quantas não
vivem em estado de escravidão ou semiescravidão? Quantas não estão tranca-
das em prisões sem nenhuma higiene ou condição básica para viver? Podemos
ainda mencionar os genocídios, a exclusão social e a violência contra minorias.
E o que dizer da história hedionda de escravidão no Brasil?

Figura 2 – Violação dos Direitos Humanos acontecem todos os dias

©rido
Fonte: 123RF.

3.1.1 História dos Direitos Humanos


De acordo com Passos (2016), o processo de consolidação da defesa dos Direitos
Humanos, sob a ótica internacional, se fez em paralelo com o desenvolvimento
da sociedade contemporânea. Esse desdobramento teve por eixo norteador a
igualdade de todos os indivíduos em seu valor essencial.

Desde o surgimento das primeiras civilizações, há um jogo de poderes entre os


cidadãos que, dentro dos limites históricos, lutam por seus direitos.

Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são


direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstân-
cias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades
contra velhos poderes, e nascidos de forma gradual, não to-
dos de uma vez e nem uma vez por todas (BOBBIO apud PAS-
SOS, 2016, p. 233).

Passos (2016) fala de três fases principais na consolidação dos Direitos Huma-
nos. Na primeira, há a formação da ideia de cidadania, já presente no século
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XVIII a.C. no Código de Hamurabi. Nessa fase, também se formaria a noção de


igualdade como valor essencial, especialmente entre os séculos VIII e II a.C, na
chamada Era Axial, com o contributo de cinco grandes doutrinadores: Zaratus-
tra (Pérsia), Buda (Índia), Confúcio (China), Pitágoras (Grécia) e o Dêutero-I-
saías (Israel). A segunda fase se iniciaria no século VI com a criação do conceito
de dignidade da pessoa humana e, por fim, o período moderno que tem como
um dos nomes fundamentais Immanuel Kant, que destaca a dignidade e singu-
laridade da pessoa humana.

Embora os princípios que embasam os Direitos Humanos tenham uma longa


história de evolução e construção, os Direitos Humanos da modernidade que
acabaram por culminar na criação da Organização das Nações Unidas (ONU),
em 1945, e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948,
tiveram como momentos decisivos as Revoluções Francesa e Americana do sé-
culo XVIII.

Para Mbaya (1997), o fato de não perceber movimentos por tais direitos na Ida-
de Média, onde aconteceram tantos genocídios, se deve à dominação da Igreja
em todos os campos da sociedade.

Foi necessário muito tempo para que esse conflito funda-


mental se tornasse um problema social. Durante séculos, a
Igreja havia suprimido a antinomia entre Homem e Sociedade,
substituindo-a pela panacéia transcendente da eternidade, no
intuito de diminuir o interesse do homem pela sua vida terres-
tre transitória. Em lugar do Homem e da Sociedade, a Igreja
oferecia aos pobres e aos ricos a máxima o Homem e o Reino
de Deus, esforçando-se por manter a riqueza dos ricos e a
pobreza dos pobres (MBAYA, 1997, p. 17).

Com a queda do Feudalismo, surgimento do proletariado e movimentos como


Renascença e Iluminismo, os direitos passaram a ser exigidos. Muito embora se
tivesse a noção de igualdade, era uma igualdade excludente, ou seja, nem todos
tinham direito a ela – o que é uma contradição em termos. Na Modernidade, no
entanto, passou-se a buscar a igualdade inclusiva – que ainda está em marcha
e em evolução.

Existem duas formas de entender a igualdade e, por vezes, a diferença não é tão
aparente. Por exemplo, na Grécia antiga, o ideal de liberdade se fazia aberta-
mente como uma prerrogativa dos cidadãos homens e que tinham proprieda-
des. Os detentores da liberdade, em geral, são classes privilegiadas de uma ou
outra forma e que desejam manter o status quo. A igualdade inclusiva defende
a universalidade do direito à dignidade e, em consequência, da liberdade.
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Conforme mencionado anteriormente, Kant (1724 – 1804) forneceu, com sua


filosofia, as bases para a formulação de princípios fundamentais. Segundo o
filósofo, enquanto todas as coisas têm “utilidade”, somente o ser humano tem
“dignidade”. Além do mais, não se deve considerar nenhum humano como um
meio para um fim, mas sim como um fim em si mesmo.

Figura 3 – Revolução Francesa

©Veronique Lestoquoy
Fonte: 123RF.

Embora a busca pela garantia da universalidade dos Direitos Humanos tenha


uma longa história, como A Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, promulgada em 26 de agosto de 1789, na França, a criação da Orga-
nização das Nações Unidas (ONU), em 1945, foi fundamental para sua crista-
lização.

Vivemos, desde 1945, um período de reconhecimento da sua


universalidade e inclusividade, sendo, também, um período de
reivindicações dos povos no sentido de exercerem o direito à
autodeterminação como um direito dos povos e do homem. É
o momento da democratização, da descolonização, da eman-
cipação, da luta contra o racismo e todas as formas de dis-
criminação racial. O direito à existência, à vida, à integridade
física e moral da pessoa e à não-discriminação, em particular
a racial, são normas imperativas da comunidade internacional
ou da natureza [...] (MBAYA, 1997, p. 17).

No ano de 1948, a ONU em Assembleia Geral proclamou a Declaração Univer-


sal dos Direitos Humanos. Já no artigo I afirma: “Todos os seres humanos nas-
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cem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência


e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.

“A Carta de São Francisco (ou Carta da ONU), e juntamente a Declaração


Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e os Pactos Internacionais
de Direitos Civis e Políticos e Direitos Econômicos e Sociais e Culturais,
de 1966, formam a Carta dos Direitos Humanos da ONU” (PASSOS,
2016, p. 236).

Figura 4 – Organização das Nações Unidas (ONU) – EUA

©Mykhaylo Palinchak

Fonte: 123RF.

3.1.2 Os Direitos Humanos na atualidade


Os Direitos Humanos inclusivos ainda estão em construção. Enquanto há ex-
clusão, opressão e discriminação, seus princípios fundamentais de igualdade e
dignidade ainda não foram respeitados. No preâmbulo da Declaração Universal
dos Direitos Humanos se anuncia “[...] o reconhecimento da dignidade inerente
a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis
é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo”.

Logo, a dignidade de cada ser humano é o fundamento para a liberdade. É pre-


ciso evitar os horrores já presenciados, conforme anuncia, ainda, o segundo
“considerando” do preâmbulo da Declaração:

[...] o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos re-


sultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da
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Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos


gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de
viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado
como a mais alta aspiração do ser humano comum (DUDH,
1948, on-line).

Cabe ainda a menção dos Artigos II e III da Declaração Universal dos Direitos
Humanos:

Artigo II

1 - Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e


as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção
de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião,
opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou so-
cial, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

[...]

Artigo III

Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança


pessoal (DUDH, 1948, on-line).

Mas, a “inclusão” de todos à igualdade está acontecendo de fato? Para Mbaya


(1997), muito embora a escravidão, o colonialismo e o fascismo tenham desapa-
recido em sua forma original, eles reaparecem em nossos dias de outras formas,
mas com igual impacto na violação dos direitos humanos. Em exemplo, podem
ser citadas as ditaduras e o neocolonialismo.

Você acha que os princípios de dignidade, igualdade e liberdade estão


sendo respeitados, na prática? O que dizer de opressões disfarçadas,
nas quais a “maioria” – um grupo de privilegiados – detém o poder de
ditar as normas e leis de uma sociedade? Como podemos fazer para
superarmos as exclusões e sermos mais inclusivos?
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Figura 5 – Ditadura e neocolonialismo violam os direitos humanos

©petervick167
Fonte: 123RF.

Como se percebe, a caminhada para uma ampla inclusão nos Direitos Humanos
ainda é longa. Há, ainda, muito que progredir para superar as discriminações,
exclusões e opressões. A dificuldade se torna ainda maior quando se observa
que tais violações são legalizadas dentro de um sistema capitalista constituído
de ricos e pobres, de países de primeiro mundo e de terceiro mundo. Ou já se-
riam esses conceitos uma violação dos Direitos Humanos?

O Pacto Global derivado da Declaração Universal dos Direitos Humanos


advoga dez princípios fundamentais. São eles: Princípios de Direitos
Humanos: 1. Respeitar e proteger os Direitos Humanos; 2. Impedir
violações de Direitos Humanos. Princípios de Direitos do Trabalho:
3. Apoiar a liberdade de associação no trabalho; 4. Abolir o trabalho
forçado; 5. Abolir o trabalho infantil; 6. Eliminar a discriminação no
ambiente de trabalho. Princípios de Proteção Ambiental: 7. Apoiar
uma abordagem preventiva aos desafios ambientais; 8. Promover a
responsabilidade ambiental; 9. Encorajar tecnologias que não agridam
o meio ambiente. Princípio contra a Corrupção: 10. Combater a
corrupção em todas as suas formas inclusive extorsão e propina.
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LEITURA COMPLEMENTAR
Para conhecer todas as informações sobre o Pacto Global, que foi lançado
em 2000 pelo então secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, o
qual se trata de uma chamada para as empresas alinharem suas estraté-
gias e operações aos 10 (dez) princípios universais nas áreas de Direitos
Humanos, Trabalho, Meio Ambiente e Anticorrupção e para desenvolverem
ações que contribuam para o enfrentamento dos desafios da sociedade.
Acesse: https://www.pactoglobal.org.br/. Leia todas as abas, incluindo as
ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).

REFERÊNCIAS
FRANKL, V. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentra-
ção. 1. ed. Petrópolis: Vozes, 2017.

HORTA, M. Mengele: as três vidas do anjo da morte. Superinteressante.


2018. Disponível em: https://super.abril.com.br/especiais/mengele-as-tres-vi-
das-do-anjo-da-morte/. Acesso em: 22 abr. 2020.

MBAYA, E. R. Gênese, evolução e universalidade dos direitos humanos frente


à diversidade de culturas. Estudos Avançados, v. 11, n. 30, São Paulo, maio/
ago. 1997. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex-
t&pid=S0103-40141997000200003. Acesso em: 22 abr. 2020.

ONU – Organização das Nações Unidas. Declaração Universal dos Direi-


tos Humanos. 1948. Rio de Janeiro: Unic, 2009. Disponível em: https://na-
coesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf. Acesso em: 22 abr.
2020.

PACTO GLOBAL. Rede Brasil. Disponível em: https://www.pactoglobal.org.


br/. Acesso em: 22 abr. 2020.

PASSOS, J. D. S. Evolução histórica dos direitos humanos. Unisul de Fato e


de Direito. v. 7, n. 13, 2016. Disponível em: http://www.portaldeperiodicos.
unisul.br/index.php/U_Fato_Direito/article/view/3970/2751. Acesso em: 22
abr. 2020.

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