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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNA

Jucimara Bernardes Miranda Silva

Grazielle Veloso de Oliveira

A Fotografia como Aparelho Psíquico

BELO HORIZONTE

2016
1 INTRODUÇÃO

O seguinte estudo é uma resenha das ideias expostas por Philippe Dubois no capítulo 7 de seu

livro “O Ato Fotográfico”. Os pensamentos expressos por ele comparam a máquina

fotográfica aos nossos mecanismos de memória e ao aparelho psíquico proposto por Freud. O

autor fala de como os processos de memorização inevitavelmente passam por uma fase de

transformação em imagens e de como a fotografia é uma das mais puras formas de registro.

2 DESENVOLVIMENTO

A fotografia funciona exatamente como uma cópia de uma lembrança. Todos os detalhes

daquele momento estão presentes, foram capturados pelo sensor exatamente como o eram no

momento em que aconteceram. E nossas memórias funcionam como fotografia. Os

momentos de que nos lembramos, funcionam como uma sequência de imagens estáticas de

cada detalhe daquele momento que vivemos. Organizados dessa forma podem até se tornar

um pequeno filme de um dos instantes de nossa vida.

Philippe Dubois fala, citando Cícero, de como a arte da memorização depende dos lugares e

da imagem mental antes de ser traduzido em palavras e sentido lógico.

Para exercer essa faculdade do cérebro (que é a Memória), deve-se escolher, em


pensamento, lugares distintos, depois formar para si imagens das coisas que se quer
reter e finalmente organizar essas imagens em diversos lugares. (De oratore II, 86,
p; 351-354).

Esta é exatamente a mesma estrutura do aparelho psíquico de Freud. Cada estágio da

lembrança tem o seu lugar, sendo o pré-consciente o lugar das imagens. Dessa forma, os

“quartos” sugeridos pela arte da memorização estariam no pré-consciente, já que são

preenchidos com “móveis” (imagens mentais) daquilo que se quer lembrar. Quando essas

memórias começam a ser organizadas verbal e logicamente, elas podem ser transmitidas,
entendidas e lembradas com maior facilidade. E assim como os móveis em nossas casas,

podem ser dispensadas quando não têm mais utilidade, deixando espaço para outras mais

importantes. Para ilustrar este pensamento, Philippe Dubois usa a seguinte citação: “Os loci

são como as tabuinhas de cera que permanecem quando o que nelas escrevemos foi apagado

e que estão prontas para serem empregadas de novo.” YATES, Francis.

Olhando dessa forma, o subconsciente poderia ser um quarto trancado que não conseguimos

abrir e para onde, automaticamente, nosso cérebro envia as memórias que nós mesmos não

queremos ou não nos deixamos lembrar.

Sobre esta arte da memória a maioria dos autores consultados por Philippe Dubois concorda:

é necessário que o acontecimento que se deseja lembrar seja diferente dos momentos que

estamos acostumados a viver rotineiramente em todos os dias de nossas vidas. Dificilmente

nos lembraríamos de situações comuns em um ponto de ônibus, por exemplo, a não ser que

esta situação fuja do padrão comum ao qual estamos acostumados, como um acidente de

trânsito, por exemplo.

Dentre as várias formas de escrever nossas memórias, a visão e, por consequência lógica, as

imagens é considerada por Cícero e por Philippe Dubois o meio mais fácil e seguro de se

guardar algo. “ [...] recorrer à imagem é, portanto, o meio mais seguro de conservar a

lembrança de algo, mesmo se se tratar de uma palavra, ou de um pensamento.” (De oratore

II, 87, p. 357). Porque, para que nos lembremos de palavras ou, até mesmo, sons, nós

precisamos traduzi-los primeiro em imagens mentais para depois guardá-los em determinado

“quarto” em nosso cérebro. E é nesse processo que “a arte da memória alcança a fotografia”

(DEBOIS, p. 316). A fotografia é uma máquina de registros que funciona como o equivalente

maquínico moderno da memória. O aparato de cera, para guardar as memórias, citado por

Philippe Dubois e descrito por Platão se assemelha incrivelmente a uma máquina fotográfica
e toda a variação que poderia surgir na “impressão” da lembrança na cera é como as

variações de exposição produzidas pela máquina, em ambos os processos dependem do ser

humano por trás de sua administração. Assim sendo, a fotografia é como um aparelho

psíquico.

Freud entendia a mente humana, ilustrativamente para melhor visualização, como uma

“máquina”, passível de funcionamento, de transformação, de transmissão, de trabalhos, de

organização e de funcionamento, e usava de metáforas para um melhor entendimento do

complicado aparelho psíquico humano. Philippe Dubois também usa algumas metáforas para

ilustrar a comparação do aparelho psíquico a uma máquina fotográfica.

A primeira delas é a metáfora arqueológica que consiste em comparar os registros deixados

por grandes civilizações na humanidade e os registros deixados pelas memórias em nossa

mente. Nada que existiu alguma vez na terra desaparece completamente, sempre

encontraremos, ainda que em diferentes circunstâncias, registros de algum ser ou civilização

que uma vez existiu, da mesma forma, Freud afirma que tudo que uma vez foi registrado em

nosso aparelho psíquico ainda está lá. “Nada na vida psíquica consegue se perder, nada do

que se formou desaparece, tudo é conservado de uma maneira qualquer e pode reaparecer em

certas circunstâncias favoráveis”. (FREUD citado por DEBOIS Philippe, 1993, p. 318). Para

encontrar os outros registros, tanto das civilizações e criaturas quanto das memórias no

aparelho psíquico, basta mudar o ponto de vista de onde se observa e o local onde se procura.

Outra metáfora é a de Pompéia, onde Freud a compara com o recalque, a qual foi pouco

explorada pelo mesmo, mas que não interfere muito no estudo.

“O recalcamento, que torna o psíquico ao mesmo tempo inacessível e o conserva intacto, só

pode ser comparado da melhor maneira possível ao enterramento, como o sofrido no destino
de Pompéia e fora no qual a cidade conseguiu renascer com o trabalho da pá” (Freud, pg.

320)

O que é explícito na metáfora é que assim como Pompéia o recalque é “soterrado” pelo

subconsciente e quando explorado com precisão vem à “superfície” intacto, como se nunca

tivesse sofrido algum tipo de alteração.

Com as metáforas, Dubois entende que existem dois caminhos possíveis que juntos formam o

aparelho psíquico com suas variáveis, mas que nunca funcionam juntas. “O sonho impossível

para Freud é ter os dois ao mesmo tempo, a multiplicidade e a integralidade, Roma e

Pompéia, a duração e o instante.” (DUBOIS, pg. 321)

Todos temos os dois caminhos no fundo de nossa psique, mas a partir de “filtros” e muito

estudo que elas são trazidas à tona. Por isso o analista é como um fotógrafo que busca no

subconsciente por aquelas imagens que precisam ser “reveladas” ao paciente.

A metáfora de Roma e Pompeia não é usada somente para uma explicação mais simples do

aparelhos psíquico, mas também como exemplos da metáfora fotográfica. Mais uma vez os

exemplos são divididos em dois, o lado ótico e o lado químico e como um complementa o

outro. De acordo com Jean GUERRESCHI em seu livro “Território psíquico, território

fotográfico”, “a parte da tomada fotográfica remetendo ao funcionamento “diurno” da psique,

a do laboratório a seu funcionamento “noturno”, ambos sendo, ao mesmo tempo, nitidamente

distintos, mas assim mesmo contíguos e articulados.” (pg.322)

Ainda que usando exemplos tão distintos para mostrar as metáforas arqueológicas, Freud

quer mostrar que o aparelho psíquico usa de aparelhos, principalmente os de função escópica

para formar a imagem, assim como a máquina fotográfica quando capta a imagem. A luz

entra por um lugar específico, depois de ter sido focado e enquadrado, passa pelos espelhos

até ser marcada no negativo. “O lugar psíquico corresponde a esse ponto do aparelho onde a
imagem se forma” (pg. 323), ou o funcionamento “diurno” do aparelho psíquico. Mesmo não

aprofundando no estudo de cada função do aparelho psíquico, Freud ainda assim consegue

fazer a comparação necessária com o aparelho fotográfico, usando dos pontos mais

importantes do aparelho psíquico, assim como o fotográfico.

Já a segunda parte, o funcionamento “noturno” do aparelho psíquico é a parte de “exposição”,

o processo químico da revelação de uma imagem.

“Para dar uma idéia exata, admitiremos que cada processo psíquico existe em primeiro lugar

numa fase inconsciente para depois passar para a fase consciente, mais ou menos como uma

imagem fotográfica começa sendo negativa e só se torna imagem definitiva após ter passado

pela fase positiva. Ora, da mesma maneira que qualquer imagem negativa não se torna

necessariamente uma imagem positiva, qualquer processo psíquico inconsciente não se

transforma necessariamente em processo consciente.” (pg. 324)

Mesmo sendo dividida em inconsciente, pré-consciente e consciente, apenas duas dessas são

comparada nos exemplos, o pré-consciente e o consciente. O pré-consciente seria a parte

“negativo” e o consciente a parte “positivo”, o que é exatamente visto, o “revelado”.

Especificamente o trabalho do sonho, até a impressão da imagem do inconsciente até chegar

no consciente. Que passa por “caminhos tortuosos”. O recalcamento ali presente, impede que

alguns fragmentos de imagens cheguem ao consciente o que faz com que as imagens pareçam

com “lembranças encobridoras”, como se não existissem e tivessem sido colocadas ali para

estar no lugar de uma outra imagem oculta, as que ficam “presas” para sempre no

subconsciente e somente com muito trabalhos de análises elas são enfim reveladas. Pode-se

dizer então que “o positivo é uma espécie de ruína exposta, como Roma” (pg.325) e “o

negativo será mais, como Pompeia, uma ruína enterrada, portanto ainda relativamente intacta,

preservada”. (pg.325)
3 CONCLUSÃO

Com este trabalho pudemos entender um pouco melhor como a mente humana funciona e
entender os pontos principais de um aparelho psíquico e como o seu funcionamento é bem
parecido com as funções de uma máquina fotográfica e as imagens que dela são reveladas.
Aprendemos também que nem todas as nossas memórias são “reveladas” pelo subconsciente
e algumas ficam retraídas pelo recalque no subconsciente.
4 REFERÊNCIAS

DUBOIS, Philippe. A fotografia como aparelho psíquico. In: DUBOIS, Philippe. O ato

fotográfico e outros ensaios. Campinas, SP: Papirus, 1993.

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