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TRATADO
DO PKIMt:IKO "
PRINCIPIO
Tradução do l atim e nótul a i ntrodutória
por
Mário Santiago de Carvalho
�dições70
NÓTULA INTRODUTÓRIA
O. PENSAR SUBTIL
9
1. O AUTOR E A SUA OBRA
lO
(o manual de teologia então privilegiado). Em 1300 João Escol o
trabalhava j á em Inglaterra na redacção da sua principal obra
teológica, a Ordinatio outrora conhecida por Opus Oxoniensf',
actividade imediatamente decorrente do magistério em Teologia.
Sabemos também que no Outono de 1302 o autor iniciava as
suas l ições em Paris , enquanto candidato ao magistério titul ar,
cidade para a qual foi enviado talvez por não haver lugar docente
para si na Universidade de Oxford. Em 1303 estala a luta entre
Boni fácio VIII e Filipe o Bel o, que «reivindicava a i ndepen
dência absoluta da monarquia francesa» (4). Ao apoiar o partido
do Papa, e na sequência da manifestação antipapa! de 24 de
Junho daquele ano, Frei João Escoto faz parte do grupo (em
que se i ntegrari a um certo Frei Francisco de Coimbra(') )
daqueles que s e vêem forçados a abandonar a França. Talvez
tenh a i do ensinar para Cambridge ou para Oxford, decorria o
ano l ectivo de 1303/04. Regressa a Paris l ogo em 1304, e talvez
no ano seguinte tenha formalmente tomado posse do l ugar de
magister theologiae enquanto ia prosseguindo uma i ntensa
actividade literária. Em 1307 é enviado como professor para a
casa franciscana de estudos de Colónia (o seu confrade de exíl io
na Grã-Bretanha, Gonçalo Hispano, tinha entretanto sido eleito
M i n istro Geral dos Franciscanos) . Terminará os seu s dias,
ensinando no studium daquela cidade alemã, em 8 de Novembro
de 1308, pouco entrava na casa dos quarenta.
(4)Cf. J. FAVIER - DI' Marco Polo 11 Cristtívâo C:olo111l'o 1251! 1/'J:'. tr:1tl.
Lisboa. 19 80. 25.
(5) cr. F F. LOPES - «AS doutrinas escotistas na cul tura c CSL'(llas d,· l'<ll\111'"1",
Revista Portuguesa de Filosofia, 23 ( 1 967), 239.
li
preci samente no que diz respeito ao período oxoniano, se
prol ongou pelo menos até 1300. Consabidarnente também,
não tendo podido, devido a uma morte prematura, dar como
pronta para publicação a sua obra, João Escoto legou-nos tarefa,
provave l mente i n acabável, respeitante à confecção de u m
elenco seguro d a sua autêntica produção teórica C). Podemos
em qu a l qu er c a s o i nd i c ar c o m o g e n u í n o s os t í t u l o s
segui ntes (8) :
- Ordinatio, principal obra de Escoto, iniciada em Oxford
(de onde o seu outro nome Opus Oxoniense), mas continuada
em Pari s , a qual reproduz os comentári os (de Oxford, de
Cambridge e de Paris), revistos pelo autor, às Sentenças do
Lombarda (tendo ficado incompleta, deve-se aos discípulos a
sua conclu são) e);
- Lectura Prima, nome pelo qual se identificam as lições,
12
também sobre as Sentenças, dadas em Oxford nos anos de 12<)(,
-1302 ( 1 °) ;
- Quaestiones Quodlibetales, títu l o de u m a dis puta
académica parisiense ( 1306 ou 1307), que habitualmente fú.ia
parte do regime académico ( 1 1 ) , e que se afigura como muito
i mportante para se conhecer o pensamento mais maduro do
autor C 2) ;
- Quaestiones subtilissimae super libros Metaphysicorwn
A ristotelis, um conjunto de problemas levantados a propósito
da Metafísica de Aristóteles, mas só os seus nove primeiros
l ivros parecem ser da autoria de Escoto C3);
- De Primo principio. a obra que aqui traduzimos , adi ante
explicada, e que foi «editada» por Tiago de Asco l i ( 1");
- Theoremata, títu lo ele uma grande i mportância teórica,
cuj a autoria escotista recebeu algumas reservas por parte de
E. Longpré C5) ;
cuodli/Jcwlcs. tracJ. com introd. c notas de F Allunti s. Madrid. I 'J(>�: ./"'"' I!""-'
Sco/us. God and Crea/ures. The Qrwdliberol Qu csrion s. tradllção. illtwdll\·an. <1nt:1'.
e glossário por F Alluntis & A. B. Wolter. Princeton. 1975.
(")A obra é-nos acessível cm rccentíssima edição de c; .1. FI /.1\< WN. //,,.
Fronciscon lnsrirure (Sl. Bonavcnturc Univcrsity, Nova lorqud. ll111 l'!'!jll<'lll',',llllll
extracto. cm versão portuguesa. do Prólogo. n. 5. 111 «Os [',·nsadm,·s ..
(")Sobre as vúrias ed ições c (ou) traduções da obra. vd. a tll>la i>li>li"!'l:ill< :1
( 15) Acessívd na cd. Vives (V, 2- 125); c L E. C I I I ,SON "I ,,.,, "'itc Jll<'lllll'l';
thcorcmata ct la penséc de Duns Scot», Archil'C.I' d 'h is r oi u· t!ocrrin,J!,· ,., lilll'l<lll<' t!u
Moven Age 12 · 1 3 (I 937 · 38), 5- 86; c /(}(lllnis /)uns Scori Of!<'l"ll! l111ni<1 I. l{nllla.
1950 . 154*
- Reportata Parisiensia, nome que identifica o conj unto
dos apontamentos recolhidos pelos seus alunos, também sobre
as Sentenças (16).
Como se vê, os discípulos de Escoto depressa se detiveram
a eliminar ou a completar as l acunas que julgavam encontrar
na o bra do mestre {'7) . Todo este trabalho foi acol h i do
acri ticamente nos doze volumes da edição de Lucas Wadding
(Leão, 1639), cujos erros e anomalias a reedição, em vinte e
seis volumes, de L. Vives, pub licitou (Paris, 189 1-95) . Hoje,
felizmente, começamos a dispor ( 1950-) da edição crítica das
suas obras (os Opera Omnia), o que, à medida que os volumes
vão sendo editados, nos vai dando alguma segurança quanto à
restituição de um texto de qualidade (18).
14
exactamente de uma mesma situação, são conhecidos casos
afin s na época; Tomás de Aquino, por exemplo, dispunha de
uma equipa de «secretários».
No caso que agora nos diz respeito, deve ter-se tra tado,
como já referimos, de Tiago de Ascol i , com quem Duns Escoto
conviveu em Paris CZ0). O trabalho, em qualquer caso, não deve
ter sido difícil . Senão vej amos. Os capítulos terceiro c quarto
do Tratado seguem quase l iteralmente o texto da Ordinalio,
com a omissão da respectiva secção ontológica que passou,
adaptada, para os dois primeiros capítulos (que são, obviamente,
de temática mais ontológica do que de teol ogia natural ) ( 21 ) .
Como observa F. All untis, na esteira de Bal ié, todo o material
do Tratado segue e ntão o pri meiro l i vro da Ordinat io,
designadamente as questões primeira e terceira (qq. I e 3 ) da
primeira parte (p. l ) da distinção segunda (d. 2) do primeiro
l ivro (I) , bem como um pouco da primeira questão da primeira
parte da oitava distinção do l i vro um (abreviado : Ord. I, d. 8 ,
p. l , q. l ) . Nesta conformidade, Tiago d e Asco l i poderá ser
autor da adaptação do material da Ordinatio- adaptação aliás
infeliz, no dizer do responsável pela edição castelhana CZ2)- e
das orações que abrem, ligam e encerram a complexa temática
da obra. (Este é, no entanto, um problema ainda em aberto por
quanto n ão está dilucidada a tradição manuscrita da obra CZ1).)
Em qualquer caso, se fosse hoje, o nome de Tiago de Ascol i
deveria figurar ao l ado do de Duns Escoto na página de rosto
do Tratado do Primeiro Princípio .
("') Cf. R . PRENT!CE - The basic quidditative metaphysics ofDuns Smt11s <11·
seen in h is "De Primo Principio". Roma, 1 9 70, 1 96-9 7.
(') Cf. F. ALLUNTIS - <<lntroduccióm>. 9 - 10.
el) F ALLUNTIS - «lntroducción», 12: <<Gran parte de la oscurid:HI <kl I!,·
Primo Principio deriva, con toda a probabil idad, dei asistente dei quL' Esculu '"' ,,nv1"
en la organización y redacción del l ibro. En su esfuerzo por con dcn s:u y :ti>H·vi:tt '"
que tomaba de la obra anterior, de la Ordinatio, a menudo horrú 11 ()JIItlttJ I" 'l'll'
considerá superfluo, incluso a veces leyó mal el texto original>>.
(" ) O leitor poderá ver uma situação concreta da dil'iL·ulda<k lt)'.:Hia :1 lt:td>1:1<>
manuscrita mais adiante. Não há sequer garantia de que as cuta·IIJsucs ,. "'lllttl"··
sejam do nosso autor.
15
Quanto ao conteúdo da obra, remetemos para o terceiro
parágrafo desta nótula.
16
i mpressionante lista de duzentos e dezanove «erros» cujo ensino
proibia na Uni versidade da sua cidade, i. c . , cm 1279, Duns
Escoto andaria talvez pelos seus 13 ou 14 anos, idade cm q ue,
como dissemos, seguramente j á se teria matriculado na escola
franci scana. Não seri a assim i mpossível que bem cedo lhe
tivessem chegado os ecos daquela intempestiva condcna<rão,
certamente logo comentada pelos seus professores. Sabemos,
por exemp l o , que um dos mestres de Escoto em O x ford ,
Gui lherme de Ware, conhecia de alguma maneira a obra de u m
notável professor d e Paris, o j á citado Henrique d e Gand, c dú
-se até o caso de este ter feito parte da equipa encarregada do
inquérito promovido por Tempier.
Apesar de se tratar de um acontecimento no mínimo
inconveniente, o facto é que o bispo de Paris pretendia estancar
a disseminação de uma «Weltanschauung» cuj as principai s
l i nh as de força passavam pel a recuperação do pensamento de
Aristóteles. l ido à luz de sábios comentadores neoplatonizantes,
mormente muçul manos CZ6). O facto em si nada teri a de
problemático não fosse o caso de Aristóteles ter sido um fil ósofo
«pagão» e de Avicena e Averróis , em particular, ao tentarem
explicar a obra do Estagirita, forçarem tónicas incompatíveis
com a fé cristã. Um dos primeiros intelectuais franciscanos,
Boaventura U 1274), já ti nha dado o al amiré quanto ao modo
como se deveri a obliterar a penetração dessa cosmovi são, q u e
podia ameaçar a l iberdade do homem e o dogma da Criação
temporal (27).
(21') A edição mais acessível do syllabus, com respectivo comentário, é a d<· 1 < .
H!SSETTE - Enquêre sur les 219 arricles condomnh à Paris / e 7mars 1277.1 .ova i na
-Paris, 1977. Já traduzimos para português trinta e nove artigos do inq u <' r i t o I vtl
Boécio de Dácia. A ETernidade do Mundo, Lisboa, Ed. Colibri, 1996 ), e a nossa 11'.1 a
poderá ser ainda complementada pela tradução ele outros artigos por I .. A. I >I·: I I< >N I
- «As condenações de 1277: os limites do diálogo entre filosofia e a teologia••. 111 I > I :,
B O N I , Luís A. (org.) - Lrígica e Linguagem na Idade MMia, Porto Alegn,, I<)<))
(") Cf. J. C. GONÇALVES - <<S. Boaventura c a Universidade Mcdl<·vaJ ...
Revista Ponuguesa de Filosofia 30 (1974), 237- 255.Para Ulllt:studo sisl\'lll:ilwo
sobre B oaventura. vd., deste mesmo autor, Homem c Mundo c/11 Sao lloOI'<'Ilfllm,
Braga, 1 970.
17
Quer no comentário à obra do Lombarda quer nas suas
Collationes in Hexaemeron vemos que Frei B oaventura
c o n h e c i a bem o poder argu m e n tati v o das r a z õ e s de
Aristóteles (2�). Se Boaventura reconhecerá sempre que, n a sua
qualidade de fi lósofo natural, Ari stóteles podia ser desculpado
dos seus «erros», a verdade é que, de acordo com aquele, se
exigia que qualquer argumentação fil osófi ca sempre fosse
orientada em direcção à S abedori a. Em conformi dade, não
deveria haver a possibil i dade de a fi losofia escapar a uma
subordinação ela teologi a e9). Quer dizer, a fi losofia deverá
apontar constantemente para a teologia, ciência prática que
Boaven tura concebeu, já antes ele Duns Escoto, como uma
c o n te mp l ação ela « s ap i en t i a » , superior c o nj u g ação elos
elementos cognitivos, teoréticas e práticos que conterem ao
homem a possibili dade da vi são e ela união com Deus C0).
Notemos, de passagem, que este desejo não era totalmente
estranho à filosofia dita pagã.
Estamos total mente de acordo com G. Bougerol, quando
e s te n o s d i z q u e o p o n t o de p a r t i da da e s p ec u l aç ã o
bonaventurian a s e encontra na idei a d e Criação {'�), mas o
mesmo se pode di zer a respeito de João Escoto. Em ambos os
autores, embora de uma maneira diversa, está em causa uma
sensibil idade apurada para com o tempo histórico que, entre
outras condições, se extrai daquele dogma. Uma forma fáci l de
se detec tar e s s a s e n s i bil i dade p a s s a por assis t i r m o s à
i mportância da l i berdade, autêntico pivot elo pensar de Escoto .
Ora, dá-se o caso de acontecer que, para além de Aristóteles
desconhecer a ideia teológica de Criação, os fil ósofos de língua
18
árabe citados ou se ligavam à sua teoria ela eternidade (caso dL·
Averróis) ou adaptavam-na à ideia de Criação, fazendo co111
que se perdesse o princípio ela l iberdade que eventualnll'll ll'
teria presidido ao gesto criador (caso de Avicena). Assim sendo.
quando João Duns Escoto começa a fi losofar, a situação men tal
com que s e depara é a de uma i n stal ada radi cal i dade ou
antagoni smo entre (e elevemos entender as palavras segu in tes
numa acepção técnica pessoal) «teólogos» e «filósofos» . Estes,
imbu ídos elo necessitarismo greco-árabe, desconhecem dois
princípi os fundamentais elo dogma, a 1 i bcrclacle e a tri ndaclc;
aqueles, recusam qualquer esquema que ignore que Deus se
comunica li vremente c que é causa l i vre de todos os existentes.
Digamos tão-só que o eco do antagonismo ainda se detecta no
Tratado .
Fi lósofo e teólogo ela l i berdade, Duns Escoto i rá, cm
consequência, traçar a via fundadora deste seu ponto de partida,
que um reputaclíssimo escotista, Paul Vignau x , nos apresenta
em páginas ele contida m as maturada profundidade: «( . . . ) como
só concebem uma processão necessária a partir elo Pri ncíp io.
os filósofos vêem apenas um regresso igualmente necessário.
O teólogo recusa este esquema: o seu Deus contacta l i vremente
com os seres que criou l ivremente. A beatitude que ele nos
promete surge como um dom: não podemos querê-l a como se
nos fosse devida. É certo que temos ele merecer a salvação .
m as os nossos méritos não são necessários e suficientes a nao
ser em consequência ele um decreto divino: o cristão não ati ngL·
o seu fim por uma consequência natura l , por um proc!'ssus
necessário. A sua li berdade vive à sombra ela l i herclaclc d i v i na.
En tre u m a e o u t r a , D u n s Es coto detecta u m a l i g;H,:;lo
fundamental: para provar, contra os fi lósofos, C]UL� Deu.'> L' I i v IL'.
a Opus oxoniense infere, a partir ela contingência L'Xi s ll'nk no
m undo - para a "sal var" -, uma "primeira colltingl.�l w i ;l" IHl
princípio elo mundo. Isso significa admi tir lJliL' no L'k ito L' n a
causa a conti ngência não se reduz a tun a priv;H;;ío, a llln;l llll'Ll
ausência ele ser, mas constitui uma real idade pos ii i v a, lllll/1/lil /lls
positivus; a indetermi nação pela plen i tude de llllla VOil latk.
humana ou di vi na. No próprio fundo do s er. IJ;í a l ).'. o l]liL' t'SC:lpa
19
à necessidade das naturezas, que a filosofia tanto aprecia: o
mundo torna-se l i vre para a h istória humano-divina narrada
pela Escritura e onde se i nsere a vida do cristão . Mas , para
Duns Escoto, não é só a l iberdade de Deus que possui um
carácter prático; o mesmo se passa com a Tri ndade. Para esse
franciscano, amar constitui o acto supremo. Ora, sem a fé
trini tária, o homem volta-se para a essênci a infin ita, que é o
bem supremo, como se ela subsistisse numa única pessoa,
quando na sua eternidade ela se transmite a três pessoas: o erro
da razão converte-se em erro do amor, que perde a sua v irtude,
dei xando de ser adequado ao seu objecto. C2)»
Não nos transviaríamos demasi adamente se dissessemos
que acabámos de ler, em comprometida e amadurecida síntese,
o arco completo do pensar escotista. De facto, e como pelo
nosso l ado também pudemos atestar, alhures , a insi stência com
que, a partir do diál ogo crítico estabe lecido com um seu
contemporâneo de Paris , o nosso franciscano escocês defende
o carácter conti ngente da operação da primeira causa (Deus),
confirma-nos a sua alta sensibilidade em relação ao problema
da l iberdade C3).
É certo que ao l erm os, apres sadamente, as primeiras
pági nas da Ordinatio, «um dos mai s belos textos especulativos
do O c i dente» C 4 ), pági nas respei tantes à d i s c u s s ão da
20
possi b i l i dade da Teol ogia, não se p arece confirmar o que
acabámos de dizer. Contudo, a situação é bem diferente, porquL:
a pergunta, criteriológica, sobre a possibilidade ela Teologia s<Í
se j ustifica frente à dispensação de qualquer conteúdo revelado
por parte dos fi lósofos . Para estes , a razão, a razão somente,
chega para que a filosofia alcance o fim a que se destina, a
contemplação de Deus (Sabedoria), a beatitude (eudaimonia)
enfim . Ora, para os teól ogos, a razão, a razão autónoma,
entendamo-nos, é manifestamente insuficiente. Carece-se de
uma Revelação, no sentido l iteral da pal avra. Todavi a , e
prosseguindo um raciocínio outrora explorado por Agostinho
de Hipona (t 430), que a nova explosão de aristotelismo ajudava
até a consolidar, Duns Escoto apreciará vincar, pelo seu l ado, a
disparidade existente entre o desejo, natural, de atingir o fim e
os meios de que realmente o homem dispõe para o alcançar.
Por outras palavras : como se pode querer, de facto, ver Deus se
o fil ósofo é um homem com um espaço cognitivo confinado ao
que é natural e sensível ? A perspectiva da (im-)possibi lidade
de um homem defraudado na sua demanda existencial é algo
de i ncompatível com o pensar de Escoto .
Poder-se-á mostrar mais afini dade com a situ ação do
homem concreto histórico? C5) Decerto que Aristóteles teorizou
acerca da felicidade e dos fins do homem ( a teleologia), mas.
confinada, a sua teoria do conhecimento, ao espaço en tre a
sensibil idade e a abstracção (quidditas rei sensibilis), não podia,
em rigor, ir mai s l onge, e avançar com uma teoria da visiío elo
que está fora do vasto universo do sensível . Acontece por6m
que o mesmo Aristóteles havia aberto a possibilidade de unta
«meta-física» como estudo do «ser enquanto ser» . Aos ouv i dos
de um crente como fora Avicena, autor que na esteira imcdi:tla
d e H e n r i q u e de G a n d E s c o t o s o u b e m ed i t ar, a qtll·la
c a r a c t e r i z a ç ã o do o bj ecto d a metafís ic a so ava IH·tn
('5) CC. L. IAM MARRONE . «La teologia come scit·.n;a pra11c·a "'c'llll<lll <I.
Duns Sento. P rcmesc dottrinali c implicazioni csisiL'Ill.iali», Misc·dlclnc·u hwlc'I'S
C{l/1(/ l)3 ( JC)l))), 454 · 523.
21
distintamente C6): «ser» dizia legitimamente respeito a u m
domínio que u l trapassava sem sombra de dúvida a existênci a
fís i ca . P orém , s e, por u m l ad o , João Escoto v i a aqu i .
devidamente concreti zada, a maneira como a Revel ação
alargava, de facto, o horizonte do conhecimento humano, os
seus limites, a situação histórico-filosófica e a fé teológica em
que viveu não o aj udavam a acompanhar a descoberta de
Avicena sem restrições. E não seria só pelo facto de este, embora
pensando pela primeira vez a contingência, constranger
demasiadamente a liberdade. Estariam ainda em causa, também,
m a i s doi s i mportantes factores . Um diri a respeito, como
di ssemos, à destruição de um entendimento da história como
um espaço de liberdade; o outro, à l igação excessivamente
acrítica que alguns autores cristãos («teól ogos», na acepção
téc n i c a p e s s o a l q u e E s co to deu ao t e r m o ) fazi am do
peripatetismo. O seu apl auso- pensaria Escoto - i a ao ponto
de não os dei xar ver que a identificação entre «ser» e «Deus»
devi a levar à própri a superação da metafísica tal como a
entendiam na esteira da tradição fi l osófica.
Apliquemo-nos ao primeiro ponto: vimos os limites de uma
razão confinada à investigação em torno da essência do sensível ,
«deste ponto de vista, a intuição de um mero inteligível afastar
-nos-ia da nossa natureza: não se diga ao homem aristotél ico
que desej a ver Deus [ta l como pela fé e pel a teo l og i a o
entendemos]. Para ele, seria desejar o i mpossível . É certo que
não possui nenhum meio para demonstrar essa i mpossibilidade,
mas também não possui nada que demonstre o contrário» . (17)
O que vem aqui fazer o cristi anismo? Naturalmente, não só
revelar aqu e l a possi b i l i dade, mas transmitir também uma
economia da salvação histórica, assim entendida: a natureza
humana é susceptível de vários estados- antes da queda de
Adão, o estado actual , e a perenidade após a ressurreição.
Apl i cando esta lei , temos que n ão serve p artir do estado
22
pós-queda em que nos encontramos (situação de limila<(ao ljlll'
parti l hamos com Ari stóteles) para a negação da reali z a<(ao d;1
nossa natureza que apetece o ser. «A reflexão não nos fa z tomar
posse da nossa natureza; sem uma palavra divina, enganamo
-nos acerca de nós mesmos, a não ser que não consintamos em
ignorar a nossa essência, em não a definir.» C8)
Se tivesse ficado só por aqui não havia razão nenhuma
para estarmos agora a ler, como fil ósofos, Duns Escoto. A ver
dade é que - e passamos ass i m para o segundo ponto - o
nosso autor faz autêntico trabalho de fi lósofo não só quando
demonstra, a partir dos pressupostos de leitura acabados de
apresentar, que os «filósofos» se contradizem, como quando,
em consequência, explora, num rasgo de génio, a refundação
da própria metafísica. Não percamos de vista que o texto que
adiante se lerá pertence à metafísica. Relativamente ao primeiro
aspecto, resumiríamos a sua apresentação ainda com as palavras
de Vignaux : «Quando teima em nos encerrar na quidditas rei
sensihilis, o aristotél ico rigoroso esquece que ele próprio se
entrega à metafísica, ciência que se define pelo mesmo objecto
que o intelecto escoti sta: o ser indetermi nado, com aquel a
indeterminação que é a base da universali dade; neste caso, a
indetermi nação de uma noção que transcende o sensível tanto
quanto a filosofia primeira transcende a físi ca. A metafísica é
um facto: o filósofo que a pratica não pode negar que ela se
baseia na natureza humana, como lhe é demonstrado pe l o
teólogo.» C9) Que metafísica é esta que s e d i z ser um facto?
Pelo texto citado já o antevemos. Trata-se, no fundo, de Ullla
nova consideração do problema do ser a partir, designadamente,
da sua indetermi nação. Esclarecer este aspecto exige-nos vo l t;u·
a falar de Avicena. Dado que sempre o homem, no s eu r'.1tot!o
actual- «pro statu isto»-, começa a conhecer pelos Sl�llt i do s ,
23
perspectivar a essência. Antes da sua existência nos unissin
gulares e no i ntelecto, de um modo universal, ela realizava-se
de uma forma absoluta (secundum quod ipsa est non relata ad
aliquod. . . esse). Seria, esta última, a n atureza no seu estado
puro, «natura tantum». Quer i sto dizer o segui nte: naturezas
como a do cavalo - a equ i n idade - não se confunde nem
com os cavalos que existem- Rocinante, v. g. - nem com a
noção geral ou universal que o nosso espírito l hes apl ica; em
conform i dade, antes do p l ano do s i ngul ar e do p l ano do
universal há um plano de i ndeterminação, descoberta avicénica
esta que Duns Escoto vai pôr ao serviço dos mais graves
problemas da fi l o sofi a . De entre essas várias apl icações ,
concentremo-nos , conforme anunciámos, na questão do objecto
da metafísica. Trata-se de uma das duas pedras de toque do
escotismo (a outra é a teoria da distinção ex natura rei) .
Conforme acabamos de verificar, havia que superar, de
algum modo, a antítese entre as duas perspectiv as no interior
do saber, a da fi losofi a e a da teologia. Poder-se-ia fazer essa
superação de uma maneira rigorosa? É convicção de Escoto
que a Metafí s i ca, entendida como ciênci a transcendental
(scientia transcendens), o faz. Primeiro, o seu objecto não
deverá ser confundível nem com o objecto da fi l osofia natural
nem com o objecto da teologia. Em segundo lugar, o estatuto
dessa ciência deverá ser cl aro e distinto. Ambas as condições
são preenchidas com uma teoria da univocidade do ser. «Chamo
unívoco - escreve Escoto- ao conceito que é de tal maneira
u n o , que a s u a u n i dade é sufi c iente p ara que s ej a u m a
contradição afirmá-l o e negá-lo d a mesma coisa . . . » ('w) Quer
dizer: um conceito será unívoco sempre que, ou quando, em si
mesmo signifique uma mesma coi sa qualquer que sej a o modo
como o aplicarmos41 . Digamos , de i mediato, que a teori a da
univocidade vem substituir (ou mel hor: refundar) o modelo
clássico em metafísica, o da teoria da analogia, desenvolvida,
24
por exemplo, embora diferentemente, por B oaventura, Tom;ís
de Aquino ou Henrique de Gand ( 42). A teoria escotista do ente,
pensado n a sua unidade conceptual , vem al terar substan
c i almente a situação da filosofia, ao ponto de se ter podido
falar, a este propósi to, de um segundo n ascimento da meta
física ('13).
É óbvio que, de acordo com a definição de Escoto que
acabamos de reproduzir, todos os conceitos podem ser unívocos,
m as concentremo-nos no conceito que aqui nos interessa, o de
ser. A sua univocidade apl ica-se a tudo aquilo que, de uma
maneira verdadeira, se possa chamar ser, ou seja, inteligível .
Ora, como tudo o que é i ntel igível o é porque i nclui o ser, então
a uni vocidade do concei to de ser é absoluta. É precisamente
este carácter abso luto que a disti ngue de todos os outros
conceitos unívocos . Traduza-se isto, no caso da univocidade
mais imediata (praedicatio in quid), com os exemplos seguintes :
«Um i ndivíduo (João) é ser», «uma espécie (homem) é ser» ,
«um género (animal) é ser»; em todos estes casos há algo de
comum que garante a inclusão da univocidade. Referimo-nos.
naturalmente, à entidade, primeira realidade comum a tudo o
que é ser (porque a essência de João, de homem e de animal, só
são inteligíveis se incluirem a entidade). Conclua-se então: «ser»
é um conceito absolutamente simples e indetermi nado que
expressa (e só) a realidade simplicíssima, a entidade (entitos) .
Boulnois. Paris. 19H8, 5-8 1 ; do mesmo autor. veja-se também «Ânalogic L'll 'rrnrvocir,·
selon Duns Scot: la double destructinn>>, Les Érude.1· Pllilosofilii'flll'.l', .1 ·I· (I ')K'J). p
347-369.
( "') C f. L. HONNEFELDER - «Der zwcitc A n l ang der Mt·t :rpltysik
'
25
Sendo i ndetermi nado, haverá conceitos que determi nam o
conceito de ser: as propriedades ou atributos transcendentais
do ser- uno, verdadeiro, bom e belo - e os transcendentais
disjuntivos como necessário/possível , i nfi nito/fi nito, i ncriado/
/criado, acto/potência, etc. Com alguns destes domínios nos
haveremos de encontrar na leitura do Tratado do Primeiro
Princípio. É preciso deixar bem claro qual o plano em que temos
vi ndo a falar do ser. Não se trata do plano físico dos existentes,
nem sequer dos planos lógico ou teológico. Estamos sempre
no interior da metafísica, p l ano no qual é a real idade essenci al
do ser que é o objecto. É nele que a obra adiante traduzida se
mantém.
Se bem atentarmos , esta nota i mplica que Duns Escoto
tenha uma concepção gnosiológica e uma concepção acerca
do real distinta da do aristotel ismo, e bem precisa no contexto
fi losófi co-histórico que é o seu ( 4 4) . Se é verdade que n a
companhi a do filósofo d a Macedónia Escoto também sustenta
que só o i ndivíduo exi ste (é aliás uma concepção em que o
século XIV é quase unânime, como testemunha o seu confrade
Guil herme de Ockham ) , se também é certo que, ainda n a
companhia d e Ari stóteles, u m a ciênci a (como a metafísica) só
pode sê-lo na medida em que o seu objecto é abstraído a partir
elo sensível, é claro que para Duns Escoto o que é real não
carece de existir. Digamo-lo numa outra formu l ação, posto que
n ão se trata ele voltar as costas ou de menoscabar o existente: a
contrastaria do real ultrapassa a consideração daquilo que existe,
após a sua exi stênci a; mercê ela sua fluidez, o rigor, no plano
dos entes, exige que se trate o real no nível da sua possibilidade
(metafísica). Se tudo o que existe é real nem tudo o que é real
existe aqui e agora, mas pode pelo menos vir a existir (é
possível) . Adiante voltaremos a i nsistir neste ponto. De onde,
se a física (que estuda a essência do que exi ste) tem lugar, ela
não esgota todas as ciências possíveis. A metafísica e o seu
objecto- a ciência do primeiro cognoscível , o ser- estuda
26
1 1 1 11 tipo de essências que, embora radicando nas essências físic1s
;�hs!ractas, prescinde do físico por uma outra abstracção. Entim.
L'lll si, este tipo de realidade já não é física. Mas quererá isto
dizer que, digamos, essa «realidade» não é real? Poder-se-i<t
d i zê-lo se se estivesse l i m i tado à maneira de ver antiga,
fi sicalista. Segundo João Escoto tem todo o sentido dizer-se
que n as realidades físicas há realidades metafísicas, terçando
desta maneira as suas armas do lado daqueles que desde o Sofista
( 246 a.C . ) de Platão se opunham, em titânica batal ha, aos
gigantes . Se o entendimento capta essências físicas a partir da
sensação, a essência metafísica só é captada se o entendimento
se desdobrar sobre aquilo que i ntelege. Prosseguindo, portanto.
a nossa já conhecida lição avicénica da indiferença da essência,
E s c o t o d i rá q u e a e s s ê n c i a m e t a fí s i c a caracte r i z a - s e
preci samente pela indiferença o u neutralidade. Indiferente em
relação à física (em cujo p l ano ela se realiza existenci almente
como i ndividual ) e em relação :t l ógica (em cujo p l ano será
universal).
D i s semos que p ara além da teor i a da uni voci dade a
metafís ica escoti sta tem outra pedra de toque, a teoria da
distinção e x natura rei, i. e., a distinção pela natureza da própria
coi sa. Cabe-nos, para termi nar este parágrafo, dizer alguma
coisa mais sobre ela. Estamos, agora, em presença de uma teoria
metafísica que se liga directamente à gnosiol ogia ou teoria do
conhecimento conforme a conhecemos já. Também aqui se
detecta a influência de Henrique de Gand, que havia teorizado
sobre um tipo de distinção intermédio, i . e., médio ent re u m:1
distinção real (a que acontece entre dois indivíduos ) L � lllll:t
distinção conceptual ou virtual (vej a-se a diferença entrL' '\·stwLt
da m anhã" e "estrela da tarde" que designa um mesmo pLIIIL'I<i ) .
27
de um dado isomorfismo entre a ordem conceptual e a ordem
da real idade j ustifica, primeiro, que um conceito possua uma
certa semel hança com aqu ilo que representa. Ora, esse conteúdo
inteligível é uma característica da coisa, e vários conteúdos
i ntel igíveis, jónnalmente disti ntos, portanto, embora sej am
defi níveis isoladamente não constituem , na coisa que exi ste,
uma pluralidade de coi sas. Seria um absurdo. Duns Escoto
defende, por isso, que se algo possui a capacidade de despertar
vários conceitos na alma, todos eles pertencendo a essa cois a
na medida e m que revelam parci almente a s u a natureza, então
essa distinção deve deter uma actualidade qualquer; esta última
é o que a linguagem técnica escotista chama «formali dades»,
aspecto inteligível de uma coisa que é inferior ao conteúdo
intel igível total dessa mesma coisa. Se l ate aqui a ideia segundo
a qual as propriedades de uma coisa não são acidentais (já a
sua exi stência, como vimos, é-o), esta teoria também se estende
ao âmbito da relação universal/i ndividual . Como é que as coisas,
universais em essência, se individualizam? De acordo com
Tomás de Aquino isso aconteceria graças à matéria del imitada,
i . e . , à s u b m i s s ão da m atéria às l i m i tações do espaço
eucl idiano e:;) . Para Escoto, semel hante resposta far i a da
individualização algo de exterior à coisa porque, segundo a
s u a maneira de ver, a m atéri a quantific ada disti ngue-se
realmente da forma. Em alternati va, o escotismo propõe-nos a
«estaidade» (haecceitas), neologismo- adi ante referir-nos
-emos a este expediente tão caro à forma mental de Escoto
formado a partir do pronome demonstrativo «esta» (haec). Com
isto quer dizer-se o segu inte: a n atureza comum , o aspecto
objectivo pelo qual duas ou mai s coi sas se assemelham,
indiferente à si ngul arização ou à universalização, individualiza
-se pela estaidade, uma formal idade que, sendo al heia à natureza
comum, só ela pode caracterizar aquilo que faz de um indivíduo
este indivíduo, indicando a sua única e irrepetível propriedade.
28
Seria o momento em que o escotismo regressaria ao indi vidual,
do qual porém não temos, p ro statu isto, i ntuição intelectual C'').
(41') cr. C . B ÉRUB É - La connai.\',\'((llce d e l ' individnl'i ({(( Mll\ '1'11 Â,i:l', 1':1 1 i s .
1 964 .
(47) Vd. S. BOAVENTURA - Itinerário da Mente pam l>l'u.1·. i l l l n H i u\· :•"· 1 1 a
dução e notas por A. S. Pinheiro. Braga, ' 1 983.
( ") Vd . .J . G Ó MEZ CAFFARENA - Ser twrticitllldo ,. s c t · suf,.l'isrl·nrr· 1 · 1 1 lo
metafísica d e Enrique d e Ga11d, Roma. 1 95R. 2 1 5 sg. : I'. I'OR R< l l·.'n ri('(} rli Cwul
La via dei/e proposiúoni univer.l'(( / i, Bari. 1 990.
29
dizer que a contri buição de Duns Escoto, no que ao Tratado do
Primeiro Princípio diz respeito, se caracteriza por dar u m
rundamento aristotél ico, e portanto mais rigoroso, à segunda
l i nha da tradição que evocamos, remotamente pl atónica e
augustin i ana, além de simpl i fi car o processo pela v i a da
causali dade mediante a e l i m i nação de uma das formas da
causalidade, a exempl ar (40).
A argumentação escotista, «tal vez uma das mais elaboradas
e pormenorizadas provas da existência de Deus construídas
durante a Idade Média» C'\ foi , seguramente, revista pelo autor
ao longo de toda a sua (curta) viela, m as a versão elo Tratado
parece ter sido a última. De facto. não há entendimento, entre
os eruditos, no respeitante à data de composi ção da obra, mas
hoje em dia vem perclenclo força a opinião tradicional , que l he
clava uma factura tardia, e, em contrapartida, cresce a convicção
de que o Tratado se eleve contar entre as últimas obras, «senão
mesmo a última», de João Duns Escoto C 1 ) .
30
l,·vc a di spensar qualquer especu lação fi l osófica pessoa l acne a
do lema da ex istência de Deus poderá ficar desapontado» co1n
o q ue vai l er a seguir ('.l) .
A argumentação de João Escoto, o seu itinerariwn 111en t is
in /)cum, des e n v o l ver-se-á em duas partes praticame n t e
d i stintas . U m a ocupa-se dos atributos rel ativos d o ser infi n i to
- eficiência, finalidade e perfeição emi nente; a segunda com
a propriedade absoluta que é a infi n idade. Dada a i nfin i dade de
Deu s , bas tará mostrar que só pode e x i s t i r um ser nessa
nm formidade. Cada secção coordenar-se-á através de uma série
de conclusões, devidamente encadeadas . De notar, ai nda, que
antes ela prova propriamente dita, o Tratado abre com uma parte,
com o seu quê de autonomia, dedicada ao estabelecimento das
seis ordens de carácter essen c i a l , orden s essas que, como
lembrám os, posteriormente reduzirá às três mencionadas,
c au s a l i dade efi ciente, causali dade fi n al e a da eminência.
Rel ati v amente a estas. o seu argumento desenvol ve-se na
afirmação de uma natureza (sublinhe-se esta nuancc), que é
primeira em eficiênc ia. que é última em final idade e que é
primeira em eminência. Passa-se, de seguida, a mostrar que
não se trata de três , mas de uma só n atureza com três primazi as.
Dado ser simples e perfeita também é dotada ele i ntel i gência c
de vontade. É este ponto que l he permitirá concluir que é i n finita
c única.
Pormenorizando um pouco mais, considere-se a apl icação
bas i l ar da especificidade elo procedimento escotista, cuja mel hor
v i a ele acesso, no Trotado, pode ser o princípio do terce i ro
capítul o . De facto, vemos aí apl icada ( � 24, 25). a propósito ( k
nos ser mostrado que exi ste uma n atureza abso l u t a n l L' I l l l'
primeira, a distinçüo fónna1 entre uni dade quiditati v a c u n i d ; l ( k
numérica. Dado que a simples unidade numéri ca c ;1 .\ i i i i J l l '·s
unidade lógica não são suficientes para explicar a rl' l a <; ; 1 o l'l l t n·
o real que existe (como unissingu l ar) e o uni vcrsal lúgico ( c u j ; 1
unidade é apenas a da consciência cogniti va), é nL n -;s ;i r i o t l l l t · ·.
�I
outro tipo de u n i dade - a j á n o s s a conhec i d a u n i dade
quiditativa ou de natureza -, que é real sem se identifi car,
porém, com a unidade numérica, também real . A chave está no
uso do termo «natura» , natureza, realidade i ntermediária entre
a unidade física e a general idade l ógica. Como entendê-l a?
Como u m domínio que se caracteriza simul taneamente pel a
realidade e pel a possibilidade. Não é um possível l ógico (este
é um m odo de composição do intelecto em que os termos
respectivos não são contraditórios), é, outrossim, um possível
rea l ( a l go que i mp l i c a a i n erên c i a da potên c i a a u m a
real idade) C4) . Podemos esclarecer i sto mediante recurso aos
neologismos que Escoto util iza no parágrafo aludido a fim de
dar conta deste novo grau de real idade, que é a própria marca
da sua fil osofia: podemos o lhar para algo sob o ponto de v ista
da sua causa eficiente, e dizermos que esse algo foi efectuado;
j á se o considerarmos sob o ponto de vista do possível-real
devemos dizê-lo «efectível» (este raciocínio repetir-se-á para
as outras causas : «finível», «formável » , «materiável»; ass i m
como para u m a consideração dos efei tos C5)). É fáci l perceber
que não se está só a criar neologismos pela paixão de i nventar.
É necessária uma l i nguagem nova para traduzir uma nova
realidade. Ou , se se qui ser, uma maneira nova de se entender a
realidade. Com efeito, dizer (§ 25) «alguma natureza é efectível»
é dizer algo de abstracto m as não de irreal , pois uma natureza
efectível não é meramente u m ente de razão, m a s u m a
construção dialéctica e abstracta baseada na experiência das
relações de causalidade entre seres de facto existentes e bem
concretos. Escoto acabou de encontrar o seu terreno dilecto a
meio caminho entre o actual real e o possível lógico, e isto
graças ao expediente da disti nção formal . Por aqui se vê como
o Doutor Subtil faz uma leitura pessoalíssim a de Avi cena. Se,
para este, como vimos, a exi stência sobrevinha à essência à
32
maneira de u m acidente, em Escoto a essência, dado que se
n ão di stingue realmente da existência, é esta vi sta na s u a
possibil idade real . A existência, p o r seu lado, é a essência
modal izada CS6). Insistamos na mais-valia entretanto acumulada
( § 4) : todo o efeito existi ndo necessari amente, desde que
considerado sob o prisma da sua essência passa a ser tão-só
possível . É impossível escamotear a importância desta aquisição
para pensar a diferença teológica: substitu i-se a composição
essência/existência (como acontecia em São Tomás C7 )) pel a
distância infinito/finito ( § 86).
Antes de passarmos à secção respeitante às várias provas
rel ativas ao «Primeiro princípio» (§ 24 e sg.), gostaríamos ainda
de destacar devidamente o método uti l izado pelo nosso autor.
Já noutro lugar pudemos anotar algo acerca da epi stemologia
medieval C8) . O ponto, para Duns Escoto, é o de que, no nosso
estado actua l , uma prova científica não podendo embora
cumprir o i deal de um conhecimento pelas causas ( § 72) pode
trabalhar sobre os efeitos sem perder a sua cientificidade. Em
conformidade, deve começar por atentar-se na importância de
todo o segundo capítulo do Tratado, que nos fornece a gramática
de uma metafísica da causali dade sobre a qual assenta um dos
pilares de um ideal de cientificidade que parta dos efeitos e daí
possa concluir a existência do Primeiro Pri ncípio; desta feita, a
ordem essencial tem o estatuto de u m transcendental disjuntivo,
propriedade transcategorial tanto reveladora da conexão real
quanto j u s tifi cadora de u m a c ientifi c i d ade baseada n a
possibilidade (§ 26, § 8). Enquanto as conclusões que partem
da actualidade, não obstante a sua evidênci a, são conti ngentes,
as que assentam na possibilidade são necessárias (§ 26) .
33
Num universo dominado por unissingulares e balizado pela
gnosiol ogia da intuição, a afirmação anterior impl ica o seguinte,
se aplicada à demonstração da existência do Primeiro Princípio:
pode-se passar da experiência intuitiva para a abstracção da
existência, mas não chegar à existência a partir da mera anál ise
do conteúdo abstractivo. A temática do Tratado i nsere-se de
facto na celebérrima problemática aberta no sécul o XII por
Anselmo de Cantuária, embora o faça - há que dizê-lo - de
modo assaz crítico. Aquele abade de Ou Bec tinha s ido autor
de uma obra, o Proslógion, cujo conteúdo por si só faz célebre
qualquer pensador: provar a existência de Deus através de um
argumento, que se quer i rrefu tável , dentro das exigênc i as
dialécticas de uma demonstração estrita C9) . Ora, Duns Escoto,
l evando a sério a imposição metodológica de Aristóteles, nos
Segundos Analíticos - segundo a qual um argumento conclui
cientificamente ( ou necess ari amente) des de que parta de
prem i s s as necessárias (e não conti ngentes) -, pretenderá
«matizar» (colorare) o argumento anselmiano (§ 79). Mas o
matiz alegadamente aduzido, que antecipa celebérrima objecção
kantiana ao notável ' argumento ontológico ' , deve ser visto
como uma autêntica superação da ratio Anselm i graças à
adopção de um quadro metafísico em que Santo Anselmo
decerto se não reconheceri a.
Já se disse h aver uma primeira via que se prende à «ex is
tência» do primeiro ser (§§ 24 - 48) e uma segunda (§§ 55 - 93),
rel ati va à sua infinidade (60) . É esta última que nos traz até ao
ser primeiro no plano mai s perfeito a que o homem pode ter
34
. ll 'L·.� so, o de ser infinito. Contrastado com o universo filosúl'ico
i ll ' I L'� tlico, o que era concei to desprezível (e negativo, por cL�rlo
L 1 1 11 hém em Escoto) devém posi ti vidade e riqueza ontológica
1 � 7 8 ) . No i n teri m , o nosso autor, parti ndo do dado da
t ' I L·ctibilidade C* 25) e do seu conelato, a «efectividade» C* 25 ) .
; 1 k ança primeiro a 'existênci a ' actuaL isto é, u m «efectivo»
; d Jsolutamente pri meiro que exista em acto C* 3 3 ) . Depois
( ksenvol verá uma demonstração dialéctica n a qual se devem
t· videnciar três vias l i gadas ao entendimento (intellectus) -
respectivamente § * 68 - 69, 70 - 74 e 7 5 - 76 - ; uma quarta,
\obre a simplicidade da essência (§ 77); às quai s se seguem a
via da eminência (§ 78 - 79), a da finalidade (§ 80) , e a da
l·l'iciênci a (§ 8 1 - 87).
É patente o tom rel i gioso do texto, u n indo todo este
i mpressionante caudal especulativo. Se ele é, obvi amente,
verdadeiro (no que acompanha Anselmo e Boaventura), i mporta
porém reter, no que à fil osofia diz respeito, que aqu i se assinala
uma nova visão do rea l . É uma dimensão que ultrapassa a
teologia filosófi ca embora nela radique. Referi mo-nos às
es truturas que ora consol i dam ora proj ectam o di n âm ico
irinerariwn do nosso autor. Vale a pena assinal ar tão-somente
um tal facto .
Por exemplo, a importância da ordem essencial (§ § 2, 3 ,
� . 9 - 2 3 ) . Gonzo de todo o processo demon strativo (haj a em
vi sta o seu estatuto transcategorial), aquela ordem determ ina a
possibilidade de todas as conexões reais . Atente-se, porém, que,
c ao contrário do que apressadamente se seria tentado a crer
( p ara u m l e i to r aten to i s to j á deva estar adqu i r i d o ) , a
compreensão da tessitura das essências não s ignifica nenhuma
opção por um procedimento demonstrativo de carácter ' a priori · .
Aqu i , deverá ter-se sempre presente que s e é verdade, t a m hé m
para Escoto, que o verdadeiro conhecimento é o das causas
(§ 72), o acesso à causa s ó é viável com base n o e f e i to. Or; l , ; 1
ordem essencial permite a compreensão rigorosa ( * 2CJ) dt· s t a
l igação ao ser como que condição transcendental de t u do o quL�
sucede ou pode suceder.
Das três formas de causalidade extrínseca estudadas. a da
35
eficiência deveria ter, tanto para nós como para Escoto, um
lugar à parte. Ela explicita a fecundidade da adopção do ponto
de vi sta da ordem essencial . Sem podermos seguir aqui 'pari
passu' o itinerário do autor, contentemo-nos em sublinhar o
p ap e l d a p r o v a p e l o c o n t i n g e n te ( § 2 5 ) a s s e n t e n a
impossibilidade de remontar infinitamente n a ordem das causas
(§ 27 - 3 I ) . É que a recusa das causas essencialmente ordenadas
(e depois das acidentais), em nome da sua ininteligibilidade,
exprime bem como a lógica é claramente o critério não do que
deve ser, m as do que é; quer dizer: não é a lógica que i mpõe as
suas leis ao real , é este que só é unicamente aceite (ao n ível
quiditativo, como é óbvio) na e pela sua inteligibi l i dade. Se se
opta assim pelo pl ano da «natura» ( § 24) e não, como também
Escoto se exprime, pelo da actualidade (§ 26), é i ndi scutível o
alto apreço que Escoto nutre pel a l iberdade. Já acima nos
referi mos a este aspecto. Por agora poder-se-i a, por exemplo,
atentar como i s so acontece no i nterior do tratamento da
eficiência tendo como horizonte o dado teológico da l iberdade
inerente à intervenção do Primeiro (eficiente), única fonte da
c o n t i n g ê nc i a rad i c a l do u n i vers o . I m p u n h a - s e , e m
consequênci a, ultrapassar a tese peripatética da eternidade do
mundo - de onde o processo de revisão ( colorare) a que Escoto
submete, ao jeito dialógico escolar de então, a fís i ca de
Aristóteles relati va à infinitude do movimento do primeiro ser
( § 8 1 - 87) - e o esbul ho de q u a i s quer resquíc i o s de
necessitarismo no mundo criado. A idei a aqui será, em suma, a
seguinte: tudo aquilo que o Primeiro quer pela sua vontade, se
disser respeito à sua própria natureza é querido necessariamente,
mas se não lhe disser respeito j á o será contingentemente.
Semelhante problemática compatibilização da necessidade com
a vontade foi , no tempo, um grito mais pela revalorização da
conti ngência. Na sua produtiv idade histórica, porém, e l a
prenuncia o nascimento d o que se convencionou chamar a
racionalidade moderna. Como escreveu Amos Funkenstei n, a
propósito do estilo teológico da ciência no século XVII, «Deus ,
que na Idade Média era a fonte de toda a contingência, torna-se
a fonte de toda a racionalidade ( . . . ) o garante metodol ógico da
36
1 < H np l eta i ntel i g i b i l i dade da n atureza ( . . . ) . Lei bniz t i n h a
l l l"n.:ssi dade d o princípio d e razão suficiente para provar a
< · .x i stência de Deu s ; ora, a validade deste princípio, e com ele a
1 Li multipl icidade dos princípios que garantem a inteligibilidade
4. TRADUZIR ESCOTO
37
(a) o «finido» é o correspondente, no plano da causa final ,
ao que está ordenado para um fim (ordinatum ad finem) , o
finalizado portanto;
(b) à causa efi ciente corresponde o «efectuado» ou ejecto
(e.ffe ctwn);
(c) à causa material corresponde-lhe o causado a partir de
u m a m atéri a (causatum ex mate ria) , o « m ateri ado» o u
materializado (materiatum) ;
(d) por últi mo, à causa formal corresponde o causado por
u m a for m a (pe r formam), o «formado» o u formalizado
(jormatum) .
Ainda dentro da nova semântica do vasto universo da
efi c i ê n c i a i mporta atentar n o n e o l o g i s m o «effecti v a » ,
contraposto a «effecti b i l i s » ; n o l é x i c o escoti s ta, o que
traduzimos l i teralmente por «efectiva» não tem o sentido que
comummente lhe damos, e assim <<al i qua est effectibilis, ergo
aliqu a effectiva» (� 25) significa: alguma natureza pode ser
feita - é efectível -, logo, alguma natureza eficiente é possível
- «efecti va» . Por outras palavras : efectivo denota um ser capaz
de produzir um efeito, enquanto efectível é o que é susceptível
de ser produzido por um tal efectivo.
Como já se sabe, o autor não teme os neologismos. Vej a
-se, por exemplo, o vocábu l o causação (� 1 7) ou também
causativo (§ 32) e causante (§ 59), os quais, por muito que
custe aos p u ri stas , não hesitámos também em empregar.
O mesmo sucedeu com causado (§ 37), na acepção de efeito,
que todavia usámos a maior parte das vezes ; e o mesmo também
c o mfinitivo (§ 3 8), que diz o que é capaz de causar como fim
ou de ordenar alguma coisa a si enquanto fim . De igual modo,
«factivo» e «activo» (§ 6 1 ) têm o sentido respectivamente de
capaz de fazer e capaz de agir. Entre Heidegger e Wittgenstein ,
sabemos hoje que o neologismo em fi losofi a prende-se à
necessidade ele um outro fi l osofar.
Obviamente que, pelas razões já aludidas, tivemos muitas
vezes ele desdobrar os termos eli didos e explicitar zeugmas por
forma a tornar m ai s cl aras as orações. D i ferentemente elo
procedimento mais comum, não cremos ser necessária a
38
' ' l i lização de parêntesis rectos para sinali zar um tal procc
d i l l lcnto. É que uma tradução deve dizer em l inguagem aqu i l o
q t t c o original diria caso fosse hoje escrito pelo autor n o nosso
1 d ioma; isto, como seria natural, sem trairmos a nova termi
' '' dogia fil osófica (nos séculos XIII e XIV) e o seu rigor. Ligado
; 1 q u i l o , está também u m acrésc i mo na periodização s intáctica,
d ; 1 nossa responsab i lidade. Consequentemente, nem sempre
\l'guimos a pontuação avançada pelo editor. Final mente, e por
1 azões fi losóficas ó b v i a s , não cui dámos em empregar as
1 11 aiúscul as para designar o Primeiro Princípio.
Janeiro de 1 997
M. S. de C.
39
,,.
TRATADO DO
�
PRIMEIRO PRINCIPIO
I I
. i
CAPÍTULO I
C! l�wdo 3. 1 4.
43
maneira a que se mostre o que está contido numa tal divisão;
segundo, deve afirmar-se que o que se dividiu se exclui
mutuamente; e, em terceiro l ugar, deve provar-se que o que foi
dividido não comporta divisões .
Neste capítul o trata-se do primeiro ponto, no segundo
capítulo dos outros dois . Em conformidade, exporei as divisões
e darei a razão do que for dividido.
44
q u i n to l i vro da Metafísica, ao exp l i car os argu mentos de
! 'l atão C). Jul go que o seu raciocínio se expl ica da segu i n ll'
1 n aneira: o anterior segundo a natureza e a essência é o q u e
pode exi stir sem o posterior, mas n ã o o contrário. E entendo
o assim: ainda que o anterior cause de uma maneira necessária
o posterior e não possa existir sem ele, i sto não quer dizer
que necessite do posterior para o seu próprio existi r, mas s i m
o contrário. É que ainda que se suponha que não existe o pos
terior, o anterior existirá sem incluir contradição. O contrário
não acontece, porém, uma vez que o posterior necessita do
a n teri or. P o de m o s d e s i g n ar uma tal i n d i g ê n c i a c o m o
dependência, d e maneira a que se d i g a que tudo o que é
posterior em essência depende necess ari amente do anterior,
mas não o contrário (mesmo se às vezes o posterior se segue
necessariamente). Esta prioridade e posterioridade, bem como
as outras de que fal ámos, podem des i g nar- se s egu ndo a
substân c i a e a espéc i e ; também se p odem ch amar, para
fal armos com precisão, pri oridade e posteriori dade segundo
a dependência.
45
Mas o segundo membro desta segunda divisão (5) nem é
evidente em si nem no modo como se encontra contido no que
se está a di vi di r.
A pri meira dificuldade esclarece-se assim: se uma mesma
causa tem dois efeitos, um dos quais é primeira e imediatamente
causado por ela e o outro só depois deste efeito imediato ter
sido já causado, em relação a essa mesma causa, este segundo
é posterior e é imediato ao que foi causado antes . Este é o sentido
do segundo membro da divi são.
A partir daqu i provo, em segundo l ugar, o que está contido
na d i v i s ão, quer di zer, que o efeito mais remoto depende
essencial mente do efeito mais próximo:
- quer porque não pode existir se não existir o efeito mais
próximo;
- qu er porque a causal i dade da causa rel ac i o n a-se
ordenadamente com ambos os efeitos ; por consegu inte . . . C'); e
i nversamente: estes efeitos correl acionam-se numa ordem
essencial quando comparados a um terceiro, que é causa de
ambos, e, por conseguinte, numa ordem essencial absoluta entre
eles .
- Quer, em terceiro l ugar, porque em si mesma a causa
não se entende senão como causa próxima do efeito próximo e
se este efeito não for causado, como causa remota dos restantes
efeitos. Porém, com o efeito já causado, ela é entendida como
causa próxima do efei to segundo. Mas de uma causa remota só
enquanto é remota não se segue nenhum efeito ; logo, o efeito
segundo depende da causa que deu ser ao efeito mais próximo,
e portanto depende deste ser mais próximo.
(') « Ü que depende é remotamente causado por uma causa, e aquilo de que
depende é causado por essa mesma causa de modo próximO>>, Cap. I , � 5 .
('') N o s procedimentos l iter<Írios universitários era hábito não preencher a
conclusão - óbvia - de um raciocínio; como se terá ocasião de ver v<írias vezes ao
longo deste texto de Duns Esc o to, o caso era sobretudo indicado por <<etc» . Supriremos
essa omissão nas notas ao texto. Assim, aqui deverá ler-se: <<por conseguinte, o efeito
mais remoto depende essencialmente do efeito mais próximo».
46
ll. TERCEIRA DIVISÃO. Cada um dos membros da st.:gu 1 H L 1
d i visão subdivide-se. Em primeiro lugar, subdi v i do o scgu nd( )
l l lcmbro C) porque está mais em consonância com o qu e j ;í
d i ssemos. De facto, o primeiro, que é o efeito mai s próximo da
l·ausa, não se diz apenas que é o efeito mais próximo da causa
1 11 a i s próxima das duas, como também é efeito da causa remoi a .
Se, por exemplo, a causa próxima de u m efeito - sej a A - não
ror ele uma certa maneira causa de outro efeito - sej a B -, mas
uma outra causa anterior for causa próxima de B e for a causa
remota de A (cuja causa próxima é outra), então entre estes
L'leitos haverá uma ordem essenci al de um efeito anterior a um
efeito posterior. É o caso em que a causalidade da causa comum
de ambos se relaciona com eles enquanto efeitos segundo uma
ordem essencial .
É menos evidente que o segundo membro desta divisão
sej a divisível . Mas isso prova-se da segui nte maneira. Em
rel ação a um tercei ro, que sej a causa de ambos , essencialmente
ordenados, ambos os efeitos devem estar de facto ordenados
entre si . Então também a causa comum é concebida à maneira
de uma causa remota do efeito posterior, se o efeito anterior
não for causado. E também o efeito posterior n ão pode dar-se
sem o anterior.
(7) «Ü que depende é remotamente causado por uma causa. c aqu i lo de que
depende é causado por essa mesma causa de modo próxi mo>>, Cap. l , � S .
(') «Ü q ue depende é causado c aquilo de que depende é a sua causa», Cap. I. � S .
47
das divisões destes quatro membros porquanto noutro lugar
pude tratá-las amplamente (9), e mais abai xo, quando o assunto
o exigir, a elas voltarei .
48
CAPÍTULO II
49
anterior e posterior ao mesmo, e assim mais e menos perfeita
que o mesmo, ou dependente e i ndependente em relação ao
mesmo, afirmações que estão l onge de ser verdade. Aristóteles
exclui este círculo das demonstrações, no primeiro l ivro dos
Analíticos Posteriores e) , e nem na realidade o círcul o é menos
i mpossível .
Acrescento a esta segunda conclusão uma terceira, a qual
se prova por aquela e nela satisfatoriamente se inclui. Apresento
-a aqui porque mais adiante irei util izá-la:
TERCEIRA CONCLUSÃO: O que não é posterior ao anterior
tambénz não o é ao posterior.
Segue-se da segunda afirmação. Mas desta terceira segue
-se o seguinte: o que não depende do anterior também n ão
depende do posterior. E ainda: o que não é efeito de uma causa
anterior também não o é de uma posterior, porque na ordem da
causalidade o posterior depende do anterior para causar.
50
primeiro aqu i l o que é acidental . Aristóteles di-lo bem n o
segundo l ivro da Física (4), ao sustentar que neste género d e
causali dade a natureza e o entendimento, como causas por si,
são necessariamente anteriores ao acaso e à sorte, que são causas
acidentais . Mas o que n ão depende do anterior n ão depende do
posterior, conforme se segue da terceira conclusão C) . (Refiro
-me a efeitos positi vos, que são os úni cos efectíveis em sentido
próprio.) A premissa maior é assim evidente.
Já a menor prova-se da seguinte maneira: o agente por si
age em v ista de um fim , uma vez que nada actua em vão.
Aristóteles determina-o no segundo l ivro da Física (6), no que
diz respeito à natureza, na qual parece ser menos patente. Logo,
um tal agente nada efectua a não ser por causa de um fim .
Prova-se, em segundo l ugar, a conclusão principal , d a se
guinte m aneira: o fim é a primeira causa na ordem da causa
l idade. É o que diz Avicena, ao chamar-lhe causa das causas C) .
Mas i sto também se prova racional mente: assim como
metaforicamente a título de amado o fim faz mover, assim
também a causa eficiente produz a forma n a matéria. Não é
porque outra causa o faz mover que o fim também o faz a título
de amado, mas antes porque, na ordem da causalidade, o fim é
essencialmente causa primeira.
Prova-se isto da maneira segui nte: no quinto l iv ro da
Metafísica (8), Aristótel es mostra que o fim é uma causa, porque
com ele se responde à pergunta «por quê», pergunta esta que
i nquire sobre a causa. Por conseguinte, uma vez que com ck:
se consegue o primeiro «por quê» , então terá de ser a primei ra
causa. O que se acaba de dizer patenteia-se assim : à pergun t a
«por que é que algo produz?», responde-se: «porque ama o fi m
ou tende para ele», e não ao contrário.
51
Da primazi a do fim, provada de três maneiras, segue-se a
conclusão principal : o que não tem uma causa anterior também
não tem uma causa posterior, em conformidade com a terceira
conclusão estabelecida C).
(') <<Ü que não é posterior ao anterior também não o é ao posterior», Cap. I I , � 9.
52
Aristóteles ( '0), por conseguinte, não teria sustentado que
:1s i ntel igências têm uma causa final em sentido próprio e não
1 1 1 11a causa eficiente. Mas, ou teria sustentado que têm a p e nas
1 1 111 fim , estendendo «fim» ao objecto da operação óptima, ou,
se l hes atribuiu uma causa eficiente própria, não o fez pelo
t n o v i mento o u p e l a mudança, porque as qu atro causas
pertencem à consideração do metafísico, pelo que abstraem do
1 novimento e da mudança, que pertencem à consideração do
I i I ósofo natural .
Aristóteles também não teria defendido que o primeiro l hes
dá o ser apó s o n ão-ser, v i sto que as apresen tou como
.-; cmpiternas e necessárias, pelo menos se se entender «após»
na ordem da duração, embora já não se se limitar o após à ordem
da natureza, tal como Avicena expl ica a noção de criação no
segundo capítulo do sexto l i vro da Metafisica C ' ) .
Quanto a saber-se se o efeito é incompatível o u n ão com a
necessidade, é algo que não vai contra o nosso propósito. Se
u m a cau s a s i m p l e s me n te efi c i en te p u d e s s e c a u s ar
necessariamente e um fim pudesse finalizar necessariamente,
c não ao contrário ( ' 2 ) , então todo o efeito seria ao menos
possível , não só enquanto «possível» se opõe a « i mpossível»,
mas também enquanto se opõe a «necessário por si», porque
seria objecto ou termo da potência da sua causa. Não seria, no
entanto, possível, enquanto «possível» se opõe a «necessário
em geral» , segundo os filósofos, os quais negaram uma tal
contingência às substânci as separadas.
Torna-se patente um outro corolário, a saber: que o fim
não é causa final da causa eficiente, mas causa final do efei to.
De onde, o dizer-se: «O agente age por causa de um fim » , o que
não deve entender-se como «por causa do seu fi m » , mas «por
causa do fim do seu efeito» .
contingentemente.
53
13. SEXTA CONCLUSÃO: O que não é «efectuado» não é
«materiado».
Prova-se: de si a matéria está em potência de contradição
para a forma. Por isso, em si, ela n ão está em acto pel a forma.
Logo, só está em acto pelo que conduz a potência a acto, e que
é causa eficiente do composto, pois «fazer u m composto» é
i gual a «actualizar a matéria pela forma». ( i 3)
A p r i meira consequ ê n c i a é e v i dente: u m a p otên c i a
meramente passiva e de contradição não é e m si redutível ao
acto.
Se dizes que a forma reduz a própria potência a acto, isso
é verdade formalmente. Mas como primeiro concebemos a
forma e a matéria como não unidas, aqui l o que as une tem
razão de causa eficiente, cuj a actuação é seguida pela da causa
formal .
Prova-se, em segundo l ugar, a conclusão: a causa eficiente
é causa próxima da final ; l ogo, é anterior à matéria. O que não
tem uma causa anterior também não tem uma causa posterior.
Esta primeira afirmação prova-se assim: a causalidade do fim
consiste, metaforicamente, «em mover na qualidade de amado» ,
l ogo o fim move a causa eficiente e não uma outra causa.
Prova-se, em terceiro l ugar: um composto é verdadeira
mente uno. Logo, é detentor de uma entidade una, que não é a
entidade da matéria nem a da forma. Esta entidade una não é
causada primeiramente por duas entidades, pois nada do que
é constitu ído pel a pluralidade é uno senão em virtude de um
uno, nem é causada primeiramente por uma das duas entidades,
porque c<,tda uma delas é menor do que a entidade total . Logo,
é causada por um uno que é extrínseco.
54
t·.� scnciais. Porque em qualquer composto de partes essenci ais,
1 1 1 1 0 por si, uma parte é potencial , dado que não se obtém u m
1 1 1 1 0 por s i senão pela potência e pelo acto, segundo o sétimo c
1 1 oi tavo l ivro da Metafísica ( '4). O que, portanto, não tem uma
parte potencial por si não é composto. Logo, nem sequer é
·· lormado», porque o que é «formado» é composto e tem a
l orma como parte i ntegrante. Tal como se argumentou acerca
da matéria e da forma assim se pode argumentar do substante e
do acidente à sua maneira ('5).
Confirma-se esta prova com o que Aristóteles escreveu no
.� di mo l ivro da Metafísica ( ' 6) : se alguma coisa fosse constituída
por um único elemento ela seria unicamente esse elemento.
< >u melhor: nem seria elemento, conforme se deduz da primeira
l'<mclusão deste segundo capítul o ( 17) . De onde, esta compa
ração: se alguma coisa tem apenas uma parte essencial ela é só
essa parte. Ou melhor: ela nem é parte nem é causa, dada a
referida primeira conclusão. Logo, tudo o que é causado por
uma causa i ntrínseca tem também uma outra causa intrínseca,
que concausa. E assim se torna evidente a conclusão.
55
o perfeito é a n terior ao i mperfeito. Acrescenta a terceira
conclusão e e s ta fica provada ( ' 8).
A segun d a é esta: as causas intrínsecas podem ser causadas
em si mesmas pelas extrínsecas . Logo, são-lhes posteriores na
ordem da cau s alidade. O antecedente é evidente em se tratando
da forma, mas também é evidente quanto à matéria considerada
como parte. M as em rel ação à matéria, considerada em si
mesma, dir-se- á adiante mais al gu ma coisa.
(") <<0 que não é posterior a o anterior também não o é a o posterior»; Cap. II,
l'Oilc i. 3 , � 9.
( '" ) Cap. ! L co ne! . 4. � i 6, onde se mostra que a causa final é a primeira das
c a u s a s . na ordem da causalidade.
56
conclusão e0), em outras partes das mesmas concl usões c na
oi tava conclusão (ZI ) .
Não quero aqui deter-me a examinar muito qual é a ordem
das causas intrínsecas entre si. Usá-las-ei pouco no decurso
deste tratado. Parece, no entanto, que a matéria é anterior
segundo a i n dependência, porque o que é conti ngente e
i nformante parece depender do que é permanente e informado,
e o formável concebe-se antes do que é informante. É neste
sentido que alguns interpretam as Confissões de Agostinho
acerca da prioridade da matéria sobre a forma (22) .
E se perguntas em que ordem é anterior, eu respondo: como
efeito mais próximo da mesma cau s a remota; digo que é
necessariamente mais próximo na ordem segundo a qual a forma
é causada pela causa remota. Não obstante, a forma é anterior
em eminência porque é mais perfeita; Aristóteles aceita isto
como evidente, no sétimo livro da Metafísica, onde compara a
matéri a e a forma CZ'), ainda que se possa prová-lo com o que
diz no nono l ivro da Metafísica rel ati vamente ao acto e à
potência e4).
(2°) Cap. 1 1 , cone! . 6. * 1 3 , onde se mostra que a causa eficiente é a causa mais
próxima da causa final.
e'l Cap. 1 1 . conc l . 8 , * 1 5 , sobre a anterioridade das causas extrínsecas
relativamente às intrínsecas, na ordem da causalidade.
( " ) AGOSTINHO - Confessimwm X I I , 4 /XI I , 3. 3/ X I I . 6, 6/ X I I , 7, 7/ X I I ,
8. 8/X I I . 39. 40 ( trad. port. J . O. Santos & A . A. Pina. Porto. " 1 977. X l l , 4/ X I I . 3/
X I I . 6/ XII, 7/ X I I , 8/ X I I , 29)
(2') ARISTÓTELES - Metaphysica V I I 3 ( 1 029 a 5).
(")ARISTÓTELES - Mctaphysim IX 8 ( 1 049 b 5).
(25 ) AVICENA - Liber de Philosophia Prima VI 5.
57
outra maneira as proposições seguintes seriam falsas : «É porque
ama o fim que produz o ' efectuado'», e «porque produz o efeito
é que a forma informa e a matéria materi aliza» . Mas a segunda
parte é falsa. De facto, o fim não é causa do que é eficiente,
nem o inverso é sempre verdade. De uma maneira geral , o
eficiente não é causa do que é matéria, porque a pressupõe.
58
1:1 causados, porque A não é nenhum deles, conforme assumisll' .
I 'or conseguinte, concorrendo todas as causas por s i , e todos os
� · lei tos mais próximos que B já postos, B não existirá. Nesta
� · o n formi dade, todas estas causas por s i não são cau s a s
, u ri cientes, mesmo se os efei tos mais próx i mos forem j á
l·ausados. A consequência é evidente: uma vez o s efeitos mais
próximos postos, as causas suficientes podem causar um efeito
1 11ais remoto.
Se disseres que o argumento não conclui que tais causas
não podem causar, mas apenas que não causam, a objecção
não colhe. De facto, como assumiste que A não pode existir,
B não pode existir. Tudo posto sobre todas as causas e sobre os
efeitos mais próximos, A não pode existir por eles, pois não é
nenhum deles nem é causável por eles. Logo, B não pode ser
por eles. É que n ão pode ser por algo uma coi sa que é incapaz
de causar aquilo sem o qual ela não pode ser.
Se di zes : «um composto pode existir por um agente
natural , mas a matéria, sem a qual é impossível que o composto
exi sta, não pode existir por tal agente», esta objecção n ão
tem val or. Isto porque u m agente natural não é a causa total
de um composto, ou seja, um agente pelo qual , e exclui ndo
qualquer outra causa, o composto pode existir. Passo a falar
deste caso: se eu unir a B todas as causas em todos os géneros
de causas ordenadas e se todos os efeitos mais próximos que
o próprio B forem produzidos, por todas estas coisas A não
pode existir, porque A não é nem uma causa nem um e feito
do número delas, e sem A, B não pode existir. Por consegui n te,
B n ão pode existir por todas el as unidas ao mesmo tempo.
Logo, todas e l as u n i das ao mesmo tempo n ão s ão t o t a l
m ente a causa d o próprio B , e i sto é o contrário elo q ue se
apresentou.
59
excedido depende essencialmente do eminente. Logo, o primeiro
membro da primeira divisão não implica o segundo.
Prova do antecedente: uma espécie mais nobre é eminente
em relação a uma menos nobre; por exemplo, um contrário em
relação a um menos contrário. Contudo, em relação a esta,
aquela nem é uma sua causa - como por indução se patenteia
- nem é um efeito mais próximo, porque a causalidade de
u ma causa comum não diz respeito a essas espécies enquanto
efeitos segundo a ordem essencial . De facto, ela não poderia
cau s ar o que é excedido sem que antes causasse o que é
eminente, o que é evidentemente fal so qualquer que seja a causa.
Pois se o contrário i nferior é produzido por essa causa, sem que
o contrário mais nobre tenha sido produzido por nenhuma causa,
então não se ordenari am assim em relação a nenhuma causa.
Mais ainda: se algum emi nente não é causa do excedido,
nem efeito mais próximo da causa de ambos, então o que é
excedido não depende essencial mente do eminente. Esta
consequência torna-se evidente a partir da ú l tima conclusão
demonstrada (26).
Para uma maior abundância aduno a proposição conversa
da presente conclusão :
DÉCIMA QUARTA CONCLUSÃO : Nem tudo o que depende
é excedido por aquilo de que depende.
É evidente: um composto depende da matéria, embora sej a
muito mais perfeito do que ela. D o mesmo modo, a forma talvez
dependa da matéria - abordámos isto na nona conclusão - ,
e todavi a a forma é mais perfeita, conforme o sétimo l ivro da
Metafisica (27 ) . Também nos movimentos ordenados, o que é
posterior por geração depende do anterior, porque o anterior é
efeito mais próximo da causa de ambos, embora o posterior
sej a mais perfeito, segundo o nono l i vro da Metafísica e8).
60
2 1 . Em terceiro l ugar, para a suficiência desta divisão, proponho
esta conclusão geral de Aristóteles, que é bastante conhecida:
61
Física C'). Ora, o princípio é mais verdadeiro. Logo, o fim,
que inclui virtualmente aquela verdade, é mai s perfeito que o
suj ei to da conclusão.
62
CAPÍTULO III
63
que lhe possa pertencer; l ogo, o termo do movimento pode
começar e, desse modo, ser fei to.
64
ascendente é possível , posto que a defenderam para os seres
que geram i n fi ni tamente, sem que nenhum deles fosse o
primeiro, mas qualquer deles o segundo, e i sto defenderam eles
sem círculo. Para excluir esta objecção digo que os fil ósofos
não sustentaram a i nfinidade possível nas causas essencialmente
ordenadas, mas apenas nas causas acidentalmente ordenadas,
como aparece evidente no capítulo quinto do sexto l i vro da
Metafisica de Avicena, onde se fala da infinidade dos indivíduos
numa espécie C).
Mas, para mostrar o que se pretende dizer, passo a expor
quais são as causas essenci al mente ordenadas e acidentalmente
ordenadas . Em relação a este assunto i mporta saber que não é a
mesma coisa falar de causas «por si» e «por acidente», e de
causas essencialmente ordenadas ou «por s i » e de causas
acidentalmente ordenadas. Com efeito, no primeiro caso, só há
uma comparação de uma para o outro, da causa para o causado,
e a causa é «por si» ao causar pela sua própria natureza e não
por algum acidente seu. No segundo caso, há uma comparação
de duas causas entre si enquanto um efeito depende delas.
As causas essencialmente ordenadas ou <<por si» diferem
de três maneiras das causas acidentalm en te ordenadas . A
primeira diferença é que nas causas ordenadas «por si» a causa
segunda depende da primeira para causar; nas ordenadas «por
acidente» não, ainda que a segunda dependa da primeira no ser
ou em algum outro aspecto. A segunda diferença é que nas
causas ordenadas <<por si» há uma causalidade de razão e de
ordem diversas, porque a superior é mais perfeita; nas causas
acidentalmente ordenadas não. E esta segunda diferença deri va
da primeira; com efeito, nenhuma causa depende essencialmente
na ordem da causal idade de uma causa da mesma razão, porque
na causação de uma coisa é suficiente uma causa sú de u m a
mesma razão. Segue-se uma terceira diferença, a d e q u e para
causar se exigem necessari amente em simul tâneo todas as
causas ordenadas <<por si». S e assim não fosse, fal t ari a ao efeito
65
alguma causalidade «por si»; às causas acidentalmente ordenadas
não se exige a simultaneidade.
66
L� lll v i rtude de outro , j á que causaria i mperfeitamcn i L� por
depender de outro para causar.
Quinta prova: porque o efectivo não implica necess a
ri amente nenhuma i mperfeição; evidenci a-se com a oi tava
proposição do segundo capítul o C). Logo, pode dar-se cm
alguma natureza sem imperfeição. Mas se não se pode dar c m
nenhuma sem dependência de um anterior, não pode dar-se em
nenhuma sem imperfeição. A efecti vidade independente pode,
portanto, pertencer a uma natureza. Esta será absolutamente
primeira; logo uma efectividade absolutamente primeira é
possível . B asta isto, por ora, uma vez que mais adiante concluir
-se-á daqui que ela exi ste na realidade. Desta maneira, por estas
cinco razões, A torna-se clara.
(') Pela qual s e viu que as causas extrínsecas nilo i 1 11p l i c a ! l l ncn·ssari;ul lc' l l ll"
nenhuma imperfe i ç ão ; Cap. II, cone!. 8, � I S .
67
efectivos então essa natureza não causa em virtude de outro.
E ainda que se sustente que essa natureza seja causada em algum
singular, em outro singular ela é todavia incausada, que era o
que se pretendia provar acerca da natureza primeira. Se a pomos
como causada em qualquer i ndivíduo, a negação da ordem
essencial i mplica contradição. É que na ordem essencial não se
pode pôr nenhuma natureza em qualquer indivíduo como
causada, pois, como se vê por B, sob ela está compreendida
uma ordem acidental , sem ordem essencial ordenada a outra
natureza.
( ") <<Algum efectivo é absolutamente primeiro, isto é, nem efectível nem efectivo
em virtude de outro»; Cap. l l l , cone!. 2, � 27.
( '') «Ü que não é 'efectuado' não é 'finido ' » ; Cap. 11, cone ! . 5, � 1 2 .
( 10) « Ü que não é 'efectuado' não é 'materiado ' » ; Cap. 1 1 , cone!. 6 , § 1 3 .
( 1 1) <<Ü q ue não é ' materiado' não é ' formado ' , e vice-versa» ; Cap. I I , cone!. 7,
§ 1 4.
( '2) <<Ü que não é causado por causas extrínsecas. não é causado por causas
i ntrínsecas»; Cap. II, cone!. 8, § 1 5 .
68
JJrimeiro existe em acto e uma natureza actualmente exis t e n l l '
é efectiva dessa maneira.
Prova-se: se aquilo a cuj a noção repugna o poder exist i r
por outro pode existir, é por si mesmo que pode existir. À noção
do efectivo absolutamente primeiro repugna o poder existir por
outro, como consta da terceira conclusão < 1 3l; mas pode existir,
como consta da segunda prova de A < 1 4l. Sobretudo da sua quinta
prova C l Sl , que parecia menos concludente embora de facto
conclua. Poderiam trabalhar-se outras provas quer quanto à
existência, que seriam contingentes embora evidentes , quer
quanto à natureza, à quididade e à possibil i dade, assentes em
premi ssas necessárias . Por conseguinte, um efectivo absoluta
mente primeiro pode existir por si. O que não é por si não pode
existir por si, porque então o não-ser faria com que algo passasse
a ser, o que é i mpossível . Mais ainda: causar-se-ia a si mesmo
e, assim, não seria completamente incausável .
Pode decl arar-se esta quarta conclusão de outra maneira.
É i mpróprio que ao universo falte o supremo grau possível no
ser.
A par desta quarta conclus ão, note-se um corol ário: o
primeiro efectivo não só é anterior aos outros como também é
contraditório com ele que exista outro antes . Assim, enquanto
é primeiro, existe. Prova-se como a quarta conclusão: na noção
dele está incluída a i ncausabilidade no mais alto grau . Logo, se
pode existir, porque não é contraditório com a sua entidade,
então pode existir por si, e, por isso, exi ste por s i .
69
em relação à sua existência exclui toda a causa distinta de s i ,
intrínseca o u extrínseca.
Prova: nada pode não ser, excepto se se puder dar alguma
coi sa i ncompassível com isso, positiva ou privativamente, pois
pelo menos um dos contraditórios é sempre verdadeiro. Nada
positiva ou privativamente incompassível com o i ncausável
pode ser, dado que ou sê-lo-ia por si ou por outro. Não poderia
ser da primeira maneira, porque então existiria de facto por si
- pe l a quarta conclusão ( 1 6) - e os i ncompossíveis dar-se-
-iam em simultâneo; ou, por i gual razão, nenhum dos dois
existiria, pois reconheces com aquele i ncompassível que o
incausável não existe, e assim se segue também o i n verso .
Também não pode ser d a segunda maneira, porque nenhum
efeito recebe da sua causa um ser mais intenso ou mais poderoso
do que aquele que o incausável tem por si mesmo, isto porque
o efeito para ser é dependente e o incausável não. Acresce que
a possibi l idade do causável para ser não implica necessaria
mente a sua existência actual, tal como sucede com o incausável.
Mas n ada de incompassível com o que j á existe pode ser por
uma causa, excepto se del a receber um ser mais i ntenso ou
mais poderoso do que o ser do seu incompassível.
70
rormalmente necessárias, então seriam necessárias d u as vezes,
visto que essa n atureza não inclui formalmente a natureza
comum, tal como a diferença não inclui o género. Parece, porém,
impossível, que algo sej a primariamente necessário por uma
actualidade menor e não o seja nem primariamente nem em si
por uma actualidade maior.
A segunda i mpossi bi l i dade é a de que, pela natureza
comum, medi ante a qual se supõe que cada uma das naturezas
é prim ariamente necessária, nenhuma das duas seria um ser
necessário, porque nem uma nem outra existe suficientemente
por aquela natureza. É que qualquer natureza é aquilo que é
pelo ú l timo elemento formal . Mas aqu i l o pelo qual algo é um
ser necessário é o que faz com que alguma coisa se efective,
sem mais.
Se dizes que a natureza comum, prescindindo das naturezas
distintivas, é suficiente para que um ser exista, então essa
entidade comum seri a por si actua l e i ndi sti nta, e , por
consegu i nte, i ndisti ngu ível , porque um ser necessário j á
existente não está em potência para existir em sentido absoluto.
O ser do género na espécie é um ser em absoluto desse ser
necessário.
M ai s : duas naturezas sob o mesmo género comum não são
do mesmo grau . Prova-se, pelas diferenças que dividem o
género: se são desiguais, então o ser de uma será mais perfeito
do que o ser de outra; nenhum ser é mais perfeito do que o ser
necessário por si.
71
que tem o ser mais perfeito e nenhum ser é mais perfeito do
que aquele que é necessário por s i . De igual modo, não haveria
ordem entre uma natureza e as partes do uni verso, porque,
embora um universo tenha uma só ordem, há uma só ordem
para um primeiro. Prova: porque se se põem duas naturezas
primeiras, a natureza próxima da primeira não teria uma única
ordem ou uma única dependência, mas duas, porque haveria
dois termos de referência. O mesmo se diga a respeito de
qualquer n atureza i n feri or. Haveria, portanto, em todo o
universo, duas ordens primeiras, e, por isso, dois universos, ou
então só haveria ordem para um ser necessário e não para mais
nenhum outro.
72
SÉTIMA CONCLUSÃO: Nos seres há uma natureza que I'
.finitiva.
Prova-se: há algo finível . Prova: porque há algo efectível ,
como se comprova pela primeira conclusão deste capítu lo c�) ;
logo, também há algo finível. A consequência é clara, pela quarta
conclusão do segundo capítul o e0). Isto é ainda mais evidente
na ordem essencial do que o foi em relação ao efectivo, pela
décima sexta conclusão do capítul o segundo (2 1 ) .
(1'1) <<Nos entes, existe alguma natureza 'efectiva'»; Cap. l l l , con e ! . I , � 2.'i .
('") <<Ü que não é 'fi nido' não é ' efectuado' >> ; Cap. I I , com:!. 4, � 1 1 .
('') <<Todo o 'finido' é excedido>> ; Cap. I I , cone! . 1 6, � 22.
(22) Cf. Cap. I II, cone!. 2, � 29.
('1) <<Ü que não é 'fi nido' não é 'efectuado' » ; Cap. I I . conL·I. 4, � 1 1 .
e"l Cf. Cap. I II, cone!. 3, s 32.
( 25) Cf. Cüp. I II, cone!. 4, � 33.
(2") Cf. Cap. III, cone!. 4, � 33.
73
39. Dadas estas quatro conclusões referentes às duas ordens de
c au s a l i dade e x t r í n s e c a , prop o n h o a g o r a m a i s q u atro
semelhantes, em relação à ordem da eminência. A primeira é a
segui nte:
(") <<Nos seres h<i uma natureza que é finitiva»; Cap. l l l . cone ! . 7. � 3 8 .
('") «Todo o 'finido · é excedido»: Cap. I I . cone!. 1 6, � 22.
e''l ARISTÓTELES - Mewphysico V I I I 3 ( 1 043 b 3 3 ) .
( "'l Cf. Cap. I I I . cone! . 2, � 29.
(11) «Todo o 'finido' é excedido>>; Cap. 1 1 , cone! . 1 6, � 22.
(12) «Ü que não é ' fi nido' não é 'efectuado' » ; Cap. I I . cone! . 4, � II.
(" ) Cf. Cap. I I I , cone!. 3 , � 3 2.
( ") Relativa à impossibilidade de uma infinidade acidental; Cap. I I I , cone!. 2, � 30.
74
DÉCIMA QUARTA CONCLUSÃO: A natureza suprema é u 1 n;1
natureza existente em acto.
Prova-se como a quarta conclusão deste capítul o 05>.
Corolário: é contraditório que alguma natureza sej a mais
perfeita do que a natureza suprema ou que seja superior a ela.
Prova-se tal como o corolário da quarta conclusão anterior 06>.
75
Prova da menor: porque então muitas naturezas seriam
seres nece s s ári o s , na sequênci a da segunda prop o s i ção
formul ada (42) .
Mais ainda: a conclusão proposta prova-se pelo i ncausável ,
dado que ele é o único primeiro. Mas o que é primeiro com
qualquer uma das ditas primazias é incausáve l ; logo, etc. (43)
Prova da maior: como é que uma mul tidão poderia ser por si?
76
termo total da sua dependência. Com efeito, um já não é su ri
cientemente o termo se o dependente ainda depende do ou lro
que falta. De modo semelhante, dependeria de algo sem cuj a
existência continuaria no entanto n a mesma ordem d e ser.
Entender, além disso, que existiria n a mesma ordem, vai contra
a noção de dependência.
(4') <<É impossível que o mesmo ser dependa essenc ialmente de dois. ''nl L' ada
um dos quais termine totalmente a sua dependência>>; C'ap. l l l , cLHK I . 16, � 42.
(46) ARISTÓTELES Metaphysica X I I 1 O ( I 075 a I R ) .
-
77
para a uni dade e a escassez em número. Logo, é necessário
parar no uno.
Outro. A causal idade de uma causa superior estende-se a
vários efeitos. Em conformidade, quanto mais se sobe menos
causas serão precisas. Logo, etc (47). Esta prova clarifi ca a
imediatamente anterior.
Terceira (que parece ser cl ara em relação ao primeiro emi
nente): se é impossível que duas naturezas não estej am orde
nadas entre si, quer dizer, de forma a que uma não exceda a outra
- nisto são comparáveis aos números -, é muito mais impos
sível que sej am duas as naturezas num mesmo primeiro grau.
Uma outra, acerca do fim: nenhum fim seria, então, capaz
de aquietar os outros fins distintos dele ; uma vez que isto é
ininteli gível, segue-se a conclusão como a anterior.
Quinto: em caso contrári o, nenhuma natureza conteria
virtualmente a perfeição de todas as demais naturezas ; dado
que i sto é i n i nte l i gível sem contradi ção, nenhuma seri a
perfeitíssima.
78
(quinto l ivro da Metafisica (48 )) e também o perfei to e o t ml( )
se i dentificam (terceiro l ivro da Física (49)) . De igual modo, SL'
evidencia que o bem é apetecível (primeiro l ivro da Ética ( '11 ) )
e c o m u n i c at i v o ( s e g u n d o Avi ce n a n o s e x t o l i v r o d a
Metafisica C 1 )). Mas não se comunica nada de uma maneira
perfeita a n ão ser que se comunique por l iberalidade. lslo
convém verdadeiramente ao sumo bem, o qual não espera
nenhuma retribuição ao comunicar-se, o que é específico da
l i beralidade, de acordo com Avicena, no capítul o quinto do
mesmo l i vro C2) .
79
uma das três ordens - é um ser necessário por si. Logo, só
uma natureza é que n ã o é posterior em qualquer espécie de
posterioridade. Por conseguinte, qualquer outra natureza é assim
triplamente po sterior. A segunda proposição deste argumento é
evidente pela terceira C5), nona (56) e décima terceira conclusões
deste capítu lo (57 ) . Acrescente-s e a cada uma delas a sexta
con clus ão deste capí tu l o C8) .
''
( ) « U m efec tiv o absolutamente primeiro é incausável, porque é i nefectível e
é efectivo independ e nte » ; Cap . III, cone\. 3, � 32.
( '") << 0 pr i m e i ro finit ivo é incausável»; Cap. Ill, cone!. 9, � 38.
( '7 ) << A n at ureza suprem a é incausável>>; Cap. III, cone!. 1 3 , � 39.
( '") << A nec essida de de existir por si pertence a uma só n atureza>>; Cap. III,
cone!. 6. � 3 5 .
( 59 ) << 0 q u e não é posterio r ao anterior também não o é ao posterior»; Cap. I I ,
cone! . 3 , � 9 .
( "0) << 0 q u e não é posterior a o anterior também não o é ao posterior»; Cap. I I ,
cone! . 3 , � 9.
( '" ) << 0 q u e não é ' finido ' não é 'efectuado'»; Cap. I I. cone!. 4, � I I .
( "2 ) <<Ü q u e não é ' efectuado ' não é 'finido'»; Cap. II, cone!. 5, * 1 2.
80
pri meiro fi m , é e v i dente pelo argumento imcdiatai11L' I I ll'
precedente (6 3) .
De i gual maneira, agora para a emmencia: se tudo � o u
supremo ou excedido p e l o s upremo, então ou é primeiro
efi c i ente ou «efectuado » , pois também os membros dest a
disjunção são convertívei s, de acordo com a penúltima (''1) c a
última conclusão do segundo capítul o (65) e a décima quinta
conclusão deste capítu l o terceiro (66 ) .
Além do mais, pôr-se um ser que não tenha nenhuma ordem
é bastante i rracional , como se mostra na segunda razão da sexta
conclusão (67) e, de alguma maneira, na prova da décima sétima
conclusão deste capítu l o (68) .
XI
anterior. Não há nenhum, porém, que não sej a ou anterior ou
posterior. Tu és o único primeiro e tudo o que é distinto de ti é
posterior a ti , tal como declarei, conforme pude, ao tratar da
tríp l ice ordem.
82
CAPÍTULO IV
Simplicidade, infinidade
e intelectualidade do Ser Primeiro
forma.
83
Mai s : não tem perfeições diversas, de alguma maneira
realmente distintas, às quais se possa ir buscar a noção de género
e de diferença. Prova-se i sto pel a primei ra prova da sexta
conclusão do capítu l o terceiro C): porque ou uma dessas
perfeições , segundo a sua própria noção, seria aquilo pelo qual
o todo seria primariamente um ser necessário, e a outra perfeição
nem primariamente nem por si - em cujo caso, estando as
demais incluídas essencialmente no todo, o todo n ão seria u m
ser necessário, porque incluiria formalmente o não-necessário
-; ou, se o todo fosse primariamente um ser necessári o por
ambas as rea l i dades, seria duas vezes necessári o e teri a
primariamente dois seres, nenhum dos quais i ncluiria essen
cialmente o outro. Analogamente, uma e outra não seria uma e
outra, pois por elas não se daria o uno, se cada uma delas desse
primeiramente o ser necessário. Cada uma del as seria, com
efeito, a actual idade última e desse modo ou nada de idêntico
se produziri a por elas ou elas em nada se diferenciari am umas
das outras, e assim não seriam duas .
Corolário: a natureza primeira não está compreendida pelo
género. É o que se torna patente por este último argumento.
Todav i a prova-se: a n atureza compreen dida pelo género
exprime-se toda ela na definição em que o género e a diferença
não significam totalmente o mesmo, o que equi valeria a uma
negação . O contrário disso encontra-se numa natureza simples
ass1m.
84
lal ha. Argumenta-se contra a segunda de modo p a reci do : cada
1 1 1 11a das realidades seria a última actualidade ou uma d e l a s n ão
seri a necessária.
Respondo: em tudo o que se distingue pelas noções formais,
se é componível como acto e potência ou como duas entidades
capazes de actual izarem o mesmo, se uma del as é infinita, pode
incluir a outra por identidade; e inclui-a mesmo, de contrário o
infi nito seri a componível , o que se reprovará na nona conclusão
deste capítulo e). Mas se é fi nita, não inclui por identidade a
que é primeiramente diversa na sua noção formal , posto que
um tal finito é perfectível por ela ou com ela componível . Então,
ao s ustentar-se que o ser necessári o tem du as real idades,
nenhuma das quais contém a outra por identi dade - o que se
requer para haver composição -, segue-se que uma delas não
seria um ser necessário nem formalmente nem por i dentidade,
ou que o todo seria duplamente necessário. E assi m val idam-se
ambas as provas .
As objecções baseadas na pessoa divina não valem, porque
estas duas realidades não fazem composição, antes uma é a
outra por identidade, por ser i nfin ita.
E se obj ectas : «Digo, ao caso, que há uma composição c
duas realidades no ser necessário, mas que uma é infinita» ,
contradizes-te dup l amente. Pri meiro, porque o i nfi n i to é
i ncomponível enquanto parte de outra realidade, j á que a parte
é menor que o todo. Segundo, porque se pões uma composição,
nenhuma das realidades é a outra por identidade. Assim sendo,
ambas as provas decorrem.
xs
porque é idêntico a ela. Aliás, se se pudesse conceber algo que
excedesse a sua entidade poderia também conceber-se que a
natureza é excedida segundo a sua entidade, a qual é idêntica à
entidade do que lhe é i ntrínseco.
86
54. Provo a terceira conclusão, entendida desta maneira : a
perfeição s i mples tem em rel ação a todo o i ncomposs ívcl
alguma ordem segundo a n obreza, n ão no sentido de um
e x c e d i d o ( p e l a defi n i ç ã o ) , mas de um e m i n e n t e . Por
conseguinte, ou é i ncompassível com a natureza suprema, por
excedê-la, ou compassível com ela, e pode por isso i nerir nela,
i nclusive em sumo grau, pois é compassível com ela se é
compassível com algum ser. É -lhe inerente tal como é com
possível com ela. Todavia, não inere nela como um acidente
contingente; l ogo, é-lhe inerente ou por identidade ou, pelo
menos, como um atri buto próprio. Tem-se deste modo provado
o que havia que provar, a saber, que ela é necessariamente
inerente.
Ora, que não existe nela acidentalmente, como acidente
conti ngente, provo-o : em toda a perfei ção que não sej a
incompatível com a necessidade, o que a possui necessariamente
possui-a de uma maneira mais perfeita do que aquele que a
p o s s u i d e m a n e i r a c o n t i n g e n te . A n e ce s s i d ade n ão é
i ncompatível com a perfeição simples, porque nesse caso uma
perfeição i ncompassível com ela excedê-la-ia, isto é, como uma
que é ou pode ser necessária. Mas nada pode possu i r uma
perfeição simples de um modo mais perfeito que a natureza
primeira - segue-se da segunda conclusão deste capítulo <6>.
Logo, etc m_
( '') «Tudo o que é intrínseco à suma natureza é-u sumameJ l l e " : ( 'ap. I V. l'< J J l c l . . ' .
§ 52
(') ÜLI seja: logo, a natureza primeira possui-a necessari a J J l l ' J J ! t · .
87
Provo-a: o primeiro é agente por s i , pois, de acordo com o
segundo li vro da Física, a causa por si é anterior a toda a causa
acidental (8). Todo o agente por si age por causa de u m fim .
Daqui, o poder argumentar-se de duas maneiras :
Primeira: todo o agente natural, como tal considerado ,
agiria necessariamente e da mesma maneira se não agisse em
vi sta ele nenhum fim e fosse independente; logo, se não age
senão por um fim é porque depende de um agente que ama o
fim ; portanto, etc C).
A segunda é a segui nte: se o primeiro eficiente age com
vista a um fim, então esse fim faz mover o primeiro efici ente
ou enquanto amado por um acto da vontade, e a conclusão
proposta é ev idente, ou move-o enquanto amado apenas
natural mente. Isto é falso, porque o primeiro eficiente não ama
naturalmente um fim distinto ele si, tal como o grave ama o
centro e a matéria a forma; nesse caso, estaria de alguma
maneira ordenado a um fim posto que se inclina para ele. Se
apenas ama naturalmente o fi m, que é ele próprio, i sso só quer
dizer que ele mesmo é ele mesmo; não é assim que nele se
salva a dupla razão ele causa.
Mais: o primeiro eficiente dirige o seu «efectuado» para o
fim . Então, ou o dirige naturalmente ou pelo amor elo fim . Não
é da primeira maneira, porque aquele que não conhece só dirige
em v irtude de outro que conhece - a primeira orientação é ele
facto própria daquele que sabe ('0) - e o primeiro eficiente
não dirige, tal como nem sequer causa, em virtude de outro.
88
l llovida necessariamente pela primeira, toda a outra c a u s a ser; i
movida necessariamente e todo o efeito será causado tcmh6n 1
necessariamente. Prova da segunda consequência: só a vontade
ou al go que a acompanhe é princípio de operação contingente,
pois qualquer outra causa age pela necessidade de natureza c,
por isso, não contingentemente.
Obj ecta-se contra a primeira consequência: o nosso querer
pode causar algo contingentemente. Mai s: o Filósofo concedeu
o antecedente, mas negou o consequente quando se referiu ao
querer de Deus, atribuindo a contingência aos seres inferiores,
pelo movimento, o qual , enqu anto é uniforme, é causado
necessari amente, embora o sej a contingentemente na medida
em que a disformidade se deve às suas partes.
Contra a segunda: algumas coisas movidas podem ser
impedidas e assim pode acontecer contingentemente o oposto.
Resposta à primeira objecção: se há um primeiro eficiente
relativamente à nossa vontade, del a se há-de seguir o mesmo
que rel ati vamen te aos demais efeito s . Porque o pri meiro
eficiente ou move i mediatamente a nossa vontade de um modo
necessário ou move imediatamente outro ser, e o que é movido
necessariamente também move necessariamente, pois move na
medida em que é movido, até que por fim um eficiente próx imo
moverá necessariamente a nossa vontade; e assi m ela quererá
necessariamente. Segue-se, além do mais, algo de i mpossível ,
que ela causa necessariamente o que causa voluntari amente.
Resposta à segunda: não chamo conti ngente, aqu i , ao que
não é necessário nem sempiterno, mas àqu i l o cuj o oposto
poderi a ser fei to quando aquilo é fei to. Por isso disse: «algo L;
causado contingentemente» e n ão «algo é contingenk» . Dig o
apenas que o Filósofo não pôde negar a consequência sa l v a n d o
o antecedente pelo m o v i mento, porque s e todo a q t � c k
movimento provém necessari amente da sua causa, q t � a l q l l n
das suas partes é causada necessariamente ao ser c a l l s a d a , i s t o
é , i nevi tavelmente, pelo que então o oposto n ã o J H H i l- ser
causado. E mais ainda: o que é causado por u m a p arle q t � : l i q l l n
do movi mento é-o necessariamente, isto é, inevi tavc l l m'nle.
Logo, ou nada se faz contingentemente, i s t o L\ cvi tavcl nlcn lc,
X9
ou o primeiro eficiente causa, inclusive imediatamente, de tal
maneira que poderia não causar.
Resposta à terceira: se outra causa pode impedir esta, pode
impedi-la em virtude de uma causa superior, e assi m até à causa
primeira. Se esta move necessari amente uma causa que lhe é
imediata, haverá a necessidade em toda a ordem de causas até
se chegar àquela que i mpede. Logo, i mpedirá necessariamente.
Logo, em tal caso, uma outra causa n ão poderia causar
conti ngentemente um efeito.
58. Alguns provam esta conclusão por uma sexta via, retirada
90
da terceira conclusão demonstrada acima C2) : porque eks
supõem como evidente que o entender, o querer, a sabedori a c
o amor são perfeições absolutas.
Mas não se vê por que razão é que se pode concluir que se
t rata de perfeições absolutas, mais do que a natureza do primeiro
anj o . Se de facto tomas «sabedoria» denominativamente, ela
será melhor do que todo o denominativo incompassível com
ela, mas não provaste que o primeiro é «sábio». Digo que cais
numa petição de princípio. Só podes concluir que o «sábio» é
melhor do que o «não sábio», excluindo o pri meiro. Deste modo
o primeiro anjo é melhor do que todo o ser tom ado denominati
vamente, incompass ível com ele, à excepção de Deus. E o que
é mais, a essência do primeiro anjo, em abstracto, pode ser
melhor do que a «sabedoria» em absoluto.
Dirás: «a essência do primeiro anjo repugna a muitos;
portanto não é melhor den o m i nati v amente para todo s » .
Respondo : nem sequer a s abedoria é melhor para todos
denominativamente ; repugna a muitos.
D i rás : «seri a melhor para todos se ela pudesse i nerir em
todos; seria melhor para um cão se el e fosse sábio». Respondo:
então, seria melhor para o primeiro anjo, se ele pudesse ser
cão, e para o cão seri a melhor se pudesse ser o primeiro anjo.
Dirás : «pelo contrário, isso destruiria a natureza do cão,
pelo que não seria bom para o cão» . Respondo: também «ser
sábio» destruiria a sua natureza. Não há diferença, a não ser
que «anjo» destrói como uma natureza do mesmo género c
«Sabedoria» como uma de um outro género, mas incompossívcl ,
todavia, porque «sábio» determina para s i enquanto sujeito uma
natureza do mesmo género que é i ncompossível ; o que u 1 1 1
sujeito repugna primariamente, u m atributo do sujeito repugna o
por si, apesar de não primariamente. A maneira v u l gar de fa l a r
sobre a perfeição absoluta vacila bastantes vezes.
Mais: parece chamar-se intelectual ao grau s u pre m o de u 1 n
género determi n ado, como a substân c i a . D e o n d e , l' l l l ã o ,
91
concluir-se que é uma absoluta perfeição? Relativamente aos
atri butos do ser em comum, não é assim ; eles seguem-se a todo
o ser ou como atributos comuns ou como disjuntivos.
Se algum protervo disser que todo o denominativo primeiro
de qualquer género generalíssimo é uma perfeição absoluta,
como é que o haveri as de refutar? É que ele estaria a dizer que
qualquer denominativo desse tipo era melhor que qualquer outro
incompassível com ele, se o tomarmos denominativamente, pois
os incompossíveis não são senão denomi nati vos do seu género,
a todos os quais excede. Se o entendermos em rel ação às
substâncias denominadas enquanto denominadas, dir-se-á uma
coisa parecida: se a substância é determinada, determina o que
é mais nobre para s i ; se não determi nar, pelo menos todo o
suj eito, enquanto é denomi n ado por ele, é melhor do que
qual quer outro sujeito, enquanto este é denominado por um
outro denominativo i ncompassível com ele.
92
Mai s : se a terceira prova da conclusão anterior, n a q u a l
esta se apoia, conclui bem, então não há contingência de u m a
qual quer causa segunda na ordem da causalidade a não ser que
haja contingência no querer do primeiro princípio. Porque assim
L·omo a necessidade no querer do primeiro princípio leva a
concluir a necessidade de qualquer outro na ordem da causal i
dade assim a sua determinação no querer l evaria a concluir a
determinação de qualquer outro no causar. Mas a sua determi
nação no querer é eterna ; Jogo, qualquer causa segunda está já
determinada antes de agir, e por isso não está em seu poder
determinar-se para o oposto.
Isto ainda se esclarece mais: se no poder da causa segunda
está o determi n ar-se para o oposto, segue-se que com a
determinação no querer da causa primeira está a indeterminação
no causar da causa primeira, porque não está em seu poder
fazer a causa primeira i ndeterminada. E se com a determinação
ela primeira causa está a i ndeterminação ela segunda, parece
que com a necessidade da primeira causa está a possibilidade e
a não-necessidade da segunda. Por conseguinte, ou a terceira
prova nada vale ou a nossa vontade não parece ser l i vre por s i
para o s opostos.
Mai s : se a primeira causa determi nada determina, como é
que uma causa segunda pode sequer mover para algo cujo
oposto a primeira causa moveri a caso movesse, como s u cede
com a nossa vontade pecadora?
Uma quarta objecção: todo o efectuar seri a contingenll'
porque depende da eficiência do primeiro princíp i o . q u e 0
conti ngente.
Trata-se de dificuldades, cuja plena e clara solução req un
muitas exposições e explicações . El as devem ser bu scadas 1 1 : 1
questão que disputei acerca d a ciência de Deus c m rc l a �·ão ao�
futuros contingentes ( '4).
93
60. SEXTA CONCLUSÃO: Para a primeira natureza, amar-se
é idêntico à natureza primeira.
Esta conclusão provo-a assim : a causal i dade e a causação
da causa final é absolutamente primeira, pel a quarta concl usão
do segundo capítul o C5). Por isso, a causal idade do fim primeiro
e a sua causação é inteiramente incausável segundo qual quer
causação em qualquer género de causa. Mas a causali dade do
fim primeiro consiste em «mover o primeiro efi ciente enquanto
amado», que é o mesmo que «O primeiro eficiente ama o
primeiro fim » . Dizer «Um objecto é amado pel a vontade»
equivale a dizer «a vontade ama um objecto». Logo, «O primeiro
eficiente ama o primeiro fim» é i nteiramente incausável, e assim
é em s i um ser necessário, pela quinta concl usão do terceiro
capítul o C 6 ). E assim será idêntico à natureza primeira, pel a
sexta conclusão do mesmo capítulo ( 1 7 ) . Esta dedução é evidente
pel a décima quinta conclusão do terceiro capítul o ( ' 8).
Deduz-se a conclusão de outra maneira, e voltamos ao
mesmo resultado: se «O primeiro se ama a si mesmo» é distinto
da natureza primeira, segue-se que é causável, pel a conclusão
décima nona do terceiro capítu lo ( ' 9). Logo, é efectível , pel a
quinta conclusão do segundo capítul o ( 2°) . Portanto, é-o por
um eficiente por si, pela prova da quarta conclusão deste mesmo
capítul o ("!) ; l ogo, é efectível por algo que ama o fim, pela
mesma prova. Por conseguinte, «O primeiro ama-se a si mesmo»
94
·.l-ria causado por algum amor do fim anterior a ele, o q u l' l'
l l lljlOSSÍVel .
{'") <<0 primeiro eficiente é inteligente c dotado de vontade»: Cap. I V. collc I ·I.
� 55
(") Cf. ARISTÓTELES - MelriJJhysica X I I 9 ( 1 074 b 27 - 2fl).
e'•) Complete-se: i mplica trabalho.
(") ARISTÓTELES - Metaphysica X I I 9 ( I 074 h 27 - 2fl).
(") Cf. TOM Á S de AQUINO · Sentcntiar11111 I , d. 3 5 , q . I . ad .i: I I >. Sun1111t1
11!eologiac I, q. 14, a. 2 in corp.
95
consequência não vale. Exemplo: um anjo conhece-se, ama-se;
no entanto, o seu acto não é idêntico à substância.
96
s inal pelo qual o concebemos como causando ou querendo,
concebê-mo-lo necessariamente como entendendo A. Sem esta
i ntelecção não pode efectivar por si A bem como demais efeitos.
('0) <<Para a primeira natureza, amar-se é idêntico à natureza pruncira>>, < ' a p . I V.
cone!. ó, § 60.
('') <<Tudo o que é intrínseco à suma natureza é-o sumamente»; Cap. I V, mnd . 2.
* 5 2.
( n) <<Para a primeira natureza, amar-se é idêntico à naturet.a primeira» ; < 'ap. I V.
cone ! . 6, § 60.
I ( '' ) Completa-se: logo. não pode ser acidental.
I
/
I �
diferente; assim também o entender não pode ser diferente ou
então é o mesmo para todos os objectos . Respondo : trata-se de
uma falácia de acidente, concluir da identidade absoluta de duas
coisas entre si a identidade com uma terceira, em rel ação à
qual são estranhas ('4). Um exempl o : o entender do primeiro é
idêntico ao querer; l ogo, o objecto do entender será idêntico ao
do querer. Não se segue. Há um querer que é do mesmo objecto
do ente nder, de maneira que a i nferênc i a pode fazer-se
separadamente, mas não conj untamente, devido à relação
acidental .
Também se argumenta assim: o entendi mento do primeiro
tem um acto adequado a si e coeterno, porque o seu entender é
i dêntico a s i . Logo, não pode ter outro. A consequência não
vale: caso do argumento do bem-aventurado que vê Deus e ao
mesmo tempo vê outra coisa; ainda que vej a Deus no ú l timo
grau da sua capacidade, tal como se pensa acerca da alma de
Cristo, pode todavia ver outra coisa.
Mais se argumenta: por identidade aquele entendimento
tem em si a máxima perfeição de entender. Logo, tem também
todas as demai s . Respondo : não se segue; porque outra
perfeição, que fosse menor, poderia ser causável e, portanto,
di stinguir-se da i ncausável ; a máxima não o pode.
98
l lt t l ro l ado, o i ntelecto do primeiro não pode ter nenhuma o u l ra
t t tlclccção que lhe não sej a idêntica, como se segue da concl us;ío
: t t t lcrior C6). Logo, tem para todo o inteligível um inteligir aclual
� · distinto, o que se identifica com ele.
Também se argumenta a favor desta primeira parte da
\·onclusão de uma maneira diferente, a saber: o artífice perfeito
nmhece distintamente tudo o que há-de fazer antes de o fazer.
De contrário não actuaria perfeitamente, pois o conhecimento
\' a medida da sua operação. Logo, Deus tem conhecimento
di stinto, actual ou pelo menos habitual , de tudo o que é produ
l ívcl por ele, conhecimento que é anterior ao que é produtível .
Obj ecta-se: basta uma arte universal para produzir os
singulares C7).
Prova-se assim a segunda parte da conclusão, a relati va à
prioridade do conhecimento: tudo o que é idêntico ao primeiro
é um ser necessário por si, pela quinta conclusão do terceiro
c ap ítul o C8) e a pri meira do quarto ('9) . Mas o ser dos
i ntel igíveis distintos dele não é necessário, segundo a sexta
conclusão do terceiro capítulo (40) . Um ser necessário por si é
por natureza anterior a todo o não-necessário.
Prova-se de outra maneira: o ser de tudo o que é distinto
do primeiro depende del e como causa, pel a décima nona
conclusão do terceiro capítul o (4 1 ) . E como é causa de um
determinado ser, necessariamente inclui o conhecimento deste
pel a parte da causa; l ogo, aquele conhecimento é por natureza
anterior ao próprio ser do que é conhecido.
99
67. Ó profu ndidade das riquezas da sabedoria e da tua ciência,
ó Deus, pela qual compreendes todo o i nteligível ! Poderias
concluir para o meu fraco entendimento :
68. Não s ão, Senhor nosso Deu s , infinitos os i ntel igíveis, e não
estão em acto no entendimento que entende todas as cois as em
a c t o ? D e s t a m an e i r a , o e n t e n d i mento q u e os e n te n de
simultaneamente e em acto é infi nito. É assim o teu enten
dimento, nosso Deus, pela sétima conclusão já provada (42) .
Logo, a tua natureza, que se identifica com o teu entendimento,
é i nfinita.
Mostro o antecedente e o consequente deste entimema.
O antecedente: tudo que é i nfinito em potência, i sto é, que não
pode ter fim quando tomados os seus membros um depois de
outro, é i nfinito em acto, se todos os membros forem em acto
simultaneamente. Os intel i gíveis, como é evidente, s ão dess a
m an e i ra em rel ação a u m i nt e l ecto cri ado ; m as n o teu
entendimento s ão simultânea e actualmente conhecidos os
inteli gíveis que por um intelecto criado só o são sucessivamente.
Logo, são aí i nteli gi dos em acto uma i nfin idade de obj ectos.
Provo a maior deste s ilogismo, ainda que pareça bastante
evidente: quando todos aqueles objectos recebidos um após
outro existem em simultâneo ou são infinitos em acto ou s ão
(42) Deve ser antes a «oitava>> e não a «sétima>>: «Ü entendi mento do primeiro
princípio entende sempre cm acto, necessúria e disti ntamente tudo o que é inteligível
por natureza antes que o inteli gível exista em si>>: Cap . IV, cone!. 8 , s 66.
! 00
l 1 nitos em acto. Se são finitos em acto, então, tomados u m a
�q!,ui r ao outro, poderiam todos acabar por ser recebidos. Logo,
\ l' n ão podem ser tomados todos em acto, s e e x i s t e m
lOI
Contra a primeira obj ecção: em relação à própria razão de
entender argumenta-se também como em rel ação ao i ntelecto
e o seu acto de entender. Conclui-se urna maior perfei ção da
plural idade dos objectos de que é razão de entender, porque
convém que inc l ua eminentemente as perfeições de todas as
raz ões próprias de entender, cada uma das quais põe alguma
perfeição segundo a sua razão própria. Logo, infinitas perfeições
concluem uma perfeição i nfinita.
C o n tr a a segunda o bj ecção : é i mperfe i tamente que
entendemos os indivíduos numa razão universal, porque tal
c o m o m o s trei na q u e s tão da i n d i v i d u ação (43) não os
e n t en demo s em toda a sua enti dade posi t i v a . Logo, u m
entendimento que entenda u m i nteligível qualquer e m toda a
s u a razão de intel igibili dade positiva en tende as disti ntas
entidades positi vas dos i ndivíduos, as quais conferem uma
m aior perfeição na intelecção que a intelecção de um deles.
P orque a intelecção de toda a entidade absoluta positiva como
tal é u ma certa perfeição. De maneira diversa, ainda que ela
não existisse, o intelecto e o acto de entender não seri am menos
p erfeitos. Logo, não convém pôr no entendimento divino o acto
de compreender os indi víduos enquanto tais, o que está excluído
pel a oitava conclusão (44) .
Mais : conclui-se a infini dade dos inteligívei s em espécie
pel os números e pel as figuras, o que se confirma pelo capítulo
dez oito do décimo segundo l i vro d'A Cidade de Deus, de
Agostinho (45 ) .
1 02
causalidade, não parece poder causar sozinha um efei to tão
perfeitamente como com a segunda, porque a causalidade da
primeira só é diminuta em relação à causalidade simultânea de
ambas. Desta forma, se aquilo que passa a ser pel a causa segunda
e primeira conjuntamente o é muito mais perfeitamente só pela
causa primeira, a segunda não acrescenta à primeira nenhuma
perfeição. Mas o que se acrescenta a todo o finito acrescenta
alguma perfeição. Logo, uma tal causa primeira é i nfinita.
Para o nosso propósito: o conhecimento de um qualquer
o bj ecto é natural mente gerado pelo o bj ecto como cau s a
próxima, sobretudo o conhecimento p e l a vi são. Se aquele
conhecimento está presente a algum entendimento sem a acção
desse obj ecto, mas só em virtude de um outro objecto anterior
feito para ser sua causa superior em rel ação a semelhan te
c o n he c i mento, segue-se que aqu e l e o bj ecto s uperi or é
cognoscivelmente i nfi nito, pois um objecto inferior nada l he
acrescenta em cognoscibilidade. A natureza primeira é um tal
objecto superior, porque só pela sua presença no entendimento
p r i m e i r o , s e m que h aj a outro o bj ecto c o n cau sante, h á
conhecimento de qualquer obj ecto n o i ntelecto (segundo a
sétima conclusão deste capítulo (46l) e conhecimento perfei
tíssi mo (conforme a segunda conclusão deste capítul o (47>). Por
conseguinte, nenhum outro objecto inteligível lhe acrescenta
nada em cognosci bil idade. Logo é infinito; e é-o também em
enti dade, porque em tudo há uma rel ação directa entre a
cognoscibil idade e o ser.
1 03
Outra obj ecção: do facto de a causa primeira causar com
tanta perfeição sem a causa segunda como com ela não parece
seguir-se senão que tem a perfeição da causa segunda de um
modo mais perfeito que a própria causa segunda. Isto não parece
concluir a infinidade, porque uma perfeição finita pode ser mais
eminente que a perfeição da causa segunda.
Outra: ainda que na ordem da causalidade a causa segunda
nada acrescente à causa primeira, que causa até à sua última
potência, como provar que nada acrescenta no ser? Com efeito,
na produção da luz num meio transparente, se o sol causasse
tanta luz quanta o meio pudesse receber, um outro sol nada l he
acrescentaria, e no entanto tratar-se-ia de um acrescento no ser.
Da mesma maneira, no entendimento do primeiro princípio há
tanto conhecimento quanto pode haver em razão da presença
da natureza primeira enquanto objecto. Mas a causa segunda
não acrescenta nada ao causar, porque não lhe é próprio actuar
naquele intelecto que já está actualizado em sumo grau, tal como
nem um outro sol actuaria num meio. De onde, se se prova que
nada se acrescenta ao ser, parece poder arguir-se por semelhança
que a terra nada acrescenta ao sol na ordem do ser. porque na
produção da luz no meio ela nada acrescenta.
(4') AGOST I N HO - De 7i"ín iwte I X 2 . 11. 18 (PL 42. 970; BA 1 6/2" série. 1 08 )
(4'') Cf. J . D . ESCOTO - Ordinatio I . d . 3 , q . 7. 1 1 . 4 1 .
1 04
de todo o conhecimento pela causa aspira-se por um outro
conhecimento que é causado em nós só pelo objecto.
Por conseguinte, se Deus tem uma intui ção intelectiva da
pedra, que esta não causa de maneira nenhuma, é preciso que a
pedra, n a sua própria cognoscibil idade, n ada acres cente ��
cognoscibil idade da essência do primeiro princípio, pel a qual
a pedra é conhecida dessa maneira.
Quando portanto i nferes : «Nenhuma causa finita produz
um conheci mento perfeito de um efeito » , eu admito que
«nenhuma causa fi nita produz o conhecimento mai s perfeito
possível, também para nós, de um efeito» ('0) .
Quando di zes : «um con hecimento pela causa é mais
perfeito», eu respondo que nele se inclui o conhecimento
simples do efeito causado por ele mesmo. O conhecimento do
compl exo obtém-se pelo conhecimento da causa e do efeito
conjuntamente. E é verdade que o que é causado conj untamente
pela causa primeira e segunda é mais perfeito do que aquilo
que é causado só pel a segunda.
Contra: pel a primeira causa finita tão-só pode dar-se um
efeito mais perfeito do que só pela segunda, mas a causa segunda
só produz a visão de si mesma. Respondo : pela causa fi nita
primeira só pode dar-se algo mais perfeito, por exemplo a visão
dela mesma, do que só pel a segunda; mas não no caso de um
efeito naturalmente apto a ser causado pela causa segu nda, ou
enquanto segunda, ou mai s ainda enquanto primeira em rela<rão
a q u a l quer outra c au s a fi ni ta. Porque , ao c au s ar e s s e
conhecimento ela parece acidentalmente ordenada para u m a
c a u s a an teri or fi n i ta, porque esse conheci mento n ã o t�
naturalmente apto a ser feito por uma causa finita ant eri or ao
que se conheceu pela visão. Esse conhecimento far-sc - i a a i n d a
que o que se conhece pela visão fosse incausado por scmcl l t < � l t l t·
causa anterior ou sem nenhuma causa finita anterior c c x i st i s .� t·
um i ntelecto.
1 05
73. Resposta à segunda objecção : ainda que uma causa anterior
finita contivesse essencialmente toda a perfeição da segunda
na sua causalidade e ainda que nisso a excedesse, dado que a
causa segunda só formalmente tem esta perfeição, contudo, essa
perfeição, enquanto detida eminente e formalmente, excede
também na causalidade a perfeição que apenas se detém de
modo emi nente . Falando generi camente : quando aqu e l a
perfeição, formalmente possuída, acrescenta alguma perfeição
a si mesma, como eminente, então ambas excedem cada uma
delas em separado. Acontece essa adição quando o eminente é
finito, porque um finito acrescentado a outro finito fá-l o maior.
Se fosse de outra manei ra, o universo não seria mais perfeito
do que a primeira natureza causada; alguns concebem-na como
contendo e m i nentemente toda a perfei ção das n aturezas
inferi ores, o que eu neguei atrás, na ú l ti ma conclusão do
segundo capítul o C 1 ) .
1 06
l he pertence enquanto ele é tal, e assim ele não possuiria por s i
1 1 Jais eminentemente aquele outro ao qual é próprio ser causadll
por um tal enquanto tal .
É evidente, portanto, que a obj ecção com o sol não lcm
v al i dade, porque se a este sol compete causar alguma coisa,
(·nquanto é este sol, o outro sol não causaria o mesmo nem
leria em si o poder de causá-lo sem o primeiro sol . Se este
acrescenta algo àquele - e nem trato de saber agora como os
compararás - , digo rapidamente: não lhe acrescenta nada da
mesma razão que um ser necessariamente causável por qualquer
coisa enquanto é formalmente tal . Por «necessariamente»
entendo o que não pode ser causado de outra maneira, nem
pode ser um incausado mais perfeito que o causável , excepto
cm virtude de alguma coisa à qual este como tal nada acrescenta
nem na ordem da causalidade nem na do ser.
A objecção com a terra também não serve: não é da natureza
da luz depender da terra como de uma causa.
("') <<Ü primeiro causante causa d e um modo conlingcnlc tudo a q 1 1 i l o q 1 u · <'<� I J ',;J . . .
Cap. I V, concl . 5 , � 59.
{'-') <<Para a primeira natureza. amar-se é idêntico � naiUIT/.a prilllL' J J ;1•>: ( ' ; 1 p . I V.
concl. 6, � 60.
(") «Nenhum acto de entender pode ser um acidcnlc d;1 n a l u ru.;J p r i n J c i J ; J .. .
1 07
na razão formal. Mas sendo finita, ela contrai o género ; por
i sso, o que é constitu ído por ela é-o no género. Já a diferença
i nfinita nada pode contrair; e por conseguinte não se constitu i
num género.
É neste sentido que entendo o emprego da espécie
relativamente a Deus, e não do género, porque a espécie diz a
perfeição e o género não. Isto inclui uma contradi ção se
entendermos a espécie na totalidade, pois o género está i ncluído
na sua compreensão essenci al . Deve porém entender-se esse
emprego por razão da diferença que diz a perfeição; isto não
sucede com o género. Isso é bem possível, porque nenhum deles
inclui por si o outro. Mas não se emprega a diferença enquanto
diferença (porque em tal caso é fi nita e necessari amente
constitui no género), mas como razão absoluta da diferença,
que diz absolutamente a perfeição indiferente ao infinito e ao
finito, os quais dizem modos de perfeição daquel a entidade, tal
como o mais e o menos na brancura.
S e i q u e a l g u m as das c o i s as q u e a q u i s e afi rmam
contradizem as opiniões de algumas pessoas, mas não vou agora
refutar as diferentes opini ões . Fá-Io-ei noutra ocasi ão.
1 08
77. Em confonnidade com isto, proponho um quarto argumento:
toda a substância finita pertence a um género. A n atureza
primeira não pertence a nenhum género, pel a primeira conclusão
deste capítul o (' 6) . Portanto, etc ('7).
A maior é evidente, porque no concei to comum de subs
tância, a substância finita convém com outras e distingue-se
formalmente, o que é evidente. Logo, o que distingue é de algum
modo idêntico à entidade da substância, mas não por uma total
identidade, porque as suas razões são primeiramente diversas
e nenhuma é infinita, e por isso nenhuma inclui completamente
a outra por identidade. Logo, a união delas é como a do que
contrai e do que é contraído, do acto e da potência. Logo, temos
género e diferença. Logo, uma espécie.
De uma maneira breve, mas que vem dar ao mesmo,
argumenta-se assi m : tudo o que convém realmente e que difere
rea l mente convém e difere por uma real idade que não é
formalmente a mesma. Mas a real idade pela qual convém não
é aquela pel a qual difere por identidade, a não ser que a outra
seja i nfinita; e então, o que inclui uma e outra será i nfi nito.
Mas se nenhuma das duas é a outra por identidade, segue-se
u m a compo s i ç ã o . Por consegu i n te , tudo o que c o n v é m
essencialmente e difere essencialmente o u é composto de
realidades formalmente distintas ou é infinito. Tudo o que existe
p o r s i c o n v ém e d i fere dessa m an e i ra . P e l o que, s e é
completamente s i mp l es em s i , segue-se que será também
i nfinito.
Parece que por estas quatro v i as s e pode conc l u i r a
i nfin idade de Deus. Três vias, cuj o meio termo é tomado do
intelecto, a quarta, da simplicidade na essência, que aci ma se
mostrou.
( 16) <<Em si a primeira natureza é si mples>>: Cf. Cap. IV. cone ! . L � 50.
CS7l Entenda-se: portanto não é finita.
H )9
eminentíssimo que haj a algo mais perfeito, segundo o corol ário
da quarta conclusão do capítul o terceiro ('x). Não é incompatível
com o finito que haj a algo mais perfeito. Logo, etc. C9)
Prova-se a menor: a infinidade não repugna à entidade; o
infinito é maior que todo o finito.
Há outra maneira de argumentar o mesmo: aquilo a que
não repugna a infinidade i ntensiva não é sumamente perfeito a
não ser que sej a infinito. Porque se é finito pode ser excedido,
dado que a infinidade lhe não repugna. A i nfinidade não repugna
ao ser. Logo, o perfeitíssimo é infinito.
A prem i ssa menor desta prova, aceite no argumento
precedente, não parece poder ser demonstrada a priori; porque
tal como os contraditórios se contradizem por razões próprias,
e isso não se pode provar por al go mai s evidente, assim também
os não-contraditórios não se contradizem pel as suas razões
próprias, nem tão-pouco parece possível demonstrá-l o a não
ser explicando as suas razões. O ser não se expl ica por nada de
mais conhecido. Entendemos o infi nito pelo fi ni to, o que
exponho assim em l inguagem simples : o infinito é o que excede
um fin ito dado não apenas segu ndo uma medida finita precisa,
mas para além ele toda a proporção atribuível .
Também se pode apresentar urna razão persuasiva do que
se propõe, assim: tal corno se há-de supor como possível aquilo
cuj a i mpossi b i l idade não é manifesta assim também há-ele
supor-se como compassível aquilo em que a incornpossibilidade
não aparece. Não aparece nenhuma i ncornpossibil idade, no
caso, pois a finitude não pertence à noção de ser nem parece,
pela noção de ser, que finito sej a um atributo transcendental
convertível com ser. Exige-se urna destas duas condições para
a referi da repugn ânci a (60) . Os atri butos trans cenden tais
primeiros do ser e convertíveis parecem ser suficientemente
conhecidos como pertencendo ao ser.
ciK ) De acordo com o qual o primeiro efectivo nl\o só é anterior aos outros como
também é contraditório consigo q ue exista outro antes; cf. Cap. I I I , cone!. 4, � 3 3 .
( '") Completa-se: logo, o emi nentíssimo é infinito.
("11) Entenda-se: entre ser e infinitude.
1 10
Uma terceira razão persuasiva: o infinito, no seu modo.
não repugna à quantidade, isto é, tomando uma parte após o u t ra .
I "ogo, nem o i nfinito n o seu modo repugna à entidade, o u s ej a .
III
ele mesmo tem razão de primeiro objecto do entendimento
isto é, de ser e em sumo grau.
Mais ainda, relativamente ao ser de existência: o suma
mente pensável não existe apenas no entendimento de quem
pensa; porque então poderia ser, pelo facto de ser pensável, e
não poderia ser, pelo facto de repugnar à sua razão existi r por
outrem, segundo a terceira (63) e a quarta conclusões do capítulo
três (64). É que é maior o pensável que existe na realidade do
que aquele que apenas existe no entendimento. Não se entenda
i sto no sentido de que um mesmo ser, enquanto pensado, é u m
pensável maior s e exi stir, mas no sentido de que um pensável
que existe é maior do que todo o pensável que apenas existe no
entendimento.
Outra maneira de o matizar é a seguinte: um pensável que
existe é um pensável maior, isto é, mais perfeitamente pensável
porque é visível . O que não existe nem em si nem num ser
mais nobre ao qual nada acrescente, não é visíve l . O visível é
mais perfeitamente cognoscível que o não-visível, que é apenas
abstractamente inteligível (6-'). Logo, o que é perfeitissimamente
cognoscível existe.
1 12
outro. Como não odiaria naturalmente o i nfinito se ek fosse
oposto ao seu obj ecto, como odeia naturalmente o não-ser''
(''") ARISTÓTELES - Plzysica Vlll I O (266 a I 0-24. 26(, h - 20. 267 h I I 2<1 ) :
ID. - Meraphysica XII 7 (I 0 7 3 a 3 - 1 3 ) .
( "7) Entenda-se: a causa primeira é infinita.
(''x) Completa-se: logo, tem poder i nfin i to.
1 13
mais tempo e por si . E assim teria de mostrar-se que a eternidade
do agente concluiria a sua i nfinidade; de outro modo, pela
infinidade do movimento, não pode ser concluída. Sendo assim,
nega-se a última proposição do matiz, excepto no que toca à
i nfinidade da duração.
Esbulha-se o segundo matiz: não se conclui uma mmor
perfeição i ntensiva do facto de u m agente poder produzir
sucessivamente, enquanto durar, todos os efeitos da mesma
espécie, pois o que pode em relação a um efeito num tempo,
poderá pela mesma virtude em relação a m i l efeitos , se durar
mil tempos. No entanto, segundo os fi lósofos ( 69), a infinidade
não é possíve l , excepto a infinidade numérica dos efeitos
produtíveis pel o movimento, ou sej a , dos geráve i s e dos
corruptívei s , pois defendem que as espécies são fin i tas . Se
alguém provasse que a infinidade das espécies era possíve l ,
provando que alguns movimentos celestes são incomensuráveis
e que portanto nunca poderão vol tar à uniformidade, ainda que
durem infi nitamente, e que infinitas conj unções na espécie
causem i nfi nitos geráveis em espécie - este argumento, ainda
que possa ser assim, nada tem que ver com a intenção de
Aristóteles, que negou a infinidade das espécies .
1 14
11 1 1 1 1 1 1'/;1 c não concluis aqu i , se ela é razão total do ser por
1· 1 1 1 . . 11 • si? Pelo menos ela é a causa total do ser da nat urc ;. a
;1
1 1 1 1 1 ·. l ll<.> xima dela.
1 · ;1o mesmo tempo, porque não está provado pel a causal idade
1 15
i nten s i v o . Por consegui nte, se possui alguma c o i s a mais
p erfe itamente do que s e possuísse forma lmente toda a
causali dade, mais se seguiria uma infi n idade i nten s i va. Porém,
ele possui toda a cau sali dade segundo a totali dade que nela se
encontra mais eminentemente do que a que está formalmente
nela mesma. Logo, ele tem poder i ntensivo infi nito.
1 16
I ' ' r r w íp io mais eminentemente que se as suas form alidad�.:s
' ' r · ; l is sem nele, caso isso fosse possível . Desta maneira, parccl'
' i " ' . o argumento de Aristóteles sobre a potência infi ni ta potk
I < H l c l llif.
Í\ segunda objecção acima C5) , digo: porque a essência
, J , v i na só é a razão de ver perfeitamente a pedra, segue-se que
.r J nlra n ão acrescenta nenhuma perfeição àquela essência. Isso
J ; r não se segue se ela é a razão imediata de causar a pedra,
r t rt·smo como causa total . Com efeito, em relação à suprema
r 1 a l ureza causada, a causa primeira é causa total, todavia, sendo
.1 s uprema n atureza fin ita, não se conclui a i nfin idade da
da criação (77).
O antecedente é posto pela fé (8 ), e é verdade que o não-
ser precede o ser numa quase-duração, ou, segundo a via de
Avicena, numa quase-natureza (9) . Mostra-se o antecedente
pela décima nona conclusão do terceiro capítul o (80) : ao menos
a primeira natureza depois de Deus procede dele, n ão ex iste
por si nem recebe o ser a partir de algo preexistente. E, como j á
ficou dito, ser feito não requer sujeição à mutação, mas tomando
assi m segundo a natureza o não-ser antes do ser, não estão a l i
os extremos da mutação que aquele poder causaria. Mas sej a
1 17
qual for o caso do antecedente, a consequência não está provada.
Porque quando não há distância entre os extremos, mas se diz
que distam precisamente por ser extremos em si mesmos, a
di stânci a é tanto maior quanto maior é um extremo ( 8 1 ) .
Exempl o : Deus dista infi nitamente da criatura.
1 18
XK DÉCIMA CONCLUSÃO: Da infinidade segue-se oJJIIIÍIIuNio
l'illlp!icidade.
Primeiramente, a simplicidade i ntrínseca da essênc i a :
porque seria composta ou de partes fi nitas e m s i ou de p artes
1 1 1 fi n i tas em s i . Se fosse o primeiro caso, seria finita; se o
\egundo, a parte não seria menor que o todo.
Em segundo lugar, que não é composta de partes quanti ta
t i vas : a infinita perfeição não se dá em grandeza, porque se
aquela perfeição fosse fi nita, seria maior numa grandeza maior.
N ão pode haver grandeza i nfi nita. Este é o argumento de
Aristóteles no oitavo l i vro da Física e no décimo segundo da
Metafísica (88) .
Mas objecta-se: a perfeição infi nita em grandeza seria da
mesma razão no todo e na parte, e, por isso, não seria maior
numa grandeza maior, tal como a alma i ntelectiva é uma forma
perfeitíssima, e é-o tanto num corpo pequeno como num grande
c numa parte do corpo como no corpo todo. Se à alma i ntelectiva
segundo a sua essênci a correspondesse um poder i nfi nito, isto
é, um poder de entender i nfinitos inteligíveis, também lhe
corresponderia numa pequena grandeza. Se se supusesse uma
grandeza maior o poder não seria maior. Nega-se, portanto,
isto: toda a potência numa grandeza é maior numa grandeza
mm o r.
Colora-se o argumento de Aristóteles, que prova que a
perfeição i nfinita não está numa grandeza de uma maneira tal
que se estenda acidentalmente, i sto é, que uma parte da perfeição
estej a numa parte da grandeza; porque então a perfeição seri a
maior no todo do que na parte quanto à eficiência operativa,
embora não segundo a intensidade em si, tal como no caso dL'
um grande fogo e numa sua parte. Segue-se, pois , que nuln<l
grandeza finita não há potência infinita segundo a c f"ic i ê l l c i a
que seri a por isso extensa. Logo, nem uma potência i n fi n i Lt
segundo a intensidade em si.
l l9
Esta segunda consequência é evidente, porque não se
conclui a infinidade em si a não ser pel a infinidade na eficiência.
Que a primeira consequência se segue (89), mostra-se de
duas maneiras:
Primeira: numa parte si ngu l ar qualquer de grandeza finita
há u m poder finito segundo a eficiência; de contrário não seria
menor que todo o poder. Logo, na grandeza total há um poder
fin ito, porque o que se compõe de partes fi nitas em si e num
número finito, é finito.
Segunda: se se entende que a grandeza cresce, o poder
também cresce segundo a eficiência. Logo, ele foi primeiro
finito e sê-lo-á sempre, enquanto se pense que ele é capaz de
crescer, o que sucede sempre no caso de uma grandeza finita.
Logo, nunca se concebe um poder como incapaz de crescer, a
não ser que sej a numa grandeza infi nita, e é assim e não de
outro modo que é i nfin i to segu ndo a eficiência; logo, nem
segundo a i ntensidade.
Mas o que dizer quanto ao que se propõe, que a potênci a
intensivamente infini ta não s e estende por acidente, de maneira
a que uma parte sej a uma parte da grandeza? Como é que disto
se h á-de segu i r que e l a não será de m odo nenhum u m a
grandeza? U m ú ltimo argumento, que acrescentamos assim: a
extensão estende o que é suj eito, e não a perfeição i nfinita,
nem a matéria cuj a forma seria esta perfeição tal como a alma
intelectiva é a forma do corpo; porque esta perfeição não está
na matéria, pela primeira conclusão deste capítul o (90) . Logo,
etc. (9 1 ) . Assim também o filósofo, antes desta prova, demonstrou
que ela não tem matéria, no l i vro doze da Metafísica (92) , e em
virtude desta conclusão anterior e daqueloutra fica suficien
temente provado o que se propõe.
1 20
De uma maneira mais breve, prova-se ass i m o q t w .� ,·
propõe: o acto de i ntelecção não é um sujeito de L�x tc m a o .
A primeira natureza é intelecção, pel a sexta conclusão des t l·
capítul o e3) ; e não é recebida na matéria que se poderia c h a r l l ; t r
quantitativa, pela primeira conclusão do presente capítul o ( ''·1 ) .
(''1) <<Para a primeira natureza, amar-se é iuêntico à n a l u rua p r i n H ' t ra •> ; t ':q >
IV, cone ! . 6, � 60.
('14) <<Em si a primeira natureza é simples » ; Cap. I V. cone ! . I . � SO.
( '") Cap. IV. con e ! . 6. � 60.
121
O segundo não (9 6 ) , porque a essência primeira seria
incausada, ainda que um causado a i nformasse acidentalmente;
nenhuma essência de uma substância causada é causa de si,
ainda que alguma sej a a causa do seu acidente.
O terceiro não C7), porque a potência para um acidente é
potência só em certo sentido; por onde se demonstra que não
pode dar-se numa coisa que na sua essência é apenas acto.
1 22
O consequente é falso: a matéria é mai s necessária do q t tt' ; 1
forma, e no entanto é menos acto. O acidente d c p c n d l· d a
substância, e todavia é mais simples do que ela.
De igual forma, o céu é mais incorruptível do que um corpo
misto , e no entanto o nosso corpo ani mado é mais n o b re
enquanto é an i m ado. S egue-se, por con segu i n te , que a s
perfeições absolutas - excepto algumas que s ão atri butos
transcendentais do ser - diferem quer entre si quer talvez do
sujeito; e uma perfeição é possuída i ntensamente enquanto que
outra não é possuída intensamente ou não é possuída de maneira
nenhuma.
Mas nem a primeira proposição deste argumento ( ' 00) cstú
mostrada. Com efeito, a segunda concl usão alegada ( '01) não
prova em relação ao acidente inerente, mas ao que é intrínseco
à suma natureza.
Se algum protervo pusesse um aci dente no primeiro
princípio, seri a difíci l mostrar contra ele que tal acidente seri a
uma perfeição absoluta, porque algumas vezes as naturezas mais
nobres são denominadas por uma denom inação menos nobre,
e naturezas menos nobres por uma denominação mais nobre,
que se chama uma perfeição absoluta. Exempl o : a matéria
primeira é simples , o homem não é simples; a simplicidade é
um tal denomi nativo.
Certamente que seria difícil, e talvez impossível, por estes
quatro últi mos meios, provar que no primeiro princípio não h<í
acidente i nerente por aci dente de maneira contingentL�. c
segundo o qual pudesse ser mudado por acidente, ou por si o u
algo posterior; é que se sustenta que a nossa vontade m u da por
si a acção de querer, ainda que se ponha uma causa pri l l l e i r; t
para os nossos actos.
Se estivesse bem provado que no primeiro pri n c í p i o ;1
simplicidade é i ncompatível com o acidente, a c o nc l u s:í o s n i ; t
1 23
bastante fecunda. Se não agradarem a alguém as duas primeiras
provas aduzidas, que apresente outras melhores.
91. Senhor, nosso Deus ' Muitas das tuas perfeições, conhecidas
pelos . fi lósofos, podem os catól icos concluir do que fi cou
exposto. Tu és o primeiro eficiente. Tu és o ú l ti mo fim. Tu és
supremo na perfeição, tudo transcendes sem excepção. És
totalmente i ncausado e por isso não s uj e i to à ge ração e
i n corruptível , ou antes: é absolutamente i mpossível que não
sej as , v i sto q u e , em ti m e s m o , és n e c e s s ári o . É s , p o r
consegu i n te , eterno, porque p o s s u i s s i m u l taneamente a
i nterm inabi l i dade da duração sem qualquer potência para a
sucessão . Pois não pode haver sucessão salvo naqu i l o que é
continuamente causado ou que, pelo menos , depende de outro
para ser, dependênci a esta estranha ao ser que é em si mesmo
necessário.
Tu v ives uma vida nobilíssima, porque és intel i gente e
querente . Tu és feliz, ou antes, és essencialmente a fel icidade,
porque tu és a compreensão de ti própri o. És a clara visão de ti
mesmo e amor delei tabi líssimo. E embora sej as fel i z em ti só,
e sumamente te bastes a ti mesmo, conheces todo o inte l igível
actual e s i m u ltaneamente. Tu p o des querer s i m u l tânea,
contingente e l ivremente, e querendo-o podes causar tudo o
que é causáve l . O teu poder é assim vcrissimamente i nfinito .
Tu é s incompreensível, é s infinito, pois nenhum ser omnisciente
é finito e nenhum ser com potência infinita é finito, nem o
supremo se dá nos seres, nem o fim último é finito, nem o que
existe por si e é totalmente simples é finito.
Tu és o ápi ce da s i mp l i ci dade, pois n ão tens p artes
realmente disti ntas, e na tua essênci a n ão tens quaisqu er
real idades realmente não idênticas . Em ti não há qualquer
q u a n t i dade n e m n e n h u m ac i de n te . E p o r i s s o n ã o é s
acidentalmente mutável , tal como j á mostrei que é s imutável
em essência.
Só tu és simplesmente perfeito. Não és u m anj o perfeito
nem um corpo, mas és um ser perfeito ao qual não falta nenhuma
entidade que possa pertencer a um ser. É impossível que todas
1 24
as entidades se encontrem formal mente num ser; p odc l l l ,
1 25
93. Além das coisas que acabámos de dizer, e que são aquelas
que os fi lósofos usam para falar de ti, os católicos louvam-te
frequentemente como omnipotente, imenso, omnipresente, justo
e misericordioso, providente com todas as criaturas, especial
mente com as espirituais - o que relego para um próximo
tratado. No presente tratado, procurei, primeiro, ver como as
proposições metafísicas afirmadas sobre ti se podem deduzir,
de alguma maneira, pel a razão natural . Num tratado seguinte
estudarei as proposições que são objecto de fé, nas quais a razão
é cativada, embora elas sejam tanto mais certas para os católicos
quanto não se fundam no nosso entendimento, pouco menos
que cego e v ac i lante em muitos assuntos, mas se baseiam
firmemente na tua sol idíssima verdade.
1 26
o próprio B , tal como o acto depende do objecto q u ando 11ao l '
o mesmo. Mas se A entendesse B por si mesmo c não por H ,
não entenderia B tão perfeitamente como B é intel igível; porq ut·
nada é perfeitissimamente presente a não ser em si ou c m a lgo
que o contenha eminentissimamente; ora A não contém B. Se
dizes que é semelhante a ele, eu contrario: o conhecimento
baseado na semel hança é apenas um conhecimento universal
enquanto os semelhantes são assimiláveis ; por este motivo, não
se conhece o que lhes é próprio e que os distingue. Além do mais,
este conhecimento universal não é intuitivo, mas abstractivo, c o
conhecimento intuitivo é mais perfeito.
Mai s : o mesmo acto não tem dois objectos adequados ;
A adequar-se-ia a s i ; l ogo não entenderia B .
( ' 02) << É impossível que o mesmo ser dependa esscncialmcnll' de dois. ,· m c;1<l;1
um dos quais termine totalmente a sua dependênc ia»; Cap. I I I . conc l . 1 <>, � · 12.
('m) Cf. ARISTÓTELES - Me1aphysim X I I I O ( I 07() a 5).
1 27
parcialmente. Teríamos então que perguntar em virtude de que
único ser se u niriam para governar.
A quarta proposição, rel ativa ao ser necessário, prova-se
ass i m : u m a espécie m u l ti p l i cável é por si m u l ti p l i cável
i n fi n i t a m e n te . Portanto, s e o s er n e ce s s ár i o p o d e s e r
multipli cado pode haver u m a i nfinidade d e seres necessários.
Logo, haverá uma infinidade de seres necess ários, pois se um
ser necess ário não existe não pode existir.
A quinta, sobre o bem , expõe-se assim: muitos bens são
melhores do que um quando um deles acrescenta bondade ao
outro. Não há nada de melhor do que um bem infinito. Também
se argumenta assim: toda a vontade se satisfaz plenamente num
bem i n fi ni t o ; mas se houvesse outro, a v o ntade poder i a
razoavelmente querer que ambos fossem, e m vez de um só;
l ogo, não se satisfari a p lenamente com um único sumo bem.
Poderiam aduzir-se outros argumentos, mas por agora
bastam os referidos.
98. Senhor Nosso Deus ! Tu és uno por natureza. Tu és um
em número. Em verdade disseste que além de ti não há outro
Deus, pois ainda que de nome ou putativamente existam muitos
deuses, tu és o único por natureza, Deus verdadeiro, de quem
são todas as coisas, em quem são todas as coisas, e por quem
s ão todas as coisas, tu que és bendito pelos séculos. Á men.
1 28
BIBLIOGRAFIA
1 29
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traduções de C. A. Nascimento e R. Vier in "Os Pensadores" ,
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1 33
GLOSSÁRIO LATINO-PORTUGUÊS *
A D
A se - por si (25), (33). Dare esse - dar o ser ( 1 2).
Activum - «activo» (6 1 ). E
A fine in artificialibus - à finali Ef.fectibilis (ia) - efectível (25),
dade das coisas feitas por arte efectíveis ( 1 1 ).
(22). Effectiva - «efectiva» (25).
Effectivitas - efectividade (29 ) .
c Effe ctus - efeito (5), ( 1 9 ) , (20 ) ,
Causa sui - causa de si (89). (23), (84); vd. causatum.
Causae per se - causas por si ( 1 9). Effectum- «efectuado» (7).
Causans - causante (59). Efficere - produzir, actuar ( I I ).
Causativum - causativo (32). Efficiens - a causa eficiente ( 1 2),
Causatum - causado (5), (37), (42), ( 1 3).
efeito ( 1 3 ) , ( 1 6) , ( 1 8 ), ( 1 9) , Efficientia in operando - eficiência
(72 ) ; ex parte causati - pelo operativa (88).
lado do efeito (I O); in causando Ens - ser ( I ), (36) - (39), (4 7), (57) ,
- na ordem da causalidade ( I I ), ( 6 1 ) , ( 7 8 ) , u m s e r ( 1 2) ,
( 1 5 ) , ao c a u s ar ( 1 6 ) ; v d . existente (34); ens existens - o
effectus. s e r e x i s t e n te ( 2 6 ) ; ens
Circa se - relativamente a si (59). quidditative sumptum - o ser
Cognitio a rti.ficialis - conheci tomado quiditativamente (26);
mento na arte (22). passiones entis - atri b u t o s
Cognitio in universal) - conheci transcen d e n t a i s d o s e r ( 2 ) ,
mento universal (95). ( 78), (90), atributos d o c n l c
Colorarei Coloratio - matizar (79), (54).
( 82), coloração (84), (88).
Concomitantia: (non) necessaria Esse - existir (4), (9), ( I <J), (2-l),
concomitantia - (não) neces (33), ser (5), (87); cssc jiniti
sária concomitância (7). o ser do « fi n ido» ( 1 2 ); esse iltllt
Conversio - movimento (69). existens - um ser ja c x i s l t'. l l i l '
( 3 5 ) ; esse in re - e x i s t i r n : 1
realidade (29), ( 7l) ) ; flli/1('/1' in
* Os n ú m e ros rem e t e m para os
principai.r pauí1;rafils (e niio pam rodos) esse - dar ser (5 ) ; in f'.\',\'('Jii lo
em que o vocábulo ocorre. no ser ( 1 6 ), (:U ) , ( 7 1 ) , p a ra sn
1 35
( 3 6 ) , na ordem do ser (74) ; M
to tum esse - o ser todo ( I ) ; Magnitudo - grandeza (88).
ve rum esse - ser verdadeiro ( I ) . Mcllitia - maldade (57).
Ex natura rei - pela natureza da Materiatum - «materi ado » (7),
coisa (22). ( 1 3).
Ex se - em si ( 1 3 ) , ( 1 6), por si
(97). N
Existentia - existencia (26). Necessarium ex se - necessário por
si ( 1 2).
Notitia - conhecimento (70).
F
Factivum - «facti vo>> (6 1 ). o
Ordo dependentiae - ordem de
Finire - limitar (87). depe n d ê n c i a (4) ; o rdo
Finitum - «fi nido» (7), (23). eminentiae ordem de
Formabilis - formavel ( 1 6). e m i n e n c i a ( 4 ) , ( 9 ) ; o rdo
Formatum - «formado>> (7). essendi - ordem de ser ( 42) ;
ordo secundum eminentiam -
p
H
Passio - atributo (54), (5 8 ) ; vd .
Habere receptivam - ter um cunho
Ens. Paucitas escassez em
-
receptivo (64).
numero (44).
Habitudo - proporção (78).
Peccatum - falha (57).
Per a ccidens - ac i d e n t a l , p o r
acidente ( I I ) , (28); accidens
ln rebus - na real idade (9). p e r a c c idens contingenter
ln speciali - em particular (22), inhaerens - acidente i n erente
(47). por ac i d e n t e de m o d o
Ineff"ectihilis - inefectível (32). contingente (90); v d . per se.
/ntellectus - i n te l i gê n c i a ( 1 ) ; Per descriptionem - pela defin ição
entendimento, i ntelecto (65), (54).
( 6 6 ) , ( 6 8 ) , secundum intel Per se - por si ( I I ), (23) , (28 ) ; vd.
lectum - d e acordo com o per accidens.
sentido (9). Physicus - filósofo natural ( I 2).
Intelligere - (o) entender, (o) inteli Posteritate - posterioridade ( 3 ) .
gir (64), acto de i n telecção Posterius - posterior (3) - ( 6 ) .
(75). Potentia - poder (8 1 ).
1 36
Primitas - primazia (27), ( 40) . Relatio aequipamnliac - rl' la l; ao
Princeps - o que detém o primado de mútua comparal;ão ( .l ) .
(97). Repugnare - ser incompat ível ( 1 2. ) ,
Prius - anterior (3) - (6), (9). ( 5 5 ) , contrad i zer ( 7 X ) ; 1 1 0 1 1
Propter quid - por quê ( I I ). rep ugnantia - n ão - c o n t rad i
Proprium liberalis - l iberalidade tório (78) .
(45) .
Proxima - imediatamente anterior s
(44) , (52). Secundum quid - em cerlo sentido
(23), (89).
Q Signum - �nstante (87) .
Q u i e ta ti v u s - a q u i etar ( 4 4 ) , Simpliciter- simples (53), absoluto
satisfazer (97) (90), em sentido absoluto (23),
R (35), (58).
Ratio - sentido (5), razão (8), noção Stare - subsisti r (59).
( 3 3 ) , (50), tipo (43) , atributo Subiectus - substante ( 1 4) ; sujeito
(45 ), natureza (66), argumento (22 ) .
( 6 9 ) , o rd e m ( 90 ) ; ra tio
naturalis - razão natural ( I ) ; T
ratio intelligendi - razão de Te rmini ad quem - termos d e
e n te n de r [na acepção de referência (36).
' c o n c e i to o bj ecti v o ' ] ( 69 ) ; Trancljerre - empregar (75).
ra tio u n i v e rsa lis - razão
u n i v e r s a l [ n a acepção d e v
'conceito ' ] (69); ratio entis Vis - força (8 1 ) .
noção de ser (78). Virtus - força (78), poder (82 ), (84 )
Rationabilis - razoável ( 1 6) . Virtus motiva - capacidade motriz
Rationesfo rmales - noções for (68).
mais (5 1 ) . Volens - dotado de vontade ( 5 5 ) .
1 37