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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

Gustavo Arroxellas Sicsu Cardoso

Lucas Carvalho de Oliveira Mattos

Rubens dos Santos Gonçalves

DESABRIGO EM ESTRUTURA:
A REGIONALIZAÇÃO DE PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA NO MUNICÍPIO DO
RIO DE JANEIRO – RJ

Região e Regionalização
Professor: Luiz Miguel Pereira

Niterói
04/07/2023

RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo apresentar a regionalização das
pessoas em situação de rua no município do Rio de Janeiro – RJ e, a partir do
método de revisão de literatura e levantamento de dados, lidos e apresentados
dentro de determinada ótica marxista, propor uma reflexão sobre os motivos que
põem estes cidadãos diante de tal perda de dignidade, reconhecendo que a moradia
é um dos direitos básicos presentes em nossa constituição de 1988.

Palavras-chave: regionalização de pessoas em situação de rua; município do Rio


de Janeiro; – RJ; revisão de leitura; marxismo; direito à moradia.

INTRODUÇÃO

Segundo o último Censo de população em situação de rua na cidade do Rio de


Janeiro, divulgado pela Prefeitura da cidade junto ao Instituto Municipal de
Urbanismo Pereira Passos - IPP, o número de cidadãos que se encontram nesta
problemática é de 7.865 pessoas. O trabalho de campo aconteceu entre 21 e 25 de
novembro de 2022, de segunda a sexta-feira, com exceção do dia 24, quando
houve jogo do Brasil na Copa do Mundo, percorrendo a área central, Zona Norte,
Sul, Oeste, além das regiões administrativas de Tijuca e Vila Isabel, e de
Jacarepaguá e Barra da Tijuca1.

O dados obtidos nos ajudam a entender como elementos pautados por exclusões
estruturais, que vigoram desde as origens de nosso país, reforçam a necessidade
de enfrentamento de questões como o racismo, pra ficarmos em um exemplo mais
evidente, já que do total destas quase 8 mil pessoas em situação de rua, 84% são
autodeclarados pretos ou pardos.

Outro número que nos salta aos olhos é o fato de 11% não saber ler ou escrever
um bilhete simples, além de 64% possuir ensino fundamental incompleto,
desnudando a relação entre desigualdade econômica e desigualdade de acessos à
educação e cultura.

É necessário compreender os nexos entre exclusão urbana em suas múltiplas


determinações, como as colocadas acima, e as opressões estruturais da sociedade
brasileira e carioca, para direcionar políticas públicas baseadas no enfrentamento
aos elementos causais destas problemáticas.

Para isso, temos como objetivos:

1
.https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-04/censo-identifica-7865-pessoas-em-situacao-d
e-rua-na-cidade-do-rio#
● Produzir um mapa que exponha a distribuição desta população em
situação de rua dividido entre as zonas que compõem a cidade do Rio
de Janeiro a partir do Censo de população em situação de rua de
2022;
● Expor a relação entre estes números e a própria dinâmica excludente
presente nos territórios comandados pela lógica da acumulação de
capital, num momento de desemprego estrutural, trabalho precário e
crise econômica.

REGIÃO: BUSCA POR UMA DEFINIÇÃO

A CIDADE DO CAPITAL: EXCLUSÃO E DESIGUALDADE

A formação do modo de produção capitalista é uma narrativa repleta de


desapropriações e violências, onde diferentes aspectos da vida humana são
convertidos em mercadorias. De acordo com Silva (2009), a história da "população
em situação de rua" está intrinsecamente ligada à acumulação capitalista, desde o
processo conhecido como "acumulação primitiva", discutido no Capítulo XXIV do
Livro I de "O Capital" de Marx (2013), onde este afirma que a história da
expropriação, ou seja, a separação entre o trabalhador e a "propriedade das
condições necessárias para o trabalho" (p.786), é "registrada nos registros da
humanidade com marcas de sangue e fogo" (p. 787). O autor argumenta que a
estrutura do capitalismo emerge através da dissolução da estrutura econômica da
sociedade feudal, sendo sua formação baseada em métodos violentos.

O título deste trabalho, qual seja, Desabrigo em estrutura, tem o objetivo de expor
as contradições entranhadas em um modo de produção que se expande tendo
como perspectiva máxima a sobreposição do valor de troca sobre o valor de uso, ou
seja, as necessidades de valorização do próprio capital acaba por se impor às
necessidades humanas, de homens, mulheres, animais e meio ambiente,
transformados todos em meios quantitativos para o avanço do lucro e do ganho de
alguns sobre os demais. Tal inversão de princípios se mostra visível na malha
urbana de forma mais extrema no drama das pessoas em situação de rua, já que a
estrutura que norteia e na qual se baseia esse modo de produção acaba por excluir
uma gama crescente de indivíduos, que veem muitas vezes nas drogas legais ou
ilegais, um método de abrandar a dor e o sofrimento causados pelo desemprego e
pelo racismo estruturais, que os impõe uma existência miserável pelas ruas das
grandes cidades do país.

Levantar esses pontos é fundamental, pois estes elementos se revelam nos


números do Censo de pessoas em situação de rua no município do Rio de Janeiro
de 2022, pois demonstrou que a maioria dos indivíduos em situação de rua consiste
em homens adultos, principalmente de origem negra, e enfrenta limitações
significativas no acesso à educação. Os três motivos mais frequentemente citados
como responsáveis por levá-los a essa condição são o abuso de álcool/drogas
(22%), o desemprego (13%) e conflitos familiares (43%). Entre as atividades mais
comuns para obter renda, 57,7% catavam materiais recicláveis ou lixo e 20,7%
vendiam produtos como ambulantes. Ou seja, são parte do aumento no número de
trabalhadores informais e precários, que crescem cada vez mais enfeitando a
cidade com suas bags coloridas, sem nenhum direito trabalhista e sujeitos a todo
tipo de acidente2. Além disso, a média de idade destes desabrigados ronda os 31
anos, o que expõe o quanto esta situação não é detrimento de qualquer elemento
natural, mas é causa estrutural de um sistema que ao invés de abrigar e acolher,
marginaliza e exclui seus habitantes.

O fato de termos um número mais baixo da zona oeste de pessoas em situação de


rua, também não pode ser entendida como simples coincidência ou causa "natural".
É provável que isto ocorra pelo fato destes indivíduos irem na direção de locais
onde há maior circulação de mercadoria, recursos e desperdícios, o que expressa
as desigualdades sociais no interior da própria cidade.

Podemos aprofundar adiante alguns dos elementos expostos no Censo, como a


questão das drogas, do desemprego e dos conflitos familiares na sociedade
patriarcal, já que o censo observou que 81% das pessoas em situação de rua no
Rio de Janeiro são composto por indivíduos do sexo masculino.

Quando relacionamos a situação de rua ao "uso de drogas", estamos sugerindo


que o consumo dessas substâncias é a principal razão pela qual as pessoas
acabam vivendo nas ruas. No entanto, é importante compreender que essa ligação

2
.https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/03/trabalho-semelhante-ao-escravo-deve-ter-forte-alta-
com-crise-e-impunidade-sob-bolsonaro-diz-chefe-da-oit.shtml
não é tão direta e simplificada, já que há alguns pontos a serem considerados, como
o contexto histórico, já que o uso de drogas faz parte da história da humanidade e
muitas vezes está relacionado a necessidades sociais específicas ao longo do
tempo. Também temos de levar em conta que seu consumo não é necessariamente
prejudicial. Pode ocorrer de diferentes maneiras, desde usos ocasionais e
recreativos até comportamentos abusivos e dependentes. Nem todas as pessoas
que usam drogas acabam em situação de rua. A forma como o Direito lida com as
drogas, através de leis e políticas proibicionistas, também desempenha um papel
significativo nessa questão, já que na nossa atual sociedade a maneira de tratar o
usuário vai na direção da repressão e da violência3, se obtendo a marginalização de
uma parcela social que quando em situação de rua, acaba por incorporar mais uma
camada de preconceito e estigma sobre si.

No dia a dia das famílias da classe trabalhadora, percebemos a relação


estabelecida entre trabalho e dignidade. Essa relação, juntamente com a divisão de
gênero do trabalho, na qual o homem é considerado o provedor, possui elementos
importantes que nos ajudam a compreender a formação da população em situação
de rua.

Essa situação se aplica aos homens, que migram em busca de melhores


condições de vida. Para eles, retornar à situação de rua ou a condições
degradantes, diferentes daquelas que esperavam quando decidiram migrar, se torna
uma possibilidade "insuportável". Dentro de casa, veem reduzidos de sua alcunha
de provedor do lar, sofrendo as implicações de uma sociedade machista e patriarcal,
vistos sem dignidade ou inferiorizados diante da esposa e dos filhos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao analisar os dados do último Censo sobre população de rua no município do Rio


de Janeiro, foi importante perceber a multiplicidade de fatores que são necessários
levar em conta quando da sua regionalização, pois segundo Ester Limonad (2016),
a região atende interesses políticos precisos, e neste embate cabe ao analisante ir
além da descrição fria dos números, buscando sempre os nexos causais e as

3
.https://oglobo.globo.com/politica/violencia-policial-bate-recorde-em-2020-atinge-maioria-negra-jove
m-25111227
relações históricas que são representadas por dito recorte. No caso inserido no
âmbito desta pesquisa, tal olhar mais rigoroso, baseado numa metodologia
marxista, nos permitiu enquadrar a problemática do desabrigo atravessada por
outras opressões e por outros aspectos de ordem do poder e da subjugação, tais
como o racismo e o patriarcado, nos permitindo abordar esta condição extrema de
desassistência estatal costurada á outras formas de manutenção do status quo. Se
as condições que geram tal quadro de miséria é social e histórico, significa que a
regionalização pode fornecer elementos para o combate as raízes desta situação,
parafraseando o poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht, que “nada deve
parecer natural, nada é impossível de mudar”.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

. LENCIONI, S. Região e geografia. São Paulo: EDUSP, 1999.

. Limonad, E. (2015). in Brasil, Século XXI – por uma nova regionalização


Processos, escalas, agentes /organizadores:Ester Limonad, Rogério Haesbaert,Ruy
Moreira. – Rio de Janeiro: Letra Capital Editora, 2015.

. MARX, K. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013. cap.
I, XXIII e XXIV.

. SILVA, M. L. S. Trabalho e População em Situação de Rua no Brasil. São Paulo:


Cortez, 2009.

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