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PRAGMÁTICA
Introdução
Neste capítulo, você vai estudar o fenômeno da dêixis e o fenômeno da
modalização. Ambos são muito importantes para os estudos da lingua-
gem e para a produção de sentido.
A dêixis é o fenômeno responsável por ativar certos elementos ex-
tralinguísticos para que se possa efetivar a compreensão de algum ele-
mento linguístico em determinada situação comunicativa. Por sua vez,
a modalização serve para posicionar o enunciador em seu enunciado.
1 O fenômeno da dêixis
“Dêixis” é uma palavra que guarda relação com a noção de apontamento.
É um termo de origem grega traduzido por “apontar”, “mostrar”, “indicar”.
Mesmo ao ser incorporado pelo latim, e também pelos estudos da linguagem,
o termo preservou seu sentido etimológico. O fenômeno da dêixis, estudado do
2 Dêixis e modalização
No que diz respeito aos estudos linguísticos, que é o que nos interessa de
perto, praticamente toda a literatura sobre dêixis menciona Benveniste como
fundamento. E se não o fazem diretamente, fazem-no mencionando autores
como Lahud (1979), Levinson (1983), Fillmore (1971; 1979;1982), Lyons
(1977;1982), que, por sua vez, fundamentam-se em Benveniste. A herança
deixada por esses autores foi a do tratamento da dêixis primordialmente
como fenômeno de ostensão e, além disso, a da classificação, já tradicional,
em dêixis de pessoa, tempo e lugar, com diversos subtipos, como a dêixis
social, a dêixis discursiva e a dêixis de memória (CIULLA, 2018, p. 365).
2 Elementos dêiticos
Como você já viu, Benveniste foi responsável por formular as três categorias
clássicas dos componentes dêiticos, a partir da pessoa na enunciação (por isso,
classificou-os em dêixis de pessoa, de tempo e de espaço). Contudo, outros
teóricos sugeriram um desdobramento dessa classificação. Aqui, você vai
conhecer outras três categorias comumente estudadas: dêixis social, textual
e de memória.
Dêixis de pessoa
As dêixis pessoais são aquelas que se referem aos interlocutores de determi-
nada enunciação. Um termo técnico bastante utilizado nos estudos da dêixis
é “origo”, que significa “origem” ou “ponto de origem”. Os referentes aos
quais os elementos dêiticos remetem sempre partem de uma origo, ou seja,
partem do enunciador, do “eu” que dá origem ao enunciado (CAVALCANTE;
CUSTÓDIO FILHO; BRITO, 2014).
6 Dêixis e modalização
Dêixis espacial
Os dêiticos espaciais são marcadores de ostensão (ato ou efeito de mostrar).
Eles estão relacionados a um lugar situado na enunciação; ou seja, estão
relacionados ao distanciamento e à proximidade entre o locutor e um refe-
rente. A classe de palavras que geralmente cumpre essa função dêitica é a
dos advérbios (Quadro 1).
Certos verbos que indicam movimento Ir, vir, trazer, levar, partir, chegar, aproximar-
-se, afastar-se, subir, entrar, sair, descer
Dêixis de tempo
Os dêiticos temporais indicam determinado tempo, cuja demarcação ocorre
no momento da enunciação. Assim como no caso dos dêiticos espaciais,
nem todos os marcadores de tempo equivalem a um dêitico. Mais uma vez,
a observação contextual da enunciação é que promoverá essa compreensão.
Os advérbios de tempo “ontem”, “agora” e “amanhã” são exemplos clássicos
da dêixis temporal. Contudo, você não pode se esquecer de que o contexto
enunciativo é essencial para essa compressão. Uma expressão como “desde
que saí do seu abraço” é um marcador de tempo.
Dêixis social
Essa categoria dêitica, de certa forma, é uma extensão da categoria “dêixis de
pessoa” — ou uma especificidade dela. É de acordo com o contexto situacional
que alguém decide como vai acionar o seu interlocutor. Essa escolha redunda
na construção da relação entre ambos: uma relação de maior proximidade ou
distanciamento, de maior respeito ou petulância, etc.
Essas leituras, contudo, são possíveis apenas de acordo com o con-
texto de interação. O mesmo pronome de tratamento “você” pode acionar
sensação de intimidade entre amigos, o que é positivo, e sensação de
desrespeito em relação a um médico ou uma pessoa idosa. Por outro lado,
a escolha do pronome de tratamento “senhora” pode demonstrar respeito
a uma pessoa mais jovem, mas também ironia. Assim, a dêixis social “[...]
remete diretamente aos interlocutores, mas as formas que a codificam
refletem relacionamentos em sociedade que condicionam a escolha dos
Dêixis e modalização 9
Dêixis textual
Diferentemente dos demais elementos dêiticos, a dêixis textual materializa-se
no cotexto. Portanto, o ponto de partida desse tipo de dêixis é o próprio texto.
A partir desse ponto, o “começo–meio–fim”, o “antes–depois” e o “acima–
abaixo” são os tempos e espaços a serem compreendidos. Veja:
São representantes de dêixis textuais expressões como “no exemplo acima”, “no
parágrafo anterior”, “aqui”, “no quadro abaixo”, “no texto ao lado” e “a seguir”.
Dêixis de memória
Ocorre quando o coenunciador precisa dispor de um conhecimento prévio e
compartilhado para acionar determinado referente apontado pelo demonstra-
tivo. Em “naquele dia”, “aquele” aponta para um evento presente na memória
dos interlocutores. Presume-se que ambos saibam a que dia se refere o pronome
e o que aconteceu em tal dia.
Veja como um exemplo de dêixis de memória aparece na letra da canção
“Aquele abraço”, de Gilberto Gil (c2003-2020, documento on-line, grifos
nossos).
10 Dêixis e modalização
Aquele abraço!
Alô, Rio de Janeiro
Aquele abraço!
Todo o povo brasileiro
Aquele abraço!
3 O fenômeno da modalização
De acordo com Neves (2000, p. 244), “Modalizar é expressar alguma interven-
ção do falante na definição da validade e do valor do seu enunciado: modalizar
quanto ao valor de verdade, modalizar quanto ao dever, restringir o domínio,
definir atitude e, até, avaliar a própria formulação linguística”.
A modalização serve para posicionar o enunciador em seu enunciado.
Por isso, muitas vezes, a modalização é entendida como uma opinião implí-
cita do enunciador. Como você já viu, para Benveniste (2005), a linguagem
é construção de subjetividade. Para construir essa subjetividade, ou para
mostrar uma parte conveniente dela, o enunciador apropria-se de diferentes
recursos linguísticos. Assim, além de dar algum valor de fala ao enunciador,
a modalização pode também isentar o falante de alguma responsabilidade ou
comprometimento no ato enunciativo.
Contudo, essa “isenção” é apenas aparente. Textos como os empresariais
(memorando, por exemplo), os judiciais (como sentenças) e os noticiosos
(como a notícia), que tradicionalmente apelam para a neutralidade, também
têm marca de modalização e, de alguma forma, posicionam o enunciador.
Veja o que afirma Nascimento (2013, p. 10):
Até aqui, você viu a noção funcional dos modalizadores, que pode ser tão
ampla quanto a intencionalidade do enunciador. Agora, você está convidado a
se concentrar no aspecto gramatical da construção dos modalizadores (KOCH,
2011a, 2011b):
Koch (2011a, 2011b) apontou que um mesmo recurso linguístico pode operar
diversos tipos de modalização. Ademais, a intenção é a base da análise da mo-
dalização. Note, por exemplo, a diferença de posicionamento do enunciador em
frases como: “é preciso que eu vote com consciência”, “é provável que eu vote com
consciência” e “é certo que eu vote com consciência”. Do mesmo modo, ainda
segundo Koch (2011a, 2011b), o verbo “dever” pode exprimir diferentes intenções,
a depender do enunciado: “todos devem ficar em casa” (obrigação), “deve chover
amanhã” (possibilidade), “devo estar ficando gripado” (possibilidade).
Agora que você conheceu um pouco do panorama dos modalizadores, nas
subseções a seguir, você vai estudar os recursos da teoria da modalização e
as suas funções discursivas.
Modalizadores epistêmicos
A palavra “epistêmico” e seus derivados (“epistemologia”, “epistemológico”)
têm sentido relacionado à noção de saber. Por isso, a modalização epistêmica
está diretamente ligada ao saber, a crença e à opinião do enunciador — seja
Dêixis e modalização 13
Modalizadores deônticos
A palavra “deôntico” está relacionada aos deveres morais, às obrigações. Ela
não pode ser confundida com a palavra “dêixis”, pois ambas têm origem,
significado e aplicação completamente diferentes. A partir do significado de
“deôntico”, você pode concluir que os modalizadores deônticos estão direta-
mente relacionados às noções de obrigação e obrigatoriedade.
Modalizadores avaliativos
Esses modalizadores estão relacionados a uma avaliação. São de base predi-
cativa. São exemplos de advérbios observados nessa categoria: “felizmente”,
“curiosamente”, “surpreendentemente”, “sinceramente”, “lamentavelmente”.
Modalizadores restritivos
Esses modalizadores são assim chamados pelo fato de delimitarem certo espaço
ou campo de entendimento (geograficamente, biologicamente, entre outros).
No Quadro 2, a seguir, veja um resumo dos modalizadores.
Dêixis e modalização 15
AUSTIN, J. L. Quando dizer é fazer: palavras e ação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
BENVENISTE, É. Problemas de lingüística geral I. 5. ed. São Paulo: Pontes, 2005.
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CAVALCANTE, M. M.; CUSTÓDIO FILHO, V.; BRITO, M. A. P. Coerência, referenciação e
ensino. São Paulo: Cortez, 2014.
CIULLA, A. Sobre a definição de dêixis a partir de “A natureza dos pronomes”. Desen-
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FILLMORE, C. Lectures on deixis. Berkeley: University of California, 1971.
FIORIN, J. L. As astúcias da enunciação: as categorias de pessoa, espaço e tempo. São
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ILARI, R. Introdução à semântica: brincando com a gramática. São Paulo: Contexto, 2001.
ILARI, R.; GERALDI, J. W. Semântica. 11. ed. São Paulo: Ática, 2008.
KOCH, I. G. V. Argumentação e linguagem. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2011a.
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MELO, I. F. Você sabe o que é dêixis? Conhecimento Prático – Língua Portuguesa, n. 22,
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NASCIMENTO, E. P. A modalização e os gêneros formulaicos: estratégia semântico-
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NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. São Paulo: UNESP, 2000.
QUINO. Mafalda. In: GAROTAS GEEKS. tirinha17. 2011. Disponível em: http://www.garotas-
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[...]. João Pessoa: Abralin, 2009. Disponível em: http://www.leffa.pro.br/tela4/Textos/
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14 abr. 2020.
18 Dêixis e modalização
Leituras recomendadas
CABRAL, A. L. T.; SANTOS, L. W. Dêixis pessoal e verbos na construção de um objeto
de discurso argumentativamente orientado. Conexão Letras, v. 11, n. 15, p. 25-37, 2016.
FARIAS JÚNIOR, J. F. A dêixis discursiva como referenciação meta(cognitiva) e
meta(linguística) no gênero artigo de opinião. Dialogia, n. 13, p. 123-136, 2011.
SANTOS, L. W.; CAVALCANTE, M. M. Referenciação: continuum anáfora-dêixis. Intersec-
ções, v. 12, n. 1, p. 224-246, 2014.
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