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Unidade III

Unidade III
7 O MÉTODO CARTESIANO

Descartes pretendeu um plano de revisão das bases epistemológicas e metafísicas dos saberes
mediante uma aposta única: a possibilidade do espírito, considerado a partir da constatação de si mesmo
e da evidência e certeza da própria atividade racional, servir de evidência suficiente suprassensível para
atestar a verdade do mundo sensível e do mundo inteligível.

É nesse contexto de inquietação filosófica que o trabalho de Descartes é levado a confrontar


perspectivas tradicionais da Filosofia, em busca do que ele reputou como o caminho mais seguro para
um conhecimento, atestável pela razão e, ao mesmo tempo, universal e evidente, tomando como ponto
de partida as ideias sobre as coisas e não as coisas por si.

7.1 A dúvida metódica

A obra de Descartes inaugura um novo período da história da filosofia, marcado por uma ruptura com
a tradição medieval. Essa ruptura ocorre mediante uma inversão radical das perspectivas metodológicas
do conhecimento.

Vale dizer que a tradição filosófica de seu tempo é identificável pela retomada de temas da
filosofia clássica e pela forte tensão entre o saber filosófico clássico e a doutrina cristã filosoficamente
fundamentada. Essa tradição irá servir a Descartes como material teórico primordial de reflexão e, ao
mesmo tempo, de razoável desafio para que invente e desenvolva as bases daquilo que pôde ser definido
como método cartesiano de conhecimento científico da verdade e do ser. Esse método é notadamente
de caráter cético e subjetivo, como demonstraremos mais adiante.

O projeto filosófico cartesiano propiciou construir um arcabouço conceitual que, até hoje, serve de base para
filosofias da ciência atuais, para as filosofias do sujeito e para os diferentes modelos de filosofia fenomenológica
que são estudados e discutidos nos dias atuais; desse modo, conceitos como dualismo, subjetivismo, idealismo e
representação aparecem como noções filosóficas cartesianas fundamentais no contexto de seu método.

Descartes desenvolve esse novo modelo epistemológico e metódico a partir da distinção fundamental
de duas substâncias que constituem o real: a substância pensante e a substância extensa. Segundo o
filósofo, cada qual é distinta e independente uma da outra, de modo a possibilitar a separação entre
sujeito e objeto. A substância pensante é a alma, isto é, ela se constitui enquanto pensamento autônomo
ou enquanto sujeito. Já a substância extensa, inerente às questões físicas e de quantidade, é o corpo e se
constitui como objeto ou extensão espacial. Enquanto a primeira, a substância pensante, se define como
pensamento e existe no plano metafísico ou das ideias, a segunda, a substância extensa, se define como
matéria sensível e existe no plano físico das percepções e das experiências sensoriais.
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Nessa linha, o sujeito é tomado como condição sine qua non para o conhecimento e também
condição para ter certeza dele mesmo, isto é, para ter certeza de que o pensamento pode conhecer a si
mesmo enquanto evidência racional.

Em sua reflexão, o filósofo irá opor o sujeito, então considerado como condição de certeza do que se
conhece racionalmente, às sensações, consideradas pela tradição filosófica de seu tempo como princípio
válido do conhecimento.

Contudo, o filósofo irá defender a tese de que toda evidência meramente material não é evidência
e, por isso, tem que ser demonstrada pelo intelecto para que tenha alguma validade no âmbito do
conhecimento. Assim, o caminho para se chegar à verdade não partirá mais da experiência sensível
para chegar à concepção teórica racional que, por sua vez, lhe daria sentido. Ao contrário, partirá da
evidência racional em direção àquilo que é empiricamente conhecido, com finalidade lógica de lhe
atestar toda e qualquer validade lógica como realidade.

Na perspectiva cartesiana, o sujeito, considerado como base fundamental do conhecimento no


plano metafísico, é solidário de um método que pode ser definido como idealista, uma vez que o
núcleo do conhecimento e o princípio da verdade estarão na ideia de mundo e não no mundo empírico
sensorialmente apreendido. Isso quer dizer que o sujeito aparece no método cartesiano como condição
pressuposta de conhecimento e como sua base de ordenação, isto é, o sujeito é o próprio espírito, é o
pensamento, é o conjunto de ideias que constituem nosso pensamento.

O conceito de sujeito em Descartes aparece como aquilo que dá a certeza do objeto como um
produto ideal de reflexão.

Esse primado da subjetividade, sobre todo o mais que não é sujeito, sobre tudo aquilo que se
pode atribuir como constitutivo de um mundo real para além do próprio sujeito, constitui‑se como
condição epistemológica para se chegar, a partir das ideias que pensam o mundo, ao objeto cognitivo:
primeiramente o pensamento encontra a si e aos critérios da verdade; depois, ele pensa a realidade, não
a partir da experiência sensorial do mundo, mas a partir das ideias ou representações do mundo.

Essa condição epistemológica para o conhecimento objetivo somente será considerada como
primordial e fundante se for possível distinguir as ideias dos corpos, da realidade sensível e das
formas, isto é, se for possível distinguir o universal e indivisível do que é particular e divisível.
Portanto, aquilo que o filósofo chamará de realidade é o que o pensamento foi capaz de pensar
acerca do mundo, o que ocorre quando se pretende dar a ele uma definição e, nesse processo, a
experiência sensível não terá qualquer participação constituinte se não se pretende que ela seja
causa fundadora de equívocos e ilusões. Assim, a realidade primeira é a própria existência do
sujeito enquanto pensamento ou substância pura.

Não faz parte do projeto metodológico de Descartes impor uma cisão definitiva entre o sensível e
o inteligível, de modo a gerar uma distinção incomunicável entre um mundo real e um mundo ideal.
Diferentemente, o que o filósofo pretende é uma reordenação do próprio exercício do pensamento
de modo que ambos possam manter entre si uma relação, mas segundo uma nova ordem racional de
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concepção, segundo a qual o pensamento não é mais ou menos dependente das experiências, mas é
causa fundadora e certificadora do que se pode conhecer da experiência do mundo real.

O que o método cartesiano propõe é a possibilidade de tornar o sujeito a causa primeira do próprio
conhecimento e isso na medida em que ele se coloca na atividade de reflexão como princípio dela. No
entanto, o pensamento que busca o conhecimento da realidade não parte do nada, de pura abstração do
mundo. Ele opera na base da representação desse mundo, isto é, de qualquer objeto mental que, por sua
vez, sejam reflexos de objetos reais particulares. Então, o que Descartes apresenta como representação
é nada mais que a transfiguração abstrata da ordenação do mundo material.

Para Descartes, se uma ideia está na mente, ela não foi, antes, necessariamente objeto dos sentidos
e da percepção do mundo. Ora, essa redefinição da própria noção de representação está no cerne da
ruptura que ele provoca com toda uma tradição aristotélico‑tomista, segundo a qual a representação
é oriunda de uma experiência sensível. A proposta cartesiana apresenta uma ideia de representação
considerada como puro conteúdo mental, isto é, enquanto ideia capaz de conhecer as experiências de
mundo como identidades conceituais racionalmente identificáveis e mediante conceitos subjetivamente
refletidos. Isso quer dizer que Descartes parte das representações ideais da realidade do mundo, mediante
um exercício lógico de atestação, em direção a ela própria.

Então, a Filosofia é a reconstrução do saber das coisas sensíveis, que parte do saber da representação
ideal das coisas em direção à realidade, com vista à sua atestação. Nessa linha, atestar significa validar,
ou seja, o filósofo considera a atestação como um processo de reflexão em que ocorre uma coincidência
entre a evidência racional (ou a ideia acerca das coisas) e qualquer experiência acerca do mesmo objeto
sensível da percepção. Trata‑se de uma espécie de relação racional construtiva da realidade, em que o
sujeito, a partir da experiência sensível do objeto, pensa‑o metodicamente enquanto ideia universal
capaz de defini‑lo enquanto conceito, e não somente enquanto realidade sensível particular. E, dessa
maneira, torna‑se possível um entendimento acerca do mundo e de seu processo de conhecimento
como atividade de reflexão racional e não mais uma atividade sensorial.

Contudo, o filósofo quer evitar o que chamará de engano ou erro, mediante uma atividade racional
de questionamento ou dúvida metódica, não somente do que for obtido pela experiência, mas do próprio
processo de reflexão filosófica. Afinal, como já foi dito, para Descartes, o mundo não é exclusivamente
ideal, pois é crucial pensar e determinar o modo pelo qual se dá a passagem da essência à existência, isto
é, o modo como se vai das ideias ou representações ideais do mundo às coisas do mundo empiricamente
percebido. Então, a investigação filosófica se desenvolve mediante a realização de duas tarefas distintas,
que o espírito deve exercer em sua reflexão: a necessidade de provar racionalmente a correspondência
entre a representação e a realidade sensível do mundo, segundo critérios racionais rígidos; e a prova de
que esses critérios racionais correspondem ao que realmente existe no mundo da experiência sensorial.

Esse labor cartesiano deverá corresponder à ideia de que o que é racionalmente objetivo o é
universalmente objetivo, pois somente desse modo será possível provar a verdade. Trata‑se propriamente
de buscar pelo valor objetivo da representação, uma vez que o conteúdo de uma ideia deverá ter
validade universal para ser considerado verdadeiramente objetivo. Isso é o mesmo que dizer que o
caráter absoluto da verdade só se prova quando a subjetividade de um conhecimento tenha valor
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universal, mediante a prova de seu fundamento e que, por sua vez, essa prova deverá ser inquestionada
quanto a sua veracidade.

Lembrete

Descartes coloca o sujeito no centro do conhecimento.

7.2 Um método para o conhecimento da verdade

No prefácio que escreve aos seus estudos sobre as ciências da natureza, tradicionalmente conhecido
como O Discurso do Método, Descartes chama a atenção para a necessidade de se reconsiderar tudo
o que se aprende como certo e confiável no curso de uma vida, suspeitando que talvez os alicerces
fundamentais sobre os quais se sustentam o conhecimento adquirido, e a partir dos quais são praticadas
as ações e decisões, possam ser frágeis demais para que se tenha a certeza da verdade e a confiança no
que se supõe como certo.

Ele justifica que essa desconfiança é fundamental para quem busca pelo saber e para evitar que
falsos entendimentos ou valores sejam tomados com referenciais confiáveis e que, mais tarde, possam
se revelar inadequados ou impróprios ao que se reputa como sábio ou mesmo correto. Toma a si mesmo
como exemplo para indicar o trajeto dessa reflexão e respalda seu discurso na metáfora da realização
de uma edificação.

Ele se pergunta se é melhor que um prédio seja construído pela ação de diferentes agentes, mesmo
que a partir do projeto de um único arquiteto, ou se seria melhor que um único agente se encarregasse
de conceber e edificar toda a obra.

Trata‑se de uma metáfora que o filósofo cria para distinguir aquele conhecimento, cujo conteúdo
não partiu do próprio sujeito, mas de uma pluralidade de reflexões tomadas prontamente como certas e
sustentáveis, daquele conhecimento onde o próprio sujeito é o único responsável por toda uma reflexão.

Com essa metáfora ele sugere que haja certa fragilidade no modo como o conhecimento é concebido
quando dogmaticamente instituído, ou mesmo quando suas bases não tenham sido constituídas em firmes
alicerces ou em alicerces fortes suficientes para assegurar o caminho seguro de edificação de um saber.

Nessa toada, propõe que o conhecimento em sua totalidade seja obra de uma unidade reflexiva em
que, antes da edificação dos saberes, o sujeito possa, por ele mesmo, atestar a segurança dos alicerces
sobre os quais se debruçarão suas reflexões. Quer com isso, desde já, afirmar que o conhecimento
válido é subjetivo, mas desde que conduzido metodicamente por regras racionais universais, capazes de
constituir uma evidência racional firme, distinta e clara. Para tanto, propõe quatro regras fundamentais
que devem ser seguidas pelo sujeito da reflexão se quiser a certeza de que o seu conhecimento seja
seguro e válido, independentemente da experiência da realidade sensível. São elas: a clareza e a distinção,
a análise, a ordem, e a enumeração, a seguir explicadas.

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Clareza e distinção

O verdadeiro é o que se apresenta ao espírito (ao pensamento) do sujeito de forma tão clara e
distinta que a dúvida deixa de existir no processo de conhecimento.

No entanto, adverte que duas atitudes se fazem necessárias para que a clareza e a distinção dos
elementos da reflexão racional sejam garantidas: evitar a prevenção e evitar a precipitação. No que diz
respeito à prevenção, Descartes alerta para a necessidade de evitar o preconceito oriundo de juízos mal
ponderados e de prejulgamentos ou opiniões que não se baseiem necessariamente em uma reflexão
crítica. Quanto à precipitação, o filósofo sugere que não se deve fazer um juízo acerca da natureza das
coisas em caráter conclusivo e definitivo, ao menos até que a ligação entre os termos representados
esteja racionalmente demonstrada e comprovada com a devida clareza e distinção.

Análise

Quando o conhecimento encontra dificuldades de entendimento deve‑se dividir a ideia que se tem
do objeto em quantas partes forem necessárias e, se for imprescindível, proceder novamente a essa
divisão, em relação a cada fragmento, como parte da busca por poder explicar cada um dos fragmentos
residuais da divisão em sua integralidade. Desse modo, objetiva‑se torná‑los, uns em relação aos demais,
suficientemente claros e distintos, para que, ao final desse trajeto de reflexão, seja possível solucionar
o problema e conhecer o objeto.

É preciso observar que a análise pressupõe a regra anterior de clareza e distinção, na medida em que
ela depende daquele procedimento de discernimento capaz de separar as ideias claras dos preconceitos.

Ocorre que, para Descartes, a análise baseia‑se no modelo matemático de decomposição das
equações complexas (o da redução de múltiplos aos seus multiplicadores), posto que compreende
um modo seguro de considerar os diferentes elementos de uma reflexão racional, uns em relações
aos outros, de um tal modo que fique claramente demonstrada a correspondência de significado
entre eles.

Ordem

Segundo o filósofo, o pensamento deve ser conduzido de modo a identificar, primeiramente, os


raciocínios mais simples e, posteriormente, relacioná‑los uns aos outros numa ordem lógica de primazia,
dos mais simples aos mais complexos, de modo a estabelecer entre eles as implicações necessárias.
Isso porque a clareza de pensamento depende que os pressupostos da razão sejam suficientemente
claros, distintos e simples para que então, de modo analítico, seja possível construir ideias complexas
ou deduções, por sua vez, capazes de definir racionalmente o objeto de conhecimento de forma válida.
Trata‑se da condição lógica do raciocínio que irá organizar as ideias segundo uma organização capaz de
deixar claro o próprio pensamento que reflete as ideias.

Nessa linha, cada elemento da reflexão tem seu valor correspondente à posição que ocupa no
conjunto do sistema. Assim, é necessário encadear as ideias de tal modo que seja possível demonstrar
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a verdade que ela constitui, isto é, é preciso demonstrar a relação lógica entre a ideia precedente e a
subsequente, na direção da proposição mais simples à mais complexa.

Enumeração

Por fim, é necessário rever e enumerar por completo cada argumento constitutivo da reflexão racional,
de cada raciocínio, de cada ideia, para ter a certeza de que todos os elementos foram devidamente
considerados no curso do pensamento.

Trata‑se propriamente da síntese de um raciocínio, que percorre em sentido inverso ao da análise,


com vista à atestação da visão de conjunto e mediante a verificação da relação entre a ideia subsequente
e a antecedente.

É preciso considerar que, ao tratar dessas regras, Descartes está muito mais ocupado de seus estudos
de aritmética e de geometria, do que das questões propriamente metafísicas, ainda que sua proposta
metódica se estenda a estas.

Outra observação importante é que a regra da clareza e distinção é a mais importante, porque se
fundamenta em duas bases: a simplicidade e a separação. São elas que asseguram a identificação de um
conteúdo livre de condições materiais oriundas da experiência sensorial e das condições psicológicas do
indivíduo, tais como as opiniões do senso comum e as emoções.

O cumprimento das quatro regras impossibilita a dúvida, gera a certeza do sujeito e, com ela, a
evidência racional. Eis o caminho da descoberta daquilo que se chama de verdade subjetiva ou
subjetividade: o lugar de fundamento da verdade, o que, para o filósofo, se dará mediante o exercício
da dúvida ou do cogito.

Para tanto, busca‑se a generalização, procedimento pelo qual o conhecimento sensível é colocado
em dúvida. O processo de busca do conhecimento é o caminho da verdade; não é somente orientado pela
dúvida metódica, mas também fundamentado e estruturado por ela ao organizar a atividade racional
em face de uma busca determinada: a objetividade do conhecimento decorrente da concepção de uma
representação que seja indubitável.

Assim, é necessário que haja a radicalização da dúvida, ou seja, que ela se torne hiperbólica e, assim,
questione a si mesma enquanto método válido e suficiente de conhecimento. Isso quer dizer que não
somente é necessário questionar o conhecimento sensível, que agora passa a não ser mais considerado
como ponto inicial e necessário de conhecimento, mas é preciso considerá‑lo em sua totalidade, e
tudo o mais que com ele se relacionar como falso. Espera‑se que a dúvida se estenda a qualquer
representação relacionada com as experiências sensoriais e que, desse modo, seja possível identificar as
razões de duvidar de algo, bem como de duvidar da própria dúvida como método suficiente e garantido
de conhecimento da verdade.

A dúvida para Descartes é uma necessidade metódica, um modo de evitar o conhecimento oriundo
das sensações e das percepções, que ou pode ser falso ou improvável ou relativizado em função de
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uma perspectiva meramente individual e parcial, ou seja, sem valor de verdade. Essa posição se justifica
no argumento de que qualquer reflexão que parta de uma certeza frágil, isto é, que não possa ser
cabalmente provada, será ela mesma o princípio de falsificação ou desconsideração do conhecimento
enquanto verdade.

Para que seja possível a certeza, é necessário que, antes, seja a representação ideal da coisa submetida
à dúvida mediante a qual o seu valor ficará dependente de detalhado exame e segundo os critérios ou
regras de esclarecimento suficientes da qual se falou há pouco.

A dúvida, nesse sentido, tem que ser um exercício lógico‑racional de verificação epistemológica de
conceitos e ideias, muito além da cultura histórica de um povo. É com essa tese que Descartes rompe
com uma tradição filosófica de um conhecimento que se constitui a partir da cumulação de ideias,
algumas de base puramente empíricas, outras de base axiológica e moral, e que impedem conhecer o
mundo sem que ocorra sob a influência da vã opinião ou de um idealismo disfarçado de verdade.

Então, será preciso questionar as próprias ideias que pretendem servir de arcabouço de sustentação
daquilo que se propõe como definição das experiências sensoriais, será necessário descartar essas
experiências se tomadas como ponto de partida para o entendimento da verdade. Afinal, através
dos sentidos o sujeito pode se equivocar quanto ao que as coisas são, uma vez que eles operam com
imperfeição e estão sujeitos ao erro e à ilusão.

Contudo, há em Descartes, uma dúvida inaugural acerca daquilo que se concebe como
representação ideal das coisas do mundo. É preciso partir do pressuposto de que os sentidos e as
emoções sejam realmente enganadores, ou pior, que sejam dissimuladores da realidade. Também
é preciso considerar que as percepções do mundo podem ser corrompidas pelo erro ou pela ilusão
que se tem acerca das coisas.

É nessa direção que deve surgir o exercício da dúvida, mediante a negação das experiências sensoriais,
então consideradas como fonte de conhecimento, em busca de outro referencial seguro de reflexão.
Ao contrário do que propõe uma tradição empirista, é necessário partir do pressuposto de que, se a
realidade oriunda da experiência favorece o erro e a ilusão, a ideia ou evidência racional que se tem das
coisas, desde que obtidas exclusivamente a partir de um pensamento metodicamente esclarecido, e sob
a rigorosa análise de seus componentes, deve ser a única certeza possível.

Porém, como a certeza que se pode encontrar mediante o exercício da dúvida é subjetiva, na
medida em que ela se forma e se resolve na esfera da reflexão do sujeito, e por mais clareza que
haja em sua concepção, é preciso questionar a garantia de que o raciocínio foi capaz de encontrar a
verdade e não apenas de sabotar‑se a si mesmo mediante a criação de uma ideia a qual não tenha
correspondente na realidade.

É necessário duvidar do próprio gênio que exercita a dúvida inaugural, duvidando dele como princípio
racional capaz de garantir o conhecimento da verdade.

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Lembrete

Descartes estabeleceu quatro regras fundamentais para o conhecimento:


a clareza e distinção, a análise, a ordem e a enumeração.

7.3 Discurso do Método: segunda parte

Aprendemos a nadar nadando. Aprender Filosofia é como aprender a nadar. Aprendemos filosofia
filosofando. E para filosofar é preciso conhecer como outros filósofos filosofaram. Então, é fundamental
para o estudante de Filosofia a leitura de textos filosóficos de autoria de pensadores referenciais, como
Descartes. Então, selecionamos aqui a segunda parte do Discurso do Método, para que você possa entrar
em contato com a escrita de Descartes. Leia com calma, lembrando‑se do que estudou anteriormente.
Se precisar, e será preciso, faça uma segunda leitura.

Ler é a principal ferramenta do filósofo. Por meio dela, ele obtém conteúdo para suas reflexões
e, também, aprende o modo, a maneira de filosofar. Então, não tenha preguiça e faça uma leitura
proveitosa do texto desse filósofo tão importante da Filosofia Moderna.

DISCURSO DO MÉTODO

Segunda Parte

[1] Achava‑me, então, na Alemanha, para onde fora atraído pela ocorrência das guerras,
que ainda não findaram, e, quando retornava da coroação do imperador para o exército, o
início do inverno me deteve num quartel, onde, não encontrando nenhuma frequentação
que me distraísse, e não tendo, além disso, por felicidade, quaisquer solicitudes ou paixões
que me perturbassem, permanecia o dia inteiro fechado sozinho num quarto bem aquecido
onde dispunha de todo o vagar para me entreter com os meus pensamentos. Entre eles,
um dos primeiros foi que me lembrei de considerar que, amiúde não há tanta perfeição
nas obras compostas de várias peças, e feitas pela mão de diversos mestres, como naquelas
em que um só trabalhou. Assim, vê‑se que os edifícios empreendidos e concluídos por um
só arquiteto costumam ser mais belos e melhor ordenados do que aqueles que muitos
procuraram reformar, fazendo uso de velhas paredes construídas para outros fins. Assim,
essas antigas cidades que, tendo sido no começo pequenos burgos, tornaram‑se, no decorrer
do tempo, grandes centros, são ordinariamente tão mal compassadas em comparação com
essas praças regulares, traçadas por um engenheiro à sua fantasia numa planície, que,
embora considerando seus edifícios cada qual à parte, se encontre neles muitas vezes tanta
ou mais arte que nos das outras, todavia, a ver como se acham arranjados, aqui um grande,
ali um pequeno, e como tornam as ruas curvas e desiguais, dir‑se‑ia que foi mais o acaso
do que a vontade de alguns homens usando da razão que assim os dispôs. E se se considerar
que, apesar de tudo, sempre houve funcionários com o encargo de fiscalizar as construções
dos particulares para torná‑las úteis ao ornamento do público, reconhecer‑se‑á realmente

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que é penoso, trabalhando apenas nas obras de outrem, fazer coisas muito acabadas. Assim,
imaginei que os povos, que, tendo sido outrora semisselvagens e só pouco a pouco se tendo
civilizado, não elaboraram suas leis senão à medida que a incomodidade dos crimes e das
querelas a tanto os compeliu, não poderiam ser tão bem policiados como aqueles que, a
começar do momento em que se reuniram, observaram as constituições de algum prudente
legislador. Tal como é bem certo que o estado da verdadeira religião, cujas ordenanças só
Deus fez, deve ser incomparavelmente melhor regulamentado do que todos os outros. E, para
falar das coisas humanas, creio que, se Esparta foi outrora muito florescente, não o deveu à
bondade de cada uma de suas leis em particular, visto que muitas eram bastante alheias e
mesmo contrárias aos bons costumes, mas ao fato de que, havendo sido inventadas apenas
por um só, tendiam todas ao mesmo fim. E assim pensei que as ciências dos livros, ao menos
aquelas cujas razões são apenas prováveis e que não apresentam quaisquer demonstrações,
pois se compuseram e avolumaram pouco a pouco com opiniões de mui diversas pessoas,
não se acham, de modo algum, tão próximas da verdade quanto os simples raciocínios
que um homem de bom senso pode fazer naturalmente com respeito às coisas que se lhe
apresentam. E assim ainda, pensei que, como todos nós fomos crianças antes de sermos
homens, e como nos foi preciso por muito tempo sermos governados por nossos apetites e
nossos preceptores, que eram amiúde contrários uns aos outros, e que, nem uns nem outros,
nem sempre, talvez nos aconselhassem o melhor, é quase impossível que nossos juízos
sejam tão puros ou tão sólidos como seriam, se tivéssemos o uso inteiro de nossa razão
desde o nascimento e se não tivéssemos sido guiados senão por ela.

[2] É certo que não vemos em parte alguma lançarem‑se por terra todas as casas de uma
cidade, com o exclusivo propósito de refazê‑las de outra maneira, e de tornar assim suas
ruas mais belas; mas vê‑se na realidade que muitos derrubam as suas para reconstruí‑las,
sendo mesmo algumas vezes obrigados a fazê‑lo, quando elas correm o perigo de cair
por si próprias, por seus alicerces não se estarem muito firmes. A exemplo disso, persuadi
me de que verdadeiramente não seria razoável que um particular intentasse reformar
um Estado, mudando‑o em tudo desde os fundamentos e derrubando‑o para reerguê‑lo;
nem tampouco reformar o corpo das ciências ou a ordem estabelecida nas escolas para
ensiná‑las; mas que, no tocante a todas as opiniões que até então acolhera em meu crédito,
o melhor a fazer seria dispor‑me, de uma vez para sempre, a retirar‑lhes essa confiança, a
fim de substituí‑las em seguida ou por outras melhores, ou então pelas mesmas, após tê‑las
ajustado ao nível da razão. E acreditei firmemente que, por este meio, lograria conduzir
minha vida muito melhor do que se a edificasse apenas sobre velhos fundamentos, e me
apoiasse tão somente sobre princípios de que me deixara persuadir em minha juventude,
sem ter jamais examinado se eram verdadeiros. Pois, embora notasse nesta tarefa diversas
dificuldades, não eram, todavia irremediáveis, nem comparáveis às que se encontram na
reforma das menores coisas atinentes ao público. Esses grandes corpos são demasiado
difíceis de reerguer quando abatidos, ou mesmo de suster quando abalados, e suas quedas
não podem deixar de ser muito rudes. Pois, quanto às suas imperfeições, se as têm, como
a mera diversidade existente entre eles basta para assegurar que as têm numerosas, o uso
sem dúvida as suavizou, e mesmo evitou e corrigiu insensivelmente um grande número
às quais não se poderia tão bem remediar por prudência. E, enfim, são quase sempre mais
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suportáveis do que o seria a sua mudança; da mesma forma que os grandes caminhos, que
volteiam entre montanhas, se tornam pouco a pouco tão batidos e tão cômodos, à força de
serem frequentados, que é bem melhor segui‑los do que tentar ir mais reto, escalando por
cima dos rochedos e descendo até o fundo dos precipícios.

[3] Eis por que não poderia de forma alguma aprovar esses temperamentos perturbadores
e inquietos que, não sendo chamados, nem pelo nascimento, nem pela fortuna, ao manejo
dos negócios públicos, não deixam de neles praticar sempre, em ideia, alguma nova reforma.
E se eu pensasse haver neste escrito a menor coisa que pudesse tornar‑me suspeito de tal
loucura, ficaria muito pesaroso de ter aceito publicá‑lo. Nunca o meu intento foi além de
procurar reformar meus próprios pensamentos e construir num terreno que é todo meu. De
maneira que, se, tendo minha obra me agradado bastante, eu vos mostro aqui o seu modelo,
nem por isso quero aconselhar alguém a imitá‑lo. Aqueles a quem Deus melhor partilhou
suas graças alimentarão talvez desígnios mais elevados; mas temo bastante que já este seja
ousado demais para muitos. A simples resolução de se desfazer de todas as opiniões a que
se deu antes crédito não é um exemplo que cada qual deva seguir; e o mundo compõe‑se
quase tão somente de duas espécies de espíritos, aos quais ele não convém de modo
algum. A saber, daqueles que, crendo‑se mais hábeis do que são, não podem impedir‑se de
precipitar seus juízos, nem ter suficiente paciência para conduzir por ordem todos os seus
pensamentos: daí resulta que, se houvessem tomado uma vez a liberdade de duvidar dos
princípios que aceitaram e de se apartar do caminho comum, nunca poderiam ater‑se à
senda que é preciso tomar para ir mais direito, e permaneceriam extraviados durante toda
a vida; depois, daqueles que, tendo bastante razão, ou modéstia, para julgar que são menos
capazes de distinguir o verdadeiro do falso do que alguns outros, pelos quais podem ser
instruídos, devem antes contentar‑se em seguir as opiniões desses outros, do que procurar
por si próprios outras melhores.

[4] E, quanto a mim, estaria sem dúvida no número destes últimos, se eu tivesse tido
um único mestre, ou se nada soubesse das diferenças havidas em todos os tempos entre
as opiniões dos mais doutos. Mas, tendo aprendido, desde o Colégio, que nada se poderia
imaginar tão estranho e tão pouco crível que algum dos filósofos já não houvesse dito; e
depois, ao viajar, tendo reconhecido que todos os que possuem sentimentos muito contrários
aos nossos nem por isso são bárbaros ou selvagens, mas que muitos usam, tanto ou mais
do que nós, a razão; e, tendo considerado o quanto um mesmo homem, com o seu mesmo
espírito, sendo criado desde a infância entre franceses ou alemães, torna‑se diferente do
que seria se vivesse sempre entre chineses ou canibais; e como, até nas modas de nossos
trajes, a mesma coisa que nos agradou há dez anos, e que talvez nos agrade ainda antes de
decorridos outros dez, nos parece agora extravagante e ridícula, de sorte que são bem mais
o costume e o exemplo que nos persuadem do que qualquer conhecimento certo e que, não
obstante, a pluralidade das vozes não é prova que valha algo para as verdades um pouco
difíceis de descobrir, por ser bem mais verossímil que um só homem as tenha encontrado
do que todo um povo: eu não podia escolher ninguém cujas opiniões me parecessem dever
ser preferidas às de outrem, e achava‑me como compelido a tentar eu próprio conduzir‑me.

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[5] Mas, como um homem que caminha só e nas trevas, resolvi ir tão lentamente, e usar
de tanta circunspecção em todas as coisas, que, mesmo se avançasse muito pouco, evitaria
pelo menos cair. Não quis de modo algum começar rejeitando inteiramente qualquer das
opiniões que porventura se insinuaram outrora em minha confiança, sem que aí fossem
introduzidas pela razão, antes de despender bastante tempo em elaborar o projeto da obra
que ia empreender, e em procurar o verdadeiro método para chegar ao conhecimento de
todas as coisas de que meu espírito fosse capaz.

[6] Eu estudara um pouco, sendo mais jovem, entre as partes da Filosofia, a Lógica, e, entre
as Matemáticas, a Análise dos geômetras e a Álgebra, três artes ou ciências que pareciam
dever contribuir com algo para o meu desígnio. Mas, examinando‑as, notei que, quanto à
Lógica, os seus silogismos e a maior parte de seus outros preceitos servem mais para explicar
a outrem as coisas já se sabem, ou mesmo, como a arte de Lúlio, para falar, sem julgamento,
daquelas que se ignoram, do que para aprendê‑las. E embora ela contenha, com efeito, uma
porção de preceitos muito verdadeiros e muito bons, há, todavia, tantos outros misturados
de permeio que são ou nocivos, ou supérfluos, que é quase tão difícil separá‑los quanto tirar
uma Diana ou uma Minerva de um bloco de mármore que nem sequer está esboçado. Depois,
com respeito à Análise dos Antigos e à Álgebra dos modernos, além de se estenderem apenas
a matérias muito abstratas, e de não parecerem de nenhum uso, a primeira permanece sempre
tão adstrita à consideração das figuras que não pode exercitar o entendimento sem fatigar
muito a imaginação; e esteve‑se de tal forma sujeito, na segunda, a certas regras e certas
cifras, que se fez dela uma arte confusa e obscura que embaraça o espírito, em lugar de uma
ciência que o cultiva. Por esta causa, pensei ser mister procurar algum outro método que,
compreendendo as vantagens desses três, fosse isento de seus defeitos. E, como a multidão de
leis fornece amiúde escusas aos vícios, de modo que um Estado é bem melhor dirigido quando,
tendo embora muito poucas, são estritamente cumpridas; assim, em vez desse grande número
de preceitos de que se compõe a Lógica, julguei que me bastariam os quatro seguintes, desde
que tomasse a firme e constante resolução de não deixar uma só vez de observá‑los.

[7] O primeiro era o de jamais acolher alguma coisa como verdadeira que eu não
conhecesse evidentemente como tal; isto é, de evitar cuidadosamente a precipitação e
a prevenção, e de nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e tão
distintamente a meu espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô‑lo em dúvida.

[8] O segundo, o de dividir cada uma das dificuldades que eu examinasse em tantas
parcelas quantas possíveis e quantas necessárias fossem para melhor resolvê‑las.

[9] O terceiro, o de conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos
mais simples e mais fáceis de conhecer, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até
o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo uma ordem entre os que não se
precedem naturalmente uns aos outros.

[10] E o último, o de fazer em toda parte enumerações tão completas e revisões tão
gerais, que eu tivesse a certeza de nada omitir.
114
DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA

[11] Essas longas cadeias de razões, todas simples e fáceis, de que os geômetras costumam
servir‑se para chegar às suas mais difíceis demonstrações, haviam‑me dado ocasião de
imaginar que todas as coisas possíveis de cair sob o conhecimento dos homens seguem‑se
umas às outras da mesma maneira e que, contanto que nos abstenhamos somente de aceitar
por verdadeira qualquer que não o seja, e que guardemos sempre a ordem necessária para
deduzi‑las umas das outras, não pode haver quaisquer tão afastadas a que não se chegue
por fim, nem tão ocultas que não se descubram. E não me foi muito penoso procurar
por quais devia começar, pois já sabia que haveria de ser pelas mais simples e pelas mais
fáceis de conhecer; e, considerando que, entre todos os que precedentemente buscaram a
verdade nas ciências, só os matemáticos puderam encontrar algumas demonstrações, isto é,
algumas razões certas e evidentes, não duvidei de modo algum que não fosse pelas mesmas
que eles examinaram; embora não esperasse disso nenhuma outra utilidade, exceto a de
que acostumariam o meu espírito a se alimentar de verdades e a não se contentar com
falsas razões. Mas não foi meu intuito, para tanto, procurar aprender todas essas ciências
particulares que se chamam comumente matemáticas; e, vendo que, embora seus objetos
sejam diferentes, não deixam de concordar todas, pelo fato de não conferirem nesses
objetos senão as diversas relações ou proporções que neles se encontram, pensei que valia
mais examinar somente estas proporções em geral, e supondo‑as apenas nos suportes que
servissem para me tornar o seu conhecimento mais fácil; mesmo assim, sem restringi‑las
de forma nenhuma a tais suportes, a fim de poder aplicá‑las tão melhor, em seguida, a
todos os outros objetos a que conviessem. Depois, tendo notado que, para conhecê‑las, teria
algumas vezes necessidade de considerá‑las cada qual em particular, e outras vezes somente
de reter, ou de compreender, várias em conjunto, pensei que, para melhor considerá‑las em
particular, deveria supô‑las em linhas, porquanto não encontraria nada mais simples, nem
que pudesse representar mais distintamente à minha imaginação e aos meus sentidos; mas
que, para reter, ou compreender, várias em conjunto, cumpria que eu as designasse por
alguns signos, os mais breves possíveis, e que, por esse meio, tomaria de empréstimo o
melhor da Análise geométrica e da Álgebra, e corrigiria todos os defeitos de uma pela outra.

[12] E como, efetivamente, ouso dizer que a exata observação desses poucos preceitos
que eu escolhera me deu tal facilidade de deslindar todas as questões às quais se estendem
essas duas ciências que, nos dois ou três meses que empreguei em examiná‑las, tendo
começado pelas mais simples e mais gerais, e constituindo cada verdade que eu achava
uma regra que me servia em seguida para achar outras, não só consegui resolver muitas que
julgava antes muito difíceis, como me pareceu também, perto do fim, que podia determinar,
até mesmo naquelas que ignorava, por quais meios e até onde seria possível resolvê‑las. No
que não vos parecerei talvez muito vaidoso, se considerardes que, havendo somente uma
verdade de cada coisa, todo aquele que a encontrar sabe a seu respeito tanto quanto se
pode saber; e que, por exemplo, uma criança instruída na aritmética, que haja realizado uma
adição segundo as regras, pode estar certa de ter achado, quanto à soma que examinava,
tudo o que o espírito humano poderia achar. Pois, enfim, o método que ensina a seguir a
verdadeira ordem e a enumerar exatamente todas as circunstâncias daquilo que se procura
contém tudo quanto dá certeza às regras da aritmética.

115
Unidade III

[13] Mas, o que me contentava mais nesse método era o fato de que, por ele, estava
seguro de usar em tudo minha razão, se não perfeitamente, ao menos o melhor que eu
pudesse; além disso, sentia, ao praticá‑lo, que meu espírito se acostumava pouco a pouco a
conceber mais nítida e distintamente seus objetos, e que, não o tendo submetido a qualquer
matéria particular, prometia a mim mesmo aplicá‑lo tão utilmente às dificuldades das
outras ciências como o fizera com as da Álgebra. Não que, para tanto, ousasse empreender
primeiramente o exame de todas as que se me apresentassem, pois isso mesmo seria
contrário à ordem que ele prescreve. Porém, tendo notado que os seus princípios deviam
ser todos tomados à Filosofia, na qual não encontrava ainda quaisquer que fossem certos,
pensei que seria mister, antes de tudo, procurar ali estabelecê‑los; e que, sendo isso a coisa
mais importante do mundo, e onde a precipitação e a prevenção eram mais de recear, não
devia empreender sua realização antes de atingir uma idade bem mais madura do que a dos
vinte e três anos que eu então contava e antes de ter despendido muito tempo em preparar
me para isso, tanto desenraizando de meu espírito todas as más opiniões que nele acolhera
até essa época como acumulando muitas experiências, para servirem em seguida de matéria
aos meus raciocínios, e exercitando‑me sempre no método que me prescrevera, a fim de me
firmar nele cada vez mais.

Fonte: Descartes (1983, p. 34‑41).

Observação

A dúvida hiperbólica é a chave do método cartesiano que leva ao cogito,


isto é, “penso, logo existo”.

8 AS MEDITAÇÕES

Nas Meditações, Descartes propõe um itinerário de reflexão que pretende lidar com todas as questões
metafísicas que colocam sob suspeita o gênio investigativo do sujeito. Trata‑se de um conjunto de seis
meditações acerca da atividade do espírito ou do pensamento e que pretendem esclarecer como ele se
porta, ou de como ele deve se portar, no curso de seu desenvolvimento, principalmente mediante o cogito.

8.1 O cogito posto: dúvida radical, dúvida metafísica e existência em Descartes

Preocupado com a insuficiência do cogito enquanto método capaz de conceber com clareza as
ideias, Descartes propõe uma dúvida hiperbólica, isto é, que questiona a si mesma enquanto pensamento
questionador, onde o próprio gênio investigativo revelador da verdade das coisas é colocado sob suspeita.

Trata‑se de uma investigação sobre a possibilidade do gênio revelador, que, mediante a dúvida, leva
o sujeito a conceber com clareza e distinção as ideias, ser ele mesmo um gênio do mal ou enganador,
que estaria disposto a levar o sujeito a um erro extremo por fazê‑lo confiar que a evidência ideal da
realidade fosse, de fato, uma ilusão.

116
DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA

Essa hipótese de um gênio maligno ou malicioso se refere à possibilidade de o sujeito ser levado à
firme crença de uma certeza que, por sua vez, não se basearia no valor objetivo que as coisas precisam
ter para serem consideradas como conhecimento cientificamente válido. O que o filósofo propõe com a
concepção de um gênio maligno como uma entidade racional malévola capaz de induzir o raciocínio ao
erro, mediante a subjetivação do valor válido das coisas, é a consideração que o sujeito deve ter, agora
não mais em relação ao objeto que conhece, mas em relação ao próprio princípio questionador das
ideias, assumindo a possibilidade de questionar o próprio pensamento como uma evidência.

Nesse sentido, a dúvida hiperbólica consiste em duvidar do próprio pensamento que questiona
e, desse modo, radicalizar o processo de investigação ao ponto de considerar como única certeza a
constatação de que, se o sujeito duvidar do que duvida, só o poderá fazê‑lo ao pensar a própria dúvida
a respeito da dúvida inicial.

Inevitavelmente, o sujeito deverá chegar à conclusão de que a única certeza que pode ter de si
mesmo é que ele se constitui como uma coisa pensante, isto é, que o sujeito é um pensamento que
pensa a si mesmo mediante o questionamento de sua própria condição ontológica de ser pensante.

Isso quer dizer que o exercício do cogito, que é esse questionamento acerca da própria entidade
do sujeito, se exerce como atestação fundamental de sua existência e também como constatação de
que a existência do sujeito se dá, não na realidade empiricamente cognoscível, no mundo das ideias ou
evidências ideais e não no mundo sensorial.

O que o filósofo pretende com essa dúvida hiperbólica é afirmar que o sujeito é uma evidência ideal
existente e que isto se dá pelo fato do pensamento. A existência do sujeito aparece como prova do
pensamento, uma vez que ela surge como dependente deste.

O cogito é o caminho racional de encontro de algo substancial do sujeito, que deve aparecer como
evidência primeira a fim de que todo o mais que se constituir como evidência ideal seja considerado
como válido no plano do conhecimento científico. Assim, a ideia de que o sujeito é uma coisa que
pensa, e que pensa a si mesma como coisa pensante, consiste na constatação de que o sujeito existe no
mundo como pensamento ou coisa pensante, o que deve propiciar discernimento suficiente entre o que
distingue a subjetividade e a objetividade. Afinal, a única certeza subsistente no cogito é a existência de
um eu enquanto ser pensante.

Na primeira meditação considera‑se a possibilidade de duvidar geralmente de todas as coisas a


fim de que seja possível a libertação do pensamento face aos prejuízos do erro e do engano, preparando
o caminho do espírito para que ele se desligue dos sentidos e a dúvida diante da evidência se torne
inexistente. Já é possível observar que, em razão da pretensão dessa primeira meditação, ele terá um
papel fundamental na atividade hiperbólica da dúvida e na constatação daquilo que deverá servir de
fundamento seguro para o conhecimento válido da verdade, então considerada como de valor universal.

Na segunda meditação, Descartes propõe que o espírito pode supor livremente que todas as coisas
não existem se elas permitirem que haja alguma dúvida, por menor que seja, acerca do que elas sejam.
Tal constatação serviria para supor que o próprio espírito não exista, já que é possível duvidar dele
117
Unidade III

mesmo como princípio seguro de conhecimento das coisas. Aqui, o objetivo de Descartes é limpar o
caminho, esvaziar a mente.

Nessa meditação, o filósofo considera também que a corrupção do corpo não decorre da corrupção
da alma, o que significa que a alma subsiste em razão dela mesma, posto ser incorruptível, jamais deixa
de ser. Isso porque a alma é substância pura. Já o corpo não é mais o mesmo, porque tem transformadas
as partes que lhe dão figuração no mundo, o que ocorre pelo fato do perecimento da matéria que o
constitui. Enquanto isso, a alma do indivíduo ou espírito continua naturalmente imortal.

Descartes se dedica, na terceira meditação, a provar a existência de Deus, na mesma direção lógica
segundo a qual prova a alma como substância pura e imortal.

Deus é compreendido pelo filósofo como substância pura, um ser soberano e perfeito, que se encontra
no espírito do sujeito como representação perfeita, em diversos graus de concepção, o que somente se
justificaria se sua causa fosse absolutamente perfeita. Desse modo, seria impossível conceber a Deus
como outra coisa, imperfeita, se não fosse o fato do próprio Deus ser causa de si mesmo, afinal, a causa
da perfeição (a ideia de Deus) só pode ser compreendida como causa perfeita de si mesma.

Na quarta meditação o filósofo retoma a regra da clareza e distinção para afirmar que é possível
provar que as coisas que podem ser concebidas de modo claro e suficientemente distinto somente
podem ser consideradas como verdadeiras e que, desse modo, a evidência racional das coisas se dá
mediante a atestação da possibilidade de discerni‑las de todas as demais ao ponto de não ser mais
necessário qualquer esforço para sua averiguação enquanto verdade, se o julgamento se ocupar com
constância do discernimento entre o verdadeiro e o falso e o fizer levando em consideração tudo aquilo
que não disser respeito ao que compete à fé ou à conduta moral da vida.

Já na quinta meditação, ele retoma a reflexão sobre a prova da existência de Deus para demonstrar
sua verdade por outras razões, além de supor que sem Ele seria impossível a constatação das certezas
oriundas das demonstrações geométricas.

Na sexta meditação e última, Descartes se ocupa da distinção entre a ação do entendimento


da ação da imaginação. Mais uma vez, retoma a distinção entre alma e corpo, ainda que estejam
estreitamente conjugadas e unidas, de modo a constituir, juntos, uma mesma coisa. É no contexto
dessas considerações em que o filósofo expõe os erros possíveis decorrentes da operação dos sentidos,
de modo a indicar por qual maneira eles podem ser evitados. Então, apresenta todas as razões que levam
a concluir a existência de coisas materiais, ainda que não sejam tão firmes e racionalmente evidentes
como aquelas razões que podem levar o sujeito ao conhecimento de Deus e da alma. Para o filósofo, o
conhecimento das razões dessas últimas pelo espírito é mais certo e mais evidente.

As primeiras duas meditações aparecem no bojo da filosofia reflexiva de Descartes como o passo
fundamental para a compreensão do método, do cogito e da evidência racional que permitem o
conhecimento das coisas com o valor de validade universal.

118
DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA

O filósofo começa sua reflexão alertando para a necessidade de o sujeito se livrar dos preconceitos e
ilusões decorrentes das experiências sensoriais, pois elas podem ser enganadoras e levar o espírito ao erro
de entendimento sobre a realidade do mundo das coisas. É preciso, pois, livrar‑se das falsas opiniões que
são tomadas como verdadeiras e considerá‑las como duvidosas e incertas, a fim de estabelecer algum
conhecimento que possa ser considerado como firme e constante no âmbito do saber científico. Para
tanto, é necessário que o sujeito se reserve a certo universo de isolamento reflexivo onde possa depurar
todos os conceitos que foram obtidos ao longo do tempo, de modo a distinguir aqueles que decorrem
do próprio entendimento acerca das coisas, daqueles que foram obtidos pelo exercício dos sentidos ou
pela construção coletiva e, de certo modo, dogmática, que vem com a tradição sendo construída.

Mais uma vez, é importante frisar: Descartes quer alertar para o fato dos sentidos possivelmente
falharem durante o seu exercício, produzindo falsas impressões acerca do mundo, e para a possibilidade
de um conhecimento tradicionalmente constituído ser o portador de equívocos ou obscuridade no
núcleo conceitual daquilo que o define. Então, é preciso que o sujeito destrua, de um modo geral, todas
as opiniões que constituem seu saber, e desconsidere todos os sentidos, ainda que o tenha enganado uma
única vez, porque o menor motivo para duvidar de uma ideia tem que ser suficientemente considerado
para duvidar de todas as demais.

Assim, o sujeito pode duvidar do que julga ser seu próprio corpo ou de que as coisas que ele faz
sejam realmente o que existe ou que, na verdade, trata‑se de um sonho ou mesmo apenas a imaginação
que ele exerce sobre sua possibilidade de ser e agir no mundo. Isso porque as representações que
constituem esse sonho, ou a imaginação fantasiosa do mundo ou mesmo o que sentimos dele, devem
ser concebidos como meras figurações ou retratações episódicas constituídas a partir de uma impressão
momentânea da vida real.

Destarte, ainda que o corpo que o sujeito julga ser verdadeiro se constitua como algo real, sempre
haverá algo mais simples e mais universal, que será considerado como verdadeiro e existente, dada a
capacidade do espírito de conferir certeza ao que se julga conhecer do mundo.

No entanto, o que aconteceria se fosse possível tomar esse espírito como um gênio enganador e
maldoso, que, de fato, quer apenas induzir o sujeito ao erro e à ilusão? Seria possível obter alguma certeza
fundamental que servisse ao sujeito para que construísse um conhecimento seguro e válido das coisas?

Afinal de contas, não é possível desconsiderar o primado segundo o qual se há algo que, ainda
que minimamente, tenha sido capaz de enganar ou colocar em dúvida o gênio investigador em algum
momento do processo de conhecimento, é preciso considerar como possível que volte a fazê‑lo, ainda
que de outra forma e maneira, destruindo, desse modo, qualquer garantia de certeza na edificação da
verdade das coisas.

O que o filósofo aponta nesse momento é para a necessidade de duvidar dos sentidos e das vãs opiniões
e considerar como evidente somente a razão que opera a dúvida. Porém, alerta para a necessidade de
radicalização do exercício da dúvida mediante o seguinte questionamento: o gênio investigativo é um
gênio do bem ou do mal? É benigno ou maligno? Quer levar ao conhecimento da verdade das coisas ou
tornar essa busca uma via segura para uma ilusão mais definitiva e inescapável?
119
Unidade III

Enfim, haverá um gênio maligno que, com ardil e engenho, pretenda enganar o sujeito, induzindo‑o
a um erro mais profundo no processo de conhecimento, em que o pensamento seja ele mesmo tomado
como uma obra falsa fundada em bases improváveis? O sujeito pode supor, então, que todas as coisas
sejam falsas, que todas as memórias, sentidos e emoções nunca existiram, e que o próprio pensamento
em exercício seja ele mesmo algo falso, que jamais existiu?

A constatação racional da proposição que afirma que o sujeito é porque existe (“eu sou, eu
existo”) será, segundo Descartes, necessariamente verdadeira a cada vez que puder ser enunciada ou
concebida no espírito. Isso porque ela mesma, ainda que tomada enquanto dúvida fundamental e
hiperbólica acerca do sujeito que pensa ou do eu, se constitui como evidência suficiente do próprio
espírito enquanto pensamento.

É o pensamento pensando a si mesmo, ainda que enquanto uma investigação quanto a sua própria
possibilidade de ser no mundo. Nessa direção, o sujeito, que antes se pensava como um corpo ou algo
provido de alguma figura historicamente sensível, agora se concebe como uma coisa que pensa. E essa
coisa pensante, que pensa a si mesma enquanto coisa que pensa, é a evidência racional fundamental – e
a certeza – sobre a qual poderá ser edificada com segurança todo e qualquer conhecimento das coisas,
com pretensão de validade universal.

Quando o sujeito considera a possibilidade de um gênio maligno ou de um deus enganador como


causa primeira de todo o conhecimento que julga ter acerca das coisas, ele o faz na certeza de que já se
afastou de todo o mais de corpóreo ou aparente que possa existir em relação às coisas.

Para o filósofo, a alma tem determinados atributos que devem ser considerados nesse processo, a
fim de distinguir o que for ilusório e o que for racionalmente evidente. Não é da definição do sujeito
certos hábitos, como caminhar ou comer, uma vez que, para tanto, é necessária a existência de um
corpo e sua constatação não pode ser afirmada, a não ser pelos sentidos enganadores.

Do mesmo modo, também não é da definição do sujeito o ato de sentir, uma vez que, para tanto,
também é necessário o corpo, que, pelos mesmos motivos anteriores, deve ser desconsiderado como
base sólida para algum conhecimento confiável. Porém, há outro atributo que dispensa o corpo para ter
atestada a sua existência, que é o pensamento. Para pensar, o corpo é dispensável, pode ser pensado sem
ele. Afinal, por todo tempo em que o sujeito pensa, ele é; é uma coisa que pensa, é um entendimento,
é uma razão, é um espírito.

Mas o que é uma coisa que pensa? Segundo Descartes, uma coisa que pensa é uma coisa que duvida,
concebe, afirma e nega. Também é uma coisa que quer, imagina e sente. Quer dizer, o sujeito é o mesmo
que pensa e sente.

Pensa o próprio pensamento que pensa, ao mesmo tempo em que sente as coisas pelos órgãos
dos sentidos. Portanto, o sujeito é fundamentalmente, e com a certeza que somente a razão é capaz
de atestar, uma evidência racional que constata a si mesmo como princípio capaz de sustentar toda a
edificação do intelecto como uma obra de conhecimento alicerçada no que há de mais claro, distinto
e provável no mundo: as ideias.
120
DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA

Observação

O gênio maligno é uma metáfora que Descartes usou para ilustrar o


processo de radicalização da dúvida.

8.2 Meditação primeira e Meditação segunda

Agora você deve fazer a leitura de outro importante texto de Descartes, “Meditação primeira”.
Imagine o filósofo em seu quarto à noite, à luz de velas, vestido com seu robe, refletindo e escrevendo
sobre as suas reflexões. Aproveite esse momento para relembrar o que foi estudado anteriormente.

Meditação primeira

Das coisas que se podem colocar em dúvida

1. Há já algum tempo eu me apercebi de que, desde meus primeiros anos, recebera


muitas falsas opiniões como verdadeiras, e de que aquilo que depois eu fundei em princípios
tão mal asseguradas não podia ser senão mui duvidoso e incerto; de modo que me era
necessário tentar seriamente, uma vez em minha vida, desfazer‑me de todas as opiniões a
que até então dera crédito, e começar tudo novamente desde os fundamentos, se quisesse
estabelecer algo de firme e de constante nas ciências. Mas, parecendo‑me ser muito grande
essa empresa, aguardei atingir uma idade que fosse tão madura que não pudesse esperar
outra após ela, na qual eu estivesse mais apto para executá‑la; o que me fez diferi‑Ia por
tão longo tempo que doravante acreditaria cometer uma falta se empregasse ainda em
deliberar o tempo que me resta para agir.

2. Agora, pois, que meu espírito está livre de todos os cuidados, e que consegui um
repouso assegurado numa pacífica solidão, aplicar‑me‑ei seriamente e com liberdade em
destruir em geral todas as minhas antigas opiniões. Ora, não será necessário, para alcançar
esse desígnio, provar que todas elas são falsas, o que talvez nunca levasse a cabo; mas,
uma vez que a razão já me persuade de que não devo menos cuidadosamente impedir‑me
de dar crédito às coisas que não são inteiramente certas e indubitáveis, do que às que nos
parecem manifestamente ser falsas, o menor motivo de dúvida que eu nelas encontrar
bastará para me levar a rejeitar todas. E, para isso, não é necessário que examine cada uma
em particular, o que seria um trabalho infinito; mas, visto que a ruína dos alicerces carrega
necessariamente consigo todo o resto do edifício, dedicar‑me‑ei inicialmente aos princípios
sobre os quais todas as minhas antigas opiniões estavam apoiadas.

3. Tudo o que recebi, até presentemente, como o mais verdadeiro e seguro, aprendi‑o
dos sentidos, sou pelos sentidos: ora, experimentei algumas vezes que esses sentidos eram
enganosos, e é de prudência nunca se fiar inteiramente em quem já nos enganou uma vez.

121
Unidade III

4. Mas, ainda que os sentidos nos enganem às vezes, no que se refere às coisas pouco
sensíveis e muito distantes, encontramos talvez muitas outras, das quais não se pode
razoavelmente duvidar, embora as conhecêssemos por intermédio deles: por exemplo, que
eu esteja aqui, sentado junto ao fogo, vestido comum chambre, tendo este papel entre
as mãos e outras coisas desta natureza. E como poderia eu negar que estas mãos e este
corpo sejam meus? A não ser, talvez, que eu me compare e esses insensatos, cujo cérebro
está de tal modo perturbado e ofuscado pelos negros vapores da bile que constantemente
asseguram que são reis quando são muito pobres; que estão vestidos de ouro e de púrpura
quando estão inteiramente nus; ou imaginam ser cântaros ou ter um corpo de vidro. Mas
quê? São loucos e eu não seria menos extravagante se me guiasse por seus exemplos.

5. Todavia, devo aqui considerar que sou homem e, por conseguinte, que tenho o costume
de dormir e de representar, em meus sonhos, as mesmas coisas, ou algumas vezes menos
verossímeis, que esses insensatos em vigília. Quantas vezes ocorreu‑me sonhar, durante a
noite, que estava neste lugar, que estava vestido, que estava junto ao fogo, embora estivesse
inteiramente nu dentro de meu leito? Parece‑me agora que não é com olhos adormecidos
que contemplo este papel; que esta cabeça que eu mexo não está dormente; que é com
desígnio e propósito deliberado que estendo esta mão e que a sinto: o que ocorre no sono
não parece ser tão claro nem tão distinto quanto tudo isso. Mas, pensando cuidadosamente
nisso, lembro‑me de ter sido muitas vezes enganado, quando dormia, por semelhantes
ilusões. E, detendo‑me neste pensamento, vejo tão manifestamente que não há quaisquer
indícios concludentes, nem marcas assaz certas por onde se possa distinguir nitidamente a
vigília do sono, que me sinto inteiramente pasmado: e meu pasmo é tal que é quase capaz
de me persuadir de que estou dormindo.

6. Suponhamos, pois, agora, que estamos adormecidos e que todas essas particularidades,
a saber, que abrimos os olhos que mexemos a cabeça, que estendemos as mãos, e coisas
semelhantes, não passam de falsas ilusões; e pensemos que talvez nossas mãos, assim como
todo o nosso corpo, não são tais como os vemos. Todavia, é preciso ao menos confessar que
as coisas que nos são representadas durante o sono são como quadros e pinturas, que não
podem ser formados senão à semelhança de algo real e verdadeiro; e que assim, pelo menos,
essas coisas gerais, a saber, olhos, cabeça, mãos e todo o resto do corpo, não são coisas
imaginárias, mas verdadeiras e existentes. Pois, na verdade, os pintores, mesmo quando se
empenham com o maior artifício em representar sereias e sátiros por formas estranhas e
extraordinárias, não lhes podem, todavia, atribuir formas e naturezas inteiramente novas,
mas apenas fazem certa mistura e composição dos membros de diversos animais; ou então,
se porventura sua imaginação for assaz extravagante para inventar algo de tão novo, que
jamais tenhamos visto coisa semelhante e que assim sua obra nos represente uma coisa
puramente fictícia e absolutamente falsa, certamente ao menos as cores com que eles a
compõem devem ser verdadeiras.

7. E pela mesma razão, ainda que essas coisas gerais, a saber, olhos, cabeça, mãos e outras
semelhantes, possam ser imaginárias, é preciso, todavia, confessar que há coisas ainda mais
simples e mais universais, que são verdadeiras e existentes; de cuja mistura, nem mais nem
122
DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA

menos do que da mistura de algumas cores verdadeiras, são formadas todas essas imagens das
coisas que residem em nesse pensamento, quer verdadeiras e reais, quer fictícias e fantásticas.
Desse gênero de coisas é a natureza corpórea em geral, e sua extensão; juntamente com a
figura das coisas extensas, sua quantidade, ou grandeza, e seu número; como também o lugar
em que estão, o tempo que mede sua duração e outras coisas semelhantes.

8. Eis por que, talvez, daí nós não concluamos mal se dissermos que a Física, a Astronomia,
a Medicina e todas as outras ciências dependentes da consideração das coisas compostas
são muito duvidosas e incertas; mas que a Aritmética, a Geometria e as outras ciências
desta natureza, que não tratam senão de coisas muito simples e muito gerais, sem cuidarem
muito em se elas existem ou não na natureza, contêm alguma coisa de certo e indubitável.
Pois, quer eu esteja acordado, quer esteja dormindo, dois mais três formarão sempre o
número cinco e o quadrado nunca terá mais do que quatro lados; e não parece possível que
verdades tão patentes possam ser suspeitas de alguma falsidade ou incerteza.

9. Todavia, há muito que tenho no meu espírito certa opinião de que há um Deus que
tudo pode e por quem fui criado e produzido tal como sou. Ora, quem me poderá assegurar
que esse Deus não tenha feito com que não haja nenhuma terra, nenhum céu, nenhum
corpo extenso, nenhuma figura, nenhuma grandeza, nenhum lugar e que, não obstante, eu
tenha os sentimentos de todas essas coisas e que tudo isso não me pareça existir de maneira
diferente daquela que eu vejo? E, mesmo, como julgo que algumas vezes os outros se
enganam até nas coisas que eles acreditam saber com maior certeza, pode ocorrer que Deus
tenha desejado que eu me engane todas as vezes em que faço a adição de dois mais três, ou
em que enumero os lados de um quadrado, ou em que julgo alguma coisa ainda mais fácil,
se é que se pode imaginar algo mais fácil do que isso. Mas pode ser que Deus não tenha
querido que eu seja decepcionado desta maneira, pois ele é considerado soberanamente
bom. Todavia, se repugnasse à sua bondade fazer‑me de tal modo que eu me enganasse
sempre, pareceria também ser‑lhe contrário permitir que eu me engane algumas vezes e, no
entanto, não posso duvidar de que ele mo permita.

[...]

12. Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que é a soberana fonte da verdade,
mas certo gênio maligno, não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que empregou
toda a sua indústria em enganar‑me. Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras,
os sons e todas as coisas exteriores que vemos são apenas ilusões e enganos de que ele se
serve para surpreender minha credulidade. Considerar‑me‑ei a mim mesmo absolutamente
desprovido de mãos, de olhos, de carne, de sangue, desprovido de quaisquer sentidos, mas
dotado da falsa crença de ter todas essas coisas. Permanecerei obstinadamente apegado a
esse pensamento; e se, por esse meio, não está em meu poder chegar ao conhecimento de
qualquer verdade, ao menos está ao meu alcance suspender meu juízo. Eis por que cuidarei
zelosamente de não receber em minha crença nenhuma falsidade e prepararei tão bem
meu espírito a todos os ardis desse grande enganador que, por poderoso e ardiloso que seja,
nunca poderá impor‑me algo.
123
Unidade III

Meditação Segunda

Da natureza do espírito humano; e de como ele é mais fácil de conhecer do que


o corpo

1. A Meditação que fiz ontem encheu‑me o espírito de tantas dúvidas, que doravante
não está mais em meu alcance esquecê‑las. E, no entanto, não vejo de que maneira poderia
resolvê‑las; e, como se de súbito tivesse caído em águas muito profundas, estou de tal
modo surpreso que não posso nem firmar meus pés no fundo, nem nadar para me manter
à tona. Esforçar‑me‑ei, não obstante, e seguirei novamente a mesma via que trilhei ontem,
afastando‑me de tudo em que poderia imaginar a menor dúvida, da mesma maneira como
se eu soubesse que isto fosse absolutamente falso; e continuarei sempre nesse caminho até
que tenha encontrado algo de certo, ou, pelo menos, se outra coisa não me for possível, até
que tenha aprendido certamente que não há nada no mundo de certo.

2. Arquimedes, para tirar o globo terrestre de seu lugar e transportá‑lo para outra parte,
não pedia nada mais exceto um ponto que fosse fixo e seguro. Assim, terei o direito de
conceber altas esperanças, se for bastante feliz para encontrar somente uma coisa que seja
certa e indubitável.

3. Suponho, portanto, que todas as coisas que vejo são falsas; persuado‑me de que
jamais existiu de tudo quanto minha memória referta de mentiras me representa; penso
não possuir nenhum sentido; creio que o corpo, a figura, a extensão, o movimento e o lugar
são apenas ficções de meu espírito. O que poderá, pois, ser considerado verdadeiro? Talvez
nenhuma outra coisa a não ser que nada há no mundo de certo.

4. Mas que sei eu, se não há nenhuma outra coisa diferente das que acabo de julgar
incertas, da qual não se possa ter a menor dúvida? Não haverá algum Deus, ou alguma outra
potência, que me ponha no espírito tais pensamentos? Isso não é necessário; pois talvez seja
eu capaz de produzi‑los por mim mesmo. Eu então, pelo menos, não serei alguma coisa?
Mas já neguei que tivesse qualquer sentido ou qualquer corpo. Hesito, no entanto, pois que
se segue daí? Serei de tal modo dependente do corpo e dos sentidos que não possa existir
sem eles? Mas eu me persuadi de que nada existia no mundo, que não havia nenhum céu,
nenhuma terra, espíritos alguns, nem corpos alguns: não me persuadi também, portanto,
de que eu não existia? Certamente não, eu existia sem dúvida, se é que eu me persuadi, ou,
apenas, pensei alguma coisa. Mas há algum, não sei qual, enganador mui poderoso e mui
ardiloso que emprega toda a sua indústria em enganar‑me sempre. Não há, pois, dúvida
alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá jamais fazer
com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter pensado
bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir
e ter por constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira
todas as vezes que a enuncio ou que a concebo em meu espírito.

[...]
124
DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA

9. Mas o que sou eu, portanto? Uma coisa que pensa. Que é uma coisa que pensa? É uma coisa
que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer, que não quer, que imagina também
e que sente. Certamente não é pouco se todas essas coisas pertencem à minha natureza. Mas
por que não lhe pertenceriam? Não sou eu próprio esse mesmo que duvida de quase tudo, que,
no entanto, entende e concebe certas coisas, que assegura e afirma que somente tais coisas são
verdadeiras, que nega todas as demais, que quer e deseja conhecê‑las mais, que não quer ser
enganado, que imagina muitas coisas, mesmo malgrado seu, e que sente também muitas como
que por intermédio dos órgãos do corpo? Haverá algo em tudo isso que não seja tão verdadeiro
quanto é certo que sou e que existo, mesmo se dormisse sempre e ainda quando aquele que me
deu a existência se servisse de todas as suas forças para enganar‑me? Haverá, também, algum
desses atributos que possa ser distinguido de meu pensamento, ou que se possa dizer que existe
separado de mim mesmo? Pois é por si tão e, dente que sou eu quem duvida, que entende
e quem deseja que não é necessário nada acrescentar aqui para explicá‑lo. E tenho também
certamente poder de imaginar; pois, ainda que possa ocorrer (como supus anteriormente) que as
coisas que imagino não sejam verdadeiras, este poder de imanar não deixa, no entanto, de existir
realmente em mim e faz parte do meu pensamento. Enfim, sou o mesmo que sente, isto é, que
recebe e conhece; coisas como que pelos órgãos dos se tidos, posto que, com efeito, vejo a luz,
ouço o ruído, sinto o calor. Mas dir‑me‑ão que essas aparências são falsas, e que eu durmo. Que
assim seja; todavia, ao menos, é muito certo que me parece que vejo, que ouço e que me aqueço;
e é propriamente aquilo que em mim se chama sentir e isto, tomado assim precisamente, nada
é senão pensar. Donde começo a conhecer o que sou, com um pouco mais de luz e de distinção
do que anteriormente.

Fonte: Descartes (1983, p. 85‑98).

Saiba mais

As Meditações de Descartes estão entre os textos mais importantes da


Filosofia. Para entender melhor a função da dúvida leia o texto:

WILLIGES, F. A função das dúvidas céticas nas meditações de Descartes.


doispontos, Curitiba, São Carlos, v. 4, n. 2, p. 103‑118, out. 2007. Disponível
em: <http://revistas.ufpr.br/doispontos/article/view/8181/8126>. Acesso
em: 3 jul. 2017.

8.3 O cogito de Descartes no Ensino Básico

Desde o seu surgimento na Grécia Antiga, a Filosofia traz como modus operandi, isto é, sua maneira
de operar no mundo, o questionamento.

Os primeiros filósofos, Tales, Anaximandro e Anaxímenes, indagavam sobre a origem de todas as


coisas. Olhavam para o seu entorno e perguntavam de onde vinham as plantas, os animais, os rios, o

125
Unidade III

céu. As respostas para a pergunta “de onde vêm todas as coisas existentes?” foram variadas: a água, o
fogo, o ar. Entretanto, há algo em comum entre todos: perguntar, indagar, questionar. Assim, a Filosofia
é a arte de questionar. Mas questionar o quê?

O questionamento filosófico se dirige a qualquer realidade. A realidade material e imaterial. Podemos


questionar sobre o que existe e sobre o que não existe. Podemos questionar até sobre o ato de questionar. E
foi o que Descartes fez: questionou o próprio ato de questionar, questionou a certeza, questionou a dúvida.

A diferença entre os filósofos pré‑socráticos e Descartes é que os primeiros perguntavam sobre a natureza,
sobre a realidade física que os cercava e o segundo perguntava sobre aquele que olha para a natureza e faz a
pergunta. Para Descartes, o foco é o sujeito que faz a pergunta e não o objeto que é perguntado.

Nesse sentido, o questionamento cartesiano se dirige ao próprio pensamento. Primeiro ele duvida e
depois pergunta.

A atividade do espírito questionador é própria do filósofo e daquele que ensina Filosofia. A Filosofia
não se aprende somente por leitura, memorização e entendimento. Essas ações são fundamentais
para o aprendizado filosófico, mas não são suficientes. É preciso questionar a realidade em torno para
desenvolver a capacidade de filosofar.

O professor de Filosofia deve instigar seus alunos a olharem para a sua realidade próxima e questionar
essa realidade. O aluno deve ser levado a perguntar: Como as coisas são? Por que elas são como são?
Elas poderiam ser diferentes? Sobre o que irão perguntar não é tão importante quanto o próprio ato de
questionar. Podem questionar a sociedade, a comunidade, seus hábitos, suas normas. Podem questionar
a si mesmos, a mídia, a cultura, a religião. Não importa. O que realmente importa é questionar, pois é o
questionamento que desenvolve o espirito crítico tão essencial ao filósofo.

Ensinar Filosofia é ensinar a filosofar. Filosofar é a arte de problematizar a realidade. Para tanto, é
necessário não aceitar de imediato o que nos é dito como sendo verdadeiro, sem antes questionar isso
que nos foi dito, perguntando se é verdadeiro. O senso crítico é necessário para não sermos ingênuos.
Ser ingênuo é aceitar tudo que nos é dado como sendo certo, correto e verdadeiro. A ingenuidade deve
ser superada por meio do espírito crítico.

Ser crítico não é falar mal, ser destrutivo. Ser crítico é questionar, indagar. A crítica tem duas faces:
uma de negação e outra de afirmação. O aspecto de negação da crítica ocorre quando negamos o
que nos é colocado como sendo uma verdade absoluta. O aspecto afirmativo da crítica ocorre quando
indagamos que as coisas realmente são. Assim, a crítica destrói apenas a falsidade, o erro e o engano.
A crítica construtiva é aquela que, após a destruição do engano, constrói verdades fundadas na
investigação filosófica da realidade, como fez Descartes.

O professor de Filosofia deve, em certo sentido, inspirar‑se em Descartes e conduzir seu aluno pelo
caminho da dúvida, do questionamento da realidade circundante. Mas depois deve acompanhá‑lo pela
via da reconstrução da verdade, sem abandoná‑lo no meio do processo. Pois o questionamento que não
encontra respostas, mesmo que provisórias, pode levar ao ceticismo. E o ceticismo é como um remédio,
126
DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA

deve ser dado na hora certa e na quantidade correta. Excesso de remédio pode envenenar o corpo, assim
como excesso de perguntas sem respostas podem envenenar a alma.

O professor de Filosofia deve ser, como no exemplo socrático, um indivíduo que faz perguntas.

As perguntas fundamentais da Filosofia são: o que, o como e o porquê. Perguntar o que é uma
coisa é perguntar sobre a sua essência, sua natureza, sua substância. Perguntar como é essa coisa é
perguntar pelas suas qualidades, suas propriedades. E perguntar o porquê é perguntar pela sua origem,
sua razão e sua causa. Podemos perguntar também pelo onde e pelo quando. A pergunta pelo onde a
coisa está é perguntar pelo espaço, pelo lugar. Perguntar pelo quando a coisa acontece, é perguntar pelo
tempo. Nesse sentido, posso perguntar: O que sou? Como sou? Por que sou? Onde sou? Por que sou?
As respostas a essas perguntas são diversas e dependem de quem as irá responder. Entretanto, elas já
apontam para uma postura filosófica frente a mim mesmo, que me coloca como objeto da indagação.
Podemos perguntar sobre a essência, a qualidade e a origem de qualquer coisa no mundo e fora dele.

Assim, todo professor de filosofia deve conhecer o caminho da dúvida e da indagação. E um dos filósofos
que percorreu o caminho da dúvida de forma radical, indo até as últimas consequências, foi Descartes.

Saiba mais

Leia o artigo de Almeida (2016), que aplica as teses das Meditações


ao ensino de Filosofia, com o objetivo de propor uma estrutura que possa
servir como prática didática nas aulas de Filosofia do Ensino Básico:

ALMEIDA, D. M. Análise da trama de argumentos na obra “Meditações”


cartesianas na construção da ideia do “Cogito”: uma proposta para um
modelo didático para o ensino de Filosofia. Educar em Revista, Curitiba,
Brasil, n. 62, p. 295‑308, out./dez. 2016. Disponível em: <http://www.scielo.
br/pdf/er/n62/1984‑0411‑er‑62‑00295.pdf>. Acesso em: 23 jun. 2017.

Resumo

A obra de Descartes inaugura um novo período da história da Filosofia,


marcado por uma ruptura com a tradição e mediante uma inversão radical
das perspectivas metodológicas do conhecimento. Descartes pretendeu
um plano de revisão das bases epistemológicas e metafísicas dos saberes,
mediante uma aposta única: a possibilidade do espírito, considerado a partir
da constatação de si mesmo e da evidência e certeza da própria atividade
racional, servir de evidência suficiente suprassensível para atestar a verdade
do mundo sensível e do mundo inteligível. Descartes desenvolve esse novo
modelo epistemológico e metódico a partir da distinção fundamental de

127
Unidade III

duas substâncias que constituem o real: a substância pensante e a substância


extensa. O conceito de sujeito em Descartes aparece como aquilo que dá a
certeza do objeto como um produto ideal de reflexão. A realidade primeira
é a própria existência do sujeito enquanto pensamento ou substância pura.
O que o método cartesiano propõe é a possibilidade de tornar o sujeito a
causa primeira do próprio conhecimento, e isso na medida em que ele se
coloca na atividade de reflexão como princípio dela. A proposta cartesiana
apresenta uma ideia de representação considerada como puro conteúdo
mental, isto é, enquanto ideia capaz de conhecer as experiências de mundo
como identidades conceituais racionalmente identificáveis e mediante
conceitos subjetivamente refletidos. Isso quer dizer que Descartes parte
das representações ideais da realidade do mundo, mediante um exercício
lógico de atestação, em direção a ela própria.

Então, a Filosofia é a reconstrução do saber das coisas sensíveis, que


parte do saber da representação ideal das coisas em direção à realidade,
com vista à sua atestação. Contudo, o filósofo quer evitar o que chamará
de engano ou erro, mediante uma atividade racional de questionamento ou
dúvida metódica, não somente do que for obtido pela experiência, mas do
próprio processo de reflexão filosófica. Então, a investigação filosófica se
desenvolve mediante a realização de duas tarefas distintas, que o espírito
deve exercer em sua reflexão: a necessidade de provar racionalmente a
correspondência entre a representação e a realidade sensível do mundo,
segundo critérios racionais rígidos; e a prova de que esses critérios racionais
correspondem ao que realmente existe no mundo da experiência sensorial.

Descartes afirma que o conhecimento válido é subjetivo, mas desde


que conduzido metodicamente por regras racionais universais, capazes de
constituir uma evidência racional firme, distinta e clara. Para tanto, propõe
quatro regras fundamentais: a clareza e distinção, a análise, a ordem e a
enumeração. O cumprimento das quatro regras impossibilita a dúvida, gera
a certeza do sujeito e, com ela, a evidência racional.

Na primeira meditação se duvida de todas as coisas a fim de que seja


possível a libertação do pensamento face aos prejuízos do erro e do engano,
preparando o caminho do espírito para que ele se desligue dos sentidos e a
dúvida diante da evidência se torne inexistente. Na segunda meditação,
Descartes propõe que o espírito pode supor livremente que todas as coisas
não existem se elas permitirem que haja alguma dúvida, por menor que seja,
acerca do que elas sejam. O objetivo de Descartes é limpar o caminho, esvaziar
a mente. Descartes se dedica, na terceira meditação, a provar a existência
de Deus, na mesma direção lógica segundo a qual prova a alma como
substância pura e imortal. Na quarta meditação, o filósofo retoma a regra
da clareza e distinção para afirmar que é possível provar a evidência racional
128
DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA

das coisas, que se dá mediante a atestação da possibilidade de discerni‑las


de todas as demais ao ponto de não ser mais necessário qualquer esforço
para sua averiguação enquanto verdade, se o julgamento se ocupar com a
constância do discernimento entre o verdadeiro e o falso e o fizer levando em
consideração tudo aquilo que não disser respeito ao que compete à fé ou à
conduta moral da vida. Já na quinta meditação, ele retoma a reflexão sobre
a prova da existência de Deus para demonstrar sua verdade por outras razões,
além de supor que, sem Ele, seria impossível a constatação das certezas
oriundas das demonstrações geométricas. Na sexta meditação e última,
Descartes se ocupa da distinção entre a ação do entendimento e a ação da
imaginação. Apresenta todas as razões que levam a concluir a existência de
coisas materiais, ainda que não sejam tão firmes e racionalmente evidentes
como aquelas razões que podem levar o sujeito ao conhecimento de Deus e
da alma, cujo conhecimento é mais certo e mais evidente.

Preocupado com a insuficiência do cogito enquanto método capaz de


conceber com clareza as ideias, Descartes propõe uma dúvida hiperbólica,
isto é, que questiona a si mesma enquanto pensamento questionador, onde
o próprio gênio investigativo revelador da verdade das coisas é colocado
sob suspeita. Trata‑se de uma investigação sobre a possibilidade do gênio
revelador que mediante a dúvida leva o sujeito a conceber com clareza
e distinção as ideias, ser ele mesmo um gênio do mal ou enganador, que
estivesse disposto a levar o sujeito a um erro extremo por fazê‑lo confiar
que a evidência ideal da realidade fosse de fato uma ilusão. Nesse sentido, a
dúvida hiperbólica consiste em duvidar do próprio pensamento que questiona
e, desse modo, radicalizar o processo de investigação ao ponto de considerar
como única certeza a constatação de que, se o sujeito duvidar do que duvida,
só o poderá fazê‑lo ao pensar a própria dúvida a respeito da dúvida inicial. O
que o filósofo pretende com essa dúvida hiperbólica é afirmar que o sujeito
é uma evidência ideal existente e que isto se dá pelo fato do pensamento.
A existência do sujeito aparece como prova do pensamento, uma vez que
ela aparece como dependente deste. O cogito é o caminho racional de
encontro de algo substancial do sujeito, que deve aparecer como evidência
primeira a fim de que todo o mais que se constituir como evidência ideal
seja considerada como válido no plano do conhecimento científico. Assim, a
ideia de que o sujeito é uma coisa que pensa, e que pensa a si mesma como
coisa pensante, consiste na constatação de que o sujeito existe no mundo
como pensamento ou coisa pensante, o que deve propiciar discernimento
suficiente entre o que distingue a subjetividade e a objetividade. Afinal, a
única certeza subsistente no cogito é a existência de um eu enquanto ser
pensante. A constatação racional da proposição que afirma que o sujeito é
porque existe (“eu sou, eu existo”) será, segundo Descartes, necessariamente
verdadeira a cada vez que puder ser enunciada ou concebida no espírito.
Mas o que é uma coisa que pensa? Segundo Descartes, uma coisa que pensa
129
Unidade III

é uma coisa que duvida, concebe, afirma e nega. Também é uma coisa que
quer, imagina e sente. Quer dizer, o sujeito é o mesmo que pensa e sente.
Pensa o próprio pensamento que pensa, ao mesmo tempo em que sente as
coisas pelos órgãos dos sentidos. Portanto, o sujeito é fundamentalmente, e
com a certeza que somente a razão é capaz de atestar, uma evidência racional
que constata a si mesmo como princípio capaz de sustentar toda a edificação
do intelecto como uma obra de conhecimento alicerçada no que há de mais
claro, distinto e provável no mundo: as ideias.

Exercícios

Questão 1. (Enade 2011) Leia o texto a seguir:

“Serei de tal modo dependente do corpo e dos sentidos que não possa existir sem eles? Mas eu me
persuadi de que nada existia no mundo, que não havia nenhum céu, nenhuma terra, espíritos alguns,
nem corpos alguns: não me persuadi também, portanto, de que eu não existia? Certamente não, eu
existia, sem dúvida, se é que eu me persuadi, ou, apenas, pensei alguma coisa. Mas há algum, não sei
qual, enganador mui poderoso e mui ardiloso que emprega toda a sua indústria em enganar‑me sempre.
Não há, pois, dúvida alguma de que sou, se ele me engana; e, por mais que me engane, não poderá
jamais fazer com que eu nada seja, enquanto eu pensar ser alguma coisa. De sorte que, após ter pensado
bastante nisto e de ter examinado cuidadosamente todas as coisas, cumpre enfim concluir e ter por
constante que esta proposição, eu sou, eu existo, é necessariamente verdadeira todas as vezes que a
enuncio ou que a concebo em meu espírito” (DESCARTES, 1983).

Com base na passagem acima, em que Descartes afirma a existência do pensamento, analise as
afirmativas a seguir.

I – Trata‑se, nessa passagem, do cogito como verdade eterna.

II – Trata‑se, nessa passagem, do cogito como verdade temporal.

III – Trata‑se, nessa passagem, do cogito afirmado da negação do Deus enganador.

IV – Trata‑se, nessa passagem, do cogito como primeira certeza do sistema cartesiano.

V – Trata‑se, nessa passagem, do cogito afirmado da negação da existência do mundo, do céu, da


terra e de todos os espíritos.

É correto apenas o que se afirma em:

A) I e III.

B) I e IV.
130
DESCARTES E A FILOSOFIA MODERNA

C) II e IV.

D) II e V.

E) III e V

Resposta correta: alternativa C.

Análise das afirmativas

Justificativa geral: o trecho revela o pensamento cartesiano, que considera a razão como forma de
conhecimento. Segundo o filósofo, os sentidos podem nos enganar. O cogito é o caminho racional de
encontro de algo substancial do sujeito, que deve aparecer como evidência primeira a fim de que todo
o mais que se constituir como evidência ideal seja considerado como válido no plano do conhecimento
científico. Assim, a ideia de que o sujeito é uma coisa que pensa, e que pensa a si mesma como coisa
pensante, consiste na constatação de que o sujeito existe no mundo como pensamento ou coisa pensante,
o que deve propiciar discernimento suficiente entre o que distingue a subjetividade e a objetividade.
Afinal, a única certeza subsistente no cogito é a existência de um eu enquanto ser pensante.

Questão 2. Sobre o filósofo Descartes, analise as afirmativas a seguir:

I – A Filosofia de Descartes inaugura de forma mais acabada o pensamento moderno propriamente


dito, juntamente com os empiristas ingleses.

II – A crença no poder crítico da razão humana individual, a metáfora da luz e da clareza que se opõe
à escuridão e ao obscurantismo, e a ideia de busca de progresso que orienta a própria tarefa da Filosofia
são alguns traços fundamentais da modernidade de Descartes.

III – Discurso do Método, obra de Descartes, foi descoberta somente na contemporaneidade, passando
despercebida pela modernidade.

Está correto o que se afirma em

A) I, II e III.

B) I e II, apenas.

C) II e III, apenas.

D) I e III, apenas.

E) I, apenas.

Resolução desta questão na plataforma.


131
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

OPENPHOTONET_DSC01031.JPG. Disponível em: <http://openphoto.net/volumes/helloandhi/20060925/


openphotonet_DSC01031.JPG>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 2

OPL_PICT0316.JPG. Disponível em: <http://openphoto.net/volumes/wachowski/20050206/opl_


PICT0316.JPG>. Acesso em: 28 jun. 2016.

Figura 3

OPL_IMG_0047.JPG. Disponível em: <http://openphoto.net/volumes/studioz/20050604/opl_


IMG_0047.JPG>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 4

GREECE‑TEMPLE‑LINTEL.JPG. Disponível em: <http://www.cepolina.com/photo/Europe/Greece/


temples‑Greece/5/Greece‑temple‑lintel.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 5

PARIS‑CHURCH‑SAINT‑ETIENNE‑DU‑MONT.JPG. Disponível em: <http://www.cepolina.com/photo/Europe/


France‑Paris/churches‑Paris/5/Paris‑church‑Saint‑Etienne‑du‑Mont.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 6

PARIS‑SEINE‑NIGHT‑BRIDGE‑RIVER.JPG. Disponível em: <http://www.cepolina.com/photo/Europe/


France‑Paris/Seine/5/Paris‑Seine‑night‑bridge‑river.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2016.

Figura 7

VENICE‑CANAL‑NIGHT‑VIEW.JPG. Disponível em: <http://www.cepolina.com/photo/Europe/Italy/


Venice/canals‑Venice/5/Venice‑canal‑night‑view.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 8

ARISTOTLE_ALTEMPS_DETAIL.JPG. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/


commons/6/62/Aristotle_Altemps_Detail.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

132
Figura 9

ANGELICO%2C_SAN_TOMMASO_D%27AQUINO_ALLA_FONDAZIONE_CINI.JPG. Disponível em:


<https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1b/Angelico%2C_san_tommaso_d%27aquino_
alla_fondazione_cini.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 10

Frame do filme O NOME da Rosa. Dir. Jean‑Jacques Annaud. Itália; Alemanha; França: Neue Constantin
Film, 1986. 00:32:00.

Figura 11

THE_WORLD_OF_FASHION_AND_CONTINENTAL_FEUILLETONS_%281836%29_%2814762056306%29.
JPG. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/14/The_World_of_fashion_
and_continental_feuilletons_%281836%29_%2814762056306%29.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 12

OPENPHOTONET_A%20CIDADE%202.JPG. Disponível em: <http://openphoto.net/volumes/


Juliodecarvalho/20090217/openphotonet_a%20cidade%202.JPG>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 13

Frame do filme ELIZABETH. Dir. Shekhar Kapur. Reino Unido: PolyGram Filmed Entertainment, 1998.
01:32:00.

Figura 14

PORTRAIT_OF_NICCOL%C3%B2_MACHIAVELLI_BY_SANTI_DI_TITO.JPG. Disponível em: <https://


upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e2/Portrait_of_Niccol%C3%B2_Machiavelli_by_Santi_di_
Tito.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 15

FRANS_HALS_‑_PORTRET_VAN_REN%C3%A9_DESCARTES.JPG. Disponível em: <https://upload.


wikimedia.org/wikipedia/commons/7/73/Frans_Hals_‑_Portret_van_Ren%C3%A9_Descartes.jpg>.
Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 16

CHARLES_ROBERT_DARWIN_BY_JOHN_COLLIER.JPG. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/


wikipedia/commons/3/3e/Charles_Robert_Darwin_by_John_Collier.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

133
Figura 17

Frame do filme MARIA Antonieta. Dir. Sofia Coppola. EUA; França; Japão: Columbia Pictures
Corporation, 2006. 01:03:00.

Figura 18

JEAN‑JACQUES_ROUSSEAU_%28PAINTED_PORTRAIT%29.JPG. Disponível em: <https://upload.


wikimedia.org/wikipedia/commons/b/b7/Jean‑Jacques_Rousseau_%28painted_portrait%29.jpg>.
Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 19

DSCN1948.JPG. Disponível em: <http://openphoto.net/volumes/mike/openphoto_dot_net/dscn1948.


jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 20

OPENPHOTONET_16.JPG. Disponível em: <http://openphoto.net/volumes/kyrsun/20091024/


openphotonet_16.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 21

DAVID_HUME.JPG. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/21/David_


Hume.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 22

IMMANUEL_KANT_%28PAINTED_PORTRAIT%29.JPG. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/


wikipedia/commons/4/43/Immanuel_Kant_%28painted_portrait%29.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 23

HEGEL_PORTRAIT_BY_SCHLESINGER_1831.JPG. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/


wikipedia/commons/0/08/Hegel_portrait_by_Schlesinger_1831.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 24

OPENPHOTONET_PICT5448.JPG. Disponível em: <http://openphoto.net/volumes/stg/20060520/


openphotonet_PICT5448.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

134
Figura 25

KARL_MARX_001.JPG. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d4/Karl_


Marx_001.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 26

SIGMUND_FREUD_LIFE.JPG. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/12/


Sigmund_Freud_LIFE.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 27

HENRI_BERGSON.JPG. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/02/Henri_


Bergson.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 28

OPENPHOTONET_SPECTRALTEXTURE1.JPG. Disponível em: <http://openphoto.net/volumes/


Sarabbit/20120117/openphotonet_spectraltexture1.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 29

GASTON_BACHELARD_1965.JPG. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/


cb/Gaston_Bachelard_1965.jpg>. Acesso em: 28 jun. 2017.

Figura 32

Grupo Unip‑Objetivo.

Figura 33

DESCARTES. Dir. Roberto Rossellini. Itália; França: Orizzonte 2000; RAI Radiotelevisione Italiana, 1974.
162 minutos. Capa.

Figura 34

MATRIX. Dir.: Lana Wachowski; Lilly Wachowski. EUA: Warner Bros., 1999. 136 minutos. Capa.

Figura 35

A ORIGEM. Dir.: Christopher Nolan. EUA; Reino Unido: Warner Bros., 2010. 148 minutos. Capa.

135
REFERÊNCIAS

Audiovisuais

AS AVENTURAS do Barão de Munchausen. Dir. Terry Gilliam. Reino Unido; Itália: Columbia Pictures
Corporation, 1988.

DESCARTES. Dir. Roberto Rossellini. Itália; França: Orizzonte 2000; RAI Radiotelevisione Italiana, 1974.
162 minutos.

ELIZABETH. Dir. Shekhar Kapur. Reino Unido: PolyGram Filmed Entertainment, 1998. 124 minutos.

EM NOME de Deus. Dir. Clive Donner. Reino Unido; Iugoslávia: Amy International, 1988. 115 minutos.

GIORDANO Bruno. Dir. Giuliano Montaldo. Itália; França: Compagnia Cinematografica Champion,
1973. 115 minutos.

JOANA D’Arc. Dir. Luc Bresson. França: Gaumont, 1999. 158 minutos.

LIGAÇÕES perigosas. Dir. Stephen Frears. EUA; Reino Unido: Lorimar Film Entertainment, 1988. 119 minutos.

MARIA Antonieta. Dir. Sofia Coppola. EUA; França; Japão: Columbia Pictures Corporation, 2006. 123 minutos.

MARTINHO Lutero. Dir. Irving Pichel. Alemanha; Estados Unidos: Louis de Rochemont Associates, 1953.
105 minutos.

MATRIX. Dir.: Lana Wachowski; Lilly Wachowski. EUA: Warner Bros., 1999. 136 minutos.

O MERCADOR de Veneza. Dir. Michael Radford. EUA; Itália; Luxemburgo; Reino Unido: Movision, 2004.
131 minutos.

O NOME da Rosa. Dir. Jean‑Jacques Annaud. Itália; Alemanha; França: Neue Constantin Film, 1986.
130 minutos.

A ORIGEM. Dir.: Christopher Nolan. EUA; Reino Unido: Warner Bros., 2010. 148 minutos.

ORLANDO: a mulher imortal. Dir. Sally Potter. Reino Unido: Adventure Pictures, 1992. 94 minutos.

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EXERCÍCIOS

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Unidade III – Questão 1: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2011: Filosofia. Questão 25.
Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/enade/provas/2011/FILOSOFIA.pdf>.
Acesso em: 30 jun. 2017.

139
140
Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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