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A ÉTICA E O BELO SEGUNDO KANT: PELA FACULDADE DO

JULGAR
Ramiro Délio Borges de Meneses*
*Professor Adjunto do Instituto Politécnico de Saúde do Norte

Resumo
Segundo Kant, o belo resulta da concordância harmoniosa entre uma forma sensível imaginada
para exprimir uma ideia, e um ideia concebida para ser expressa por uma forma. O belo será o
que satisfaz o voo livre da imaginação, sem estar em desacordo com as leis da Verstand. O
objecto belo não é um sistema artificial de meios, mas antes uma disposição de partes
habilmente calculada com a mira num fim distinto de si mesmo. Será, segundo a expressão de
Kant, uma finalidade sem fim, isto é, a verdadeira beleza não está ligada a um fim, mas
aparece como sendo livre e viva, expandindo-se sem intenções reservadas.
Kant distingue essencialmente o belo do sublime. O primeiro consiste na harmoniosa
coerência do entendimento e da imaginação, enquanto que o sublime consiste na sua
desproporção. A vista do belo desperta em nós uma alegria pura, muito embora o sublime
tenha algo de melancólico e pungente.

Palavras-chave: Kant, S. Tomás; Sublime; Arte; Fim; Meio; Entendimento; Razão

Introdução além das categorias do entendimento e da


lei moral da razão prática?
Segundo Kant, são múltiplas as formas Existem juízos em que a categoria, que
pelas quais se pode passar a abordar a subsumem o particular têm de ser
natureza, tal como se ela possuísse uma descobertos, a que Kant denominou de
técnica que a diferencia, nos seus “reflexivos” por oposição àqueles em que a
resultados, em géneros e em espécies, regra já está dada à partida, isto é, os
como se possuísse princípios de unidade “determinantes”, onde intervém o sentido
nas suas múltiplas leis adequadas às do prazer.
faculdades do sujeito, como se algumas A existência dos juízos estéticos é um dado
das suas formas possuíssem qualidades tais de facto, evidente per se. A existência do
que nos provocam um sentimento de juízo estético coloca alguns problemas: em
prazer (estético). Esta diversidade de primeiro lugar, o que é in stricto sensu o
modos de situar a Natur, introduzidas belo tal como se manifesta no dito juízo,
todas elas com a prevenção do como se, em segundo, reporta-se ao fundamento
são modos de ajuizar que indicam uma que possibilita tal juízo. Mas, como irá
regra ou princípio no cerne da faculdade solucionar Kant esta questão.
do juízo. O Belo, segundo o idealismo
Serão fornecidos a este princípio da transcendental, não pode ser uma
faculdade de ajuizar uma qualidade que propriedade objectiva das coisas (o belo
tornará possível uma diferença e que ontológico), mas nasce da relação entre o
mantém a autonomia da referida objecto e o sujeito, não estando também o
faculdade. sublime nas coisas, mas no homem.
Muitos pensam que para além dos Segundo S. Tomás de Aquino, o belo é uma
princípios transcendentais não existem propriedade ou qualidade real das coisas.
mais nenhuns à luz do idealismo Na verdade, a beleza repousa num aspecto
transcendental kantiano. Naturalmente, dos seres existentes, capazes de
poderemos perguntar: como poderemos fundamentar uma determinada relação às
admitir um outro ou outros princípios para potências cognoscitivas. Por isso é que o

EVIDêNCIAS Nº Apresentação abril 2013


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Doctor Angelicus descreve o Belo como em que o esse e o seu conhecimento são
pulchra dicuntur quae visa placent. Mesmo indefinidamente perfectíveis, abrem-se
que, por absurdo, não houvesse orientações para o mistério, e/ou para a
entendimentos capazes de as contemplar magia, para uma participação e presença
seriam belas se integrassem a perfeição inefável pelo acto de existir e pela sua
ontológica capaz de acordar um deleite, consciência.
em quem primeiro as conhecesse. A noção de Beleza e de Sublime não se
Entre as duas leituras, sobre o Belo e o restringe a nenhum atributo de ordem, de
Sublime, encontramos naturaliter uma proporção, de integridade, de fulgor ou de
terceira interpretação, elaborada por nós, brilho, que a colocariam em acepções
onde estas duas entidades são axiológicas. particulares, como seriam os arquétipos
Quer uma quer outra são o esplendor da platónicos de harmonia de formas
dignidade quer do sujeito, quer do objecto. (formosura).
O Belo será a estupefacção da relação dual Assim cabe na definição, não só o chamado
e fundamental da axiologia. belo horrível, que me dá uma impressão de
grandeza no horror, mas mesmo o feio,
O Belo e o sublime como expressões enquanto feio parcelar, através do qual se
ontológicas. revelam aspectos positivos ou a
abundância do esse. A Beleza e o seu
A beleza, segundo a escolástica, não é uma conhecimento são, pois, uma espécie de
noção construída a priori, donde se possa restauração e de renovação dos seres que
partir como fundamento de construção vemos habitualmente à maneira de
sistemática. Será um facto que, perante esquemas utilitários. Sempre que as coisas
certos seres, nos sentimos particularmente se nos apresentam na sua gratuitidade
atingidos. Assim, poderemos afirmar, com esplendorosa são belas
S. Tomás de Aquino, que o belo é aquilo Reagindo a este aspecto, Kant refere a
que provoca um conhecimento gozoso Beleza como a forma final de um objecto,
(pulchra… dicuntur quae visa placent).1 enquanto percebida sem representação do
Aqui encontramos o constitutivo da Beleza, fim2 ou aquilo que agrada universalmente
que vem “de fora”. A definição tomásica sem conceito. A emoção estética seria
aparece com carácter de ordem relativo e naturalmente a perfeita harmonia das
com um sentido objectivista. faculdades congnoscitivas consigo mesmas.
O objecto belo, causando em mim um Se definirmos a Beleza em função do “ser”,
estado de unificação, de conhecimento então será a Beleza incluída no âmbito dos
aprofundado e de “fruição gozosa”, transcendentais, muitos apresentam-na
devendo ser inteligível e bom. Como o uno, como interferência mútua do verum e do
verdadeiro e o bom estão intimamente bonum, isto é, como verdadeiro enquanto
ligados ao Belo, como transcendentais de nos aparece na sua bondade ou ao invés.
ser, encontram-se ligados entre si, em Segundo Maritain, o belo aparece como o
perfeita permuta ontológica. esplendor de todos os transcendentais
Cada ser terá tanta riqueza ontológica, reunidos 3 dado que, aqui reside o seu
quanta bondade. carácter excepcional, acima do viver
Sempre que estas características se pragmático.
apresentem com especial intensidade Poderíamos considerar a corrente do Uno,
temos que o ser se nos revela no seu representada pela tendência neoplatónica
esplendor. Será o caso da Beleza, que de Alexandria, Plutino, Santo Agostinho – a
poderíamos defini-la como o esplendor do unidade é a forma de toda a beleza – como
ser – splendor esse. O esplendor não quer se diz no Devera Religione de todos os que
dizer brilho interior do objecto, fazem consistir a Beleza na unidade do ser
encontrando-se com plenitude de e na sua “contemplação”. Mesmo
apreensão subjectiva. Assim, na medida Aristóteles, e todos os que na Idade Média
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definiram a Beleza como proporção, ordem Assim, a definição de S. Tomás é etiológica,
ou harmonia, outra coisa não fazem senão muito embora apareça orientada para o
reduzir a multiplicidade à unidade e efeito. Dá-nos a noção de belo no seu
integrar-se na corrente do Uno. A do fundamento ontológico e não como
verdadeiro incorporam-se todos aqueles “realidade poiética”. Para S. Tomás, o belo
que a vêem no Veritatis splendor, numa surge na riqueza ontológica do esse, capaz
linha platonizante. de causar gozo ao ser contemplado. Mas
Como remate, diremos que S. em S. Tomás, o belo (pulchra) implica o
Alberto Magno e S. Tomás de Aquino dão- “gozo” - pulchra dicuntur quae visa placent.
nos a fórmula que melhor parece sintetizar As faculdades cognoscitivas
os três aspectos precedentes, quando nos poderão ter o “gozo”, se forem apetites. O
dizem que a Beleza é o forma esplendor, entendimento, como potência operativa,
entendendo por forma, segundo a filosofia será uma tendência par buscar o esse.
perene, o princípio interior que determina Naturalmente, deleitar-se-á na consecução
e dá essência e valor do ser. O conceito de do seu fim último, gozar-se-á sempre o que
Belo, segundo S. Tomás de Aquino, refere- o ser vier ao pedir a sua fome insaciável.
se como: pulchra dicuntur quae visa Cada intelecção humana na perspectiva
placent. O Belo apresenta-se como tomásica, implicará a distinção entre dois
propriedade ou aspecto real das coisas. Se aspectos, entre a perfeição formal da
não houvesse entendimentos capazes de consciência e o movimento assimilador,
as contemplar – o entendimento criador que alimenta a cognitio. Mas, este
será condição do esse das coisas surgiriam movimento é sustentado pelo impulso
belas se incluíssem a realização ontológica, natural, que arrasta a inteligência,
capaz de determinar um deleite nas enquanto res quaedam para a sua
pessoas que as conhecessem. Já S. perfeição5.
Agostinho perguntava: as realidades são A inteligência procura o
belas porque me agradam, porque eu verdadeiro, como o apetite o Bem. O
gosto delas ou porque possuem a beleza verdadeiro é determinado, não como um
para despertarem um gozo? reflexo dirigido de fora sobre a inteligência,
S. Agostinho parece dizer que as mas como um fim determinado, isto é,
realidades deleitam por serem belas: et como um Bem, tal como refere S. Tomás
prius quaeram utrum ideo pulchra sint, de Aquino: verum nominat id in quod tendit
quia delectant, an ideo delectent quia intellectus. Com efeito, aquilo que é
pulchra sint. Hic nihi sine dubitatione verdadeiro será o bem, como se refere:
respondibitur, ideo delectare quia pulchra ipsum verum in quantum est finis
sunt.4 intellectualis operationis continctur sub
A beleza surge uma expressão bono ut quoddam particulare bonum.6
ontológica e realiza-se num aspecto dos A inteligência encaminha-se para a
seres existentes, capazes de fundamentar verdade, como se encaminha para um
determinada relação às potências Bem, e, na sua verdade, toda a tendência
cognoscitivas. goza-se na realização de um fim, como
Naturaliter, se a contemplação de sendo o próprio Bem, teremos, pois, que a
certos objectos causa “gozo”, será porque intellectus atinge um finis na apreensão
existe nelas propriedades, ou perfeições dos seres (esse) ou da verdade (veritas),
que são capazes de criar, em nós, esse permitindo que se gozem neles. Segundo o
nosso de contemplação do bem. belo, os seres podem deleitar as faculdades
S. Tomás coloca o belo na cognoscitivas uma vez que finalizam a
possibilidade que os entes têm de nos tendência, para o Bem, porque são o seu
oferecerem o gozo, ao conhecê-los, na sua Bem. Enquanto a posição Kantiana sobre o
riqueza, sendo capazes de quod nos, Belo se referencia como uma concepção
despertarem o gozo da sua contemplação.
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gnosiológica segundo S. Tomás s fome do intellectus. S. Tomás assevera que
perspectiva será de âmbito ontológico. este gozo não é da ordem da causalidade
Como refere Fernando Leite: final, mas antes da formal, ao dizer:
“porque o seu gozo pertence à ordem das pulchrum proprie ad causae formalis
causas formais, e não das finais, para a sua rationem pertinet.11
determinação ou especificação, na A emoção estética será fruto do
contemplação das formas ou da verdade. O exercício harmonioso das faculdades
belo é, pois, não aquilo que simplesmente anímicas, que se saturam de acordo com a
agrada a uma apetite, mas aquilo cuja perfeição do objecto, em cuja
apreensão ou contemplação deleita”.7 contemplação se enlevam as potências
Segundo S. Tomás de Aquino, visto operativas da mente.
que o bem seja aquilo que apetecem todas Entre o Belo, como finalidade sem
as coisas (…) mas pertence à razão do Bem, fim, na concepção do filósofo de
que se repousa o apetite pelo seu pelo seu Koenigsberg, e o belo, segundo S. Tomás
aspecto ou cognição. (…) Assim, é evidente de Aquino, como: pulchra quae visa
que o belo acrescenta uma certa ordem placent, esta a nossa posição, como sendo:
sobre o bem, por meio da força contemplativae actionis splendor. O belo,
cognoscitiva de tal forma que o bem se diz segundo a nossa perspectiva, será o
ser aquilo que simplesmente compraz pelo esplendor da acção contemplativa, numa
apetite, porém o belo diz-se aquilo do qual busca de síntese entre a filosofia
a própria apreensão compraz.8 transcendental (Kant) e a filosofia perene
Tal como afirma S. Tomás no (S. Tomás de Aquino). Ao falar-se do Belo
Comentário às Sentenças: a beleza não tem como – contemplativae actionis splendor –
uma razão do “apetecível”, senão englobamos o esplendor do sujeito no
enquanto induz a razão do bem, e assim é objecto e do objecto no sujeito.
verdadeiramente apetecível, mas, segundo O sentido do belo, na perspectiva
uma razão adequada, tem uma claridade.9 de S. Agostinho, como ordinis splendor,
Será, naturalmente, o prazer da que se poderá entender como uma
visão da coisa, é a coisa, não simplesmente perspectiva psicológica, além da ordem
enquanto boa, mas boa pela sua visão ou ontológica. O ser com este esplendor da
pelo conhecimento: pulchra dicuntur quae medida certa, que poderá determinar em
visa placent. Como bem considera nós a emoção estética. Este esplendor
Fernando Leite, se a inteligência estivesse aparece, para S. Tomás de Aquino, nos
completamente atualizada, preenchida predicados seguintes: proporção,
pelo seu fim, já não mostraria à vontade integridade e brilho ontológico.12
novos bens para conquistar, e, por Se a integridade não existe, então
conseguinte, esta cessaria no seu fluir, na não haverá uma perfeição finalizada ou o
demanda do bem e o gozo seria acabamento. Mas, o belo requer uma
naturalmente perfeito.10 proporção devida ou uma ordem entre as
Perante as grandes elaborações partes. A integridade e a claridade, bem
artísticas, os poderosos rasgos do génio, na como a proporção são elementos
arquitetura, na música, na poesia, na essenciais ao belo. Todos estes predicados
pintura, cairemos num determinado costumam sintetizar-se no esplendor da
êxtase. Este profundo deleite dos apetites, ordem – ordinis splendor. O ser,
próprio da aquisição do bem será um enriquecido com tais qualidades, possui
aspecto concomitante do gozo da “emoção todos os elementos, para despertar o
estética”. espírito do homem para a emoção do belo.
Seguindo o pensamento da Como sintetiza F. Leite: “se
filosofia perene, poderemos asseverar que tomássemos, como padrão aferidor da
a emoção estética será uma espécie de beleza, o gosto do homem eterno, ainda
regozijo pela vontade do esse, que sacia a aqui poderia subsistir a definição de S.
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Tomás. Belas seriam as coisas que uma luz, as efusões da sua radiação
devessem agradar a essa alma. Mas, como emergente e, por outro lado, atrai a si
é muito difícil saber onde ela começa e todas as coisas – daí que se chama Beleza –
como os gostos são sempre subjetivos, e recolhe, em si mesma, tudo em todos”.17
dado que estes se discutem e não são A Beleza, situada no domínio da
iguais”.13 Universalidade, refere-se numa ordem e
Parece que poucas são as obras ou harmonia, que assume frequentemente e
paisagens, músicas ou pinturas, que não só num plano metafórico e
sempre e por todos, são tidas como belas. configuração de uma polifonia, de um
Contudo, mesmo as não apreciem, se têm cântico infinito de louvor a Deus. Entre os
o – ordinis splendor – ou a integridade, muitos autores que se serviram desta
devida proporção e esplendor serão imagem não poderemos deixar de salientar
suficientemente ricas para produzirem a o pensamento de Guilherme d’Auverne:
emoção estética nesse homem, que “quando observamos a elegância e a
chamaríamos de natureza perfeita. magnificência do Universo (…)
Naturalmente estas qualidades do belo são encontramos que (…) este mesmo universo
o todo do belo e não apenas partes do se assemelha a um belíssimo cântico, e as
mesmo. criaturas que graças à sua variedade
Como refere J. Acácio Aguiar de concordam entre si numa estupenda
Castro, a Sagrada Escritura foi sempre a harmonia, constituem um concerto de
referência inquestionável do saber maravilhoso júbilo”.18 A beleza, na sua
medieval. Poderíamos escolher uma estrutura profunda, não se define pelas
passagem mais directamente inspiradora suas condições de materialidade. Realiza-
da estética medieval, recorreríamos ao se, ao mais elevado grau, no mundo das
livro da Sabedoria (XI, 20), onde se lê: ideias invisíveis, organizadas na
“Senhor, dispuseste todas as coisas com simplicidade de Deus e das coisas, sendo
medida, número e peso”.14 assim, a beleza é a harmonia. A harmonia
S. Gregório Nazianzeno salienta aparece pela redução do múltiplo no Uno
que o mundo é certamente louvável por do desigual no igual e do diverso no
cada uma e qualquer das suas belezas, mas homogéneo, mediante a consonância.19
é muito mais louvável pela harmonia do O pensamento medieval, inspirado
conjunto e pela totalidade do Universo.15 na filosofia grega, foi caracterizando as
Tal como é impossível desenraizar modalidades de articulação entre o belo
o pensamento medieval da sua vocação sensível e o belo inteligível. Naturalmente,
metafísica, igualmente a noção de Beleza emanação, participação, exemplarismo e
surge invariavelmente no âmbito de uma analogia serão talvez os modelos mais
conotação transcendental ou representativos deste esforço de ligar o
transcendente. As noções de simetria, visível ao invisível. O Belo fora, no percurso
proporção e harmonia, à partida medieval, visto como a harmonia
extrínsecas a toda a criação só poderão ser ontológica do ser, entre o emanentismo de
entendidas enquanto emanação, Plotino e as formas de criacionismo cristão
concretização ou imitação do Belo influenciada pelo neoplatonismo.
transcendente.16 Hugo de S. Vitor traduz o sentido
Dionísio Pseudo-Areopagita traduz metafísico do Belo pelas seguintes
esta relação pelas seguintes afirmações: “O palavras: “as significações dos objetos
Belo supra-substancial designa-se Beleza visíveis são-nos propostas pelo significado
por causa da beleza que provindo de si se dos objetos invisíveis, que nos ensinam
alarga a todos os seres de acordo com a através da vista de modo simbólico, ou
medida de cada um, essa Beleza que, seja, figurativo (…), dado que a beleza das
sendo a causa da harmonia e do esplendor coisas visíveis, que consiste na forma e na
de todas as coisas, lança sobre todos, como
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beleza visível, é a imagem da beleza as quais trabalham com formas abstractas
invisível”.20 e imateriais, que, por isso mesmo, não
Com efeito, Ricardo de S. Vitor deixam de ser belas, tal como assevera
colmatará com este pensamento ao dizer: Heisenberg: “el epíteto bello es el próprio y
“Todos os corpos visíveis apresentam uma característico de las artes, sin duda, pêro el
semelhança com um bem invisível”. domínio de lo bello se proyecta mucho mas
Algo é comum, no âmbito da alla. Abaraca también otras esferas de la
estética medieval, visto que estão ligados à vida del espíritu.
emoção estética que proporcionam a ideia Así, “la belleza de las ciências de la
de uma unidade universal, que se amplia a naturaleza. Prescindindo del análisis
toda a criação, mas fundando-se em filosófico del concepto de lo bello,
critérios e domínios de transcendência, debemos primero perguntarmos donde
assente num complexo sistema de podemos encontrar lo bello dentro del
correspondências, cuja infinitude e área de las ciências exactas.(…)
abertura de significado ontológico se (…) En la antigüedad se daban ya
manifestam no mistério e no horizonte do dos definiciones de la belleza, que, en
sentido.21 cierto modo, se contradecían. La
Na beleza ideal, a emoção estética, controvérsia entre dos definiciones há
como sentimento de plenitude, começa jugado un papel muy importante, sobre
por uma ideia. Com efeito, a imaginação, todo el Renacimiento. Una deellas define la
que está inerente a esta realidade, do belo, belleza como la correcta concordância de
ao impressionar todo o nosso ser, pode las partes entre si y com el todo. La outra,
cooperar subministrando uma forma que se remonta a Plotino, sin 55ontemp
concreta, uma espécie de som à nossa alguna a las partes, se define como el
contemplação”.22 resplandor eterno de lo uno a través de la
Somente quando nos gozarmos no manifestación material.”24
ser per se, no verdadeiro enquanto um Para a beleza sensível exige-se uma
bem, começaremos a ultrapassar os portais forma plena de resplendor, uma forma
da mundividência da beleza. Naturalmente, vibrante de harmonia e de melodia, pois
no belo entra sempre o elemento nela o objecto da contemplação não é a
intelectual ou racional. No ser humano, os substância abstracta e nua, mas antes
sentidos não são sede de apetites ou de realizada na matéria. Será, pois, o gozo no
conhecimentos para prover à verdadeiro sentido ontológico, uma vez
materialidade do nosso agir contemplativo. que essas imagens são verdadeiras,
E enquanto sujeitos à razão, podem enquanto cognoscíveis ou adaptáveis às
constituir a base de apreensões nossas potências cognoscitivas.
desinteressadas tal como nos referencia S. Se belas são as coisas que, vistas ou
Tomás de Aquino.23 Sempre que os conhecidas, segundo Fernando Leite, nos
sentidos servem à – Vernunft – são deleitam, as artes para produzirem beleza
faculdades do belo, uma vez que só então devem realizar obras que, conhecidas ou
poderão contemplar. contempladas, nos emocionem, que
O belo, tal como encontramos produzam – ab imo cordis – no ser humano
analisado por S. Tomás de Aquino, não é um sentimento de quietação e verdadeira
no aspecto abstracto, mas antes na paz.25 Naturalmente, irão conseguir uma
perspectiva concreta. O belo, assim vez que corporizam numa dada obra o
decifrado, tem de ornar, em nós, um sentido e o valor da integridade, dadas
resplendor de verdade – veritatis splendor pela proporção e pelo esplendor, isto é,
-, capaz de arrancar ao ser humano um numa tal forma que ao ser apreendida,
“entusiasmo estético”. A origem da quer pela poesia, quer pela música,
emoção estética, que neles produzem, será escultura ou pintura, coloque em vibração
bem diferente da motivada pelas ciências, todo o nosso espírito, dirigindo-se a este e
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à sensibilidade. O belo implica sempre a esplendor. O belo implica sempre a
relação diádica do sujeito e do objecto grandiosidade e a magnificência, quer do
dados pela e na contemplação. O belo e a sujeito, quer do objecto, por isso não será
beleza torna-nos – contemplativus in somente um quae visa placent.
actione. Dialecticamente, poderemos resumir,
A beleza não se define, apenas se descreve desde S. Tomás a Kant, a nossa posição:
como sendo actionis; ontemplation;
-tese- -antítese-
quae visa placent sine fine finalitas
(S. Tomás Aquino) (Kant)
1 2

formae contempatio
et actions
(nossa teoria)
-síntese-
3

O belo será a contemplação do objecto no das Beleza, que se poderá denominar de


sujeito e a do sujeito no objecto, “ética estética”.
procurando-se como verdadeira síntese
entre a “filosofia transcendental” (Kant) e a Conclusão:
“filosofia perene” (S. Tomás de Aquino).
O belo no seu exercício refere-se como Será precisamente L. Wittgenstein que
contemplativus in actione. Na beleza, de dizer, séculos mais tarde, no Tractatus
forma complementar, há uma correlação Logico-philosophicus, ética e estética são
sempre presente entre a conplatio e a uma unidade. De facto, a conduta humano
actio. O sujeito informa o objecto pela tem tanto de ética, quanto de estética.
contemplação e o objecto leva o sujeito à Parece que moralmente são uma única
“ação estética”. A contemplação e a ação sensibilidade comportamental, a tal ponto
estéticas levam-nos ao sentido do belo, de podermos dizer que este uma “ética da
como forma de ser algo que “apraz estética” e uma “estética da ética”.
universalmente sem conceito”. Mas, o belo Ambaws se envolvem e se complementam,
não será só o – quae visa placent. Assim, o num todo, que é o agir humano,
dá sentido fenomenológico ao belo será corretamente vivido.
necessariamente o – actiones Segundo Kant, quando dizemos que algo é
contemplativa esplendor. belo, não queremos dizer simplesmente
A beleza recria-se, como jogo estético que seja “agradável”. Contudo, esta
nesta forma de contemplação ativa das representação pura do objecto belo é
coisas da natureza, assim tem tanto de particular e a objectividade do juízo
subjetivo, quanto de objectivo, revelando- estético não tem conceito ou a sua
se nesta complementaridade estética. A necessidade e universalidade são
ética, como morada das condutas subjetivas. A faculdade do sentir, de forma
humanas, será o “belo agir”. Terá de ser superior, não pode depender do interesse
uma conduta bela a fundamentar a ética especulativo, tal como não deverá
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depender do interesse prático. Por esta se exercem espontaneamente, cada qual
razão, só o prazer é admitido como por sua conta.
universal e como necessário no juízo Todavia, o juízo “é belo” é apenas um tipo
estético. Supomos que o nosso prazer é de de juízo estético. Deveremos considerar o
direito comunicável ou válido para todos, e outro tipo, “é sublime”. No sublime a
pressupomos que nem seja um postulado, imaginação entrega-se a uma actividade,
visto que exclui todo o conceito de todo em todo, diferente da reflexão
determinado.26 formal. O sentimento do sublime é
A imaginação, na sua reine Freiheit, experimentado diante do informe ou do
concorda com o entendimento na sua disforme.
legalidade não determinada. Assim, a Tudo se passa então como se imaginação
imaginação esquematiza sem conceito. fosse confrontada com o seu próprio
Mas, tal esquematismo será sempre o ato limite, forçada a atingir o seu máximo,
de uma imaginação que já não é livre, que sofrendo uma violência que a leva ao
se acha determinada a agir extremo do seu poder. De certo que a
conformemente a um conceito da imaginação não tem limite, enquanto se
Verstand. trata de apreender.
A imaginação faz algo diferente de Mas, unicamente a razão força-nos a reunir
esquematizar: manifesta a sua liberdade num todo a imensidade do mundo
mais profunda refletindo a forma do sensível. Todo esse que é a Ideia do
objecto, ela joga-se de certo modo, na sensível, tanto quanto este último tem
contemplação da figura, torna-se como substrato algo de inteligível ou de
imaginação produtiva e espontânea como suprassensível. Segundo Kant, o sublime
causa de formas arbitrárias de intuições coloca-se na presença de uma relação
possíveis. Daqui surge um acordo subjetiva direta entre a imaginação e a
igualmente livre e indeterminado entre razão.
faculdades. Devemos dizer acerca deste Segundo a filosofia perene o sublime
acordo que ele define um senso comum poderá rematar-se na seguinte frase: “Una
propriamente estético. est exparte objecti, prout nemque
Não se fazendo sob um conceito intrínseca illius perfectio majorem gradum
determinado, o livre jogo da imaginação e perfectionis divinae manifestare nata est
do entendimento não pode ser eius demque splendor vel excedit, vel
intelectualmente conhecido, mas apenas adaequat, vel non attingit captum virtutis
sentido. A nossa suposição de uma cognoscitivae. Altera autem et formalis
comunicabilidade do sentimento funda-se repetitur ab effectibus quos pulchritudo in
na ideia de acordo subjetivo das facultatibus nostris producit, nempe,
faculdades, na medida em que tal acordo stupemus in contemplatione sublimis;
forma, também, um “senso comum”. pulchrum miramur et venusto
Poderia crer-se que o senso comum delectamur.”27
estético completa os dois precedentes; no O sublime é uma expressão da excelência
senso comum lógico e no senso comum do esplendor do bem, do uno e do
moral, ora a Verstand ora a Vernunft verdadeiro. O sublime exprime-se como
legislam e determinam a função das outras uma excelência ontológica e como forma
faculdades. A faculdade de sentir não de traduzir a vida ontológica do esse. O
legisla sobre objetos, não há, portanto, supremo grau da excelência aparece como
nela uma faculdade que seja legisladora. sendo uma forma de atingir a “perfeição
Com efeito, o senso comum estético não estética” do objecto.
representa um acordo objectivo das A posição da filosofia transcendental é
faculdades, mas uma feira harmoniosa diferente, dado que surge como forma de
subjetiva, onde a imaginação e a Verstand exprimir a ação do sujeito no objecto. A
sublimidade não residirá em nenhuma
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coisa da natureza, mas só no nosso ânimo, porque ela nesse caso, refere a faculdade
na medida em que podemos ser da imaginação à Vernunft, como faculdade
conscientes de ser superiores à natureza, das ideias, sendo exigida somente sob uma
em nós e através disso, também à natureza pressuposição subjetiva ou seja o
que nos é exterior. sentimento moral no homem, com isso há
Na perspectiva de Kant, tudo o que suscita uma necessidade para este juízo estético,
este novo sentimento, a que pertence o tal como se observa no sublime.29
poder da natureza, que desafia as nossas Kant salienta que o sublime se exprime na
forças, chama-se então “sublime” e relação em que o sensível, na
somente sob a pressuposição desta ideia, representação da natureza será julgada
em nós, e em referência a ela, somos como sendo apto para possível uso
capazes de chegar à ideia da sublimidade suprassensível do mesmo. Aquilo que é
daquele ente, que nos provoca intimo absolutamente bom distingue-se
respeito não simplesmente através do seu principalmente pela modalidade de uma
poder, que ele demonstra na natureza, necessidade, que radica em conceitos a
mas ainda mais através da faculdade, que priori e que contém per se não uma
em nós está colocada, de julgar, sem simples pretensão, mas também um
receio, esse poder pensar o nosso destino mandamento de aprovação para qualquer
como “sublime” acima dele. um, e, em si mesmo na verdade não
Pela leitura Kantiana, o juízo sobre o pertence à faculdade do juízo intelectual
sublime da natureza, sendo, muito puro.
naturalmente necessitado de cultura não O tempo da superioridade sobre a
primeiramente elaborado pela cultura e sensibilidade como modificação do seu
será introduzido pela convenção da estado, isto é, o sentimento moral será
sociedade, apresentando sim o seu sugerido à faculdade do julgamento
fundamento na natureza humana e, com estético e às suas condições formais, na
efeito, naquela que com a adequada medida em que pode servir para
Verstand, se pode, ao mesmo tempo, representar a conformidade às leis da ação
imputar e exigir de qualquer um, a saber por dever, ao mesmo tempo, como
na disposição para o sentimento para as estética, isto é como “sublime”, ou como
ideias práticas, isto é, para o “sentimento bela, sem prejuízo da sua pureza.
moral”.28 Assim, Kant faz a distinção entre belo e
Aqui aparece a necessidade do sublime, ao dizer que o primeiro será o que
assentimento do juízo de outros com o apraz no simples julgamento, na ausência
nosso acerca do sublime, a qual, ao mesmo da sensação do sentido (Empfindung des
tempo, será definida neste juízo. Sinnes), segundo um conceito da Verstand,
Tal como se comenta pela carência do dado que o belo se compraz sem o
gosto, aquele que é indiferente ao interesse, sendo o segundo aquilo que
julgamento de um objecto da natureza, apraz imediatamente pela sua resistência
que julgamos belo, logo dizemos que não contra o interesse dos sentidos. Certo é
tem nenhum sentimento, aquele que que, quer o belo, quer o sublime, são
permanece insensível junto ao que explicitações do juízo estético, que será
julgamos ser sublime. universalmente válido, fundamentando-se
Segundo Kant, exigimos ambas as a priori nos sentidos, por um lado na
qualidades, a cada homem, e também as sensibilidade externa e interna, dado que
pressupomos nele se é que tem alguma favorecem o entendimento contemplativo;
cultura, com a diferença de que exigimos a por outro, em oposição à sensibilidade
primeira de qualquer um, porque a para os fins da Vernunft e, contudo, unidos
faculdade do juízo (UrteilsKraft) aí refere a no mesmo sujeito, estão em conformidade
imaginação, meramente à Verstand, como com os fins, relativamente ao “sentimento
a faculdade dos conceitos, a segunda, moral.”30
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Se o belo nos prepara para amar sem interesse relativamente à sociedade; mas,
interesse, então o sublime para o estimar, o isolamento da sociedade será
mesmo contra o nosso interesse sensível. considerado algo de sublime se repousar
Em Kant, ora o belo, ora o sublime em ideias, que não constituem interesse
enquadram-se a priori no interesse e no sensível.
desinteresse do sentimento moral, como O sublime da natureza poderá ser
um professo do entendimento estético. considerado como tendo forma ou figura,
Segundo S. Tomás de Aquino o sendo contudo, como um objecto de
fundamento do belo encontra-se na comprazimento puro, e apresentar a
perfeição estética do objecto. Se Kant se conformidade a fins subjetivos da
orienta para a gnosiologia, S. Tomás referiu representação dada. Contudo, o sublime
o belo e o sublime numa perspectiva da natureza só impropriamente, se chama
ontológica. propriamente só se tem quer ser atribuído
A nossa perspectiva é fenomenológica à maneira de pensar, ou muito antes se
porque radica na relação contemplativa do fundamenta na natureza humana. Por isso,
sujeito no objecto, e “vice-versa”. Surge a nossa exposição dos juízos sobre o
como contemplativus in actione et actio in sublime da natureza era ao mesmo tempo
contemplationis. a sua dedução. Assim, segundo a filosofia
Como se opera o comprazimento no transcendental só deveremos buscar a
sublime? Kant responde com as seguintes dedução dos juízos de gosto, isto é, dos
palavras: “O comprazimento no sublime juízos sobre a beleza das coisas da natureza
será somente negativo, ao contrário do e resolver, no seu todo, a questão da
belo que é positivo, ou seja, um inteira faculdade do juízo estético.
sentimento da faculdade da imaginação de Em Kant, de cada juízo que deve provar o
privar-se per se da Freheit, na medida em gosto do sujeito será reclamado que o
que ela será determinada a fins, segundo sujeito deve julgar per se, sem ter
uma lei, diferente da aplicação empírica. A necessidade de, segundo a experiência,
faculdade da imaginação adquire uma andar às cegas entre os juízos de outros e
ampliação e um poder mais elevado do que por meio dela instruir-se sobre o
ela sacrifica e cujo fundamento é comprazimento deles no mesmo objecto.
ocultamento a ela própria; mas, em vez Daqui se poderá pensar que um juízo
disso, ela sente privação e a causa, à qual estético a priori terá de conter um conceito
ela está “submetida”.”31 do objecto, para cujo conhecimento ele
Naturalmente, a conformidade a fins, de contém o princípio. Na verdade o juízo do
ordem estética, será a conformidade às leis gosto não se funda absoluta e
da faculdade do juízo na Freiheit. O necessariamente sobre conceitos e não
comprazimento no objecto depende da será em caso algum um conhecimento,
relação na qual queremos colocar a mas somente um juízo estético.
faculdade da imaginação, desde que ela Entretanto, a própria crítica do gosto é
entretenha por si mesma o ânimo em livre somente subjetiva com respeito à
ocupação. Assim, quer seja a sensação dos representação pela qual um objecto nos é
sentidos ou conceito da verstand, dado, ou seja, ela é a arte de uma ciência
determina o juízo, seja ela, na verdade, de submeter a regras a relação recíproca
conforme a leis, mas não o juízo de uma da Verstand e da sensibilidade externa e/
faculdade livre do juízo. ou interna na representação dada,
Segundo Kant, observamos que muito consoante a unanimidade de ambos, com
embora o comprazimento no belo, bem respeito às duas condições. A crítica
como no sublime, será distintivo dos transcendental deverá justificar o princípio
demais juízos estéticos, não somente pela subjetivo do gosto como um princípio a
comunicabilidade universal, mas também priori da faculdade do juízo.
por esta propriedade, que adquire
EVIDÊNCIAS Nº Apresentação abril 2013
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O prazer do sublime na natureza, enquanto teológica ou metafísica retraídos perante a
prazer da contemplação pensante, abertura ao mistério, que uma riqueza
reivindica, também, uma participação expressiva do esplendor do uno sempre
universal, mas já pressupõe um outro proporciona.32
sentimento, a saber o do seu destino supra Segundo o pensamento do filósofo de
sensível, o qual tem uma base moral. Koenigsberg, o gosto estético da
Contrariamente, o comprazimento no belo contemporaneidade é incomparavelmente
não é um prazer de gozo nem de uma mais receptivo e adequado a um discurso
atividade legal, tão pouco da contemplação romântico, expressionista ou clássico,
raciocinante, segundo ideias, mas barroco ou renascentista, do que de um
apresenta-se como um prazer da simples discurso medieval, se é que, no dizer de
reflexão. Este prazer estético acompanha a Aguiar de Castro, a medievalidade estética
apreensão comum de um objecto pela não está clara ou subtilmente presente nas
faculdade da imaginação, enquanto estéticas posteriores.33
faculdade da intuição pura a priori, em O esquematismo Kantiano do
relação à Verstand como faculdade dos comprazimento do gosto estético, ligado à
conceitos mediante um procedimento da imaginação será um marco necessário para
UrteilsKraft, o qual esta tem de exercer permitir uma nova leitura transcendental
também com vista à experiência mais sobre a vida do belo e do sublime. Com
comum. Kant abre-se uma nova visão sobre o juízo
O interesse indiretamente ao belo, estético do belo e do sublime, que virá a
mediante inclinação à sociedade, e, por marcar a filosofia contemporânea.
conseguinte, empírico não tem contudo
aqui para nós, nenhuma importância, a Referências Bibliográficas
qual, somente vemos naquilo que possa
referir-se a priori, embora só
1
indiretamente ao juízo do gosto. Cf. St. Thomae Aquinatis – Omnia Opera,
Contrariamente, porém, afirma-se que Stuttgart, Frommam Verlag, 1980, Suma
tomar um interesse imediato pela beleza Theologiae, I, q.5a.4, ad 1. “pulchra…
da natureza será sempre um sinal de uma dicuntur quae visa placent.”
alma boa e que se este interesse é habitual
2
e se liga do bom grado à contemplação da “Schoenheit ist Form der
natureza, denotando uma disposição do Zweckmaessigkeit eines Zwecks an ihm
ânimo favorável ao sentimento moral. Wahrgenommen wird.” [KANT, I. – Kritik
Como bem refere Aguiar de Castro, na der UrteilsKraft, vierte Auflage,
fascinante e labiríntica paisagem estética, herausgegen von K. Vorlaender, Leipzig,
iniciada com Plotino e S. Tomás de Aquino Verlag von Felix Meiner, 1913, § 17, p. 77.]
e passando por S. Agostinho, no âmbito
3
contemporâneo simbolizada com Kant, a Cf. MARITAIN, J. – Art et Scholastique,
busca artística raramente se encontra Paris, 1927, pp. 266-267.
acompanhada por uma busca do divino ou,
4
in genere, “sagrado”, tal como se revela no “O belo determina-se numa relação
pensamento do Doctor Angelicus, sendo contemplativa entre um sujeito
esse fecundíssimo par, a arte e o sagrado, imaginativo e um objecto estético, que
que tornava o discurso estético aberto ao formalmente se poderá dizer como: Rc (Si-
mistério e ao discurso religioso em O.est). Trata-se muitas vezes de uma
implicações expressivas, remeteu-se um relação contemplativa assimétrica, que
progressivo exílio moderno e pós- determina um gosto apelativo pela
moderno, que parece tornar o belo e o realidade apreendida e contemplada.
sublime permeável ao reducionismo Naturalmente, o Belo implica por
antropológico e os discursos de matriz parte do sujeito uma fruição gozosa, que
enleva a contemplação do sujeito perante
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o objecto, que determina esta ação appetibilis nisi inquantum induit rationem
apetitiva. boni.”
O Belo está tanto no sujeito,
12
quanto no objecto, como realidade doativa “Ad pulchritudinem tria requiruntur:
de ambos os lados, que assim se primo quidem integritas sive perfectio;
alimentam contemplativamente em muitas quae enim diminuta sunt, hoc ipso turpia
formas de perfeição ou de realização sunt; et debita proportio sive consomatia,
ônticas.” [St. Augustinus – Opera Omnia, et iterum claritas.” Thomae Aquinatis –
VIII, De Vera Religione, cp. 32. Opera Omnia, IV, Summa Theologiae, I, art.
39, 8, c.]
5
LEITE. F. – “Filosofia do Belo”, in: Revista
13
Portuguesa de Filosofia, II, fasc. 1, (Braga, LEITE. F. – “Filosofia do Belo”, in: Revista
1946) , pp. 65-66. Portuguesa de Filosofia, II, fasc. 1, (Braga,
1946) , pp. 73-74.
6
S. Thomae Aquinatis – Opera Omnia, IV,
14
De Malo, § 6, art. I, inc, Stuttgart, AGUIAR DE CASTRO, J. A. – O sentido do
Frommann Verlag, 1980. Belo no séc. XII e outros estudos, Lisboa,
7
LEITE. F. – “Filosofia do Belo”, in: Revista Estudos Gerais, Imprensa Nacional, Casa da
Portuguesa de Filosofia, II, fasc. 1, (Braga, Moeda, 2006, p. 13.
1946) , p. 63.
15
Gregorius Nazianzenus – Patro lógia
8
“Cum enim bonum sit quod omnia grace Migne, II.
appetunt, de ratione bem ist, quod in eo
16
quietur appetitus[…] seda d rationem AGUIAR DE CASTRO, J. A. – O sentido do
pulchri pertinet quod in eius aspectu seu Belo no séc. XII e outros estudos, Lisboa,
cognitione quietetur appetitus […] Et sic Estudos Gerais, Imprensa Nacional, Casa da
patet quod pulchrum addit supra bonum Moeda, 2006, p. 14.
quemdam ordinem ad vim cognoscitivam:
17
ita quod bonem dicatur id quod simpliciter Cf. DIONISIO AGREOPAGITA – Sobre os
complacent appetitu; pulchrum autem Nomes Divinos, IV, 7, 135.
dicatur id cuius ipsa apprehensio
18
complacet.” [S. Thomae Aquimatis – AGUIAR DE CASTRO, J. A. – O sentido do
Summa Theologiae, I-II, art. 27, 1, ad 3.] Belo no séc. XII e outros estudos, Lisboa,
Estudos Gerais, Imprensa Nacional, Casa da
9
“Pulchritudo non habet rationem Moeda, 2006, p. 15.
appetibilis nisi in quantum induit rationem
19
boni, sic et verum appetibile est, sed Idem, Ibidem, p. 15.
20
secundum rationem propriam habet Cf. HUGO DE S. VICTOR – Exposição sobre
claritatem.” [S. Thomae Aquinatis – Opera a Hierarquia Celeste, P.L., 175, col. 978.
Omnia, I, Stuttgart, Frommann Verlag, in I
21
Sententiam, d. 31, g.2, a1 ad 4.] RICARDO DE S. VICTOR – Benjamim
Maior, P.L., 196, col. 90.
10
Cf. LEITE. F. – “Filosofia do Belo”, in:
22
Revista Portuguesa de Filosofia, II, fasc. 1, AGUIAR DE CASTRO, J. A. – O sentido do
(Braga, 1946) , p. 64. Belo no séc. XII e outros estudos, Lisboa,
Estudos Gerais, Imprensa Nacional, Casa da
11
S. Thomae Aquinatis – Opera Omnia, IV, Moeda, 2006, p. 17.
Summa Theologiae, I, 5,4,ad 1. In
23
sententiam, d. 31, 9,2, a1, dd 4, diz: “quia sensus sunt dati homini non solum
“pulchritudo non habet rationem ad vitae necessária procuranda, sicut aliis
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29
animatibus, sed etiam ad cognoscendum, KANT, I. – Kritik der UrteilsKraft, vierte
unde cum caetera animalia non Auflage, herausgegeben von K. Vorlaender,
delectentur in sensibilibus, nisi per Leipzig, Verlag von Felix Meiner, 1913, §
ordinem ad cibos et venérea, solus homo 29, p. 112.]
delectatur in pulchritudine sensibilium
30
secundum seipsam.” [Sancti Thomae KANT, I. – Kritik der UrteilsKraft, vierte
Aquinatis – Opera Omnia, I, 91, 3 dd 1.] Auflage, herausgegeben von K. Vorlaender,
Leipzig, Verlag von Felix Meiner, 1913, §
24
HEISENBERG, W. – Mas alla de la Física, 29, p. 114.]
Madrid, Biblioteca de Autores Cristianos,
31
1971, pp. 233-234. KANT, I. – Kritik der UrteilsKraft, vierte
Auflage, herausgegeben von K. Vorlaender,
25
Cf. LEITE. F. – “Filosofia do Belo”, in: Leipzig, Verlag von Felix Meiner, 1913, §
Revista Portuguesa de Filosofia, II, fasc. 1, 29, p. 116.]
(Braga, 1946) , pp. 79-80.
32
Cf. AGUIAR DE CASTRO, J. A. – O sentido
26
KANT, I. – Kritik der UrteilsKraft, vierte do Belo no século XII e outros estudos,
Auflage, herausgegeben von K. Vorlaender, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da
Leipzig, Verlag von Felix Meiner, 1913, § Moeda, 2006, p. 10.
28, p. 106.]
33
Cf. Idem, Ibidem, p. 11.
27
BARREDETTE, D. – Philosophia
Scholastica, editio sexagésima nona, tomus
secundus, Parisiis, Apud Berche et Pagis
Editores, 1938, pp. 164.
28
KANT, I. – Kritik der UrteilsKraft, vierte
Auflage, herausgegeben von K. Vorlaender,
Leipzig, Verlag von Felix Meiner, 1913, §
29, p. 112.]

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