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A VIRADA LINGUÍSTICA PRAGMÁTICA: CRÍTICA DE JOHN

AUSTIN A SEMÂNTICA TRADICIONAL

Thiago Machado1

RESUMO:
A linguagem pragmática é observada a partir de uma virada linguística, tem-se como um grande
expoente dessa filosofia analítica John Langshaw Austin (1911-1960). Este foi um filósofo da escola de
Oxford, abordou de forma inédita e de modo original a crítica as questões da linguística descritiva e
da filosofia tradicional por meio de uma filosofia da linguagem pragmática. Diante um cenário
linguístico do século XX, onde havia-se a concepção de uma única forma lógica de linguagem, Austin
apresentou a ideia dos atos da fala e o conceito de enunciados performativos como um contraposto a
essa concepção. Mostra que a linguagem abrange afirmações que muitas vezes não podem ser
constatadas com um valor de verdade, mas são ações, estas que apresentam o seu valor enquanto
proposições linguísticas.

PALAVRAS-CHAVE: Austin; Pragmática; Atos da Fala; Performativo.

A linguagem pragmática é observada a partir de uma virada linguística, onde apresenta


como um grande expoente dessa filosofia analítica John Langshaw Austin2 (1911-1960). Austin
foi filósofo da escola de Oxford, abordou de forma inédita e de modo original a crítica as
questões da linguística descritiva e semântica tradicional por meio de uma filosofia da
linguagem pragmática.3
A pragmática, por uso vez, diz respeito à linguagem em uso, em diferentes contextos,
tal como é utilizada por seus usuários para a comunicação. Nesta concepção é possível
distinguir duas principais linhas de desenvolvimento da filosofia da linguagem pragmática.4
Assim, denomina-se:

1
Estudante do curso de filosofia da Faculdade São Luiz, 5ª período. E-mail: thiago-sc-45@unesc.net. Tal
artigo tem a finalidade de ser apresentado à disciplina de Filosofia da Linguagem com valor avaliativo, apresentado
no dia 03 de junho de 2019.
2
John Langshaw Austin (1911-1960) é um pensador inglês da filosofia da linguagem e foi, durante muitos
anos, professor na Universidade de Oxford, na Inglaterra. Foi um dos grandes filósofos da linguagem comum que
se dedicaria a estudar o significado no uso das palavras, ao lado de Ludwig Wittgenstein e Gilbert Ryle. Duas são
as obras que são consideradas de imensa importância. A primeira é How tio do things with word, de 1955, que
consiste num conjunto de palestras ministradas na Universidade Havard. A segunda obra de maior importância foi
Philosophical papers, um conjunto de seus mais importantes escritos, reunidos em um livro publicado pouco após
a sua morte, em 1961. (Cf. OLIVEIRA, Claudio Eduardo Moura de. Atos de fala, atos falhos: uma aproximação
entre teorias linguísticas de Austin e de Wittgenstein e a psicanálise de Freud e Lacan. Dissertação (mestrado) –
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras, 2012).
3
OTTONI, Paulo. John Langshaw Austin e a visão performativa da linguagem. Retrospectiva. Rio de
Janeiro: PUC, n. 01, v. 18, p. 117-143, 2002, p. 120.
4
SOUZA FILHO, Danilo Marcondes de. A teoria dos atos de fala como concepção pragmática de
linguagem. Unisinos. Rio de Janeiro: PUC-RS, n. 7, v. 3, p. 217-230, set./dez. 2006, p. 119-220.
A primeira, [...] segundo uma dimensão contextualista, onde considera o contexto
como noção central da análise pragmática, examinando as características das situações
de uso que incidem diretamente na determinação do significado das expressões
linguísticas. [...] Enquanto a segunda assume como característica central da
pragmática a concepção como ação ou realização de atos, nesta concepção tem-se a
ideia de que o “dizer é fazer”, portanto, a determinação do significado é dado a partir
da consideração do ato que sendo realizado quando suas expressões são proferidas. 5

A partir desta última linha Austin fez a sua contribuição introduzindo-se o que se pode
denominar de concepção performativa da linguagem. Sua proposta de sistematização consiste
em manter a linguagem em uso, tendo-a como uma forma de ação e não apenas de representação
do real ou descrição do mundo.6 Em seu curso, assim como Wittgenstein contrapõe-se à teoria
tradicional da linguagem. Para essa concepção, a linguagem é essencialmente descritiva, tendo-
as como sentenças declarativas, ou seja, aquelas que descreve um conteúdo qualquer que
afirmar, registram, copiam, de certo modo, um fato qualquer.7
Tal visão crítica e de superação a semântica tradicional, ou seja, ao realismo
linguístico, apresentou grande expressão na filosofia de Wittgenstein. Na segunda fase da
filosofia deste filósofo demarca-se o que o critério decisivo para a determinação do sentido das
expressões, onde é o próprio uso das palavras, para tanto, trata-se aqui de um novo critério de
sentido: o uso.8 Desta forma, percebe-se em Wittgenstein como a primeira concepção na
filosofia analítica da linguagem particularmente representativa de uma visão pragmática. Isso
se deve à sua famosa tese de que o significado de uma palavra é o seu uso em um determinado
contexto. Tendo-as não para primordialmente descrever a realidade, como na semântica
tradicional, mas para realizar algum objetivo.9
Nesta mesma concepção segue-se Austin diante a sua teoria dos atos de fala,
apresentado a premissa de que é impossível discutir linguagem sem o ato de estar falando em
si, ou seja, reafirma-se novamente que a concepção de que a linguagem não é meramente uma
descrição do mundo, mas ação. Diante disto, não fazemos apenas declarações, mas realizamos
coisas. Por isso Austin introduz o conceito de ato performativo, que relativiza o valor de
verdade ou falsidade de um enunciado. Portanto, distingue os enunciados performativos, como

5
SOUZA FILHO, 2006, p. 220.
6
Ibid., p. 220.
7
OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia contemporânea. 2. d.
São Paulo: Loyola, 2001, p. 151.
8
OLIVEIRA, 2001, p. 149.
9
SOUZA FILHO, 2006, p. 221.
aqueles que realizam ações porque são ditos e os constitutivos, que realizam uma afirmação,
falam de algo.10
Tal proposta de John Austin é dada a partir de uma resposta ao positivismo lógico que
concebia a linguagem, só e unicamente, de modo descritiva e o objeto dos estudos linguísticos
são as orações11. Em vista disto, a alternativa de Oxford era de estudar o ato total da fala, e
assim, Austin estudou o significado da fala no seu contexto de uso, concebendo então os dois
conceitos: os atos da fala e as declarações performativas. Os atos da fala são frases que
funcionam como atos, afirmações que, levadas em considerações as convenções que regulam a
linguagem. Por conseguinte, Austin delimita dois tios de enunciados que podem ocorrer na
língua, os enunciados performativos e constatativos, como já citados e explicitados.12
Austin propõe alguns exemplos para melhor explicar os enunciados performativos, a
título de discussão cita-se o exemplo abaixo:

“Aceito, estar mulher como minha legítima esposa” – do modo que é preferido no
decurso de uma cerimônia de casamento. [...] Estes exemplos, deixam claro que
proferir uma das sentenças (nas circunstâncias apropriadas, evidentemente) não é
descrever ato que estaria praticando ao dizer o que disse, nem declarar o estou
praticando: é fazê-lo.13

A partir deste exemplo, Austin explica que quando diante do juiz digo “Aceito” como
dado no exemplo acima, não estou descrevendo o ato de casar, e sim casando. Desta forma,
chama esses enunciados que exprime essa ideia de ação como enunciado performativo.
Evidentemente que este nome é derivado do verbo inglês to perform, verbo correlativo ao
substantivo ação, e indica que ao se emitir o proferimento está se realizando uma ação, não
sendo, consequentemente, considerado um mero equivalente a dizer algo.14
Tal concepção fica explicito na obra Quando dizer é fazer de Austin em sua afirmação
de que:

[...] os filósofos acreditam que o papel de uma declaração era tão-somente o de


descrever um estado de coisas, ou declarar um fato, o que deveria fazer de modo
verdadeiro ou falso. Os gramáticos, na realidade, indicariam com frequência que nem
todas as sentenças são (usadas para fazer) declarações, há tradicionalmente, além das

10
SOUZA, Rodrigo Augusto de; HINTZE, Ana Cristina Jaeger. Pragmatismo e linguística: interfaces e
intersecções. Cognitio-estudos. São Paulo: PUC-SP, n.2, v. 7, jul./dez. 2010, p. 108-120, p. 117.
11
As orações refere-se aos enunciados que podem ser validados com valor de verdade ou falsidade. Este
termo na concepção de John Austin refere-se aos enunciados constativos, isto é, enunciados que descrevem algo
da realidade. [nota do autor].
12
OLIVEIRA, 2012, p. 15.
13
AUSTIN, John langshaw. Quando dizer é fazer: Palavras e ação. Trad. de Danilo Marcondes de Souza
Filho. Porto Alegre: Artes médicas: 1990, p. 24.
14
AUSTIN, 1990, p. 25.
declarações (dos gramáticos), perguntas e exclamações, e sentenças que expressam
ordens, desejos ou concessões.15

Desta forma, o que há de novo na linguística pragmática austiniana é o conceito de


enunciados performativos. Que segundo o autor, apesar de não terem por objetivo a verdade,
ainda assim eles são objetos válidos para a investigação filosófica. Porém, por não terem
objetivo de dizer qualquer verdade, a doutrina que rege é outra, não a do verdadeiro ou falso,
mas sim a doutrina da infelicidade ou felicidade, como apresenta o autor. No entanto, os
enunciados performativos são atos de fala, que funcionam como ação, e que dependendo da
intenção do falante e do resultado ocorrido junto ao ouvinte, podem ser felizes ou infelizes,
estas que são categorias que irão conceder o sucesso ou não do ato linguístico.16 Diante o que
foi explicitado, segundo Austin em sua obra Quando dizer é fazer afirma que a “[...] verdade é
substituída agora pelo conceito de eficácia do ato, de sua felicidade, de suas condições de
sucesso, e também, pela dimensão moral do compromisso assumido na interação
comunicativa”.17
Contudo, a teoria dos atos de fala de Austin, bem como a proposta do conceito de
enunciados performativos pode ser considerado como uma das principais correntes da filosofia
da linguagem contemporânea no que diz respeito à analise pragmática da linguagem. Desta
forma, a concepção básica de Austin consiste em apresentar que o uso e a compreensão da
linguagem natural são os atos de fala tendo condições de felicidade para a sua realização.
Tendo-o apresentado esta proposta com o intuito mostrar que a compreensão da linguagem
natural não estava restrita apenas as proposições que apresentassem condições de verdade, tal
como é mantido pelas teorias do significado na vertente da filosofia da linguagem do início do
século XX, representada por Frege, Russel e pelo Wittgenstein.18

Considerações finais

No século XX, nota-se a ideia de uma forma lógica única e que trazia consigo um
caráter de verificabilidade, fruto da semântica tradicional influenciada pelo positivismo lógico,
surge neste cenário linguístico, portanto, a filosofia pragmática de Austin. Diante o que fui
supracitado neste artigo percebe-se que a sustentação de sua filosofia foi de mostrar que não só
apenas os enunciados que poderiam ser constatados como verdadeiros ou falsos é o único

15
Ibid., p. 21.
16
OLIVEIRA, 2012, p. 15.
17
AUSTIN, op. cit., p. 11.
18
SOUZA FILHO, 2006, p. 224.
modelo que permite entender o funcionamento da linguagem. A linguagem, segundo Austin,
não é um sistema simbólico que permite apenas representar o mundo por meio de afirmações.
E desta forma, apresenta a sua contribuição, por meio dos atos de fala e da sua filosofia
pragmática como meio de contrapor essa ideia, e mostrar que a linguagem abrange afirmações
que muitas vezes não podem ser constatadas com um valor de verdade, mas são ações que
apresentam o seu valor enquanto proposições linguísticas.

Referência bibliográfica

AUSTIN, John langshaw. Quando dizer é fazer: Palavras e ação. Trad. de Danilo Marcondes
de Souza Filho. Porto Alegre: Artes médicas: 1990.
INOCÊNCIO, Luiz Claudio. Como se deu a Reviravolta Pragmática em J. L. Austin. 2017.
128 p. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Estadual do Oeste do Paraná,
Toledo, 2017.

OLIVEIRA, Claudio Eduardo Moura de. Atos de fala, atos falhos: uma aproximação entre
teorias linguísticas de Austin e de Wittgenstein e a psicanálise de Freud e Lacan. Dissertação
(mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras, 2012.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Reviravolta linguístico-pragmática na filosofia


contemporânea. 2. d. São Paulo: Loyola, 2001.

OTTONI, Paulo. John Langshaw Austin e a visão performativa da linguagem. Retrospectiva.


Rio de Janeiro: PUC, n. 01, v. 18, p. 117-143, 2002.

SOUZA FILHO, Danilo Marcondes de. A teoria dos atos de fala como concepção pragmática
de linguagem. Unisinos. Rio de Janeiro: PUC-RS, n. 7, v. 3, p. 217-230, set./dez. 2006.

SOUZA, Rodrigo Augusto de; HINTZE, Ana Cristina Jaeger. Pragmatismo e linguística:
interfaces e intersecções. Cognitio-estudos. São Paulo: PUC-SP, n. 2, v. 7, p. 108-120, jul./dez.
2010.

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