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Resumo
Grande parte da urbanização do Rio de Janeiro ocorre em função da busca por opções de
moradia pelas camadas médias e altas. Após Copacabana passar de uma opção de status para um
exemplo de caos urbano, a Barra da Tijuca ganhou protagonismo no cenário habitacional a partir
dos anos 70 (Leitão, 1999). Em função da demanda por homogeneidade, segurança e tranquilidade,
a aposta imobiliária na região se deu principalmente nos grandes condomínios residenciais,
seguindo a crescente global do fenômeno das gated communitites (Blakely & Snyder, 1997).
Destes, o modelo dos “condomínios-cidade” chama a atenção por incorporar uma ideia de
autossuficiência à promessa de autossegregação, transformando o cotidiano das classes altas na
cidade e levantando questões sobre novas possibilidades de sociabilidade, de um novo estilo de
vida e de uma reconfiguração do espaço, com a elaboração de novas fronteiras urbanas. Nossa
inquietação, portanto, é de investigar o papel desses empreendimentos na vida urbana da cidade e
sua participação na face contemporânea da segregação residencial, buscando compreender de que
forma eles estão relacionados com noções de segurança, de desigualdade, de democracia e
imaginários urbanos.
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44º Encontro Anual da ANPOCS. SPG 2 – A Sociologia das Cidades entre as crises urbanas e ambientais no século
XXI.
Introdução
Grande parte da urbanização do Rio de Janeiro ocorre em função da busca por opções de
moradia pelas camadas médias e altas. Após Copacabana passar de uma opção de status para um
exemplo de caos urbano, a Barra da Tijuca ganhou protagonismo no cenário habitacional a partir
dos anos 70 (Leitão, 1999). Em função da demanda por homogeneidade, segurança e tranquilidade,
a aposta imobiliária na região se deu principalmente nos grandes condomínios residenciais,
seguindo a crescente global do fenômeno das gated communitites (Blakely & Snyder, 1997).
Destes, o modelo dos “condomínios-cidade” chama a atenção por incorporar uma ideia de
autossuficiência à promessa de autossegregação, transformando o cotidiano das classes altas na
cidade e levantando questões sobre novas possibilidades de sociabilidade, de um novo estilo de
vida e de uma reconfiguração do espaço, com a elaboração de novas fronteiras urbanas. Nossa
inquietação, portanto, é de investigar o papel desses empreendimentos na vida urbana da cidade e
sua participação na face contemporânea da segregação residencial, buscando compreender de que
forma eles estão relacionados com noções de segurança, de desigualdade, de democracia e
imaginários urbanos.
Pensar o papel que os “condomínios-cidade” possuem no processo mais geral de
urbanização do Rio de Janeiro e de criação de um modo de vida atrelado à Barra da Tijuca requer
uma investigação anterior. A etapa de transformações urbanas na cidade que culminou com a
expansão da malha urbana seguindo o caminho da orla em direção à Zona Oeste, passando por São
Conrado até chegar a Barra da Tijuca, possui muitas especificidades que merecem nossa atenção.
Atentar para essas especificidades, assim como para as relações com outras etapas e processos, nos
possibilita ter uma visão privilegiada sobre a construção, material e simbólica, do bairro e,
consequentemente, da forma urbana que toma protagonismo em seu desenvolvimento: os grandes
condomínios residenciais.
Este trabalho, portanto, se baseia em uma pesquisa que venho realizando no âmbito do meu
mestrado acerca da emergência dos grandes condomínios residenciais na Barra da Tijuca e do
processo mais geral de transformações urbanas em direção à Zona Oeste no que tange as classes
altas. Para tanto, venho realizando pesquisas em jornais das décadas de 1960 e 1970 que dão conta
da construção de um dos maiores exemplos desses empreendimentos eu surgem no bairro: o
Condomínio Novo Leblon. Através do material relativo à esse condomínio específico podemos
pensar a construção de imaginários relativa à ocupação da Barra da Tijuca, os ideais por trás desses
condomínios, os contextos das classes e médias e altas urbanas na cidade e seus anseios, a relação
com o planejamento urbano que se materializou no “Plano Lúcio Costa” e com a arquitetura
modernista, a crescente preocupação com a violência urbana e o medo do crime, a construção do
que viria a ser um estilo de vida “barrense”, dentre tantos outros aspectos que tangem os estudos
urbanos.
O processo de urbanização da Barra da Tijuca lança luz sobre diversas crises, tanto
ecológicas e urbanas como de imaginários. Por mais que meu foco não seja nos impactos
ambientais, a relação entre natureza e espaço urbano tem protagonismo no processo. A contradição
entre a promessa de uma vida bucólica e a rápida transformação na paisagem de mangues e restinga
em uma planície de concreto ilustra essa relação, em um processo que se ancora em uma crise
urbana para a criação de uma alternativa – com o discurso em prol do planejamento e contra o caos
urbano de Copacabana e da Zona Sul de forma mais geral – mas cuja alternativa em si é o motor
para um crise ambiental. O sistema lagunar de Jacarepaguá rapidamente deixa de ser sustento dos
mais antigos moradores da região, conforme o esgoto toma conta. Áreas de proteção ambiental são
transformadas em campos de golfe. Mas, ainda assim, o capital imobiliário usa a lagoa como
aspecto de valorização dos imóveis, e um paisagismo elaborado que evoca um retorno à natureza.
Em uma região onde o urbano e o natural se entrelaçam no cotidiano, onde taxis aquáticos e balsas
servem como modais de transporte, praia e cachoeiras são atrativos ao lado de complexos
residenciais gigantescos e shopping centers elitizados, as crises se retroalimentam. Se atrelam
também a uma crise de imaginários, onde um ethos de elite entre em choque com um ethos
emergente (Lima, 2007), frente à tentativas emancipatórias diversas – entre um plebiscito de 1988
pela emancipação da Barra da Tijuca e um projeto ainda em trâmite pela renomeação de uma região
adjacente à Barra da Tijuca como “Barra Olímpica” – refletindo a desigualdade da Zona Oeste
carioca e do processo de produção da cidade.
A partir desse modelo das gated communities, a tradução para as formas que esse fenômeno
tem tomado para além do “norte global” precisa ser realizada. Pensando em escalas de
conceitualização, para entender a especificidade dos condomínios que surgem na Barra da Tijuca
é necessário pontuar que o conceito mais geral tem suas particularidades regionais. Como ressalta
Patriota de Moura, precisamos “problematizar a utilização de conceitos e modelos construídos a
partir de casos específicos para compreender outros processos também específicos” (2010, p. 209).
O conceito de “enclaves fortificados” de Caldeira, por exemplo, é um efeito do fenômeno
estadunidense, mas com especificidades como a possível localização no meio dos centros urbanos
ou de incluir espaços que não são de moradia, como shopping centers e conjuntos empresariais.
Ele trata da “fuga da cidade” ao mesmo tempo que é uma resposta ao que é viver na cidade, na São
Paulo contemporânea. De maneira semelhante, a ideia de “islas urbanas” latino-americanas 2,
especificas do crescimento horizontal e do uso ineficiente das terras urbanas no continente
(Roitman, 2011) ou a noção de “domestic fortress” de Atkinson e Blandy (2017) para tratar das
“McMansions” inglesas3, são conceitos derivados do fenômeno das gated communities, esculpidos
a partir da empiria de seus locais e contextos. É com esse mesmo intuito que busco investigar os
condomínios residenciais da Barra da Tijuca, como uma expressão de um fenômeno global mas
que possui importantes especificidades que influenciam e são influenciados por um conjunto de
valores e estilos de vida, e que moldam uma nova maneira de se morar.
Os grandes condomínios residenciais da Barra da Tijuca, então, constituem um novo
modelo de enclaves de segregação, específicos do contexto carioca e inéditos. Chamo-os de
“condomínios-cidade” tanto por sua dimensão territorial, que corresponde muito mais às edge cities
(Garreau, 1991) do que aos condomínios fechados tradicionais brasileiros, quanto por sua relação
2
“Estas islas urbanas están compuestas por conjuntos de equipamientos urbanos que incluyen centros comerciales,
instituciones educativas privadas, hospitales privados y urbanizaciones cerradas.” (Roitman, 2011, p. 23).
3
“New detached homes are being built to a higher density and have become larger, swallowing up Garden space
with their expanded floor plans and doube or triple garages” (Atkinson & Blandy, 2017, p. 6).
dialética com a cidade, em seu sentido mais abstrato e no caso específico da cidade do Rio de
Janeiro. Eles se constituem, como têm mostrado o material empírico da pesquisa, a partir de um
imaginário bucólico e natural em oposição ao meio urbano e seu caos, ou às características clássicas
da cidade moderna. Ao mesmo tempo, eles garantem as infraestruturas de uma cidade em meio a
um “vazio”, um espaço tido como rural ou “não-urbano”, com promessas de todos os serviços
essenciais em seu interior, sem a necessidade de ir “para a rua”. Pensados por seus criadores como
“bairros planejados” eles possuem características muito mais associadas ao imaginário de cidade
do que ao imaginário do bairro, compreendendo diversos círculos de sociabilidade, uma
heterogeneidade interna, divisão de espaços e quase que todos os tipos de serviços em seu interior,
atendendo aos anseios mais variados. A coexistência de escola pública e privada, de vendedores de
“quentinhas” e de restaurantes extremamente caros, de apartamentos de dois quartos à casas com
piscinas, quadras esportivas e elevadores próprios, atrelam a esses espaços uma noção de uma
cidade em si, mesmo que na prática saibamos que eles estão totalmente atrelados à cidade e à sua
produção, sendo apenas uma peça do quebra-cabeça urbano que é a metrópole contemporânea,
especialmente no sul global.
Com esse novo modelo de condomínio surge também um novo estilo de vida. O termo
nativo barrense circula por moradores da cidade para tratar dos moradores da Barra da Tijuca e
seus cotidianos baseados em pouco contato com os outros, em trajetos de carros no lugar do andar
na rua e do convívio limitado à espaços fechados e privados. Tendo a praia como uma exceção, a
concentração de atividades de lazer e de serviços em shopping centers, por exemplo, são traço
desse estilo de vida. As grandes avenidas do bairro, presentes no desenho original do plano
urbanístico junto aos condomínios, enfatizam esse cotidiano baseado em trajetos de automóvel. O
que a pesquisa têm sugerido é que esse estilo de vida está estritamente ligado aos imaginários por
trás dos “condomínios-cidade”, sendo também um retrato de anseios por segurança e
homogeneidade que cresciam exponencialmente entre as classes médias e altas da cidade. Na
Barra, o projeto modernista utópico de Lucio Costas - quem acreditava que a região iria acabar
com a divisão desigual carioca entre um norte pobre e um sul rico – se choca com os interesses
privados do capital imobiliário, contribuindo para um espaço extremamente segregado e desigual.
A constituição do que a Barra da Tijuca é hoje, como bairro e como portadora de um estilo
de vida específico, se deu por uma multiplicidade de atores, por aspectos físicos e simbólicos da
construção do bairro. Como laboratório de experimentação de projetos desenvolvimentistas para
um “paraíso urbano” (Gorelik, 2015 apud Balthazar, 2020) que encontrou concretude em um
projeto utópico modernista em uma época de milagre econômico, o planejamento urbano esse
deparou com um capital imobiliário inflado pela grilagem de terras na região e uma crescente
preocupação das classes altas com insegurança, com caos urbano e com uma convivência
heterogênea na cidade. A evocação de um capital simbólico ambiental e uma volta à um passado
a-histórico (Balthazar, 2020) se mesclam com a crescente dependência sobre infraestruturas
urbanas e com o fenômeno da urbanização planetária (Brenner e Schmid, 2011) que questionam o
sentido da divisão entre urbano e rural na atualidade. A retórica do progresso e do futuro se choca
com a imaginação de um passado pré-caos, assim como a “estranha e bela [...] paisagem intocada”
(Costa, 2010), de maneira contraditória, vira a principal área de expansão urbana da cidade.
Como têm mostrado a pesquisa em jornais relativa ao condomínio Novo Leblon, as
propagandas apresentam temas principais que se repetem constantemente, principalmente entre os
anos de 1976 e 1978, ano do lançamento do empreendimento e ano em que ele efetivamente ficou
“pronto” respectivamente. O foco em criar uma nova geração, a “geração Novo Leblon” (Jornal do
Brasil, 1977), focando nas crianças e nas possibilidades que o condomínio apresentaria para criar
seus filhos, como a possibilidade de ir a escola e ao clube sem sair do condomínio, é um desses
pontos, amparado na ideia de uma autossuficiência. A vida toda seria possível dentro de um espaço
“fechado” e seguro, sem os riscos que existiam na Zona Sul a cada vez que as pessoas saiam de
seus prédios. Outro foco é na homogeneidade, principalmente analisando as imagens exibida nos
anúncios, amparada na ideia de autossegregação.
Condomínio com 8 edifícios, 11 vias públicas, 200 terrenos destinados à casas, duas
escolas, um country club e diversas áreas verdes, para além do acesso direto à 3 shopping centers,
o Novo Leblon é o maior exemplo do que seriam esses “condomínios-cidade”. Possibilitando uma
vida quase completa no interior de suas grades vigiadas, ele contribui para o estabelecimento do
estilo de vida barrense. Como um dos primeiros empreendimentos lançados na região (como
mostra a imagem abaixo), que até então era um “vazio” em meio a natureza, suas propagandas
faziam constante referência ao planejamento e às infraestruturas urbanas que seriam possíveis ali.
Através dele é possível investigar os processos que se dão na cidade do Rio de Janeiro na segunda
metade do século XX: ele é produto e produtor das transformações urbanas e sociais da cidade,
relativa tanto à expansão da malha urbana, à evocação de novos imaginários, ao estabelecimento
de novos estilos de vida e relações com a cidade.
Imagem da Barra no começo da década de 1970, com o condomínio Novo Leblon ao fundo. Fonte: Instagram. Autor
desconhecido.
Perspectivas de pesquisa
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