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Avaliação II - Geografia Humana do Brasil

Bernardo José Alvarez de Castro. DRE: 118064255


Sessão escolhida: Desigualdades e conflitos urbanos. Governança metropolitana e
desenvolvimento regional.
Caso relacionado: habitação e moradia urbana.

Na madrugada do dia 03 de junho de 2021, um prédio localizado no bairro de Rio das Pedras,
zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, desabou matando pelo menos duas pessoas. Há cerca de
dois anos atrás, dois prédios na Muzema, bairro vizinho de Rio das Pedras, vieram à baixo
levando a vida de 24 pessoas (O Globo, 2019). Os dois casos estão inseridos no mesmo quadro
de questões urbanas bem demarcado na zona oeste da cidade: construções irregulares em um
mercado imobiliário dominado pela milícia.

O problema da moradia urbana no Rio de Janeiro é antigo. Abreu (1987) narra o processo de
evolução urbana da cidade, pontuando alguns momentos críticos para a questão urbana, como a
industrialização da cidade durante o século XIX, que levou a construção de cortiços e o
surgimento de favelas pela área central da cidade e suas cercanias. Parte dessa questão seria
postergada com a expansão urbana em direção aos subúrbios, abrindo uma frente de expansão
imobiliária por toda região do recôncavo da Guanabara.

A permanência do problema da moradia urbana no Rio de Janeiro, portanto, relaciona-se com


questões bastante antigas. Mas que questões seriam essas? Por que ainda existem pessoas
vivendo em situações extremamente vulneráveis na cidade?

Uma explicação bastante corriqueira e superficial para essa questão é aquela que coloca a culpa
nas próprias pessoas. Nessa lógica, a culpa é do cidadão que escolheu comprar ou alugar um
imóvel irregular, construído fora das normas urbanísticas e sem qualquer tipo de documentação
legal, como título de propriedade devidamente registrado em cartório. Portanto, segundo essa
lógica, a solução para o problema é bastante simples: culpar as pessoas, removê-las das áreas
irregulares e esperar que elas se tornem cidadãos mais responsáveis, que, a partir de então,
habitarão casas e imóveis que respeitem a legislação. Explicação ingênua e equivocada e que
também se relaciona com a tese de que as cidades brasileiras são caóticas, construídas sem um
planejamento. De acordo com Maricato (2009), o problema não é a ausência de um planejamento
urbano, mas sim a forma como esse planejamento é realizado e para/por quem ele é pensado.
Nesse sentido, de acordo com a autora, grande parte do planejamento urbano no Brasil é
pensando com base em ideias deslocadas da realidade vivenciada nas cidades.

Uma aproximação mais fundamentada dessa questão pode ser aquela que a relacione com a
produção do espaço urbano, que segue uma lógica bastante específica. Nesse sentido, boa parte
do crescimento e expansão da cidade do Rio de Janeiro se deu sob a lógica do capital, que
concebia o solo urbano como uma forma de se fazer mais dinheiro. O próprio Estado, enquanto
agente da produção do espaço urbano, também atuou e atua no sentido de promover a
acumulação de capital por meio do mercado imobiliário.

Maricato (2009) ressalta o papel do planejamento promovido pelo Estado, que era baseado em
uma matriz modernista, na qual o Estado era o suposto portador de uma racionalidade capaz de
resolver grande parte dos problemas sociais e urbanos. No entanto, a maior parte dessas ideias
urbanas era parcialmente aplicada, valorizando determinadas áreas das cidades com a construção
de infraestrutura urbana. Tudo isso caminhava no sentido de valorizar cada vez mais certos
“centros” de prosperidade dentro das cidades, deixando grandes zonas periféricas de “fora” do
planejamento oficial, daí o lugar fora das ideias.

Esses lugares fora das ideias foram crescendo ao longo do processo de metropolização das
cidades brasileiras e muitos transformaram-se em favelas, como é o caso de Rio das Pedras e
Muzema no Rio de Janeiro. Portanto, ao longo do processo de desenvolvimento e
metropolização das cidades brasileiras, havia determinados espaços no interior urbano que se
diferenciavam nesse processo - uns recebiam mais investimentos, outros menos, ou quase
nenhum. Isso se relaciona com a ideia de metrópoles incompletas (Lencioni, 2017), ou seja, o
Rio de Janeiro enquanto uma metrópole possui uma série de ausências de condições urbanas,
dentre elas, a moradia.

Esse processo foi acompanhado por outros processos relacionados com a metropolização de
algumas cidades brasileiras. A partir da segunda metade do século XX, o Brasil passou por um
processo intenso de urbanização, com um grande contingente de pessoas saindo do campo em
direção às cidades. Esse movimento, como destacado por Lencioni (2017), era bastante
concentrado em poucas cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. E dentro das cidades, grande
parte dos migrantes se dirigiam para as áreas mais baratas.
A segregação do espaço urbano foi adquirindo uma característica cada vez mais estrutural. Se na
mesma cidade existem espaços dotados de investimentos em infraestrutura urbana, de condições
de habitação mínimas, também existem áreas extremamente precárias, como é o caso de Rio das
Pedras. Em alguns casos, como em boa parte da zona oeste carioca, essas áreas são dirigidas por
agentes criminosos, como é o caso das milícias, mas que também estão inseridas na lógica de
acumulação de capital por meio do mercado imobiliário. Além disso, as milícias que atuam na
cidade do Rio de Janeiro são compostas, também, por agentes do próprio aparato estatal
(policiais militares, vereadores, outros funcionários públicos). Há, então, uma certa cumplicidade
entre o Estado e esses agentes ilegais no movimento de produção do espaço e acumulação do
capital.

Fica evidente, portanto, que o problema da habitação urbana na cidade do Rio de Janeiro não
pode ser explicado simplesmente pela responsabilidade individual dos cidadãos, que
supostamente decidiriam ocupar áreas ilegais se colocando em risco. Quando abordamos essa
questão com base no processo de produção do espaço urbano, observando quem são seus atores e
quais interesses estão por trás de suas ações, percebemos que a precariedade da moradia urbana
em grandes metrópoles brasileiras, como no Rio de Janeiro, é uma questão estrutural derivada da
forma pela qual esse processo é realizado. A mesma lógica de acumulação que produz bairros
privilegiados dentro das cidades, com grande densidade de infraestrutura moderna, também
produz bolsões de pobreza dominados por grupos criminosos, que, por sua vez, também
participam da lógica de acumulação, pois o mercado imobiliário ilegal é extremamente lucrativo.

Referências bibliográficas

ABREU, Maurício de Almeida. Evolução urbana no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:


IPLANRIO/Zahar, 1987.

LENCIONI, S. Metropolização no Brasil. In: SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes, et al.


(Orgs.) Geografia e Conjuntura Brasileira. Rio de Janeiro: Consequência, 2017, 169-183
MARICATO E. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias. Planejamento urbano no Brasil.
In: Arantes O; Vainer C; Maricato E. A cidade do pensamento único. Desmanchando consensos.
Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

O GLOBO. Chega a 24 o número de mortos após desabamentos na Muzema. Rio de Janeiro, 22


de abril de 2019. Disponível em: Chega a 24 o número de mortos após desabamentos na
Muzema - Jornal O Globo. Acesso em 03/06/21

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