Você está na página 1de 4

CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO: ANÁLISE DISCURSIVA BASILAR EM M.

PÊCHEUX E EM M. FOUCAULT

FRANCISCO C. C. LIMA – Mestrando UFF (Linha 2)

A princípio, falar de análise de discurso não é difícil de encontrar-se diante de


dois grandes nomes que representam essa imensa área da linguagem, como Michel
Pêcheux e Michel Foucault. Embora, haja divergências e convergências dentro do
aparato analítico discursivo em que se enquadram. Mas, o encontro está na
compreensão da exterioridade determinante e a produtiva dos discursos, onde a
ideia de sujeito se constitui em paradigmas de suas definições postuladas.

Esclarecendo em detalhes (não por absoluto), Foucault quanto Pêcheux nos


seus construtos buscam incidir um princípio que não leva em consideração o sujeito
como uma individualidade, como nascente de sentidos, embora, há diferenças
fundamentais entre eles (GREGOLIN, 2004) como cita (ROCHA; VITORIANO-
GONÇALVES; BARBOSA, 2018, p. 379).

A constituição do sujeito é proposta de discussões não terminadas desde os


gregos. Os romanos, por exemplo, não detalhava com exatidão a constituição do
sujeito, mas já exteriorizava sua legitimidade no que iria de encontro como o Outro.
Como vem o caso do imperador Júlio César (em 47 a.C) em sua célebre frase “Veni
Vidi Vici”, proclamada após guerrear e sair vitorioso contra o rei Fárnaces II do Ponto
na Batalha de Zela, onde o sujeito da enunciação é um índice linguístico. Aquele que
fala utiliza formas de língua que organizam o tempo e o espaço (MAZIÈRE,
2007[2005] p.20). A autora cita os dois teóricos, mencionados anteriormente, onde
Foucault em colaboração com historiadores introduz um sujeito da história. E
Pêcheux faz um “deslocamento tendencial do sujeito enunciador” na materialidade
dos enunciados (MAZIÈRE, 2007 [2005] p.22), assim fazendo uma “diluição do
sujeito em dois: falante empírico e o enunciador linguístico”.

Pêcheux coloca como “exame da relação do sujeito com aquilo que o


representa; portanto uma teoria da identificação e da eficácia material do imaginário”
(2014 [1975], p.115), em que o autor faz suas articulações e procura apresentar as
transformações e os deslocamentos que requerem o seu uso materialista, e que
Mariani (2003, p.65) assevera “que o sujeito diz, seja lá como for, diz dentro da
história”, a derrapagem ou falha nesta prática discursiva do sujeito é ocorrida dentro
da história, que por esta razão há uma produção de sentido. Aí se enfatiza “de que
trabalhamos como a linguagem da sociedade tomada pela história” (ORLANDI, 2017
[2012], p.74). Sendo assim, a articulação se dá “a constituição do sujeito em sua
relação de sentido” (PÊCHEUX, 2014 [1975], p.151), fazendo-se dessa maneira uma
representação no interdiscurso que veicula a forma-sujeito. Sendo assim,
constituição de uma concepção de sentido ao transpor de uma formação discursiva
a outra, o que a postulação pecheutiana possibilita a substituição dos elementos,
tais como palavras, expressões, proposições neste interior da formação discursiva
dada. Logo, fica preconizado que a forma-sujeito constitui o sujeito universal que vai
dar ápice como referência de que o sujeito está determinado a dizer. E Orlandi (2017
[2012], p.74) “insiste na forma material, na busca do real da língua e o real da
história, para poder trabalhar a relação sujeito/sentido”.

Michel Foucault (2014 [1971], p.9) propõe que “por mais que o discurso seja
aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revela logo,
rapidamente sua ligação com o desejo e com o poder’’. Intensificando então, as
palavras do referido autor que, a constituição do sujeito está diretamente relacionada
em meio ás relações de poder. E o mesmo, ainda fala que

(...) suponho que em toda sociedade a produção do discurso é ao mesmo


tempo controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número
de procedimentos que têm por função conjurar seus poderes e perigos,
dominar seu acontecimento aleatório, esquivar sua pesada e temível
materialidade (FOUCAULT, 2014 [1971], p. 8).

Levando em consideração os discursos proclamados a partir dos postulados


construídos por Foucault como corpus de análise, tem-se que, o discurso “é
revestido pelo desejo, no qual se crê, para sua maior exaltação ou maior angústia”,
que poderão estar imbricados de “terríveis poderes” nascentes diante do olhar do
próprio sujeito que os visualiza como enunciados materializados, podendo então, ser
escrito ou pronunciado, incidindo-se como princípio de verdades aceitáveis. Logo,
retoma o que a princípio foi mencionado que, os discursos se concretizam na
materialização das práticas sociais dos sujeitos.

Portanto, enquanto Pêcheux reverbera e leva em consideração a luta de


classes para explicar o assujeitamento e a resistência, Foucault surge com a noção
de micro poderes que ultrapassa a ideia de poder do Estado, que o mesmo propõe
investigar as quebras, fissuras e contingências, pois o sujeito do enunciado não
pode ser reduzido aos elementos gramaticais,

O enunciado não é a projeção direta, sobre o plano da linguagem, de uma


situação determinada ou de um conjunto de representações. Não é
simplesmente a utilização, por um sujeito falante, de um certo número de
elementos e de regras linguísticas. De início, desde sua raiz, ele se delineia
em um campo enunciativo onde tem lugar e status, que lhe apresenta
relações possíveis com o passado e que lhe abre um futuro eventual
(FOUCAULT, 2008 [1969], p. 111).

Trata-se de uma relação que rompe a instância gramatical e do sujeito


empírico de uma proposição (ROCHA; VITORIANO-GONÇALVES; BARBOSA,
2018, p. 386).

Em outras palavras, a análise do discurso quer compreender os gestos da


interpretação: como alguns significantes “tomam corpo” na história,
prendem-se a sentidos e se tornam signos para uma dada posição-sujeito
de onde um sujeito enuncia em determinadas condições de produção, já
interpelado pela ideologia, já falado pelo outro (MARIANI, 2003, p.66).

A identificação interpelada pelo sujeito do discurso, aqui se tem sua formação


discursiva que o domina, ou seja, a partir de constituição, como sujeito. Respalda-se
nas palavras de Pêcheux em “que o recalque inconsciente e o assujeitamento
ideológico estão materializados e ligados” (PÊCHEUX, 2014 [1975]) citado por
(MARIANI, 2003, p.66). Refere-se ao que foi preconizado por Pêcheux (2014 [1975])
do “sempre já” “no domínio do inconsciente, desligado de uma formação discursiva
que lhe fornece seu sentido, a ser perdido no non-sens do significante.”

Foucault já adverte que os discursos podem e devem ser perceptíveis como


séries diversas de acontecimentos, por isso, que há possibilidade e a permissão de
incorporar no cerne do pensamento de análise do discurso, o acaso, o descontínuo
e a materialidade, anteriormente já apontados. “Ora, não é o consenso que faz surgir
o corpo social, mas a materialidade do poder exercendo sobre o próprio corpo dos
indivíduos” (FOUCAULT, 1986 [1979], p.146).

REFERÊNCIAS

ROCHA, T; VITORIANO-GONÇALVES, L; BARBOSA, F. C. S. Foucault X Pêcheux:


o conceito de sujeito do discurso. Revista Letra Magna.com, 2018.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France,
pronunciada em 2 de dezembro de 1970/Michel Foucault; tradução de Laura Fraga
de Almeida Sampaio. 2 ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências
humanas. Tradução Salma Tannus Muchail. São Paulo: Martins Fontes, 2000
[1966].
FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução Luiz Felipe Baeta Neves. 7.
ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008 [1969].
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1986 [1979].
FOUCAULT, M. Uma estética da existência. In M. B. Motta (Org.), Ética,
sexualidade, política. (E. Monteiro e I. Barbosa, Trad.). (pp. 288-293) Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2004 [1984].
FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel
Ramalhete. Petrópolis, Vozes, 1987 [1975].
GREGOLIN, Maria do Rosário. Foucault e Pêcheux na construção da análise do
discurso: diálogos e duelos. São Carlos: Claraluz, 2004.
MARIANI, Bethania. Ideologia e inconsciente na constituição do sujeito.
Gragoatá, Niterói, n. [?]: linguagem, língua e discurso, 1996.
MAZIÈRE, F. A análise do discurso: história e práticas. São Paulo: Parábola
Editorial, 2007 [2005].
ORLANDI, Eni P. Discurso em Análise: Sujeito, Sentido e Ideologia. Campinas, SP:
Pontes Editores, 2017 [2012].
ORLANDI, Eni P. Análise de Discurso: Michel Pêcheux (Textos selecionados: Eni
Pucchinelli Orlandi). Campinas, SP: Pontes Editores, 2015 [2011].
PÊCHEUX, Michel. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio.
Campinas: Editora da Unicamp, 2014 [1975].
PÊCHEUX, Michel. O Discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas: Pontes
Editores, 2015 [1983].

Você também pode gostar