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Unidade III

Unidade III
7 A FILOSOFIA DA LINGUAGEM ALÉM DE WITTGENSTEIN

As ideias de Wittgenstein são um marco na filosofia da linguagem. Após suas contribuições, podemos
identificar o desenvolvimento de algumas linhas de pensamento. Há filósofos que se dedicam ao estudo
da linguagem ordinária, com uma visão pragmática, como Austin e Searle. Outros se concentram na
abordagem lógico-semântica, como Quine.

Neste capítulo, apresentamos brevemente as ideias de alguns filósofos de diferentes correntes. Para
conhecê-los melhor, é necessário ler os textos indicados.

Lembrete

Nas concepções pragmáticas, o significado constitui-se pelo uso.

7.1 Austin

Para John Langshaw Austin (1911-1960), a função da linguagem não é descrever reflexivamente o
mundo, mas sim comunicar. Por isso, seus estudos focalizam a linguagem em uso.

O ponto central é a ideia de que o agir é o ingrediente principal da significação linguística. Austin fez,
inicialmente, distinção entre as enunciações constatativas e as enunciações performativas. As primeiras,
como o nome indica, fazem constatações ou afirmações sobre o mundo. No caso das performativas, a
intenção é o agir e, por isso, não se pode avaliar sua verdade ou sua falsidade.

Tomemos os exemplos a seguir.

A) A Terra é redonda.

B) Feche a porta.

De acordo com a classificação de Austin, o primeiro é um enunciado constatativo, que


pode ser avaliado no seu valor de verdade. Já o segundo é performativo: seu valor está em ser
bem-sucedido ou não.

Assim, para Austin, a questão da verdade não é central nos estudos sobre a linguagem.

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM

Sua teoria dos atos de fala afirma que a comunicação bem-sucedida envolve três atos, mencionados
a seguir.

• Ato locucionário (locutório): ato de dizer, decomposto em ato fonético, ato fático e ato rético.
Trata-se de um enunciado com pretensão de sentido ou referência.

• Ato ilocucionário (ilocutório): ato ao dizer. Nele, é atribuída determinada força: afirmação,
oferecimento, ordem, promessa etc.

• Ato perlocucionário (perlocutório): ato por meio do qual o falante exerce determinado efeito
sobre o ouvinte.

Leitura obrigatória

MARCONDES, D. Austin. In: MARCONDES, D. Textos básicos de


linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011. p. 115-121.

7.2 Searle

John Searle (1932-) foi aluno de Austin e aperfeiçoou a teoria dos atos de fala. A base de seu
pensamento é a ideia de que o componente ilocutório da linguagem é o aspecto fundamental da
competência linguística (MIGUENS, 2007).

Ele analisou casos que parecem contraexemplos da força ilocutória convencional. Perguntas como
“Você sabe que horas são?” e “Você tem uma caneta?” não exigem uma resposta direta. Na verdade, não
se trata propriamente de perguntas, mas de ordens ou pedidos.

Segundo Searle, essas perguntas são atos linguísticos indiretos e fornecem a condição
preparatória para a ação.

Searle também faz distinção de dois tipos de regra que governam os atos linguísticos: regra
constitutiva e regra regulativa.

Exemplo de aplicação

Reflita sobre a afirmação de Searle reproduzida a seguir.

“Nos atos de fala indiretos, o falante comunica ao ouvinte mais do que ele realmente diz.”

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Leitura sugerida

MIGUENS, S. A filosofia da linguagem depois de Wittgenstein (J. Austin,


J. Searle, P. Grice, W. V. Quine, D. Davidson). In: MIGUENS, S. Filosofia da
linguagem: uma introdução. Porto: Universidade do Porto, 2007. p. 159-199.

Leitura obrigatória

PENCO, C. Convenção e atos linguísticos: Austin e Searle. In: PENCO, C.


Introdução à filosofia da linguagem. Tradução: Ephraim F. Alves. Petrópolis:
Vozes, 2006. p. 152-164.

7.3 Grice

Paul Grice (1913-1988), na década de 1950, apontou que, quando um falante diz algo, ele quer produzir
um efeito (uma crença) no outro e fazer com que o ouvinte reconheça essa intenção de produzir uma
crença. O objetivo do filósofo é explicar a significação (meaning) em termos de intenção, ou seja, “fazer
apelos a conceitos intencionais para caracterizar os conceitos semânticos” (MIGUENS, 2007, p. 169).

Para ele, portanto, o significado depende da intenção do falante. Com base nisso, distingue dois
aspectos do significado: o significado ocasional do falante (dependente das intenções) e o significado
semântico (dependente das convenções).

Observação

A teoria de Grice contempla fenômenos como o sarcasmo, a ironia, a


metáfora e as alusões.

Leitura obrigatória

PENCO, C. Intenção e conversação: Grice, cortesia e pertinência. In:


PENCO, C. Introdução à filosofia da linguagem. Tradução: Ephraim F. Alves.
Petrópolis: Vozes, 2006. p. 165-179.

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM

Lembrete

Austin, Searle e Grice são autores associados à pragmática. Eles


preocupam-se com a linguagem em uso. Para eles, é preciso notar que a
linguagem produz ação sobre os interlocutores e interfere na realidade.

Exemplo de aplicação

Nos estudos pragmáticos, a força ilocutória tem grande importância. Podemos, ao dar uma ordem,
enunciá-la de diversas formas. Considere, por exemplo, os dois enunciados a seguir.

A) Chegue aqui às 8h.

B) É necessário que você esteja aqui às 8h.

Os dois dão a mesma ordem, mas fazem isso do mesmo jeito?

Reflita sobre os diferentes usos da linguagem e seus efeitos no dia a dia.

7.4 Quine

Willard van Orman Quine (1908-2000) foi o primeiro filósofo analítico norte-americano de grande
importância. Seu nome está associado à filosofia da mente e da linguagem.

Mesmo influenciado pelo positivismo lógico, Quine critica o “reducionismo” desse pensamento e
propõe o holismo. Ele afirma que um enunciado não pode ser verificado de forma isolada. Outro ponto
relevante de sua teoria é o questionamento da distinção entre o analítico e o sintético.

Para Quine, a linguagem é uma arte social. Segundo ele, nenhuma palavra tem significado fixo.
Quando se diz, por exemplo, “coelho”, pode-se, de fato, querer significar “bicho de estimação”, “praga”
ou “jantar”. Quine considera, portanto, que o sentido da palavra não advém da ligação dela com a coisa,
mas sim do padrão de comportamento que aprendemos na sociedade.

Leitura obrigatória

PENCO, C. Holismo e tradução radical: Quine. In: PENCO, C. Introdução


à filosofia da linguagem. Tradução: Ephraim F. Alves. Petrópolis: Vozes,
2006. p. 190-206.

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7.5 Dummett

Michael Dummett (1925-2011) foi professor de Oxford e desenvolveu um importante trabalho


na área das teorias da verdade e do significado. Fundamentado em Frege e Wittgenstein, o filósofo
preocupou-se com a teoria do significado na resolução de problemas lógicos e metafísicos.

De acordo com Braida (2013), Dummett baseia-se em duas questões:

• se a noção de verdade é central na teoria do significado;

• se a noção de verdade é clara, primitiva e unívoca, como pressupõe Frege e define Tarski.

Segundo Dummett (apud BRAIDA, 2013, p. 162),

o que uma teoria semântica precisa fazer […] é exibir o modo como o
valor semântico de uma sentença é determinado pelo valor semântico de
seus componentes, e fornecer as condições gerais para uma sentença ser
verdadeira em termos de seu valor semântico.

Observação

Alfred Tarski (1901-1983) foi um filósofo, lógico e matemático polonês.


Em sua obra, procurou construir caracterizações matemáticas do conceito
de verdade para sentenças formalizadas.

Leitura obrigatória

BRAIDA, C. Michael Dummet e a prioridade do sentido. In: BRAIDA, C.


Filosofia e linguagem. Florianópolis: Rocca Brayde, 2013. p. 160-170.

Leitura sugerida

PENCO, C. Significado e inferência: Dummet, Brandom. In: PENCO, C.


Introdução à filosofia da linguagem. Tradução: Ephraim F. Alves. Petrópolis:
Vozes, 2006. p. 227-243.

7.6 Davidson

Donald Davidson (1917-2003) procurou aplicar a teoria da verdade de Tarski à semântica da


linguagem natural.

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM

O filósofo entende que o conceito de verdade é fundamental para compreender o significado. Ele afirma
que “uma teoria do significado deve incluir uma explicação da verdade – um enunciado das condições sob
as quais uma sentença qualquer da linguagem é verdadeira” (apud BRAIDA, 2013, p. 170).

Com base em Frege e sob influência de Quine, Davidson formula o holismo semântico:

Segundo Frege, uma palavra só tem significado no contexto de um


enunciado; no mesmo espírito poderia ter acrescentado que um enunciado
(e portanto uma palavra) só tem significado no contexto da linguagem
(apud PENCO, 2006, p. 211).

Leitura obrigatória

PENCO, C. Interpretação e verdade: Davidson. In: PENCO, C. Introdução


à filosofia da linguagem. Tradução: Ephraim F. Alves. Petrópolis: Vozes,
2006. p. 207-216.

Leitura sugerida

BRAIDA, C. Donald Davidson e a prioridade da verdade. In: BRAIDA, C.


Filosofia e linguagem. Florianópolis: Rocca Brayde, 2013. p. 170-179.

8 FILOSOFIA NÃO ANALÍTICA DA LINGUAGEM, SEMIÓTICA E LINGUÍSTICA

8.1 Filosofia não analítica da linguagem

Muitos filósofos contemporâneos desenvolveram estudos sobre a linguagem em uma perspectiva


não analítica. Nesta seção, será apresentado muito brevemente o pensamento de Heidegger, Habermas,
Foucault e Derrida. Segundo Sofia Miguens (2007, p. 243), os quatro filósofos têm em comum o
pressuposto de que a linguagem permite ultrapassar o “paradigma da filosofia da consciência”.

8.1.1 Heidegger

Martin Heidegger (1889-1976) dedicou-se, na primeira fase de seu trabalho, à questão esquecida do
sentido do Ser, partindo da crítica à metafísica ocidental.

Sua obra Ser e tempo formula uma nova perspectiva filosófica, que visa a trazer à luz o Ser. Ele
afasta-se das questões ônticas e aproxima-se das questões ontológicas.

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Observação

Ôntico refere-se ao existente múltiplo e concreto; ontológico refere-se


à essência ou natureza geral do Ser.

Em relação à linguagem, o filósofo considera que “há um sentido em que a linguagem mostra,
desvela, que é irredutível a uma concepção representativa, referencial, de linguagem” (MIGUENS, 2007,
p. 245). Para ele, a linguagem não é um simples instrumento de comunicação. Na sua concepção, o
homem pertence à linguagem.

Exemplo de aplicação

Reflita sobre a conhecida frase de Heidegger apresentada a seguir.

“A linguagem é a morada do Ser.”

Leitura obrigatória

MARCONDES, D. Heidegger. In: MARCONDES, D. Textos básicos de


linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011. p. 122-126.

8.1.2 Habermas

A pragmática universal de Jürgen Habermas (1929-), conhecido como um pensador da Escola de


Frankfurt, baseia-se na teoria dos atos de fala, de Austin.

Para Habermas, os atos de fala se dividem em quatro classes fundamentais: comunicativos,


constatativos, regulativos e representativos.

O filósofo considera que a linguagem é um medium no qual os falantes se limitam contra quatro
domínios da realidade: a natureza externa, a sociedade, a natureza interna (vivências subjetivas) e a
própria linguagem.
De acordo com ele, pressupondo-se a situação ideal de fala (sem coerção), o critério da verdade é
estabelecido pelo consenso discursivo.

Na perspectiva da teoria crítica da sociedade, Habermas aponta que o desenvolvimento técnico


acarreta a perda da autonomia do homem. Segundo Japiassú e Marcondes (2001, p. 89), para o
filósofo, é necessário

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM

recuperar a dimensão da interação humana, de uma racionalidade não


instrumental, baseada no agir comunicativo entre sujeitos livres, de caráter
emancipador em relação à dominação técnica. A ideologia corresponde, para
Habermas, à distorção dessa possibilidade de ação comunicativa, produzindo
relações assimétricas e impedindo que a interação se realize plenamente.
A crítica, ao explicitar as condições da ação comunicativa, implícitas em
todo uso significativo do discurso, permite o desmascaramento da ideologia
e a retomada da razão emancipadora.

Assim, a proposta de Habermas baseia-se na teoria da ação comunicativa.

Leitura obrigatória

COSTA, C. Austin e Habermas: a linguagem como meio de interação


social. In: COSTA, C. Filosofia da linguagem. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 2002. p. 43-58.

Leitura sugerida

MIGUENS, S. Habermas: linguagem, ação comunicacional, racionalidade.


In: MIGUENS, S. Filosofia da linguagem: uma introdução. Porto: Universidade
do Porto, 2007. p. 247-248.

8.1.3 Foucault

O pensamento de Michel Foucault (1926-1984) tem impacto nos estudos de linguagem, na história,
na psicologia e na sociologia. Sua questão básica é o estudo de como o poder circula e se dissemina pelo
discurso. Também se dedica a determinar os procedimentos que controlam os discursos.

Suas pesquisas, de cunho histórico, visam a conhecer a sociedade, os saberes e a estrutura de poder de
diferentes épocas de modo a comprovar que as verdades divulgadas dependem muito dos pressupostos
aceitos em cada contexto. Seu método apoia-se na análise das formações discursivas da época.

Para Foucault, saber e poder são indissociáveis.

Leitura obrigatória

MARCONDES, D. Foucault. In: MARCONDES, D. Textos básicos de


linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011. p. 127-132.

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Leitura sugerida

O livro A ordem do discurso, de Foucault, é indicado para aprofundar


seus conhecimentos sobre mecanismos de controle e poder.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Tradução: Laura Fraga de Almeida


Sampaio. São Paulo: Loyola, 1998.

8.1.4 Derrida

Jacques Derrida (1930-2004) desenvolveu um projeto filosófico chamado de desconstrução, expresso


na obra Gramatologia.

A desconstrução constitui um modo de ler e entender um texto. Para o filósofo, todos os textos
escritos apresentam aporias, hiatos e contradições.

Na perspectiva de Derrida, a palavra assume seu sentido de acordo com a sua posição em um
sistema de linguagem, e o significado é sempre adiado na mensagem, pois, quanto mais se acrescenta a
um texto, mais o significado do que foi dito é revisado.

Segundo ele, portanto, o significado é uma questão de diferência. Em outras palavras, diferir e adiar
estão na base na interpretação de um texto.

Exemplo de aplicação

Reflita sobre a frase de Derrida apresentada a seguir.

“Não há nada fora do texto.”


Leia a seguir o texto “Derrida e a linguagem”, publicado na revista Cult.

Derrida e a linguagem

Ao afirmar que “não existe o fora texto”, Derrida assume que a linguagem é o habitat
natural de toda a sua atividade filosófica e literária. E não é para menos: a operação de
desconstrução que o tornou célebre seria impensável sem os textos, os verdadeiros objetos
da desconstrução. A quase totalidade de seu trabalho se dá sobre textos escritos por outros,
sobre os quais ele se debruça para efetuar a característica desmontagem da estrutura e o
consequente descentramento de sentidos já consolidados. Nesses textos, a identificação
de esquemas conceituais armados pela linguagem clássica da filosofia é só um primeiro
passo, pois o que lhe importa é escrutinar as dobras do tecido da escrita para encontrar
textos que lá se escondem e desvendar feixes de significados pressupostos que de algum

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM

modo teriam permanecido implícitos e ocultos. Os textos estão, portanto, no ponto de


partida, em toda a travessia e na chegada (sempre provisória) das empreitadas analíticas
de Derrida. Com ele, cabe perfeitamente dizer que “no início era o signo”. Não por acaso,
é precisamente pelo signo que sua proposta de desconstrução da metafísica logocêntrica
começa, e a vantagem de começar pelo signo é precisamente a de começar pelo que essa
tradição sempre considerou secundário. Começar por aí é colocar-se, de saída, já no desvio.
Como não poderia deixar de ser para quem, no fundo, respeita a tradição, Derrida opera a
desconstrução do signo tomando a terminologia de Saussure como ponto de partida.

O signo linguístico constitui uma combinação entre o significante (a forma tomada como
imagem acústica) e o significado (o conteúdo tomado como conceito), como se fossem dois
lados de uma moeda. A função do signo é representar uma coisa, um referente, durante
a sua ausência. Derrida, no entanto, além de se recusar a tomar o significado como uma
unidade ou entidade separável do seu significante, considera que o significado não é mais
que o significante posto em determinada relação com outros significantes. A consequência
disso é que o significante, não mais se esgotando em sua materialidade, chega a absorver
certa idealidade antes conferida somente ao significado. Esse alargamento do significante
esboroa a diferença entre os dois lados do signo. Derrida chega a dizer que a diferença entre
significante e significado não é nada e, consequentemente, problematiza a sua própria
unidade. Que não nos enganemos, porém, tomando a desconstrução como uma destruição.
Pois, longe de ser destruído, o signo será (sob nova interpretação) mantido como prioritário
ao referente, e o significante como prioritário ao significado, de modo que não existirá mais
a coisa em si fora das redes de remissões dos signos.

Essa nova visão do signo está na raiz da generalização da “escritura”, que a tradição
metafísica também relegou ao plano secundário por não tê-la considerado como
diretamente ligada a um significado ou referência, mas como mera transcrição fonética,
gráfica ou alfabética. Para Derrida, no entanto, a palavra escrita estende vertiginosamente o
alcance da linguagem no espaço e no tempo e assegura a comunicação do pensamento de
alguém mesmo depois de sua morte (não sem expô-lo a riscos). A escritura e seus “traços”
de presença será a condição de possibilidade da repetição do signo e da concepção do
texto como um evento.

O enunciado segundo o qual não existe fora texto certamente não pretende
confinar ninguém a uma prisão linguística, mas abrir para as múltiplas possibilidades de
entendimento pela linguagem. Aos olhos de Derrida, um texto nunca está fechado em si
mesmo, permanecendo essencialmente aberto à leitura do outro. Nenhum texto prescreve
uma leitura inevitável, já que a “assinatura” da autoria nunca está completa: toda assinatura
é uma contra-assinatura que reúne todos os momentos da enunciação no momento único
em que o escritor fecha o livro já escrito e o abre para o leitor.

Embora tenha se dedicado a conceitos filosóficos, procurando desfazer dicotomias


clássicas que enclausuram o pensamento ocidental, a escritura de Derrida dificilmente se
inscreve no gênero de uma linguagem clássica da filosofia. Isso ocorre sobretudo por duas

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razões: em primeiro lugar, porque Derrida parece jogar a metáfora contra o conceito; em
segundo lugar, porque suas análises produzem enunciados tradicionalmente inadmissíveis
ao bom senso filosófico – por exemplo, quando ele fala de um passado absoluto que
nunca existiu, de uma repetição originária, de um infinito finito, de um nome próprio
que não é próprio etc. Em sua característica busca por clareza, o texto filosófico, quando
usa uma metáfora, sempre a explora como ferramenta de esclarecimento do conceito.
Mas em Derrida as metáforas são mantidas precisamente para dar lugar à fala oblíqua, que
explora conotações laterais ou sugere conteúdos sem explicitá-los. Talvez seja por isso
que a escritura de Derrida tenha encontrado maior receptividade no campo da literatura
que no campo da reflexão filosófica clássica.

Fonte: Faustino (s.d.).

Leitura sugerida

MIGUENS, S. Derrida: gramatologia, escrita, diferença, texto,


disseminação. In: MIGUENS, S. Filosofia da linguagem: uma introdução.
Porto: Universidade do Porto, 2007. p. 246-247.

8.2 Semiótica e linguística

8.2.1 Peirce

Charles Sanders Peirce (1839-1914) foi filósofo, lógico e fundador do pragmatismo. Foi um precursor
da análise conceitual desenvolvida pela filosofia analítica de Russell. De acordo com Marcondes (2011,
p. 72), “Peirce critica as formulações muito amplas e vagas da metafísica tradicional e propõe uma
investigação conceitual baseada na análise do significado dos conceitos”.

Seu nome é destaque quando se fala em semiótica, pois, na perspectiva peirciana, o estudo dos
signos ocupa papel central.

Leitura obrigatória

MARCONDES, D. Peirce. In: MARCONDES, D. Textos básicos de linguagem.


2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011. p. 72-78.

Como você pôde observar no texto indicado, Peirce classificou os signos em ícones, índices e
símbolos, segundo a relação com o que representam. Os ícones têm uma relação de semelhança com
o que representam. Os índices fazem indicações daquilo que representam. Os símbolos são arbitrários.

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM

Exemplos:

• A foto de um gatinho é um ícone do animal.

• Os talheres desenhados em uma placa de rodovia são o índice de um restaurante.

• O logotipo de uma marca é um símbolo dela.

Leitura sugerida

Para saber mais sobre o pensamento de Peirce, leia:

SANTAELLA, L. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.

8.2.2 Saussure

Ferdinand Saussure (1857-1913) dedicou-se ao estudo da língua como sistema autônomo e, por
isso, é considerado o pai da linguística. Seu estruturalismo influenciou outras áreas do saber, como a
antropologia de Lévi-Strauss, a teoria literária de Todorov e a psicanálise de Lacan.

De acordo com Saussure, na vida pessoal e social, a linguagem é o fator de maior importância.

Leitura obrigatória

MARCONDES, D. Saussure. In: MARCONDES, D. Textos básicos de


linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011. p. 88-96.

Leitura sugerida

Se quiser entender o pensamento saussuriano, leia a obra dele:

SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. Tradução: Antônio Chelini, José


Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 2003.

Saussure faz a distinção entre langue e parole e elege a língua como seu objeto de estudo sincrônico.
Estabelece as relações sintagmáticas e paradigmáticas da língua.

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Unidade III

Observação

A língua encontra-se inserida, como sistema, no âmbito social, e seus


mecanismos de funcionamento são apreendidos pelas pessoas. A fala, por
sua vez, corresponde ao uso individual da língua.

8.2.3 Chomsky

Noam Chomsky (1928-) é um dos mais influentes linguistas e críticos midiáticos da atualidade.
Na área da linguística, propôs a ideia da gramática gerativa. Para ele, a faculdade da linguagem é
mental, individual e inata, pois os falantes de uma língua são capazes de juízos de gramaticalidade
e agramaticalidade.

Na sua concepção, a linguística deve estudar a capacidade de gerar e reconhecer frases gramaticais
e as regras inatas que permitem as infinitas frases.

Leitura obrigatória

MARCONDES, D. Chomsky. In: MARCONDES, D. Textos básicos de


linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011. p. 110-114.

Leitura sugerida

Para se aprofundar nas ideias de Saussure e Chomsky, leia:

MIGUENS, S. Filosofia da linguagem e ciências da linguagem. In:


MIGUENS, S. Filosofia da linguagem: uma introdução. Porto: Universidade
do Porto, 2007. p. 35-76.

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM

Exercícios

Questão 1. Considere o meme a seguir, construído com a imagem do pensador Ferdinand Saussure,
e analise as afirmativas.

Figura 1

Disponível em: https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1237579043048622


&set=a.167592536713950&type=3&theater. Acesso em: 15 nov. 2018.

I – O meme brinca com o duplo significado da palavra “signo” e comprova a ideia de Saussure de que
a língua deve ser estudada em seu uso, na fala.

II – A arbitrariedade do signo é um dos pontos da teoria saussuriana e está de acordo com a teoria
naturalista da época de Platão.

III – O estruturalismo de Saussure influenciou várias outras áreas de conhecimento.

É correto o que se afirma apenas em:

A) I.

B) II.

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Unidade III

C) III.

D) I e III.

E) II e III.

Resposta correta: alternativa C.

Análise da questão

Para Saussure, o signo é arbitrário, isto é, convencional, o que não está, portanto, de acordo com
o naturalismo. Ele propôs a distinção entre langue e parole (língua e fala) e concentrou-se em estudar
as estruturas da língua. Seu pensamento estruturalista influenciou muitas áreas das ciências humanas,
como a antropologia e a teoria literária.

Questão 2. Leia os quadrinhos e analise as afirmativas.

Figura 2

Disponível em: https://img.estadao.com.br/resources/jpg/0/2/14794724


62620.jpg?xcd_image_optimization=false. Acesso em: 10 fev. 2020.

I – A ideia que o personagem Calvin apresenta na tirinha converge com a concepção de Saussure
sobre a arbitrariedade do signo.

II – A preocupação com o significado das palavras é uma questão que nasce com as ciências da
linguagem, com a semiologia de Saussure.

III – Calvin, ao atribuir significados às palavras, mostra, como os filósofos analíticos, que a linguagem é
fonte de erros. Por isso, o personagem propõe a criação de outra linguagem, com princípios lógicos.

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FILOSOFIA DA LINGUAGEM

É correto o que se afirma apenas em:

A) I.

B) II.

C) III.

D) I e II.

E) I e III.

Resposta correta: alternativa A.

Análise da questão

Para Saussure, o signo é arbitrário, isto é, não há relação entre o signo e a coisa. A natureza do
significado é uma questão abordada desde Platão. O personagem Calvin não tem como objetivo mostrar
a linguagem como fonte de erros e, muito menos, propor uma linguagem lógica. Trata-se de um exercício
lúdico que ele faz com as palavras.

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REFERÊNCIAS

Textuais

ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. Tradução coordenada por: Alfredo Bosi. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.

ALSTON, W. Filosofia da linguagem. Tradução: Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.

ARRUDA JR., G. F. 10 lições sobre Wittgenstein. Petrópolis: Vozes, 2017.

BRAIDA, C. Filosofia e linguagem. Florianópolis: Rocca Brayde, 2013.

CHAUI, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995.

COSTA, C. Filosofia da linguagem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

ECO, U. Semiótica e filosofia da linguagem. Tradução: Mariarosaria Fabris e José Luiz Fiorin. São
Paulo: Ática, 1991.

FAUSTINO, S. Derrida e a linguagem. Cult, [s.d.]. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/


derrida-e-a-linguagem/. Acesso em: 7 ago. 2020.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso. Tradução: Laura Fraga de Almeida Sampaio. São


Paulo: Loyola, 1998.

FREGE, G. Lógica e filosofia da linguagem. Tradução: Paulo Alcoforado. São Paulo: Edusp, 2009.

JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

LOCKE, J. Carta acerca da tolerância; Segundo tratado sobre o governo; Ensaio acerca do
entendimento humano. Tradução: E. Jacy Monteiro e Anoar Aiex. São Paulo: Abri Cultural, 1973.
(Os pensadores, 18).

MARCONDES, D. Filosofia analítica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

MARCONDES, D. Textos básicos de linguagem. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2011.

MARQUES, E. Wittgenstein e o Tractatus. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

MIGUENS, S. Filosofia da linguagem: uma introdução. Porto: Universidade do Porto, 2007.

PENCO, C. Introdução à filosofia da linguagem. Tradução: Ephraim F. Alves. Petrópolis: Vozes, 2006.

56
PONZIO, A.; CALEFATO, P.; PETRILLI, S. Fundamentos de filosofia da linguagem. Tradução: Ephraim F.
Alves. Petrópolis: Vozes, 2007.

PRADO, L. L. Filosofia da linguagem. São Paulo: Unesp, 2012.

PRESTON, A. Analytical philosophy: the history of an illusion. London; New York: Continuum, 2010.

RUSSELL, B. Da denotação. In: RUSSELL, B.; MOORE, G. E. Lógica e conhecimento; Princípios éticos.
Tradução: Pablo Rubén Mariconda. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 9-20. (Os pensadores, 42).

RUSSELL, B. Significado e verdade. Tradução: Alberto Oliva. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

SANTAELLA, L. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1983.

SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. Tradução: Antônio Chelini, José Paulo Paes e Izidoro Blikstein.
São Paulo: Cultrix, 2003.

SAUSSURE, F. et al. Textos selecionados. Tradução: Carlos Vogt et al. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
(Os pensadores, 49).

STRATHERN, P. Wittgenstein em 90 minutos. Tradução: Maria Helena Geordane. Rio de Janeiro:


Jorge Zahar, 2000.

WITTGENSTEIN, L. Investigações filosóficas. Tradução: Marcos G. Montagnoli. 6. ed.


Petrópolis: Vozes, 2009.

WITTGENSTEIN, L. Tractatus logico-philosophicus. Tradução: Luiz Henrique Lopes dos Santos. São
Paulo: Edusp, 1993.

57
GLOSSÁRIO

Dasein (ser-aí)

Termo usado por Heidegger para se referir ao ente humano, à existência humana.

Desconstrução

Método de análise e interpretação de textos proposto por Jacques Derrida. Segundo Derrida (apud
JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 67), “a desconstrução não consiste em passar de um conceito a outro,
mas sim em inverter e deslocar uma ordem conceitual bem como a ordem não conceitual à qual esta
se articula”. O objetivo é “explorar os vários significados ocultos e implícitos que constituem o modo de
operação do texto, sua ‘disseminação’, revelando suas contradições internas e estabelecendo um sentido
que pode ir além e mesmo contra o pretendido pelo autor” (JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 67).

Discurso

A palavra discurso tem várias acepções. De forma geral, discurso é o sentido construído em toda
atividade comunicativa. De acordo com Japiassú e Marcondes (2001, p. 74), a filosofia contemporânea
“valoriza a análise do discurso como método próprio à filosofia, considerando o discurso não apenas
como o simples texto, mas como o próprio campo de constituição do significado em que se estabelece
a rede de relações semânticas com a visão de mundo que pressupõe”.

Empirismo

Teoria que acredita que todo conhecimento humano deriva, direta ou indiretamente, da experiência
dos sentidos. Empirismo lógico é o mesmo que positivismo lógico ou neopositivismo.

Enunciado

Trata-se do resultado da enunciação, ou seja, do ato de dizer. Enunciado, portanto, é o dito (ou
escrito). Proposição formulada.

Epistemologia

Termo que corresponde à teoria do conhecimento. Seu objeto é o estudo crítico da origem, da
natureza, dos limites e da validade do conhecimento.

Escola de Frankfurt

Grupo de pensadores que elaboraram uma teoria crítica do conhecimento. Segundo Japiassú e
Marcondes (2001, p. 112), a “Escola de Frankfurt elucidou o caráter contraditório da conquista racional
do mundo, pois a racionalidade científica e técnica consegue o feito de converter o homem num escravo

58
de sua própria técnica. Procedeu ainda, de modo mais ou menos radical, segundo os autores, a uma
crítica da ‘massificação’ da indústria cultural, dos totalitarismos, da concepção positivista do mundo”.

Estruturalismo

Uma das principais correntes de pensamento do século XX. Doutrina filosófica que se baseia na
noção de estrutura como conceito teórico e metodológico. Concepção metodológica em diversas
ciências (linguística, antropologia e psicologia), tem como procedimentos a determinação e a análise de
estruturas do objeto estudado.

Filosofia analítica

Corrente de pensamento que se caracteriza pela concepção de que a lógica e a teoria do significado
ocupam um papel central na filosofia. Propõe, por isso, a análise lógica das sentenças para a solução dos
problemas filosóficos.

Fonética

Estudo dos aspectos acústicos da fala.

Hermenêutica

A arte ou técnica de interpretar um texto. O termo tem origem teológica, referindo-se à interpretação
de textos religiosos. No campo dos estudos da linguagem, essa abordagem baseia-se nas ideias de
Friedrich Schleiermacher e considera que a significação depende da situação de proferimento e do
contexto discursivo (BRAIDA, 2013).

Holismo

Abordagem científica que defende o entendimento global dos fenômenos, sendo contrária à
fragmentação do conhecimento.

Idealismo

Segundo Japiassú e Marcondes (2001, p. 134), “o termo idealismo engloba, na história da filosofia,
diferentes correntes de pensamento que têm em comum a interpretação da realidade do mundo exterior
ou material em termos do mundo interior, subjetivo ou espiritual. Do ponto de vista da problemática do
conhecimento, o idealismo implica a redução do objeto do conhecimento ao sujeito conhecedor; e, no
sentido ontológico, equivale à redução da matéria ao pensamento ou ao espírito. O idealismo radical
acaba por levar ao solipsismo”.

Ilocutório

Ato de fala em que o falante introduz uma intenção comunicativa (pedir, afirmar, ameaçar etc.).
59
Inatismo

Concepção que defende que ideias, princípios ou estruturas do pensamento são inatas.

Isomorfismo

Correspondência entre as formas (ou estruturas) de duas ou mais entidades.

Jogos de linguagem

Ideia importante na segunda fase do pensamento de Wittgenstein, a noção de jogo de linguagem


pressupõe a concepção de linguagem como comunicação e interação. Os falantes devem seguir regras
sociais para realizar seus objetivos comunicativos.

Linguagem

Sistemas de signos que pretendem representar a realidade e possibilitam a comunicação humana. Os


signos podem ser verbais ou não verbais.

Linguística

Ciência que tem como objeto a análise do sistema abstrato que constitui as relações na língua.

Lógica

Em definição ampla, é o estudo da estrutura e dos princípios relativos à argumentação válida,


sobretudo da inferência dedutiva e dos métodos de prova e demonstração.

Metafísica

Significa aquilo que está além da física, que a transcende.

Monismo

Doutrina que considera que o mundo é regido por um princípio fundamental único.

Nominalismo

Corrente que se origina na filosofia medieval e defende que as ideias gerais não têm existência real,
são apenas nomes.

Ontologia

Estudo da essência do ser, da natureza comum aos seres, do ser enquanto ser.
60
Paradigma

Modelo mental que sustenta um sistema de ideias. Em filosofia da ciência, Thomas Kuhn
(apud JAPIASSÚ; MARCONDES, 2001, p. 206) considera que “alguns exemplos aceitos na prática
científica real – exemplos que incluem, ao mesmo tempo, lei, teoria, aplicação e instrumentação –
proporcionam modelos dos quais surgem as tradições coerentes e específicas da pesquisa científica”.
Esses modelos são paradigmas.

Positivismo

Sistema filosófico formulado por Augusto Comte no século XIX. De acordo com ele, a sociedade
passa por três etapas: a teológica, a metafísica e a positiva. Na terceira, surgem as ciências positivas,
que devem organizar a sociedade. Na perspectiva positivista, a humanidade progride de forma contínua.

Pragmática

Ramo dos estudos de linguagem que considera a língua em seu uso concreto, nas
situações de comunicação.

Racionalismo

Doutrina que privilegia a razão como fundamento de todo conhecimento possível.

Realismo

Concepção filosófica que defende a existência de uma realidade exterior, determinada, autônoma,
independente do conhecimento que se pode ter sobre ela. “O conhecimento verdadeiro, na perspectiva
realista, seria então a coincidência ou correspondência entre nossos juízos e essa realidade” (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2001, p. 231).

Semântica

Teoria do significado. A semântica ocupa-se da relação entre os signos e os objetos significados. Seus
conceitos centrais são o próprio significado e a referência. Segundo Japiassú e Marcondes (2001, p. 244),
“temos teorias semânticas convencionalistas, construtivistas, naturalistas, verificacionistas etc.”.

Semiótica

Ciência que estuda os signos. “Mais contemporaneamente, o filósofo norte-americano Charles


Morris (1946) propôs a constituição de uma teoria geral dos signos, subdividindo-se em uma sintaxe, o
estudo da relação dos signos entre si; uma semântica, o estudo da relação entre os signos e a realidade
a que se referem; e uma pragmática, o estudo dos signos em relação a seu uso concreto” (JAPIASSÚ;
MARCONDES, 2001, p. 244).

61
Signo

Aquilo que representa algo. Uma palavra é um signo linguístico. Um desenho é um signo não verbal.

Sintaxe

Sistema de regras que possibilita a combinação dos termos na construção de sentenças. No contexto
da semiótica, é o estudo das relações entre os signos.

Solipsismo

Termo que designa a crença de que a única realidade é o eu individual. As coisas do mundo são
representações da subjetividade.

Teoria referencial da significação

Concepção que considera que o significado de um signo é estabelecido por sua relação com o
referente, ou seja, com o objeto que ele representa.

62
ANEXOS: TRANSCRIÇÃO DE ALGUMAS LEITURAS OBRIGATÓRIAS

1 ABORDAGENS LÓGICA E PSICOLÓGICA DA LINGUAGEM

Livro: Filosofia da linguagem, Lúcio Lourenço Prado

Certamente a linguagem tem várias finalidades na vida humana. O fato de podermos articular sons
ou sinais gráficos dotando-os de significação e tornando-os capazes de comunicar conteúdos é algo
muito útil e que tem sido utilizado pela humanidade com grande proveito e para muitas coisas. Somente
no século XX, a partir do pensamento tardio de Wittgenstein, a filosofia parece ter compreendido este
caráter multifacetado da linguagem da forma mais abrangente. Até então, os filósofos tendiam a
privilegiar uma ou outra característica e finalidade da linguagem para fornecer suas teorias semânticas.
E, dependendo do ponto de vista adotado quanto à finalidade última da linguagem no conjunto das
ações humanas, diferentes teorias acerca do significado linguístico serão produzidas.

De modo geral, praticamente todos concordam que a linguagem é um instrumento, uma


ferramenta. Mas é uma ferramenta que serve para várias coisas. Duas dessas “utilidades” da linguagem
foram privilegiadas pelos filósofos ao longo dos séculos, de modo que podemos facilmente identificar
duas tendências bem definidas de pensamento quando estudamos as teorias sobre a linguagem
através da história:

• Abordagem psicossociológica é aquela que aborda a linguagem como instrumento de interação


intersubjetiva, privilegiando, assim, o papel por ela exercido na comunicação humana ordinária;
busca, dessa forma, explicar o papel da linguagem enquanto instrumento capaz de exteriorizar os
conteúdos da vida psíquica dos sujeitos e, assim, entre outras coisas, proporcionar aos homens a
possibilidade da constituição do pacto social, dos acordos que supostamente fundamentam a vida em
sociedade, uma vez que esses acordos somente podem ser estabelecidos por meio de uma linguagem.

• Abordagem lógico-veritativa da linguagem é aquela que detém seu foco de atenção na


caracterização da linguagem como instrumento da ciência; assim, seu problema principal consiste
em averiguar a capacidade que tem a linguagem de enunciar verdades sobre o mundo. Esse
ponto de vista tende a priorizar a investigação acerca do conceito de proposição, e sempre estará
submetido a teorias formais da verdade.

Essa dupla possibilidade de abordagem da linguagem com relação ao papel que exerce no conjunto
das atividades humanas tem consequências importantes, pois levará a dois modelos distintos de
teorias semânticas.

Como foi mencionado, a comunicação linguística se dá por meio da expressão de sentidos, de


unidades complexas de significados que se constituem a partir da significação de suas partes. Uma
pergunta importante que temos de fazer é: o que é esse conteúdo objetivo comunicado? Qual o seu
estatuto? São entidades mentais, de natureza subjetiva e, portanto, privada, como nossas ideias e
representações? Ou são conteúdos objetivos, com validade própria, que independem das mentes que
os compreendem, e que, por isso, são comuns a todos os sujeitos? Será que algo pode expressar um
63
sentido mesmo que não haja nenhuma mente para compreendê-lo, ou será que o sentido somente se
manifesta na medida em que é compreendido por alguma mente? De acordo com o ponto de vista com
o qual abordamos a linguagem, seremos inclinados a direcionar nossas respostas às questões colocadas
para uma ou outra direção. Se a linguagem é abordada a partir da característica que possui de ser o
instrumento privilegiado da interação intersubjetiva, necessário, entre outras coisas, ao estabelecimento
do pacto social, parece razoável afirmar, como alguns idealistas, que a linguagem tem por objetivo
exteriorizar por meio de signos sensíveis os conteúdos subjetivos da consciência, nossas ideias. Como não
é possível ter acesso direto àquilo que meu interlocutor está pensando, uma vez que suas ideias não são
sensíveis (isto é, não podem ser percebidas pelos cinco sentidos), faz-se necessária a utilização de
signos sensíveis capazes de substituir as ideias não sensíveis. Os termos da linguagem são, pois, de acordo
com eles, signos de nossas ideias. E só podemos estabelecer qualquer tipo de acordo e estabelecer
os fundamentos do pacto social se, literalmente, formos capazes de trocar ideias, e só por meio da
linguagem somos capazes de realizar tal proeza.

Adotado esse ponto de vista, somos levados a compreender a linguagem como algo que tem como
referência direta não o mundo, mas nossas ideias sobre o mundo. Em última análise, não pretendo
comunicar o que se passa no mundo quando me comunico linguisticamente, mas aquilo que se passa na
minha cabeça. Mesmo quando pareço falar do mundo, estou, na verdade, falando de minhas ideias acerca
do mundo. Desse ponto de vista, a linguagem é tida como algo que versa sobre o universo subjetivo e
psíquico, e não sobre o mundo exterior. Há, certamente, um forte elemento idealista aqui. Esse ponto de
vista está diretamente vinculado à tese, muito difundida durante a filosofia moderna, de que os sujeitos
não têm nenhum tipo de acesso cognitivo ao mundo exterior, mas o fazem por meio de “substitutos”,
que são nossas ideias. Ou seja, não conhecemos diretamente o mundo, mas somente por intermédio
de nossas ideias acerca dele. Nesse sentido, nada mais natural para os idealistas do que afirmar que a
linguagem se refere prioritariamente aos conteúdos de nossas mentes e não ao “mundo real”.

Por outro lado, os filósofos que se preocuparam prioritariamente em oferecer teorias semânticas
capazes de explicar a capacidade que a linguagem possui de expressar verdades acerca do mundo
tenderão a postular que a constituição dos sentidos independe das mentes que os compreendem, pois
esses sentidos devem expressar, de alguma forma, o comportamento do mundo. Assim, os sentidos
expressos pela linguagem devem possuir algum tipo de objetividade que exigirá, em última instância,
uma conexão necessária com o mundo do qual se está falando. A linguagem, sob esse enfoque, deve
ser encarada como um instrumento para falar do mundo e não do universo psíquico. Esses filósofos
tenderão também a priorizar a investigação acerca da lógica da linguagem, isto é, da legalidade objetiva
e racional que permeia toda a linguagem enunciativa que pretende dizer algo acerca do mundo. Se
a linguagem é uma ferramenta adequada para enunciar verdades sobre o mundo, ela deve ter uma
estrutura tal, deve obedecer a princípios tais, que possa representar a ordem do próprio mundo tido
como objeto do discurso. Devo conhecer a lógica da linguagem a fim de compreender os mecanismos
semânticos que possibilitam a conexão da linguagem com o mundo. O discurso torna-se, assim, discurso
sobre o mundo, e não sobre as ideias nas mentes dos sujeitos.

Podemos, pois, considerar que as duas posições apontadas constituem uma abordagem lógica e
outra psicológica da linguagem. Uma busca entender a linguagem utilizada pelo ser humano real no
64
mundo, na medida em que interage com seus semelhantes e exterioriza, na medida do possível, aquilo
que pensa, o conteúdo de sua vida mental. A outra compreende a linguagem como algo que pode, de
alguma forma, simular situações possíveis do mundo, simulações essas que devem poder ser comparadas
com o próprio mundo a fim de verificar sua verdade ou falsidade.

Em linhas gerais, foram apresentados dois modelos que se entrecruzarão no decorrer da disciplina.
Compreender a tensão e a disputa entre as abordagens lógica e psicológica da linguagem será um dos
nossos principais objetivos.

2 O SIGNIFICADO DAS PALAVRAS E A UNIDADE DO SENTIDO

Livro: Filosofia da linguagem, Lúcio Lourenço Prado

Certamente soará estranha a afirmação a seguir, mas a sua compreensão será fundamental para
começarmos a entender os problemas que se colocarão em nossa disciplina com relação ao processo de
significação e de interação linguística:

Embora utilizemos as palavras no ato comunicativo (ou, pelo menos, no ato comunicativo discursivo),
as palavras não têm o poder de comunicar; ou seja, nós não nos comunicamos pelas palavras e através
de seus significados.

Não estamos fazendo aqui alusão a alguma espécie de comunicação não discursiva que poderíamos,
talvez, postular. Não estamos falando de alguma suposta linguagem corporal ou linguagem dos gestos,
ou de alguma possível linguagem intuitiva, cujos conteúdos pudessem, talvez, de forma imediata, sem
a mediação simbólica, ser comunicados de mente para mente. Não é isso. Nossa afirmação diz respeito
tanto à linguagem que estamos todos acostumados a usar, a linguagem do dia a dia, a linguagem
natural, quanto às linguagens formais das ciências. Nossa afirmação mantém, portanto, que os processos
de interação intersubjetiva que realizamos linguisticamente em nossa vida real não têm as palavras ou
seus significados como objetos últimos a serem comunicados. Por uma razão muito simples: embora a
palavra, ao seu modo, tenha propriamente um (ou mais de um, no caso dos termos equívocos) significado,
esse significado, isoladamente, não é suficiente (salvo raríssimas exceções de ordem contextual) para
constituir um conteúdo a ser comunicado. É preciso mais do que palavras isoladas e seus significados
para que algo possa ter seu sentido constituído.

Por exemplo: conhecemos o significado da palavra carro. No entanto, suponha que alguém chegue
até nós e diga: “Carro”. Se a situação for considerada em si mesma, isolada de quaisquer especificações
de ordem contextual; se não supusermos, por exemplo, que alguém tenha feito uma pergunta antes, ou
que se trate de algum jogo; se tomarmos a situação como um início de conversa, o que se pode entender
sobre o que disse o interlocutor? O que alguém pode querer comunicar quando enuncia simplesmente
a palavra carro, mesmo supondo que todos os seus interlocutores conheçam seu significado? A resposta
é elementar: nada. Palavras isoladamente não comunicam nada.

No entanto, se a pessoa disser, por exemplo, “Meu carro está quebrado”, a situação torna-se diferente,
pois um conteúdo objetivo será expresso. Algo que possui uma unidade de sentido será comunicado e, por
65
causa disso, algo também poderá ser compreendido. Pode-se, assim, estabelecer a relação mais elementar
do processo comunicativo: a comunicação de conteúdos que não são propriamente os conteúdos
semânticos isolados das palavras, mas unidades de sentido, que se constituem a partir das palavras.

Parece claro, a partir do exemplo fornecido, que o problema do significado é algo muito mais
complicado do que aquele que se estabelece quando perguntamos simplesmente pela relação referencial
que existe entre as palavras e as coisas. Este, embora não seja isento de dificuldades, é muito menos
complexo e tem menos consequências do que o problema que envolve a pergunta pela constituição
do sentido. E é exatamente isto o que exprimimos de fato quando nos comunicamos em qualquer que
seja a circunstância: sentidos, uma unidade complexa de significado. As palavras com seus significados
específicos, por sua vez, são as ferramentas que utilizamos para constituir e expressar os sentidos;
seus significados contribuem para a constituição do sentido; mas, isoladamente, não podem expressar
pensamentos; literalmente, não fazem sentido.

Se encaramos as coisas a partir desse ponto de vista, muitos problemas se colocam para o
filósofo da linguagem:

• Por que determinadas palavras dispostas de forma diferente podem exprimir o mesmo sentido?
Por exemplo: “João ama Maria” e “Maria é amada por João” são arranjos diferentes de palavras
que exprimem o mesmo sentido.

• Por que em outras situações a disposição diferente dos termos exprime sentidos diferentes? Por
exemplo: “João ama Maria” tem um sentido distinto de “Maria ama João”.

• Por que determinadas palavras quando agrupadas exprimem um sentido e outras não? Por
que “Brasil quarta-feira cantar” não significa nada, embora todas as palavras empregadas
tenham significado?

• Como é possível que os significados isolados de cada palavra possam se unir a outros significados
para, em última instância, significar uma única coisa, ou seja, exprimir um único sentido? Por que
e como os significados isolados das palavras “o”, “carro”, “é” e “azul”, quando agrupados significam
uma única coisa, a saber, o sentido da proposição “O carro é azul”?

• Qual a natureza e o estatuto desse conteúdo objetivo que comunicamos? É uma entidade psíquica
ou uma entidade racional e objetiva?

Esses e alguns outros problemas deles decorrentes serão abordados no decorrer da presente disciplina.
Começaremos abordando alguns pontos de vista a partir dos quais a filosofia pode enxergar o papel
(ou os papéis) da linguagem no conjunto das atividades humanas, a fim de compreendermos em que
sentidos podemos dizer que a linguagem é um instrumento capaz de expressar conteúdos.

66
3 A TEORIA DOS NOMES DE STUART MILL

Livro: Filosofia e linguagem, Celso Braida

Stuart Mill faz parte da história da formação da filosofia da linguagem por ter defendido uma tese
que questiona diretamente o paradigma da representação e da significação linguística exemplificado
por Locke, ao mesmo tempo que colocava o estudo da linguagem como central para a lógica, na sua obra
Sistema de lógica dedutiva e indutiva (1843). A importância lógico-filosófica de sua posição foi expressa
de modo claro e incontornável. Já no primeiro livro, denominado “Dos nomes e das proposições”, o
primeiro capítulo diz “Da necessidade de começar por uma análise da linguagem”, e a primeira seção diz
“Teoria dos nomes, parte necessária da lógica”. O qualificativo “necessário” para a análise da linguagem
e para a teoria dos nomes tem de ser lido como dizendo: sem isso não temos lógica (nem filosofia da
lógica). No entanto, a tese que será associada ao nome de Mill é a que afirma que os nomes são nomes
das coisas mesmas, e não de nossos conceitos ou ideias das coisas, uma vez que os nomes próprios
“denotam os indivíduos a quem dão o nome, mas não afirmam nem implicam qualquer atributo como
pertencente a esses indivíduos” (Sistema de lógica dedutiva e indutiva, livro I, cap. II, § 5). Essa é uma
ideia revolucionária no que se refere às relações entre linguagem, consciência e mundo, pois admite
haver uma relação direta entre expressões linguísticas e objetos.

Para Mill, com efeito, “os nomes próprios estão vinculados aos objetos em si e não dependem da
permanência de qualquer atributo do objeto”. Noutras palavras, os nomes não expressam diretamente
ideias de objetos, e não apanham nem apreendem os objetos por codificarem algum conceito deles,
mas antes mantêm com eles relações exteriores e contingentes, relação essa denominada por Mill
de denotação. Essa relação é direta e não mediada por representações mentais. Todavia, há outra
relação entre palavras e objetos, denominada conotação, que consiste em reunir um plexo de notas
características, as quais selecionam ou não um objeto. Considere-se a palavra retângulo. Muitos
objetos são nomeados por essa palavra, isto é, podem ser indicados por essa palavra: campos de
futebol, bandeira do Brasil, livros, figuras etc. Por isso, propriamente falando, essa palavra não é um
nome próprio de um ou de outro objeto, mas um nome comum a muitos objetos. E ela nomeia vários
objetos à medida que conota os atributos angular, reto, quadrilateral, e denota aqueles objetos que
possuem esses atributos conjuntamente. Vê-se que os nomes comuns nomeiam de maneira indireta,
pela mediação das notas características.

A tese de Mill é que os nomes próprios não têm conotação, mas apenas denotação. O que
significa dizer que um nome próprio não indica um atributo do objeto nomeado. Considere-se, para
isso, a diferença entre as palavras humano e Sócrates. Ambas podem ser usadas para indicar um
determinado objeto de discussão, em frases do tipo “Ele é humano”, “Ele é Sócrates”. No entanto,
a palavra humano, ao ser dita de algo, implica que esse algo tem vários atributos, codificados na definição
de humano, como animal, mamífero, vertebrado, sensível, falante, capaz de matar gratuitamente etc.
Já a palavra Sócrates não implica, segundo Mill, um atributo. Embora essa concepção seja um pouco
estranha, ela tem base numa percepção do uso dos nomes próprios, pois, a despeito de os nomes
estarem associados a ideias, qualquer palavra pode ser um nome, mais ainda, diferentes objetos
(e pessoas) podem ser nomeados por uma mesma expressão, sem que isso implique que eles tenham
alguma característica em comum. A partir da tese de Mill, pode-se levantar as seguintes questões para
67
a teoria moderna: o que há de comum entre as pessoas que se chamam José e o que há de comum
entre as pessoas denominadas vaidosas? Como as palavras do tipo “de”, “e”, “para” e “tanto” significam,
elas são nomes próprios ou nomes comuns? Note-se que, para Locke, sempre há uma ideia associada a
uma palavra significativa, e, se dois objetos têm o mesmo nome, em princípio, a esse nome deveria estar
associada a mesma ideia.

Não é apenas a correlação entre consciência, linguagem e realidade que é modificada pela tese
de Mill. Essa concepção representa também uma modificação do conceito mesmo de julgar, afirmar
e negar. Conforme a teoria padrão moderna, julgar é conectar ou separar ideias, como vimos antes.
Ainda em Kant encontramos essa concepção de juízo: “Um juízo (Urtheil) é uma representação da
unidade da consciência de diversas representações ou a representação da relação entre elas, à medida
que constituem um conceito” (KANT, I. Manual dos cursos de lógica geral, 2003, p. 201).

No plano da linguagem, um juízo é expresso normalmente por uma frase declarativa. E uma frase
declarativa simples compõe-se de uma ideia-sujeito e de uma ideia-predicado. Se for aceita a tese de
Mill, esse esquema deve ser modificado, pois sua tese é que “um nome concreto é um nome que está por
uma coisa; um nome abstrato é um nome que está por um atributo de uma coisa” (Sistema de lógica
dedutiva e indutiva, livro I, cap. II, § 4). Logo, numa frase do tipo “Sócrates é humano”, não temos mais
duas ideias sendo unidas, mas antes uma ideia, a de humanidade, sendo atribuída a um objeto, Sócrates.
Se Sócrates possui as determinações conotadas pela palavra humano, então a afirmação é verdadeira.
Dito de modo diferente, se o indivíduo denotado por Sócrates pertence à classe de indivíduos selecionada
pela conotação de humano, a afirmação é verdadeira; do contrário, é falsa.

Isso mostra já que se faz necessária uma revisão da concepção de linguagem e do modo de
funcionamento das expressões linguísticas, pois a depender da teoria da significação linguística se pode
defender teses lógicas muito diversas. Contudo, a despeito de valorizar a análise da linguagem, Mill
ainda mantém a concepção do caráter instrumental das expressões linguísticas:

A lógica é uma parte da arte do pensar; a linguagem, de acordo com o


testemunho de todos os filósofos, é, evidentemente, um dos principais
instrumentos úteis ao pensamento [...]. Um espírito que, sem estar
previamente instruído sobre a justificação e o justo emprego das diversas
classes de palavras, empreendesse o estudo dos métodos de filosofar, seria
como aquele que quisesse chegar a ser observador em astronomia sem ter
aprendido a acomodar a distância focal dos instrumentos de ótica para uma
visão distinta (Sistema de lógica dedutiva e indutiva, introdução, cap. I).

A ideia revolucionária de Mill está em eliminar o mediador representacional (mental e interno)


como fundamento da significatividade dos nomes próprios. Nesse caso, a palavra (o signo) remete à
coisa (objeto) diretamente. No entanto, a teoria de Mill é incompleta, pois ela não explica como então
uma palavra pode significar um objeto, e, sobretudo, como é que diferentes falantes podem se fazer
compreender usando uma mesma palavra. A resposta para essas questões será fornecida pelas teorias
do uso e do batismo (teoria da referência direta e teoria causal da referência), somente em meados do
século XX, um século depois. Outra ideia revolucionária de Mill é de que as palavras significam de modo
68
diferente, de que há diferentes modos de uma expressão linguística ser significativa. Essa ideia será uma
das mais fecundas no século XX.

Todavia, a teoria de que os nomes têm apenas denotação (referência) e nenhuma conotação enfrenta
várias dificuldades. Uma delas é o uso de nomes próprios em textos de ficção. Considere-se o nome
Sócrates. Segundo a teoria de Mill, esse nome é significativo por denotar um indivíduo, seja ele qual
for, mesmo quando não se tem esse indivíduo dado diretamente na experiência. A pergunta que surge,
então, é quanto ao modo como podemos saber a qual indivíduo se está a referir quando se utiliza um
nome. Se a palavra Sócrates, por se tratar de um nome próprio, não depende de um atributo associado
ao indivíduo Sócrates para nomeá-lo – de nenhuma conotação –, então, como se pode saber de qual
Sócrates alguém fala quando usa esse nome, já que existe mais de uma pessoa chamada Sócrates no
mundo? Isso sugere que a teoria da denotação de Mill pode funcionar bem somente com números, já
que só existe um 3 no mundo, e nomes que nomeiam apenas um indivíduo. Além disso, por contraste,
considere-se o nome Diadorim no texto Grande sertão: veredas. Embora funcione como nome próprio
e o texto seja compreensível, não há propriamente falando um indivíduo que seja Diadorim. Porém, se
a função semântica dos nomes próprios é tão somente nomear um indivíduo, então, os nomes, como
Sócrates e Diadorim, embora usados da mesma maneira, funcionam de maneira diferente. Ou o nome
Diadorim não é um nome, ou ele nomeia um indivíduo inexistente. Ambas essas soluções parecem
contradizer o uso corrente.

4 MILL E A REFUTAÇÃO DO CONCEITUALISMO

Livro: Filosofia da linguagem, Lúcio Lourenço Prado

Durante cerca de dois séculos após a publicação do Ensaio de Locke, imperou em parte da filosofia
a tendência a reduzir a lógica e a semântica à psicologia. No entanto, isso trouxe muitos problemas.
Submeter as supostas leis objetivas da razão à contingência das reflexões psicológicas traz consequências
que alguns filósofos não estavam dispostos a assumir. O grande antipsicologista que conhecemos é
Frege, que dedicou quase toda a sua vida intelectual à tarefa de estabelecer as bases e fundamentos
racionais da ciência da lógica e uma teoria do significado compatível com ela. No entanto, antes do
alemão Frege, o inglês Stuart Mill havia já dedicado esforços no sentido de romper com o idealismo
subjetivista no qual a filosofia estava atolada havia mais de dois séculos, e isso se manifestou de forma
contundente em sua teoria do significado. Vejamos, em linhas gerais, os principais argumentos da crítica
milliana ao conceitualismo.

A tese conceitualista de que os nomes se referem às ideias e não às coisas mesmas, num certo sentido,
é uma consequência quase que necessária de outra tese que lhe é logicamente e sistematicamente
anterior: de que usamos a linguagem para comunicar nossos pensamentos. Nesse sentido, a semântica
seria, por um lado, reduzida à psicologia, pois a relação entre os nomes e o suposto mundo real (de
acordo com Locke, as coisas reais às quais nossas ideias se referem somente são afirmadas por meio
de uma suposição tácita) se explicaria, em última instância, por meio de causas psicológicas, que
determinam a maneira como adquirimos nossas ideias a partir da experiência empírica. Mas, por outro
lado, a semântica também se reduz à pragmática, uma vez que é o uso que fazemos da linguagem
(transmitir pensamentos) que impõe a necessidade de uma semântica psicológica. Ora, de acordo com
69
essa situação, claro deve estar que, para refutar a tese conceitualista de que os nomes se referem às
ideias, será necessário refutar a tese que dá suporte e fundamento a esse conceitualismo, ou seja, dado
que a tese semântica de que os nomes significam imediatamente ideias supõe a tese pragmática de
que a linguagem é usada para transmitir pensamentos, somente será possível mexer na primeira se a
segunda também for alterada. Stuart Mill fará justamente isso. Em seu Sistema de lógica, contra a tese
conceitualista, ele nos diz:

Se isso [a tese conceitualista] quisesse dizer simplesmente que a concepção


só, e não a coisa mesma, é recordada e transmitida pelo nome, não haveria
nada a se opor. No entanto, parece razoável seguir o uso comum dizendo
que a palavra sol é o nome do sol, e não de nossa ideia de sol. Com efeito:
os nomes não estão destinados somente a fazer conceber aos outros aquilo
que concebemos, mas também para informar o que nós cremos.

E, um pouco antes, ao tratar das proposições em geral, Mill afirma: “Tudo o que pode ser objeto de
crença e não crença deve ser expresso por palavras e assumir a forma de uma proposição”.

Esse trecho, de acordo com os nossos interesses específicos, é, sem dúvida, uma das principais
passagens do Sistema de lógica. Isso porque é aqui que Mill estabelece as bases a partir das quais
se sustenta seu anticonceitualismo. Como é possível notar, Mill nega que os nomes tenham ideias
como seus referentes imediatos mencionando o fato de que não usamos a linguagem simplesmente
para comunicar aos nossos interlocutores o conteúdo de nossas representações subjetivas, aquilo que
concebemos em nosso universo psicológico. Certamente, quando enuncio uma proposição na qual
figura o termo sol devo ter em mente uma ideia do sol; mas isso não deve significar que é sobre a
ideia de sol que o discurso proposicional se refere. Isso porque o sol, embora figure enquanto ideia
no intelecto de quem enuncia tal proposição, é reivindicado como integrante de um fato objetivo do
mundo, e é sobre esse fato objetivo que a proposição deve estar referida. Certamente, de acordo com o
ponto de vista milliano, devo pensar no sol para enunciar uma proposição na qual a palavra sol apareça,
mas nem por isso devemos daí inferir que é sobre a ideia de sol que o discurso proposicional se refere.
É porque a palavra sol se apresenta enquanto parte de um conteúdo proposicional que busca representar
um fato do mundo, que ela não pode ter por referência a ideia de sol na mente de quem fala. Isso
porque, de acordo com o ponto de vista de Mill, utilizamos a linguagem para falar do mundo, para
enunciar aquilo que julgamos verdadeiro sobre o mundo, o conteúdo de nossas crenças, enfim, emitimos
juízos. Se a linguagem de fato servisse somente para comunicar aos outros aquilo em que estamos
pensando, ou seja, as ideias que estamos tendo atualmente, o conceitualismo teria razão; penso num
cachorro e pronuncio a palavra cachorro; certamente, meu interlocutor saberá, ao me ouvir, que penso
num cachorro e, nesse caso, torna-se óbvio que o significado imediato da palavra cachorro, tal como
foi proferida, somente pode significar a ideia de cachorro na minha mente no ato da enunciação. No
entanto, quando utilizo a palavra cachorro para expressar uma crença num fato do mundo no qual
o cachorro participa, a palavra cachorro terá outro significado, e isso graças ao fato de estar inserida
num contexto proposicional; e aí se torna insustentável a tese de que o significado do termo é
meramente uma ideia na mente de quem fala. Certamente devo estar pensando num cachorro e devo
ser capaz de ter uma ideia de cachorro para que eu possa enunciar uma proposição na qual o termo
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cachorro aparece. No entanto, se aceitarmos, com Mill, que não usamos a linguagem para comunicar o
conteúdo dos nossos pensamentos (que em termos lockianos é sinônimo de comunicar ideias), mas que
a função prioritária da linguagem está ligada à enunciação proposicional, que a função da linguagem
não é comunicar o que concebemos em nossa mente na forma de imagens mentais, mas sim as nossas
crenças em verdades, então a representação subjetiva deixa de ser relevante, embora esteja suposta.

Ora, qual é a importância de tal argumento para nossos propósitos? Salientar que Mill notou a
necessidade de priorizar a noção de verdade numa teoria semântica. Ele não deixa, certamente, de
fornecer à sua teoria uma dimensão pragmática: a linguagem possui uma função, um uso. No entanto,
não usamos a linguagem simplesmente para comunicar aos outros o conteúdo atual de nossas
representações, mas para comunicar o objeto de nossas crenças. E, embora a crença em si mesma
seja um estado de consciência – e, por isso mesmo, uma manifestação subjetiva –, quando cremos,
cremos em algo, e esse algo é algo objetivo. A verdade, ao contrário do que dizia Locke, não se refere
a nossas ideias, mas a fatos objetivos do mundo. Este foi o principal movimento realizado por Mill no
que tange aos problemas que nos interessam particularmente: delegar à linguagem uma roupagem
lógico-veritativa em oposição à visão psicossociológica presente no modelo hobbes-lockiano. Naquele
modelo, a teoria da linguagem tem por objetivo sua fundamentação enquanto instrumento necessário
para o estabelecimento do contrato social; por isso, supõe que sua função é comunicar pensamentos,
pois só trocando ideias (literalmente) os indivíduos podem estabelecer os acordos necessários ao
mútuo convívio. Aqui, no universo de Stuart Mill, a linguagem é fundamentada enquanto discurso
proposicional, enquanto instrumento necessário à enunciação de verdades. Não é ocioso lembrar o
quanto essa mudança de ponto de vista com relação à natureza e função pragmática da linguagem foi
determinante para muitas das discussões que serão empreendidas por filósofos como Frege, Russell,
Moore ou Wittgenstein, para citar somente os mais importantes.

Teoria da conotação

Como foi dito, dentro do esquema conceitualista e psicologista, a relação entre as palavras e os
supostos objetos do mundo se dá pela mediação de elementos de ordem subjetiva, as ideias. Ora, se
esse psicologismo semântico deve ser refutado e abandonado, como quer Mill, fica uma questão em
aberto: o que, dentro do novo esquema objetivista e realista, cumprirá o papel exercido anteriormente
pelas entidades psíquicas? Ou seja: se a mediação entre os signos e as coisas era explicada pelo papel
exercido pela ideia, se negamos que a ideia executa esse papel, o que é, então, responsável pela mediação
signo/coisa? Se tirarmos a psicologia de cena, outras categorias devem assumir o papel que era delegado
às instâncias subjetivas, e essas categorias devem ser de ordem semântica se quisermos estabelecer uma
teoria realista e objetiva do significado.

O próprio Stuart Mill, à sua maneira, resolveu essa questão. Fez isso introduzindo categorias
semânticas como responsáveis pela relação de significação existente entre os nomes e as coisas. Em
seu sistema, é a categoria da conotação aquela capaz de estabelecer a relação semântica primordial.
De acordo com Mill, os nomes não significam propriamente aquilo a que se referem, mas significam
determinadas propriedades que conotam. E a posse dessas propriedades por parte dos objetos do mundo
fará com estes sejam denotados pelo nome. Denotação é a relação semântica que mantém o nome com
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a coisa que nomeia; mas isso, para Mill, não é propriamente o significado da palavra. A conotação é
a relação semântica que o nome mantém com as características, propriedades, critérios, conteúdos
informativos que a palavra traz consigo, que fazem com que os sujeitos possam identificar no mundo
objetos por ela nomeados. Por exemplo: somos levados a aceitar, pela força do hábito, que a expressão
ser humano significa uma infinidade de indivíduos que chamamos seres humanos. No entanto, dirá
Mill, esses indivíduos somente são nomeados pela expressão ser humano porque possuem uma série
de características comuns que determinam a humanidade. Assim, de acordo com a semântica de Mill,
essas características são conotadas pela expressão ser humano, consistindo nisso sua significação. Ou
seja: ser humano não significa João, Maria, José etc., objetos nomeados pela expressão ser humano;
ser humano significa, em última instância, racionalidade, animalidade, corporeidade, certa forma
que denominamos humana e mais uma série de propriedades e determinações que caracterizam a
humanidade. A denotação é o objeto ao qual a palavra se refere. A conotação são as propriedades
expressas implicitamente pelo nome que fazem com que identifiquemos a partir delas os objetos
denotados. As palavras têm significados não porque incitam no sujeito certa ideia ou imagem
mental que é associada a objetos do mundo. As palavras têm significado porque carregam consigo
informações objetivas, conteúdos descritivos acerca dos objetos que caem sob seu domínio semântico.
Assim, de acordo com esse ponto de vista, a significação mesma do nome é sua conotação, e não
propriamente sua denotação.

A teoria da conotação estabelece, no nível da unidade do sentido da proposição, uma situação


bastante peculiar. O enunciado proposicional deverá, dentro desse contexto, ser analisado em termos
de posse ou não de atributos conotados por parte do sujeito e do predicado. Assim, por exemplo, o
enunciado “A parede é branca” deve ser analisada, nominalisticamente, nos seguintes termos: aquele
objeto que é nomeado pela palavra parede é também nomeado pela palavra branca. Uma análise ulterior,
entretanto, apresentará, realisticamente, o seguinte quadro: aquele objeto que possui as propriedades
conotadas pela palavra parede possui também as propriedades conotadas pela palavra branca. Nesse
sentido, a proposição fala efetivamente do mundo, sem a mediação da ideia subjetiva de uma suposta
proposição mental.

O mais importante a ser notado diante do esquema esboçado é o fato de que a relação entre os
nomes e as coisas pode se estabelecer exclusivamente em virtude da carga semântica que a palavra
possui, não sendo necessária a vinculação do signo a nenhuma ideia ou entidade psíquica para que
o signo tenha significado. O signo traz em si como seu conteúdo significativo os critérios que devem
ser obedecidos pelas coisas para que estas sejam por ele nomeadas. Sabemos o significado da palavra
carro não porque somos capazes de imaginar (ou seja, criar uma imagem mental) um carro. Até porque
somente podemos imaginar um carro de cada vez, e a palavra carro denota todos os carros, carros
dos mais diferentes modelos, cores e tamanhos. Sabemos, pois, o significado da palavra carro porque
conhecemos os critérios que a palavra carro impõe para que algo possa ser por ela nomeado, sabemos
quais as propriedades que a palavra carro conota. Para Mill, nisso consiste a significação das palavras:
em sua conotação.

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5 SENTIDO E REFERÊNCIA

Livro: Filosofia da linguagem, Lúcio Lourenço Prado

Apesar de não ser muito conhecido no Brasil, Frege foi um dos filósofos mais influentes do século XX,
embora suas principais obras tenham sido escritas ainda no final do século XIX. Frege tinha por objetivo
filosófico principal a fundamentação da aritmética a partir de uma definição lógica de número natural.
Para isso, teve que propor uma teoria acerca da estrutura sintática da proposição, a partir das categorias
de conceito e objeto, em oposição às categorias de sujeito e predicado propostas pela lógica aristotélica.
Isso abriu uma série de novas possibilidades para a ciência da lógica ao ponto de não ser exagerado dizer
que Frege a reinventou. Na história da lógica existem dois nomes: Aristóteles e Frege.

No entanto, na perseguição das respostas ao seu problema fundamental, Frege esbarrou também
em questões de ordem semântica e linguística, e acabou produzindo uma muito interessante e influente
teoria do significado. Claramente influenciado pela teoria milliana da conotação, Frege criou sua famosa
distinção entre sentido e referência. De acordo com a teoria fregiana, as expressões da linguagem, nomes
ou proposições, exprimem sentidos e, por meio deles, apresentam suas referências. A teoria fregiana do
sentido e referência foi proposta pelo autor num pequeno artigo publicado em 1892 chamado “Über
Sinn und Bedeutung” [Sobre sentido e referência]. Essa teoria se tornou moeda corrente na filosofia da
linguagem da primeira metade do século XX, sendo aceita e pressuposta, por exemplo, por Wittgenstein
em seu Tractatus e por uma série de outros filósofos.

Frege chega à sua teoria indagando pelo estatuto semântico das proposições que expressam
igualdade, que contêm o símbolo =. A pergunta é a seguinte: o sinal de igualdade expressa uma relação
entre objetos ou entre nomes de objetos? Ou seja: quando afirmo que A = B estou dizendo que os
objetos nomeados por A e B são o mesmo e, portanto, estou afirmando algo sobre esse objeto, ou, ao
contrário, estou afirmando que os nomes A e B são equivalentes por nomearem o mesmo objeto e, nesse
caso, afirmando algo acerca dos nomes? Enfim, uma proposição que expressa igualdade é um discurso
sobre as coisas ou sobre os nomes? A primeira opção deve ser logo descartada, pela consideração de
um fato trivial: se A = B expressasse uma relação entre os objetos, então A = A e A = B diriam a mesma
coisa se A = B for verdadeira. Em ambos os casos se afirmaria que o objeto em questão, nomeado por A
e por B, é idêntico a si mesmo, o que claramente ocorre nos dois casos. Entretanto, evidentemente, os
dois enunciados têm conteúdos muito distintos: A = A é uma proposição trivial, cuja verdade obtemos
a priori, sem necessidade de nenhum tipo de verificação, somente pela consideração de um princípio
lógico elementar, chamado princípio da identidade, que afirma que todo objeto, qualquer que seja ele,
é idêntico a si mesmo. Já a proposição A = B afirma alguma coisa a mais do que a primeira, pois não
pode ter sua verdade justificada somente pelo recurso ao princípio da identidade; é necessário algum
tipo de verificação ou cálculo para que sua verdade seja posta. Frege fornece um exemplo célebre: a
proposição “A estrela da manhã é a estrela da manhã” é trivial e verdadeira a priori, pois afirma a relação
de identidade que qualquer coisa mantém consigo mesma. Já a proposição “A estrela da manhã é a
estrela da tarde” possui um conteúdo cognitivo importantíssimo, uma vez que estabelece que o corpo
que aparece num determinado lugar do céu nas primeiras horas da manhã é o mesmo que aparece em
outro lugar do céu no final da tarde. Cognitivamente, esses enunciados têm estatutos distintos. Um é
trivial, analítico e, por isso mesmo, inútil do ponto de vista científico; o mundo pode se comportar da
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maneira que for, e o enunciado sempre será verdadeiro; portanto, ele nada diz sobre o mundo. O outro é
sintético, informa algo novo, que não sabemos pela simples consideração de algumas leis racionais; ele
diz efetivamente algo sobre o mundo.

Diante do exposto, a saída será defender que o sinal de igualdade estabelece uma relação entre
os nomes. Mas em que sentido? Segundo Frege, diferentes nomes podem ser maneiras diferentes de
apresentar o mesmo objeto. O objeto é apresentado a partir de características e de aspectos diferentes
que possui. Nesse sentido, chamar o planeta Vênus de estrela da tarde ou estrela da manhã são maneiras
diferentes de se referir ao mesmo objeto, e cada uma dessas maneiras apresentará o objeto ao seu modo,
salientando determinadas características que ele possui. Nesse sentido, quando dizemos “A estrela da
manhã é a estrela da tarde”, estamos dizendo que o objeto que se apresenta a partir do conteúdo
descritivo expresso por estrela da manhã também se apresenta a partir do conteúdo descritivo expresso
por estrela da tarde. Em suma, os nomes têm a mesma referência, pois nomeiam o mesmo objeto, mas
têm sentidos diferentes, pois esses objetos são apresentados de forma diferente. Assim sendo, temos que
o conteúdo significativo que os signos expressam são o seu sentido, e não a sua referência. O significado
efetivo da expressão estrela da manhã não é aquele corpo celeste que vemos ao amanhecer, mas é o
sentido que a expressão estrela da manhã exprime. E as expressões estrela da manhã e estrela da tarde
exprimem sentidos diferentes, embora tenham a mesma referência.

Para compreender de forma correta a teoria fregiana de sentido e referência, é necessário ter clara
a distinção existente entre o sentido da expressão e a representação ou ideia que o sentido é capaz de
produzir nos sujeitos. Para deixar clara essa relação, Frege utiliza uma metáfora bastante interessante:
imaginemos a lua sendo observada por meio de um telescópio. Temos, nesse caso, três luas a serem
consideradas, a saber, a própria lua, objeto da observação, a imagem da lua na lente do telescópio e a
imagem da lua na retina do observador. Dessas três luas consideradas, apenas uma é propriamente real
e existente. No entanto, uma delas, a imagem na lente, embora não seja propriamente real, é objetiva,
isto é, é a mesma para todo e qualquer observador. A imagem na retina do observador, por sua vez, é
inteiramente subjetiva, pois cada observador terá a sua e será impossível para qualquer observador ter
em sua retina a mesma imagem que se formou na retina de outro. Temos, então, três níveis a serem
considerados: o objetivo real (a própria lua), o objetivo não real (a imagem na lente) e o subjetivo (a imagem
retiniana). De acordo com Frege, a relação entre referência, sentido e representação é análoga à que
acabamos de descrever. A referência de uma expressão será sempre algo real e existente (desde que, é
claro, a expressão tenha referência); o sentido da expressão é análogo à imagem na lente do telescópio,
pois, embora não seja o próprio objeto, é a maneira pela qual o objeto é dado e apresentado ao sujeito;
a representação, isto é, a imagem mental que se forma na mente do sujeito que entende a expressão, é
análoga à imagem retiniana, pois é privada e incomunicável.

Que justificativa temos para acreditar, com Frege, que o sentido expresso e compreendido pelo
sujeito não é a representação subjetiva, mas algo diferente dela? Um pequeno exemplo pode ilustrar o
ponto de vista. Ao ouvirmos a expressão elefante branco, somos certamente capazes de representar em
nossa mente determinada imagem correspondente a algum objeto que caia sob o nome mencionado.
No entanto, é bastante razoável supor que cada sujeito que se deparar com a expressão elefante branco
criará uma imagem própria, particular, privada e, enquanto imagem mental, incomunicável. Em suma:
cada sujeito representa o seu elefante branco, pois as imagens mentais são privadas. Porém, apesar da
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privacidade e unicidade das representações de cada sujeito particular, temos que concordar que todos
compreenderam a mesma coisa. As representações são privadas, mas nem por isso um imaginou um
elefante e outro uma girafa, por exemplo. Todos entenderam elefante, ou seja, captaram o mesmo
sentido ou, segundo nossa metáfora, olharam a mesma imagem na lente do telescópio. No entanto,
aquilo que essa compreensão de sentido pode produzir em cada mente particular como imagem mental
será de natureza privada. Entendemos objetivamente o mesmo, mas representamos mentalmente coisas
diferentes e privadas. Diferentes não porque um representa um elefante e outro representa outra coisa;
todos representarão elefantes, mas elefantes diferentes, fruto da capacidade imaginativa de cada um.

De acordo com o ponto de vista fregiano, as representações não exercem nenhum papel no processo
de significação. Criar representações e imagens mentais não faz parte, como queriam os psicologistas,
do processo de compreensão do sentido. Não precisamos representar para compreender. Ao contrário,
somente representamos o que somos capazes de compreender. A compreensão do sentido é anterior à
formação de imagens mentais. Essa teoria de sentido e referência vale, de acordo com Frege, tanto no
nível dos nomes e expressões singulares, como nos exemplos vistos, quanto no nível das proposições.
As proposições também exprimem sentidos, e estes são compostos pelos sentidos das partes que os
compõem. Assim, somente poderemos decidir acerca da verdade ou falsidade de uma proposição se
antes compreendermos qual o seu sentido. E por sentido proposicional devemos entender, em Frege,
as condições de verdade de uma proposição. Em suma: a pergunta semântica pelo sentido é anterior à
pergunta epistemológica pela verdade. Antes de saber se uma proposição é verdadeira ou falsa, devo
compreender o seu sentido, e isso não quer dizer que eu devo representar a situação que a proposição
impõe, mas simplesmente saber quais são suas condições de verdade, ou seja, o que deve ocorrer no
mundo para que ela seja verdadeira e o que deve ocorrer para que ela seja falsa.

Pelo que foi exposto, podemos notar que as expressões devem ter sentido para que possam
significar propriamente, mas não é necessário que tenham referência. Todos sabemos o que é um
unicórnio, seríamos capazes de identificar um exemplar caso o encontrássemos; portanto, entendemos
o significado da expressão unicórnio e somos capazes, inclusive, de criar uma representação mental
dele. Isso apesar do fato de, muito provavelmente, não existir nenhum unicórnio no mundo. Ou seja,
a expressão unicórnio tem um sentido, mesmo não tendo referência. A imagem está na lente, provoca
outra imagem na retina, mas não há nenhuma lua sendo de fato observada.

A partir dessas considerações, podemos extrair, com Frege, uma muito interessante (embora não
necessariamente verdadeira) teoria da ficção e sua relação com a verdade. Quando escrevemos uma
obra de ficção, estamos trabalhando somente no nível dos sentidos, e não das referências, pois não
consideramos que as personagens de fato existem. E porque não consideramos que as personagens
existam, não perguntamos pela verdade ou falsidade do que se coloca ali. Na ficção, não existe verdadeiro
nem falso. “Ulisses profundamente adormecido desembarcou em Ítaca” não é verdadeiro nem falso,
simplesmente porque Ulisses, no contexto da obra homérica, é uma expressão que tem sentido, mas
que não tem referência alguma no “mundo real”. Verdade e referência estão intimamente ligadas na
filosofia de Frege.

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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