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RESUMO:A mulher ao longo do tempo foi considerada como um objeto do lar, disponível
para afazeres domésticos e familiares, e isso se tornou um fato representado também pela
Literatura, seja como reflexo ou através de crítica a esse julgamento. A partir desse
pressuposto, este trabalho visa analisar as personagens femininas dos contos Ana Davenga da
autora Conceição Evaristo e Amor de Clarisse Lispector, mulheres que estão inseridas em
condições sociais e ambientais diferentes e que ao mesmo tempo estão na mesma situação de
submissas aos padrões de uma sociedade patriarcal. No primeiro momento, faz-se uma
abordagem sobre as autoras contextualizando com seus contos estudados, em seguida destaca-
se sobre o antes e o presente momento da rotina de donas de casa, para posteriormente
analisar o ápice de questionamento sobre o estar no mundo. A partir desta pesquisa, pode-se
reconhecer que independente das personagens inserirem-se em diferentes contextos sociais,
elas permanecem em um ciclo de submissão, caracterizando um reflexo da sociedade
machista e sexista que estão inseridas. Como referencial teórico utiliza-se Zolin (2009),
Rocha (2009), Silva (2010) entre outros.
1 INTRODUÇÃO
O patriarcalismo regeu códigos que determinaram a condição feminina de
subordinação, omissão e inferioridade em relação ao homem. A mulher ao longo da história
foi considerada como um objeto do lar, disponível para afazeres domésticos e familiares, na
condição de excluída ou em posições inferiores no mercado de trabalho, por exemplo. Nas
Belas-Artes, até o século XIX, a ideia de supremacia do sexo masculino em relação ao
feminino era forte, pois segundo Rocha (2009) ainda imperava a concepção de que os homens
Acadêmica do Curso de Licenciatura Plena em Letras Português da Universidade Estadual do Piauí. E-mail:
camispereira09@hotmail.com.
**Mestre em Letras pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Doutoranda em Letras pela
Universidade de Brasília (UNB). Membro do Grupo Literatura e Cultura, (UNB). Tem experiência na
área de Letras Estudos do discurso e Literatura Brasileira, Bakhtinianos, Estudos da Linguagem. E-
mail: almeida.lucelia@hotmail.com
eram seres biológica e intelectualmente superiores às mulheres, e isso se tornou um fato
representado também pela Literatura, seja como reflexo ou através de uma forte crítica a esse
julgamento.
O próprio Cânone literário se manteve dominado pelo gênero masculino, ainda como
reflexo dessa ideologia patriarcal, as mulheres que se arriscavam na produção texto literário
teriam que romper essas barreiras patriarcais que as limitavam às ocupações domésticas,
como afirma Lúcia Osana Zolin :
Historicamente, o cânone literário, tido como um perene e exemplar conjunto de
obras-primas representativas de determinada cultura local, sempre foi constituído
pelo homem ocidental, branco, de classe média/alta; portanto, regulado por uma
ideologia que exclui os escritos das mulheres, das etnias não-brancas, das chamadas
minorias sexuais, dos segmentos sociais menos favorecidos etc. Para a mulher
inserir-se nesse universo, foram precisos uma ruptura e o anúncio de uma alteridade
em relação a essa visão de mundo centrada no logocentrismo e no falocentrismo.
(ZOLIN, 2009, p. 253).
A luta pela busca de igualdade nas relações sociais e liberdade feminina se tornou
mais acentuada no século XX com influência das transformações sociais que ocorriam no
mundo e atingiu seu apogeu em 1960 com o surgimento do Movimento Feminista. Como
afirma Rocha (2009) com a liberdade obtida, as mulheres adquiriram a possibilidade de
poder lutar legitimamente em uma sociedade pluralista e várias outras conquistas foram
incorporadas gradativamente ao longo dos anos. Segundo a pesquisadora, isso se deveu muito
ao acesso ao conhecimento. O que pode ser exemplificado na garantia de direito á educação e
a revogação de artigos do Código Civil, que contribuíam para reforçar a ideia de inferioridade
intelectual e dependência das mulheres em relação aos homens.
A partir desses pressupostos, por meio de uma análise comparativa, pretende-se
investigar como se dá a representação da figura feminina nos contos Ana Davenga e Amor,das
escritoras Conceição Evaristo e Clarice Lispector, respectivamente. No primeiro momento,
faz-se uma abordagem sobre as autoras contextualizando com seus contos estudados, em
seguida destaca-se sobre o antes e o presente momento da rotina de donas de casa, para
posteriormente analisar o ápice de questionamento sobre o estar no mundo
2 SOBRE AS AUTORAS
Clarice Lispector é uma das mais importantes e aclamadas escritoras do Brasil, sendo
pesquisada e conhecida em diferentes países. Dedicou-se a uma produção variada de
crônicas, romances, novelas e contos, tendo uma predileção por trabalhar de maneira mais
intensa as características psicológicas de seus personagens. Além disso, a escritora possui
uma preferência por protagonistas do universo feminino, criadas com profundidade e
mostrando a complexidade de seus sentimentos, inquietações e vivências. Em uma entrevista
ao Jornal Correio Brasiliense (2017) a pesquisadora Cintia Shwantes afirma que :
Clarice fala da angústia de existir, e especialmente de um ponto de vista feminino.
Suas personagens femininas estão sempre em algum momento crucial de suas vidas
e precisam se redefinir, o que pode acontecer como uma libertação, ou um suicídio,
ou um enlouquecimento.
Segundo a pesquisadora Lúcia Osana Zolin (2009), a sua escrita é um marco do início
da fase feminista da literatura de autoria feminina, pois possui traços e “críticas contundentes
aos valores patriarcais, tornando visível a repressão feminina nas práticas sociais, numa
espécie de consequência do processo de conscientização desencadeado pelo
feminismo”( ZOLIN, 2009, p.332.), caracterizando-se, sobretudo, por ser marcada por uma
quebra nos valores patriarcais que até então eram disseminados na produção literária
feminina. Em vista disso, a autora introduz uma nova fase da literatura brasileira de autoria
feminina, apresentando novos rumos para o que era produzido no meio literário no que se
refere a essa escrita, problematizando o papel da mulher na sociedade.
O conto em análise, Amor faz parte da coletânea de contos intitulada Laços de
Família, publicada em 1960. São 13 contos centralizados, tematicamente, no processo de
apoderamento das pessoas por meio das relações familiares e das convenções sociais
estabelecidas. Nessa obra a personagem Ana é caracterizada por um momento intenso de
questionamento entre o mundo em que vive submissa aos padrões da ordem patriarcal e um
mundo que a personagem mergulha e acaba por se redescobrir enquanto sujeito no mundo.
O conto Amor é escrito em terceira pessoa e tem como protagonista a personagem
Ana, uma dona de casa sempre preocupada com seus afazeres domésticos e que possui um
marido e filhos com quem vive em uma relação de harmonia. Porém, em mais um dia normal
de sua rotina, ao voltar das compras e se deparar com um cego mascando chiclete e sorrindo,
Ana toma consciência do mundo ao seu redor e desenvolve uma desestabilidade emocional,
uma crise existencial. Após o encontro com o cego, a personagem caminha desesperadamente
até chegar ao Jardim Botânico e é onde continua a questionar o que estava há muito tempo
aprisionado em meio as tarefas e seu conformismo da rotina doméstica. Neste momento de
reflexão a respeito da vida que construíra no casamento, é perceptível a insatisfação de Ana, o
que fica evidenciado em um trecho do conto: "também sem felicidade se vive”, apesar de que
essa construção e a vida que leva seja uma escolha sua.
Mesmo depois de uma conversa intensa e conturbada com o seu interior, Ana retoma
seus pensamentos gradualmente ao voltar para casa e encontrar o que a sua realidade marcada
pela condição de mulher,submissa ao seu papel de esposa e mãe lhe exigia .
CONCLUSÃO
Por meio da análise feita das personagens Ana Davenga e Ana, do conto Amor,
conclui-se que ambas tiveram seus destinos ainda ligados ás normas regidas pela patriarcado.
Mesmo dispondo do poder de escolha e liberdade antes do casamento, como no caso de Ana
Davenga, ou no caso de Ana, do conto Amor, que teve uma intensa reflexão sobre a vida sem
felicidade que levava, as personagens sofreram com consequências de suas escolhas. Ana
Davenga teve sua vida violentamente interrompida por ter escolhido o envolvimento com o
chefe do tráfico, enquanto Ana, do conto Amor, voltou a sua rotina de infelicidade. Vidas
marcadas por opressão e um ciclo de submissão que permaneceu.
É notória a importância dessa literatura e da escrita feminina, seja como meio de
despertar a consciência crítica ao apresentar como esses valores patriarcais são fortes, ou
como uma reafirmação da personalidade e individualidade feminina. As autoras, ao
realizarem a construção das personagens marcadas pela “condição de mulher”, permitem que
seja feita uma denúncia mostrando como os valores regidos pela ideia de superioridade
masculina e a inferioridade feminina ainda são fortes não só nas personagens em questão, mas
na realidade de muitas mulheres, pois apesar de tantas conquistas, é necessário que se
continue com as lutas por respeito, mais oportunidades profissionais, igualdade, prestigio,
boas remunerações no mercado de trabalho.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Isabella de. O universo feminino de Clarice Lispector. Disponível em:
http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/diversao-e-arte Acesso em: 10 de set. 2017.
SILVA. Ana Rita Santiago da. A Literatura de escritoras negras: uma voz (Des) silenciadora
e emancipatória. Interdisciplinar Ano 5, v. 10, jan-jun de 2010. p. 175-188.