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A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da


Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual
(parte 2)
Pierre de Craon Lejeune

INTRODUÇÃO

No último artigo lançamos algumas bases para uma análise sólida sobre o que é a beleza.

Definimos o que é ordem, porque sem ela algo não pode ser belo. Depois apresentamos a
definição de beleza dada por Santo Alberto Magno, que se apoia claramente, com o uso dos
conceitos de matéria e forma, na filosofia de Aristóteles. Finalmente, expusemos com um certo
numero de detalhes as partes desta definição.

Vimos que a matéria-prima é uma espécie de realidade imperfeita que é indiferente para
constituir qualquer coisa e que, nas mudanças naturais e quotidianas dos corpos, recebe, sob a
influência dos agentes naturais, seja uma forma substancial, seja outra, que a determinam a
ser homem, planta, cavalo, pedra, etc. Quando um destes seres (compostos de matéria e
forma) desaparece, a matéria-prima permanece e passa à uma nova forma substancial,
constituindo um novo ser. Uma folha de papel, sob a ação do fogo, deixa de existir para dar
lugar a cinzas. A matéria-prima permaneceu, mudou a forma substancial. Consequentemente,
mudou o ser.

Ela é chamada de matéria-prima (primeira) para distingui-la da matéria usada na fabricação


dos compostos artificiais, que é chamada matéria segunda. É o caso da madeira para a
cadeira, do mármore para a estátua, que já são completos por sua natureza quando recebem
determinações acidentais que fazem deles uma cadeira ou estátua. Foi o exemplo que demos
para fazer com que os leitores compreendessem melhor o que era matéria-prima, partindo
antes da matéria segunda: estudamos primeiro o que é o mármore numa estátua para depois
compreendermos o que é a matéria-prima no mármore.

Também vimos que a forma substancial é o princípio específico de um corpo. Sua função é de
constituir com a matéria-prima tal ou tal corpo. Isto quer dizer que, sendo a matéria-prima
indiferente a constituir qualquer ser composto, é a forma que, por sua união com ela, a
diferencia, a especifica, determinando que seja pedra, cachorro, madeira, etc.

Por último, analisamos o que era o resplendor da forma e a proporção da matéria, com alguns
exemplos concretos para ilustrar os princípios muito abstratos que expusemos, e mostramos
como se unem para formar um ser belo.

Neste artigo veremos outra definição de belo, apresentada por Santo Tomás de Aquino,
discípulo de Santo Alberto Magno. Apesar de diferentes na enunciação, elas são perfeitamente
complementares e concordam uma com a outra.

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Depois de assentada a íntima relação que existe entre a beleza e a inteligência, buscaremos
saber: se somente o intelecto pode conhecer a beleza ou se os sentidos também têm a
capacidade de conhecê-la; se existem sentidos mais nobres que outros; se alguns deles são
mais intimamente relacionados com a razão; o que faz com que a inteligência se interesse pela
beleza das coisas.

Todas estas questões, e as respostas de cada uma delas, nos ajudarão a compreender mais
claramente a definição de belo dada por Santo Tomás de Aquino.

A DEFINIÇÃO DE BELO DADA POR SANTO TOMÁS DE AQUINO

Na sua obra mais conhecida, a Suma Teológica, Santo Tomás apresenta uma definição de
beleza que chama nossa atenção pela sua simplicidade quase infantil:

“São ditas belas aquelas coisas que agradam a visão” (Suma Teológica I, q. 5, a. 4, ad 1).

A primeira impressão que o leitor poderia ter é de que, nesta definição, expõe-se o óbvio e de
que nela não há muita especulação e elevação de pensamento. Porém, veremos que não é
assim. Mostraremos que ela contém muita sabedoria e buscaremos fazer com que ela
resplandeça.

1. Beleza e inteligência

Como vimos no artigo anterior, algo só é belo se tiver ordem entre as partes que o compõem e
quando manifesta claramente o que é. Ora, a ordem e o ser só podem ser conhecidos pela
inteligência. As abelhas constroem seus alvéolos com uma ordem admirável, mas são
incapazes de saber que o fazem, porque não têm inteligência.

Assim, ficou provado que a apreciação da beleza tem uma relação estreitíssima com o
conhecimento intelectual.

2. Somente a inteligência percebe a beleza?

Quando a beleza é material, então ela é percebida direta e primeiramente pelos sentidos. Mas
a inteligência, vindo em seguida, descobre no objeto conhecido uma beleza mais íntima, mais
profunda, que os sentidos não podem perceber.

Quando a beleza é imaterial, então somente a inteligência pode conhecê-la.

Alguns filósofos ensinaram que os sentidos externos são incapazes de qualquer conhecimento.
Muitos ensinam que os cinco sentidos externos se limitam a nos indicar aquelas coisas que são
úteis ou prejudiciais à vida física do homem. Tal é o ensinamento de Malebranche:

“Que se conceba bem que nossos sentidos só nos são dados para a conservação de nosso
corpo; é necessário que nos fortifiquemos neste pensamento” (Malebranche, A busca da
verdade, tomo I, cap. VI e XX).

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Pior ainda: que o homem deve ficar muito atento ao que lhe chega pelos cinco sentidos e
duvidar deles, sendo para a inteligência a fonte de incontáveis ocasiões de erro. Este é o
pensamento de Descartes.

De acordo com Santo Tomás, ao contrário, os sentidos têm uma dupla missão: a de permitir ao
homem e ao animal o sustento da vida física e, no homem, a de servir ao conhecimento
intelectual (como veremos, em detalhe, mais abaixo).

A experiência quotidiana nos mostra isso. Os animais, ainda que sejam destituídos de
inteligência, possuem diversos meios de conhecimento, em vários casos extremamente
desenvolvidos. O cachorro conhece seu dono, a formiga conhece o caminho de volta para seu
formigueiro, os pintinhos conhecem sua mãe.

Isso nos mostra que os sentidos são meios de conhecimento, o que não quer dizer que sejam
confundidos com a inteligência.

O conhecimento não exige necessariamente uma faculdade intelectual, pois ele pode ter como
objeto as propriedades materiais, vistas sob um aspecto material e não acompanhado de
nenhuma reflexão.

Existe ainda um motivo particular para dar aos sentidos do homem a capacidade de conhecer:
nossa razão, conforme nossa experiência quotidiana nos demonstra largamente, é muito fraca
para agir sozinha.

Nossa inteligência tem uma grande necessidade da ajuda dos sentidos.

Por isso, no homem, o conhecimento sensível é tão rico e palpável que nós o usamos como
comparação para explicarmos nossas reflexões mais claras. Por isso, também, nosso
conhecimento parece imperfeito quando não é ajudado pelos sentidos. É assim que, no artigo
anterior, ilustramos os princípios abstratos que expusemos com figuras e fatos do quotidiano:
as imagens de um caracol, de uma flor, dos vitrais de uma catedral.

Um professor de geometria que explicasse o teorema de Pitágoras somente por uma descrição
verbal jamais ensinaria com eficácia. Mas sua explicação será certamente mais eficaz e
pedagógica se ele desenhar na lousa o triângulo do qual ele trata, usando-o para ilustrar o que
ensina.

Não concedemos aos sentidos a capacidade de conhecer a beleza naqueles aspectos


imateriais que ela possui e que só a inteligência pode conhecer: compreender a disposição e a
ordem das partes de um ser, a finalidade desta ordem, etc.

Unicamente dizemos que também existe uma beleza material, o que é evidente, e que ela
entra no domínio dos sentidos. A música e a poesia, uma pintura e uma escultura, devem
passar antes pelos nossos olhos e ouvidos para chegarem à inteligência.

Quando meus olhos vêem uma rosa, eles não sabem o que é proporção, conveniência, nem o

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que é uma rosa, etc. Se me limito à informação que os olhos dão de um rosa, ela será bem
superficial. Devo, então, recorrer à minha inteligência para atingir aquilo que meus olhos,
sozinhos, são incapazes de conhecer: seu ser, a ordem de suas partes, o porquê desta ordem,
etc.

Mas o brilho das cores, o tamanho do objeto e algumas outras informações de um ser fazem
parte de sua beleza. São informações exteriores e sensíveis que meus olhos podem perceber.

A beleza conatural ao homem é aquela que agrada a inteligência pelos sentidos.

3. A inteligência e os sentidos

Nossa linguagem atribui beleza às coisas percebidas pela visão e pela audição, mas não
àquelas coisas percebidas pelos outros sentidos externos. Um cheiro pode ser agradável, um
sabor pode ser delicioso, mas não se diz que uma refeição ou que um aroma sejam belos.

Como explica Santo Tomás, a causa deste fato é que a visão e a audição são os sentidos mais
estreitamente ligados à inteligência, que busca a clareza e a ordem.

O tato, o paladar e o olfato se encarregam primeiramente e principalmente das necessidades


da vida corporal e nos ajudam a sobreviver, mas a visão e a audição percebem objetos que
são bem mais próximos da inteligência e que nos permitem desenvolver a vida intelectual. É
porque temos olhos e ouvidos que podemos ler, discutir, observar o que se passa a nossa
volta, comunicar o que pensamos, receber conselhos, etc. Sem um destes sentidos, a
transmissão de conceitos e de pensamentos torna-se mais difícil, e ser cego e surdo acarreta
dificuldades enormes na realização destas atividades. Santo Tomás chama estes sentidos de
“os mais cognoscitivos”:

“Por isso se referem ao belo aqueles sentidos que são mais cognoscitivos, como a visão e o
ouvido ao serviço da razão, pois falamos de belas imagens e de belos sons” (Santo Tomás de
Aquino, Suma Teológica I-II, q. 27, a. 1, ad 3).

Como a audição e a visão são os sentidos mais estreitamente ligados à inteligência, é por eles
que a inteligência melhor se informa a respeito da ordem e da proporção que existem num ser,
uma vez que todas as informações que estão contidas na nossa inteligência passaram antes
pelos sentidos.

A beleza, sendo percebida pela inteligência, estará relacionada com aqueles sentidos que mais
transmitem informações à razão: a audição e a visão.

Porém, a vista é mais nobre que a audição, e isso por dois motivos.

Primeiramente, porque ela é mais espiritual do que os outros sentidos.

O termo “espiritual” não possuía no século XIII o sentido restrito que tem hoje. Ele conservava
ainda uma ligação com sua origem etimológica (de spirare = respirar). Assim, falava-se do ar

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aspirado e expirado na respiração dos animais, do ar atmosférico e do vento, dos vapores e,


em geral, de qualquer coisa ou impulso sutil e invisível. Não era contraditório, em função do
sentido que o termo “espiritual” ainda guardava no século XIII, falar que “ a visão é um sentido
mais espiritual que os outros”. Por transladação era aplicado também a Deus, aos anjos e à
alma humana, devido ao fato de serem invisíveis e incorpóreos. Porém, para estes últimos, os
termos mais restritos preferidos eram “incorpóreo” e “imaterial”.

Assim, na audição, o som é causado por uma percussão e vibração do ar, causadas por um
movimento local do objeto que emite som. No odor há alteração, pois é necessária certa
modificação do objeto pela ação do calor para que exale cheiro (um objeto desprende odores
em maior intensidade nos dias quentes do que nos dias frios, por exemplo). No tato, a mão se
esquenta quando entra em contado como o objeto quente. Quanto ao paladar, a língua se
impregna com a humidade dos sabores (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica I, q. 78, a.
3).

Mas a cor e a luz agem sobre o olho sem que qualquer modificação corporal acompanhe sua
ação de ver. O objeto visto não perde nada de sua cor, nem entra em contato direto com os
olhos, nem precisa mover-se para ser percebido. Sob este aspecto, podemos dizer que a visão
é mais espiritual que os outros sentidos.

Ainda que esta análise pudesse ser precisada levando em conta as informações obtidas
posteriormente pelas ciências naturais (Física, Química, Biologia), ela permanece conforme ao
que observamos numa primeira análise do mundo em que vivemos.

O segundo motivo é que a visão é o sentido que nos dá, dentre todos os cinco sentidos, mais
quantidade de informação.

“É mais espiritual e manifesta mais coisas” (Santo Tomás de Aquino, Comentário à Primeira
Epístola aos Coríntios, c. XII, lição 3).

Daí a superioridade da visão sobre os demais sentidos, sua relação muito próxima com a vida
intelectual e sua importância no conhecimento da beleza das coisas.

4. A inteligência e o conhecimento da ordem existente nos seres

Quando a inteligência conhece algo e suas qualidades, particularmente pelos sentidos da visão
e da audição, ela vê a conveniência da ordem existente no objeto conhecido.

Santo Tomás de Aquino, em outro lugar de sua Suma Teológica, nos diz que:

“A beleza consiste numa certa claridade e na devida proporção. Ambos são encontrados
radicalmente na inteligência” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica II-II, q. 180, a. 2, ad 3).

Quando Santo Tomás escreve que a claridade e a proporção são encontradas radicalmente na
inteligência ele quer dizer que a inteligência é a origem, a fonte de toda ordem e de toda
claridade que existem. Assim como o tronco, os ramos, as folhas, flores e frutos da árvore

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saem da raiz, também de modo semelhante a ordem e a clareza que existem nas coisas saem
da inteligência de quem as fez, estão contidas radicalmente na inteligência do artista, têm no
intelecto do artista a raiz delas. Quem não atribuísse uma causa inteligente a uma obra
ordenada seria considerado um insano. Ninguém pode dizer que uma casa fora construída pelo
acaso e não por um arquiteto. Por isso, Santo Tomás continua:

“Ambos são encontrados radicalmente na inteligência, à qual pertence ordenar nas coisas a
claridade e a proporção” (Santo Tomás de Aquino, Suma Teológica II-II, q. 180, a. 2, ad 3).

A inteligência do homem tem a capacidade de ordenar e de dar claridade às coisas, de


relacionar as partes de um conjunto. Ela ama o ser, ela ama a ordem e a unidade, ela ama a
clareza. Por isso, quando a inteligência é colocada diante de um objeto ordenado e claro, onde
a forma resplandece, ela imediatamente é atraída para ele e fica interessada, admirada.

Semelhante atrai semelhante.

Deus, ser infinitamente inteligente, criou tudo com ordem e claridade:

“Mas tu dispusestes todas as coisas com medida, número e peso” (Sabedoria 11, 21).

“Toda forma, pela qual cada coisa tem o ser, é uma certa participação da claridade divina. (...)
Cada realidade é bela e boa de acordo com sua própria forma” (Santo Tomás de Aquino,
Comment. in lib. de Divin. Nomin., c. 4, lect. V).

Toda forma é um vestígio, um raio da Inteligência criadora impressa em cada ser criado.

O homem, pela inteligência que tem, percebe a ordem e a clareza das coisas criadas. Quando
a inteligência do homem, capaz de ordenar suas próprias obras, descobre ordem também em
coisas que não fez (feitas seja por Deus, seja por outro homem), então fica atraída por elas.

A inteligência se agrada com o belo porque nele ela encontra luz.

As pessoas que sabem que as coisas belas saíram de uma inteligência e que se relacionam
com o seu autor percebem e saboreiam mais a beleza das coisas.

Um católico vê melhor a beleza das coisas do que um ateu, e os santos vêem melhor a beleza
da criação do que as pessoas que vivem apegadas ao pecado.

De acordo com Santo Tomás, então, uma verdadeira percepção da beleza das coisas é uma
ação da inteligência, única que pode perceber a ordem que existe entre as coisas e no interior
delas.

Insistimos muito na relação entre beleza, inteligência, ordem, ser, finalidade, porque atualmente
a quase totalidade das pessoas crê que algo é belo somente porque desperta bons
sentimentos, porque simplesmente causa uma sensação agradável, de relaxamento ou algo
parecido. Elas estão saturadas de princípios subjetivistas e aplicam estes princípios na arte,

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nas suas ações e julgamentos.

O veneno subjetivista espalhado na Filosofia após Kant empurrou os filósofos a buscar na


emoção aquilo que constituía o essencial da percepção da beleza.

Mas, como mostramos, esta noção de beleza não é compatível com a realidade. Esta noção
subjetiva de beleza é falsa.

4. “Aquilo que agrada a visão”

Quando Santo Tomás de Aquino escreve que “são ditas belas aquelas coisas que agradam a
visão” (Suma Teológica I, q. 5, a. 4, ad 1), ele tem em mente a estreita ligação que existe entre
a visão o conhecimento.

Com efeito, existem vários tipos de visão:

a) Existe a visão física, que é o sentido externo da visão, realizada pelos olhos.

b) Mas existe a visão intelectual, à qual fizemos alusão no artigo anterior quando dissemos que
o ser das coisas é uma certa luz (Cf. Santo Tomás de Aquino, Comment. in Liber de causis,
prop. 6, lect. 6).

Quando conhecemos bem alguma coisa, dizemos que ela está clara para nós. Ora, se está
claro é porque tem luz, mas desta vez trata-se não da luz material do sol, mas da luz da
verdade.

A visão, por ser o sentido mais espiritual e mais universal (que nos dá mais informações), age
de maneira muito semelhante à inteligência.

O que a luz do sol é para a visão física e para o olho, de modo semelhante e análogo é a luz da
verdade para a visão intelectual e para a razão.

Quando a ordem e a verdade de um ser resplandecem diante da inteligência, quando um ser


agrada a visão do homem, que não é dotado somente de olhos materiais, mas também de
inteligência, então dizemos que algo é belo.

Também Santo Agostinho afirma a relação da beleza com a inteligência e sua estreita relação
com a visão:

“Toda a beleza do corpo consiste, com efeito, em uma certa proporção de suas partes,
cobertas por um colorido agradável. Ora, quando esta proporção falta, o que choca a vista,
é porque há algo que falta ou algo de excessivo” (Santo Agostinho, A Cidade de Deus, l. 22,
c. 19).

Ora, o olho, por si mesmo, não é capaz de julgar nada. Somente a inteligência é capaz de
julgar se há excesso ou falta de proporção.

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Se a vista fica chocada com a falta de proporção, é porque a inteligência, com a qual a visão
está estreitamente relacionada, percebe a falta de proporção e, consequentemente, a falta de
ordem naquilo que se apresenta a ela.

É a inteligência e o sentido, constituindo como que uma coisa só, que percebem a beleza em
algo.

Vemos, agora, que na percepção da beleza material, não devemos separar nem os sentidos da
inteligência, nem a inteligência dos sentidos.

Os sentidos, sem a inteligência, parariam no envelope exterior da beleza. A razão, sem os


sentidos, não atingiria esta porção inferior e passageira, mas interessante e viva, da beleza
física.

5. Conclusão

Santo Alberto Magno, na sua definição, quis ressaltar a objetividade da beleza, fruto da ordem,
da proporção e do resplendor daqueles princípios que constituem os seres: matéria e forma.

A estética de Santo Alberto Magno se revela, assim, marcada pelo selo de um rigoroso
objetivismo, onde a beleza não é definida de modo algum em função da percepção que alguém
tem dela. A virtude, por exemplo, possui por si mesma uma certa claridade que faz com que ela
seja bela, mesmo que ninguém a perceba.

Um ser não sofre qualquer mudança quando é conhecido por alguém, mas a clareza e o
esplendor são inerentes ao objeto (Santo Alberto Magno, Super Dionysium IV, 76; in Opera
Omnia, XXXVII/1, p. 185).

A beleza pode ser conhecida por este esplendor que lhe pertence, mas o fato de ser conhecida
é algo que não muda a constituição, o ser do objeto conhecido.

Algo belo permaneceria tudo o que ele é, guardaria toda sua força e seu brilho, mesmo quando
não houvesse um espectador que fosse capaz de contemplá-lo.

Mas este espectador existe: o homem.

A beleza é percebida pelo homem quando atinge certo grau de resplendor que cause agrado à
visão, à inteligência do homem, por manifestar claramente a ordem de um ser e suas
qualidades.

Santo Tomás, pressupondo toda a teoria aristotélica sobre a matéria e a forma, sobre o
resplendor da forma e a proporção da matéria, pressupondo toda a objetividade da beleza
apresentada por Santo Alberto Magno, seu mestre, nos ensina que ela se revela à inteligência
do homem pelos sentidos, principalmente pela visão; que a beleza conatural ao homem é
aquela que agrada a inteligência pelos sentidos; e que na percepção da beleza material, não
devemos separar nem os sentidos da inteligência, nem a inteligência dos sentidos.

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Tudo isso leva Santo Tomás de Aquino a escrever, de modo tão breve, mas tão sábio, que
“são ditas belas aquelas coisas que agradam a visão”.

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A Beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da


Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual –
Parte 3
Este artigo é uma continuação de A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da
Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual (parte 2), e Parte 1

Pierre de Craon Lejeune

Nos artigos anteriores nós estudamos duas definições de beleza, uma de Santo Alberto Magno
e outra de Santo Tomás de Aquino. Diferentes nos termos, elas são perfeitamente
complementares entre si.

Vimos que a beleza está fundamentada em critérios objetivos, presentes na realidade das
coisas: matéria e forma, ordem, proporção, perfeição. Uma vez que Deus dispôs “todas as
coisas com medida, número e peso” (Sabedoria 11, 21), só nos resta uma conclusão a tirar: o
mundo visível manifesta com abundância as maravilhas da bondade de Deus.

A beleza da criação está, portanto, por todas as partes. Mas, por vezes escondida aos nossos
sentidos e contida no decurso quotidiano das coisas, ela muitas vezes só se revela às pessoas
que sabem observar com atenção.

Lembramos que a beleza tem uma relação estreitíssima com a inteligência. O conhecimento da
beleza pertence essencialmente ao intelecto. Ordem, proporção, perfeição são conceitos
contidos na noção de beleza e que só podem ser percebidos pela inteligência.

Todavia, por causa da união do corpo com a alma, para que o homem conheça a beleza de
algo necessariamente atuam os sentidos (sobretudo a visão e a audição) e a imaginação. Daí
dizermos que os olhos e os ouvidos têm seu agrado nas coisas belas.

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Mas isto não significa que somente as pessoas de grande capacidade especulativa,
intelectuais, dedicadas ao estudo e que possuem um diploma universitário são capazes de
distinguir o feio do belo. Atualmente os universitários, em sua grande maioria, possuem os
gostos artísticos mais bizarros... Quem nunca passou perto de um muro pichado e depois não
se deu conta de que passava ao lado (ou dentro) de uma faculdade?...

Todos os homens têm inteligência. Alguns, ainda que sejam lavradores e pedreiros, ainda que
não sejam grandes especuladores, a cultivam bem. São capazes de produzir coisas belas,
simples ou mesmo grandiosas. Outros, mesmo se estudam numa universidade (sobretudo se
estudam numa universidade...), podem cultivá-la mal. Acham que grafite, pichação, é arte.
Admiram Stravinsky. Vestem-se com bermuda, chinelo, camiseta regata, falam palavrões,
fumam maconha. Constituirão a elite intelectual do país...

Um lavrador pode ter pouca habilidade intelectual, encontrar dificuldade em distinções finas,
em sistematizações abstratas. Porém, se possuir princípios corretos, verá o mundo e as coisas
que existem nele com clareza. Saberá distinguir o feio do belo. Uma pessoa que tenha
diploma, se possuir princípios tortos, julgará algo bom como mau e vice-versa.

Depois de termos estudado, em nossos artigos anteriores, a objetividade da beleza -


extremamente contestada hoje - começaremos agora a analisar os cinco elementos
necessários à sua existência concreta.

Com isso esperamos poder ajudar na formação das inteligências, para que elas estejam mais
bem preparadas para distinguir o feio do belo, para separar o joio do trigo na esfera artística,
para saber se uma obra de arte é conforme às verdades que a luz natural da razão, sem a
Revelação, nos apresenta. Pois, se é importante que uma obra de arte não ensine heresias,
também é importante que ela não transmita tolices... Assim, gostaríamos que nossos leitores
possam, com maior propriedade, dizer se algo é belo e por que motivo.

Estes cinco elementos são: a variedade, a integridade, a proporção, a unidade e o esplendor.

Alguns responderão que Santo Tomás menciona somente três propriedades necessárias para
que algo seja belo: “Para a beleza, três coisas são necessárias: primeiramente, integridade ou
perfeição (...); devida proporção ou consonância; e clareza” (Suma Teológica I, q. 39, a. 8).
Não contestamos esta afirmação de Santo Tomás. O que faremos é explicitar dois elementos
(variedade e unidade), contidos implicitamente entre os três elementos mencionados pelo
Doutor Angélico, com a finalidade de tornar nossa explicação mais didática.

Estes elementos estéticos não possuem a mesma importância nem o mesmo papel.

Primeiramente, todos são igualmente necessários, mas nem todos têm uma influência igual
sobre a beleza.

Depois, eles não se comportam do mesmo modo nos diferentes gêneros de beleza. Estes
elementos se conformam à natureza dos seres nos quais se encontram. A unidade de nossa
alma é diferente da unidade de uma sonata ou de uma cena pintada num quadro. O esplendor

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de um corpo é diferente do esplendor de um anjo.

Além disso, eles exercem entre si uma influência mútua, se completam, fazem um contrapeso
entre si e mantêm o equilíbrio do ser.

Finalmente, é necessário saber que dois dentre eles pertencem propriamente ao princípio
material das coisas: a variedade e a integridade; dois deles pertencem ao princípio formal: a
unidade e o resplendor. A proporção pode ser vista como estando relacionada à matéria e à
forma juntamente.

Ao longo de nosso trabalho ficará mais claro como a filosofia escolástica e os princípios de
Santo Tomás de Aquino sabem colocar cada coisa no seu lugar, unificando a parte sensível ou
material com a parte formal, inteligível, da beleza.

Nos nossos próximos artigos mostraremos a natureza, o papel e o lugar de cada um destes
cinco princípios que compõem a beleza.

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A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da


Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual
(Parte 5)
Este artigo é uma continuação de A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da
Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual, Parte 1, Parte 2 e Parte 3 e Parte 4

Pierre de Craon Lejeune

A VARIEDADE COMO ELEMENTO DO BELO

a) A influência da variedade sobre o belo

A partir do que expusemos no artigo anterior podemos concluir que a variedade não é idêntica
à beleza. Variedade e beleza não se identificam. Isto não significa que a variedade seja um
elemento sem consistência. A variedade atrai a inteligência para a consideração da beleza do
objeto, e de algum modo ajuda nessa beleza.

Ela responde a uma necessidade legítima do homem, fundada na sua natureza.

Sem variedade as coisas seriam destituídas de interesse. Ao comparar a epopeia com a


tragédia, Aristóteles diz:

“A epopeia tem, para desenvolver sua extensão, meios variados que lhe são próprios,
considerando que, na tragédia, não se pode representar muitas ações no mesmo momento,
mas uma só parte por vez é figurada na cena pelos atores; ao passo que na epopeia, como é
um relato, podem-se tratar ao mesmo tempo vários eventos no momento em que se realizam.
Quando estão bem no assunto, eles acrescentam amplitude ao poema; eles contribuem,
assim, para lhe dar magnificência, a transportar o ouvinte de um lugar a outro e a introduzir
variedade nos episódios; pois a uniformidade, que em breve gerou o tédio, faz com que
as tragédias não sejam agradáveis” (Aristóteles, Poética, 1459b 20-30).

[caption id="attachment_11808" align="aligncenter" width="331" caption="Aristóteles inclui a


variedade entre as regras da beleza"]

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Ela também dá ao ser um complemento, muitas vezes indispensável, permitindo temperar suas
propriedades por qualidades complementares que criam diferentes graus de perfeição.

Assim, por exemplo, as várias partes de um edifício se sustentam mutuamente, fazem


contrapeso entre si. O mesmo vale para a vida moral do homem. Uma virtude contrabalanceia
a outra.

Comumente se diz que a justiça sem misericórdia termina num excessivo rigor, e que a
misericórdia sem justiça é fraqueza. Esta consideração pode ser aplicada a todo o conjunto de
virtudes existentes. Por meio da prudência Deus concede ao homem a difícil solução de
conciliar, na prática, virtudes que aparentemente são opostas, como a humildade e a
magnanimidade, a justiça e a misericórdia, a fortaleza e a suavidade, o recolhimento e o zelo
apostólico, etc, indicando o modo correto de agir para conciliar ambas as tendências sem
destruí-las mutuamente, e esta variedade de virtudes numa pessoa contribui para a beleza
moral dela.

b) Regras e limites da variedade

Mas quais são os critérios que permitem ao artista a escolha inteligente de elementos
variados?

Primeiramente é necessário evitar o uso de coisas que não vão e que não podem ir juntas.
Somente os gostos grosseiros, sob o pretexto de causar um grande efeito, são capazes de
fazê-lo.

Horácio (Ars poetica, versos 9-13; 29-30) nos dá, com certa graciosidade, esta regra primeira
do uso inteligente da variedade:

Aos pintores e poetas

Sempre foi dado um justo poder de ousar.

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Nós o sabemos, e novamente pedimos e damos esta concessão,

Mas não para que as coisas selvagens sejam unidas às coisas pacíficas,

Não a fim de que as serpentes sejam unidas aos pássaros e os cordeiros aos tigres.

(...)

Quem deseja variar uma só coisa de modo desmedido

Pinta um golfinho na floresta e um javali em meio às ondas.

Uma variedade desmedida prejudica a unidade da obra, elemento necessário à beleza. Em


meio a uma massa de partes díspares o olhar e o ouvido perdem toda a orientação, o todo
escapa ao intelecto, cada parte fala por si e jamais pelo todo.

Mas convém notar que há assuntos e obras de arte que toleram maior variedade de elementos
na sua composição que outros.

Para os filósofos antigos, para a filosofia clássica, a beleza de uma obra depende de sua
simplicidade e de sua unidade. A simplicidade clássica se opõe à complexidade ou à
complicação inúteis.

É esteticamente simples o que representa e torna evidente a unidade fundamental de sua


natureza. Esta manifestação da unidade na simplicidade exclui, ainda, uma ornamentação
excessiva.

Serão feias as complicações que fazem desaparecer a aparência da unidade bem como a
representação de uma pluralidade infinita. Também se condenava o que era supérfluo, aquilo
que não possui nenhuma ligação necessária com o sujeito ou com o tema tratado, o excesso
de decoração, de ornamentação ou de enfeites.

Entre os autores da Antiguidade o belo tem ligação estreita com o ser. A Escolástica da Idade
Média, devedora dos bons princípios filosóficos da Antiguidade, assimilará o belo com o ser, o
que deve ser compreendido mais ou menos assim: é belo aquilo que é plenamente e
perfeitamente o que ele deve ser. É feio tudo aquilo que não é plenamente e
perfeitamente o que ele deve ser.

As complicações e o excesso de detalhes não permitem uma clara manifestação do ser de


algo.

Assim, se os detalhes variados salvam uma obra de ser medíocre, devemos considerar
também que o número de detalhes que podem ser colocados numa obra é praticamente
infinito. Como escolher? Que critério me permitirá separar o necessário e conveniente do inútil?

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Para responder a esta questão devemos recorrer a um princípio fundamental que deve reger
todas as nossas ações, a saber: a noção de causa final.

A causa final, ou finalidade, é o porquê a causa eficiente age. É o que é visado, é aquilo ao
qual se dirigem nossas ações.

Numa questão célebre da Suma Teológica, Santo Tomás expõe vários princípios que dizem
respeito à causa final:

“Tudo o que age deve necessariamente agir por um fim. Com efeito, quando as causas são
ordenadas entre si, se a primeira desaparece, é necessário que as outras também
desapareçam. Ora, a primeira dentre todas as causas é a causa final. Eis a razão: a matéria
não alcança a forma sem a moção de um agente, pois nada pode passar por si mesmo da
potência ao ato. Mas o agente só age em vista do fim. Se um agente não estivesse
determinado a conseguir algo concreto, ele não faria mais isto que aquilo, porque, para
que produza um efeito determinado, tem que estar determinado a algo certo, que tem a
propriedade de fim” (Suma Teológica I-II, q. 1, a. 2).

De modo que os meios empregados pelo agente são escolhidos em função do fim.

Aquilo que conduz ao fim é chamado de meio. O que caracteriza o meio é que ele é desejado
não por si mesmo, mas por causa de outra coisa, o fim. O engenheiro só deseja empregar tal
ou tal instrumento (meio) porque deseja fazer um edifício com tal ou tal característica (fim).
Nenhum engenheiro de bom senso inicia uma obra sem ter um objetivo claro antes.

Lembremo-nos do que disse Santo Tomás: “se um agente não estivesse determinado a
conseguir algo concreto, ele não faria mais isto que aquilo” (Suma Teológica I-II, q. 1, a. 2).

Assim, o critério que permitirá ao artista a escolha justa da quantidade de elementos variados
na composição de sua obra, separando o útil do inútil, é a finalidade da obra.

Todo artista age em vista de um fim. Sua obra de arte é feita para expressar algo de particular.
Para alcançar este fim, o artista deverá fazer uma separação inteligente entre o necessário e o
inútil.

A variedade maior ou menor de elementos numa obra de arte é um meio que é desejado não
por si mesmo, mas por causa do fim.

Mais variedade que o necessário e sua obra será confusa, pesada, perderá em beleza. Menos
variedade que o conveniente e sua obra será pouco atraente, entediante.

Um pintor tem uma variedade imensa de cores à sua disposição. Ele escolherá aquelas que
são mais aptas a alcançar a finalidade desejada ao seu quadro.

Um pintor que empregasse vários tons de cinza ao representar uma cena de festa alegre
mostraria uma certa inexperiência na arte da pintura...

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Mesmo entre coisas que se combinam mutuamente é necessário considerar que a variedade
de elementos levada ao extremo é algo que vai contra a finalidade da obra e que prejudica o
efeito total.

Todo relato, todo discurso, toda descrição, toda cor, todo personagem, todo movimento se
dirigem a um efeito, e só têm valor porque se dirigem a este efeito. O que não demonstra nada
é supérfluo e deve ser rejeitado. É o que Aristóteles elogia em Homero, na sua Poética:

“(...) Homero parece, a este respeito, um poeta divino, incomparável, não transcrevendo em
poesia toda a guerra [de Tróia], ainda que ela tenha tido um começo e um fim; pois ela devia
ser muito longa e difícil de ser compreendida em seu conjunto e, mesmo dando-lhe uma
extensão mediana, ele comporia um relato no qual a guerra seria muito carregada de
incidentes variados. Ao invés disso, ele separa uma parte e recorre a vários episódios, como
por exemplo o catálogo dos barcos e de outras coisas, a respeito dos quais ele expõe
largamente sua poesia” (Aristóteles, Poética, 1459a 30-35).

A partir de toda esta explicação fica evidente também que a variedade de elementos numa
obra não pode colaborar para sua beleza sem estar, ao mesmo tempo, limitada e sustentada
pela ordem, que dá unidade ao todo.

Falaremos da unidade mais tarde. Antes de abordá-la, veremos a integridade como elemento
do belo, o que será o assunto de nosso próximo artigo.

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A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da


Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual
(Parte 7)
A noção de proporção era o aspecto mais fundamental do que escreveram sobre a beleza os
filósofos antigos e medievais.

Pierre de Craon Lejeune

Este artigo é uma continuação de A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da


Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual, Parte 1, Parte 2 , Parte 3 , Parte 4,
Parte 5 e Parte 6

A BELEZA NO MUNDO, NO HOMEM E EM DEUS: A FILOSOFIA DA ARTE, A SABEDORIA


DE DEUS NA CRIAÇÃO E A VIDA ESPIRITUAL (PARTE 7)

A PROPORÇÃO COMO ELEMENTO DO BELO

a) Introdução

Os seres materiais criados por Deus e as obras de arte feitas pelo homem têm partes variadas
e íntegras.

Isto não basta para que sejam belas. É necessário que as partes que compõem um ser
estejam no lugar certo, que haja ordem no conjunto delas, uma disposição adequada,
conveniente. Sem isto só haverá caos.

Numa palavra, é preciso haver proporção.

Quando lemos tudo o que os filósofos da Antiguidade e da Idade Média escreveram sobre a
beleza vemos que o aspecto mais antigo e o mais fundamental era sempre a noção de
proporção, de número.

Neste artigo veremos, ainda que brevemente, o que os antigos escreveram sobre este
elemento fundamental da beleza e o uso que fizeram da proporção na arte. Depois veremos
como as teorias da Antiguidade sobre a proporção foram transmitidas até a Idade Média e –
não poderíamos deixar de fazê-lo – o que Santo Tomás de Aquino ensinou sobre a proporção.
Finalmente mostraremos que na Idade Média, assim como na Antiguidade as teorias
filosóficas sobre a proporção não ficaram limitadas à esfera puramente especulativa, mas
tiveram uma aplicação prática cada vez mais desenvolvida, dando origem, particularmente na

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música, a obras que causam até hoje admiração em quem quer que as ouça.

Usamos, neste artigo, uma boa parte do que o Professor Orlando Fedeli escreveu no seu artigo
“Música e beleza”. Muitas partes dele foram francamente copiadas, inseridas ao longo deste
nosso artigo, sendo desenvolvidas em seguida. São verdades e princípios fundamentais,
explicados com a simplicidade e a didática de um Professor experiente e que nos pareceram
utilíssimas aqui.

O leitor terá aqui, deste modo, uma explicação mais aprofundada da questão sem perder em
simplicidade e clareza.

b) A proporção na Antiguidade: Grécia e Roma

Foram os gregos os grandes descobridores das proporções como causa da beleza material. Na
arte grega, tudo era medido, tudo era proporcionado.

Na arquitetura, todas as medidas dos edifícios gregos eram múltiplas e submúltiplas do


diâmetro médio da coluna. Na escultura, as estátuas eram feitas tendo por módulo a cabeça.
Foram os helenos que primeiro descobriram as admiráveis proporções com que Deus criou o
homem. Em todas as artes, os gregos tiveram essa preocupação com a medida, com as
proporções e com os números.

O interesse pela proporção remonta aos pré-socráticos. Num dos fragmentos que chegaram
até nós, e que nos dão muitos elementos do que eles ensinavam, lemos uma afirmação de
Aristoxeno segundo o qual “a ordem e a proporção são belas e úteis” (Hermann Diels, Die
Fragmente der Vorsokratiker, 469, Berlin, Weidmannsche Verlagsbuchhandlung, 1956).

Por meio de Pitágoras, de Platão e de Aristóteles esta concepção essencialmente quantitativa


da beleza apareceu periodicamente no pensamento grego:

“Sócrates: Introduzindo-se [os elementos que compõem o universo] no frio e no calor, não tiram
eles o excesso e o infinito, introduzindo aí a medida e a proporção? – Protarco: Não
contradigo. – Sócrates: Não é desta mistura do finito e do infinito que nascem as estações e
tudo o que nós achamos belo no universo? – Protarco: Sem dúvida.” (Platão, Filebo, 26a 6)
[negritos nossos].

“É enganar-se, o fato de repreender às ciências matemáticas de negligenciar absolutamente o


bom e o belo. Longe disto, elas [as ciências matemáticas] ocupam-se muito deles, e são elas
que melhor as demonstram. Se elas não as nomeiam expressamente, elas constatam seus
efeitos e suas relações, e não se pode dizer que elas não tratam do assunto. As formas mais
evidentes do belo são a ordem, a simetria, a precisão, e são as ciências matemáticas que
se ocupam delas de modo mais eminente” (Aristóteles, Metafísica, 1078a 36) [negritos nossos].

Esta preocupação pela proporção será uma constante entre os antigos.

Eles tentarão definir um sistema de proporções ideais que se aplicam à figura humana. Assim

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fez o escultor Policleto (cujo apogeu da carreira foi por volta de 420-417 a. C.), ao redigir sua
obra, chamada de Cânon, isto é, “regra”, um verdadeiro tratado das proporções da figura
humana, sistematizando-as em fórmulas matemáticas que seus predecessores imediatos já
haviam mostrado e que ele exemplificou realizando uma estátua conforme ao seu sistema.
Alguns pensam que esta estátua seria o famoso “Dorífero”, isto é, “aquele que carrega a
lança”, do qual temos cópias.

A perfeição de suas estátuas era admirada por todos, ainda que ele fosse criticado por não
conseguir colocar vida interior nelas. Quintiliano, escritor latino do século I d. C., dizia a respeito
delas: “Si Policleto soube dar à forma humana uma beleza sobrenatural, não parece,
entretanto, que ele tenha conseguido transmitir completamente a majestade divina”.

Sem dúvida alguma uma estátua deve ser feita com proporções matemáticas para ser bela (os
elogios que Policleto recebia mostram isso), mas elas não bastam para fazer uma estátua
perfeita.

De fato, a matemática agrupa o estudo de uma parte importante da realidade, mas não a
esgota e muitas coisas do mundo não são capazes de ser estudadas pela matemática. São
realidades que deverão ser estudadas pela Ética, pela Política, pela Biologia, pela Metafísica,
etc.

Os gregos conheciam o número de ouro, do qual tratamos brevissimamente no nosso primeiro


artigo.

O número áureo, simbolizado pela letra grega ?, equivale a 1,618...

Ele é a expressão da proporção que há entre as partes de uma reta quando dividida em um
ponto preciso de sua extensão. Se tomarmos uma reta e a dividirmos em duas partes de tal
forma que a reta inteira esteja relacionada com a parte maior, da mesma forma que esta esteja
relacionada com a parte menor, teremos uma proporção de três números apenas:

_____________________________|____________

Reta Inteira / Parte Maior = Parte Maior / Parte menor

O resultado desta proporção dá o chamado número de ouro: 1,618...

Este número é uma constante no universo. Ele pode ser encontrado em variadíssimas coisas.
Assim, ele se encontra no corpo e no rosto humano.

A razão entre a altura de um rosto e a medida do queixo até a base do nariz é igual ao número
de ouro ou próxima dele. E quanto mais próxima for desse número de ouro, mais o rosto será
belo. A mesma medida se acha entre a medida do braço junto com a mão, para a medida do
cotovelo ao punho; do queixo até a boca, para a distância da boca até a base do nariz; de um
dedo inteiro para a medida de duas falanges, etc.

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A curva que tem a concha de um caracol, chamada pelos matemáticos de espiral logarítmica,
foi descoberta pelo filósofo e matemático René Descartes (1596-1650) e estudada pelo
geômetra Jacques Bernoulli (1654-1705). Por isso ela é também chamada de espiral
bernoulliana.

Esta curva é toda fundamentada no número áureo.

A altura de um anel de um caracol, dividida por sua largura dá exatamente o número de ouro. E
se se fizer o cálculo do maior crescimento do caracol para o menor dispêndio de material (lei da
economia) se achará que ele deve crescer na razão de 1,618.

Notem, na figura da direita, onde esta curva é representada, as divisões sucessivas que sofre o
retângulo no qual ela está inscrita. Estas divisões são feitas todas de acordo com a proporção
do número áureo:

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AD / AE = AE /ED = 1,618...

E cada retângulo formado pelas subdivisões do retângulo original será uma miniatura dele.
Conseqüentemente, a espiral logarítmica cresce guardando sempre a proporção original.

“Asseguram os geômetras que a bernoulliana (...) apresenta uma propriedade notável: Cresce,
conservando-se semelhante a si própria, e exprime, desse modo, o crescimento harmonioso.
Jacques Bernoulli tinha verdadeiro fanatismo pela espiral logarítmica, e considerava-a como
uma das sete maravilhas da Matemática” (Malba Tahan, As maravilhas da matemática, pp.
60-61)

Terminou pedindo que um pequeno arco desta espiral fosse gravado em seu túmulo, com a
seguinte inscrição: Eadem numero mutata resurgo – Mudada no número, ressurjo a mesma.

Esta mesma proporção e estas mesmas divisões são encontradas no Parthenon de Atenas,
todo fundamentado no número áureo:

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Aqui mostramos apenas a ordem geral colocada na fachada do Parthenon. No próximo artigo,
quando falaremos da unidade como elemento necessário à beleza, veremos outras
características do Parthenon.

Os romanos também tinham preocupação pela proporção.

Vitrúvio, arquiteto romano que viveu durante o governo de Augusto (fim do primeiro século
antes de Cristo e começo do primeiro século depois de Cristo), trata da proporção em seus
escritos.

É nas obras de Vitrúvio que encontramos termos como proporção e simetria, ou definições
como:

“Harmonia, em qualquer obra que seja, dos componentes de uma parte determinada e do todo
(...) correspondência apropriada dos membros de uma obra, e acordo estabelecido entre as
partes isoladas de uma parte determinada da obra e o aspecto da obra no seu conjunto”
(Vitrúvio, Sobre a arquitetura, III, 1; I, 2) [destaques nosso].

Sabemos que a palavra harmonia significava, primitivamente, ligação, união, junção. Os gregos
a aplicavam na Arquitetura. Pausânias empregou este termo ao falar dos enormes muros de
Tirinto, formado de grandes pedras juntamente com pequenas que preenchiam os espaços
existentes entre as grandes. Cada uma destas pequenas pedras servia de harmonia às
grandes. É assim que a harmonia pode ser chamada de “a consonância das coisas diversas”.

Também Plotino, filósofo neoplatônico nascido em 204 d. C., dizia que a beleza reside “no
acordo e na proporção das partes entre elas e com o todo” (Plotino, Enéadas I, 6, 1).

Para que algo seja uma bela totalidade, para que uma infinidade de seres constitua um mundo
belo, é necessário que as partes observem entre si uma ordem que as determinará
reciprocamente, uma proporção que as encaixe bem.

c) Santo Agostinho e Boécio: dois grandes mestres ensinados pela Antiguidade

Se a beleza material provém das medidas proporcionais, isto é, dos números, perguntavam-se
os gregos: Por que as proporções são belas?

O primeiro filósofo a tratar das relações entre a beleza e os números foi Pitágoras, e sua
influência se estendeu, através de Platão e dos neoplatônicos, por longos séculos. Santo
Agostinho e Boécio foram os transmissores dessa concepção numérica de beleza, nos
primeiros tempos da Idade Média.

No livro De Institutione Musica (I, 10), Boécio narra uma antiga lenda sobre como Pitágoras
teria descoberto a relação entre os números, a beleza e a música.

Diz ele que Pitágoras, passando um dia perto de uma forja, percebeu que os martelos,
golpeando a bigorna, produziam sons harmoniosos. A princípio, julgou que a causa estava na

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força com que os ferreiros batiam os martelos. Para verificar se isto era certo, fez com que eles
trocassem os martelos entre si. Percebeu, então, que os sons continuavam sendo
harmoniosos. Portanto, a causa da beleza não estava na força dos ferreiros. Pesou, então, os
vários martelos e verificou que eles tinham pesos tais, que era possível formar entre eles uma
proporção. Os pesos dos martelos eram 12, 9, 8 e 6, e assim era possível montar a seguinte
proporção:

6 / 8 = 9 / 12

E diz Boécio: "Os martelos que tinham pesos 12 e 6 ressoavam uma harmonia em "dobro". O
martelo (que pesava) 12 com o (que pesava) 9, assim como o martelo (de peso) 8 com o (de
peso) 6 se uniam com uma harmonia "diatessaron", segundo proporção epítrita; o 9, porém,
com o 6, e o 12 com o 8 ressoavam o tom em proporção "sesquioitava" (Boécio, De Institutione
Musica, Ed. Teub., 1857, p. 196, 197, 198).

Em outros termos, os martelos que pesavam 12 e 6, golpeando, produziam a oitava. Os que


tinham peso 12 e 9, ou 8 e 6 produziam a quarta. Entre o de peso 9 e o de peso 8 havia um
tom inteiro. Com efeito, em número de vibrações duplas por segundo, as proporções entre os
diversos sons naturais são:

DO 9/8 RÉ 10/9 MI 16/15 FA 9/8 SOL 10/9 LA 9/8 SI 16/15

Por exemplo, supondo que o DO fosse produzido por 24 vibrações duplas por segundo, as
demais notas teriam os seguintes números de vibrações:

DO=24; RÉ=27; MI=30; FÁ=32; SOL=36; LÁ=40; SI=45; DO=48

A oitava, isto é, de DO a DO, corresponde o dobro de vibrações por segundo. Chama-se quinta
o intervalo equivalente a 3/2 (de DO a SOL, 3/2). Quarta é o nome do intervalo de DO a FÁ e
corresponde a 4/3. Tom é o intervalo de DO a RÉ, por exemplo, e corresponde a 9/8.

Os sons agradáveis ao ouvido correspondem a números proporcionados, e esses números e


proporções seriam a causa da beleza musical. Quanto mais a relação numérica é simples, mais
harmonioso é o intervalo, mais facilmente o ouvido capta a harmonia, e mais rapidamente a
razão a compreende.

As harmonias fundamentais, resultantes de relações que são as mais simples e mais


facilmente perceptíveis, são o dobro, o triplo, o quádruplo, a unidade mais a metade (1+1/2 =
3/2), isto é, o intervalo de quinta, a unidade mais o terço (1+1/3 = 4/3), isto é, a relação de
quarta.

As leis que regem a beleza musical são, portanto, de ordem matemática. É a proporção que
causa a beleza sonora. Ora, como a vista está submetida a leis semelhantes às do ouvido, a
beleza das formas visíveis também deve derivar dos números e das proporções.

É a proporção numérica que produz a beleza, quer traduzida em formas sonoras, quer

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expressa plasticamente. Por isso, assim como na música, as figuras mais belas são as mais
simples e mais fáceis de serem compreendidas, isto é, aquelas cujas partes formam
proporções facilmente perceptíveis de 1/1, 2/3, 3/4.

A proporção mais fácil e mais simples é a de 1/1 e corresponde ao quadrado. Tudo no


quadrado lembra o um. Ora, o número 1 representa, simbolicamente, o princípio de identidade,
a simplicidade, a constância, a indivisibilidade, a força, etc.

De outro lado, o número 2 simbolizaria o composto, a divisibilidade, a variedade, a


multiplicidade. Boécio, no Institutione Arithmética, trata longamente das relações dos números
e das formas. Ele mostra que a unidade se relaciona com os ímpares, e o número 2 com os
pares. Mostra, ainda, que os quadrados são gerados pela soma do 1 com os números ímpares:

1 (1 x 1)

1 + 3 = 4 (2 x 2)

1 + 3 + 5 = 9 (3 x 3)

1 + 3 + 5 + 7 = 16 (4 x 4)

1 + 3 + 5 + 7 + 9 = 25 (5 x 5), etc.

Por sua vez, a soma do número 2 com os números pares produz os retângulos:

2 = (1 x 2)

2 + 4 = 6 (2 x 3)

2 + 4 + 6 = 12 (3 x 4)

2 + 4 + 6 + 8 = 20 (4 x 5), etc.

Ele observa ainda, entre muitas outras coisas, que na sequencia de quadrados e de retângulos
pode-se encontrar proporções contínuas:

Quadrados: 1 - 4 - 9 - 16 - 25 - 36 - 49...

Retângulos: 2 - 6 - 12 - 20 - 30 - 42...

Assim: 1/2 = 2/4; 4/6 = 6/9; 9/12 = 12/16; e etc.

Portanto, todo retângulo é a média proporcional entre o quadrado que o antecede e o quadrado
que o segue.

Além disso, todo número pode ser reduzido a quadrado e retângulos.

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Boécio, como os pitagóricos, vai além de uma simples observação aritmética, e parte para uma
simbologia e, mesmo, para uma metafísica dos números - porta ambígua por onde podem se
infiltrar o Panteísmo, a Gnose e a Cabala.

Eis o que ele diz: "Por outro lado, postos os ímpares em ordem a partir da unidade, e sob estes
os pares, a partir da dualidade, a acumulação dos ímpares forma tetrágonos; a dos pares, por
outro lado, transforma os superiores (os pares) em retângulos. Portanto, esta é a natureza dos
tetrágonos gerados pelos ímpares: que são os partícipes da unidade, isto é, de uma mesma e
imutável substância, e iguais a todas as suas partes, porque os ângulos são iguais aos
ângulos, os lados iguais aos lados, e a largura ao comprimento; por isso, deve-se dizer que tais
números são de uma mesma natureza e partícipes de uma substância imutável; aqueles
porém, aos quais a paridade cria retângulos, diremos que são de outra substância" (Boécio, De
Inst. Arithmetica, Ed. Teub., pp.117-118).

E mais: "Todo número, portanto, consta daquelas coisas inteiramente desunidas e contrárias,
que são os pares e os ímpares. Aqui, pois, a unidade, ali, a variação da instabilidade; aqui, o
vigor imóvel, ali, a mudança do móvel; aqui, a solidez definida, ali, a geração infinita da
multiplicidade... Pelo que, não sem razão, foi dito que todas as coisas que constassem de
contrários seriam unidas e compactas por uma certa harmonia. A harmonia dos múltiplos é,
pois, o consenso e a união dos dissidentes" (Boécio, De Inst. Arithmetica, p.125-126).

Daí os filósofos medievais afirmarem que algo é belo na medida em que harmoniza a unidade e
a variedade, a estabilidade e o movimento, o par e o ímpar, o grave e o agudo, o pesado e o
leve, o quadrado e o retângulo, etc.

Há vários tipos de proporção. Aquela que Pitágoras encontrou ao pesar os martelos dos
ferreiros era composta de quatro números diferentes:

6 / 8 = 9 / 12

Se tivermos uma proporção entre três números apenas, em vez de quatro, essa proporção será
mais simples, e, por isso será mais facilmente apreendida pela inteligência. Esta é a proporção
chamada de contínua pelos matemáticos e de analogia, pelos gregos antigos. Por exemplo, a
proporção 1 / 2 = 2 / 4.

Nela, o termo médio é repetido, facilitando a apreensão da relação entre as duas razões. É o
caso da proporção áurea.

Se houvesse uma proporção ainda mais simples, ela teria que ser mais agradável ainda, pois
que a simplicidade das coisas as faz mais semelhantes a Deus, que é a simplicidade absoluta.

Os cinco livros que compunham o De institutione musicae serão o fundamento da especulação


musical teórica da Idade Média.

Santo Agostinho também será devedor dos antigos. As afirmações dele sobre a proporção
mostram um modo de pensar devedor das afirmações já enunciadas antes pela Antiguidade:

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“Em que consiste a beleza do corpo? Na conveniência das partes entre si, acompanhada de
uma certa doçura de cores” (Santo Agostinho, Epístola 3).

"Quando a razão percorre o céu e a terra, descobre que nada lhe agrada fora da beleza; e na
beleza, as figuras; nas figuras as dimensões; nas dimensões os números" (cf. Santo Agostinho,
De Ordine, II, XV, 42).

E o mesmo Santo Agostinho, no De musica, pergunta: "Podemos amar outra coisa senão a
beleza? Mas é a harmonia que agrada na beleza; ora, nós já vimos, a harmonia é o resultado
da igualdade nas proporções. Esta proporção igual não se acha apenas nas belezas que são
do domínio do ouvido ou que resultam do movimento dos corpos, mas ela existe ainda nessas
formas visíveis, às quais damos mais comumente o nome de beleza" (S. Agostinho, De musica,
VI, 13, 38).

A tradição e o ensinamento de Boécio e S. Agostinho serão perpetuados, na época das


invasões bárbaras, por Santo Isidoro de Sevilha (século VII), pelos círculos de eruditos da
Irlanda e, cultivados pela Renascença carolíngia entre os séculos VIII-IX, chegarão até a Idade
Média clássica.

d) O ensinamento de Santo Tomás sobre a proporção

Santo Tomás não escreverá nenhum tratado dedicado unicamente à proporção, muito menos
algo com a mesma ótica de Boécio, discorrendo longamente sobre as façanhas das quais os
números são capazes.

O Doutor Comum também não analisou a existência da proporção em tal ou tal domínio
concreto da criação, compondo um estudo dedicado à uma parte especial da criação.

Recebendo a cultura estética de sua época, devedora de Boécio e de Santo Agostinho, ele
dará alguns princípios gerais sobre a proporção, que nós citaremos aqui e que, com as
explicações que demos acima, já estão suficientemente exemplificados.

A proporção, nos ensina Santo Tomás, é uma relação entre seres:

“A proporção pode ser dita em dois sentidos. De um modo, para exprimir uma relação
quantitativa. Assim, o duplo, o triplo, o igual, são espécies de proporções; de outro modo,
qualquer relação de um termo a outro pode ser chamada de proporção, e assim há proporção
da criatura a Deus, pois ela está com Ele na relação de efeito à causa, e de potência a ato”
(Suma Teológica I, q. 12, a. 1, ad 4).

A primeira espécie de proporção se dará nos seres materiais, onde há quantidade. Assim, a
proporção será a expressão de uma relação quantitativa:

a / b = c / d ou 1 / 2 = 3 / 6

É o que constata Santo Tomás na sua afirmação que acabamos de ler: “A proporção pode ser

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dita (...) para exprimir uma relação quantitativa. Assim, o duplo, o triplo, o igual, são espécies
de proporções”.

É o que vimos exaustivamente ao percorrermos as teorias antigas e suas aplicações na arte.

Fruto da ação da inteligência, a proporção só será conhecida pela inteligência, e não pelos
sentidos:

“(…) a apreensão sensível não vai até poder considerar a proporção [isto é, a relação] de uma
coisa à outra, mas isto é próprio da razão” (Suma teológica II-II, q. 58, a. 4).

Com a proporção, cada parte se relaciona com outra e com o todo de modo inteligente, como o
criador do conjunto via que era conveniente, o que já explicamos longamente nos artigos
passados.

O segundo modo de proporção se dá nos seres materiais, mas está presente também nos
seres puramente espirituais. O pedaço de ferro quente esquentado pelo fogo possui uma
temperatura proporcionada à intensidade de calor que tem o fogo que o aqueceu. Os anjos
possuem perfeições que Deus lhes deu e que têm alguma relação, alguma proporção, com as
perfeições de Deus. Todo efeito possui alguma relação com sua causa, alguma proporção com
ela.

Quando uma pessoa se torna mais e mais virtuosa ela torna-se cada vez mais proporcionada a
Deus, tendendo cada vez mais à unidade com Ele. Porém, não se pode medir a virtude em
números. Com efeito, ela não é uma quantidade, mas uma qualidade.

e) A Idade Média como sábia discípula da Antiguidade: a proporção como norma


artística

A estética da proporção, tendo encontrado seu ponto de partida nas teorizações musicais da
Antiguidade tardia e do começo da Idade Média, adquiriu depois formas cada vez mais
complexas.

Pouco a pouco essa teoria será colocada à prova na arte concreta, realizada na matéria.

Vemos isso claramente no progresso da arte musical, como mostraremos agora.

Se o leitor não está acostumado ao vocabulário técnico que usaremos, com termos próprios da
história da música, ele poderá facilmente encontrar explicações mais detalhadas na internet, ou
em qualquer manual de história da música. Entretanto, buscamos tornar a explicação seguinte
o mais compreensível possível para aqueles que ignoram totalmente a arte musical.

Os antigos e os primeiros cristãos conheciam somente a homofonia. As músicas tinham


somente uma melodia e quando se cantava em grupos todos os cantores e instrumentos
executavam exatamente a mesma coisa, isto é, cantavam em uníssono. É o que se faz, até
hoje, no canto gregoriano: todos os cantores cantam exatamente a mesma melodia.

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O máximo que havia de diferença, em estilos diferentes do canto gregoriano, era que alguns
cantores ou instrumentos executavam a melodia numa oitava superior ou inferior (se um cantor
ou instrumento, por exemplo, fizesse a sequência DÓ-RÉ-MI, outros cantores ou instrumentos
faziam a sequência DÓ-RÉ-MI mais aguda ou mais grave).

É aos artistas da Idade Média que cabe a honra de terem inventado a polifonia, canto com
várias vozes, onde cada voz realiza uma melodia diferente e a execução de todas constitui
uma única música.

A invenção da polifonia foi uma revolução considerável que mudará toda a prática da arte
musical.

Ao século XX, século livre e construído pela razão e pelo progresso, cabe a honra de ter
inventado o rock, com seus grunhidos e distorções (musicais e cerebrais...).

No século IX, as duas vozes abandonam o uníssono e começam a seguir, cada uma
individualmente, uma melodia própria, mas sem sacrificar a consonância do conjunto.

As primeiras tentativas, no século IX, de associar duas partes distintas, uma cantada e outra
instrumental, receberam o nome de organum ou diafonia.

Eram sequências de intervalos de quartas e de quintas, cujo resultado nos parece hoje, depois
de toda a complexidade obtida na Renascença e no Barroco, algo rígido e pouco trabalhado.
Com efeito, imbuídos da doutrina musical greco-latina, os teóricos desta época não admitiam
os intervalos de terça e de sexta.

Esta forma inicial será aperfeiçoada no século XII. Uma terceira voz é introduzida acima da
melodia principal, geralmente formado de um fragmento tomada da liturgia, e recebe o nome de
descanto.

Nesta época as notas eram indicadas nas partituras por pontos. Por este motivo essa música
composta de várias partes, de várias vozes, será chamada de contraponto.

No final do século XII e no começo do século XIII, sob o reinado de Felipe Augusto, Paris se
tornará, depois de Limoges, um centro intelectual brilhante, onde se elaboram as bases da
polifonia nascente.

Dois nomes dominam este período: os compositores Leoninus e Perotinus, o Grande, ambos
mestres de capela da Catedral Notre-Dame de Paris. Eles enriquecerão notavelmente o
repertório litúrgico da catedral.

Perotinus, considerado como o verdadeiro criador da música polifônica, cultiva e aperfeiçoa ao


extremo todos os gêneros de música usados na época: o organum a três ou quatro vozes, o
moteto, conjunto vocal construído sobre uma melodia litúrgica, mas cujas palavras, às vezes
profanas (isto é, não religiosas), diferem em cada parte; o rondeau, ancestral do cânon; o
conduit, composição livre sem tema imposto, onde todas as vozes seguem o mesmo ritmo.

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Após Perotinus, serão a Espanha e a Itália que adotarão a música polifônica.

Diante de um organum de Perotinus, quando surge, sobre um fundo sonoro dado por uma só
nota dominante, o movimento complexo de um contraponto caracterizado por uma ousadia
verdadeiramente gótica, e que três ou quatro vozes se mantêm durante sessenta compassos,
em consonância sobre uma mesma nota de pedal, em uma variedade de ascendências
sonoras comparáveis às torres de uma catedral, vemos que os músicos medievais partem de
textos fornecidos pela tradição (Boécio, Santo Agostinho) onde a proporção é vista sob uma
ótica influenciada pela abstração platônica, e lhe conferem uma realização muito concreta.

A harmonia , “associação apropriada de vozes diferentes”, conforme a definição de Ucbaldo de


Saint-Amand na sua obra Musica Enchiriadis, se tornou uma aquisição técnica devidamente
experimentada e verificada.

Vicente de Beauvais, no século XIII, em uma obra intitulada Speculum maius, condensará a
teoria de Vitrúvio a respeito das proporções humanas, na qual se manifesta esta norma de
conveniência típica da concepção grega da harmonia proporcionada: as medidas de uma coisa
bela devem ser estabelecidas uma em relação à outra. Assim, por exemplo, o rosto deve medir
a décima parte do corpo (Speculum maius, I, 28, 2).

A partir de agora o princípio metafísico tornou-se princípio artístico.

Aqueles que pretendem que não houve trocas entre a teoria metafísica do belo e a teoria
metafísica da arte enunciam uma afirmação realmente arriscada.

Nosso próximo artigo será dedicado à consideração da unidade como elemento do belo, e
veremos que seu interesse, assim como no caso da proporção, data já da Antiguidade.

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A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da


Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual
(Parte 8)

A unidade agrada a inteligência pois na variedade das partes de um todo íntegro ela busca
porque tal coisa é do modo como ela é, una.

Pierre de Craon Lejeune

Este artigo é uma continuação de A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da


Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual, Parte 1, Parte 2 , Parte 3 , Parte 4,
Parte 5, Parte 6 e Parte 7.

A UNIDADE COMO ELEMENTO DO BELO

a) Introdução

Quando, no artigo precedente, nós apresentamos a fachada do Parthenon como exemplo


concreto de obra bem proporcional, não quisemos fazer uma análise exaustiva dessa grande
obra da Grécia antiga.

Em vista de considerar hoje outra característica da beleza, a unidade, queremos partir de mais
uma consideração sobre este monumento.

Os gregos nos transmitiram grandes conjuntos de esculturas decorativas. Elas são fruto de
obras coletivas, feitas por um exército de executantes. O autor François Chamoux, ao comentar
a construção não somente do Parthenon, mas também de tantas outras grandes obras gregas,
escreve:

“As esculturas do Parthenon foram concluída em um período de quinze anos, de 447 a 432,
durante os quais esculpiram-se as 92 métopas, os 160 metros do friso (com 360 personagens)
e as 40 estátuas colossais dos frontões. Podemos imaginar que problemas de organização um
tal trabalho deve ter dado ao mestre de obras, identificado atualmente por todos como sendo
Fídias. São centenas de operários que trabalhavam no canteiro da Acrópole, pedreiros e
trabalhadores de mármore, pintores e ourives, cada um com seus aprendizes ou escravos. E
entretanto, todos esses executantes, de idades e talentos sem dúvida muito diferentes,

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souberam se dobrar a uma disciplina comum e assimilar bem eficazmente o estilo de Fídias
para que, ao menos no friso, não haja nada de disparatado mas, a contrário, uma
extraordinária impressão de unidade. Uma tal conquista, que nos espanta, só era possível se
cada artista abandonava, ao benefício da obra comum, toda busca de originalidade. Podemos
conjecturar, sem grande risco de erro, que este esforço não lhes custou nada: cada um
considerava que ele devia fazer seu trabalho, isto é, realizar sua parte da obra conforme as
diretrizes do mestre de obras, ao invés de manifestar seu próprio gênio com o prejuízo de seus
vizinhos” (La civilisation grecque à l’époque archaïque et classique, Les Editions Arthaud, Paris,
1983, p. 296, tradução nossa).

E mais à frente o autor nos dá outro exemplo de preocupação pela unidade de uma obra:

“Mais curioso ainda é, talvez, no meio do século IV, o caso do mausoléu de Helicarnasso, para
o qual reuniram-se, conforme nossas fontes, quatro escultores ilustres, Escopas, Leocaros,
Timóteo e Briaxis. Cada um veio com seu ateliê para participar da decoração do grande túmulo
monumental. Ora, há mais de um século que a sagacidade dos arqueólogos tenta, inutilmente,
repartir em partes homogêneas os fragmentos encontrados nas ruinas do monumento, para
lhes atribuir a um ou outro dos quatro chefes da construção: tanto esses artistas, célebres sem
dúvida e certamente dotados cada um de um estilo muito pessoal, souberam dobrar seu
próprio gênio às exigências da colaboração necessária! Senso de trabalho em equipe e
respeito da profissão, tais são as qualidades primeiras do escultor grego. (...) Na arquitetura
encontramos esta preocupação de rigorosa perfeição: as colunas de um edifício dórico só
recebiam os sulcos depois que os tambores eram colocados no lugar. Assim obtinha-se uma
exata correspondência entre as finas arestas de pedra de cima à baixo da coluna” (idem, pp.
297-298).

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Estas informações nos mostram o quanto a unidade de uma obra era importante no mundo
grego.

O artista grego não buscava ser “original”. Ele compreendia ser parte de uma sociedade,
composta de membros unidos num todo. Ele não via a sociedade como um amontoado de
individualidades.

É uma visão da sociedade que causa escândalo à mentalidade moderna. Tudo o que é
universal e favorecedor de unidade é visto pela modernidade como totalitário. Uma atenção
privilegiada será dada à diferença, ao original, ao outro, ao “periférico”. Individualismo
maquiado de “atenção ao outro”. O bem comum não é mais um bem comum a todos,
indivisível, mas é como um bolo do qual cada indivíduo (ou grupo social) tira um pedaço. Feliz
aquele que tirar o maior.

b) Metafísica da unidade

Há dois tipos de unidade, a unidade matemática e a unidade metafísica:

“O uno é dito de dois modos. Há um uno que se converte com o ente, e há um uno que é o
princípio do número. Se falamos do uno que é conversível com o ente, ele não é limitado ao
gênero da quantidade, mas encontra-se em todos os entes (Santo Tomás de Aquino, In I Sent.,
d. 24, q. 1, a. 1, ad 1).

Vamos com calma...

Como todos nós sabemos, a unidade é, na matemática, o princípio do número. Todo número é
composto de unidades. O número 10 contém 10 unidades. Uma corda de 5 metros é composta
de 5 unidades de comprimento, de 5 vezes 1 metro.

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A unidade e o número, vistos assim, só se aplicam aos serem materiais, dotados de


quantidade. Com efeito, os números são abstraídos pelo matemático a partir da realidade
sensível quantificável.

Não tem sentido algum querer medir em metros um anjo, puro espírito:

“O uno, enquanto é princípio do número, não é atribuível a Deus, mas somente àquilo que
tem seu ser na matéria” (Suma Teológica I, q. 11, a. 3, ad 2).

A unidade matemática não tem seu lugar no mundo espiritual.

Como podemos dizer, então, que três anjos apareceram para Abraão?

Podemos dizer que três anjos apareceram a Abraão porque consideramos neles não a unidade
matemática, existente somente nos seres materiais, mas a unidade metafísica.

Santo Tomás explica em vários lugares o modo como a inteligência elabora a noção de
unidade.

Quando um objeto é apresentado à inteligência, a primeira coisa que ela conhece é que há
alguma coisa, que diante dela há um ente. Daí a máxima tomista: “A primeira coisa que entra
na inteligência é o ente”. É uma noção imediata que a inteligência adquire ao conhecer algo,
dizendo-se para si mesma: “Isto é, isto existe”. Ela não o faz depois de uma reflexão, de um
raciocínio, mas de modo imediato. Ela concebe assim um conceito vago do que é o ente.

Em seguida a inteligência se dá conta de que este ser (um livro, por exemplo) não é aquele
outro (um lápis), de que há uma diferença entre o ser que ela considera diante dela e os outros
seres em volta.

Finalmente, a inteligência vê que este ser (livro) pode ser distinto dos outros (lápis, etc.), mas
que é idêntico a si mesmo. Ela vê que este ser é uno, vê que nele não há uma divisão interna,
que ele é indiviso.

Mas o que pensar dos seres compostos de várias partes?

O que é composto não tem ser enquanto suas partes estão separadas, mas somente quando
estas partes estão reunidas e formam o próprio composto. É o caso de uma casa composta de
paredes, janelas, portas. Se um ser é um composto de matéria e forma, então ele terá uma
unidade substancial quando matéria e forma se unirem para constituí-lo. É o caso de um ser
humano (composto de matéria e alma).

“Vemos que se a noção de unidade é negativa, enquanto afirma uma indivisão (não divisão), o
ser uno é uma realidade positiva. O ser e o uno são, portanto, conversíveis, isto é,
universalmente todo ser é uno (ou indiviso) e o é na medida em que é ser” (Régis Jolivet,
Tratado de filosofia, tomo III, Livraria Agir, Rio de Janeiro, 1965, p. 247).

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Esta unidade metafísica não acrescenta nada ao ser, senão uma negação de divisão, isto é, a
afirmação de identidade do ser com ele mesmo.

Quando as partes de um ser são estreitamente relacionadas, então podemos dizer que elas
formam um todo único, e que este ser é um. Ela é a propriedade pela qual um ser foge da
divisão e, distinto de todos os outros, não se distingue de si mesmo.

Descrição evidente, que parece dizer bem pouca coisa. Porém, a unidade agrada nossa
inteligência e a impressiona muito.

Na variedade de partes proporcionalmente dispostas num todo íntegro a inteligência busca um


princípio, uma causa que lhe explique porque tal coisa é do modo como ela é, una.

Quanto mais uma inteligência se eleva na consideração do mundo mais ela agrupa, num
pequeno número de princípios gerais, a pluralidade de coisas que existem e que as
inteligências mais simples explicam por meio de uma grande quantidade de princípios.

As inteligências vigorosas podem possuir, é verdade, muita erudição. Porém, o que mais
impressiona nelas é a capacidade de abraçar o mundo inteiro com somente poucos princípios.

Aliás, é bem isso que caracteriza o sábio. Sábio, em geral, é aquele que conhece as coisas
pelas últimas causas, pelas causas mais altas. Quem contempla uma coisa sem conhecer suas
causas possui dela um conhecimento superficial (por exemplo, um camponês que vê um
eclipse sem saber por que ele acontece); quem o contempla conhecendo e indicando suas
causas próximas possui um conhecimento científico (o astrônomo diante do eclipse); aquela
pessoa porém que é capaz de reduzir seus conhecimentos aos últimos princípios do ser possui
a sabedoria filosófica. Por isso a Metafísica, que explica o mundo por meio dos princípios mais
elevados e gerais, merece o nome de Sabedoria (Santo Tomás de Aquino, Comentário à
Metafísica de Aristóteles, prólogo).

Sábio é quem conhece as coisas pelas suas explicações mais fundamentais, pelas causas
mais universais que regem todas as coisas. O sábio tende a agrupar muitos princípios em um
só, mais geral, de aplicação mais universal.

c) Unidade, ser e beleza

A unidade é uma propriedade que se identifica com o ser. Tudo o que é, pelo fato se ser, é um:

“Cada coisa que existe só possui o ser na medida em que ela é una. E é por isso que vemos as
coisas resistirem, na medida do possível, a ser divididas; e a dissolução delas provém sempre
de um defeito que está presente nelas. Daí vem que a finalidade buscada por aquele que
governa uma multidão seja a unidade e a paz” (Suma Teológica I, q.103, a. 3).

Um ser se conserva tanto quanto dura sua unidade. “O uno e o ser se identificam”, diz o

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princípio tomista que vimos mais acima.

“O uno não acrescenta ao ser coisa alguma, mas somente a negação da divisão, pois uno não
significa nada mais que ser indiviso. De onde vem que uno é o mesmo que ser, já que todo
ser ou é simples ou é composto. Se ele é simples, é indiviso em ato e em potência [isto é, é
indiviso agora e não tem a possibilidade de ser dividido depois; possui a indivisibilidade
perfeitamente, não podendo nunca ser dividido]. Se é composto, tem ser somente quando suas
partes passam da condição de separados à condição de unidos, formando o composto. De
onde resulta claro que o ser de qualquer coisa consiste na individuação. Por isso, qualquer
coisa conserva seu ser na medida em que conserva sua unidade” (Suma Teológica I, q.
11, a. 1) [negritos nossos].

Princípio abstrato, mas fundamental em muitos campos da vida humana, inclusive na vida
espiritual. As almas que nunca tomam um princípio que una suas ações e que as dirijam para
Deus terminarão se fatigando com toda espécie de futilidades e terminarão talvez numa
catástrofe. Uma queda grave, da qual ela talvez se levantará, mas que poderá levar ao
abandono de toda prática católica. Lembremo-nos de que “uma só coisa é necessária” (São
Lucas 10, 42).

Pois bem, numa obra de arte nós podemos ver numerosas e variadas partes ordenadas, mas
esta ordem supõe um princípio que coordena o agrupamento das partes. Uma vez existente,
ela precisa durar e agir sobre todas elas. É necessário um princípio estável e forte de unidade.
E como “o uno e o ser se identificam”, mais uma vez se apresenta diante de nós aquilo que
vimos nos artigos anteriores e que vemos ainda mais claramente agora: a beleza designa a
plenitude do ser. Quanto mais ser algo tem e, consequentemente, quanto mais unidade ele
tem, mais beleza ele tem.

É esteticamente belo aquilo que torna evidente a unidade fundamental de sua natureza. Ao
contrário, será feia a complicação que faz desaparecer a aparência de unidade, bem como a
representação de uma pluralidade indefinida, simplesmente porque a falta de unidade, ou sua
diminuição, implica uma corrupção, uma diminuição no ser.

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No artigo precedente tratamos da proporção e o que é, no fundo, uma proporção, senão a


redução de elementos diversos a um só quociente, isto é, a uma só unidade?

A proporção é a redução da variedade à unidade.

A unidade triunfa quando submete à sua lei os elementos variados que compõem um ser, e
este ser será tão mais belo quando maior for a unidade final, resultado da ordem.

Em alguns artigos anteriores já tratamos mais profundamente da ordem, de como a inteligência


conhece a ordem das coisas, de como a beleza está intimamente ligada à ordem e ao
conhecimento.

Não repetiremos tudo o que falamos antes. Repetir aquilo que se aprendeu ajuda muito na
compreensão, mas não queremos tornar este trabalho mais pesado do que ele já é.

O leitor poderá revisar o que falamos sobre a ordem e as relações da beleza com a inteligência
lendo os artigos anteriores, nos quais tratamos destas questões. Muitas delas são supostas
aqui.

Começamos este longo trabalho porque queríamos conhecer melhor o que é a beleza, conhecê-
la nas suas causas, porque “todo homem deseja naturalmente conhecer” (Aristóteles,
Metafísica, 980a21). Conhecer o porquê das coisas nos dá alegria e é, por si só, um motivo
legítimo de estudo.

Após termos visto tantos princípios luminosos nos artigos precedentes, compreendemos com
mais clareza que “as perfeições invisíveis de Deus, seu eterno poder e sua divindade, desde a
criação do mundo, são visíveis à inteligência através de suas obras”, como nos ensina São
Paulo (Epístola aos Romanos 1, 20).

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Estamos convencidos de que o mundo criado por Deus, as criaturas, manifestam aquele que
os fez. Elas fazem com que Deus seja conhecido por nós claramente, facilmente, pelo uso de
nossa inteligência: “O que se pode conhecer de Deus é manifesto entre os homens” (Rom. 1,
19).

Assim, continuamos este trabalho para não sermos culpados de uma ignorância inexcusável e
merecedores da punição reservada àqueles que tiveram o livro da criação diante de seus
olhos, livro perfeito e luminoso, mas que não o leram porque não o quiseram ler:

“São vaidade todos os homens em que não se encontra a ciência de Deus, e que pelos bens
visíveis não chegaram a conhecer aquele que é, nem, considerando as suas obras,
reconheceram quem era o Artífice; mas o fogo, o vento, o ar sutil, ou o giro das estrelas, ou a
imensidade das águas, ou o sol e a lua, (...) [que os homens] reconheçam quanto é mais
formoso do que elas aquele que é seu Senhor; porque foi o autor da formosura que criou todas
estas coisas. Ou, se eles se maravilharam do seu poder e das suas influências, entendam por
elas, que o que as fez é mais forte de que elas; porque pela grandeza e formosura da criatura
se pode visivelmente chegar ao conhecimento do seu criador. Todavia estes homens são
menos repreensíveis, porque, se caem no erro, é talvez buscando a Deus e desejando
encontrá-lo. Porquanto eles buscam-no pelo exame das suas obras, e são seduzidos pela
beleza das coisas que vêem. Mas, por outra parte, nem estes merecem perdão, porque, se
chegaram a ter luz bastante para poderem fazer uma ideia do universo, como não descobriram
mais facilmente o Senhor dele?” (Sabedoria 13, 1-9).

Por isso escreve São João Crisóstomo:

“De onde o conhecimento de Deus era manifesto aos povos? Porventura Deus falou com eles,
fazendo-os escutar sua voz? De modo algum. Verdadeiramente, Deus fez algo que poderia
atrair os povos mais do que qualquer voz: estabeleceu o mundo criado, de modo que o sábio e
o estúpido, o habitante da Cita e o bárbaro, conduzidos tão somente pela visão da beleza das
coisas visíveis, podem subir até Deus” (Comentário à Epistola de São Paulo aos Romanos,
homilia 3, 2).

É isso que buscamos fazer com este nosso progressivo trabalho, e nossa maior felicidade seria
a de levar aqueles que o lerem a um amor por Deus que, com sua graça, chegasse à perfeição
no Céu, onde contemplaremos a Beleza eterna face à face, sem risco de perdê-la, para
sempre.

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A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da


Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual
(Parte 9)
Não basta que um ser seja íntegro, proporcionado e uno para ser belo, mas é preciso que ele
tenha claridade.

Pierre de Craon Lejeune

Este artigo é uma continuação de A beleza no mundo, no homem e em Deus: a Filosofia da


Arte, a Sabedoria de Deus na Criação e a vida espiritual, Parte 1, Parte 2 , Parte 3 , Parte 4,
Parte 5, Parte 6, Parte 7 e Parte 8.

A CLARIDADE COMO ELEMENTO DO BELO

a) Introdução

Chegamos até a consideração do último elemento necessário à beleza de algo: a claridade.

Ao longo de todos os nossos artigos tentamos mostrar que a beleza é essencialmente objeto
da inteligência.

Como nos daremos por satisfeitos se nossos leitores, depois de lerem esses artigos - às vezes
tão monótonos porque tão repetitivos no modo de apresentar os princípios filosóficos -
terminarem compreendendo e absorvendo esta verdade: a beleza não cai na esfera da
sensibilidade, mas é percebida pela inteligência. Na bela expressão de Maritain, “o lugar
natural da beleza é o mundo inteligível, é de lá que ela desce” (Art et Scholastique, in Oeuvres
completes de Jacques Maritain, Éditions Universitaires, Fribourg-Suisse et Éditions Saint-Paul,
Paris, volume I, p. 640).

Não basta que um ser seja uno, proporcionado, íntegro, que nos atraia pela variedade de seus
elementos. É necessário ainda que ele se mostre de modo manifesto à inteligência.

Por isso Santo Tomás diz que “a beleza requer três condições. Primeiramente integridade ou
perfeição; as coisas mutiladas são feias por este fato mesmo. Depois, a proporção devida ou
consonância. E, finalmente, a claridade; por isso as coisas que têm cores nítidas são ditas
belas” (Suma Teológica I, q. 39, a. 8).

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Como bem comenta Maritain (Art et Scholastique, p. 642), “integridade porque a inteligência
ama o ser, proporção porque a inteligência ama a ordem e ama a unidade, enfim e sobretudo
brilho ou clareza, porque a inteligência ama a luz e a inteligibilidade”.

Não é normal que alguém se conforme àquilo que é obscuro e confuso, que alguém aceite o
contraditório, o que é impreciso. A inteligência quer ver e, onde se vê, há luz, há claridade.

É essa claridade essencial à beleza que veremos hoje, esperando completar assim o estudo
das características necessárias à beleza. Uma vez conquistado este terreno atacaremos um
próximo assunto, esperando obter ainda mais claridade num assunto tão fascinante como
esse.

b) Resplendor da forma

Como dissemos acima, não basta que um ser seja íntegro, proporcionado e uno para ser belo,
mas é preciso que ele tenha claridade.

Os antigos sempre viram no resplendor um elemento necessário à beleza.

O motivo disso é evidente: se belo é aquilo que agrada a visão (Suma Teológica I, q. 5, a.4, ad
1), consequentemente é necessário haver alguma luz, alguma claridade da parte do objeto.
Algo só é visível e capaz de ser conhecido na medida em que é claro. Inversamente, quanto
mais obscuro é o objeto, menos ele será conhecido, visível e agradável aos olhos.

Logo, para que algo agrade a faculdade de conhecer do homem, ela deve ser dotada de
alguma claridade, deve resplandecer com uma elegância especial.

Por isso as iluminuras medievais eram feitas quase sempre com cores bem vivas:

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E é uma das causas que faz com que a roupa da Guarda Suíça seja tão bela.

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Mas em que consiste esta claridade?

Bastam a claridade material e as cores vivas?

Defender que o único resplendor possível de existir na beleza é o resplendor material das cores
e da luz visível não permite explicar porque atribuímos beleza às ações e às verdades que são
ditas, por exemplo. Não permite compreender também como alguém pode ver beleza num
teorema de geometria.

Para compreendermos que resplendor é esse, necessário à beleza, precisamos voltar nossos
olhos novamente, de modo rápido ao menos, para aqueles dois princípios que compõem todos
os seres materiais, dos quais tratamos nos primeiros artigos que publicamos deste nosso
trabalho: matéria e forma.

Este ensinamento aparece sem cessar em todas as obras de Santo Tomás. A VIII tese tomista
resume este ensinamento de maneira magistral: “A criatura corpórea é, quanto à essência
ela mesma, composta de potência e de ato; esta potência e este ato na ordem da
essência são designados pelos nomes de matéria e forma”.

Havíamos explicado que a forma substancial é o princípio específico de um corpo, sua causa
formal. Sua função é de constituir com a matéria-prima tal ou tal corpo. Isto quer dizer que,
sendo a matéria-prima indiferente a constituir qualquer ser composto, é a forma que, por sua
união com ela, a diferencia, a especifica, determinando que seja pedra, cachorro, madeira, etc.

A forma será, daqueles dois princípios (matéria e forma) que constituem os seres materiais,

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aquilo que constitui algo em uma espécie determinada. Os escolásticos souberam exprimir
muito bem esta verdade, resumindo-a no seguinte princípio: “Forma dat esse - A forma dá o
ser”.

Algo é definido e conhecido, então, por sua forma.

Mas assim como a luz material manifesta as características visíveis das coisas e permite aos
meus olhos conhecê-las, assim também a forma substancial exprime o que a coisa é para a
inteligência, permite definir cada coisa e que, portanto, a manifesta para a inteligência.

Por isso posso dizer que tudo o que manifesta algo é luz.

Será legítimo, então, dizer que as formas das coisas são luz, porque manifestam para minha
inteligência o que as coisas são.

A forma de cada ser é um princípio de conhecimento, de inteligibilidade, é como um raio de luz


que o Criador colocou em cada ser.

Por isso podemos dizer que cada ser é um raio de luz inteligível, que permite à inteligência
subir de ser em ser até Aquele que criou cada um e todos, que os fez cada qual com suas
propriedades, com uma ordem, com qualidades próprias e diversificadas.

A Causa suprema de todas as coisas imprimiu sua marca em cada uma de suas criaturas.
Cada uma encontra em si por onde dar testemunho de Deus. De cada ser partem raios que
convergem até Deus.

Nós conhecemos cada ser por suas propriedades particulares, que podem ser vistas, tocadas,
sentidas. Mas, como todas as características particulares que cada ser possui provêm de sua
forma, uma vez que a forma dá o ser com tudo o que ele tem, então também podemos dizer
que estas características próprias de cada ser são o resplendor da forma deste ser.

Quanto mais um ser for elevado na hierarquia dos seres, mais ele será belo. Sua forma lhe
dará mais ser, suas características poderão ser mais manifestas e nós poderemos ter mais
conhecimentos dele.

Haverá tantas formas de beleza quantos modos de resplendor possíveis, para um determinado
ser.

Assim, o resplendor da forma sobre as diversas partes proporcionadas da matéria constituirá a


beleza sensível.

O resplendor da forma sobre as capacidades espirituais produzirá o belo intelectual.

Finalmente, o resplendor da forma sobre as ações produzirá a beleza moral.

A forma substancial do homem é a alma. Consequentemente, o resplendor da alma sobre as

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partes proporcionadas do corpo produz a beleza física do homem; o esplendor da alma sobre
as capacidades espirituais gera no homem a beleza intelectual; finalmente, o esplendor da
alma sobre os atos humanos causa a beleza moral.

Uma vez constituído perfeitamente pela forma unida à matéria bem proporcionada, cada ser
terá uma perfeição intrínseca e será fundamentalmente belo. Ele se tornará belo, no sentido
próprio e pleno do termo, quando essa perfeição, dada pela forma substancial, resplandecer e
se revelar com clareza.

Como vemos, este resplendor consiste na nítida compreensão, pela inteligência, do ser
conhecido. Ela consiste no conhecimento manifesto da perfeição e da ordem que possui
aquele objeto apresentado à inteligência, e esta perfeição pode ser física, intelectual e moral.

E quanto mais um ser for facilmente compreensível pela inteligência, quanto mais facilmente
ele permitir essa visão de toda a ordem que foi posta na realidade e a ascensão da alma até a
Causa primeira de tudo, então haverá nela o resplendor de seu ser.

Quanto mais perfeito for o ser de algo, quanto mais a disposição exterior e a ordem interior de
um objeto facilitar seu conhecimento, tão mais claro ele aparecerá à inteligência e a iluminará
mais facilmente.

Fica mais fácil compreender o que Santo Tomás quer dizer quando afirma que “o belo pertence
propriamente à noção da causa formal” e que “se refere ao entendimento” (Suma Teológica I,
q. 5, a.4, ad 1).

Este conhecimento é agradável e dá prazer ao indivíduo que o tem. Todo homem deseja
naturalmente conhecer e fica feliz, chegando até a sorrir, quando compreende algo com
clareza.

c) Conclusão

Chegamos assim ao final da nossa análise sobre os cinco elementos característicos da beleza.

Os numerosos artigos que escrevemos nos ajudaram a compreender que a beleza é algo
estreitamente relacionado com a ordem, com a proporção, a integridade e, consequentemente,
com a inteligência.

Quanto mais uma inteligência estiver formada para ver estes elementos num ser (escultura,
pintura, música, poesia, na natureza, etc.), mais claramente ela os conhecerá, com mais
agrado, e poderá se satisfazer com eles de modo muito mais frutuoso. É possível, e
necessário, educar a inteligência para discernir o belo do feio. A inteligência saberá também
passar do inferior ao superior, partir das criaturas para chegar até Deus.

É com esta intenção que passaremos agora a considerar outros tópicos relacionados à arte e à
beleza.

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Montfort
Associação Cultural
http://www.montfort.org.br

Nos próximos artigos, veremos se a beleza é ou não um transcendental e se depende de


algum modo do gosto de cada pessoa.

Veremos o que é arte, se a arte deve ser regida pelos princípios da moral ou se o artista pode e
deve estar livre de toda e qualquer restrição neste sentido.

Veremos se é possível que a arte transmita ideias.

Buscaremos estudar cada escola artística - ou ao menos as principais dentre elas - não só
considerando as particularidades técnicas, mas sobretudo os princípios filosóficos sobre os
quais elas estão construídas, com que características eles se manifestam nas obras de arte e
de que modo influenciam as pessoas que as admiram.

Com a ajuda de Deus esperamos tratar destas questões, sem pretensões de erudição, ao
mesmo tempo em que buscaremos dar fundamentos sólidos para trazer as almas até Ele, que
criou os céus e a terra.

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