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FILOSOFIA INTEGRADA

Unidade II
5 FILOSOFIA INTEGRADA AO CINEMA

5.1 Platão e o cinema

Embora Platão, por motivos óbvios, não tenha tratado diretamente do cinema, ao conceber o mundo
das ideias, ele partiu de um conceito de imagem que se aproxima muito do mecanismo cinematográfico,
inventado mais de 2 mil anos depois de sua morte. A teoria das ideias ignora o movimento inerente à
própria realidade. Segundo Platão (1983), ideia é eidos, ou seja, forma imutável acima do devir, essência
perfeita destituída de qualquer movimento.

O platonismo utilizou metodicamente a atividade de isolamento e reestruturação do movimento,


em função de sua concepção extratemporal do ser inteligível. De acordo com Moutsopoulos (1980), em
Platão, a realidade é confinada a certos estados, isolada no intemporal estático, como unidades acabadas
e sujeitas a uma contemplação filosófica pela inteligência; uma vez que essas unidades acabadas, as
essências, não estão submetidas a nenhum devir, elas adquirem uma permanência inegável, passando a
ser consideradas de forma absoluta.

Figura 13 – Platão (427 a.C.‑347 a.C.)

O cinema, por sua vez, serve‑se de um mecanismo que reconstitui o movimento da imagem a
partir de fotografias, isto é, de instantâneos tirados previamente, cuja sequência é projetada numa tela,
obtendo‑se a aparência de movimento. As fotografias em si mesmas são imóveis, e permaneceriam
assim não fosse o aparelho cinematográfico, que lhes acrescenta artificialmente o movimento.

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Platão usa um mecanismo similar para conceber o movimento a partir das ideias imutáveis. A razão
de empregar esse mecanismo está na própria atitude filosófica platônica, que é dualista, fundada em
parte sobre o ser, em parte sobre o devir.

O dualismo dá passagem a uma metafísica estática, que põe o princípio da realidade (a ideia) no
ser imutável, o que resulta num princípio exterior e isolado do movimento. “Isso significa que se chega
à teoria das ideias quando se aplica o mecanismo cinematográfico da inteligência à análise do real”
(MOUTSOPOULOS, 1980, p. 44).

A partir dessa constatação, o termo eidos, além de significar “forma” ou “ideia”, também pode ser
traduzido por “momento” ou “visão”, um momento do devir ou uma visão estável da instabilidade das
coisas. A qualidade é um momento do devir; a forma é um momento da evolução; a essência é a forma
média antecipada do movimento, ou seja, o desenho inspirador do ato acabado.

O mito da caverna de Platão, em certo sentido, assemelha‑se a uma sala de cinema, cuja tela é
representada pela parede ao fundo da caverna, em que são refletidas as sombras do que acontece de
fato do lado de fora.

Fogo

Sombras lançadas
na parede
Prisioneiros

Região em que os
marionetistas atuam

Figura 14 – Releitura do mito da caverna

A teoria das ideias reduz as coisas às ideias porque abstrai do devir seus momentos principais, como se
tirasse fotografias dos momentos essenciais do fluxo das coisas, aplicando o mecanismo cinematográfico
da inteligência à análise do real. Quando se raciocina por meio desse mecanismo, fazendo‑se sobressair
artificialmente instantes privilegiados do decorrer contínuo e indivisível do devir universal, a representação
do real daí decorrente é exatamente aquela que se encontra no platonismo. Segundo Bergson (1971, p. 307),
“as grandes linhas da doutrina que evolui de Platão até Plotino, passando por Aristóteles, […] desenham a
visão que uma inteligência sistemática terá do devir universal quando olhar para ele através de instantâneos”.

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A ontologia platônica, fundada na teoria das ideias, concebe o ser num campo extratemporal.
Embora reconheça que os seres correspondem a dados sensíveis em certa temporalidade do devir, insiste
que, em sua essência inteligível, eles são isolados do devir (MOUTSOPOULOS, 1980). Para o platonismo,
o devir não é mais do que uma aparência que a razão rejeita, longe da qual se encontra o fundamento
permanente do mundo inteligível.

Segundo Bergson (1971), todo esse processo resulta da aplicação do mecanismo cinematográfico da
inteligência e da percepção, que parte do princípio (ilusório) de que o movimento é feito de imobilidades.
A inteligência, nesse caso, é um conhecimento exterior, possível somente porque se instala fora do
movimento. Quando percebida do exterior, cada parada virtual é vista como uma imobilidade real, da qual
se quer ver surgir o movimento, como se ele fosse, agora, feito de imobilidades.

Lembrete

De acordo com a teoria das ideias de Platão, além do mundo material,


haveria um mundo não material, composto de essências perfeitas,
imutáveis e eternas.

5.2 Bergson e o mecanismo cinematográfico

Tempo e intuição são os temas fundamentais do pensamento de Bergson, e sua linguagem filosófica
para expressar conceitos tão intangíveis é repleta de imagens, metáforas, comparações e exemplos.
A comunicação da intuição do tempo criador exige uma expressão que a linguagem conceitual não é
capaz de realizar. Essa exigência de encontrar formas de expressão mais adequadas levou Bergson a
tratar de questões como a linguagem, a imagem, a metáfora e a criação.

Para o filósofo, a imagem vai além do visual. Diz respeito aos outros sentidos humanos e está
ligada à percepção em geral. Daí ser possível falar de imagem sonora, imagem olfativa, imagem
tátil e imagem gustativa. Além disso, a imagem remete à imaginação e à memória, o que nos
permite falar de imagem imaginada no pensamento e de imagem‑lembrança. Numa cultura que
privilegia a visão como percepção fundante da compreensão do mundo, outras nuances da ideia de
imagem precisam ser explicitadas.

Bergson desenvolve uma complexa teoria das imagens em seu livro maior, Matéria e Memória
(1990). Nele, o autor afirma que a imagem é mais que uma representação e menos que uma coisa;
é uma existência situada entre a coisa e a representação.

O objeto é uma imagem, mas uma imagem que existe em si. A matéria, por sua vez, é uma imagem que
existe como o espírito a percebe. Uma vez que ele a percebe como imagem, então ela própria é imagem.
A lembrança também é uma imagem, e representa o ponto de intersecção entre o espírito e a matéria.
No conjunto de imagens chamado universo, apenas uma imagem em particular é capaz de inserir o novo:
o corpo humano vivo, que percebe e age.

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É conhecida a tese bergsoniana que compara o processo de conhecimento da inteligência e


da percepção humana a um aparelho cinematográfico. Esse processo extrai do fluxo movente
do devir real um movimento impessoal, abstrato, simples e geral, que depois é colocado num
aparelho que reconstitui artificialmente a individualidade de cada movimento particular pela
recomposição do movimento anônimo. “É esse o artifício do cinematógrafo. E é esse também o do
nosso conhecimento” (BERGSON, 1971, p. 298).

Para conhecer o movimento, a inteligência não se instala no devir interior das coisas, mas
procede como se fosse um aparelho cinematográfico. Põe‑se do lado de fora do acontecimento e
tira fotografias da realidade, isto é, tem visões instantâneas do devir que passa. Depois, reúne essas
visões congeladas e as alinha sobre um devir abstrato e uniforme, para vê‑las adquirir movimento.
Portanto, “o mecanismo do nosso conhecimento vulgar é de natureza cinematográfica” (BERGSON,
1971, p. 299), e tanto a percepção quanto a inteligência e a linguagem, quando tratam do devir,
utilizam‑se desse mecanismo.

O mecanismo cinematográfico do conhecimento originou‑se da necessidade de inserção da


inteligência na realidade, visando à ação a partir da percepção. É um método eminentemente
prático, porque regula o ritmo de nosso conhecimento em função do ritmo da ação. Como a ação
é descontínua, nossa percepção, nosso conhecimento intelectual e nossa linguagem também
serão descontínuos.

Em vez de nos prender ao devir interior das coisas, colocamo‑nos fora


delas para recompor o seu devir artificialmente. Temos visões quase
instantâneas da realidade que passa e, como elas são características
dessa realidade, basta‑nos alinhá‑las ao longo de um devir abstrato,
uniforme, invisível, situado no fundo do aparelho do conhecimento,
para imitar o que há de característico nesse mesmo devir
(BERGSON, 1971, p. 298).

Foi esse conceito abstrato de movimento que levou Bergson a pensar o mecanismo de conhecimento
da inteligência e da percepção como análogo a um filme cinematográfico.

Observação

O cinematógrafo, inventado por Léon Bouly em 1892, foi patenteado


pelos irmãos Lumière em 1895. Assim, o surgimento do cinema é
contemporâneo a Bergson.

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Figura 15 – Cinematógrafo Lumière

Leia a entrevista concedida pelo filósofo argentino Adrián Cangi à Revista do Instituto Humanitas
Unisinos, em que ele trata do pensamento de Bergson sobre o cinema.

A crítica bergsoniana ao cinema

IHU: Poderia explicar por que Bergson pensa o cinema como a perpetuação de uma
antiga ilusão, que consiste em crer que se pode construir o movimento mediante momentos
fixos de tempo?

AC: A filosofia, como apontou Deleuze, manteve, até a contemporaneidade, condições


pré‑cinematográficas, conferindo à percepção natural um privilégio que faz com que
o movimento siga ainda vinculado às “posturas”, sejam estas essenciais ou existenciais.
A partir daí, o movimento cinematográfico é visto como imagem do pensamento, ao
mesmo tempo infiel às condições da percepção e portador de um novo relato capaz de
se acercar à percepção e ao mundo. É no capítulo 6 de A Evolução Criadora (1907) que
Bergson expõe que “a forma não é mais que uma instantânea tomada sobre uma transição”,
sustentando que a percepção solidifica em descontinuidades formais a continuidade fluida.
Ele define a forma como uma imagem instantânea, que funciona como uma “imagem
média do movimento”. Configura assim criticamente “o caráter cinematográfico de nosso
conhecimento das coisas”, conhecimento apoiado na ideia de que toda percepção, toda
intelecção (estudo) e toda linguagem operam como um movimento abstrato e simples,
artificialmente criado, uma permutação do devir interior das coisas por um movimento geral,
uniforme e invisível. Tal mecanismo estaria situado no fundo do aparato do conhecimento
com o fim de imitar mecanicamente o devir. O cinema, como unidade de comparação, não
se sai bem na análise de Bergson. Contudo, Deleuze mostrará minuciosamente, em Cinema
1: A Imagem‑Movimento (1983) e Cinema 2: A Imagem‑Tempo (1985), que Bergson estaria
inventando premonitoriamente os problemas de uma linguagem, que em seu pensamento
alcançará a inquietude espiritual madura antes que os grandes cineastas a produzam como
marcas de estilo.
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É no capítulo 1 de Matéria e Memória (1896) que Bergson reflete sobre o cinema pensando
que a imagem é igual ao movimento, que a imagem‑movimento e a matéria‑fluxo são
estritamente a mesma coisa. De Matéria e Memória a A Evolução Criadora, Bergson concebe um
corte móvel da duração mais que um corte imóvel ou instantâneo do movimento. Desse modo,
o cinema seria capaz de alcançar o universo material na imagem‑movimento, como identidade
absoluta da imagem e do movimento, identidade maquinista que os conceitos de Bergson nos
permitem ver e que, contudo, em sua crítica explícita, nos afasta do cinema. Podemos dizer
que o cinema perpetua uma antiga ilusão porque, segundo Bergson, há mais num movimento
do que nas posições sucessivas, há mais num devir do que nos cortes ou formas uma atrás da
outra. O mecanismo cinematográfico da inteligência responde à representação por detenções,
que dominou a filosofia antiga e que atravessa – para Bergson – a filosofia moderna em certo
grau. A provocação desse pensamento consistiria em se instalar na mudança e captar, ao
mesmo tempo, a mudança e os estados sucessivos, que a todo instante poderiam imobilizar‑se.
Mas instalar‑se na transição supõe “renunciar aos hábitos cinematográficos de nossa inteligência”.

Deleuze supõe clarificar a imagem do pensamento como duração em três grandes teses.
A primeira provém de Matéria e Memória e sustenta que o movimento é o ato de recorrer e
que o espaço recorrido é indivisível, ou melhor, não se divide sem mudar com cada divisão
da natureza. Então, não se pode reconstruir o movimento com posições no espaço ou com
instantes no tempo. Uma duração concreta em movimento é uma imagem média com dado
imediato. As outras duas teses provêm de A Evolução Criadora. A segunda sustenta que o
movimento não é a postura regulada de uma forma a outra ordem de posturas ou instantes
privilegiados, como supunha a filosofia antiga, mas que ele somente se recompõe segundo
cortes imanentes ou instantes quaisquer, como explica a ciência moderna. O tempo aparece,
assim, como uma variável independente do movimento. A terceira diz que, se o instante é
um corte imóvel do movimento, este resulta de um corte móvel da duração. O movimento
expressa a mudança na duração. A criatura existe na duração como um todo que não está dado
nem se pode dar. Corresponde‑se com o aberto que assimila, no ser vivo, o ritmo do universo.
Esse todo crê numa dimensão sem partes, como puro devir, sem interrupção, que contudo
passa por estados somente pensáveis como graus artificiais ou conjuntos relativamente
fechados.

A partir dessas teses, Deleuze afirma que Bergson antecipa a criação de três tipos de
imagem do pensamento. Podemos dizer que há não somente imagens instantâneas, como
cortes imóveis do movimento, mas também imagens‑movimento, como cortes móveis da
duração, e imagens‑tempo, para além do movimento mesmo, como imagens‑duração,
imagens‑mudança, imagens‑relação.

IHU: Em que medida esse pensamento serve como instrumento de crítica à indústria
cinematográfica contemporânea, em sua tendência a perpetuar o instante e o estereótipo?

AC: A história do cinema tem revelado procedimentos de criação que se subtraem aos
poderes estabilizadores da comunicação, com sua promessa orgânica, sensorial e motriz.
Cada interrupção dessa lógica de ação‑reação como imagem realista do pensamento gera
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uma anomalia, um falso movimento, um salto na continuidade perceptiva. Sempre que as


lógicas orgânicas da representação são interrompidas aparece o gesto de estilo. O estilo
como gesto poético que me atrai responde à sentença de Robert Bresson: “Não corra atrás da
poesia. Ela penetra por si mesma através das junções!”. Bergson é um pensador dos intervalos.
Ele elabora um “entre” como fonte imanente do movimento‑duração, do qual emergem
potências criadoras. Essa posição supõe para o pensamento um salto que vai da percepção
automática à percepção atenta do movimento estruturado pelo costume associativo e
estratigráfico. Deleuze vê nessa lógica um pensamento da diferença que absorve os estereótipos
na repetição e os transforma no processo de criação. O cinema, como outras linguagens de
criação, trabalha e elabora estereótipos e tópicos. Os grandes criadores os utilizam e desgastam
produzindo intervalos em sua repetição, de distintos modos. Bresson, Dziga Vertov, Roberto
Rossellini, Jean‑Luc Godard, Hans‑Jürgen Syberberg são alguns dos diretores que utilizam o
intervalo para descompor a percepção do instante e do estereótipo. O espetáculo é o pesadelo
da sociedade moderna, que não expressa seu desejo de infância e de sonho. Um estilo é sempre
uma indecisão que resiste à ilusão. Segundo a fórmula de Bergson, sempre vemos por meio
de determinados condicionamentos psicológicos, econômicos e ideológicos. Vemos por capas.
A postura de uma capa à outra é uma mudança de visão do mundo. Ao começar História(s)
do Cinema, Godard disse: “Guarda para ti uma margem de indefinição!”. Essa margem é um
intervalo que produz um olhar mais além do instante e do estereótipo.

IHU: Para Bergson, o cinema seria uma espécie de sombra projetada no fundo da
caverna platônica?

AC: A filosofia de Platão parte da forma e vê nela a essência mesma da realidade.


Não obtém a forma mediante uma vista tomada sobre o devir. A duração e o devir seriam
somente a degradação da eternidade imóvel. A forma independente do tempo não é unida
à percepção; é uma abstração. As formas se assentam fora do espaço e acima do tempo.
Expressam uma distensão no tempo e uma extensão no espaço. Em certo sentido, o mito da
caverna, exposto em A República como tensão entre a ideia e o simulacro, pensado como
projeção indireta, está no fundo da imagem dogmática do pensamento que Bergson critica.
Em Platão, a imagem está a serviço do poder que diferencia entre as cópias que se atentam
ao modelo e os meros simulacros. A matriz platônica define, desse modo, os pressupostos de
um pensamento transcendente, que tem vontade de se impor como conquista do verdadeiro
através do conceito. Daí nasce a ideia da verdade como invariante abstrata e teológica.
Bergson não deixa de pensar o mito da caverna criticamente, para desmantelá‑lo como
o domínio das “posturas” abstratas, que separam o inteligível‑real do sensível‑aparente.
Encontra‑se mais perto de pensar o universo material como cinema, ainda que este seja
visto como um ilusionismo mecânico. Deleuze consegue perceber que Bergson concebe
um plano móvel como um conjunto de movimento que expressa uma mudança. Esse plano
corresponde à ideia de bloqueio de espaço‑tempo, mais próxima ao cinema (como igualdade
da imagem) e à matéria do que ao mito da caverna.

IHU: Qual é a importância de A Evolução Criadora dentro da obra de Bergson? Qual é o


papel ocupado pelo conceito de elã vital na filosofia dele?
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AC: Nessa obra, Bergson desenvolve a noção de duração. O que quer dizer pensar a vida
como duração? Liberar‑nos da falsa ideia de que a experiência do tempo é uma sucessão de
instantes autônomos, quase como se o presente estivesse separado do passado e fosse necessário
recriá‑lo de qualquer maneira, através de uma reelaboração a posteriori. Viver não é reviver
o passado. Entre passado e presente, não há cicatriz alguma. Na experiência do tempo como
duração, nada do passado se perde. O presente não é senão a prolongação do passado, que
opera incessantemente até o futuro. Se tudo muda de maneira contínua, a forma da experiência
resulta perpetuamente remodelada por um impulso de criação ininterrupto, flexível e infinito,
que gera e incorpora a invasão da novidade. Bergson desdobrou em sua obra uma metafísica da
vida, evoluindo os processos vitais como o impulso que nos lança até um dinamismo criativo.

Em Introdução à Metafísica (1903), considera o processo impulsivo que nos lança até a
criação como uma identificação com a vida do mundo inteiro. Essa experiência havia sido
abordada em Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência (1889), em relação a duas
ordens de realidade: uma homogênea, caracterizada pelo domínio da dimensão espacial como
uma ordem quantitativa e múltipla; a outra heterogênea, caracterizada por uma experiência
do tempo como duração alcançada pela percepção das qualidades e pela indeterminação
numérica. A primeira está conectada com a extensão e a exterioridade; a segunda, com a
intensidade e a interioridade. De um lado, a ordem da continuidade; do outro, a sensação dos
estratos profundos da consciência. Desse último, depreende‑se a intuição como o elã vital de
uma sensação que vem acompanhada de um acontecimento diferencial. A sensação é uma
experiência da vibração do devir que não pode ser alcançada abstratamente. A transição é
contínua, mas a vibração supõe um caminho de estado. O fundo do problema consiste em
distinguir a presença pura da duração e a da extensão, encontrando as articulações do real
ou as diferenças da natureza. A intuição do devir é uma experiência trágica, afirmativa do
múltiplo e pensável como uma alegria dinâmica.

IHU: Em que medida é possível aproximar o conceito de vida de Bergson da vontade de


potência nietzschiana?

AC: Por comodidade, escolho somente um aspecto para responder a essa pergunta.
Bergson considera a ideia do possível como uma miragem do presente no passado.
O possível é um falso problema, porque não é mais que o real mesmo unido a um ato do espírito, que
expulsa a imagem no passado uma vez que se tem percebido. Nossos hábitos intelectuais são o que
nos impede de perceber. O atual está acompanhado pela imagem virtual de maneira inseparável, e
ambas as caras compõem o real. A noção da palavra virtual provém do latim medieval virtualis, no
sentido de virtus, estritamente “força”, “potência”. O virtual é o que existe em potência, e não o ato.
O virtual tende a atualizar‑se. O atual e o virtual são maneiras diferentes de ser. O virtual é como
um complexo problemático, um nó de tendências das forças que acompanham uma situação, um
acontecimento, e que espera um processo de resolução: a atualização. A virtualização pode ser
definida como o movimento inverso da atualização, um movimento que consiste numa passagem
do atual ao virtual, numa elevação da potência da entidade considerada. A virtualidade não é
uma “desrealidade”, mas uma mutação da identidade, um deslocamento do centro de gravidade
ontológico do objeto considerado. A vida em Bergson é pura potência virtual, impulso vital ou
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movimento da duração que se diferencia. Esse seria um plano de aproximação entre o movimento
da vida em Bergson e a vontade de potência em Nietzsche.

Fonte: Cangi (2007).

5.3 Deleuze e a inversão cinematográfica

Gilles Deleuze começou a desenvolver seu pensamento filosófico a partir de comentários a outras
filosofias e visões de mundo: Espinosa, Nietzsche, Bergson, Proust, entre outros. Ele buscou novos meios
de expressão filosófica sobre a trama de um tecido desigual, em que aparecem as imagens do puro devir,
das superfícies, do sem‑sentido, da linguagem.

Nessa busca, Deleuze dedicou diversos trabalhos à filosofia da arte, em particular à literatura, à
pintura e ao cinema. Quanto ao cinema, tratou do vínculo entre imagem, tempo e movimento.

Em relação a Bergson, Deleuze critica e inverte o mecanismo cinematográfico usado por ele para
explicar a percepção e o conhecimento intelectual. Ao mesmo tempo, afirma que, embora não percebendo
a novidade estético‑metafísica do cinema, Bergson teria fornecido os conceitos necessários para uma
análise imanente dessa forma de comunicação e arte.

Em Matéria e Memória, Bergson apresenta a tese de que o sujeito se encontra de algum modo
embutido no objeto ou de que a visão não é externa à coisa vista, mas uma limitação da coisa em si
mesma. Aplicando essa tese ao cinema, Deleuze afirma que o olho não é a câmera, mas a própria tela.
Essa aplicação lhe permite opor uma nova estética às estéticas fenomenológicas ou linguístico‑estruturais.

Nem uma fenomenologia do imaginário nem uma análise da estrutura discursiva do filme poderão
revelar a produtividade própria do cinema e abrir o campo para uma classificação das imagens com que
o cinema se exprime. Sobre a tríade formada por movimento, matéria e imagem, elaborada por Bergson
em Matéria e Memória, Deleuze constrói uma teoria da significação da imagem como instrumento para
uma nova estética cinematográfica.

Saiba mais

Para conhecer as teorias de Deleuze sobre o cinema, consulte:

DELEUZE, G. Cinema 1: a imagem‑movimento. Tradução Stella Senra.


São Paulo: 34, 2018.

DELEUZE, G. Cinema 2: a imagem‑tempo. Tradução Eloisa Araújo Ribeiro.


São Paulo: 34, 2018.

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6 FILOSOFIA INTEGRADA À IMAGEM E AO SOM

6.1 Bachelard e a comunicação poética

Para o filósofo francês Gaston Bachelard, no campo da poesia e da arte, prevalece a imaginação
material, cujo arquétipo está nos quatro elementos materiais (água, fogo, terra e ar) e nas imagens dos
lugares que habitamos e que alimentam o imaginário poético.

Figura 16 – Gaston Bachelard (1884‑1962)

O sentido usado agora não é a visão, mas o tato, capaz de perceber as imagens que a mão recolhe da matéria.
A partir dessa dupla característica da imaginação, formal e material, Bachelard cria o conceito de imagem
imaginada, distinguindo a imaginação que percebe imagens da imaginação que cria imagens.

A imagem percebida e a imagem criada são duas instâncias psíquicas muito


diferentes e seria preciso uma palavra especial para designar a imagem
imaginada. Tudo aquilo que é dito nos manuais sobre imaginação reprodutora
deve ser creditado à percepção e à memória. A imaginação criadora tem funções
diferentes daquelas da imaginação reprodutora (BACHELARD, 1993, p. 3).

Cabe à imaginação criadora a função do irreal, ou seja, a capacidade de produzir imagens, em sua
maioria sublimações de arquétipos. Por outro lado, cabe à imaginação reprodutora a função do real, ou
seja, a capacidade de perceber o mundo externo e traduzi‑lo em imagens. A imaginação reprodutora
permite a adaptação de um espírito a uma realidade marcada por valores sociais.

De acordo com Bachelard (1993, p. 184), a imaginação criadora tem uma importante capacidade
de comunicar: “A comunicabilidade de uma imagem singular é um fato de grande significação
ontológica”. Para além do significado etimológico da palavra imaginação, como a faculdade de formar
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imagens‑percepção, a imaginação imaginante cria imagens imaginadas por meio do devaneio, isto é, do
sonho acordado. Ao priorizar arquétipos e processos semiconscientes (devaneios), em vez de processos
inconscientes, Bachelard se aproxima mais de Jung do que de Freud.

Figura 17 – Carl Gustav Jung (1875‑1961)

A imagem imaginada depende da vontade do indivíduo que sonha acordado e cria imagens para
pensar e sentir o mundo. Em suas obras sobre os quatro elementos, Bachelard investiga as imagens
associadas aos temas da matéria, do movimento, da força e do sonho, ou seja, imagens do fogo, da terra,
da água e do ar.

A mídia faz uso constante de imagens imaginadas para comunicar. Ao ouvir no rádio uma música ou
uma poesia, usamos a imaginação para criar imagens que remetam ao que é ouvido. Ao ver um filme no
cinema ou até mesmo uma propaganda na televisão, podemos entrar em devaneio e sonhar acordados.
Quando isso acontece, a imagem atingiu seu grau máximo de comunicabilidade.

Essas imagens, quando utilizadas pela mídia, podem garantir a comunicabilidade porque são
transubjetivas, carregadas de significados, e acabam por seduzir e ativar a imaginação criadora do
receptor. Elas expressam arquétipos adormecidos no inconsciente e, quando visualizadas, despertam no
espectador sentimentos relacionados a movimento, força, matéria e sonho.

Em A Poética do Espaço, Bachelard faz uma análise fenomenológica das imagens do espaço íntimo,
que remetem às imagens do espaço feliz. Segundo o filósofo, são imagens de espaços amados, espaços
de posse, espaços proibidos a forças adversas, em que estão contidos os valores humanos de intimidade
e de proteção: casa dos homens (porão, sótão, cabana), casa das coisas (gavetas, cofres, armários), casa
dos animais (ninhos, conchas) e casas imaginadas (canto, miniatura, imensidão, redondo).

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A casa dos homens tem a função de cobrir e proteger, tornando‑se um elemento de persistência,
um repositório de coisas e ideias. A casa protege das feras e das pessoas, e também das adversidades
climáticas: do frio e do calor, da chuva e do vento. Como o abrigo primordial do homem, a casa o
acolhe e dá a ele a proteção necessária para que possa sonhar. Ela é o primeiro universo que o homem
habita, um verdadeiro cosmo. A casa leva o homem ao recolhimento e tem um dos grandes poderes
integradores na vida humana: “A casa é uma das maiores forças de integração para os pensamentos,
as lembranças e os sonhos do homem” (BACHELARD, 1993, p. 26). Mesmo quando ela é humilde e cheia de
defeitos, no devaneio torna‑se reconfortante e estável. Assim, a casa é o próprio ser, e os ambientes desse
espaço remetem à intimidade do homem.

Há duas formas de imaginar a casa: verticalmente ou centralizadamente. Na verticalidade, chega‑se


ao sótão e ao porão. O sótão está mais perto das nuvens, do racional. Logo, gera imagens claras, revela
de imediato a razão de ser, os medos se racionalizam com facilidade, a experiência do dia pode sempre
apagar os temores da noite. O porão, em contrapartida, é a parte mais sombria e irracional da casa.
Para Bachelard, no porão é noite o tempo todo. Lá, sente‑se medo. É o ser obscuro da casa, o ser que
participa das potências do inconsciente. Pode‑se dizer que o porão é o lugar dos mortos.

Figura 18 – A casa

A outra maneira de imaginar a casa, por meio da centralidade, leva ao sentido da cabana. A casa
é imaginada com toda a simplicidade, a primitividade e o aconchego de uma cabana. Ali acontece o
encontro com a solidão, e as lembranças viram lendas. A cabana representa a intimidade do refúgio.

A casa dos objetos (gavetas, cofres, armários) são espaços mais íntimos que a própria casa,
e por isso retêm traços psicológicos e apresentam uma poesia singular. Nos armários, assim como
nas gavetas, não se guarda uma coisa qualquer. São espaços profundos, que registram a vida de
quem os possui. Nos armários e nas gavetas, reina a ordem e a harmonia. O cofre é ainda mais
instigante, pois está envolto pela neblina do esconderijo, guarda segredos. Quando alguém adentra
esses espaços, nada lhe é conhecido; abre‑se um novo mundo, com milhares de novas imagens.
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Todos esses espaços guardam os sonhos da alma humana: “Quem enterra um tesouro, enterra‑se
com ele” (BACHELARD, 1993, p. 100).

Figura 19 – O cofre

A casa dos animais aéreos e aquáticos também é uma imagem de proteção, pois a casa ideal é tão
aconchegante quanto o reduto dos animais. O ninho é uma imagem bastante recorrente na literatura.
O habitante de uma casa‑ninho sonha voltar para ela como o pássaro sonha voltar para o ninho.
Nessa volta, a alma se abre para infinitos devaneios. A imagem do ninho, sempre ingênua, remete à
infância, ao encantamento, ao gosto pela simplicidade. Ainda que precário em sua estrutura, o ninho
traz sempre um devaneio de segurança.

Figura 20 – O ninho

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A concha, por sua vez, representa a construção da morada com o calcário expelido pelo próprio
organismo. Por isso, as conchas passam uma imagem de vida que não se lança para a frente, mas que
gira sobre si mesma. A casa do molusco tem uma forma circular, que faz mais do que apenas protegê‑lo.
Na Antiguidade, a concha era um símbolo do ser humano completo: a carapaça correspondia ao corpo;
o molusco, à alma.

Essa imagem traz certa esperança. Afinal, se o ser mais mole consegue fabricar a concha mais dura,
por que o homem não pode fazer o mesmo? No entanto, é quando aceita a solidão que o homem
realmente vive a imagem da concha. Bachelard (1993, p. 129) diz que “a casa que cresce na medida
exata de seu hóspede é uma maravilha do universo”, um motivo “de contemplação para o espírito”.

Figura 21 – A concha

A casa imaginada engloba a imagem do canto, da miniatura, da imensidão e do redondo. O canto


remete ao canto de uma casa, ao ângulo de um aposento, ao espaço reduzido em que alguém gosta de se
esconder, de pensar consigo mesmo. O canto é o silêncio. Caracteriza‑se pela imobilidade, pela segurança.

Nessa situação de quietude e aconchego, a alma fica aberta ao devaneio, e o canto se torna um
armário de lembranças. A partir desses espaços pequenos, percebem‑se os grandes. Segundo Bachelard
(1993, p. 165), “o grande […] está contido no pequeno”. Uma imagem simples como “refugiar‑se no seu
canto” é capaz de despertar imagens maiores, fazendo com que o canto torne‑se a casa do ser.

Nesse mesmo raciocínio, surgem os espaços miniaturizados, que não podem ser vividos.
Eles são somente imaginados e demandam ser vistos, escutados e sentidos por meio do idealismo.
O mundo em miniatura, de acordo com Bachelard, resiste à dissolução da ambiência. Vivendo num
pequeno espaço, o eu parece encontrar a paz e a segurança desejadas. Um miniespaço abriga em si
uma vasta área, portadora de beleza e de conforto sem iguais. Nele, o visitante e o leitor sentem‑se
felizes e bem instalados.
60
FILOSOFIA INTEGRADA

Bachelard (1993, p. 190 e 200) afirma ainda que não é possível atingir o imenso senão pelas
experiências íntimas de cada um: “A imensidão está em nós. […] A grandeza progride no mundo à
medida que a intimidade se aprofunda”.

A dialética do interior e do exterior relaciona as evidências contrárias e complementares dessas


imagens. O exterior só é entendido quando transformado em interior, porque no fundo tudo é humano.
O espaço não pode ser unicamente exterior, pois é vivido, imaginado, recordado interiormente
pelo homem. “O exterior não será uma intimidade antiga perdida na sombra da memória?”
(BACHELARD, 1993, p. 232).

A poesia é, assim, um campo livre de expressão, e a imaginação poética permite adentrar o ser do
homem. A linguagem poética traz em si a lógica do aberto e do fechado, e conduz‑nos a uma fórmula
do ser do homem enquanto um ser entreaberto.

Por fim, a fenomenologia do redondo indica que as imagens circulares concentram e centralizam
a vida, dão unidade, em oposição às pontiagudas, que ferem e afastam. As imagens que trazem
segurança, aconchego e proximidade são todas redondas. A afirmação de que a vida é redonda,
pronunciada em épocas distintas por pensadores distintos, desperta no fenomenólogo uma
indagação acerca da imagem.

Figura 22 – O circular

Lembrete

Para Bachelard, a imagem do espaço feliz refere‑se à casa dos homens


(porão, sótão, cabana), à casa das coisas (gavetas, cofres, armários),
à casa dos animais (ninhos, conchas) e às casas imaginadas (canto,
miniatura, imensidão, redondo).

61
Unidade II

6.2 Nietzsche e a música

Para o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, a estética não é um mero acessório, algo secundário e
sem importância, mas um problema que diz respeito à própria seriedade da existência. Isso porque a arte
é a tarefa suprema e a atividade propriamente metafísica da vida.

É possível, porém, que justamente para eles [para os que consideram a arte
algo secundário] resulte de algum modo escandaloso ver um problema
estético tomado tão a sério, caso não estejam em condições de reconhecer
na arte mais do que um divertido acessório, do que um tintinar de
guizos que se pode muito bem dispensar ante a seriedade da existência
(NIETZSCHE, 1992, p. 26).

Figura 23 – Friedrich Nietzsche (1844‑1900)

Refletindo sobre a arte em O Nascimento da Tragédia, Nietzsche propõe dois modelos primordiais
de experiência estética: o apolíneo e o dionisíaco. Esses modelos, praticados pelos gregos antigos,
podem servir para compreender qualquer forma atual de arte. São inspirados em Apolo, o deus do sol,
e em Dionísio, o deus do vinho.

Apolo é o deus da clareza, da harmonia e da ordem manifestas nas artes plásticas. “Apolo representa
o ideal estético clássico de equilíbrio, serenidade de expressões, harmonia de proporções, perfeição
formal e, sobretudo, de uma individualidade que contempla um espetáculo impassivelmente”
(CUNHA, 1992, p. 257).

Dionísio, por outro lado, é o deus da exuberância, da desordem e da música. “Nele, o artista tem
acesso à experiência simbólica pela perda de sua individualidade, de modo semelhante ao que ocorre na
embriaguez” (CUNHA, 1992, p. 259).
62
FILOSOFIA INTEGRADA

Não se trata de modelos excludentes, pois há uma coexistência – embora nada pacífica – entre
o impulso apolíneo e o impulso dionisíaco. Eles se desafiam e se estimulam, dando origem a novas
criações. “Entre a arte do figurador plástico, a apolínea, e a arte não figurada da música, a dionisíaca,
ambos os impulsos, tão diversos, caminham lado a lado, na maioria das vezes em discórdia aberta,
incitando‑se mutuamente a produções sempre novas” (NIETZSCHE, 1992, p. 27).

A) B)

Figura 24 – (A) Estátua de Apolo; (B) Baco [Dionísio] (c. 1595), Caravaggio

Embora exista uma música apolínea, a música é, por excelência, dionisíaca. A música, no modelo
da arte apolínea, tem uma batida ondulante, de ritmo regular e previsível, como os sons da cítara.
Essa música busca manter distante o que é próprio da música dionisíaca, e portanto da música em
geral, isto é, “a comovedora violência do som, a torrente unitária da melodia e o mundo absolutamente
incomparável da harmonia. No ditirambo dionisíaco, o homem é incitado à máxima intensificação de
todas as suas capacidades simbólicas” (NIETZSCHE, 1992, p. 35).

A música dionisíaca, comovedora e violenta, traz a novidade que assombra os que estão acostumados
aos ritmos simétricos, serenos e equilibrados. Tratando dos festivais gregos em homenagem a Dionísio,
Nietzsche (1992, p. 34‑35) diz que “o cântico e a mímica desses entusiastas de tão dúplice disposição
eram, para o mundo greco‑homérico, algo de novo e inaudito: a música dionisíaca, em particular,
excitava nele espantos e pavores”. A música dionisíaca era acompanhada de dança e êxtase. “Com que
assombro devia mirar [esse espetáculo] o grego apolíneo!”

Em Humano, Demasiado Humano, Nietzsche fala de uma alegria advinda da apreciação da simetria
e do que é regularmente ordenado.

Já de espécie mais refinada é aquela alegria que surge à vista de tudo o que é regular
e simétrico, em linhas, pontos, ritmos, pois por certa semelhança é despertado
o sentimento por tudo o que é ordenado e regular na vida, exclusivamente ao
63
Unidade II

qual tem de agradecer todo bem‑estar: no culto do simétrico se venera, portanto,


inconscientemente, a regra e a simetria como fonte da felicidade fruída até agora;
a alegria é uma espécie de ação de graças (NIETZSCHE, 1983, p. 133).

A música apolínea, sendo uma arte simétrica, com ritmos ordenados, causa em nós uma espécie de alegria
serena, que leva ao bem‑estar. Entretanto, o prolongamento indefinido do prazer advindo da regularidade
dos ritmos acaba produzindo no ouvinte o sentimento de tédio. A interrupção da simetria, com a inserção do
inesperadamente novo, pode causar um prazer ainda mais refinado do que a previsibilidade do regular. “Somente
com certa saturação da alegria mencionada surge o sentimento, ainda mais refinado, de que também na
interrupção da simetria e da regularidade pode haver prazer” (NIETZSCHE, 1983, p. 133).

Acerca da canção popular, Nietzsche (1992, p. 48) pergunta‑se: “Mas o que é a canção popular em
contraposição à poesia épica totalmente apolínea?”. É o rastro da união do apolíneo e do dionisíaco, sua
prodigiosa propagação, que se estende por todos os povos e cresce sempre com novos frutos.

Apesar de tanto Dionísio como Apolo deixarem seu rastro na canção popular, Nietzsche enfatiza que
o substrato e o pressuposto da música do povo é o modelo dionisíaco.

Sim, deveria ser também historicamente comprovável que todo período


produtivo no domínio da poesia popular também foi agitado ao máximo por
correntes dionisíacas, que nos cumpre sempre encarar como o substrato e o
pressuposto da canção popular (NIETZSCHE, 1992, p. 48).

Dionísio inspiraria, portanto, uma música inovadora, que causaria espanto e prazer estético no
ouvinte habituado à previsibilidade do ritmo regular da música de Apolo e marcaria notadamente a
canção popular.

Observação

Apolo e Dionísio são como dois lados de uma mesma moeda. Um


complementa o outro.

6.3 Foucault e o discurso

Michel Foucault destaca o papel do discurso no conhecimento humano. O discurso é uma série de
procedimentos por meio dos quais se estabelecem fronteiras entre o admitido e o não admitido. Enquanto
os discursos admitidos pela sociedade revelam sanidade, verdade e razão, os não admitidos são excluídos,
como índices de loucura, falsidade e sexualidade.

A importância dessa análise para a comunicação está na aplicação da liberdade de imprensa e da liberdade
de expressão e opinião. A existência de discursos não admitidos assinala a existência de censura e, de certo
modo, restringe a liberdade de expressão e opinião garantida como direito fundamental do cidadão.

64
FILOSOFIA INTEGRADA

Figura 25 – Michel Foucault (1926‑1984)

Outra contribuição de Foucault está na contextualização epistemológica do discurso. Segundo o


autor, o discurso é o que se diz. Todo discurso está associado à linguagem, mas não está restrito aos
atos linguísticos, porque é uma ordem pela qual se circunscrevem os campos da experiência e do saber
possível, definindo‑se o modo de ser dos objetos que aparecem nesses campos. Assim, o discurso está
relacionado à episteme, isto é, ao paradigma epistemológico de compreensão e organização da realidade.

Em As Palavras e as Coisas, Foucault (2002) mostra que a história comportou epistemes diferentes:
similitude, medida e organismo.

O século XVI é marcado pelo paradigma da similitude. Nessa episteme, o mundo é explicado por
meio de parentescos, afinidades, semelhanças e analogias.

No século XVII, o paradigma é o da medida e da ordem, a representação. Para essa episteme,


a semelhança é uma ilusão, e o pensamento pela similitude é substituído pela análise. Tudo é reduzido a
elementos simples, grandezas que podem ser medidas e ordenadas segundo graus. Surgem então o
racionalismo, o mecanicismo e a explicação matemática do universo.

O século XIX rompe com o passado e assume o paradigma da história. Tem por modelo de explicação
do mundo o organismo. O espaço geral do saber é feito de organizações, isto é, de relações entre
elementos, cujo conjunto assegura uma função. A história impõe suas leis à análise da realidade.

A seguir, apresentamos um trecho de um artigo de Rosa Maria Bueno Fischer, em que a autora
reflete sobre a relação de Foucault com a arte.

Arte, pensamento e criação de si em Foucault: breve ensaio

Escrever para transformar a si mesmo

Paul Veyne, num belo livro sobre o amigo (Foucault: o Pensamento, a Pessoa), conta
que um dia, pela manhã, em seu gabinete, Foucault lhe dizia, com um livro à mão: “Escuta,
Veyne, não te parece que em literatura há coisas que estão acima de todo o resto?”

65
Unidade II

(Veyne, 2009, p. 151). O filósofo estava se referindo à tirada de Édipo, cego, no final da
tragédia Édipo Rei… Sucede que Foucault não concluiu o pensamento, não fez a citação
do trecho, deixou‑o em suspenso. “Coisas que estão acima de todo o resto”… Que resto?
Talvez o resto seja o que não tenha a ver com a invenção de si mesmo, e é isso que tanto
nos interessa neste momento. Ouçamos Foucault, numa entrevista que concedeu a Stephen
Riggins, em 1982. Nessa ocasião, Foucault diz claramente que o trabalho intelectual, para
ele, poderia ser definido como uma perfeita obra de esteticismo:

Trabalhei como um doente toda a minha vida. Não me preocupo


minimamente com o status universitário do que faço, porque meu
problema é a minha própria transformação. É a razão pela qual,
quando as pessoas me dizem: “Você pensava isso, há alguns anos,
e agora você diz outra coisa”, eu respondo: “Você acredita que
trabalhei tanto, durante todos esses anos, para dizer a mesma coisa
e não ser transformado?”. Essa transformação de si por seu próprio
saber é, penso, algo bastante próximo da experiência estética. Por que
um pintor trabalharia se ele não fosse transformado por sua pintura?
(Foucault, 2014, p. 204).

Dono de uma sensibilidade literária aguda, amante da obra de pintores, o filósofo não
se cansava em afirmar‑se em constante movimento, no sentido de total inconformidade
com o pensamento (e a vida) estável. Sim, Foucault escrevia para se transformar, e não para
pensar a mesma coisa que o tinha ocupado anteriormente. Salvação pela morte. Morte
do que já pensou um dia e que urge colocar em risco. Diz Veyne, no livro sobre Foucault:
“O criador é criado pela obra e pensa tudo o que ela pensa, mas é dizer pouco ainda: a
salvação reside na morte do homem pela escrita – que o despersonaliza – e numa perpétua
fuga em frente” (Veyne, 2009, p. 139).

A paixão de Foucault pela literatura (Blanchot, Mallarmé, Beckett, Bataille, Borges), pela
pintura (Magritte, Manet), pelos artistas levava‑o, como conta Veyne, a querer ser um deles.
Em Foucault, ser transformado pelo que se cria, paradoxalmente, tem a ver com entregar‑se a
uma atividade do espírito que acaba por ter um fim em si mesma (ainda que posteriormente
alguém a use para uma aplicação prática, ou que alguém se sirva dela para formar a própria
opinião). Em outras palavras, entregar‑se a essa tarefa significa (paradoxalmente, talvez)
despersonalizar‑se: nosso rosto desaparece, nasce um eu sem qualidades, sem atributos,
que não é imortal nem eterno, mas estranho ao tempo, situado fora do tempo.

Dito de outra forma, para Foucault, entregar‑se à escrita era uma escolha: ou ele seria
transformado, ou estaria morto. Nietzschianamente falando, não há para Foucault uma salvação
possível, ou melhor, o que existe é apenas uma escolha, que acontece entre o nada e o caos. Diz
Veyne, a esse respeito: “Parar de mudar, querer escapar a uma realidade exterior e interior que é
definitivamente caótica, é viver como um morto” (Veyne, 2009, p. 141).

66
FILOSOFIA INTEGRADA

É nessa linha feiticeira que Foucault se equilibra, entre a certeza da morte e a possibilidade
da loucura, justamente porque sabemos que não somos eternos, muito menos inesquecíveis
ou imortais. Nós nos sabemos seres despersonalizados; no máximo, talvez consigamos ser
reificados num texto anônimo, como aponta Paul Veyne. Imagino que haja aí uma discussão
filosófica relevante, cara também a um pensador como Lacan, contemporâneo de Foucault:
falo da dimensão trágica da vida, segundo a qual o sujeito oscila, permanentemente, entre o
aparecimento e o desaparecimento. Escrever, inscrever‑se, pintar, deixar as próprias marcas
– longe de nos conceder a eternidade, tudo isso tem a ver com a produção de um objeto
ou de uma condição que não conseguiremos efetivamente possuir; trata‑se de atos que
existem para nós como desejo permanente, como urgência, sem os quais não podemos,
não temos condições de viver. O mais paradoxal é que não conseguimos sobreviver sem
essa entrega, mesmo que, tendo feito uso da palavra, tendo deixado o traço, essa coisa
criada já não nos pertença, torne‑se ausência plena e – pior – signifique nosso próprio
desaparecimento.

Mas insisto: como elaborar o que Michel Foucault nos diz sobre a criação pela palavra,
ao sublinhar que a literatura é um lugar em que o homem desaparece para dar lugar à
linguagem? Como entender que ali, onde aparece a palavra, desaparece o homem? Foucault
nos responde, não sem nos deixar perplexos, pelo enigma da construção teórica feita, que o
autor está tão dentro de sua obra que esta chega a destruí‑lo. Ele afirma, numa entrevista
concedida no Brasil, em Minas Gerais, no ano de 1973 (que recebeu o título “Foucault,
o Filósofo, Está Falando: Pense”):

É na obra que o homem encontra seu abrigo e seu lugar. É nela que
ele habita, é ela quem constitui sua pátria. Sem ela, o autor não
teria, literalmente, existência. Mas essa existência do artista em sua
obra é de tal natureza que o conduz, inexoravelmente, a perecer
(Foucault, 2011, p. 51).

O apaixonante, em Foucault, é que esse pensamento sobre si mesmo, sobre o ato


de investigar e criar, de escrever livros – vendo‑se como um autor em aparecimento e
desaparecimento permanentes, tal qual um pintor e sua tela, um músico e sua partitura, um
fotógrafo e seus registros – não se separa do trabalho rigoroso e persistente do pesquisador
que sempre foi. É com o Foucault arqueólogo que aprendemos essa original lição de que
todos os fatos históricos são singulares, que não podem ser remetidos a verdades gerais e
trans‑históricas, e que a tarefa do estudioso das ciências humanas é levar tão longe quanto
possível a análise das formações históricas e sociais, “até pôr a nu a sua estranheza singular”
(Veyne, 2009, p. 17).

O discurso e a singularidade dos acontecimentos

A tarefa do arqueólogo e – de maneira mais estendida – do estudioso das ciências


humanas e da educação será, segundo Foucault, uma tarefa que nos levará até o ponto
em que vamos operar com aquilo que é pura diferença. Em vez de procurar as grandes
67
Unidade II

generalizações, nós nos ocuparemos das diferenças, daquilo que é inesperado e que se
constitui como ruptura na ordem das coisas. A proposta é aceitar que os discursos – sobre
a loucura, sobre a anormalidade, sobre o enclausuramento dos estranhos, sobre o segredo
das intimidades sexuais, em certo momento histórico, no caso das pesquisas de Foucault
– serão sempre singulares, no sentido de que não se prestam a rápidas generalizações,
as quais acabam por reduzir tais acontecimentos a meros dados quantitativos ou a simples
listagens intermináveis de “fatos”.

Quantas surpresas teríamos se nos deixássemos embriagar por essa sugestão


do estranhamento e da singularidade, se fizéssemos o caminho inverso daquele das
generalizações, aceitando o rigor e o trabalho minucioso da busca dos detalhes, numa tarefa
quase compulsiva, que nos conduzisse às práticas mínimas do poder, dos procedimentos mais
variados, dos instrumentos mais inusitados (ou dos dados que nos permitimos simplesmente
estranhar, como se os colocássemos sob outra luz, outro foco, distinto do modo comum de
vê‑los e tratá‑los). Aí emerge e ganha força a original concepção de discurso em Foucault,
como a descreve Paul Veyne: “O discurso é aquela parte invisível, aquele pensamento
impensado em que se singulariza cada acontecimento da história” (Veyne, 2009, p. 23).
Lembremos Foucault em A Arqueologia do Saber, em que lemos o paradoxo de que um
enunciado não é visível, mas tampouco está oculto. “É necessária certa conversão do olhar
e da atitude para poder reconhecê‑lo e concebê‑lo em si mesmo” (Foucault, 2009, p. 126).
O enunciado se esquiva sem cessar, talvez porque seja conhecido por demais, talvez porque
seja de uma transparência demasiado familiar.

Ora, esse trabalho do arqueólogo não teria uma relação com o que um pintor como
Magritte faz? Como Cézanne ou como Paul Klee fazem? Assim como os enunciados não
designam isto ou aquilo, não exprimem algo, mas existem sobre um fundo aberto e quase
inesgotável de silêncio – esse é o cuidado do arqueólogo, conforme aprendemos com
Foucault –, de uma maneira mais radical e complexa as obras de um artista dizem muito,
exatamente na mesma medida em que renunciam a dizer efetivamente algo. Magritte
não se põe a copiar um pensamento; ao contrário, deixa‑se fazer por ele, naquilo que ele
próprio cria. Estamos falando aqui da linguagem instituinte, em todo o seu mistério, em
que o criador torce as linguagens existentes, do mundo empírico e cotidiano, e nos oferece
a diferença. A pura diferença, que por sua vez nos põe a pensar de maneira distinta do
que pensávamos antes. Pois bem, é justamente um artista como Magritte que Foucault
escolhe para desmontar séculos de um aprendizado sobre a imagem como afirmação de
algo, sobre o vínculo direto e unívoco entre palavras e coisas, imagem e legenda, palavra
como transparência, e assim por diante.

O texto “Isto não é um cachimbo”, escrito com um rigor irretocável (em que sobressai a
análise de cada detalhe das diferentes versões da pintura de Magritte em torno do mote do
cachimbo, entre outras obras comentadas), nos fala das complexas perturbações lançadas
a nós pelo pintor, das correspondências que tradicionalmente (e ainda hoje) fazemos entre
imagens e palavras, entre imagens e coisas, linguagem e referente. A obra do pintor é usada
para, como tantas vezes nos textos do arqueólogo, dizer‑nos quão frágeis são os modos
68
FILOSOFIA INTEGRADA

pelos quais costumamos designar as coisas do mundo, nomeá‑las, descrevê‑las, classificá‑las.


As consequências para a pesquisa em educação e, certamente, os desafios às nossas práticas
escolares cotidianas são inúmeros. Dito de outra forma: Foucault desloca‑se das discussões
sobre a ordem do discurso nas ciências humanas para concentrar‑se num conjunto
de criações imagéticas (como as de Magritte, que aqui referimos, ou as de Velázquez,
na abertura do livro As Palavras e as Coisas), embaralhando nossos modos convencionais de
pensar ciência, filosofia e arte.

Fonte: Fischer (2015, p. 947‑950).

7 FILOSOFIA INTEGRADA À PSICOLOGIA

7.1 Intensidade dos estados psicológicos

O tempo é o principal tema do pensamento de Henri Bergson. Constante no conjunto de sua obra,
o tempo é compreendido como duração psicológica no Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência,
como tempo criador em A Evolução Criadora e como memória ontológica em Matéria e Memória.
Na sequência, apresentaremos um resumo das teses contidas no Ensaio, objetivando destacar a nova
concepção de tempo que Bergson inaugura em seu primeiro livro e que será desenvolvida e aprofundada
em suas obras posteriores.

Distinguir entre tempo e espaço é um dos propósitos do Ensaio sobre os Dados Imediatos da Consciência.
Nele, Bergson faz uma análise da psicologia humana e busca distinguir entre o tempo‑duração e o tempo
espacial. Para o autor, tempo é duração. A duração é a própria essência da realidade; é o tempo que
passa, incessante e contínuo, transformando tudo, sendo ele próprio mudança. O outro tempo, o espacial
(também chamado por Bergson de tempo homogêneo), é ilusório; originário da confusão entre tempo e
espaço, é apenas o espaço camuflado de tempo. No Ensaio, busca‑se mostrar que somente a duração é a
essência do tempo real e que o tempo cientificamente conhecido é, em sua realidade última, espaço.

O Ensaio não trata do tempo em geral, mas de sua forma privilegiada de acesso: o tempo interno,
vivido no interior da consciência. A abordagem do tema parte da análise crítica da psicologia determinista
da época. Esse objetivo crítico do filósofo pode ser observado na própria organização da obra.

No primeiro capítulo, Bergson mostra que a intensidade dos estados psicológicos não pode ser
mensurável e que, se entendemos a intensidade como uma grandeza, é porque confundimos qualidade
com quantidade. No segundo capítulo, demonstra que esses mesmos estados, agora tomados em sua
multiplicidade, não podem formar uma soma numérica e que, se concebemos a multiplicidade interior
como quantitativa, é porque confundimos o tempo interno com o espaço exterior. No terceiro capítulo,
aborda a liberdade e a não verdade de uma teoria psicológica fundada no determinismo, que concebe a
vida psíquica como mensurável e semelhante ao número.

Todo o Ensaio, portanto, constitui um estudo a respeito do tempo em sua expressão psíquica, com o
fim de refutar o determinismo psicológico. O núcleo dessa crítica é a noção de que a multiplicidade dos
estados internos não é numérica (quantitativa), como afirma o determinismo.
69
Unidade II

Saiba mais

Sobre a relação de integração entre filosofia e psicologia, leia o artigo:

SILVEIRA, L. A psicologia é sua própria crise? Sobre o sentido


epistemológico da presença da filosofia no cerne da psicologia moderna.
Fractal, Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, p. 12‑21, abr. 2018. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984‑029220180
00100012&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 27 set. 2018.

Bergson inicia o Ensaio buscando depurar a realidade psicológica da intervenção indevida da


realidade exterior, a partir de uma crítica à ideia de grandeza intensiva dos estados psicológicos.

O senso comum admite que os sentimentos, as sensações e as paixões podem aumentar ou diminuir,
ou seja, admite a variação de grau dos estados psicológicos. Assim, diz‑se que podemos sentir mais calor ou
menos calor, que estamos mais tristes ou menos tristes.

Nessa mesma direção, e na tentativa de proceder de acordo com as ciências físicas, tão promissoras
na época, os psicofísicos tentaram quantificar os estados psicológicos a fim de melhor entendê‑los.
Não perceberam, porém, que na realidade esses estados não têm extensão; como não estão no espaço, não
podem ser quantificados ou mensurados.

Ao tentar mensurar os estados psicológicos, a psicofísica se afastou ainda mais da natureza qualitativa
deles. Segundo Bergson (1988, p. 53), “familiarizada com a confusão entre a qualidade e a quantidade,
entre a sensação e a excitação, a ciência procuraria medir uma como mede a outra: tal foi o objetivo da
psicofísica”.

Assim, tanto quanto o senso comum, a psicofísica tenta medir a suposta grandeza de um estado
interno porque está habituada a pensar em termos espaciais, sem perceber que é impossível mensurar
um estado psicológico, seja ele qual for, pois seu meio é a duração, e não o espaço, sua natureza é
intensiva, e não extensiva.

A ideia de grandeza intensiva é o ponto central da crítica de Bergson. Ela surge da confusão entre
a pura intensidade dos estados internos e a extensão das coisas exteriores. A psicofísica, habituada a
representar os estados internos pela perspectiva da física e da extensão, transformou a real intensidade
deles numa grandeza ilusória.

A tese bergsoniana é que, sendo de uma realidade distinta da dos objetos materiais, os estados
internos não têm extensão, mas intensidade pura, em razão de sua natureza qualitativa. De acordo com
Bergson (1988, p. 54), do ponto de vista da duração, “chamamos intensidade à multiplicidade mais ou
menos apreciável de fatos psíquicos simples, que adivinhamos no interior do estado fundamental”.

70
FILOSOFIA INTEGRADA

O erro consiste em analisar a intensidade dos estados psíquicos pelo prisma da extensão das
coisas físicas. A ideia de grandeza intensiva deriva da intersecção entre a representação de estados
da consciência, que aparentemente remete a uma causa exterior – a qual pode ser considerada,
devidamente, uma grandeza extensiva –, e a realidade dos fatos psíquicos, que bastam a si próprios em
sua intensidade singular.

Em outras palavras, de fora vem a ideia de uma multiplicidade quantitativa, e das profundezas da
consciência emerge a imagem de uma multiplicidade qualitativa. Da confusão entre a representação
espacial e a realidade temporal dos estados psicológicos surge a ideia equivocada de uma grandeza
intensiva, capaz de medir os estados internos.

A representação de grandeza intensiva que surge à consciência remete a uma ideia de contração.
Essa representação tem a imagem de algo comprimido, mas com a possibilidade de dilatar‑se, como
uma mola prestes a se expandir. Assim, intensidade traduzida por extensão é espaço comprimido.

É como se no mesmo espaço coubesse, com o passar do tempo, uma quantidade de sensação maior,
que pareceria agora mais intensa, mais densa, mais espessa. Isso, no entanto, é sempre uma expressão
extensiva da intensidade, um modo de dizer usando uma linguagem forjada no espaço. Em sua realidade,
como duração, a intensidade pura de um estado psíquico se reduz a uma qualidade inextensa e temporal.

Por não serem extensos, os estados da consciência não podem ser alinhados uns atrás dos outros,
como se tivessem, de forma definida, começo e fim. Nesse sentido, por exemplo, a sensação de calor
não aumenta em grau, pois não tem uma grandeza quantitativa. Tal equívoco surge porque se pensa em
termos de conteúdo e continente.

Uma sensação crescente se daria por meio de um processo em que a última sensação conteria a
anterior, por ser maior que ela, e assim sucessivamente, passando‑se de um grau menor para um grau
maior de intensidade da mesma sensação. Em tal ideia, porém, reside um engano, porque na realidade
o que temos é uma mudança de natureza do estado, e não uma variação de grau.

O que ocorre de fato é a passagem progressiva e contínua de um estado a outro. Um calor mais
intenso é realmente outro calor, que não aumenta, mas muda de natureza. O que temos são estados
únicos, que não podem ser quantificados porque não podem ser comparados entre si, dadas as suas
absolutas singularidades.

A confusão contida na ideia de grandeza intensiva desfaz‑se quando se percebe que a intensidade
não é quantidade; é antes sinal qualitativo de um estado psicológico que, considerado em si mesmo,
é qualidade pura, mas que concebido impropriamente por meio da extensão torna‑se quantidade.
Isso porque os estados internos ocorrem no tempo, e não no espaço; são únicos e estão em contínua
mudança; não podem ser comparados nem mensurados, uma vez que são qualidades puras; logo,
só podem formar uma multiplicidade qualitativa, nunca uma multiplicidade quantitativa.

Essa confusão entre intensidade e extensão advém de uma confusão anterior, entre a causa exterior
de um estado e o próprio estado interno.
71
Unidade II

Os psicofísicos explicavam as mudanças de estado através da mudança de suas causas aparentes.


Ao confundir a causa exterior de um estado com o próprio estado interno, tentavam medir o efeito pela
causa e, assim, impunham variação de grau ao estado por meio da variação de sua causa exterior.

A solução dos psicofísicos até poderia fazer algum sentido para estados que se relacionam com
objetos exteriores, como a sensação e o esforço, mas quando se trata de estados profundos, como a
tristeza e a alegria, sem qualquer relação com o exterior, não é possível projetar a variação da causa
sobre o efeito.

Embora também sejam estados internos, tanto as sensações como os esforços musculares têm relação
com o exterior e são acompanhados de modificações fisiológicas, assim como os estados intermediários
(por exemplo, a atenção e a cólera), e foram exatamente estes os estados utilizados como modelo pela
psicologia fisiológica. No entanto, é nas paixões e nos sentimentos profundos, que não dependem em
nada do exterior, que podemos ver mais claramente o caráter qualitativo e fluido de todos os estados
psicológicos. As paixões e os sentimentos profundos escapam à explicação psicofísica.

Pela noção de duração interna, não há diferença entre estados profundos e estados superficiais,
porque em todos encontramos um progresso qualitativo ocorrendo no psiquismo, e assim, por sua
própria natureza interna, todos os estados psicológicos escapam à mensuração.

A fim de entender melhor a confusão que inadvertidamente se faz entre o estado psicológico
e sua pretensa causa física, consideremos uma organização musical. Ao ouvir os sons produzidos
por um piano, podemos imaginar contar em nós as sensações auditivas produzidas pelos toques do
pianista, imaginar os dedos do músico tocando as teclas (imagem espacial projetada sobre a duração);
ao contar os toques que imaginamos ver, nos confundimos e passamos a contar as sensações que eles
nos causam. Podemos contar os toques, porque eles estão num meio espacial, que permite separar
uns dos outros, mas não podemos contar as sensações qualitativas em nós, porque elas estão na
duração e se interpenetram mutuamente.

Para resolver a confusão, é necessário separar a causa física, de um lado, das sensações durando no
espírito, de outro. No exemplo mencionado, as notas produzidas pelo piano nos chegam sucessivamente,
e o que fazemos de fato é conservá‑las e organizá‑las numa música, na qual os primeiros sons se
prolongam e ainda continuam nos últimos, formando um todo indiviso. Não contamos as notas; nós
as recolhemos no tempo e as conservamos na consciência, organizando‑as. Só assim somos capazes de
ouvir a música, seguindo seu ritmo e sua unidade na coincidência do ritmo de nossa duração interior
com o ritmo da música, sem confundir a sensação em nós com as coisas exteriores.

Bergson afirma que a ilusão psicofísica acontece porque se confunde o tempo‑duração (intensivo,
interno e qualitativo) com o espaço (extensivo, externo e quantitativo), o que desnatura os estados
de consciência e impossibilita seu real conhecimento. Confunde‑se a pretensa causa física de uma
sensação com a sensação mesma em nós, medindo‑se uma pela outra, porque no fundo se desconhece
a natureza temporal do eu e sua duração essencial. Bergson denuncia essa ilusão e aponta sua raiz na
concepção do tempo linear e exterior da ciência, um tempo que não dura.

72
FILOSOFIA INTEGRADA

Lembrete

O tempo é o principal tema do pensamento de Henri Bergson – não o


tempo em geral, mas o tempo interno, vivido no interior da consciência.

Na sequência, apresentamos parte do primeiro capítulo do Ensaio sobre os Dados Imediatos


da Consciência.

Da intensidade dos estados psicológicos

Normalmente, admite‑se que os estados de consciência, as sensações, os sentimentos,


as paixões, os esforços são suscetíveis de crescer e diminuir; há até os que defendem que uma
sensação se pode dizer duas, três, quatro vezes mais intensa que outra da mesma natureza.
Examinaremos mais adiante essa última tese, que é a dos psicofísicos; mas os próprios adversários
da psicofísica não veem nenhum inconveniente em falar de uma sensação mais intensa do que
outra, de um esforço maior do que outro, e em determinar assim as diferenças de quantidade
entre os estados puramente internos. O senso comum pronuncia‑se, aliás, sem a menor hesitação
sobre esse ponto; diz‑se que temos mais ou menos calor, que estamos mais ou menos tristes, e essa
distinção do mais e do menos, mesmo quando se estende à região dos fatos subjetivos, e das coisas
inextensas, não surpreende ninguém. Contudo, há aqui um ponto muito obscuro e um problema
muito mais grave do que geralmente se imagina.

Quando se afirma que um número é maior que outro ou que um corpo é maior que
outro, sabemos perfeitamente de que se trata. É que nesses dois casos se trata de espaços
desiguais, como o demonstraremos em pormenor um pouco mais adiante, chamando‑se
maior espaço ao que contém o outro. Mas como é que uma sensação mais intensa conterá
uma sensação de menor intensidade? Dir‑se‑á que a primeira implica a segunda, que se
atinge a sensação de intensidade superior só na condição de ter passado primeiro pelas
intensidades inferiores da mesma sensação, e que aqui ainda há, em certo sentido, uma
relação de continente a conteúdo? Essa concepção da grandeza intensiva parece ser a do
senso comum, mas não se pode propô‑la como explicação filosófica sem cair num verdadeiro
círculo vicioso. É incontestável que um número supera outro quando figura junto dele na
série natural dos números, mas se pudemos dispor os números por ordem crescente é
precisamente porque existem entre eles relações de continente a conteúdo, e nos sentimos
capazes de explicar com precisão em que sentido um é maior que o outro. A questão é,
pois, saber como conseguimos formar uma série desse gênero com intensidades, que não
são coisas que possam sobrepor‑se, com que sinal reconhecemos que os termos dessa série
crescem, por exemplo, em vez de diminuir, o que equivale sempre a interrogar‑nos por que
é que uma intensidade é assimilável a uma grandeza.

É fugir à dificuldade distinguir, como habitualmente se faz, duas espécies de quantidade, a


primeira extensiva e mensurável, a segunda intensiva, que não comporta a medida, mas de que,

73
Unidade II

apesar de tudo, se pode dizer que é maior ou menor que outra intensidade. Verifica‑se assim
que há algo de comum nessas duas formas de grandeza, já que lhes chamamos grandezas
tanto a uma como a outra, e declaramos serem igualmente suscetíveis de crescer e de diminuir.
Que pode haver de comum, do ponto de vista da grandeza, entre o extensivo e o intensivo,
entre o extenso e o inextenso? Se, no primeiro caso, chamamos maior quantidade à que
contém a outra, por que falar ainda de quantidade e de grandeza quando já não há continente
nem conteúdo? Se uma quantidade pode crescer e diminuir, se nela deparamos, por assim dizer,
com o menos dentro do mais, não será por isso mesmo divisível, por isso mesmo extensa?
E não há então contradição em falar de quantidade inextensiva? Contudo, o senso comum está
de acordo com os filósofos para transformar em grandeza uma intensidade pura, tal como uma
extensão. E não empregamos apenas a mesma palavra, mas, quer pensemos numa intensidade
maior, quer se trate de uma maior extensão, experimentamos uma impressão análoga nos dois
casos; os termos maior e menor evocam perfeitamente nos dois casos a mesma ideia. Se agora
nos perguntamos em que consiste essa ideia, é a imagem de um continente e de um conteúdo
que a consciência nos oferece ainda. Representamos uma maior intensidade de esforço, por
exemplo, como um maior comprimento de fio enrolado, como uma mola que, ao esticar‑se,
ocupará um espaço maior. Na ideia de intensidade, e até na palavra que a traduz, encontraremos
a imagem de uma contração presente e, por conseguinte, uma dilatação futura, a imagem de
uma extensão virtual e, se assim pudéssemos dizer, de um espaço comprimido. É preciso, pois,
acreditar que traduzimos o intensivo em extensivo, e que a comparação de duas intensidades
se faz, ou pelo menos se exprime, pela intuição confusa de uma relação entre duas extensões.
Mas é a natureza dessa operação que parece difícil de determinar.

A solução que imediatamente se apresenta ao espírito, uma vez empenhado nessa via,
consiste em definir a intensidade de uma sensação ou de qualquer estado do eu pelo número
e pela grandeza das causas objetivas, e por consequência mensuráveis, que lhe deram origem.
É incontestável que uma sensação mais intensa de luz é a obtida ou a que se obterá mediante
o maior número de fontes luminosas, supostas à mesma distância e idênticas entre si.
Mas na imensa maioria dos casos pronunciamo‑nos sobre a intensidade do efeito mesmo sem
conhecer a natureza da causa, e com muita razão a sua grandeza; é a própria intensidade
do efeito que nos leva, muitas vezes, a aventurar uma hipótese quanto ao número e à
natureza das causas, e a corrigir assim o juízo dos nossos sentidos, que à primeira vista no‑las
apresentavam insignificantes. Em vão se alegará que comparamos então o estado atual do eu
com qualquer estado anterior, em que a causa foi integralmente percepcionada ao mesmo
tempo que se experimentava o efeito. Sem dúvida, é assim que procedemos em muitíssimos
casos; mas então não se explicam as diferenças de intensidade que estabelecemos entre os
fatos psicológicos profundos, que provêm de nós, e não de uma causa externa. Por outro
lado, nunca nos pronunciamos com tanta ousadia sobre a intensidade de um estado psíquico
como quando unicamente somos abalados pelo aspecto subjetivo do fenômeno, ou a causa
exterior a que o atribuímos dificilmente pode ser medida. Assim, parece‑nos evidente que
experimentamos uma dor mais intensa quando nos arrancam um dente do que um cabelo;
o artista sabe, e disto não tem dúvida, que um quadro de mestre lhe proporciona um prazer
muito mais intenso do que um cartaz comercial; e não é necessário ter alguma vez ouvido
falar das forças de coesão para afirmar que se despende menos esforço em dobrar uma lâmina
74
FILOSOFIA INTEGRADA

de aço do que em vergar uma barra de ferro. Desse modo, a comparação de duas intensidades
faz‑se quase sempre sem a menor avaliação do número das causas, do seu modo de ação e
da sua extensão.

É verdade que ainda há lugar para uma hipótese da mesma natureza, mas mais sutil.
Sabemos que as teorias mecânicas, e sobretudo cinéticas, tendem a explicar as propriedades
aparentes e sensíveis dos corpos mediante movimentos muito definidos das suas partes
elementares, e que alguns preveem o momento em que as diferenças intensivas das
qualidades, isto é, das nossas sensações, se reduzirão às diferenças extensivas entre as
mudanças que se levem a cabo atrás delas. Não poderemos sustentar que, sem conhecer
essas teorias, temos delas um vago pressentimento, que sob o som mais intenso adivinhamos
uma vibração mais ampla propagando‑se no meio sacudido, e que aludimos a essa relação
matemática muito precisa, ainda que confusamente apercebida, ao afirmar que um som
apresenta uma intensidade superior? Sem ir tão longe, não se poderia estabelecer que, em
princípio, todo estado de consciência corresponde a determinado abalo das moléculas e
átomos da substância cerebral, e que a intensidade de uma sensação mede a amplitude, a
complicação ou a extensão desses movimentos moleculares? Essa última hipótese é pelo
menos tão verossímil como a outra, mas não resolve melhor o problema. É possível que a
intensidade de uma sensação demonstre um trabalho mais ou menos considerável levado
a cabo no nosso organismo; mas é a sensação que nos é fornecida pela consciência, e não
esse trabalho mecânico. É até à intensidade da sensação que atribuímos a maior ou menor
quantidade de trabalho produzido; a intensidade permanece, pelo menos aparentemente,
como uma propriedade da sensação. E põe‑se sempre a mesma pergunta: por que dizemos
nós de uma intensidade superior que ela é maior? Por que pensamos numa maior quantidade
ou num espaço maior?

Talvez a dificuldade do problema derive do fato de darmos o mesmo nome e representarmos


da mesma maneira intensidades de natureza muito diferente, a intensidade de um sentimento,
por exemplo, e a de uma sensação ou de um esforço. O esforço é acompanhado de uma sensação
muscular e as próprias sensações ligam‑se a certas condições físicas que verossimilmente
entram para algo na apreciação da sua intensidade; são fenômenos que ocorrem à superfície
da consciência, e que se associam sempre, como veremos mais adiante, à percepção de um
movimento ou de um objeto exterior. Mas certos estados de alma parecem‑nos, com ou sem
razão, bastar‑se a si próprios, como as alegrias e as tristezas profundas, as paixões refletidas,
as emoções estéticas. A intensidade pura deve definir‑se mais facilmente nesses casos simples,
em que não parece intervir nenhum elemento extensivo. Efetivamente, vamos ver que ela
se reduz a certa qualidade ou matiz de que se reveste uma quantidade mais ou menos
considerável de estados psíquicos ou, se preferimos, ao maior ou menor número de estados
simples que penetram a emoção fundamental.

Por exemplo, um desejo obscuro torna‑se pouco a pouco uma paixão profunda. Vereis que
a fraca intensidade desse desejo consistia, primeiro, no fato de vos parecer isolado e como
que estranho a todo o resto da vossa vida interna. Mas, pouco a pouco, penetrou num maior
número de elementos psíquicos, tingindo‑os, por assim dizer, com a sua própria cor; e eis que o
75
Unidade II

vosso ponto de vista sobre o conjunto das coisas vos parece agora ter mudado. Não é verdade
que vos apercebeis de uma paixão profunda, uma vez contraída, em virtude de os mesmos
objetos já não produzirem em vós a mesma impressão? Todas as vossas sensações, todas
as vossas ideias vos parecem renovadas; é como uma nova infância. Experimentamos algo
semelhante em certos sonhos, em que não imaginamos nada de extraordinário, mas através
deles ressoa, porém, não sei que nota original. É que, quanto mais se desce nas profundidades
da consciência, menos se tem o direito de tratar os fatos psicológicos como coisas que se
justapõem. Quando se diz que um objeto ocupa um grande espaço na alma, ou até que a
ocupa totalmente, apenas se deve entender com isso que a sua imagem modificou o matiz
de mil percepções ou recordações, e que nesse sentido as penetra, apesar de não se deixar
ver. Mas essa representação completamente dinâmica repugna à consciência reflexa, porque
gosta das distinções bem demarcadas, que sem dificuldade se exprimem com palavras, e das
coisas com contornos muito definidos, como as percepcionadas no espaço. Irá supor portanto
que, permanecendo idêntico tudo o mais, certo desejo passou por grandezas sucessivas, como
se pudéssemos ainda falar de grandeza onde não existe nem multiplicidade nem espaço!
E assim como a veremos concentrar num dado ponto do organismo, para fazer um esforço de
intensidade crescente, as contrações musculares cada vez mais numerosas que se efetuam à
superfície do corpo, assim também ela fará cristalizar à parte, sob a forma de um desejo que
se avoluma, as modificações ocorridas na massa confusa dos fatos psíquicos coexistentes.
Mas é mais uma mudança de qualidade do que de grandeza.

O que faz da esperança um prazer tão intenso é que o futuro, que está à nossa disposição,
nos surge ao mesmo tempo sob uma imensidão de formas, igualmente risonhas, igualmente
possíveis. Ainda que a mais desejada se realize, é preciso sacrificar as outras, e teremos
perdido muito. A ideia do futuro, prenhe de uma infinidade de possíveis, é pois mais fecunda
do que o próprio futuro, e é por isso que há mais encanto na esperança do que na posse, no
sonho do que na realidade.

Procuremos destrinçar em que consiste uma intensidade crescente de alegria ou de


tristeza, nos casos excepcionais em que não intervém nenhum sintoma físico. A alegria
interior também não é, como a paixão, um fato psicológico isolado, que começaria por
ocupar um canto da alma e conquistaria terreno pouco a pouco. No seu grau mais baixo,
assemelha‑se bastante a uma orientação dos nossos estados de consciência no sentido do
futuro. Depois, como se essa atração diminuísse o seu peso, as nossas ideias e sensações
sucedem‑se com maior rapidez; os nossos movimentos já não nos custam tanto. Por fim,
na alegria extrema, as nossas percepções e recordações adquirem uma qualidade indefinível,
comparável a um calor ou a uma luz, e tão nova que, em certos momentos, ao refletirmos
sobre nós mesmos, experimentamos como que um espanto por existirmos. Assim, há várias
formas características de alegria puramente interior, tantas quantas as etapas sucessivas que
correspondem a modificações qualitativas da massa dos nossos estados psicológicos. Mas o
número de estados que cada uma dessas modificações atinge é mais ou menos considerável;
embora não os contemos explicitamente, sabemos bem se a nossa alegria penetra todas as
nossas impressões do dia, por exemplo, ou se algumas ficam de fora. Estabelecemos assim
pontos de divisão no intervalo que separa duas formas sucessivas da alegria, e esse caminhar
76
FILOSOFIA INTEGRADA

gradual de uma para a outra faz que nos surjam, por sua vez, como que as intensidades
de um só e mesmo sentimento que mudasse de grandeza. Facilmente se mostraria que os
diferentes graus da tristeza também correspondem a mudanças qualitativas. Começa por
ser apenas uma orientação para o passado, um empobrecimento das nossas sensações e
ideias, como se cada uma delas se conservasse agora inteira no pouco que ela proporciona,
como se o futuro nos estivesse de algum modo vedado. E termina numa impressão de
esmagamento, que nos leva a aspirar ao nada, e a que cada nova desgraça, ao fazer‑nos
compreender melhor a inutilidade da luta, nos causa um prazer amargo.

Os sentimentos estéticos proporcionam‑nos exemplos mais impressionantes da intervenção


progressiva de elementos novos, visíveis na emoção fundamental, e que parecem aumentar‑lhes
a grandeza embora se limitem a modificar‑lhes a natureza. Consideremos o mais simples, o
sentimento da graça. Primeiramente, é apenas a percepção de certo desembaraço, de certa
facilidade nos movimentos exteriores. E como movimentos fáceis são os que se preparam uns
aos outros, acabamos por encontrar um desembaraço superior nos movimentos que se faziam
prever, nas atitudes presentes em que estão indicadas e como que pré‑formadas as atitudes
futuras. Se os movimentos bruscos não têm graça é porque cada um deles se basta a si próprio
e não anuncia os que se lhes seguem. Se a graça prefere as curvas às linhas quebradas é
porque a linha curva muda de direção em cada momento, estando cada nova direção indicada
na precedente. A percepção de uma facilidade de movimentos vem, pois, fundir‑se aqui com
o prazer de travar de algum modo a marcha do tempo e de segurar o futuro no presente.
Um terceiro elemento intervém quando os movimentos graciosos obedecem a um ritmo,
acompanhado pela música. E o ritmo e o compasso, ao permitirem‑nos prever ainda melhor
os movimentos do artista, levam‑nos desta vez a acreditar que somos deles senhores. Porque
quase adivinhamos a atitude que vai tomar, parece que nos obedece quando de fato a toma;
a regularidade do ritmo estabelece entre ele e nós uma espécie de comunicação, e os retornos
periódicos do compasso são outros tantos fios invisíveis com que fazemos atuar esse títere
imaginário. Ainda que pare momentaneamente, a nossa mão impaciente não pode impedir
de se mover como que para o empurrar e recolocar dentro do movimento, cujo ritmo se
tornou todo o nosso pensamento e toda a nossa vontade. No sentimento do gracioso entrará,
portanto, uma espécie de simpatia física; ao analisar o encanto dessa simpatia, vereis que
vos agrada pela sua afinidade com a simpatia moral, cuja ideia é por ela sutilmente sugerida.
Esse último elemento, em que os outros vêm fundir‑se depois de o terem de algum modo
anunciado, explica o irresistível atrativo da graça: não compreenderíamos o prazer que nos
desperta se se reduzisse a uma economia de esforço, como pretende Spencer. Mas a verdade
é que julgamos deslindar em tudo o que é muito gracioso, além da leveza que é sinal de
mobilidade, a indicação de um movimento possível em direção a nós, de uma simpatia virtual,
ou mesmo nascente. É essa simpatia móvel, sempre a ponto de se dar, que é a própria essência
da graça suprema. Assim, as crescentes intensidades do sentimento estético resolvem‑se aqui
em outros tantos sentimentos diversos, cada um dos quais, anunciado já pelo precedente,
se torna visível e a seguir o eclipsa definitivamente. É esse progresso qualitativo que
interpretamos no sentido de uma mudança de grandeza, porque gostamos das coisas simples,
e porque a nossa linguagem está mal feita para traduzir as sutilezas da análise psicológica.

77
Unidade II

Para compreender como o sentimento do belo admite graus, seria necessário submetê‑lo a
uma análise minuciosa. Talvez a dificuldade que se experimenta em o definir derive principalmente
do fato de se considerarem anteriores à arte as belezas da natureza: os processos da arte não são
então mais do que meios pelos quais o artista exprime o belo, e a essência do belo permanece.
Mas poder‑se‑ia perguntar se a natureza é bela sem ser pelo feliz encontro de certos processos da
nossa arte, e se, em certo sentido, a arte não precederia a natureza. Mesmo sem ir tão longe, parece
mais conforme às regras de um método correto estudar primeiramente o belo nas obras em que foi
produzido por um esforço consciente e, seguidamente, descer por transições insensíveis da arte até
a natureza, que é artista a sua maneira. Colocando‑nos nesse ponto de vista, aperceber‑nos‑emos,
pensamos nós, de que o objetivo da arte é adormecer as potências ativas, ou melhor, resistentes,
da nossa personalidade, e levar‑nos assim a um estado de docilidade perfeita, em que realizamos a
ideia que nos é sugerida, em que simpatizamos com o sentimento expresso. Nos processos da arte
encontraremos, sob uma forma atenuada, purificados e de alguma maneira espiritualizados, os
processos pelos quais normalmente se obtém o estado de hipnose.

Assim, na música, o ritmo e o compasso suspendem a circulação normal das nossas


sensações e ideias fazendo oscilar a nossa atenção entre pontos fixos, e apoderam‑se
de nós com tal força que a imitação, ainda que infinitamente discreta, de uma voz que
geme bastará para nos encher de uma extrema tristeza. Se os sons musicais agem mais
poderosamente sobre nós do que os da natureza é porque a natureza se limita a exprimir
sentimentos, ao passo que a música no‑los sugere. Donde vem o encanto da poesia?
O poeta é aquele para quem os sentimentos se desdobram em imagens, e as próprias
imagens em palavras, dóceis ao ritmo, para os traduzir. Vendo repassar diante dos nossos
olhos essas imagens, experimentaremos da nossa parte o sentimento que, por assim dizer,
é o seu equivalente emocional; mas essas imagens não se realizariam tão fortemente para
nós sem os movimentos regulares do ritmo, pelo qual a nossa alma, embalada e adormecida,
se esquece, como num sonho, para pensar e ver com o poeta. As artes plásticas obtêm um
efeito do mesmo gênero pela fixidez que de súbito impõem à vida, e que um contágio físico
comunica à atenção do espectador. Se as obras da estatuária antiga exprimem emoções
leves, que mal afloram nelas como uma brisa, em contrapartida, a pálida imobilidade da
pedra empresta ao sentimento expresso, ao movimento iniciado, não sei que de definitivo
e eterno, em que o nosso pensamento se absorve e a vontade se perde. Na arquitetura, no
próprio âmago dessa imobilidade surpreendente, encontrar‑se‑iam alguns efeitos análogos
aos do ritmo. A simetria das formas, a repetição indefinida do mesmo motivo arquitetônico
fazem que a nossa faculdade de perceber oscile do mesmo ao mesmo, e se desabitue das
incessantes mudanças que, na vida diária, continuamente nos transportam à consciência da
nossa personalidade: a indicação, ainda que ligeira, de uma ideia bastará então para encher
por completo com ela a nossa alma. A arte visa assim, mais do que expressar, imprimir
em nós sentimentos; sugere‑os, prescindindo facilmente da imitação da natureza quando
depara com meios mais eficazes. A natureza procede por sugestão como a arte, mas não
dispõe do ritmo. Supre‑o mediante a longa convivência que a comunhão das influências
sofridas criou entre ela e nós, e que faz que à menor indicação de um sentimento com
ela simpatizemos, como uma pessoa habituada obedece ao gesto do magnetizador.
E essa simpatia produz‑se sobretudo quando a natureza nos apresenta seres de proporções
78
FILOSOFIA INTEGRADA

normais e tais que a nossa atenção se divide por igual entre todas as partes da figura, sem
se fixar em nenhuma delas: visto que a nossa faculdade de perceber se encontra embalada
por essa espécie de harmonia, nada interrompe o livre impulso da sensibilidade, que apenas
aguarda o desaparecimento do obstáculo para se emocionar simpaticamente.

Conclui‑se dessa análise que o sentimento do belo não é um sentimento especial, mas que
todo sentimento por nós experimentado se revestirá de um caráter estético, contanto que tenha
sido sugerido, e não causado. Compreende‑se então por que é que a emoção estética nos parece
admitir graus de intensidade e também graus de elevação. Com efeito, ora o sentimento sugerido
interrompe a custo o tecido cerrado dos fatos psicológicos que compõem a nossa história; ora deles
afasta a nossa atenção sem que, no entanto, nos leve a perdê‑los de vista; ora, por fim, se substitui
a eles, nos absorve e se apodera de toda a nossa alma. Há, portanto, fases distintas na progressão
de um sentimento estético, como no estado de hipnose; e essas fases correspondem menos às
variações de grau do que às diferenças de estado ou de natureza. Mas o mérito de uma obra de arte
não se mede tanto pela força com que o sentimento sugerido se apossa de nós quanto pela riqueza
desse mesmo sentimento: por outras palavras, ao lado dos graus de intensidade, distinguimos
instintivamente graus de profundidade ou de elevação. Ao analisar esse último conceito, veremos
que os sentimentos e os pensamentos que o artista nos sugere exprimem e resumem uma parte
muito menos considerável da sua história. Se a arte que se limita a dar sensações é uma arte
inferior é porque a análise frequentemente nada mais deslinda numa sensação além dessa mesma
sensação. Mas a maioria das emoções são enriquecidas com milhares de sensações, sentimentos
ou ideias que as atravessam: cada uma delas é, pois, um estado único no seu gênero, indefinível,
e parece que seria necessário reviver a vida de quem o experimenta para dele se apoderar na sua
complexa originalidade. Contudo, o artista visa introduzir‑nos nessa emoção tão rica, tão pessoal,
tão nova, e levar‑nos a experimentar o que não poderia fazer‑nos compreender. Fixará, pois, entre
as manifestações exteriores do seu sentimento, aquelas que o nosso corpo imitará maquinalmente,
ainda que superficialmente, descobrindo‑as, de modo a colocar‑nos de chofre no indefinível estado
psicológico que as provocou. Cairá assim a barreira que o tempo e o espaço interpunham entre
a sua consciência e a nossa; e será tanto mais rico de ideias, cheio de sensações e de emoções,
o sentimento em cuja área nos introduziu quanto mais a beleza expressa tiver profundidade e
elevação. As intensidades sucessivas do sentimento estético correspondem, pois, a mudanças
ocorridas em nós, e os graus de profundidade a um maior ou menor número de fatos psíquicos
elementares, que dificilmente distinguimos na emoção fundamental.

Vamos submeter os sentimentos morais a um estudo do mesmo gênero. Consideremos,


por exemplo, a piedade. Consiste, antes de mais, em pôr‑se pelo pensamento no lugar dos
outros, em sofrer com o seu sofrimento. Mas se nada mais fosse, como alguns pretenderam,
inspirar‑nos‑ia a ideia de fugir dos miseráveis em vez de os socorrer, porque o sofrimento
causa‑nos naturalmente horror. É possível que esse sentimento de horror esteja na origem
da piedade; mas não tarda a juntar‑se‑lhe um novo elemento, uma necessidade de ajudar
os nossos semelhantes e de lhes aliviar o sofrimento. Diremos, com La Rochefoucauld, que
essa pretensa simpatia é um cálculo, “uma habilidosa previdência para futuros males”?
Talvez o temor entre ainda efetivamente para alguma coisa na compaixão que os males de
outrem nos inspiram; mas são sempre formas inferiores da piedade. A verdadeira piedade
79
Unidade II

consiste menos em recear o sofrimento do que em desejá‑lo. Desejo leve, que dificilmente
se desejaria ver realizado, mas que se forma apesar de tudo, como se a natureza cometesse
uma grande injustiça e fosse necessário afastar toda a suspeita de cumplicidade com ela.
A essência da piedade é, pois, uma necessidade de se humilhar, uma aspiração a descer.
Essa aspiração dolorosa tem, aliás, o seu encanto, porque nos engrandece aos nossos próprios
olhos, e faz que nos sintamos superiores aos bens sensíveis, de que o nosso pensamento
momentaneamente se desprende. A intensidade crescente da piedade consiste, pois, numa
progressão qualitativa, numa passagem do desgosto ao temor, do temor à simpatia, e da
simpatia à humildade.

Não levaremos mais longe essa análise. Os estados psíquicos cuja intensidade acabamos
de definir são estados profundos, que não parecem solidários com a sua causa exterior, não
parecendo envolver também a percepção de uma contração muscular. Mas esses estados
são raros. Não há paixão ou desejo, alegria ou tristeza, que não seja acompanhada de
sintomas psíquicos; quando esses sintomas surgem, servem‑nos provavelmente para algo
na apreciação das intensidades. Quanto às sensações propriamente ditas, estão claramente
relacionadas com a sua causa exterior e, se bem que a intensidade da sensação não possa
definir‑se pela grandeza da sua causa, sem dúvida existe alguma relação entre esses dois
termos. Até em algumas das suas manifestações, a consciência parece que se expande para
fora, como se a intensidade se desenvolvesse em extensão: assim é o esforço muscular.
Coloquemo‑nos seguidamente perante esse último fenômeno: transportar‑nos‑emos de
um salto para o extremo oposto da série dos fatos psicológicos.

Se há um fenômeno que parece apresentar‑se imediatamente à consciência sob a


forma de quantidade ou, pelo menos, de grandeza é, sem dúvida alguma, o esforço muscular.
Parece‑nos que a força psíquica, aprisionada na alma como os ventos no antro de Éolo, espera
aí apenas por uma oportunidade para sair; a vontade vigiaria essa força e, de tempos a tempos,
abrir‑lhe‑ia uma saída, proporcionando uma descarga para o efeito desejado. Refletindo
bem, veremos até que essa concepção tão grosseira do esforço entra, em larga medida, na
nossa crença nas grandezas intensivas. Como a força muscular, que se desenrola no espaço e
se manifesta mediante fenômenos mensuráveis, nos dá a impressão de ter preexistido às suas
manifestações, mas com um menor volume e, por assim dizer, em estado comprimido, não
hesitamos em restringir cada vez mais esse volume e, por fim, julgamos compreender que um
estado puramente psíquico, não ocupando espaço, tenha, apesar de tudo, grandeza. Aliás,
a ciência, nesse ponto, tende a fortalecer a ilusão do senso comum. Bain diz‑nos, por exemplo,
que a sensibilidade concomitante do movimento muscular coincide com a corrente centrífuga
da força nervosa: é, pois, a própria emissão da força nervosa que a consciência perceberia. Mundt
fala também de uma sensação de origem central, acompanhando a intervenção voluntária dos
músculos, e cita o exemplo do paralítico, que tem a sensação muito nítida da força que emprega
para querer levantar a sua perna, ainda que permaneça inerte. A maioria dos autores adere a essa
opinião, que faria lei na ciência positiva se, alguns anos mais tarde, William James não tivesse
chamado a atenção dos fisiologistas para certos fenômenos muito pouco conhecidos e, no entanto,
muito dignos de nota.

80
FILOSOFIA INTEGRADA

Quando um paralítico se esforça por levantar o membro inerte, não executa esse
movimento, sem dúvida, mas, seja como for, executa outro. Algum movimento se efetua
em alguma parte; caso contrário, não haveria nenhuma sensação de esforço. Já Vulpian
observara que, se pedimos a um hemiplégico para fechar o punho paralisado, ele cumpre
inconscientemente essa ação com o punho não afetado. Ferrier assinalava um fenômeno
ainda mais curioso. Estendei o braço recurvando ligeiramente o indicador, como se fôsseis
dar ao gatilho de uma pistola: podereis não mover o dedo, nem contrair músculo algum da
mão, nem produzir qualquer movimento aparente, mas, apesar de tudo, sentireis que gastais
energia. No entanto, se prestardes maior atenção, caireis na conta de que essa sensação de
esforço coincide com a fixação dos músculos do peito, que tendes a glote fechada, e que
contraís ativamente os músculos respiratórios. Logo que a respiração retomar o seu curso
normal, a consciência do esforço desaparecerá, a não ser que realmente não movamos o
dedo. Esses fatos pareciam já indicar que não temos consciência de uma emissão de força,
mas do movimento dos músculos, que é o seu resultado. A originalidade de William James
esteve em verificar a hipótese com exemplos, que se afiguraram absolutamente refratários.
Assim, quando o músculo direito externo do olho direito está paralisado, o doente tenta em
vão voltar o olho do lado direito; contudo, os objetos parecem fugir‑lhe do lado direito e,
uma vez que o ato de vontade não produziu qualquer efeito, é necessário, dizia Helmholtz,
que o esforço da vontade se revele à consciência. Mas não se reparou, responde James,
no que se passa no outro olho: este fica coberto durante as experiências; e, no entanto,
move‑se, do que não será difícil convencermo‑nos. É o movimento do olho esquerdo,
percepcionado pela consciência, que nos dá a sensação do esforço, ao mesmo tempo que
nos leva a acreditar no movimento dos objetos vistos pelo olho direito. Essas observações,
e outras análogas, levam James a afirmar que o sentimento do esforço é centrípeto, e não
centrífugo. Não tomamos consciência de uma força que lançaríamos no organismo: o nosso
sentimento da energia muscular ostentada “é uma sensação aferente complexa, que vem
dos músculos contraídos, dos ligamentos tensos, das articulações comprimidas, do peito
fixo, da glote fechada, do sobrolho franzido, do queixo fechado”, em síntese, de todos os
pontos da periferia em que o esforço introduz uma modificação.

Não nos compete tomar posição no debate. Também a questão que nos preocupa não
é saber se a sensação do esforço vem do centro ou da periferia, mas em que consiste
exatamente a nossa percepção da sua intensidade. Ora, basta fazer uma observação atenta
sobre nós próprios para, sobre o último ponto, chegarmos a uma conclusão que James
não formulou, mas que nos parece em total conformidade com o espírito da sua doutrina.
Asseveramos que, quanto mais um dado esforço nos dá a impressão de crescer, tanto mais
aumenta o número dos músculos que se contraem simpaticamente, e que a consciência
aparente de uma maior intensidade de força sobre um dado ponto do organismo se reduz,
realmente, à percepção de uma maior superfície do corpo interessada na operação.

Experimentai, por exemplo, fechar o punho cada vez mais. Parecer‑vos‑á que a sensação
de esforço, completamente localizada na vossa mão, passa sucessivamente por grandezas
crescentes. Na realidade, a mão experimenta sempre a mesma coisa. Só a sensação que aí estava
localizada se estende primeiramente ao braço e sobe até o ombro; o outro braço estica‑se, as
81
Unidade II

duas pernas fazem o mesmo, a respiração para; é o corpo inteiro que fica invadido. Mas só
caireis claramente na conta desses movimentos concomitantes se para tal vos chamarem a
atenção; até então, julgáveis tratar‑se de um estado de consciência único, que mudava de
grandeza. Quando fechais cada vez mais os lábios um contra o outro, julgais experimentar
nesse sítio uma idêntica sensação cada vez mais forte: também aqui vos apercebereis, ao
refletir mais nisso, que essa sensação permanece idêntica, mas que certos músculos da cara e da
cabeça, em seguida, de todo o corpo, tomaram parte na operação. Sentistes a invasão gradual,
o aumento de superfície, que é de fato uma mudança de quantidade; mas como pensais
sobretudo nos lábios fechados, localizastes o aumento nesse sítio, e fizestes da força psíquica
que aí se despendia uma grandeza, embora não fosse extensa. Examinai cuidadosamente uma
pessoa que levanta pesos cada vez mais pesados: a contração muscular apodera‑se, pouco a
pouco, por completo do seu corpo. Quanto à sensação mais particular que experimenta no
braço que trabalha, permanece constante durante muito tempo, e só muda de qualidade,
transformando‑se o peso, em determinada altura, em fadiga, e a fadiga em dor. Contudo,
o sujeito imaginará ter consciência de um aumento contínuo da força psíquica que aflui
ao braço. Só reconhecerá o seu erro se lhe chamarmos a atenção, de tal maneira é levado a
medir determinado estado psicológico pelos movimentos conscientes que o acompanham!
Desses fatos e de muitos outros do mesmo gênero, depreender‑se‑á, cremos nós, a seguinte
conclusão: a nossa consciência de um crescimento de esforço muscular reduz‑se à dupla
percepção de um maior número de sensações periféricas e de uma mudança qualitativa
ocorrida em algumas delas.

Eis‑nos, pois, levados a definir a intensidade de um esforço superficial como o de um


sentimento profundo da alma. Em ambos os casos, há progresso qualitativo e complexidade
crescente, confusamente percepcionada. Mas a consciência habituada a pensar no espaço e
a dizer a si própria o que pensa designará o sentimento com uma única palavra e localizará
o esforço no ponto preciso em que proporciona um resultado mais útil: perceberá então
um esforço, sempre semelhante a ele mesmo, que cresce no local que lhe foi assinalado,
e um sentimento que, não mudando de nome, aumenta sem mudar de natureza. É natural
que reencontremos essa ilusão da consciência nos estados intermédios entre os esforços
superficiais e os sentimentos profundos. Muitos dos estados psicológicos são, com efeito,
acompanhados de contrações musculares e de sensações periféricas. Esses elementos
superficiais coordenam‑se entre si ora por uma ideia puramente especulativa, ora por uma
representação de ordem prática. No primeiro caso, há um esforço intelectual ou atenção;
no segundo, produzem‑se emoções que se podem chamar violentas ou agudas, a cólera,
o medo e certas variedades da alegria, da dor, da paixão e do desejo. Mostremos rapidamente
como a mesma definição de intensidade convém a esses estados intermédios.

A atenção não é um fenômeno puramente fisiológico; mas não se pode negar que é
acompanhada de movimentos. Tais movimentos não são nem a causa nem o resultado do
fenômeno; fazem parte dele, exprimem‑no em extensão, como brilhantemente demonstrou
Ribot. Já Fechner reduziu o sentimento do esforço de atenção, num órgão dos sentidos,
ao sentimento muscular produzido ao pôr em andamento, por uma espécie de ação reflexa,
os músculos relacionados com os diferentes órgãos sensoriais. Chamou a atenção para a
82
FILOSOFIA INTEGRADA

sensação muito distinta de tensão e de contração da pele da testa, essa pressão de fora para
dentro em todo o crânio, que experimentamos quando fazemos um grande esforço para nos
lembrar de qualquer coisa. Ribot estudou mais atentamente os movimentos característicos
da atenção voluntária. Ele diz:

A atenção contrai o frontal: esse músculo […] puxa pelo sobrolho,


eleva‑o e deixa traços transversais na testa […]. Em casos
extremos, a boca abre‑se amplamente. Nas crianças e em muitos
adultos, a atenção viva produz uma protrusão dos lábios, uma
espécie de beicinho.

Entrará sem dúvida sempre na atenção voluntária um fator puramente psíquico, quando
este não for mais que a exclusão, pela vontade, de todas as ideias estranhas àquela de que
nos desejamos ocupar. Mas, uma vez feita essa exclusão, julgamos ainda ter consciência
de uma tensão crescente da alma, de um esforço imaterial que aumenta. Analisai essa
impressão e nada aí encontrareis senão o sentimento de uma contração muscular que
ganha em superfície ou muda de natureza, tornando‑se a tensão pressão, fadiga, dor.

Ora, não vemos diferença essencial entre o esforço de atenção e o que se poderia
chamar de tensão da alma, desejo agudo, cólera desencadeada, amor apaixonado, ódio
violento. Cada um desses estados reduzir‑se‑ia, julgamos nós, a um sistema de contrações
musculares coordenadas por uma ideia: na atenção, é a ideia mais ou menos refletida de
conhecer; na emoção, a ideia irrefletida de agir. A intensidade dessas emoções violentas não
deve, pois, ser outra coisa senão a tensão muscular que as acompanha. Darwin descreveu
muito bem os sintomas fisiológicos do furor:

As pulsações do coração aceleram‑se: a cara fica vermelha ou adquire


uma palidez cadavérica; a respiração é difícil; o peito distende‑se;
as narinas frementes dilatam‑se. Muitas vezes, treme o corpo inteiro.
A voz altera‑se; os dentes fecham‑se e batem uns nos outros, e o
sistema muscular é geralmente excitado para algum ato violento,
quase frenético… Os gestos representam mais ou menos perfeitamente
o ato de bater ou de lutar contra um inimigo.

Não iremos ao ponto de defender, com William James, que a emoção de furor se reduz à
soma das sensações orgânicas: entrará sempre na cólera um elemento psíquico irredutível,
quanto mais não seja a ideia de bater ou de lutar, de que fala Darwin, ideia que imprime a
tantos movimentos diversos uma direção comum. Mas, se essa ideia determina a direção do
estado emocional e a orientação dos movimentos concomitantes, a intensidade crescente
do próprio estado não é outra coisa, julgamos nós, senão o abalo cada vez mais profundo do
organismo, abalo que a consciência mede sem dificuldade pelo número e pela extensão das
superfícies interessadas. Inútil será alegar que há furores contidos, e tanto mais intensos.
É que, onde a emoção não é contida, a consciência não se detém no pormenor dos
movimentos concomitantes; pelo contrário, aí se detém, concentra‑se neles, quando os visa
83
Unidade II

dissimular. Eliminai finalmente todo vestígio de abalo orgânico, toda veleidade de contração
muscular: da cólera restará apenas uma ideia ou, se teimardes ainda em fazer dela uma
emoção, não podereis atribuir‑lhe intensidade.

“Um terror intenso”, diz Herbert Spencer, “exprime‑se por gritos, esforços por esconder‑se
ou fugir, palpitações ou tremuras.” Vamos mais longe e defendemos que esses movimentos
fazem parte do próprio terror: por eles, o terror torna‑se uma emoção suscetível de passar
por diferentes graus de intensidade. Suprimi‑os completamente, e ao terror mais ou menos
intenso sucederá uma ideia de terror, a representação totalmente intelectual de um perigo
que é necessário evitar. Há também uma acuidade de alegria e de dor, de desejo, de aversão
e até de vergonha, cuja razão de ser se encontra nos movimentos de reação automática
que o organismo inicia e que a consciência percepciona. “O amor”, diz Darwin, “faz bater
o coração, acelerar a respiração, avermelhar o rosto.” A aversão nota‑se por movimentos
de desgosto que se repetem, sem prestar atenção, quando se pensa no objeto detestado.
Ficamos vermelhos, crispamos involuntariamente os dedos quando sentimos vergonha,
ainda que retrospectivamente. A acuidade dessas emoções avalia‑se pela quantidade e pela
natureza das sensações periféricas que as acompanham. Pouco a pouco, e à medida que o
estado emocional perder a sua violência para adquirir profundidade, as sensações periféricas
darão lugar a elementos internos: já não serão os movimentos exteriores, mas as nossas
ideias, recordações, estados de consciência em geral que se orientarão, cada vez em menor
quantidade, para determinada direção. Não há, portanto, uma diferença essencial, do ponto
de vista da intensidade, entre os sentimentos profundos, de que falávamos no início deste
estudo, e as emoções intensas ou violentas, que acabamos de passar em revista. Dizer que o
amor, o ódio, o desejo ganham em violência é exprimir que se projetam para fora, que surgem
à superfície, que os elementos internos são substituídos por sensações periféricas; mas,
superficiais ou profundos, violentos ou refletidos, a intensidade desses sentimentos consiste
sempre na multiplicidade dos estados simples que a consciência aí discrimina confusamente.

Limitamo‑nos até agora aos sentimentos e aos esforços, estados complexos, cuja
intensidade não depende absolutamente de uma causa externa. Mas as sensações
aparecem‑nos como estados simples: em que consistirá a sua grandeza? A intensidade dessas
sensações varia como a causa externa de que passam por ser o equivalente consciente:
como explicar a invasão da quantidade num efeito inextensivo, e desta vez indivisível?
Para responder a essa pergunta, é preciso, primeiro, distinguir entre as sensações ditas
afetivas e as sensações representativas. Sem dúvida, passa‑se gradualmente de umas
a outras; certamente entra um elemento afetivo na maioria das nossas representações
simples. Mas nada impede de o separar, e de investigar separadamente em que consiste a
intensidade de uma sensação afetiva, prazer ou dor.

Talvez a dificuldade desse último problema se prenda sobretudo com o fato de não se
querer ver no estado afetivo outra coisa senão a expressão consciente de um abalo orgânico,
ou a repercussão interna de uma causa externa. Nota‑se que a um maior abalo nervoso
corresponde geralmente uma sensação mais intensa; mas como esses abalos são inconscientes
enquanto movimentos, já que adquirem para a consciência o aspecto de uma sensação que
84
FILOSOFIA INTEGRADA

não se lhes assemelha, não se vê como transmitiriam à sensação algo da sua própria grandeza.
Pois nada há de comum, repetimo‑lo, entre grandezas sobreponíveis, como as amplitudes de
vibração e as sensações que não ocupam espaço. Se a sensação mais intensa nos parece conter
a sensação de menor intensidade, se assume para nós, como o próprio abalo orgânico, a forma
de uma grandeza, é provavelmente porque conserva alguma coisa do abalo físico a que ela
corresponde. E nada conservará se não passar da tradução consciente de um movimento de
moléculas; e precisamente porque esse movimento se traduz em sensação de prazer ou de dor
é que ele permanece inconsciente enquanto movimento molecular.

Mas poder‑se‑ia perguntar se o prazer e a dor, em vez de exprimir apenas o que acaba
de ocorrer ou o que se passa no organismo, como habitualmente se julga, não indicariam
também o que aí se vai produzir, o que tende a passar‑se. Com efeito, parece pouco provável
que a natureza, tão profundamente utilitária, tenha aqui atribuído à consciência a tarefa
totalmente científica de nos informar sobre o passado ou o presente, que já não dependem
de nós. Além disso, há que salientar que se sobe por graus insensíveis dos movimentos
automáticos aos movimentos livres, e que esses últimos diferem sobretudo dos precedentes
por nos apresentarem, entre a ação exterior que os ocasiona e a reação desejada que se
segue, uma sensação afetiva intercalada. Poder‑se‑ia até imaginar que todas as nossas
ações fossem automáticas, e conhece‑se aliás uma infinita variedade de seres organizados
em que uma excitação exterior gera uma reação determinada sem passar por intermédio
da consciência. Se o prazer e a dor se produzem entre alguns privilegiados é provavelmente
para autorizar, por sua vez, uma resistência à reação automática que se produziria; ou a
sensação não tem razão de ser, ou é um começo de liberdade. Mas como nos permitiria
ela resistir à reação que se prepara se não nos fizesse conhecer a sua natureza por algum
sinal preciso? E que sinal pode ser esse senão o esboço e como que pré‑formação dos
movimentos automáticos futuros no próprio seio da sensação experimentada? O estado
afetivo não deve, pois, corresponder apenas aos abalos, movimentos ou fenômenos físicos
que já passaram, mas ainda e sobretudo aos que se preparam, aos que quereriam ser.

Primeiramente, não se vê como é que essa hipótese simplifica o problema. É que procuramos o que
pode haver de comum entre um fenômeno físico e um estado de consciência sob o ponto de vista da
grandeza, e parece que nos limitamos a retomar a dificuldade ao fazermos do estado de consciência
presenteumíndicedareaçãoaacontecer,emvezdeumatraduçãofísicadaexcitaçãoocorrida.Contudo,
é considerável a diferença entre as duas hipóteses. E, porque os abalos moleculares de que acabamos
de falar eram necessariamente inconscientes, nada desses movimentos poderia subsistir na sensação
que os traduzia. Mas os movimentos automáticos que tendem a seguir‑se à excitação experimentada,
e que constituiriam o seu prolongamento natural, são provavelmente conscientes enquanto
movimentos; ou, então, a própria sensação, cujo papel é convidar‑nos a uma escolha entre essa
reação automática e outros movimentos possíveis, não teria nenhuma razão de ser. A intensidade das
sensações afetivas seria, pois, apenas a consciência que adquirimos dos movimentos involuntários
que começam, que de alguma maneira se esboçam, nesses estados e que teriam seguido o seu curso
normal se a natureza nos tivesse transformado em autômatos, e não em seres conscientes. Se esse
raciocínio tiver fundamento, não se deverá comparar uma dor de intensidade crescente a uma nota
da escala que se tornaria cada vez mais sonora, mas antes a uma sinfonia, em que se faria ouvir um
85
Unidade II

número crescente de instrumentos. No interior da sensação característica, que dá o tom às restantes,


a consciência discriminará uma multiplicidade mais ou menos considerável de sensações que
emanam dos diferentes pontos da periferia, contrações musculares, movimentos orgânicos de toda
espécie; o acordo desses estados psíquicos elementares exprime as novas exigências do organismo
perante a nova situação que se lhe fez. Por outras palavras, avaliamos a intensidade de uma dor
pelo interesse que uma parte maior ou menor do organismo nela quis pôr. Richet observou que
uma indisposição se relaciona com um sítio tanto mais preciso quanto mais fraca for a dor; se se
torna mais intensa, refere‑se o todo o membro doente. Conclui afirmando que “a dor se espalha
tanto mais quanto mais intensa for”. Julgamos que devemos nos debruçar sobre essa proposição
e definir precisamente a intensidade da dor pelo número e pela extensão das partes do corpo
que simpatizam com ela e reagem, com total conhecimento da consciência. Bastará, para disso se
convencer, ler a notável descrição que o mesmo autor fez do desgosto:

Se a excitação é fraca, pode não haver nem náusea nem vômitos.


[…] Se a excitação é mais forte, em vez de se limitar ao pneumogástrico,
espalha‑se e atinge quase todo o sistema da vida orgânica. O rosto torna‑se
pálido, os músculos lisos da pele contraem‑se, a pele cobre‑se de um suor
frio, o coração suspende as pulsações: numa palavra, há uma perturbação
orgânica geral, consecutiva à excitação da medula alongada, e essa
perturbação é a expressão suprema do desgosto.

Mas não será apenas a sua expressão? Em que consiste, portanto, a sensação geral
de desgosto senão na soma dessas sensações elementares? E que é que podemos aqui
entender por intensidade crescente senão a quantidade sempre crescente de sensações que
vêm juntar‑se às sensações já percepcionadas? Darwin traçou um quadro impressionante
das reações consecutivas a uma dor cada vez mais intensa:

Leva o animal a executar esforços cada vez mais violentos e variados


para escapar à causa que a produz. […] No sofrimento intenso, a boca
contrai‑se fortemente, os lábios crispam‑se, os dentes apertam‑se.
Ora os olhos se abrem enormes, ora os sobrolhos se contraem
fortemente; o corpo fica banhado em suor; a circulação e a respiração
modificam‑se.

Não é precisamente por essa contração dos músculos interessados que medimos a
intensidade de uma dor? Analisai a ideia que fazeis de um sofrimento que declarais extremo:
não compreendeis assim que ele é insuportável, isto é, que incita o organismo a variadíssimas
ações para lhe escapar? Pensa‑se que um nervo transmite uma dor independente de qualquer
reação automática; concebe‑se também que excitações mais ou menos fortes influenciam
diversamente esse nervo. Mas as diferenças de sensação nunca seriam interpretadas pela
vossa consciência como diferenças de quantidade se com elas não relacionásseis as reações
mais ou menos extensas, mais ou menos graves, que habitualmente as acompanham.
Sem essas reações consecutivas, a intensidade da dor seria uma qualidade, e não uma grande dor.

86
FILOSOFIA INTEGRADA

Também não temos outro meio para comparar entre si vários prazeres. Que é um prazer
maior senão um prazer preferido? E que pode ser a nossa preferência senão determinada
disposição dos nossos órgãos, que, na presença simultânea de dois prazeres ao nosso
espírito, faz que o nosso corpo se incline para um deles? Analisai essa mesma inclinação e
aí encontrareis incontáveis movimentos que começam, se esboçam nos órgãos interessados
e até no resto do corpo, como se o organismo se adiantasse ao prazer representado.
Quando se define a inclinação como um movimento, não se trata de uma metáfora. Perante
vários prazeres concebidos pela inteligência, o nosso corpo orienta‑se para um deles
espontaneamente, como por uma ação reflexa. Depende de nós suspendê‑lo, mas o atrativo
do prazer não é mais do que esse movimento iniciado, e a acuidade do prazer, enquanto
se desfruta, é apenas a inércia do organismo que aí se abisma, recusando qualquer outra
sensação. Sem essa força de inércia, de que tomamos consciência pela resistência que
oferecemos a quanto possa distrair‑nos, o prazer seria ainda um estado, mas não uma
grandeza. No mundo moral, como no mundo físico, a atração serve mais para explicar o
movimento do que para o produzir.

Fonte: Bergson (1988, p. 11‑34).

7.2 Natureza qualitativa dos estados psicológicos

No segundo capítulo do Ensaio, Bergson chega à ideia de duração a partir da multiplicidade dos estados
de consciência. A consciência psicológica é constituída por uma multiplicidade qualitativa de estados que
se sucedem, interpenetrando‑se em contínua mudança.

A multiplicidade qualitativa dos estados psíquicos é subjetiva e interior e refere‑se aos fatos da
consciência. Ela não deve ser confundida com a multiplicidade quantitativa, que é objetiva, exterior e
refere‑se aos objetos extensos.

Vale notar que, para Bergson, consciência não é a consciência intencional da fenomenologia,
ou seja, consciência de alguma coisa, consciência que visa ao objeto. “Consciência é o traço de união
entre o que foi e o que será, uma ponte entre o passado e o futuro” (BERGSON, 1988, p. 71). Assim,
consciência é a memória do passado e a antecipação do futuro iminente, unidas numa continuidade
incorruptível garantida pela duração, que é a essência da consciência.

Consciência é o próprio movimento de sucessão de seus estados, em interpenetração recíproca.


Bergson denomina essa continuidade de movimentos de duração pura. Quanto a sua origem,
a consciência psicológica é o resultado da evolução da vida e do esforço do elã vital em introduzir na
matéria uma corrente de consciência que fizesse surgir a vida.

Em A Evolução Criadora, Bergson descreve o movimento de evolução da vida, desde seu impulso original,
o elã vital, até o surgimento do ser humano e da consciência psicológica. Esta ainda é atravessada pela
energia do elã vital, o que lhe garante as mesmas qualidades do movimento que a criou, sendo ela também,
desse modo, criadora (artística e eticamente), una em seu movimento contínuo e múltipla em virtualidades.

87
Unidade II

Voltemos agora às multiplicidades. Bergson chega à definição de multiplicidade quantitativa a partir


de uma exaustiva análise da ideia de número, que se constrói da seguinte forma. Primeiro, as unidades a
serem contadas devem ser consideradas idênticas entre si, distintas somente pelo lugar que ocupam no
espaço. Para isso, devem ser retiradas todas as suas qualidades, restando somente a extensão. Depois, para
formar um número, esses objetos extensos e idênticos devem ser separados uns dos outros e justapostos
num meio vazio e homogêneo – o espaço. Obtém‑se, assim, o número, uma coleção de unidades idênticas.

Aqui, porém, faz‑se necessária a intervenção do espírito: para formar uma multiplicidade numérica,
é preciso acrescentar novas unidades às já existentes, que se unificarão por meio da soma. Tal síntese
das unidades pela soma é um ato do espírito, que possibilita ao número tornar‑se uno e, portanto,
indivisível. Todavia, essa indivisibilidade é provisória, porque a matéria com a qual o espírito constrói o
número é o espaço, e o espaço é sempre divisível.

O processo pelo qual se forma uma multiplicidade numérica dá‑se pela soma de unidades justapostas
no espaço e, por isso, percebidas simultaneamente. É a simultaneidade que destaca o caráter espacial,
e não temporal, do número. Isso porque, para que possamos contar os objetos extensos, é necessário
conservá‑los e representá‑los simultaneamente, o que seria impossível de ocorrer no tempo, pois um
instante não pode ser conservado para ser acrescentado a outro. Logo, a multiplicidade numérica só
pode ocorrer no espaço.

A ideia de espaço é aqui essencial, é a própria matéria com que o espírito constrói o número, que
se torna assim expressão do espaço. O objetivo de Bergson é enfatizar que todo número é espacial na
origem, para então demonstrar a identidade da multiplicidade numérica com o espaço e sua consequente
inadequação para definir os estados psicológicos, que são de natureza temporal e qualitativa.

A multiplicidade numérica é adequada para os objetos exteriores, mas inadequada para a realidade
interior. O erro do senso comum, elevado ao grau de ciência pela psicofisiologia, é tentar aplicar o
princípio da multiplicidade numérica aos estados internos.

O senso comum perguntaria: se os estados se sucedem na consciência, por que não podemos
contá‑los? Não é possível dizer que agora estamos tristes, depois indiferentes, a seguir esperançosos
e por fim radiantes de alegria? Basta contar: foram quatro estados diferentes que se sucederam.
Raciocinam assim porque estão habituados a pensar os fatos psíquicos à semelhança das coisas extensas,
que formam uma multiplicidade numérica. Os estados da alma, porém, não estão no espaço, não
têm extensão, e portanto não podem ser justapostos nem percebidos simultaneamente. Para estados
internos, é necessário que exista uma multiplicidade qualitativa.

Segundo Deleuze (1989, p. 29), Bergson formula a noção de multiplicidade qualitativa não somente
por oposição à multiplicidade numérica, mas a partir da distinção entre sujeito e objeto. O objeto pode
ser dividido infinitas vezes sem se desnaturar, ou seja, mudando apenas de grandeza, não de natureza.
Porque segue o modelo do número, que se divide sem mudar de natureza, o objeto será chamado de
multiplicidade numérica. Mesmo que essas divisões não cheguem a se realizar, sendo simplesmente
pensadas como possíveis, o aspecto total do objeto não muda, pois só o seu grau varia.

88
FILOSOFIA INTEGRADA

Por outro lado, podemos considerar um tipo de divisão – metafórica, e não espacial – da duração
psicológica no sujeito. A vida psíquica, apesar de contínua, é múltipla em seus aspectos. Portanto,
de certa forma, divide‑se para formar uma multiplicidade. No entanto, essa divisão é muito especial,
porque a duração, ao dividir‑se, muda de natureza; se não mudasse, permaneceria homogênea e seria
uma multiplicidade numérica.

A verdadeira duração é heterogênea, e a cada divisão podemos pensá‑la como indivisível.


Nessa divisão, que na realidade é uma mudança essencial, surge o outro, sem que com isso venham a
existir muitos no sentido numérico, porque os “muitos” estados fundem‑se num só, e cada novo estado
de consciência toma conta da alma inteira, resultando num mesmo e único estado que dura. Assim,
a multiplicidade qualitativa consegue conciliar características aparentemente divergentes da duração
psicológica: a heterogeneidade e a continuidade.

Ao elaborar a noção de multiplicidade qualitativa, Bergson (1988) respeitou a verdadeira natureza


dos estados internos. Os estados psicológicos são qualidade pura, não têm nada a ver com quantidade.
É exatamente essa natureza qualitativa que os impede de formar uma multiplicidade numérica.

Só é possível empregar termos que designam quantidade quando nos referimos a coisas que ocupam
um lugar no espaço, que podem justapor‑se a fim de ser comparadas e medidas. Essa comparação entre
coisas semelhantes é o que permite sua quantificação. Contudo, não faz sentido buscar uma relação
numérica entre qualidades, porque elas nunca são idênticas.

Um estado interno, sendo qualitativo, nunca é igual a outro. Logo, não pode ser sobreposto e
comparado, em busca de semelhanças quantitativas e graus de diferenciação, com o intuito de construir
uma multiplicidade numérica. Esse procedimento se mostra inteiramente inadequado para representar
a realidade interior.

Para evitar tais confusões, devemos distinguir os dois tipos de multiplicidade. Quando o meio é o espaço,
temos uma multiplicidade quantitativa; quando o meio é o tempo, temos uma multiplicidade qualitativa.

Bergson (1988, p. 95) resume essa distinção assim:

Considerados em si mesmos, os estados profundos da consciência não têm


nenhuma relação com a quantidade, são qualidade pura; misturam‑se de tal
maneira que não se pode dizer se são um ou vários, nem sequer examiná‑los
sob esse ponto de vista sem logo os desnaturar. A duração que assim criam é
uma duração cujos momentos não constituem uma multiplicidade numérica.

Trata‑se de uma multiplicidade de qualidades, porque os fatos da consciência são qualidade pura,
penetram‑se reciprocamente quando percebidos de forma imediata. Todavia, quando representados
simbolicamente no espaço, tornam‑se unidades homogêneas e exteriores umas às outras, que ocupam
lugar no espaço; tornam‑se rígidas e impenetráveis, e formam uma multiplicidade distinta semelhante
ao número. Somente sob esta condição é que imaginamos contá‑los: quando os projetamos no espaço.

89
Unidade II

Este foi o engano de uma psicologia não atenta à constituição qualitativa dos estados psicológicos:
não perceber que existem dois tipos distintos de multiplicidade, um qualitativo e outro quantitativo.

Em síntese, a multiplicidade quantitativa tem por condição o espaço; é nítida, precisa; sua função
é separar e distinguir a realidade sempre indistinta e fluida, dando‑lhe limites e definindo‑a na
exterioridade. Essa multiplicidade diz respeito aos objetos externos, extensos e materiais, que podemos
ver e tocar porque estão no espaço. Tais objetos, por serem exteriores uns aos outros, estão justapostos
de maneira definida e ordenada, formando um conjunto semelhante ao número.

A multiplicidade qualitativa, por sua vez, é interna, sucessiva; só aparece na pura duração, porque
é uma multiplicidade temporal, e não espacial; é própria dos estados internos da consciência, que se
sucedem fundindo‑se e, a cada nova fusão, mudando por completo de natureza. Portanto, na duração
interna, tudo se modifica o tempo todo, pois o progresso dos estados psicológicos é dinâmico. Se algo
se solidifica é porque nos deixamos representar, ilusoriamente, a nós mesmos como se existíssemos num
tempo homogêneo e espacial.

Para definir melhor a natureza temporal da vida psíquica, Bergson (1988, p. 159) distingue dois eus no
psiquismo: “Haveria, pois, dois eus diferentes, sendo um como que a projeção do outro, a sua representação
espacial, por assim dizer social”; este seria um eu superficial. Na duração de nossa vida interior, existiria
também um eu profundo, que experimentamos por meio de “nossos estados internos como seres vivos,
incessantemente em vias de formação, como estados refratários à medida que se penetram reciprocamente
e cuja sucessão na duração nada tem de comum com uma justaposição no espaço homogêneo”.

São dois momentos na totalidade da vida psíquica, que nem por isso perde sua unidade. Este aspecto
do eu total, que aparentemente não dura porque adere à realidade exterior, o eu superficial, é apenas
a crosta rígida da psique, que encobre o verdadeiro eu. Se escavarmos por baixo dessa superfície de
contato com as coisas exteriores, penetraremos nas profundezas da consciência e chegaremos ao eu
profundo, que vive na pura duração:

É, por sob estes cristais bem recortados e este congelamento superficial,


uma continuidade que se escoa de maneira diferente de tudo o que já vi
escoar‑se. É uma sucessão de estados em que cada um anuncia aquele que
o segue e contém o que o precedeu (BERGSON, 1984, p. 16).

Bergson esclarece ainda o processo pelo qual o eu profundo se superficializa:

Pouco a pouco, esses estados [profundos] transformam‑se em objetos ou em


coisas; não se separam apenas um do outro, mas também de nós. Então só os
percepcionamos no meio homogêneo em que condensamos a sua imagem e
através da palavra, que lhes empresta a sua banal coloração. Assim se forma um
segundo eu, que esconde o primeiro, num eu cuja existência tem momentos
distintos, cujos estados se separam um dos outros e se exprimem sem dificuldade,
por meio de palavras (BERGSON, 1988, p. 96).

90
FILOSOFIA INTEGRADA

O eu profundo sofre a influência do eu superficial, que caminha até as profundezas da consciência,


dominando nossos sentimentos, sensações e ideias, os quais então se desprendem uns dos outros e
se justapõem numa duração homogênea. Isso ocorre na maior parte do tempo em que vivemos
exteriormente a nós mesmos.

Por um esforço da inteligência e movidos pela necessidade de sobrevivência, representamo‑nos


existindo mais no tempo espacializado do que no tempo real, que dura. Isso torna difícil uma existência
verdadeiramente livre, vivida pelo eu profundo.

Lembrete

Bergson afirma que há duas maneiras profundamente diferentes de


conhecer: a inteligência, que implica rodear a coisa, e a intuição, que
implica entrar nela.

A inteligência, como conhecimento exterior, é a maneira de conhecer que objetiva nossa ação no mundo exterior.
De acordo com Bergson, ela é sempre operacional. O eu que está em contato com o mundo, que pode relacionar‑se
socialmente e manipular os objetos exteriores é o eu superficial, e a inteligência é seu modo próprio de conhecer.

Em suma, numa direção da vida psíquica, encontra‑se o eu superficial, que toca o mundo exterior pela
superfície, que está em contato direto com as causas externas das sensações, conservando delas algo de
sua exterioridade, e que, ao olhar para si, divide a vida psíquica em partes distintas, à imagem das coisas
exteriores com as quais se relaciona. Esse eu rígido, cujos estados são bem definidos, presta‑se muito melhor
às exigências da vida social e prática, pois tem o formato das coisas distintas e definidas com as quais precisa
lidar para sobreviver.

Em outra direção da vida psíquica, encontra‑se o eu profundo, que se move livremente, longe da
estabilidade e da imobilidade da exterioridade material. Nele estão os sentimentos mais íntimos, as paixões
mais profundas, os pensamentos mais próprios, a vontade mais livre, porque nele os estados mais profundos
duram sem a influência estabilizadora do exterior. Nele as sensações, as percepções e as emoções se organizam
de forma autêntica, viva e original.

Acerca da duração psicológica, podemos concluir dizendo que os estados internos da consciência vivem na pura
duração; são indistintos e contínuos, porque se interpenetram; são qualidades puras, intensivas, heterogêneas e em
constante mudança. Com isso, permitem que sejamos, essencialmente,a mudança contínua de e em nós mesmos.

Lembrete

O primeiro livro de Henri Bergson, Ensaio sobre os Dados Imediatos da


Consciência, trata da relação entre psicologia e filosofia. Mostra como os
estados psicológicos, sendo qualitativos, estão integrados uns aos outros.

91
Unidade II

7.3 Crítica ao determinismo psicológico

No terceiro e último capítulo do Ensaio, Bergson trata do problema da liberdade, comum à metafísica
e à psicologia. Grande parte do esforço do autor dirige‑se a refutar o determinismo. Como a obra se
detém numa ciência particular, a psicologia, o determinismo aqui combatido é o psicológico.

A essência da vida interior é temporal, mas não foi assim que, em geral, a psicologia do tempo do
autor a entendeu. Marcada pelo determinismo psicofísico, acabou por não reconhecer a verdadeira
natureza psíquica, confundindo‑a com o físico, entendendo‑a como de natureza espacial. Apresentamos,
a seguir, os principais argumentos do determinismo psicológico e a crítica de Bergson a cada um deles.

Primeiro: o determinismo psicológico afirma existir um paralelismo entre o psíquico e o cerebral; procura
provar que, para cada estado cerebral, há um estado psicológico determinado por ele. Nossos sentimentos,
sensações e ideias seriam, desse modo, resultantes mecânicas do movimento dos átomos cerebrais, tornando‑se
previsíveis. Por trás da tese paralelista, encontramos a mesma assimilação do tempo ao espaço, ideia rejeitada
por Bergson e que serve de fundamentação filosófica geral para a ciência determinista.

A tese paralelista confunde corpo e alma, matéria e espírito, e não admite que a consciência não depende
do cérebro para existir. Em Matéria e Memória, trabalho posterior ao Ensaio, essa tese é detalhadamente
analisada e refutada por meio da demonstração de que a vida psíquica é independente do sistema corporal.

Segundo: o determinismo baseia‑se na lei de conservação de energia, a qual sustenta que a quantidade
total de energia e de matéria de um sistema permanece sempre constante, independentemente do
tempo e das transformações. Por conseguinte, assegura a determinação, a previsão e a reversibilidade
não somente dos fenômenos físicos, mas de todos os fenômenos, já que se pretende universal.

Todavia, quanto se trata de fenômenos psíquicos, surgem dificuldades. Isso porque é impossível
aplicar essas ideias ao domínio da vida e da consciência, pois nele o passado acumula‑se, e o tempo,
que sempre avança, é um ganho para o ser vivo e consciente. Quando falamos de vida e consciência,
estamos falando de criação, de invenção, ou seja, estamos falando de aumento de energia.

Uma vez que se desenrolam na pura duração criadora, a vida e a consciência escapam à lei de conservação
de energia, que portanto não é universal como se pretendia. O determinismo psicológico comete o erro de
tentar aplicar essa lei aos fatos psicológicos porque esquece que a vida psíquica é criação, porque identifica
a duração vivida e real com o sistema conservador do espaço no mundo exterior, cuja matéria inerte está
sempre num presente eterno e cujo tempo não representa nem acréscimo nem perda.

Terceiro: o determinismo psicológico aplica a lei de causalidade à vida psíquica, isto é, os estados
psicológicos são tratados pelo sistema de causa e efeito. Para o psicólogo determinista, todo ato é
determinado pelo estado psíquico antecedente porque se submete à lei de causalidade, como todos os
fenômenos da natureza.

No entanto, se pensarmos os fatos psíquicos em sua pura duração, veremos que a lei de causalidade
física não se aplica a eles. Os fatos psicológicos profundos são radicalmente heterogêneos e únicos, pois
92
FILOSOFIA INTEGRADA

constituem momentos diferentes na história da vida psíquica. Assim, determinada causa interna nunca
pode se apresentar duas vezes na consciência, porque não podem existir duas causas iguais.

A refutação bergsoniana do princípio de causalidade determinista mostra que não se trata apenas
da impossibilidade de uma mesma causa não produzir os mesmos efeitos, mas, sendo cada causa única
e não havendo repetição, de nem sequer poder existir a mesma causa.

Se existe uma relação de causa entre os fatos internos, ela não tem nada a ver com o que os físicos
chamam de causalidade na natureza. Ao contrário: sua essência seria de ordem psicológica. Segundo
Bergson (1988, p. 139), “para o físico, a mesma causa produz sempre o mesmo efeito; para o psicólogo […]
uma causa interna profunda produz o seu efeito uma vez, e nunca mais o produzirá”. Isso porque o eu dura
e muda a todo instante. Cada estado psicológico é único, cada causa é única e produz um único efeito,
e nunca mais se apresentará de novo. Somente no sentido de causa única podemos dizer que existe uma
causalidade psicológica.

É necessário, então, distinguir duas concepções diferentes de causalidade, uma física e outra
psicológica; é necessário separar a causalidade externa, puramente matemática, da causalidade interna,
baseada na ideia de uma força psíquica da qual emana o ato livre. Bergson (1988, p. 150) afirma:

A relação de causalidade interna é puramente dinâmica e não tem nenhuma


analogia com a relação de dois fenômenos exteriores que se condicionam.
É que estes, sendo suscetíveis de se reproduzir no espaço homogêneo,
entrarão na composição de uma lei, ao passo que os fatos psíquicos
profundos se apresentam à consciência uma vez, e nunca mais voltarão.

O autor realiza uma análise detalhada do problema, identificando algumas noções de causalidade.

A primeira é a causalidade entendida como determinação necessária. Nela, o futuro está totalmente
dado no presente, na forma de uma preexistência matemática. Esta é a causalidade da física, e segundo
ela as coisas não duram como nós. Há aqui uma concepção de realidade que exclui os estados da
consciência e na qual os fenômenos físicos são determinados exatamente porque não duram como nós.
Essa concepção propõe que a liberdade está no eu, que dura, e a necessidade na natureza, que não dura.

A segunda noção de causalidade inclui o conceito de possibilidade, ou seja, uma causa teria vários
efeitos possíveis. Aqui está presente a ideia de força, e essa causalidade pode ser vista como uma
causalidade dinâmica. Nela, o futuro só existe no presente na forma de ideia e é preciso esforço para
realizar‑se. As coisas durariam como nós, e assim haveria uma mesma duração tanto para os fatos
físicos quanto para os psicológicos. A liberdade se estenderia aos fenômenos da natureza por meio
da contingência.

Bergson não retira da vida interior a noção de causa, mas entende que essa noção não tem nada a
ver com a causalidade mecanicista, para a qual não se pode encontrar no efeito nada além do que já
existia na causa.

93
Unidade II

O autor diz que a causa psicológica deve ser entendida como a ligação de um estado psíquico
a outro, que o engendrou, e que no “efeito” pode‑se encontrar muito mais do que havia na causa.
Com isso, introduz na noção de causalidade psicológica uma espécie de causalidade criadora, livre,
imprevisível, muito distinta da ideia determinista de causalidade física.

Para evitar confusão com o sentido mecanicista e tradicional do termo causa, melhor seria falar de
motivação. Desse modo, um estado psíquico teria um motivo, algo que o moveu, mas não o determinou;
um motivo único, que só pode ser conhecido por um olhar retrospectivo, pois não é possível prever o
estado posterior de certo motivo, uma vez que pode intervir aí a criação, a partir da qual novos estados
imprevisíveis podem surgir.

Sustentando o determinismo psicológico, há uma concepção associacionista do espírito.


Para o determinismo psicológico, a vida psíquica é considerada uma associação de estados psicológicos
separados uns dos outros, na qual se introduz a ideia de causalidade, o que o leva a afirmar como
absoluta a determinação dos fatos da consciência uns pelos outros.

A concepção associacionista procede dessa maneira por sua visão distorcida da realidade psicológica
e da duração. Ela entende o eu como uma justaposição de estados da consciência ocorrendo numa
duração homogênea; como um agregado de estados psíquicos cujos conflitos só se resolveriam
com a vitória do estado mais forte. Não percebe, porém, que o eu, ao hesitar entre dois sentimentos
aparentemente contrários, vai de um ao outro e os modifica a todo instante, porque estão intimamente
ligados, reforçando‑se mutuamente, levando o eu ao ato livre por uma evolução natural.

Portanto, em sua realidade essencial (a duração pura), os estados psíquicos não estão separados;
pelo contrário, estão intimamente interligados e organizados de forma livre. É exatamente essa
organização dinâmica e livre dos estados da consciência que impede a determinação psicológica
defendida pelos associacionistas.

Bergson refuta o determinismo psicológico derrubando seus principais pilares: o paralelismo psíquico,
a lei de conservação de energia, a lei de causalidade aplicada à vida interior e a visão associacionista do
espírito. Mostra que a vida psíquica é criação livre e imprevisível de novos estados, os quais se sucedem
no ritmo próprio da duração interna, que constitui sua essência.

O determinismo psicológico serviu de fundamento à psicofísica, que confundia o tempo vivido pelo eu
em sua interioridade qualitativa – a duração psicológica – com o espaço exterior, em que as coisas materiais
se justapõem numa multiplicidade quantitativa. A psicofísica tentava mensurar os estados psicológicos por
meio de uma suposta grandeza, não percebendo que, quando se trata de estados interiores, só se pode
falar, com propriedade, de uma intensidade pura e qualitativa.

Assim, tanto a psicofísica quanto seu fundamento, o determinismo psicológico, não distinguiram a
realidade espacial – extensiva e quantitativa das coisas exteriores – da realidade temporal – intensiva,
interna e qualitativa dos estados psicológicos.

94
FILOSOFIA INTEGRADA

Observação

A filosofia de Bergson se aproxima da psicanálise e se afasta da


psicofísica de sua época.

8 TEMPO E ESPAÇO

8.1 Confusão entre tempo e espaço

A não percepção de que os estados psicológicos e toda a vida psíquica são de natureza temporal,
e não espacial, faz surgir a representação de um eu superficial e de uma multiplicidade quantitativa dos
estados da consciência, porque se concebe a vida psíquica existindo no espaço, num tempo espacial.

Os pressupostos do determinismo psicológico, na condição de ciência, foram levantados sobre


uma base filosófica comum, cuja ideia central é o conceito de tempo homogêneo ou tempo espacial.
Esse conceito resulta da aplicação imprópria de noções como quantidade, extensão e espaço à
concepção do tempo psíquico, deformando o tempo‑qualidade vivido pelo eu, transformando‑o no
tempo‑quantidade representado pelo espaço. Tal deformação ocorre porque se confunde a verdadeira
duração da psique com sua representação simbólica, ou seja, substitui‑se o tempo pelo espaço.

O tempo homogêneo pode ser definido como um misto de tempo e espaço. A duração homogênea
não é a verdadeira duração, mas um conceito híbrido, formado por meio da representação espacial, que
introduz seus cortes descontínuos na sucessão interna, heterogênea e contínua da duração psicológica.
Bergson (1988, p. 73) explica como se processa a confusão entre tempo e espaço:

Mas familiarizados com essa última ideia [o espaço], e obsessionados até


por ela, introduzimo‑la sem saber na nossa representação da sucessão pura;
justapomos nossos estados da consciência de maneira a percepcioná‑los
simultaneamente, não já um no outro, mas um ao lado do outro; em resumo,
projetamos o tempo no espaço, exprimimos a duração pela extensão, e a
sucessão toma para nós a forma de uma linha contínua, ou de uma cadeia,
cujas partes se tocam sem se penetrar.

O tempo‑quantidade (ou duração homogênea) é apresentado como um meio homogêneo, em


que os fatos da consciência se alinham e se justapõem formando uma multiplicidade quantitativa,
e em que cada estado separadamente sucede outro. É uma representação que difere absolutamente da
verdadeira duração. Quando definimos o tempo dessa forma, estamos na realidade definindo o espaço,
e a verdadeira duração não tem a menor relação com o espaço.

O tempo homogêneo se origina numa endosmose entre o interno e o externo. A confusão é bilateral.
De um lado, ocorre uma aparente temporalização do espaço, por meio da ilusão de que possa haver uma
sucessão num meio homogêneo – fato impossível, pois qualquer sucessão só acontece no tempo e para

95
Unidade II

a consciência. A ilusão da existência de sucessão num meio homogêneo surge porque inventamos um
espaço invadido pelo tempo, sobre o qual justapomos quantidades, esquecendo‑nos do ato essencial
do espírito, que realiza essa justaposição. De outro lado, ocorre uma espacialização do tempo interno,
invadido pelo modo de ser do que é externo, o que dá origem à duração homogênea.

A duração interna, representada como homogênea, surge exatamente dessa troca entre a exterioridade
e a interioridade. O que possibilita o movimento de endosmose entre o tempo puro e o espaço puro é a
simultaneidade, que segundo Bergson (1988, p. 78) “se poderia definir como a intersecção do tempo e
do espaço”. Se não houvesse simultaneidade entre o externo e o interno, a endosmose seria impossível.

Somente porque um fenômeno exterior ocorre ao mesmo tempo que o percebo no meu interior,
modificando os estados da minha consciência, é que ocorre uma troca entre o espaço exterior e a
duração interior. Portanto, é a simultaneidade que permite a endosmose espaçotemporal, que produz o
tempo homogêneo.

Substituímos o espaço pelo tempo e definimos o tempo interior como um meio vazio e homogêneo,
preenchido por uma sucessão de fatos psicológicos, da mesma maneira que concebemos o espaço
como um meio vazio e homogêneo, preenchido por uma coexistência. Essa homogeneidade pode ser
entendida como uma ausência de qualidade. O tempo homogêneo é um tempo sem qualidade, no qual
os fatos da consciência, com seus contornos definidos e exteriores uns aos outros, se sucederiam.

No entanto, o tempo homogêneo não é o tempo real. Se o tempo fosse homogêneo e sem qualidade,
seria espaço. Se definimos o espaço como homogêneo, tudo o que é homogêneo é espaço, pois seria
contraditória a existência de duas homogeneidades distintas. A confusão entre esses “dois tempos”
ocorre porque, movidos por interesses úteis à ação, espontaneamente substituímos o tempo verdadeiro
da existência e da consciência pela ilusão do tempo da ciência e da vida cotidiana.

Para Bergson, o tempo real, a duração, é uma mudança essencial e contínua; é um tempo que
passa incessantemente, modificando tudo, e que constitui a própria essência da realidade psíquica.
Todavia, não é assim que percebemos a realidade; presos aos hábitos da inteligência, nós a percebemos
como algo estático, passível de ser fragmentado em partes, as quais facilitam nosso agir no mundo.

A consciência, imbuída de representações espaciais, olha para si mesma e não se reconhece


como duração pura; enxerga estados que se sucedem sem se penetrarem; não vê o eu no seu
conjunto inter‑relacionado; esquece o passado num lugar escondido, sem relação com o presente;
torna as sensações e os sentimentos unidades estanques, sem movimento; concebe a imobilidade
como substrato da realidade.

Para evitar esse equívoco, é necessário distinguir o tempo do espaço e pensar a vida psíquica como
essencialmente temporal. Bergson (1988, p. 78) observa:

Há um espaço sem duração, em que fenômenos aparecem e desaparecem


simultaneamente com os nossos estados da consciência. Há uma duração
real, cujos momentos heterogêneos se interpenetram, podendo cada
96
FILOSOFIA INTEGRADA

momento aproximar‑se de um estado do mundo exterior que é dele


contemporâneo e separar outros momentos por efeito dessa aproximação.
Da comparação dessas duas realidades, nasce uma representação simbólica
da duração, tirada do espaço. A duração toma assim a forma ilusória de um
meio homogêneo.

Não podemos reduzir a noção de tempo à de espaço porque são realidades distintas. Logo, é
necessário depurar o misto entre tempo e espaço. Desse procedimento surgirá, de um lado, o puro
espaço e, de outro, a pura duração.

Esclarecer essa confusão é um dos principais objetivos do Ensaio sobre os Dados Imediatos da
Consciência. Trata‑se, pois, de separar duas concepções diferentes de tempo: o tempo espacial, utilizado
pela ciência, e o tempo interior, no qual vive e dura o eu.

Saiba mais

Sobre a atitude intelectual na ciência, leia este artigo:

LOOS, H.; SANT’ANA, R. S. Cognição, afeto e desenvolvimento humano:


a emoção de viver e a razão de existir. Educar em Revista, Curitiba, n. 30,
p. 165‑182, 2007. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=
sci_arttext&pid=S0104‑40602007000200011&lang=pt>. Acesso em:
27 set. 2018.

Para ver nitidamente o verdadeiro tempo, devemos separar duas realidades distintas: um espaço sem
duração, em que só existe o presente absoluto, e uma duração pura, em que encontramos o tempo real,
contínuo e heterogêneo, no qual ocorrem os fenômenos psíquicos.

Observação

Em Duração e Simultaneidade, Bergson analisa a teoria da relatividade


de Einstein.

8.2 Uma nova concepção de tempo

Bergson busca construir uma metafísica que não ignore a realidade de fato. Compreende que o primeiro
acesso a essa realidade é a vida interior, constituída pela psique. Assim, volta‑se para esse acesso privilegiado,
procurando compreender sua natureza, antes de investigar a realidade considerada exterior.

Descobre que a vida interior é de natureza temporal: o tempo, como duração, é a essência da vida psíquica. Em
relação ao tempo, é primeiramente em nós mesmos que encontramos sua realidade mais palpável, sentida e vivida.

97
Unidade II

O movimento interior é o que primeiro nos é dado. Quando dirigimos o olhar, tão habituado a
contemplar a exterioridade, para nossa própria existência interior, percebemos que mudamos. Verificamos
que nossa vida psíquica está em pleno movimento, porque nossos estados de alma mudam constantemente,
substituindo‑se uns aos outros e variando de maneira contínua. A essa mudança constante dos estados de
alma, Bergson chama de duração psicológica.

Se um estado de alma deixasse de variar, a sua duração deixaria de existir


[…] porque um eu que não muda não dura, e um estado psicológico que
permanece idêntico a si próprio, enquanto não é substituído pelo estado
seguinte, igualmente não tem duração (BERGSON, 1971, p. 42 e 44).

Todavia, essa mudança é muito mais essencial do que é possível imaginar à primeira vista. Não somos
nós que mudamos; nós somos a própria mudança. Dessa forma, a duração interior é uma passagem, um
processo de mudança incessante, mas uma mudança essencial, que é a própria substância do eu que
dura. Somos o fluxo incessante de nossos estados de alma, num único e contínuo devir interior.

Para exemplificar o que dissemos até aqui acerca da duração psicológica, e lembrando que as
metáforas nos ajudam a ver melhor aquilo que no espírito é interior e móvel, tomemos o exemplo de
um sentimento em sua duração interior, assim descrito por Bergson (1988, p. 15):

Um desejo obscuro torna‑se pouco a pouco uma paixão profunda. Vereis


que a fraca intensidade desse desejo consistia, primeiro, no fato de vos
parecer isolado e como que estranho a todo o resto da vossa vida interna.
Mas, pouco a pouco, penetrou num maior número de elementos psíquicos,
tingindo‑os, por assim dizer, com a sua própria cor; e eis que o vosso ponto
de vista sobre o conjunto das coisas vos parece agora ter mudado.

Nesse exemplo, aparece um primeiro estado psíquico (um desejo não muito claro), que muda para
um segundo estado (uma paixão profunda). Não ocorre aqui, como ingenuamente se poderia esperar, um
aumento quantitativo do sentimento original (o desejo), que se tornou tão maior que agora poderíamos
chamá‑lo de paixão. Não se trata aqui de um aumento de grandeza do sentimento.

O que ocorre na realidade é uma mudança de natureza, através da intensificação do desejo


primordial, que fica mais complexo e intenso ao adquirir novos elementos; acontece uma mudança
qualitativa, e portanto de natureza, do sentimento original, o que leva ao surgimento da paixão,
como um novo sentimento, qualitativamente diferente do desejo. Por sua vez, a paixão, cada vez mais
forte, vai aos poucos tomando conta da alma inteira e impondo seu movimento à totalidade da vida
psíquica, por meio da continuidade dinâmica dos estados envolvidos. Em consequência, a alma toda
se torna apaixonada.

A razão dessa expansão é o fato de que, na interioridade, tudo é solidário, e por isso uma nova
tendência pode impregnar a alma inteira, tanto as percepções presentes como as recordações passadas,
dando‑lhes um novo tom. Da mesma forma, as percepções e recordações contribuem para tornar mais
complexa e mais intensa a paixão. Bergson (1984, p. 16) diz:
98
FILOSOFIA INTEGRADA

Seria preciso, pois, evocar a imagem de um espectro com mil nuances, com
degradações insensíveis que fazem com que passemos de um tom a outro.
Uma corrente de sentimento, que atravessaria o espectro tingindo‑se, de
cada vez, com cada uma das nuances, experimentaria mudanças graduais,
cada uma anunciando a seguinte e resumindo nela as que precedem.

O novo sentimento modifica inclusive o passado guardado na memória, dando‑lhe um novo


significado. Tudo se renova ao ser visto pelo novo olhar, porque o passado não está separado do presente,
mas se prolonga nele, através da continuidade temporal.

É importante perceber a sucessão e a interpenetração dos estados psicológicos. A nova paixão que
surge é um prolongamento do estado anterior, o desejo. Não se pode definir onde termina um estado e
onde começa o outro, pois os estados envolvidos se fundem, se penetram, sem contornos precisos, sem
estabelecer entre si fronteiras exteriores.

O movimento de fusão é crescente. Tudo na alma se integra num todo, e assim não existem rupturas.
Logo, desejo e paixão não somente se prolongam um no outro como também se fundem com outros
estados da alma, modificando‑os e sendo modificados por eles, o que torna o conjunto mais complexo
e profundo, num progresso constante de mudanças de natureza.

Na sucessão indistinta e contínua dos estados, nossa consciência é temporal por excelência. Nela,
nada há de espaço ou exterioridade. Invertendo o movimento habitual do intelecto, que busca conhecer
a realidade exterior, alcançamos o tempo real durando no eu profundo de nosso psiquismo. Com isso,
temos acesso imediato à duração, que nos constitui e é a própria essência de nossa vida interior.

Essas são as inovadoras teses acerca do tempo apresentadas por Bergson em seu primeiro livro.
A filosofia bergsoniana deixou marcas no pensamento do século XX. Filósofos contemporâneos, como
Sartre, Merleau‑Ponty e Deleuze, foram leitores e comentadores da obra bergsoniana. O conceito de
tempo‑duração mudou a concepção tradicional de tempo e inseriu, definitivamente, a dimensão do vivido
nos estudos sobre o tempo.

Resumo

Nesta unidade, vimos que filosofia e arte dialogam desde os primórdios do


pensamento ocidental. Buscando contribuir para a reflexão interdisciplinar
sobre temas de filosofia integrada, indicamos ocasiões em que filósofos
abordaram a arte.

Platão, por exemplo, ao conceber o mundo das ideias, parte de


um conceito de imagem que ignora o movimento e, de certa forma, se
aproxima do mecanismo cinematográfico. Bergson, por sua vez, formula
uma complexa concepção de imagem, associada à percepção e à memória,
99
Unidade II

e apresenta o conceito de mecanismo cinematográfico do conhecimento.


Já Deleuze trata do cinema por meio de sua teoria da significação não
linguística da imagem.

Bachelard considera as imagens poéticas e busca tornar comunicável a


própria criação estética. Nietzsche, escrevendo sobre música, fala do espírito
dionisíaco e do espírito apolíneo nas artes. Foucault relaciona filosofia e
arte ao tratar de uma existência esteticamente ética para o homem, que
estaria vinculada à educação.

Outro tópico que examinamos foi como o pensamento de Bergson


ajuda a refletir sobre questões da psicologia. O tempo é o principal tema de
suas obras. Ele aparece como duração psicológica no Ensaio sobre os Dados
Imediatos da Consciência, como tempo criador em A Evolução Criadora e
como memória ontológica em Matéria e Memória.

Desfazer a confusão entre tempo e espaço é um dos propósitos do


primeiro livro do autor. Bergson distingue entre o tempo‑duração e o tempo
espacial. A duração é a própria essência da realidade; é o tempo real, que
dura e que passa continuamente, transformando tudo, sendo ele próprio
mudança. O outro tempo, o espacial (ou homogêneo), é ilusório; origina‑se
da confusão entre tempo e espaço; é apenas o espaço camuflado de tempo.

O Ensaio não trata do tempo em geral, mas de sua forma privilegiada de


acesso: o tempo interno, vivido no interior de nossa consciência. A abordagem
do tema parte da análise crítica da psicologia determinista da época. O núcleo
dessa crítica pode ser entendido da seguinte forma: como a multiplicidade dos
estados internos não é numérica, ou seja, quantitativa, então o determinismo
psicológico não é verdadeiro, porque é essa sua tese fundamental.

Exercícios

Questão 1. Em A Poética do Espaço, Gaston Bachelard discorre sobre a função psíquica denominada
imaginação. Sem perder de vista a contribuição desse autor, analise as afirmativas a seguir:

I – A imagem percebida, própria da imaginação reprodutora, e a imagem produzida pela imaginação


criadora são próprias de duas instâncias psíquicas muito distintas, e seria preciso uma palavra especial
para designar a imagem imaginada.

II – Embora a imaginação criadora exerça funções distintas das que são creditadas à imaginação
reprodutora, todos os processos imaginativos, sejam da imaginação criadora, sejam da reprodutora,
devem ser creditados exclusivamente à percepção e à memória.

100
FILOSOFIA INTEGRADA

III – Ao tratar da comunicação poética, Bachelard observa que na arte prevalece a imaginação
material, relacionada aos quatro elementos da natureza – água, fogo, terra e ar – e às imagens dos
lugares que habitamos.

IV – Imagens produzidas pela imaginação criadora são, em sua maioria, sublimações de arquétipos
e, dada a sua condição de inconscientes, elas são acessíveis somente, e tão somente, durante o estado
de sono profundo, jamais em estado de vigília.

V – Ao utilizar a noção de arquétipos, Bachelard aproxima-se mais das teorias de Freud do que das
teorias de Jung.

VI – A mídia não utiliza imagens arquetípicas.

VII – Em A Poética do Espaço, Bachelard inclui entre os espaços felizes alguns continentes que
preservam e protegem conteúdos preciosos: casa dos homens (porão, sótão, cabana), casa das coisas
(gavetas, cofres, armários) e casa dos animais (ninhos e conchas).

Está correto o que se afirma somente em:

A) I, II e III.

B) IV, V e VI.

C) I, III e VII.

D) II, V e VI.

E) II, IV, VI e VII.

Resposta correta: alternativa C.

Análise da questão

A afirmativa II está incorreta porque somente os processos da imaginação reprodutora


devem ser creditados à percepção e à memória. A imaginação criadora tem funções distintas das
creditadas à imaginação reprodutora. A afirmativa IV está incorreta porque imagens produzidas
pela imaginação criadora, em sua maioria sublimações de arquétipos, são acessíveis por meio do
devaneio, ou seja, do sonho acordado, e não somente por meio do sono profundo. A afirmativa
V está incorreta porque, na verdade, ao utilizar a noção de arquétipos, Bachelard aproxima-se
mais das teorias de Jung do que das teorias de Freud. A afirmativa VI está incorreta porque a
mídia utiliza, com frequência, imagens arquetípicas, que ao serem visualizadas despertam fortes
sentimentos no espectador.

101
Unidade II

Questão 2. Ao realizar uma impecável análise crítica da psicologia determinista de sua época,
Bergson contribui de modo expressivo para a reflexão sobre questões dessa disciplina científica.
Oferecendo elementos para desfazer a confusão entre tempo e espaço presente em teorias
psicológicas, Bergson lança luzes sobre aquilo que é vivido no interior das consciências.

PORQUE

Ao distinguir tempo-duração (qualitativo) de tempo espacial (quantitativo), esse autor enuncia que
tudo está em contínuo processo de mutação, exceto os fenômenos e processos psíquicos, que, caso
estivessem igualmente submetidos a contínuas mudanças, impossibilitariam a interação humana.

Avalie as afirmativas anteriores e a relação proposta entre elas, e assinale a alternativa correta:

A) Ambas as afirmativas são verdadeiras e a segunda justifica a primeira.

B) Ambas as afirmativas são verdadeiras, mas a segunda não justifica a primeira.

C) A primeira afirmativa é verdadeira e a segunda é falsa.

D) A primeira afirmativa é falsa e a segunda é verdadeira.

E) Ambas as afirmativas são falsas.

Resolução desta questão na plataforma.

102
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

KAPITOLINISCHER_PYTHAGORAS.JPG. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/


commons/3/3d/Kapitolinischer_Pythagoras.jpg>. Acesso em: 27 set. 2018.

Figura 2

_THE_SCHOOL_OF_ATHENS__BY_RAFFAELLO_SANZIO_DA_URBINO.JPG. Disponível em: <https://


upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/49/%22The_School_of_Athens%22_by_Raffaello_
Sanzio_da_Urbino.jpg>. Acesso em: 27 set. 2018.

Figura 3

800PX‑PHILOSOPHERS;_TWENTY_PORTRAITS_OF_CLASSICAL_THINKERS._ENGRAV_WELLCOME_
V0006810.JPG. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/70/
Philosophers%3B_twenty_portraits_of_classical_thinkers._Engrav_Wellcome_V0006810.
jpg/800px‑Philosophers%3B_twenty_portraits_of_classical_thinkers._Engrav_Wellcome_V0006810.
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Figura 4

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Figura 23

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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