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ANÁLISE DO

DISCURSO

Laís Virgínia Alves Medeiros


Linguagem, discurso, sujeito
e subjetividade
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
„„ Explicar a introdução da subjetividade nos Estudos da Linguagem.
„„ Diferenciar as noções de sujeito e discurso, dentro da Análise do
Discurso, entre os autores apresentados.
„„ Identificar a relação entre sujeito e discurso.

Introdução
“Se é para o bem de todos e felicidade geral da Nação, estou
pronto! Digam ao povo que fico.”
“Eu tenho um sonho.”
“Saio da vida para entrar na história.”
Você deve ter reconhecido esses enunciados e talvez até saiba os
nomes daqueles que os enunciaram. Será que eles teriam o mesmo
sentido se fossem enunciados por você, agora, numa sala de aula ou
numa reunião familiar? Ou eles só fariam sentido se remetidos aos
sujeitos que os enunciaram inicialmente? Neste texto, você vai apren-
der como, do ponto de vista da Análise do Discurso, sujeito, língua e
discurso se relacionam.

A subjetividade nos Estudos da Linguagem


Para pensar a noção de sujeito na Análise do Discurso, você deve retornar a
Saussure e Benveniste.
Saussure, ao estabelecer a dicotomia língua/fala, deixou as realizações
individuais no terreno da fala, não abordando o sujeito em sua teoria.
Aqui vamos nos focar em Benveniste, que não está no escopo teórico da
Análise do Discurso, mas que, ao propor a teoria da Enunciação, postulou
que a língua apresentava em sua própria estrutura elementos que testemu-
nhavam a subjetividade como constitutiva. Você pode pensar, então, a teoria
da enunciação de Benveniste como o marco que instaurou a subjetividade nos
Estudos da Linguagem e, por isso, é importante revisá-la antes de pensar no
sujeito da Análise do Discurso.

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Para Benveniste, a linguagem não pode ser comparada a uma ferramenta


que se utilize, visto que as ferramentas foram criadas pelo homem, e a lin-
guagem, por sua vez, está na natureza do homem. O autor propõe que “é na
linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito” (BEN-
VENISTE, 2005, p. 286). Ao mesmo tempo, se a linguagem é condição para
existência do sujeito, ela só é possível porque cada locutor, referindo-se a si
mesmo como eu, apresenta-se como sujeito do seu discurso. É por essas pe-
culiaridades que Benveniste afirma que a condição do homem na linguagem
é única, sem paralelo.

Sujeito e Discurso
O papel do sujeito, na Análise do Discurso, é bastante diferente do que na
Enunciação. Você já viu que a Análise do Discurso é uma disciplina hetero-
gênea. Assim, diferentes autores trabalharão com diferentes noções de sujeito
e de discurso. O que você pode identificar de semelhança entre eles, desde já,
é que o sujeito é mais uma noção que repercute no sentido dos enunciados e
dos discursos – o que é característico da Análise do Discurso como um todo e
dialoga com a remissão dos enunciados às suas condições de produção.
Você vai conhecer aqui essas noções do modo como foram articuladas por
Foucault e por Pêcheux.

Sujeito e discurso para Foucault


Para Fischer (2013), uma das dificuldades no estudo de Foucault é a de ana-
lisar noções separadamente, já que o próprio autor articulava conjuntamente
diferentes campos de pensamento. Não é possível isolar, da concepção de dis-
curso para Foucault, as concepções de sujeito e de relações de poder. É por
isso que você vai estudar essas noções de modo articulado.
Para Foucault, o discurso é controlado por minuciosas regras, e estas de-
finem quem pode ter acesso a certos discursos ou pode entrar na ordem do
discurso. O autor enxerga os discursos como práticas que formam os objetos
de que falam enquanto falam (FISCHER, 2013).
O que isso quer dizer? Que, na concepção de Foucault, não existe uma
essência, uma verdade universal anterior à construção de um discurso sobre
ela. O discurso é visto como uma luta, uma batalha, e não como um reflexo
ou expressão de algo.

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No livro A arqueologia do Saber, Foucault afirma que “analisando os próprios dis-


cursos, vemos se desfazerem os laços aparentemente tão fortes entre as palavras e
as coisas, e destacar-se um conjunto de regras, próprias da prática discursiva”. Assim,
podemos pensar o discurso para Foucault em termos de regularidades, poderes e
relações de forças.

E como o sujeito se relaciona com ele? A constituição dos sujeitos se dá


justamente nesses jogos constantes entre o desejo de “ter” a verdade e o poder
de afirmá-la (FISCHER, 2013).
Pense, por exemplo, no enunciado “É preciso escovar os dentes após cada
refeição”. Você pode escutar isso de um dentista e dificilmente vai contestá-lo,
afinal, a profissão dele confere ao seu discurso a legitimidade sobre alguns
discursos, reproduzidos e aceitos como verdades. Mas e se esse mesmo enun-
ciado vier de um paciente diagnosticado com Transtorno Obsessivo Compul-
sivo, que escova os dentes quinze vezes por dia? E se vier de um representante
de uma marca de produtos para higiene bucal?
É a isso que Foucault se refere quando afirma que o sujeito, em sua teoria,
não é uma pessoa, mas uma posição que alguém assume diante de um certo
discurso. E discurso, aqui, diz respeito ao conjunto de enunciados de determi-
nado campo de saber (FISCHER, 2013). Falar de sujeito do discurso significa
multiplicar o sujeito, pensá-lo em suas possibilidades.
Fischer (2013, p. 133) apresenta as seguintes perguntas para complexificar
o tema do sujeito numa concepção foucaultiana:
“Quem fala neste texto? E de que lugar fala? De que autoridade se investe
alguém para falar aqui e não em outro espaço? Quem pode falar sobre isto?
Quais as regras segundo as quais a alguém é permitido afirmar isto ou aquilo,
neste ou naquele lugar?”
E como essas posições não são fixas, o sujeito não deve ser pensado como
unidade, mas, sim, como dispersão. O sujeito não ocupará sempre a mesma
posição frente ao mesmo discurso, e, para demonstrar isso, Fischer (2013) dá
o exemplo da sala de aula. Em sala de aula, se assume que o professor ocupe o
lugar de quem decide, de quem explica, de quem define, mas sua posição está
sempre correndo o risco de ser desestabilizada pelo aluno, que pode contestá-
-lo ou desacreditá-lo.

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É importante não confundir o sujeito do discurso, ou seja, uma posição ocupada,


com a pessoa real, de carne e osso, que participa daquela interlocução. Nessa perspec-
tiva, não interessa o nome, o sobrenome e/ou o estado civil da pessoa (entre outras
características comumente usadas para identificação), mas o lugar que ela ocupa
enquanto sujeito de um discurso.

Sujeito e discurso para Pêcheux


Pêcheux, de base marxista-althusseriana, pensa o sujeito a partir do “efeito
ideológico elementar” (conforme proposto por ALTHUSSER, 1985), e sus-
tenta que a constituição do sentido se une à constituição do sujeito.
Como efeitos dessa interpelação ideológica, Pêcheux apresenta dois es-
quecimentos inerentes ao discurso:

„„ O esquecimento número 1, relacionado ao inconsciente, que diz respeito


ao fato de o sujeito não poder se situar fora de sua Formação Discursiva.
„„ O esquecimento número 2, que diz respeito ao fato de o sujeito poder
selecionar dentro de sua Formação Discursiva dizeres e enunciados que
se encontram em relação parafrástica, optando por um em detrimento de
outro, ainda que este outro também esteja dentro do terreno de dizeres
autorizados por aquela Formação Discursiva.

As noções de sujeito e discurso, na teoria pecheutiana, são pensadas relacionadas


à noção de Formação Discursiva. Para Pêcheux (2009, p. 147), a Formação Discursiva
é “aquilo que, numa formação ideológica dada, isto é, a partir de uma posição dada
numa conjuntura dada, determinada pelo estado da luta de classes, determina o que
pode e deve ser dito”. Assim, pensar em sujeito implica pensar em inscrição numa For-
mação Discursiva.

É também de Althusser que Pêcheux toma a noção de forma-sujeito: a


forma-sujeito reúne os saberes centrais de determinada Formação Discursiva,
e é por seu viés que o sujeito se identifica com aquela Formação.

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Essa identificação não se dá sempre do mesmo modo, e é para explicá-la


que Pêcheux propõe as diferentes modalidades da tomada de posição do sujeito:

„„ A identificação plena caracteriza o discurso do bom sujeito, que reduplica


os saberes da Formação Discursiva sem questioná-los.
„„ A contraidentificação caracteriza o discurso do mau sujeito, que contesta,
duvida e se afasta dos saberes da Formação Discursiva com a qual está
identificado.
„„ A desidentificação acontece quando o sujeito se desloca de uma Formação
Discursiva a outra, deixando de se identificar com os saberes da antiga
para se identificar com os da nova.

Nessa perspectiva, o sujeito está sempre inscrito em alguma Formação


Discursiva: ou seja, deixar de se identificar com uma implica necessariamente
se identificar com outra.

Ainda dentro da Análise do Discurso, é possível considerar a noção de sujeito para


Charaudeau, definido como “sobredeterminado – mas somente em partes – pelos con-
dicionamentos de ordens diversas e livre para operar suas escolhas no momento de
focalizar seu discurso”. Essa definição pode ser encontrada no Dicionário de Análise do
Discurso, de Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau (2012).

1. Sobre a introdução da noção de sub- subjetividade nos Estudos da


jetividade nos Estudos da Linguagem, Linguagem dizia respeito à capa-
assinale a alternativa correta. cidade de o homem se constituir
a) A introdução da noção de como sujeito pela linguagem.
subjetividade nos Estudos da d) A introdução da noção de subjeti-
Linguagem era contestada por vidade nos Estudos da Linguagem
Saussure. foi proposta de modo metafórico,
b) A introdução da noção de sub- comparando a linguagem a uma
jetividade nos Estudos da Lin- espécie de ferramenta com a
guagem era pensada como alheia função de comunicar.
ao sistema da língua. e) A introdução da noção de subjeti-
c) A introdução da noção de vidade nos Estudos da Linguagem

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ALTHUSSER, L. Aparelhos ideológicos de Estado: nota sobre os aparelhos ideológicos de


Estado (AIE). 2. ed. Tradução de Walter José Evangelista e Maria Laura Viveiros de Castro.
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.

BENVENISTE, É. Problemas de linguística geral I. Tradução de Maria da Glória Novak e Ma-


ria Luisa Neri. 5. Ed. Campinas: Pontes Editores, 2005.

CHARAUDEAU, P.; MAINGUENEAU, D. Dicionário de análise do discurso. 3. ed. São Paulo:


Contexto, 2012.

FISCHER, R. M. B. Foucault. In: OLIVEIRA, L. A. (Org.). Estudos do discurso: perspectivas


teóricas. São Paulo: Parábola, 2013. v. 1, p. 123-151.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada


em 2 de dezembro de 1970. 11. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. 4.ed. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1995.

PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Tradução de Eni


Puccinelli Orlandi, Lourenço Chacon Jurado Filho, Manoel Luiz Gonçalves Corrêa e Sil-
vana Mabel Serrani. Campinas: Ed. Pontes, 2009.

PÊCHEUX, M.; FUCHS, C. A propósito da análise automática do discurso: atualização e


perspectivas. Tradução de Péricles Cunha. In: GADET, F.; HAK, T. (Orgs.). Por uma análise
automática do discurso: uma introdução à obra de Michel Pêcheux. 4. ed. Campinas:
Editora da Unicamp, 2010.

Leitura recomendada
INDURSKY, F. Remontando de Pêcheux a Foucault: uma leitura em contraponto. Dispo-
nível em: http://www.analisedodiscurso.ufrgs.br/anaisdosead/1SEAD/Paineis/FredaIn-
dursky.pdf

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