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Bons estudos!
No Hípias maior, Sócrates resumiu seu diálogo sobre a beleza com o seguinte provérbio grego:
“Toda beleza é difícil.” A principal dificuldade filosófica pode ser entendida da seguinte forma:
como conciliar a beleza como ideia objetiva com o prazer subjetivo suscitado pelas coisas belas?
No Banquete de Platão, a conciliação é obtida por meio de Eros, recaindo o acento sobre a
experiência de beleza e o prazer por ela suscitado. O alinhamento platônico entre beleza e Eros
foi contrariado pela definição mais objetivamente inclinada de Aristóteles na Metafísica, onde se
sustenta que “as principais formas de beleza são a ordem e simetria, e a definição clara”. As duas
diferenças de ênfase, já evidentes nas filosofias gregas da beleza, persistiram até e para além de
Kant na distinção entre enunciados subjetivos e objetivos de beleza.
A definição objetiva de beleza prevaleceu na filosofia medieval, na qual a beleza era classificada
como um dos transcendentais, ou aqueles atributos, incluindo o Uno, o Bom e o Verdadeiro, que
se harmonizam com todos os gêneros. São Tomás de Aquino descreve suas famosas três
por que alguns teóricos da arte consideram justificada a universalidade dos juízos estéticos: ela
tem um fundamento objetivo, ou seja, a perfeição do objeto confusamente percebida. Como
fundamento da intuição do belo, deve haver, portanto, um conceito, mesmo que confuso, do
objeto considerado belo. Esses comentadores afirmam, também, que o conhecimento estético
tem relação com o sentimento, mas o sentimento também é determinado por uma qualidade
objetiva: da perfeição do objeto confusamente conhecida.
Leibniz
Já Imannuel Kant encontrava-se, desde a década de 1760, muito familiarizado com ambas as
explicações de beleza. Suas reflexões pré-críticas e a explicação do conceito de estética
desenvolvida em seu livro Lógica enfatizam o lado objetivo de beleza. Na referida obra, ele
posiciona-se ao lado dos que, como ele, identificam a perfeição como base para a beleza e
consideram que a experiência de prazer no belo resulta da percepção sensível, subjetiva, de tal
perfeição. Por sua vez, a perfeição compreende a “harmoniosa união” de “diversidade e unidade”.
É em sua Crítica do Juízo que Kant promove uma crítica do juízo estético, abandonando, com
isso, a posição perfeccionista com que compactuava até então.
O ponto de partida da Crítica do Juízo é, como em suas duas outras Críticas, o exame da
seguinte questão: como são possíveis juízos estéticos com valor universal? Tal como na Crítica
da Razão Pura, Kant buscará uma mediação entre empirismo e racionalismo. Sua análise dos
juízos do belo na “Analítica do belo” mostra que eles não se coadunam com as explicações
subjetivas (empirismo) ou objetivas de beleza (racionalismo).
Em cada caso, Kant distingue o belo das explicações dominantes de beleza que se apoiavam
numa base de perfeição ou de um sentido (empirismo). Kant rejeita a tese empirista porque ela
não explica como pode o juízo estético ser compartilhado por todos. O juízo estético tem
pretensão de universalidade, de objetividade. Dizer “tal coisa é bela” e “tal coisa me agrada” não
é o mesmo, mas a tese empirista não explica essa diferença. A constatada insuficiência da tese
empirista dá origem a primeira asserção kantiana sobre o juízo estético: o belo é objeto de um
prazer desinteressado.
Do caráter desinteressado do prazer estético decorre a segunda característica: belo é aquilo que
agrada universalmente, e Kant acrescenta: sem conceito. Esse acréscimo, justificado pela
insistência no prazer que move o juízo estético, prazer e não conceito, abre caminho para a
Essa abordagem levou Kant a enfrentar algumas novas dificuldades com o conceito de beleza. Ao
distinguir beleza de qualquer conteúdo, racional ou sensível, limitou severamente seu âmbito. Se
o conteúdo sensível desempenhasse qualquer papel, então o belo deixaria de ser belo para ser
apenas agradável; se o conceito estivesse envolvido, então o belo seria convertido, com extrema
facilidade, no racional. Se pudessem existir, tais belezas seriam “dependentes” e contrastariam
com as belezas “livres”, que “nada representam” e, rigorosamente falando, não podem sequer ser
artefatos.
contraditórias, nas quais reside, contudo, o aspecto mais original da ética kantiana, ou, como ele
próprio diz, “a chave da crítica do gosto”. O juízo estético é determinado por um sentimento, não
pelo conceito confuso da coisa, pelo conceito objetivo da coisa bela – nesse ponto, Kant
concorda com os empiristas –; mas o sentimento, o prazer estético, é determinado por um
sem saber precisamente a qual ideia ela corresponde. O sentido, a finalidade, é percebido por
meio do sentimento da harmonia entre nossas faculdades. Daí o sentimento de plenitude, de
satisfação que caracteriza a apreensão do belo: porque todas as nossas faculdades entram em
jogo.
Como a beleza é o modo como o homem sente a finalidade do real, compreende-se que, para
Kant, a beleza da natureza seja tão importante: o céu estrelado lhe revelava a inteligibilidade do
real tanto quanto a lei moral. Kant revela-se menos sensível à beleza artística, embora não deixe
de abordá-la.
Na estética do século XVIII, além do belo, também se falava muito do sublime. Kant já associara
os dois conceitos nas Observações sobre o sentimento do belo e do sublime, e volta a falar
deles na Crítica do Juízo. Sublime é “aquilo que é absolutamente grande”, ou seja, “aquilo que é
grande além de toda comparação”. Absolutamente grande é aquilo em relação ao qual todas as
outras coisas são pequenas, e só o infinito pode ser assim. Ora, o infinito não pode ser objeto de
conhecimento porque não pode ser dado na experiência: de certa forma, é pressentido pelo
Juízo diante de certos espetáculos naturais que superam todos os poderes de nossa imaginação
(altas montanhas, o oceano durante a tempestade) porque projetamos neles aquela grandeza
absoluta que só é própria do suprassensível, e que está em nós enquanto pessoas morais,
pertencentes ao mundo inteligível.
A influência da definição de Kant de beleza foi enorme, em parte por causa de sua habilidade em
significar tudo para todos. Para os idealistas alemães, assinalou a tentativa de unir os domínios
da natureza e da liberdade, e ocupou um papel de destaque em Schiller, Schelling e Hegel. No
final do século XIX e começo do século XX, o foco da terceira crítica sobre a pureza do juízo do
belo encareceu-a aos olhos dos neokantianos, e, depois da II Guerra Mundial, foi usada pelo
crítico Clement Greenberg, entre outros, como justificação teórica para a arte abstrata. Como
resultado, a definição de Kant de beleza continua a servir como ponto de partida para muita
reflexão filosófica sobre o belo e talvez menos a despeito de suas incongruências e deficiências
do que por causa delas.