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Comissão Científica
Organizadores:
Cláudia Maria Rocha de Oliveira
Marcelo Antônio Rocha
Diagramação: Marcelo A. S. Alves
Capa: Carole Kümmecke - https://www.conceptualeditora.com/
Fotografia de Capa: @flotography_91
O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz [recurso eletrônico] / Cláudia
Maria Rocha de Oliveira; Marcelo Antônio Rocha (Orgs.) -- Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2020.
321 p.
ISBN - 978-65-5917-062-3
DOI - 10.22350/9786559170623
CDD: 100
Índices para catálogo sistemático:
1. Filosofia 100
Sumário
Apresentação ............................................................................................................. 9
Grupo de pesquisa Estudos Vazianos
Capítulo 1 .................................................................................................................. 12
Consideração antropológico-metafísica da realização em Lima Vaz
Edmar José da Silva
Capítulo 2 ................................................................................................................ 42
A vida realizada na contemporaneidade: desafios e consequências
Patrícia Carvalho Reis
Capítulo 3 .................................................................................................................54
Sobre o problema da autorrealização na situação pós-humana
Marco Heleno Barreto
Capítulo 4 ................................................................................................................ 68
Releitura de Finitude e Situação na Ética de Henrique Cláudio de Lima Vaz: analogias
com a práxis existencialista
Magda Guadalupe dos Santos
Capítulo 5 ................................................................................................................ 83
Realização: um desafio ético e político
João A. Mac Dowell
1
(GEVaz)
10 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Consideração antropológico-metafísica
da realização em Lima Vaz
A felicidade é aquilo a que todos aspiramos, ainda que sem sabê-lo, pelo mero
fato de vivermos. Acontece assim, simplesmente porque “a felicidade é para as
pessoas o que a perfeição é para o ser” (Leibniz). Felicidade significa para o
homem, plenitude, perfeição. Por isso, toda pretensão humana é “pretensão de
felicidade”, todo projeto vital é sua busca; todo sonho, a aspiração por encon-
trá-la. 2
1
Cf. Aristóteles, Ética a Nicômaco, Livro I, 1-13.
2
R. Y. Stork; J. A. Echevarria. Trad. Patrícia Carol Dwyer, Fundamentos de Antropologia: um ideal da excelência
humana, São Paulo, Instituto Brasileiro de Filosofia e ciência “Raimundo Lúlio”, 2005, p. 223.
3
Cf. H. C. L. Vaz, Antropologia filosófica II, 2ª ed., São Paulo, Loyola, 1995, p. 93.
14 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
4
Ibidem., p. 146.
Edmar José da Silva | 15
5
C. Boff, O livro do sentido, Vol. I, São Paulo, paulus, 2014, p. 54.
6
Aristóteles, Ética a Nicômaco, 1094 a 20.
16 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
a) de que a vida apresenta-se como tarefa (érgon) que ele deve inelutavelmente
cumprir; b) a de que essa tarefa não é predeterminada pela natureza nem por
nenhuma força que nos seja exterior; sua execução não procede de uma vis a
tergo que fatalmente venha impelir-nos numa só direção, mas desenrola-se a
partir de nós mesmos e orienta-se para um fim que nos cabe livremente esco-
lher; c)finalmente, a de que a necessidade da escolha do fim e, por
conseguinte, da vida que lhe corresponde, coloca-nos continuamente em face
da imensa, variada e incessante procissão de “modelos” que nos são oferecidos
pela tradição cultural e ética da comunidade humana na qual vivemos 7.
7
H. C. L. Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 153-154.
8
Ibidem., p. 154.
9
Na nota 21, da página 170, assim se expressa Lima Vaz: “O termo ‘categoria’ (de kategrein, acusar) designa, na
terminologia aristotélica, o conceito universal em seu gênero atribuído a um ‘sujeito’ (hypokeimon). Na acepção em
que o usamos aqui significa, de acordo com o significado aristotélico original, um atributo fundamental entre os que
exprimem o ser do sujeito e, portanto, é atributo no discurso ontológico sobre o mesmo sujeito” (H.C.L. Vaz, Antro-
pologia filosófica I, 11ª ed., São Paulo, Loyola, 2011, p.170).
Edmar José da Silva | 17
10
Entende-se aqui o corpo não no sentido físico nem no sentido puramente biológico, mas no sentido de ser corpo
humano, ou seja, como estrutura fundamental do ser do homem. Conferir nota de rodapé 1 (H. C. L. Vaz. Antropo-
logia Filosófica I, p. 177)
11
Cf. Ibidem., p. 179
18 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Com efeito, embora sendo o seu objeto o corpo tal como é dado na natureza e
não o corpo próprio, o processo de objetivização do corpo - mesmo no caso da
total redução do corpo a um objeto como no cadáver - não suprime a referên-
cia humana do corpo e sua integração na totalidade do fenômeno da vida
enquanto vivido pelo indivíduo 12.
12
H.C.L. Vaz, Antropologia Filosófica I, p. 178.
13
Ibidem., p. 187.
Edmar José da Silva | 19
que o homem não pode ser reduzido apenas ao seu aspecto somático. A
corporeidade (ou somaticidade) aponta, pois, para a existência de uma
vida interior” 14.
Se pelo corpo próprio o homem faz a experiência do contato imediato
com o mundo externo, pelo psiquismo, Lima Vaz chama a atenção para o
mundo interno do ser humano. O discurso sobre o psiquismo assinala o
início do homem interior. O psiquismo se apresenta como uma categoria
que está numa posição mediadora entre a exterioridade do corpo próprio
e absoluta interioridade do espírito e esta posição que ocupa na estrutura
humana que o constitui como uma categoria antropológica: “Desde o iní-
cio, pois, de nossa reflexão sobre o psíquico ele aparece como situado
numa posição mediadora entre o corporal e o espiritual (...). É justamente
esta posição estrutural mediadora do psiquismo que se trata de elevar ao
nível da categoria e de assumir no discurso da Antropologia filosófica” 15.
O psiquismo é a captação do mundo exterior e tradução ou recons-
trução no mundo interior edificada sobre dois grandes eixos: o imaginário
e o afetivo. Porém, neste nível do discurso a plena unificação consciente
do mundo interior não é alcançada, embora os estados inconscientes se
definam a partir da unidade fundamental assegurada pela consciência psi-
cológica:
O domínio do psíquico apresenta igualmente toda uma face voltada para a ex-
terioridade objetiva do mundo por meio do “corpo próprio” e do corpo como
organismo. O psiquismo está constitutivamente ligado a órgãos e funções cor-
porais, mas aqui é considerado como primeiro estágio de interiorização do
mundo no sujeito ou de constituição de um mundo interior. A presença do
homem no mundo como situação fundamental não se fará mais, desde o ponto
de vista do psiquismo, como imediatidade do corpo, mas pela mediação deste
mundo interior, no qual o corpo é suprassumido dialeticamente 16.
14
G. F. Martins, Realização humana em Lima Vaz, Belo Horizonte, FAJE, 2016, p. 51.
15
H.C .L. Vaz. Antropologia Filosófica I, 190.
16
Ibidem., p. 189, nota de rodapé 1.
20 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
17
Ibiem., p. 198.
18
Ibidem., p.
19
Cf. Ibidem., p. 199.
Edmar José da Silva | 21
20
Na nota de rodapé de nº 29, na página 200, Lima Vaz fala do sentido dado por M. Blondel aos termos noético e
pneumático, depois mostra qual em qual sentido pretende usar os termos: “em sua acepção antropológica, o noético
exprime a universalidade da inteligência, enquanto o pneumático exprime a singularidade da liberdade” (H. C. L.
Vaz, Antropologia Filosófica I, p. 200).
21
H. C. L. Vaz, Antropologia Filosófica I, p.215.
22 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Essa posição de Padre Vaz quer evitar dois extremos: a) de um lado, a absorção
do espírito no complexo psicossomático, o que seria a anulação do espirito na
compreensão do homem e a afirmação quer do materialismo, quer do psico-
logismo; b) de outro lado, o espiritualismo, resultado da anulação da dimensão
psicossomática, que é na verdade, constitutiva do homem 24.
22
Cf. Ibidem., p. 205-207.
23
Cf. H.C.L. Vaz, Antropologia Filosófica I, p. 213.
24
E. F. M. Júnior, As condições de possibilidade da metafísica segundo Vaz. Belo Horizonte: FAJE, 2011, p.
25
H.C. L. Vaz, Antropologia Filosófica I, p. 204.
Edmar José da Silva | 23
Essa estrutura é, enquanto tal, perfeição (enérgeia) mas é, por outro lado, es-
sencial abertura à realidade na qual o homem se situa, ou seja, é
estruturalmente esse ad aliud. É exatamente enquanto o homem se constitui
como relação consigo mesmo (ipseidade ou identidade reflexiva) que ele é
igualmente abertura à realidade exterior na forma de relação ativa. Em outras
palavras, o relacionar-se com o outro (relação de alteridade) é, para ele, igual-
mente, ato, perfeição, enérgeia. 27
26
“Portanto, para Lima Vaz, somos necessariamente seres de relação. Isso significa que as relações não são acrescen-
tadas extrinsecamente a nós. Não temos a opção de escolher nos relacionar ou não. Mas as relações nos definem.
Elas nos constituem no nosso ser mais próprio. Nesse sentido, somos necessariamente ser-no-mundo, ser- com- os-
outros e ser-para-a-transcendência” (C. Oliveira, Mergulho na natureza humana pelo reconhecimento do outro, Ins-
tituto Humanitas Unisinos, julho, 2016)
27
H. C. L. Vaz. Antropologia Filosófica II, p. 12
24 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
poderá ter sua unidade assegurada- ser ele mesmo (ipse) e manifestar o Eu
sou primordial que o constitui. Pois para Lima Vaz, é exatamente na abertura
ao outro que o homem pode afirmar-se como um eu. É exatamente no hori-
zonte das relações que que o homem pode expressar sua interioridade,
exprimir sua essencialidade e, assim, transcender os limites que o constitui.
a abertura do homem à realidade com a qual ele estabelece uma relação não-
recíproca que se representa, gnosiologicamente, pelo esquema S- O. No sen-
tido antropológico a objetividade é a propriedade que diferencia
especificamente (ou categoricamente) a relação do homem com as coisas (tá
pragmata) ou com a totalidade das coisas que constituem o mundo. 29
28
Ibidem, p. 14.
29
H.C. L. Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 15.
Edmar José da Silva | 25
30
Cf. Ibidem., p. 24.
31
Ibidem., p. 34-35.
26 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
32
Ibidem., p.35-36.
33
H.C.L. Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 50.
34
Ibidem., p. 55.
35
Ibidem., p.55.
36
Cf. Ibidem., p. 61.
37
Ibidem., p. 65
Edmar José da Silva | 27
38
Ibidem., p. 66
39
H.C.L.Vaz, Antropologia filosófica II, p. 75.
28 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
submissão, tanto dos sujeitos como da relação intersubjetiva que entre eles se
estabelece, à primazia e à norma do ser. 40
40
Ibidem., p. 77,
41
Ibidem., p. 93.
42
H.C.L.Vaz. Antropologia Filosófica II, p. 93-94.
Edmar José da Silva | 29
43
Ibidem., p. 95.
30 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
44
H.C.L.Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 96.
45
Cf. Ibidem., p. 102-112.
Edmar José da Silva | 31
46
Ibidem., p. 121.
47
H.C.L. Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 123.
48
Ibidem., p. 123.
49
Ibidem., p. 124.
32 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
50
Ibidem., p. 124.;
51
G.F.M. Rocha, Realização humana em Lima Vaz, Belo Horizonte, FAJE, 2016, p.50.
52
R. y. STORK e J.A. ECHEVARRÍA, Fundamentos de Antropologia: um ideal de excelência humana, SP: Raimundo
Lullio, p. 224.
Edmar José da Silva | 33
53
G.F. M. Rocha, Realização humana em Lima Vaz, Belo Horizonte: FAJE, 2011, p. 58.
54
HC.L. Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 162.
34 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
55
Ibidem., 141.
56
H.C.L. Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 143.
Edmar José da Silva | 35
57
Ibidem., p. 145.
58
“Parece lógico dizer que todo homem encontra o seu sentido à medida que realiza aquilo que é a própria essência
do seu ser. Mas será que sabemos o que é a essência daquilo que chamamos de ser humano? O problema perma-
nece.(...) Parece que a essência daquilo que é o ser humano não se acha de maneira tão fácil, simplesmente definida
e pronta” (R. BLANK, Encontrar sentido na vida, propostas filosófica, São Paulo: Paulus, 2008, p. 7-8)
36 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
mais profundo a abertura do ser humano do ponto de vista relacional, pode sacri-
ficar a sua felicidade.
Existe uma ciência da realização? Lima Vaz responde que não. O certo
é que se existisse a ciência da realização, talvez ela fosse a mais estudada e
a mais procurada pelo ser humano: “qualquer tentativa de compreensão
explicativa deste processo seria, pela sua própria natureza, inadequada.
(...) Não há, pois, rigorosamente falando, uma ciência da realização (...)”
A problemática filosófica 59 da categoria de realização situa-se na
“oposição entre a normatividade ideal do modelo (essência do ser que deve
ser) e a facticidade contingente do indivíduo (a essência do ser que é). Nisso
se revela o drama do ser humano que na sua essência é feito para ser-mais
(o seu excesso ontológico o impele a esse mais), mas na facticidade da sua
existência concreta encontra tantas realidades que podem imobilizá-lo e
impedi-lo de ser mais:
59
H.C.L. Vaz, Antropologia filosófica II, p. 161-162.
60
Ibidem., p. 171.
Edmar José da Silva | 37
Não é qualquer ato que leva o sujeito à realização, são apenas os que
o levam à perfeição do seu ser. Neste sentido, somente os atos espirituais,
que são os mais elevados no nível do existir humano é que podem levá-lo
à realização.
Como tal o ato é, como toda propriedade, perfeição, e assim o descrevem Aris-
tóteles e Tomás de Aquino. Na sua orientação profunda e essencial, o
movimento de autorrealização do homem está voltado para a excelência e per-
feição do seu ato - ou para o bem que lhe advém da perfeição do ato - e que
Platão e Aristóteles designaram com o nome de areté, impropriamente tradu-
zido por “virtude”. É esse um fundamental ponto de junção entre Antropologia
e Ética. 62
Unidade entre ser que é e ser que dever ser: este é o percurso que o
sujeito deve fazer para alcançar a autorrealização. Neste sentido, a realização
não se dá apenas no nível da constituição ontológico-metafísica do ser hu-
mano, mas se abre também ao nível ético: 63
Quando o homem unifica em si o que é, ele deve também buscar o que deve
ser. A unificação da própria vida não é, para o homem, um processo que se
desenrola apenas na ordem de ser, mas que se perfaz sob o signo do dever-ser
e, nela tem lugar a passagem permanente da necessidade ontológica para a
necessidade moral. O homem é um ser constitutivamente ético e esta eticidade
61
Ibidem., p. 173.
62
H.C.L. Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 145-146.
63
O objetivo deste artigo é tratar do tema da realização do ponto de vista antropológico- metafísico, por isso não
trataremos deste aspecto da realização em Lima Vaz. A consideração ética da realização em Lima Vaz será tema de
outro artigo.
38 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Considerações finais
64
H.C.L. Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 146.
65
Tomás de Aquino, Suma Teológica I, q.3,a.4: “Deus não somente é sua essência, como foi demonstrado, mas tam-
bém seu ser”. “Se a essência e a existência não coincidirem em Deus, seu ser será entendido como atualização de
uma potência em relação a sua essência, mas em Deus não há potencialidade” (Idem, Suma Teológica I, q. 3. a.4)
66
Ibidem., p. 144.
Edmar José da Silva | 39
Que inicialmente o ser humano busque mais o prazer sensível que seu bem
verdadeiro, isso pertence à dinâmica do seu desenvolvimento psicológico e
moral. Como mostrou Freud, primeiro temos a criança narcísica, que segue o
“princípio do prazer”, e depois o homem maduro, que rege pelo “princípio da
realidade”, ou melhor, pela abertura aos outros. (...) Do mesmo modo, nos
termos de Teilhard Chardin, o homem se realiza primeiro “se autocentrando”,
67
Felicidade é um estado de perfeição que o ser humano não alcançará ao tomar posse de um bem material ou ao
ter momentos fugazes de prazer. Para Tomás de Aquino, o prazer é parte constitutiva da felicidade, mas não é seu
fundamento. Para ele, a essência da felicidade está na posse do sumo bem. Cf. Suma Teológica I-II, q. 3, a.4, c; q. 4,
a.1-2.
68
F. K. Kozen, O conceito de pessoa em Lima Vaz, São Leopoldo, 2017, p. 94 (disponível em PDF)
40 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Referências
ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, 4ª ed., São Paulo, Nova cultural, 1991 (Os pensadores).
BLANK, Renold, Encontrar sentido na vida: propostas filosóficas, São Paulo, Paulus, 2ª ed.,
2010.
BOFF, Clodovis, O livro do sentido, Vol. I: crise e busca de sentido hoje (parte crítico- ana-
lítica), São Paulo, Paulus, 2014.
______. O livro do sentido, vol. II: Qual é, afinal, o sentido da vida? (parte teórico- constru-
tiva), São Paulo, Paulus, 2018.
69
C. BOFF, O livro do Sentido II, Qua é, afinal, o sentido da vida?, São Paulo, Paulus, 2018, p. 259.
70
“Eis como Santo Tomás descreve, entre outros, os limites da felicidade possível neste mundo: a insatisfação surda
e difusa que lateja, inerradicável, no fundo do coração humano, mesmo no seio da maior satisfação; o sentimento de
instabilidade presente em toda alegria, por mais segura que pareça; os erros e defeitos de que a vida humana está
cheia; a ameaça do sofrimento e do infortúnio que, de longe ou de perto, persegue qualquer mortal; o temor que
acompanha os humanos em face das desgraças inarredáveis, como a doença, a velhice e a morte; por fim, o pouco
tempo que nos restaria, caso atingíssemos a maturidade, para gozar dos frutos adquiridos por um longo e duro
tirocínio intelectual, moral e espiritual (...) Inspirando- se em Plotino, Agostinho define este mundo como “região da
dessemelhança”, ou seja, o lugar da desarmonia” (C. Boff, O livro do Sentido II, p. 273-274)
Edmar José da Silva | 41
KOZEN, Filipe Klafke, O conceito de pessoa em Lima Vaz, São Leopoldo, 2017.
OLIVEIRA, Cláudia, Mergulho na natureza humana pelo reconhecimento do outro, Belo Ho-
rizonte: Instituto Humanitas Unisinos, 2016.
ROCHA, Gabriel Filipe Martins, Realização humana em Lima Vaz, Belo Horizonte: FAJE,
2016.
VAZ, Henrique Cláudio de Lima, Antropologia Filosófica I, São Paulo, Loyola, 11ª ed., 2011.
VAZ, Henrique Cláudio de Lima, Antropologia Filosófica II, São Paulo, Loyola, 2ª ed., 2005.
Capítulo 2
1
ARISTÓTELES, 1095 b 15 - 1103 a 10.
Patrícia Carvalho Reis | 43
1. Vida realizada
Em outro trecho, Vaz nos dá mais pistas sobre o que entende por
realização:
2
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica I, p. 176.
3
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 165.
4
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica 2, p. 171.
44 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
5
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 165.
6
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 171.
7
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 93-94.
Patrícia Carvalho Reis | 45
8
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p.171.
9
C.M.R de OLIVEIRA, Metafísica e Liberdade no pensamento de H.C. de Lima Vaz, 2014, p. 128.
10
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica 2, p. 159.
11
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica 2, p. 161.
12
ARISTÓTELES, 1098 a 15.
46 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Nenhuma frustração maior e mais penosa para o homem do que aquela que
nasce da sensação de uma vida não realizada, da dispersão e da perda do
tempo da vida que não foi recuperado pela linha harmoniosa de um cresci-
mento sempre unificante 13.
13
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 146.
Patrícia Carvalho Reis | 47
14
Isso teve como fundamento as transformações da sociedade grega aceleradas pelas guerras pérsicas e pela conso-
lidação do regime democrático em Atenas e outras cidades H.C. LIMA VAZ, Antropologia Filosófica I, p. 31.
15
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 166.
16
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 166.
17
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 168.
48 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
18
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 168.
19
Alexis de Tocqueville, na obra Democracia na América (capítulo segundo do volume II), apresenta considerações
originais sobre o individualismo nas democracias.
20
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 27.
Patrícia Carvalho Reis | 49
não poderá se limitar apenas no âmbito dos bens finitos e situados, o que
irá revelar uma tendência contínua à transcendência 21.
Outra característica da pós-modernidade é o niilismo, assunto pelo
qual Lima Vaz demonstrou bastante interesse. Como afirma Oliveira, o ni-
ilismo metafísico 22 inviabiliza a afirmação do sentido para a existência
humana ao igualar o ser e o nada 23. Diante disso, é difícil encontrar orien-
tação ética para o nosso agir na história.
Uma sociedade que valoriza o pensamento dá condições para as pes-
soas buscarem uma vida realizada. Nela, há o respeito pela singularidade.
A vida realizada requer autonomia, uma postura ativa. Esses também são
requisitos do pensamento filosófico. Nesse sentido, a vida realizada seria
aquela em que o homem tem o domínio de si. Isso não significa que ele
esteja imune às adversidades ou que possa fazer o que deseja sem cumprir
ordens de ninguém. Significa que há, no seu íntimo, vontade de alcançar
algo, há autoconsciência. Mas, se esse contato do ser humano consigo
mesmo é imprescindível para se ter uma vida realizada, há pressupostos
para isso.
Consideramos que o preceito socrático “conhece a ti mesmo” é um
primeiro passo para se ter uma vida realizada, mas não podemos deixar
de levar em consideração que há outros requisitos relacionados com a ca-
tegoria da realização. Nesse sentido, para nós, a política propicia condições
significativas para que as pessoas tenham uma vida realizada. Basta lem-
brarmos que uma sociedade na qual não se respeitam os direitos básicos
das pessoas é difícil ter esse tipo de vida. Diferentemente de pensadores da
Antiguidade, como Epicuro, consideramos que o universo interior de al-
guém não é suficiente para o alcance da realização. Portanto, os campos
da política e da ética estão intimamente relacionados com o da vida reali-
zada. A afirmação de Vaz mencionada acima, de que a realização da vida
21
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 172.
22
Segundo Oliveira, a filosofia de Lima Vaz não se reduz a responder ao niilismo ético, mas ao niilismo metafísico
também. C.M.R de OLIVEIRA, Metafísica e Ética, p. 15.
23
C.M.R de OLIVEIRA, Metafísica e Ética, p. 14.
50 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
humana não poderá se limitar apenas no âmbito dos bens finitos e situa-
dos, demonstra a vinculação – ainda que não absoluta – entre vida
realizada e tais bens.
Feitas essas considerações, teremos condições de avaliar quais os re-
sultados da concepção de vida realizada que parece ser predominante no
nosso tempo.
24
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 172.
25
Segundo Vaz, existem dois tipos de coisas: as coisas-utensílios – o que pode ser manipulado, estando ao alcance
das mãos para o uso e não tendo, portanto, segredo para o homem; e as coisas-enigma, o que nele provoca admiração
e espanto. O primeiro tipo de coisa relaciona-se com os eventos repetíveis (cíclicos ou previsíveis), que permitem ao
Patrícia Carvalho Reis | 51
homem fixar pontos de referência na sucessão dos acontecimentos. Por outro lado, as coisas-enigma estão relacio-
nadas com os eventos insólitos, enigmáticos ou inesperados, com os quais o homem nunca se familiariza totalmente,
como o nascimento e a morte. H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosofica II, p. 23.
26
C.M.R de OLIVEIRA, Metafísica e Ética, p. 59.
27
T. W. ADORNO, Educação e Emancipação, p. 172.
52 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
suas vidas particulares sem interesse pela esfera pública. De nosso ponto
de vista, isso faz com que o ser humano se afaste do verdadeiro sentido de
realização e crie expectativas fantasiosas de que o “ter” possa fazer com
que ele se torne melhor.
À guisa de conclusão, defendemos que uma educação voltada para as
humanidades assim como uma valorização da esfera pública podem trans-
formar não só o mundo que nos rodeia, mas a complexa vida interior de
cada pessoa – um mundo maior e, de nosso ponto de vista, o único capaz
de oferecer possibilidades de uma verdadeira realização.
Referências
ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Tradução Wolfgang Leo Maar. Rio de Ja-
neiro: Paz e Terra, 1995.
ARENDT, Hannah. A Condição Humana. 10ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária;
2005.
OLIVEIRA, Cláudia Maria Rocha de. Metafísica e ética: a filosofia da pessoa em Lima Vaz
como resposta ao niilismo contemporâneo. São Paulo: Loyola, 2013.
______. Metafísica e liberdade no pensamento de H.C. de Lima Vaz. Sapere Aude. Belo
Horizonte, v. 5, n. 10, p. 123-138, 2° sem. 2014.
ROCHA, Gabriel Felipe Martins. Realização humana em Lima Vaz. 2016. Dissertação (Mes-
trado em Filosofia).123 f. Faculdade de Filosofia e Teologia, FAJE. Belo Horizonte,
2016.
______. Escritos de filosofia V: Introdução à ética filosófica 2. São Paulo: Loyola, 2000.
1
Este texto baseia-se na contribuição apresentada por ocasião do XII Colóquio Vaziano: “A realização. Um chamado
ao ‘torna-te o que és’”, realizado na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE) em 22 e 23 de agosto de 2019.
Optei por não sacrificar inteiramente o nível didático e coloquial original da palestra.
2
Cf. Vaz, H.C.L. Antropologia Filosófica II. São Paulo: Loyola, 1992, pp. 139-252.
Marco Heleno Barreto | 55
3
Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 144.
4
Vaz, H.C.L. Escritos de Filosofia VII. Raízes da Modernidade. São Paulo: Loyola, 2002, p. 254.
5
Vaz, Escritos de Filosofia VII, p. 255.
56 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
6
Ibid.
Marco Heleno Barreto | 57
7
Cf. Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 146.
8
Ibid.
9
Ibid, p. 147.
10
Ibid.
58 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
11
Vaz, Escritos de Filosofia VII, p. 254.
12
Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 147.
13
Cf. ibid.
14
A respeito das formas contemporâneas de experiência do corpo, vejam-se as reflexões de David Le Breton em Adeus
ao Corpo (Campinas: Papirus, 2003).
60 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
15
Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 147.
16
Ibid.
Marco Heleno Barreto | 61
17
Cf. Peter Sloterdijk. Crítica da Razão Cínica. São Paulo: Estação Liberdade, 2012.
18
Para uma lúcida crítica às contradições internas da recusa da dimensão da universalidade pela afirmação irrefletida
da diferença, veja-se o capítulo 4 (“A coruja e o sambódromo”) em Sérgio Paulo Rouanet. O Mal-estar da Moderni-
dade. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
62 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
19
Vaz, Antropologia Filosófica II, p. 170.
Marco Heleno Barreto | 63
a filosofia não teria mais nada a dizer, pois ela mesma teria, finalmente,
desaparecido.” 20
Definido pelo desejo, o sujeito ordenado ao modelo ideal pós-humano
está enclausurado na dimensão da má infinitude, que Hegel mostrou ser
estruturante do dinamismo do próprio desejo. Isso significa que a infini-
tude que está na raiz da atividade propriamente espiritual do ser humano
é programaticamente defletida para a esfera da imanência, com seus obje-
tos finitos, e passa a percorrê-los infindavelmente, em busca de uma
satisfação que, por princípio, está excluída do campo de seus investimen-
tos relacionais. Em outras palavras: a hegemonia da razão instrumental
projeta como horizonte fechado para a autorrealização a dimensão da ex-
terioridade, da imanência absolutizada e reduzida ao conjunto de objetos
e relações tecnicamente construídos e oferecidos ao consumo, e encontra
sua expressão concreta e correspondente modo de vida na nossa sociedade
da realização dos desejos. Mas o desejo aqui não será entendido com a
profundidade que a análise de um Santo Agostinho nele revela, ou antes,
tal profundidade - a infinitude do espírito humano em sua raiz ontológica,
que sustenta um dinamismo interminável na direção do ser-mais - não
será reconhecida e vivida como sinal de sua abertura constitutiva ao hori-
zonte ilimitado do ser, condição para que se estabeleça a real relação de
transcendência. Henrique Vaz expõe a condição para essa reorientação ra-
dical do desejo humano:
20
ibid.
64 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
21
Ibid., p. 171-172.
22
cf. ibid., p. 180, nota 71.
23
Cf. Umberto Galimberti. Os vícios capitais e os novos vícios. São Paulo: Paulus, 2004.
Marco Heleno Barreto | 65
24
Veja-se, a título de exemplo, a estarrecedora exposição de Robert Whitaker acerca da realidade do tratamento das
desordens psiquiátricas sustentado pela indústria dos psicofármacos, em suas sombrias relações com a psiquiatria,
em Anatomy of an Epidemic. Magic Bullets, Psychiatric Drugs and the Astonishing Rise of Mental Illness in America
(New York: Random House, 2010).
25
Vaz, Escritos de Filosofia VII, p. 255.
66 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pre-
tende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela,
pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio.
Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu
domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é
respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria
consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que
tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão
nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos
contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em
plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com
o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho
do homem que merece o seu nome. 26
26
Citado como epígrafe em Fernando Sabino. O Encontro Marcado. Rio de Janeiro: Record, 1981.
Marco Heleno Barreto | 67
ser social e individual, parece insensatez. Seja como for, é uma insensatez
que, no sentido literal da expressão, vale a pena, pois nela, paradoxal-
mente, o sentido do existir humano é afirmado e assumido. E se algum
representante da consciência cínica que afirma o triunfo da pós-verdade e
do pós-humano nos interpelar, insistindo em que nossa aposta não tem
futuro, poderemos responder com o verso do poeta alemão contemporâ-
neo Hans Magnus Enzensberger, em sua Instrução a Sísifo, dando-lhe a
entonação de um enigma oracular: “Faltam homens que realizem em si-
lêncio aquilo que não tem futuro”.
Capítulo 4
1
H. C. L. Vaz, Antropologia Filosófica II, São Paulo, Loyola, 1992, p.141.
2
G. Agamben, La invención de uma epidemia. In: Sopa de Wuhan. Pensamiento contemporaneo en tiempos de pan-
demias. Buenos Aires, Editorial ASPO, 2020. p.19.
Magda Guadalupe dos Santos | 69
1. Método de pensamento
3
S. López Petit. El coronavirus como declaración de guerra. In: Sopa de Wuhan. Pensamiento contemporaneo en
tiempos de pandemias. Buenos Aires, Editorial ASPO, 2020. p. 57-58.
70 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
4
H. C. L. Vaz. Por que ler Hegel Hoje? Boletim SEAF n.1, Belo Horizonte, SEAF n.1, 1982.p. 61-62.
5
H. C. L. Vaz, Ética e Direito, Escritos de Filosofia II. 3. ed. São Paulo, Loyola, 2000, p.139.
Magda Guadalupe dos Santos | 71
6
P. Aubenque, Le problème de l’être chez Aristote, Paris, PUF, 1990.
7
S. Kierkegaard, El concepto de la angustia, Madrid, Espasa-Calpe, 1982, p. 103-104. A angústia é tomada como um
momento de transição da vida individual e que para Kierkegaard faz frente tanto à lógica quanto ao sistema hegeli-
ano.
8
K. Jaspers, Iniciação filosófica, Lisboa, Guimarães Editores,1998.
9
S. de Beauvoir, Uma existencialista observa os americanos, In: BEAUVOIR, Simone de. Brigitte Bardot e a síndrome
de Lolita e outros escritos, Belo Horizonte, Quixote + Do, 2018, p.140. Beauvoir analisa como o trabalho do ser hu-
mano diz respeito apenas a ele e não a entidades supra-humanas e se registra no plano finito de suas possibilidades.
10
J.-P. Sartre, O Existencialismo é um Humanismo, 4. ed. Lisboa, Presença,1978, p. 254-255. A ideia de situação e de
escolhas é aqui analisada por Sartre da perspectiva da responsabilidade e do compromisso com outrem.
72 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
11
H. C. L. Vaz. Ética e Ciência. Escritos de Filosofia II. Ética e Cultura. São Paulo, Loyola, 2000, p.182
12
H. C. L. Vaz. Ética e Ciência. Escritos de Filosofia II. Ética e Cultura. São Paulo, Loyola, 2000, p. 213
13
H. C. L. Vaz. Antropologia Filosófica II, São Paulo, Loyola, 1992, p.141-142. Vaz relaciona tais conceitos de situação
e finitude aos conceitos e uno e múltiplo presentes na metafísica de Platão e Plotino.
14
H. C. L. Vaz. Ética e Ciência. Escritos de Filosofia II. Ética e Cultura. São Paulo: Loyola, 2000, p.182-183.
15
H. C. L. Vaz. Nota histórica sobre o problema filosófico do “outro”. In: H.C. L. Vaz. Escritos de Filosofia VI. Ontologia
e História. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2012, p. 242-243.
16
H. C. L. Vaz. Antropologia Filosófica II, São Paulo: Loyola, 1995, p.144.
17
K. Jaspers, Iniciação Filosófica, Lisboa, Guimarães Editores,1998, p. 26.
Magda Guadalupe dos Santos | 73
18
B. S. Santos, A cruel pedagogia do vírus, Coimbra, Almedina, 2020. p. 6.
19
S. de Beauvoir, Le Deuxième sexe, Paris, Gallimard, 1986, p. 14.
20
H. C. L. Vaz, Antropologia Filosófica II, São Paulo: Loyola, 1992, p.143.
74 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
outros sujeitos, com os quais se relaciona como ser finito e situado 21. É,
pois, enquanto sujeito histórico e sempre em busca de transcendência, que
sua compreensão do humano se consagra na dialética da essência e da
existência, bem como da compreensão e sentido de sua realização en-
quanto ser do humano.
Por outro lado, se para os existencialistas, especialmente, os france-
ses, Beauvoir e Sartre, essa dimensão de essência é conceito tomado como
um constante devir, pois sempre precedido da condição fático-existencial
do indivíduo humano 22. Tal como se observa no entendimento de Sartre,
“temos sempre que partir da subjetividade” 23 e esta equivale ao conceito
de humano, pois cada um é um “exemplo particular de um conceito uni-
versal”, no qual a essência humana precede essa existência histórica” 24.
Já para Lima Vaz o que justifica o processo de desenvolvimento da
vida humana não é apenas o que se qualifica na ordem do ser, mas o que
se consuma “sob o signo do dever-ser” 25 e o que torna possível a passagem
da “necessidade ontológica para a necessidade moral”, tornando-se esta a
condição do próprio devir humano, como o “imperativo de sua autorrea-
lização” 26, ou seja, enquanto uma questão ética por excelência.
3. Desafios Humanos
21
H. C. L. Vaz, Antropologia Filosófica II, São Paulo: Loyola, 1992, p.144.
22
J.-P. Sartre. O Existencialismo é um Humanismo, 4. ed. Lisboa, Presença, 1978, p. 254-255.
23
J-P. Sartre. O Existencialismo é um Humanismo, 4. ed. Lisboa, Presença, 1978, p. 213.
24
J-P. Sartre. O Existencialismo é um Humanismo, 4. ed. Lisboa, Presença, 1978, p. 213; p. 215.
25
H. C. L. Vaz, Antropologia Filosófica II, São Paulo: Loyola, 1992, p.146.
26
H. C. L. Vaz, Antropologia Filosófica II, São Paulo: Loyola, 1992, p.146
27
H. C. L. Vaz, Antropologia Filosófica II, São Paulo: Loyola, 1992, p.146.
Magda Guadalupe dos Santos | 75
a sensação de uma vida não realizada 28. Este risco ou este desafio se
apresenta, conforme Vaz, porque vivido somente na experiência dispersa
da corporalidade ou no âmbito apenas do tecido psíquico, sem garantias
para o mundo interior 29. Somente ao se realizar no nível do espírito o
sentido da existência se constitui na construção do humano em sua relação
de transcendência, definindo-se “o ser-para do ser humano” como “ser-
para-a-Verdade”, “ser-para-o-Bem” ou para o Absoluto 30. Neste
transcurso de agir conforme exigências deônticas, a feição ética do sujeito
humano se eleva a uma dimensão de exigência intrínseca de sua realização
verdadeira.
No contraste com o existencialismo de Simone de Beauvoir, é sobre-
tudo no corpo vivido, na experiência fenomenológica do corpo em situação
que a experiência existencial das mulheres se apresenta como experiência
efetiva 31. Nessa vertente hermenêutica, abre-se à interlocução epistemoló-
gica a necessidade de repensar o lugar dos discursos de mulheres no
horizonte da filosofia contemporânea e, nas dificuldades atuais, também o
lugar de categorias de identidades generalizadas, como o ser homem ou o
ser mulher. Também para o existencialismo de Beauvoir, cada sujeito hu-
mano, feminino ou masculino, passa por experiências individuais de
opressão e exclusão, de articulação dialética entre o geral e o particular,
desenhando o quadro valorativo das experiências corpóreas vividas. Ao re-
definir os sentidos de alteridade, aquela entre os iguais e outra entre os
diferentes, Beauvoir entende não haver lugar para a reciprocidade entre
os sexos, até meados do século XX. Na tensão entre o cultural e o que pa-
rece ser natural, a biologia é, segundo Beauvoir, naturalizada como base
28
H. C. L. Vaz, Antropologia Filosófica II, São Paulo: Loyola, 1992, p.146.
29
H. C. L. Vaz, Antropologia Filosófica II, São Paulo: Loyola, 1992, p.147.
30
H. C. L. Vaz, Antropologia Filosófica II, São Paulo: Loyola, 1992, p.147.
31
S. Heinämaa, Les souces phénoménologiques: le corps vécu et ses expressions. In: C. Delphy; S. Chaperon, Cin-
quantenaire du Deuxième sexe, Paris, Syllepse, 2002, p. 49-50. Segundo Heinämaa, os estudos beauvoirianos da
diferença sexual constituem uma elaboração crítica da descrição de corpos viventes (corps vécu -Leib), tal como se
encontra nas obras de Merleau-Ponty e de Husserl. Embora Beauvoir se sirva de uma metodologia fenomenológica,
especialmente em O Segundo sexo, seus escritos se voltam para as relações de gênero em corpos vividos diferente-
mente em situação histórica e em condições de possibilidade no mundo.
76 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
32
S. de Beauvoir, Le Deuxième sexe I. Paris: Gallimard, 1986, p.14-15.
33
S. de Beauvoir, Le Deuxième sexe I. Paris: Gallimard, 1986, p. 31.
34
S. de Beauvoir, Por uma Moral da Ambiguidade, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005, p. 16.
Magda Guadalupe dos Santos | 77
35
H. C. L. Vaz, Ética e Direito. Escritos de Filosofia II. 3. ed. São Paulo, Loyola, p. 160-161.
36
S. de Beauvoir, Por uma Moral da Ambiguidade, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005, p.17.
37
S. de Beauvoir, Por uma Moral da Ambiguidade, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005, p.15.
38
S. de Beauvoir, Por uma Moral da Ambiguidade, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005, p. 13-14.
78 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
39
S. de Beauvoir. Por uma Moral da Ambiguidade, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005, p.17.
40
H. C. L. Vaz. Fenomenologia do Ethos. Escritos de Filosofia II. 3. ed. São Paulo, Loyola, 2000, p.13.
41
H. C. L. Vaz. O que é Filosofia Antiga? Síntese, Nova Fase, V. 23, n.75, 1996, p. 549.
Magda Guadalupe dos Santos | 79
42
H. C. L. Vaz. O que é Filosofia Antiga? Síntese, Nova Fase, V. 23, n.75, 1996, p. 549-550.
43
H. C. L. Vaz. O que é Filosofia Antiga? Síntese, Nova Fase, V. 23, n.75, 1996, p. 550.
44
S. de Beauvoir, Le Deuxième sexe I. Paris: Gallimard, 1986, p. 15.
80 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
À guisa de conclusão.
45
H. C. L. Vaz. Fenomenologia do Ethos. Escritos de Filosofia II. 3. ed. São Paulo: Loyola, 2000, p.11.
Magda Guadalupe dos Santos | 81
Referências
BEAUVOIR, Simone de. Le Deuxiéme sexe I, Paris, Gallimard, 1986 (Folio. Essais).
BEAUVOIR, Simone de. Pirro e Cinéias, In: BEAUVOIR, Simone de. Por uma moral da am-
biguidade seguido de Pirro e Cinéias. Tradução de Marcelo J. de Moraes. Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 2005, p.129-206.
BEAUVOIR, Simone de. Por uma Moral da Ambiguidade. Tradução de Marcelo J. de Moraes.
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005, p. 5-128.
BEAUVOIR, Simone de. Uma existencialista observa os americanos. In: BEAUVOIR, Simone
de. Brigitte Bardot e a síndrome de Lolita e outros escritos. Tradução de Magda Gua-
dalupe dos Santos e Paulo Sartori. Belo Horizonte: Quixote + Do, 2018, p. 135-155.
HEINÄMAA, Sarah. Les souces phénoménologiques: le corps vécu et ses expressions. In:
DELPHY, C; CHAPERON, S, Cinquantenaire du Deuxième sexe, Paris, Syllepse, 2002,
p. 48-55 (Nouvelles Questions féministes).
82 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
JASPERS, Karl. Iniciação filosófica, tradução de Manuela P. dos Santos. 9. ed. Lisboa, Gui-
marães Editores, 1998 (Filosofia & Ensaios).
LÓPEZ PETIT, Santiago. El coronavirus como declaración de guerra. In: Sopa de Wuhan.
Pensamiento contemporaneo en tiempos de pandemias. Buenos Aires, EditorialASPO
(Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020. p.55-65. Disponível em:
http://iips.usac.edu.gt/wp-content/uploads/2020/03/Sopa-de-Wuhan-ASPO.pdf
Acesso em 23. 05. 2020.
VAZ, H. C. de Lima. Ética e Ciência. Escritos de Filosofia II. Ética e Cultura. 3. ed. São Paulo:
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VAZ, H. C. de Lima. Ética e Direito. Escritos de Filosofia II. Ética e Cultura. 3. ed. São Paulo:
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VAZ, H. C. de Lima. Fenomenologia do Ethos. Escritos de Filosofia II. Ética e Cultura. 3. ed.
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VAZ, H. C. L. Nota histórica sobre o problema filosófico do “outro”. In: VAZ, H. C. L. Escritos
de Filosofia VI. Ontologia e história. 2. ed. São Paulo, Loyola, 2012, p. 231-245.
VAZ, H.C. de Lima, Por que ler Hegel Hoje? Boletim SEAF n.1, Belo Horizonte, SEAF n.1,
1982, p. 61-75.
VAZ, H. C. L. O que é Filosofia Antiga? Síntese, Nova Fase, V. 23, n.75, 1996, p. 547-551.
PIERRE HADOT- Qu' est-ce que Ia philosophie antique? Paris, Gallimard (Folio-Es-
sais), 1995.
Capítulo 5
Realização:
um desafio ético e político
1
A referência às obras de Lima Vaz constará no próprio texto através da sigla da obra respectiva mas a(s) página(s)
correspondentes. VAZ, Henrique C. L. Antropologia Filosófica I. Coleção Filosofia. São Paulo: Edições Loyola, 1991
(AF I). IDEM. Antropologia Filosófica II. Coleção Filosofia. São Paulo: Edições Loyola, 1992 (AF II). IDEM. Escritos de
Filosofia II. Ética e Cultura. Coleção Filosofia. São Paulo. Edições Loyola, 1988 (EF II). IDEM. Escritos de Filosofia III.
Filosofia e Cultura. Coleção Filosofia. São Paulo. Edições Loyola, 1997 (EF III). IDEM. Escritos de Filosofia V. Intro-
dução à Ética Filosófica 2. Coleção Filosofia. São Paulo. Edições Loyola, 2000 (EF V).
João A. Mac Dowell | 87
2
O agir/práxis é fundamentalmente social, enquanto normado pelo ethos, como se verá mais adiante.
92 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Esta legitimação é dada pela lei que regula de maneira justa os di-
reitos e deveres dos membros da comunidade entre si e em relação ao
todo social. Esta regulamentação normativa que constitui a forma da so-
ciedade política corresponde à ideia de ser-humano implícita na
consciência social, i. e. no ethos, do corpo político. (EF II p.138) Ela exige,
continua Lima Vaz, a definição de “uma ideia de direito, segundo a qual o
indivíduo, como membro da comunidade política, passa a ser pensado não
na particularidade empírica de sua existência natural, mas na universali-
dade racional de sua existência política, como sujeito livre de direitos e
deveres.” (EF II p.139)
96 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Ora, de tudo o que foi dito, podemos concluir que o potencial huma-
nizante de determinada sociedade política “reside no nível de
universalização que o Direito nela vigente permite ao indivíduo particular
alcançar” (EF II p.146). Lima Vaz identifica na história do Ocidente duas
formas de universalidade, correspondentes a outras tantas antropolo-
gias políticas. Ele as designa como universalidade nomotética e
universalidade hipotética. A primeira, própria das teorias clássicas do Di-
reito natural, é aquela que tem como fundamento uma ordem do mundo,
João A. Mac Dowell | 97
3
Lima Vaz cita neste contexto a teoria da justiça de John Rawls (p.175) e a razão comunicativa de Apel e Habermas
(p.176). É importante ter presente que o livro (1988) refunde neste capítulo um artigo publicado em 1977 (cf. p.8).
João A. Mac Dowell | 99
1
C.M.R. de OLIVEIRA, 2013, p. 164.
2
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p.144.
3
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p.144.
Cláudia Maria Rocha de Oliveira; Edvaldo Antônio de Melo | 101
4
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p.146.
5
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p.146.
6
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p.147.
102 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
7
Para tal, revisitaremos, em linhas gerais, a Ética a Nicômaco de Aristóteles, bem como passagens de Tomás de
Aquino em seu Commento all’Etica nicomachea di Aristotele, volumes 1 e 2 da edição em italiano, Bologna: Studio
Domenicano, 1998. A tradução para os referidos textos será nossa.
8
ARISTOTELES, EN I, 7, 1097b 23-30.
9
T. AQUINO, Commento all’etica nicomachea di Aristotele, vol.1, p.96-97.
10
M. VEGETTI, L’ética degli antichi, p.173.
11
ARISTOTELES, EN, I, 7, 1098a 5-10.
Cláudia Maria Rocha de Oliveira; Edvaldo Antônio de Melo | 103
12
M. VEGETTI, L’ética degli antichi, p.173.
13
M. VEGETTI, L’ética degli antichi, p.173.
14
M. ZANATTA, Note, p.408, nota 6.
104 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
15
F. VOLPI, Heidegger e Aristotele, p.13-14.
16
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.25.
17
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica I, p.115.
18
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.5.
Cláudia Maria Rocha de Oliveira; Edvaldo Antônio de Melo | 105
19
ARISTÓTELES, EN I, 7, 1098a 1-8.
20
T. AQUINO, Commento all’etica nicomachea di Aristotele. vol. 1, p.105-106.
21
ARISTÓTELES, EN VI, 1, 1139a 2-14. É interessante recordar que, na obra De Anima III, 430a 10-15, Aristóteles
distingue também dois tipos de intelecto: o “agente” que tem como função “fazer” todas as coisas com a abstração, e
o intelecto “possível” que tem como capacidade de “tornar” todas as coisas. T. AQUINO, Commento all’etica nicoma-
chea di Aristotele. vol. 1, p.16.
22
ARISTÓTELES, EN VI, 7, 1141a 9 -1141b8.
23
ARISTÓTELES, EN VI, 7, 1141a 17-20.
24
ARISTÓTELES, EN VI, 5, 1140b 20-23.
25
ARISTÓTELES, EN VI, 7, 1141b 6-7.
26
T. AQUINO, Commento all’etica nicomachea di Aristotele. vol. 2, p.15.
106 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
27
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.35.
28
ARISTÓTELES, EN, VI, 12, 1144a 30-35.
29
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.35.
30
T. AQUINO, Commento all’etica nicomachea di Aristotele. vol. 2, p.20.
31
ARISTÓTELES, De Anima, III, 433a 9-12.
Cláudia Maria Rocha de Oliveira; Edvaldo Antônio de Melo | 107
32
ARISTÓTELES, EN VI, 2, 1139a 22-26.
33
C.D.C REEVE, Ação, contemplação e felicidade, p.46.
34
C.D.C REEVE, Ação, contemplação e felicidade, p.47.
35
C.D.C REEVE, Ação, contemplação e felicidade, p.66.
36
ARISTÓTELES, De Anima, III, 433 a 31-b1.
37
T. AQUINO, Commento all’etica nicomachea di Aristotele. vol. 2, p. 23.
108 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
De fato, o homem delibera sobre os meios para atingir tais fins que
são já postos. Os fins não são escolhidos, mas os meios que, por sua vez,
são contingentes. Segundo Tomás de Aquino 38, o conhecimento dos con-
tingentes enquanto tais, se dá através da ciência prática, pois as ciências
especulativas, como já afirmamos trata daquilo que é necessário.
38
T. AQUINO, Commento all’etica nicomachea di Aristotele. vol. 2, p. 32.
39
ARISTÓTELES, Metafísica, VII, 3, 1029a 4-6.
40
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica I, p.187.
41
Para uma visão mais aprofundada das três categorias estruturais da pessoa, permita-nos reenviar ao livro Metafí-
sica e ética: a filosofia da pessoa em Lima Vaz, escrito por C.M.R. de OLIVEIRA, p. 172-178.
Cláudia Maria Rocha de Oliveira; Edvaldo Antônio de Melo | 109
42
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica I, p.189.
43
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica I, p.193.
44
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica I, p.209.
45
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica I, p.212.
46
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica I, p.212-213.
110 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
47
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica I, p.204.
48
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica I, p.213, n.63.
49
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.45.
50
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.92.
Cláudia Maria Rocha de Oliveira; Edvaldo Antônio de Melo | 111
112 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
51
Na dialética hegeliana da obra Fenomenologia do Espírito, “a autoconsciência é livre na medida em que realiza a si
mesma. [...] O que a dialética servo/senhor evidencia é a impossibilidade de uma autêntica forma de reconhecimento:
haveria autêntico reconhecimento somente no momento no qual cada autoconsciência ‘oferecesse’ livremente à outra
a própria independência em uma relação de mútuo reconhecimento”. (L. ILLETTERATI; P. GIUSPOLI; G. MENDOLA,
Hegel, p.86).
Cláudia Maria Rocha de Oliveira; Edvaldo Antônio de Melo | 113
52
ARISTÓTELES, EN, V, 1, 1129a 33-34.
53
ARISTÓTELES, EN, V, 1, 1129b 25-27.
54
T. AQUINO, Commento all’etica nicomachea di Aristotele. vol. 1, p.531.
55
T. AQUINO, Suma Teológica, IIa IIae, q.58, a.2.
56
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.182. Sobre esta questão ver o artigo intitulado: “Ética e edu-
cação em Lima Vaz”, publicado em Conjectura: Filos. Educ., v. 23, n. especial, dossiê “Educação, Ética e Religião” de
114 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
63
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.67.
64
Sobre esta questão, indicamos o livro: HÖSLE, Vittorio. O sistema de Hegel: o idealismo da subjetividade e o pro-
blema da intersubjetividade. São Paulo: Loyola, 2007.
65
G.W.F. HEGEL, Fenomenologia do Espírito, p. 142.
66
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.68.
116 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
67
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.68.
68
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.70. Fazendo uma aproximação entre a ética e a proposta do
Evangelho, Lima Vaz entende que a noção de “próximo” (plesíon) que aparece, por exemplo em Lc 10, 25-37, exprime
a “manifestação mais perfeita do alter ego” e continua o autor afirmando que tal manifestação “dá origem igualmente
à mais perfeita forma do encontro com o outro na gratuidade do amor-dom (agápê)”.
69
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p. 65.
70
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.71.
Cláudia Maria Rocha de Oliveira; Edvaldo Antônio de Melo | 117
71
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.72.
72
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.74.
73
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.74.
74
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.74.
75
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.75.
118 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
76
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.79.
77
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.79.
78
J. GORZYCA, Essere per l’altro, p. 164-165.
79
Sobre esta questão ver também o primeiro capítulo da obra Introdução à ética filosófica 1, de Lima Vaz, p. 35-43.
80
J. GORZYCA, Essere per l’altro, p. 53.
Cláudia Maria Rocha de Oliveira; Edvaldo Antônio de Melo | 119
81
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 68.
82
J. GORZYCA, Essere per l’altro, p. 58.
83
Pode-se remeter aqui, por exemplo, à perspectiva ética levinasiana, na qual “o absolutamente Outro é Outrem; não
faz número comigo” (E. LÉVINAS, Totalidade e Infinito, p.26), daí o sentido de se pensar a relação inter-humana a
partir da responsabilidade radical por outrem (E. LÉVINAS, Ética e Infinito, p.79-84).
84
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.87. A título de enumeração, vale ressaltar que Lima Vaz
(2000, p.87-89), enumera vários níveis estruturais na consciência moral, o do encontro pessoal, o do encontro co-
munitário e o do encontro societário.
85
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, 2000, p.84.
120 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Considerações finais
86
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 86. Lima Vaz também enumera várias esferas dos indivíduos
que passam a ser ordenados pelas leis e normas éticas, como a esfera da necessidade ou do agir econômico, a da
efetividade, a da realização pessoal e a da obrigação cívica no âmbito social-político. H.C. de LIMA VAZ, Introdução à
Ética Filosófica II, p.90-92.
Cláudia Maria Rocha de Oliveira; Edvaldo Antônio de Melo | 121
Referências
Aquino, Tomas de. Suma Teológica. Tradução de Aldo Vannucchi et al. São Paulo: Loyola,
2005.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2014.
ARISTÓTELES. Da Alma (De Anima). Tradução de Carlos Humberto Gomes. Lisboa: Edi-
ções 70, 2015.
ARISTÓTELES. Metafísica: texto grego com tradução ao lado. São Paulo: Loyola, 2002.
GORZYCA, Jakub. Essere per l’altro: Fondamenti di ética filosofica. Roma: G&BP, 2011.
87
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.146.
122 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
ILLETTERATI, Luca; GIUSPOLI, Paolo; MENDOLA, Gianluca. Hegel. Roma: Carocci editore,
2010.
LÉVINAS, Emmanuel. Ética e Infinito. Diálogos com Philippe Nemo. Trad. João Gama. Lis-
boa: Edições 70, 1988.
LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Antropologia filosófica I. São Paulo: Loyola, 1991.
LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Antropologia filosófica II. São Paulo: Loyola, 1992.
Lima Vaz, Henrique Cláudio de. Escritos de Filosofia V: Introdução à Ética Filosófica 2. São
Paulo: Loyola, 2000.
LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Escritos de filosofia IV: Introdução à ética filosófica 1. 6ed.
São Paulo: Loyola, 2012.
OLIVEIRA, Cláudia Maria Rocha de. Metafísica e ética: A filosofia da pessoa em Lima Vaz
como resposta ao niilismo contemporâneo. São Paulo: Loyola, 2013.
OLIVEIRA, Cláudia Maria Rocha de; MELO, Edvaldo Antonio de. Ética e educação em Lima
Vaz, Conjectura: Filosofia e Educação, v. 23, n. especial, dossiê “Educação, Ética e
Religião”, Caxias do Sul, RGS, p. 207-222, set./dez. 2018. Disponível em:
<http://www.ucs.br/etc/revistas/index.php/conjectura/article/view/6230>.
Acesso: 25 maio 2020.
ZANATTA, Marcello. Note. In: ARISTOTELE. Etica nicomachea I-II. Traduzione di Marcello
Zanatta. 10 ed. Texto greco a fronte. Milano: 2007, 1998, p. 387-582; 893-1118.
Capítulo 7
1
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 08.
Paulo César Nodari; Manuel Melo | 125
constitutivamente ético e todo o nosso ser inscreve sua gênese e sua história
no destino de uma pessoa moral 2.
2
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 239.
3
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p. 51.
4
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 208.
5
H.C. de LIMA VAZ, Ética e Cultura, p. 13.
126 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
6
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.142-143.
7
C. OLIVEIRA; E. MELO, Ética e Educação em Lima Vaz, p. 214.
8
H.C. de LIMA VAZ, Ética e Cultura, p. 15-16.
9
C. OLIVEIRA; E. MELO, Ética e Educação em Lima Vaz, p. 214.
Paulo César Nodari; Manuel Melo | 127
Sem referência a esse Bem, não seria possível pensar, por um lado, a unidade
ética da natureza humana e, de outro, a unidade dos ethea num conceito uni-
versal do ethos. Para exercer essa causalidade final unificadora o Bem deve
(por necessidade lógica) gozar de uma objetividade imanente, pois ele se
apresenta como Fim último e idêntico a si mesmo da tendência da RP. Por
conseguinte, a vida ética (vivida na imensa variedade dos tempos e lugares e
marcada com tantas diferenças) apresenta-se, na determinação do seu hori-
zonte objetivo, a partir da perspectiva de um ethos particular, mas que é
possibilitado por uma razão última, na qual consiste a universalidade obje-
tiva do mundo ético, que deriva da ordenação constitutiva do sujeito ético (que
age guiado pela RP através da inteligência e vontade) para o Bem que é igual-
mente Fim e que dever ser acolhido como Valor fundamental 10.
10
F. J. HERRERO, A ética filosófica de Henrique Cláudio de Lima Vaz, 2012, p. 429 (RP: Razão prática).
128 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
[...] assim como a pré-compreensão do agir ético individual tem lugar no nível
do saber ético, assim também a pré-compreensão do mesmo agir na sua es-
sencial relação de intersubjetividade (ou enquanto implica a vida na
comunidade ética), tem lugar na participação ao saber ético como saber soci-
almente partilhado, sobretudo na forma da sabedoria da vida, que garante a
coesão do ethos nas formas espontâneas de reconhecimento recíproco e de
consenso. A relação de intersubjetividade como terreno do encontro com o
outro e, mais amplamente, do ser-com os outros, dá origem a ricas e variadas
formas de presença recíproca dos sujeitos: a relação recíproca da proximi-
dade, que se exerce na relação Eu-Tu no amor, na amizade, na vida em
11
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica I, p. 162.
12
P. ANDRADE, Antropologia Filosófica de Henrique Cláudio de Lima Vaz como superação do reducionismo antropo-
lógico, p. 83.
Paulo César Nodari; Manuel Melo | 129
13
F. J. HERRERO, A ética filosófica de Henrique Cláudio de Lima Vaz, p. 408.
14
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p. 64.
130 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
com outro sujeito o qual, por sua vez, é igualmente ele mesmo (ipse) no seu
ser-conhecido e no conhecer seu outro: em suma, no reconhecimento 15.
15
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p. 55.
Paulo César Nodari; Manuel Melo | 131
encontrá-lo em sua natureza de outro Eu, eis o primeiro passo para a explici-
tação conceptual da estrutura intersubjetiva do agir ético 16.
16
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.70-71.
17
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 197.
132 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
18
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 71.
19
P. C. NODARI, Reconhecimento e consenso em Lima Vaz, p. 37.
20
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 77.
Paulo César Nodari; Manuel Melo | 133
21
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 174.
22
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 242.
23
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 19.
134 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Nessa perspectiva, segundo Lima Vaz, o agir ético deve passar por
três momentos dialéticos que se dão dentro do âmbito do ethos, ou seja:
24
D. CARDOSO, Ética dialética de Henrique Cláudio de Lima Vaz, p. 250.
25
H.C. de LIMA VAZ, Ética e justiça: filosofia do agir humano, p. 448.
26
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 231.
Paulo César Nodari; Manuel Melo | 135
[…] a lição socrática nos ensina que somente a ideia da consciência moral, ou
seja, da interioridade do sujeito racional orientada para o bem, nos permite
pensar o ato moral e a comunidade ética segundo o modelo ideonômico. Ora,
é segundo esse modelo que o reconhecimento e o consenso encontram seu
lugar como momentos dialéticos universais na ideia da comunidade ética e, ao
alcançar sua expressão objetiva na Lei e no Direito, institucionalizam-se como
formas universais do bem-comum. Na vida segundo a Lei e o Direito define-
se, por sua vez, o perfil de uma consciência moral inter-subjetiva, que se ma-
nifesta eficazmente sobretudo quando alguma ameaça pesa sobre os
fundamentos éticos da comunidade 27.
Desta sorte, apenas a dignidade reconhecida entre seus membros pode realizar
na vida ética concreta da comunidade o universal da justiça como virtude e
como lei. Apresenta-se aqui um encadeamento necessário entre as duas pro-
posições: Eu sou para o Bem (sujeito ético = dignidade individual) → Nós
27
H.C. de LIMA VAZ, Ética e justiça: filosofia do agir humano, p. 450.
28
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 202.
136 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Vale dizer, para repeti-lo ainda uma vez que a vida ética comunitária só é pos-
sível como vida justa. É mesmo permitido dizer que a ideia de um ethos
universal, hoje uma das aspirações mais profundas da nossa civilização, só é
pensável na perspectiva da concepção e da prática de uma justiça universal,
codificada numa nova e ampliada versão do jus gentium e que se estenda a
todos os campos onde indivíduos e nações se inter-relacionam 30.
29
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 203.
30
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 185-186.
Paulo César Nodari; Manuel Melo | 137
É lícito concluir, pois, que a unidade existencial do homem, síntese da sua uni-
dade estrutural e dos seus atos – existentis enim est agere –, edificando-se
sobre um fundamento ontológico, tem necessariamente um conteúdo ético. A
unificação da própria vida não é, para o homem, um processo que se desenrola
apenas na ordem do ser, mas que se perfaz sob o signo do dever-ser, e nela
tem lugar a passagem permanente da necessidade ontológica para a necessi-
dade moral. O homem é um ser constitutivamente ético e essa eticidade é ou
deve ser o primeiro predicado da sua unidade existencialmente em devir – ou
do imperativo da sua autorrealização 31.
31
H.C.de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p. 146.
138 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
32
H.C.de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p. 165.
Paulo César Nodari; Manuel Melo | 139
33
H.C.de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p. 77.
34
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 239.
35
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 238.
140 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Considerações finais
36
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 238.
37
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.239.
38
D. CARDOSO, Ética dialética de Henrique Cláudio de Lima Vaz, p. 252.
Paulo César Nodari; Manuel Melo | 141
39
H.C. LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p. 144.
40
O termo consentimento é usado por Lima Vaz para se referir à inclinação ao Bem universal. Já o termo consenso,
enquanto engloba também a noção de inclinação ou o consentir ao Bem, parece ressaltar o aspecto da relação Ética.
A relação que permeia entre Eu e Outro, onde ambos consentem ao Bem para efetivar uma comunidade ética. Con-
senso implica no fim em comum (comunidade ética) para ambas as partes, que, por conseguinte, devem estar em
consentimento em relação ao Bem universal. H.C. LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.70-71.
41
H.C. LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p.174.
142 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Referências
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_______. Escritos de filosofia V: introdução à ética filosófica II. São Paulo: Loyola, 2000.
_______. Ética e justiça: filosofia do agir humano. Síntese, v. 23, nº 75, 1996: pp. 437-453.
_______. Escritos de filosofia II: ética e cultura. São Paulo: Loyola, 1993.
CARDOSO, Delmar. Ética dialética de Henrique Cláudio de Lima Vaz. Revista Estudos Fi-
losóficos, nº 11, 2013: pp. 246-253.
HERRERO, F. Javier. A ética filosófica de Henrique Cláudio de Lima Vaz. Síntese, v. 39, nº
125, 2012: pp: 393-432.
NODARI, Paulo César. Reconhecimento e consenso em Lima Vaz. Revista Direito Ambiental
e Sociedade, vº 8, n. 1, 2018: pp. 24-41.
OLIVEIRA, Cláudia Maria Rocha de; MELO, Edvaldo Antônio de. Ética e educação em Lima
Vaz. Conjectura, v. 23, nº especial, dossiê Educação, Ética e Religião, 2018: pp. 207-
222.
1
A. SCHOPENHAUER, A. Parerga e Paralipomena. p.884.
Elton Vitoriano Ribeiro | 145
2
H.C.de LIMA VAZ, Ética e Cultura, p.11-35.
3
C. TAYLOR, Ética da Autenticidade, p.11-22.
146 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
4
E. RIBEIRO, E. Filosofia para pensar e viver, p.59-68.
5
H.C.de LIMA VAZ, Filosofia e Cultura, p. 144.
6
H.C.de LIMA VAZ, Filosofia e Cultura, p.145-146.
Elton Vitoriano Ribeiro | 147
7
H.C.de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p.49-80.
8
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica 2, p.67-94.
148 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
9
E. RIBEIRO, Reconhecer-se reconhecido: o problema do reconhecimento enquanto questão antropológica, ética e
política, p.387-400.
10
H.C.de LIMA VAZ, Ética e Justiça: Filosofia do Agir Humano, p.547-592.
11
E. RIBEIRO, A categoria de Justiça: momento fundamental de realização da Comunidade Humana como Comuni-
dade Ética, p.70-78.
Elton Vitoriano Ribeiro | 149
4. Desafios
12
E. RIBEIRO, Filosofia política e Sociedade. Uma leitura a partir do pensamento filosófico de Lima Vaz, p.9-15.
150 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
13
H.C.de LIMA VAZ, Filosofia e Cultura, p.150.
14
M. OLIVETTI, El problema de la comunidade ética, p.209-222.
Elton Vitoriano Ribeiro | 151
Referências
LIMA VAZ, H.C. Antropologia Filosófica II. São Paulo: Loyola, 1992.
LIMA VAZ, H. C. Ética e Justiça: Filosofia do Agir Humano. Síntese - Revista de Filosofia.
1996, n.75, p.547-552.
LIMA VAZ, H.C. Escritos de Filosofia III: Filosofia e Cultura. São Paulo: Loyola, 1997.
LIMA VAZ, H.C. Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura. São Paulo: Loyola, 1988.
LIMA VAZ, H.C. Escritos de Filosofia V: Ética Filosófica 2. São Paulo: Loyola, 2000.
1
M. A. COIMBRA, (Des)humano, demasiado (des)humano. O homem na era digital uma reflexão com Pierre Lévy.
Porto: Edições Afrontamento, 2010, p. 53.
2
G. DEBORD, A Sociedade do Espetáculo, p. 5.
3
M. A. COIMBRA, (Des)humano demasiado (des)humano, p. 72.
154 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
4
M. A. COIMBRA, (Des)humano demasiado (des)humano, p. 58.
5
M. A. COIMBRA, (Des)humano demasiado (des)humano, p. 58.
6
R. HAYLES, Haw the Became Posthuman, p. 12. In: M. A. COIMBRA, (Des)humano demasiado (des)humano, p. 108.
7
R. HAYLES, Haw the Became Posthuman, p. 13. In: M. A. COIMBRA, (Des)humano demasiado (des)humano, p. 89,
nota 6.
Maria Celeste de Sousa | 155
8
M. A. COIMBRA, (Des)humano demasiado (des)humano, p. 111.
156 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
9
E. M. VALLENILLA, Fundamentos da meta-técnica, p. 98.
10
M. A. COIMBRA, (Des)humano demasiado (des)humano, p. 97.
11
M. A. COIMBRA, (Des)humano demasiado (des)humano, p. 105.
Maria Celeste de Sousa | 157
12
H.C.de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p. 160.
13
H.C.de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p.160.
158 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
14
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 146.
15
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 167.
Maria Celeste de Sousa | 159
16
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 168.
17
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 169.
18
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 169.
19
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 170.
20
H.C.de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 170.
160 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
21
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 170.
22
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 171.
Maria Celeste de Sousa | 161
23
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 80.
162 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
24
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 81.
25
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 79.
Maria Celeste de Sousa | 163
26
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 205.
164 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
27
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 87.
28
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 88.
29
M.C. SOUSA, Comunidade Ética, p. 196.
30
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 90.
Maria Celeste de Sousa | 165
Conclusão
31
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 89.
32
M.C. SOUSA, Comunidade Ética, p. 196.
33
M.C. SOUSA, Comunidade Ética, p. 197.
166 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
34
H.C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p. 159.
35
H.C. de LIMA VAZ, Antrologia Filosófica II, p.171.
Maria Celeste de Sousa | 167
36
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p.168.
37
H.C. de LIMA VAZ, Introdução à Ética Filosófica II, p. 80.
168 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Referências
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______. Escritos de Filosofia IV: Introdução à Ética Filosófica I. São Paulo: Loyola, 1999.
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COIMBRA, Maria Assumpta, (Des)humano demasiado (des) humano. O homem na Era Di-
gital uma reflexão com Pierre Lévy. Lisboa: Edições Afrontamento, 2010.
HAYLES, R. “Haw the Became Posthuman: Virtual Badies” in Cybernetics, Literature and
informatics, Chicago e Londres: University of Chicago Press, 1999.
Maria Celeste de Sousa | 169
SOUSA, Maria Celeste de. Comunidade Ética - Sobre os princípios ontológicos da vida social
em Henrique Cláudio de Lima Vaz, São Paulo: Edições Loyola, 2014.
Sociedade Democrática:
lócus para a realização humana
1
C. R. Drawin, Padre Henrique Vaz: um mestre incomparável, p. 375-379.
Manoel dos Reis Morais | 171
2
F. J. Herrero, Ética na construção da política, p. 69.
172 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Se na Idade Média a técnica foi relegada ao plano inferior das atividades hu-
manas, à aurora da Modernidade a técnica será a quintessência do
conhecimento aplicado, uma redução precisa da teoria adequada ao universo
pragmático. E se sua realização dependeu de alturas intelectuais excelentes, o
Renascimento produziu gigantes. Neste ponto, Maquiavel é um avatar do in-
telectual moderno. A sua altitude teórica, soerguida do chão da prática política
e do esforço espiritual, diz ele, adveio de "tudo o que me ensinaram uma longa
experiência e o estudo contínuo das coisas do mundo". O que já apontava para
a possibilidade da investidura da política como técnica, disposta ao alcance de
todos. 7
3
P. C. Nodari, Ética Aristotélica, p. 406-407.
4
E. Weil, Filosofia Política, p. 95, 96, 101 e 133.
5
S. Petrucciani, Modelos de Filosofía Política, p. 22.
6
H. C. de Lima Vaz, Ética e Política, p. 7.
7
A. J. R. Valverde, Maquiavel: a política como técnica, p. 38.
174 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
8
H. C. de Lima Vaz, Introdução à Ética Filosófica 1, p. 267-268.
9
H. C. de Lima Vaz, Raízes da modernidade, p. 98-99.
10
Cf. Ibid., p. 28.
11
H. Arendt, A condição humana, p. 31-37.
12
Cf. H. C. de Lima Vaz, Introdução à Ética Filosófica 1, p. 303-304.
13
H. C. de Lima Vaz, Ética e Política, p. 8.
Manoel dos Reis Morais | 175
14
Cf. H. C. de Lima Vaz, Introdução à Ética Filosófica 2, p. 180 (nota n. 18).
15
Cf. H. C. de Lima Vaz, Ética e Cultura, p. 164.
16
Cf. G. Fassó, Dicionário de Política, p. 655-660.
17
T. S. Ferraz Júnior, Introdução ao estudo do direito, p. 69-70.
176 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
18
H. C. de Lima Vaz, Ética e Cultura, p. 163-164.
19
H. C. de Lima Vaz, Ética e Política, p. 9.
20
Ibid., p. 9.
21
H. C. de Lima Vaz, Religião e sociedade nos últimos vinte anos, p. 39.
Manoel dos Reis Morais | 177
22
H. C. de Lima Vaz, Cadernos de Filosofia Alemã 2, p. 101.
23
H. C. de Lima Vaz, Democracia e Sociedade, p. 6.
24
Cf. H. C. de Lima Vaz, Democracia e Dignidade Humana, p. 17.
25
M. Perine, Ética e Política: irredutibilidade e interação de relações assimétricas, p. 39.
26
H. C. de Lima Vaz, Democracia e Dignidade Humana, p. 18.
27
Cf. H. C. de Lima Vaz, Introdução à Ética Filosófica 2, p. 91.
28
Cf. H. C. de Lima Vaz, Democracia e Dignidade Humana, p. 18
178 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
29
M. Perine, Ética e Política: irredutibilidade e interação de relações assimétricas, p. 40.
30
H. C. de Lima Vaz, Democracia e Sociedade, p. 12.
31
H. C. de Lima Vaz, Ética e Cultura, p. 136-137.
32
H. C. de Lima Vaz, Democracia e Sociedade, p. 10.
Manoel dos Reis Morais | 179
33
Ibid., p. 10.
34
H. C. de Lima Vaz, Introdução à Ética Filosófica 2, p. 179-180.
35
H. C. de Lima Vaz, Democracia e Sociedade, p. 10.
36
H. C. de Lima Vaz, Democracia e Dignidade Humana, p. 19.
180 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
37
H. C. de Lima Vaz, Democracia e Sociedade, p. 12.
38
Cf. H. C. de Lima Vaz, Democracia e Dignidade Humana, 20.
39
H. C. de Lima Vaz, Ética e Cultura, p. 77-78.
40
H. C. de Lima Vaz, Crise e verdade da consciência moral, p. 474.
Manoel dos Reis Morais | 181
41
Cf. H. C. de Lima Vaz, Destino e Liberdade: as origens da Ética, p. 467-475.
42
J. H. Santos, Ética e Política: uma tragédia do mundo ético, p. 15
43
H. C. de Lima Vaz, Democracia e Sociedade, p. 13.
44
H. C. de Lima Vaz, Introdução à Ética Filosófica 2, p. 89.
182 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Considerações finais
45
Ibid., p. 198.
46
H. C. de Lima Vaz, Democracia e Dignidade Humana, p. 20.
47
Ibid., p. 20.
Manoel dos Reis Morais | 183
48
H. C. de Lima Vaz, Ética e Justiça: filosofia do agir humano, p. 438.
49
Cf. C. R. Drawin, Henrique Vaz e a opção metafísica, p. 163.
184 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
tanto do agir individual quanto do agir social, pois o métron da ideia de lei
(nómos) como regência do virtuoso e disposição da melhor conformação
societária (politeía) foi substituído pelo imperativo da funcionalidade e da
operacionalidade visando o fazer e o produzir com o novo telos: satisfação
das carências e necessidades psicobiológicas.
O próprio Filósofo considera essa existência como “imensos sistemas
mecânicos dos quais a liberdade terá sido eliminada e que se regularão
apenas por modelos sempre mais eficazes e racionais de controle do arbí-
trio dos indivíduos”, pois já estariam “despojados da sua razão de ser como
homens ou como portadores do ethos”. 50 No entanto, contrapondo-se a
este cenário desolador, propõe Lima Vaz a recuperação do liame do existir
ético-político no contexto da sociedade moderna com a dialética do social,
do político e do democrático.
Não se trata de desprezar o problema das carências e necessidades,
estatuído pelas teorias do pacto social como “a” resposta aos conflitos e
móvel para associação humana, mas sim de o situar como fator de agre-
gação primária e não como ratio essendi da sociedade política. Nesta
configuração o político estaria à deriva, pois a igualdade de todos segundo
as necessidades oportuniza a hybris social e rende ensejo ao despotismo e
ao totalitarismo. Por conseguinte, imprescindível que haja a suprassunção
no nível do político.
O nível político é caracterizado pela ideia de lei (nómos) – ou lei justa
– e, assim, promove a suprassunção da igualdade social na igualdade de
todos perante a lei; portanto, abre espaço para o ser-reconhecido e para o
poder legítimo. A lei assume o lugar do tirano ou do déspota para possibi-
litar a igualdade e a equidade na vida política, ou ainda, de “legitimar o
poder pela justiça na perspectiva de uma teleologia do Bem e fazer assim
da vontade política uma vontade instauradora de leis justas – uma nomo-
tética regida pela razão do melhor”. 51
50
H. C. de Lima Vaz, Ética e Cultura, p. 180.
51
H. C. de Lima Vaz, Ética e Política, p. 7.
Manoel dos Reis Morais | 185
Referências
DRAWIN, Carlos Roberto. Henrique Vaz e a opção metafísica. Síntese, Belo Horizonte, v.
29, n. 94, p. 157-169, 2002.
52
J. H. Santos, Ética e Medida, p. 584.
186 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
______. Padre Henrique Vaz: um mestre incomparável. In: MAC DOWELL, João A. (org.)
Saber filosófico, história e transcendência. São Paulo: Loyola, 2002, p. 375-379.
LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Ética e Cultura. 4.ed. São Paulo: Loyola, 2004.
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______. Religião e sociedade nos últimos vinte anos (1965-1985). Síntese, Belo Horizonte,
n. 42, p. 27-47, 1988.
______. Ética e Justiça: filosofia do agir humano. Síntese, Belo Horizonte, v. 23, n. 75, p.
437-453, 1996.
______. Crise e verdade da consciência moral. Síntese, Belo Horizonte, v. 25, n. 83, p. 461-
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______. Filosofia como forma de ação (Entrevista). Cadernos de Filosofia Alemã 2, São
Paulo, p. 77-102, 1997.
Manoel dos Reis Morais | 187
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, domi-
nação. 4.ed. São Paulo: Atlas, 2003.
NODARI, Paulo César, Ética Aristotélica. Síntese, Belo Horizonte, v. 24, n. 78, p. 383-410,
1997.
SANTOS, José Henrique. Ética e medida. Síntese, Belo Horizonte, v. 18, n. 55, p. 577-584,
1991.
______. Ética e política: uma tragédia do mundo ético. Cadernos da Escola do Legislativo,
Belo Horizonte, v. XX, n. 8, p. 8-39, 1998.
VALVERDE, Antônio José Romera. Maquiavel: a política como técnica. Hypnos, São Paulo,
v. 4, p. 37-46, 1998.
1
H. C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, São Paulo, Loyola, 1992, p. 144.
Bruno Amaro Lacerda | 189
2
H. C. de LIMA VAZ, Ética e Justiça: Filosofia do Agir Humano, Síntese Nova Fase, v. 23, n. 75, 1996, p. 447.
3
H. C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p. 156-157.
4
Ibidem, p. 150.
5
Ibidem, p. 150.
6
Ibidem, p. 156.
190 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
social, Platão a apresenta como um bem de elevado valor, ou, nas palavras
de Monique Canto-Sperber, como “o mais precioso dos bens que o homem
pode adquirir por si mesmo” 7.
O diálogo inicia-se com um exemplo de vida realizada: o velho Céfalo,
pai de Polemarco, confidencia a Sócrates que, ao contrário da maioria dos
homens de sua idade, é feliz. Não apenas por ser rico, nem por estar livre
dos desejos implacáveis da juventude, mas por ter passado toda a sua vida
praticando a justiça e, assim, não precisar temer as punições que os ho-
mens injustos, de acordo com a crença comum, sofrem após a morte.
Quem diz sempre a verdade e nunca prejudica ninguém, diz Céfalo, des-
fruta de uma velhice de paz e liberdade 8.
Sócrates não rejeita a associação entre justiça e realização, mas ques-
tiona, agora perante Polemarco, o que a justiça é. A definição de
Simônides, segundo a qual “justo é dar a cada qual o que lhe convém”, é
interpretada pelo herdeiro de Céfalo como “fazer bem aos amigos e mal
aos inimigos” 9. Sócrates objeta que quando se causa dano a cavalos e cães
eles se tornam piores em sua excelência; do mesmo modo, sendo uma vir-
tude humana, a justiça não poderia causar dano a ninguém, pois isto
equivaleria a produzir algo ruim por meio de uma coisa boa. Logo, “não é
próprio do homem justo causar dano nem aos amigos nem a quem quer
que seja, porém do seu contrário, o homem injusto” 10.
O sofista Trasímaco, que até então ouvia a conversa, entra abrupta-
mente em cena e afirma que a justiça é “a vantagem do mais forte” 11.
Instado por Sócrates a explicar a definição, ele esclarece que quem detém
o poder em uma cidade faz as leis de acordo com o que lhe convém, im-
pondo o seu cumprimento como justo. Na tirania, por exemplo, o tirano
7
M. CANTO-SPERBER, La vertu individuelle, modèle politique, In: BARANÈS, William, FRISON-ROCHE, Marie-
Anne, La justice: l’obligation impossible, Paris, Autrement, 1994, p. 34.
8
PLATÃO, A República, 329c.
9
Ibidem, 332d.
10
Ibidem, 335d.
11
Ibidem, 338c.
Bruno Amaro Lacerda | 191
12
Ibidem, 343a-c.
13
Ibidem, 344c.
14
Ibidem, 344b-c.
192 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
15
G. B. KERFERD, The Sophistic Movement, Cambridge, Cambridge University Press, 1981, p. 122.
16
PLATÃO, A República, 344e.
17
H. C. de LIMA VAZ, Antropologia Filosófica II, p. 146.
18
PLATÃO, A República, 351d.
Bruno Amaro Lacerda | 193
o homem que a pratica. Sócrates admite, porém, que isto não basta. É pre-
ciso, antes de tudo, conhecer o que ela realmente é.
O jovem Glauco, na sequência, manifesta preocupação com o fato das
pessoas comumente pensarem que, por natureza, praticar injustiça é um
bem e ser vítima de injustiça um mal, o que as impele a estabelecerem
acordos, na forma da lei, pelos quais exigem não serem vítimas de injus-
tiça, comprometendo-se em contrapartida a também não praticá-la. Esta
é a “origem e a essência da justiça: uma espécie de compromisso entre o
maior bem, ou seja, a impunidade para todas as malfeitorias, e o maior
mal, isto é, a impotência de vingar-se quem foi vítima de injustiça” 19.
A prática da justiça, nessa visão corrente, deve-se então à fragilidade
dos homens: como ninguém é forte o bastante para buscar o maior bem
(ser injusto sem recear as consequências), nem está disposto a sofrer o
maior mal (ser presa indefesa da injustiça), ajustam entre si um pacto de
igualdade. Mas, se existisse um homem dotado de poder extraordinário,
que não temesse ninguém, certamente violaria o acordo, esmagando todos
os demais. É o que sugere a fábula do anel de Giges 20. O verdadeiro bem,
nesta perspectiva, é a injustiça; a justiça não passa de um substitutivo que
surge para remediar a fraqueza humana.
A exposição de Glauco ecoa a célebre oposição sofística entre natureza
(physis) e lei (nómos). Por natureza, a vida do injusto parece proporcionar
melhores frutos, mas diante da impossibilidade de alcançá-la sem riscos,
os homens aceitam a justiça convencionada pela lei. Os acordos que esta-
belecem, porém, jamais terão a mesma força das disposições naturais, que
prefeririam caso pudessem agir sem recear as consequências. A “expres-
são mais eloqüente dessa oposição”, diz Lima Vaz 21, é o famoso fragmento
do sofista Antifonte, que diz:
19
Ibidem, 359a.
20
Ibidem, 359c-360c.
21
H. C. de LIMA VAZ, Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, São Paulo, Loyola, 1993, p. 47.
194 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
22
M. UNTERSTEINER, I Sofisti, Testimonianze e frammenti, Fascicolo IV, Firenze, La Nuova Italia, 1962, p. 73-77.
23
M. OSTWALD, Plato on law and nature, In: NORTH, Helen F., Interpretations of Plato, Leiden, Brill, 1977, p. 49.
24
PLATÃO, A República, 365a-b.
25
Ibidem, 366e.
26
Ibidem, 428e-429a.
Bruno Amaro Lacerda | 195
a busca por auxílio mútuo. Não sendo absolutamente iguais, mas dotados
de diversas aptidões, precisam uns dos outros para o suprimento de suas
carências. Na cidade justa, os guardiões devem ser bem formados, o que
requer uma paidéia integral, baseada em música para a alma e em ginás-
tica para o corpo. Assim poderão alcançar as virtudes fundamentais da
coragem e da temperança. Entre os guardiões, uma parte se ocupará da
defesa da cidade (os guerreiros, ou simplesmente guardiões) e a outra,
mais nobre, do seu governo (os governantes). Somados aos agricultores,
comerciantes e artesãos em geral, têm-se três classes: governantes, guar-
diões e produtores. Esta cidade é bela, enfatiza Sócrates, porque suas
classes estão unidas por um propósito comum: assegurar a unidade que
permite que todos, de acordo com suas disposições, sejam felizes. A justiça,
nessa perspectiva, manifesta-se quando cada classe cumpre a própria ta-
refa: “Uma razão a mais, por conseguinte, para definirmos a justiça como
consistindo em conservar cada um o que é seu e fazer o que lhe compete” 27.
Platão, portanto, compreende a justiça como um princípio de ordem
que institui unidade no diverso. A cidade maximamente justa é a que con-
segue unir, do melhor modo possível, suas diversas partes em uma
harmonia, estabelecendo entre os dissonantes a perfeita proporção. A fá-
bula dos “nascidos da terra” esclarece essa unidade: a mãe-terra deu à luz
todos os homens de uma cidade, mas os deuses misturaram junto com a
terra metais diferentes para as gerações. Ouro com terra para os que têm
disposição para o comando, prata para os auxiliares e ferro e bronze para
os que têm aptidão para tarefas manuais. Além disso, como os homens
têm uma origem comum, pode acontecer que de pais de ouro nasça um
filho de prata, ou que de pais de ferro um filho de ouro, o que exigirá, se a
educação revelar essa disposição, sua transferência para classe diversa da
dos seus progenitores.
O mito mostra que, apesar de suas diferentes tendências, todos os
homens possuem laços fraternos e um dever igual para com a comunidade
(“a terra, mãe comum, os dera à luz, razão por que deveriam considerar a
27
Ibidem, 433e-434a.
196 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
terra em que ora habitam como mãe e ama de todos eles, defendendo-a no
caso de ser atacada, e considerar irmãos os demais cidadãos” 28) e, neste
sentido, que “as desigualdades dos talentos naturais e habilidades huma-
nas são compatíveis com a igualdade básica e funcional dos homens” 29.
Mas também, como lembra Giovanni Casertano, que as classes da cidade
justa não são “castas fechadas”, pois a pertença de um indivíduo a uma
das três “não é determinada nem pelo nascimento nem por nenhuma con-
dição que não sejam as capacidades individuais” 30.
Uma vez encontrada a justiça na cidade, resta saber como ela se apre-
senta na alma. Trata-se do mesmo princípio estruturante: a alma é justa
quando cada uma das suas três partes (racional, impulsiva e desiderante)
dirige sua atividade própria e não interfere na função das outras duas.
Portanto, um homem é justo quando sua razão comanda, seus impulsos
controlam as atividades afetivas e seus desejos cuidam da nutrição e da
reprodução, e injusto quando estes elementos se desarmonizam. À seme-
lhança do que ocorre na cidade, cabe à razão, aliada à parte impulsiva,
governar o elemento desiderante da alma. Depreende-se, em sentido con-
trário, que a injustiça principia no predomínio indevido dos impulsos ou
dos desejos sobre a razão.
Pode-se, portanto, afirmar que a justiça é a virtude do homem que,
submetido à educação correta, faz com que a razão (e não os impulsos ou
os desejos) governe suas ações, e, ao mesmo tempo, o direcionamento da
pluralidade citadina à unidade. Nesse sentido, ela é “a categoria fundamen-
tal que permite pensar a comunidade humana como comunidade ético-
política” 31.
Esse íntimo paralelismo entre a cidade e a alma não deve ser visto
como metafórico. A analogia é funcional e dinâmica: “a cidade funciona
28
Ibidem, 414e.
29
R. W. HALL, Justice and individual in the “Republic”, Phronesis, v. 4, n. 2, 1959, p. 150.
30
G. CASERTANO, Uma introdução à República de Platão, São Paulo, Paulus, 2011, p. 43.
31
H. C. de LIMA VAZ, Ética e Direito, São Paulo, Landy/Loyola, 2002, p. 298.
Bruno Amaro Lacerda | 197
como uma alma, e a alma funciona como uma cidade” 32. Tanto a primeira
quanto a segunda possuem energias internas que frequentemente estão
em conflito umas contra as outras, causando as graves desarmonias que
ameaçam a unidade do homem e da comunidade. Esse profundo desa-
cordo, todavia, pode ser debelado por meio de uma estratégia educativa
eficaz, que exigirá a conexão entre saber filosófico e poder político. Assim,
em dado momento, os interlocutores se dão conta que a justiça reside den-
tro do homem, pois é um princípio de amizade para consigo mesmo que
“brota do interior de nossa própria natureza” 33. Este princípio, embora
não esteja dado, pode ser alcançado por meio de um conhecimento ade-
quado:
De fato, ao que parece, a justiça é desse jeito, porém, não com respeito às ações
exteriores do homem, mas às interiores, em verdade, que lhe refletem o imo
ser nos seus elementos constitutivos, e o leva, como a homem justo, a não
permitir a nenhum deles fazer nada do que lhe for estranho, nem interferir
uns nos outros os diferentes princípios da alma em suas respectivas atividades,
mas a pôr ordem em sua vida interior, disciplinar-se, tornar-se amigo de si
mesmo e harmonizar essas partes à maneira dos três termos da escala musi-
cal: o alto, o baixo e o médio, como também faz com todos os intermediários
que possam coexistir; e depois de unir todos esses elementos e de múltiplo que
era torna-se uno, temperante e afinado em tudo a que se aplicar, seja no afã
de enriquecer, seja no cuidado com o corpo e em assuntos de política ou em
negócios particulares, em qualquer situação, considera e denomina justa e bela
a ação que mantém e contribui para realizar esse estado da alma, tendo na
conta de sabedoria o conhecimento que determina semelhante norma de con-
duta, de injusta a ação que destrói esse estado de coisas, e de ignorância a
opinião responsável por esta última orientação. 34
32
M. VEGETTI, Politica dell’anima e anima del politico, In: Études platoniciennes, IV, Les puissances de l’âme selon
Platon, Paris, Les Belles Lettres, 2007, p. 343.
33
G. B. KERFERD, The Sophistic Movement, p. 123.
34
PLATÃO, A República, 443c-444a.
198 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
geral) são “a feiúra e a doença da alma” 35. Por conseguinte, a alma feliz,
bem realizada, é a que exerce suas atividades de modo ordenado, segundo
a justiça e as demais virtudes. A visão corrente recordada por Glauco, se-
gundo a qual a injustiça é por natureza melhor que a justiça, incorre em
grave equívoco: limita os interesses humanos aos bens exteriores, igno-
rando que, se o homem é sua alma, a verdadeira felicidade deve residir (ao
menos como possibilidade) dentro dele. E, se a alma possui três funções,
“em uma disposição hierárquica onde o intelecto deve ocupar o primeiro
posto”, seu bem só pode consistir “na manutenção de uma verdadeira har-
monia entre essas três espécies, e principalmente na contemplação do
inteligível pelo intelecto” 36.
Voltando à descrição da cidade, Sócrates explica, atendendo ao pedido
de Adimanto, que nela as mulheres poderão exercer as mesmas tarefas dos
homens, inclusive governar, desde que tenham as mesmas capacidades.
Esclarece ainda que os filhos e as mulheres serão comuns, ao menos para
as duas primeiras classes. Além disso, as crianças serão educadas coletiva-
mente até que suas disposições tenham se manifestado e, só então, serão
conduzidas à função para a qual estão destinadas. Tudo isso, porém, só
será possível se os filósofos governarem, ou se os que detêm o poder ad-
quirirem apreço pela filosofia. Enquanto não se unirem poder político e
filosofia, ele diz, “não poderão cessar, meu caro Glauco, os males da cidade,
nem, ainda, segundo penso, os do gênero humano” 37.
O problema, agora, passa a ser: quem é filósofo e quem não é? É filó-
sofo quem foge da ignorância e, não se contentando com a opinião, aspira
à sabedoria por completo, comprazendo-se com o espetáculo da verdade 38.
Há, portanto, uma diferença fundamental entre conhecimento, ignorância
e opinião. O primeiro se volta ao ser verdadeiro, a segunda ao não-ser e a
terceira se situa entre o ser e o não-ser. A opinião não alcança de modo
35
G. REALE, Storia della filosofia antica, v. II, Milano, Vita e Pensiero, 1988, p. 304.
36
L. BRISSON, J.F. PRADEAU, Le Vocabulaire de Platon, Paris, Ellipses, 1988, p. 100.
37
PLATÃO, A República, 473d.
38
Ibidem, 475e.
Bruno Amaro Lacerda | 199
pleno o ser porque, dividindo-se entre as coisas que são e as que não são,
termina por se perder na pluralidade, deixando escapar a ideia. É o que
ocorre com o amante de espetáculos, incapaz de captar a beleza em si além
das manifestações particulares do belo (os belos sons, as belas cores, as
belas figuras etc.). O mesmo vale para o conhecimento da justiça, a virtude
fundamental investigada. Assim, caso se deseje viver em harmonia consigo
e com os demais, é imperioso ultrapassar as “sombras da justiça” e buscar
a “justiça em si mesma” 39.
Por serem os únicos capazes de contemplar as ideias inteligíveis, os
filósofos, “amantes do ser e da verdade”, devem governar a cidade. São,
por direito, seus legítimos guardiões. Por isso, sua educação se torna im-
portantíssima. Seu objeto máximo é a “ideia do bem”, que, de difícil
compreensão, é comparada por Sócrates ao sol, “filho do bem”. Há uma
analogia entre o sol e o bem: assim como o primeiro, no mundo visível,
permite que todas as coisas sejam vistas e, além disso, lhes dá vida, cor e
nutrição, o segundo fornece às essências inteligíveis o seu ser próprio e
possibilita que sejam conhecidas. A ideia da justiça, sem a qual não pode
existir verdadeira ordenação da alma e da cidade, deve sua existência e
cognoscibilidade, como todas as demais essências, à ideia do bem: esta,
portanto, é “o mais elevado conhecimento, e que na medida em que dela
participam são úteis e vantajosas a justiça e as demais virtudes” 40. Todos
os objetos devem seu ser e sua cognoscibilidade ao bem, “conquanto o bem
não seja essência, senão algo que excede de muito a essência, em poder e
dignidade” 41.
Mas o que significa exceder ou estar “além da essência”? A ideia do
bem não está no plano do ser? Não é propriamente uma essência? Moni-
que Dixsaut esclarece que, assim como o sol não é somente uma coisa
visível, mas o ente que ultrapassa a essência de todas as demais realidades
visíveis por lhes dar vida e nutrição, “o bem não é somente uma realidade
39
Ibidem, 517d-e.
40
Ibidem, 505a.
41
Ibidem, 509b.
200 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
42
M. DIXSAUT, De l’idea du bien à sa lumière, In: CASTEL-BOUCHOUCHI, Anissa et al., Lectures de Platon, Paris,
Ellipses, 2013, p. 81.
43
F. TRABATTONI, Platone, Roma, Carocci, 2009, p. 85.
44
H. C. de LIMA VAZ, Escritos de Filosofia II, p. 54.
45
H. C. de LIMA VAZ, Escritos de Filosofia VIII: Platonica, São Paulo, Loyola, 2011, p. 159.
46
G. REALE, Storia della filosofia antica, v. II, p. 313.
47
PLATÃO, A República, 517b.
Bruno Amaro Lacerda | 201
48
G. REALE, Storia della filosofia antica, v. II, p. 318.
49
PLATÃO, A República, 534b.
50
Ibidem, 540a-b
51
Ibidem, 540e.
52
Ibidem, 592b.
202 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Referências
CASERTANO, Giovanni, Uma introdução à República de Platão, São Paulo, Paulus, 2011.
HALL, R. W., Justice and individual in the “Republic”, Phronesis, v. 4, n. 2, p. 149-158, 1959.
KERFERD, G. B., The Sophistic Movement, Cambridge, Cambridge University Press, 1981.
LIMA VAZ, Henrique Cláudio de, Antropologia Filosófica II, São Paulo, Loyola, 1992.
53
H. C. de LIMA VAZ, Escritos de Filosofia VIII, p. 111.
Bruno Amaro Lacerda | 203
____. Ética e Justiça: Filosofia do Agir Humano, Síntese Nova Fase, v. 23, n. 75, p. 437-453,
1996.
____. Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura, São Paulo, Loyola, 1993.
OSTWALD, Martin, Plato on law and nature, In: NORTH, Helen F., Interpretations of Plato,
Leiden: Brill, p. 41-63, 1977.
REALE, Giovanni, Storia della filosofia antica, v. II, 6. ed, Milano, Vita e Pensiero, 1988.
VEGETTI, Mario, Politica dell’anima e anima del politico, In: Études platoniciennes IV, Les
puissances de l’âme selon Platon, Paris, Les Belles Lettres, p. 343-350, 2007.
Capítulo 12
1
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, 2001.
2
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p.121-122.
3
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 122.
206 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Será preciso, pois, voltar-se aos textos de Marx para ter um diálogo a
sério com o filósofo alemão. Inicialmente, Vaz se debruça sobre dois tre-
chos dos Manuscritos Econômico-Filosóficos. Do primeiro, enfatiza o
caráter escatológico do comunismo, tomado como “fim da história”. Marx,
ao falar sobre o comunismo como suprassunção (supressão) da proprie-
dade privada, no sentido de estranhamento-de-si (autoalienação) do ser
humano, afirma:
4
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 122-123.
Émilien Vilas Boas Reis | 207
Há, entretanto, outra crítica de Vaz sobre Marx que é, talvez, a mais
contundente. Marx tem a pretensão de fazer um socialismo científico, o
que gera um rechaçamento à filosofia: “Os filósofos apenas interpretaram
5
K. MARX, Manuscritos Econômicos-Filosóficos, p. 105.
6
K. MARX, Manuscritos Econômicos-Filosóficos, p. 114.
7
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, 2001.
8
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 125, grifos nosso.
208 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
9
K. MARX; F. ENGELS, A ideologia alemã, p. 535.
10
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 126.
11
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 129.
12
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 134.
Émilien Vilas Boas Reis | 209
A relação fundamental que liga o homem ao mundo só pode ser, então, a re-
lação econômica de produção. A dialética da Ideia (sic) transmuda-se em
dialética do Trabalho, e este, por seu caráter absoluto, impõe à visão marxista
do mundo um necessário postulado materialista de base. A economia política
(na acepção de Marx), como ciência suprema, é aqui a inversão exata da filo-
sofia 16.
A consciência [Bewusstsein] não pode jamais ser outra coisa do que o ser cons-
ciente [bewusste Sein], e o ser dos homens é o seu processo de vida real. (...)
parte-se dos homens realmente ativos e, a partir de seu processo de vida real,
expõem-se também o desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos
desse processo de vida. (...) Não é a consciência que determina a vida, mas a
13
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História.
14
K. MARX, Manuscritos Econômicos-Filosóficos, p. 117.
15
K. MARX, Manuscritos Econômicos-Filosóficos.
16
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 139.
210 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
vida que determina a consciência. (...) parte-se dos próprios indivíduos reais,
e se considera apenas como sua consciência 17.
Vaz alerta para o fato de que o trecho acima ilustra o caráter revolu-
cionário e militante do pensamento marxista. A ressalva de Vaz é que Marx
quer transformar o mundo a partir de uma noção teórica em que o Abso-
luto está no próprio processo de transformação.
Desde este ponto de vista, o materialismo marxista nos aparece como uma
“antropogênese” — uma gênese do verdadeiro ser do homem libertado de suas
alienações —, assim como a Fenomenologia nos aparecia como uma gênese do
espírito — uma superação da “alienação da objetividade”. Ora, sendo o traba-
lho a relação dialética fundamental, a “antropogênese” se operará numa
relação ativa recíproca entre a natureza e o homem 18.
17
K. MARX; F. ENGELS, A ideologia alemã, p. 94.
18
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 141.
19
K. MARX, Manuscritos Econômicos-Filosóficos, p. 107.
20
K. MARX, Manuscritos Econômicos-Filosóficos, p. 112.
Émilien Vilas Boas Reis | 211
21
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 146.
22
K. MARX, Manuscritos Econômicos-Filosóficos, p. 106.
23
K. MARX, Manuscritos Econômicos-Filosóficos, p. 105.
24
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 149.
25
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 150.
212 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consci-
ência. (...) Esse modo de considerar as coisas não é isento de pressupostos. Ele
parte de pressupostos reais e não os abandona em nenhum instante. Seus
pressupostos são homens, não em quaisquer isolamento ou fixação fantásti-
cas, mas em seu processo de desenvolvimento real, empiricamente observável,
sob determinadas condições 28.
26
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 150.
27
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História.
28
K. MARX; F. ENGELS, A ideologia alemã, p. 94.
29
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 152.
30
K. MARX, Contribuições à crítica da Economia Política, p. 47.
Émilien Vilas Boas Reis | 213
Ora, que faz Marx? Eleva à categoria de absoluto o processo histórico no qual
o “ser consciente” acontece como um “fato”. Como tal, o “ser consciente” não
pode adequar-se ao movimento de transcendência que projeta a história na
dimensão do absoluto, do necessário. Assim a contradição – uma contradição
radical, incapaz de qualquer fecundidade dialética – aparece instalada no co-
ração mesmo do projeto teórico de Marx 32.
Isso não significa, entretanto, que Marx pense num nível de relati-
vismo vulgar, onde cada ser humano individual é uma espécie de
fundamento da verdade. Em Marx, a verdade está ligada às condições exis-
tenciais fáticas:
Se não há, pois, uma verdade absoluta (“dada” de uma vez para sempre), há
um devir absoluto da verdade, que é a verdade mesma deste devir: a verdade
da história como gênese da dialética do homem. É aqui precisamente que
cabe articular a objeção fundamental – aos nossos olhos, invencível – contra a
posição de Marx 33.
31
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 153.
32
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 154.
33
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 154-155, grifos nossos.
214 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
34
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p.155.
35
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p.156.
36
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 157.
Émilien Vilas Boas Reis | 215
“Como se explica que, a partir deste fato natural, a história avança para o
nascimento da alienação, a exteriorização e a perda do homem no produto
do trabalho, tornado independente e hostil?” 37. Para Marx, “A história de
todas as sociedades até hoje existentes é a história de luta de classes” 38.
Essa história caminha para a existência da propriedade privada, que, com
o passar do tempo, torna o ser humano alienado da produção do seu tra-
balho. É nesse contexto que o comunismo é tomado por Marx como o
momento de superação da alienação, através da “supressão da proprie-
dade privada” 39. A essa revolução final há uma etapa anterior em que o
proletariado se torna a classe dominante: “Isso só poderá ser realizado, a
princípio, por intervenções despóticas no direito de propriedade e nas re-
lações de produção burguesas (...)” 40. E se o comunismo é o “enigma
resolvido da história” 41, como já supracitado, Vaz interpreta que “Agindo,
em suma, na direção do movimento final da história, a consciência revo-
lucionária reveste necessariamente a ‘forma’ do ‘fim da história’ e se
define, portanto, como a plenitude escatológica de um Absoluto imanente
na história” 42.
Assim, o revolucionário, tendo o discernimento sobre o desenvolvi-
mento da história, visa o comunismo como o fim último dessa mesma
história. Sobre esse ponto volta-se a principal crítica vaziana:
37
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 157.
38
K. MARX; F. ENGELS, Manifesto Comunista, p. 40.
39
K. MARX; F. ENGELS, Manifesto Comunista, p. 52.
40
K. MARX; F. ENGELS, Manifesto Comunista, p. 58.
41
K. MARX, Manuscritos Econômicos-Filosóficos, p. 105.
42
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 160.
43
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 160.
216 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Ocorre que tal contradição teve como tentativa superar não a razão,
mas noções que foram além da reflexão, fazendo com que o marxismo, no
fim das contas, se voltasse para o mito, com suas crenças e asseclas:
44
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 161.
45
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 161.
46
H. C. de LIMA VAZ, Ontologia e História, p. 161.
Émilien Vilas Boas Reis | 217
(...) ao recusar a idéia (sic) de uma totalidade ética que enfeixe a dialética entre
ethos e nómos ou entre Ética e Direito na sociedade historicamente existente,
denunciando-a como sublimação idealista e como máscara ideológica de con-
tradições não-resolvidas da sociedade civil, Marx, ao mesmo tempo em que
projeta essa síntese no futuro utópico de uma sociedade sem Estado, leva a
cabo uma dissociação radical do político e do ético na sociedade presente 47.
47
H. C. de LIMA VAZ, Ética e Cultura, p. 172.
48
H. C. de LIMA VAZ, Ética e Cultura, p. 172.
218 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
de uma nova sociedade” 49. O que ilustra, na verdade, uma pretensa cien-
tificidade racional no pensamento de Marx, que acaba em uma visão mítica
de mundo.
No texto Política e História, originalmente de 1987, republicado na
mesma obra, Vaz, ao constatar como a história deixou de ser um magisté-
rio, no sentido de ter uma função pedagógica, por isso, ligada à tradição
ética, ela passou a estar associada a visões ideológicas. O passado é relido
à luz de categorias ideológicas do presente. Nesse sentido, Marx é um dos
precursores de tal posição, na medida em que passa a compreender a his-
tória através da “(...) praxis revolucionária do presente. Essa praxis define-
se necessariamente como negação do passado e como tensão extrema para
suprimir a contingência e incerteza do futuro: para inaugurar um começo
que se perpetua como novidade sempre renovada (...)” 50. A história está
submetida a uma técnica, que, por sua vez, é ideologia. E, Vaz, de maneira
perspicaz, percebe como tal posição impregnou tanto o marxismo prático
quanto os estudos envolvendo historiografia: “Basta pensar no uso da his-
tória nos regimes marxistas e na ideologização da pesquisa e do texto
histórico que se difunde nas universidades do Ocidente” 51. A história é
vista como um ato político, no sentido de técnica do poder, como mencio-
nado anteriormente, e que Vaz associa aos revolucionários políticos do
século XVIII. Mais uma vez, Vaz remete ao mito para caracterizar tal per-
cepção:
49
H. C. de LIMA VAZ, Ética e Cultura, p. 200.
50
H. C. de LIMA VAZ, Ética e Cultura, p. 252.
51
H. C. de LIMA VAZ, Ética e Cultura, p. 252.
52
H. C. de LIMA VAZ, Ética e Cultura, p. 252.
Émilien Vilas Boas Reis | 219
Conclusão
Referências
MARX, Karl. ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã: crítica da mais recente filosofia alemã
em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em
seus diferentes profetas (1845-1846). Tradução de Rubens Enderle, Nélio Schneider
e Luciano Cavini Martorano. São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.
VAZ, Henrique Claudio de Lima, S.J. Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura. 3ª ed. São
Paulo: Edições Loyola, 2000.
______. Escritos de Filosofia VI: Ontologia e História. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
Émilien Vilas Boas Reis | 221
Capítulo 13
1
E. VOEGELIN. Reflexões autobiográficas. São Paulo: É Realizações, 2007. p. 107.
224 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
2
Cf. C. BRUAIRE. O Ser e o Espírito. São Paulo: Loyola, 2010. Cap. 3.
Álvaro Mendonça Pimentel | 225
3
H.C. LIMA VAZ. Raízes da modernidade (Escritos de Filosofia VII). São Paulo: Loyola, 2002, p. 103. Citado doravante
como RM.
4
Cf. H.C. LIMA VAZ. Antropologia Filosófica II. São Paulo: Loyola, 1995. 2ª ed, p. 146-150. Citado doravante como AF
II.
5
E. VOGELIN. Modernity without restraint. In: The collected Works of Eric Voegelin, vol. 5. Columbia and London:
University of Missouri Press, 2000, p. 143.
226 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
6
AF II, 160
7
AF II, 163
Álvaro Mendonça Pimentel | 227
8
AF II, 164.
9
AF II, 165-170.
228 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
10
No método dialético de Lima Vaz, chama-se “limitação eidética” a definição da essência (eidos) do homem que se
expressa numa das categorias ou determinações fundamentais e universais de seu ser. Por exemplo: Eu sou meu
corpo. Mas ao afirmar-se assim, o sujeito se limita e logo compreende que deve completar a definição de sua essência
com outras categorias. Esse movimento visando o todo, próprio ao Eu que se afirma (= Eu sou) é chamado por Lima
Vaz de “Ilimitação tética”. Eu sou e não sou corpo, porque também sou psiquismo, espírito, relação com o mundo,
com o outro e com Deus. Assim, cada categoria é estudada e definida separadamente (= limitação eidética) para ser
costurada dialeticamente às demais (= ilimitação tética), visando um discurso integral sobre o ser humano (= prin-
cípio de totalização). Ora, as categorias finais de realização e pessoa possuem a originalidade de expressar o processo
de unificação do ser humano complexo, nos caminhos da existência. Cf. AF I, 157-168.
Álvaro Mendonça Pimentel | 229
11
Cf. B. PASCAL. Pensées. In: Pascal: Oeuvres Complètes. Paris: Seuil, 1963. (Préface d`Henri Gouhier & Presentation
et notes de Louis Lafuma). Aqui: n.131-434, p. 515.
12
AF II, 173.
13
AF II, 174.
230 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
14
AF II, 174.
15
Ibid., 174.
16
H.C. LIMA VAZ. Antropologia Filosófica I. São Paulo: Loyola, 2001. 6ª ed, p. 168. Citado doravante como AF I.
17
AF II, 226.
Álvaro Mendonça Pimentel | 231
18
AF II, 226.
19
AF II, 226.
232 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
20
AF I, p. 168. Cf. C. BRUAIRE. “L’Être et l’Esprit”. In: Encyclopédie Philosophique Universelle, I, p. 36.
21
C. BRUAIRE. O Ser e o Espírito. São Paulo: Loyola, 2010, cap. 3: “O Ser e a Existência”.
22
AF II, 174
23
AF I, 168
Álvaro Mendonça Pimentel | 233
O sujeito humano existe, pois, em relação com sua origem real e tam-
bém com a medida da verdade – critério último de nossa inteligência,
apesar de nossos enganos – e com a medida do bem – ao qual se inclina
nossa vontade, ainda que falível. Lima Vaz pode afirmá-lo pois tem em seu
horizonte o Esse Infinito, “atualidade de todos os atos e perfeição de todas
as perfeições” 25. Um breve mergulho na Metafísica de Raízes da Moderni-
dade nos permitirá desdobrar em maiores detalhes o que significa afirmar
que a absoluta transcendência cria e se encontra presente e atuante na
imanência dos seres finitos.
Segundo Lima Vaz, a mais fecunda transcrição filosófica do Deus cri-
ador da revelação cristã consiste na afirmação do Existente por si mesmo
subsistente, o qual é reconhecido ou intuído no fato simples de que alguma
coisa existe. O ser sensível, relativo, contingente, múltiplo existe. E existe
de uma forma determinada, cuja essência pode ser enunciada, como é o
caso do ser humano cuja essência Lima Vaz buscou expressar em sua An-
tropologia Filosófica. Aliás, o ato de existir só é apreensível porque cada
realidade se distingue das demais, se apresenta e se manifesta em seu ser
próprio. Assim, o que faz cada ser vir à existência – o Doador do ser, a
Fonte do ser – só pode ser reconhecido, evidentemente, quando estamos
diante de um ser e, portanto, de algo que existe de determinada forma e
se distingue assim dos demais seres. Ou, numa formulação sintética, tudo
o que existe conforme determinada forma ou essência chama-se “ser”. E
há multidão de seres. Ora, é nessa multidão e graças a ela que se reconhece
aquele Ser cuja essência é existir, ou seja, que é Ele mesmo ato sem potên-
cia, existência em estado puro. Eis o Ipsum Esse Subsistens, unidade entre
24
AF II, 123-124.
25
Tomás de AQUINO. De Potentia, q. 7, a. 2 ad 9m, apud RM, 129
Álvaro Mendonça Pimentel | 235
26
RM, 129-132. Cf. também M-J NICOLAS. Introdução. In: Tomás de AQUINO. Suma Teológica. Vol 1. São Paulo:
Loyola, 2001, p. 40-42)
27
Cf. RM, 129-130; 155.
28
RM, 129-138
236 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
(...) a identidade do ser finito é constituída pela suprassunção dos dois princí-
pios, esse e essentia, opostos como ato e potência, na unidade concreta com
que o ser subsiste na sua inteligibilidade eidética (essência), segundo o exem-
plar da Ideia no Esse infinito, e no seu existir tético como esse posto pela
iniciativa da Liberdade absoluta 31.
29
Cf. C.R.M. OLIVEIRA. Metafísica e Ética: A filosofia da pessoa em Lima Vaz como resposta ao niilismo contempo-
râneo. São Paulo: Loyola, 2013, Cap. 4: A pessoa humana.
30
Cf. RM, 155-158. Cf. C. BRUAIRE, Claude. O Ser e o Espírito. São Paulo: Loyola, 2010, cap 2: O espírito em sua
manifestação. M. BUBER. Eu e Tu. Águeda: Paulinas Editora: 2014, Primeira Parte.
31
RM, 161
32
RM, 147 e cap. 12: “Ser e Participação”.
Álvaro Mendonça Pimentel | 237
33
Cf RM, 138-139. Aqui: p. 139.
34
Cf. E. V. RIBEIRO. Reconhecer-se reconhecido: o problema do reconhecimento enquanto questão antropológica,
ética e política. Síntese – Revista de Filosofia, v. 43, n. 137 (2016), p. 387-400.
35
Cf. AF II, 166-167 . Cf. H. BERGSON. Les deux sources de la morale et de la religion. Paris: Puf, 2018, cap III: La
religion dynamique.
238 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
36
Cf. A. M. PIMENTEL. Racionalidades, culturas e globalização: a ação criativa e a rearticulação dinâmica das culturas.
Síntese – Revista de Filosofia v. 42, n. 133 (2015), p. 181-210.
Álvaro Mendonça Pimentel | 239
37
RM 144
38
RM 145.
39
RM 140-145. Pensamos aqui na obra prima de Albert Camus, A Peste, e em seu herói fictício e narrador do livro
Bernard Rieux. Para um questionamento sobre a possibilidade do heroísmo em meio ao total absurdo, cf. JAMES,
William. Vale a pena viver? Tradução de Gabriel Perissé. São Paulo: Editora Nós, 2018.
240 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Referências
AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Vol 1, Parte 1. São Paulo: Loyola, 2001. Introdução.
40
RM 191.
41
RM 191.
42
AF II, 236
43
H. C. LIMA VAZ. “Discrição e Amor: a propósito da eleição inaciana nos Exercícios Espirituais”. Itaici: Cadernos de
Espiritualidade Inaciana, n. 3, Julho (1990). São Paulo: Loyola.
Álvaro Mendonça Pimentel | 241
BERGSON, HENRI. Les deux sources de la morale et de la religion. Paris: Puf, 2018.
BRUAIRE, Claude. L’Être et L’Esprit. Paris: PUF, 1983. Collection Épiméthée. (Tradução: O
Ser e o Espírito. São Paulo: Loyola, 2010).
JAMES, William. Vale a pena viver? Tradução de Is Life Worth Living por Gabriel Perissé.
São Paulo: Editora Nós, 2018.
LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Antropologia Filosófica I. São Paulo: Loyola, 2001. 6ª ed.
LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Antropologia Filosófica II. São Paulo: Loyola, 1995. 2ª ed.
LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Discrição e Amor: a propósito da eleição inaciana nos
Exercícios Espirituais. Itaici: Cadernos de Espiritualidade Inaciana, n. 3, Julho (1990).
São Paulo: Loyola.
LIMA VAZ, Henrique Cláudio de. Raízes da modernidade: Escritos de Filosofia VII. São
Paulo: Loyola, 2002.
OLIVEIRA, Cláudia Maria Rocha de. Metafísica e Ética: A filosofia da pessoa em Lima Vaz
como resposta ao niilismo contemporâneo. São Paulo: Loyola, 2013.
PASCAL, Blaise. Pensées. In: Pascal: Oeuvres Complètes. Paris: Seuil, 1963. (Préface
d`Henri Gouhier & Presentation et notes de Louis Lafuma). Aqui: n.131-434, p. 515.
VOEGELIN, Eric. Modernity without restraint. In: The collected Works of Eric Voegelin, vol.
5. Columbia and London: University of Missouri Press, 2000.
Capítulo 14
Samuel Dimas
místico se revê e se deleita. O que deveria ser visto era o Mistério, para o
qual não havia uma perfeita correspondência conceptual, havendo neces-
sidade de recorrer ao símbolo e à poesia para o comunicar. A mística irá
depois, por influência gnóstica, ceder às perspetivas ontologistas e visio-
nárias, reclamando a capacidade de uma experiência direta e de uma visão
perfeita da essência divina, que deixa de ser Mistério, mas que é acessível
apenas a alguns iluminados que detêm o segredo de tal acesso.
Resultante de um desejo profundo e incoercível de união com o Ab-
soluto, que na tradição cristã se traduzirá pela noção de desejo natural de
Deus, a mística vai adquirindo formas cada vez mais complexas, de acordo
com o aumento do rigor crítico e da solidez doutrinal das culturas filosó-
fico-religiosas. Em comum, a referência a uma experiência que excede a
razão, que nas mitologias e religiões mistéricas e gnósticas se configura
pela prevalência do irracional e de rituais secretos e que na religião cristã
oscila entre o irracional e o trans-racional e se configura pela referência
aos mistérios e acontecimentos da história pascal da salvação, no sentido
de um conhecimento mais direto e experimental de Deus ou no sentido de
um conhecimento mais analógico e mediado eclesialmente.
De que maneira concebe o autor brasileiro esta experiência humana?
No sentido irracional, associado aos delírios visionários e aos estados psi-
cológicos paranormais; no sentido irracional associado à captação direta e
intuitiva da pura essência divina e associado à união por identidade; ou no
sentido analógico da racionalidade que se transcende a si mesma em ex-
clusiva atenção à contemplação do Absoluto, o qual se manifesta
simbolicamente como tremendum e se revela pela mediação histórica da
criação, da graça e da revelação em Cristo?
A experiência mística é concebida por Lima Vaz como um fenómeno
totalizante em que estão integrados todos os aspetos da realidade humana,
situando-se no plano do encontro com o Outro absoluto, cujo mistério se
reconhece na situações-limite da existência 1. Consiste na experiência do
1
Cf. Henrique C. de Lima Vaz, Experiência mística e filosofia na tradição ocidental, São Paulo, Edições Loyola, 2000,p.
15.
Samuel Dimas | 245
2
Cf. ibidem, pp. 65-72.
3
Agostinho de Hipona, Confissões, livro III, cap. 6, Lisboa, INCM, 2000, p.100.
246 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
4
Cf. Henrique C. de Lima Vaz, Antropologia Filosófica, vol. I, São Paulo, Edições Loyola, 1998, pp. 264-265.
5
Ibidem, p. 243.
Samuel Dimas | 247
6
Cf. ibidem, p. 259.
7
Cf. Henrique C. de Lima Vaz, Experiência mística e filosofia na tradição ocidental, p. 65.
248 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
8
Cf. Henrique C. de Lima Vaz, Antropologia Filosófica, vol. I, p. 265.
9
Cf. ibidem, p. 267.
Samuel Dimas | 249
10
Cf. Henrique C. de Lima Vaz, Experiência mística e filosofia na tradição ocidental, p. 20.
11
Cf. ibidem, p. 21.
12
Cf. ibidem, p. 24.
Samuel Dimas | 251
cognoscível (Verdade), quer como amável (Bem), quer como Deus criador
(mística natural), quer como Amor infinito (mística sobrenatural) 13.
Mas, na sequência deste raciocínio, temos de insistir na pergunta: a
união que se dá entre o sujeito finito e Deus infinito, pela experiência mís-
tica, não anula essa transcendência ontológica a que o homem está aberto?
E se anula, não significará reduzir a relação entre Deus e o homem ao pan-
teísmo de autores como Espinosa e ao ontologismos de autores como
Malebranche? Se for uma união no sentido monista panteísta de identi-
dade e indistinção, como tende a mística especulativa neoplatónica,
gnóstica e romântica, antes de anular a relação de transcendência, anula a
própria relação. Mas, como já verificámos, não será essa via de Lima Vaz,
embora recorra à antropologia platónica para fundamentar a sua noção de
inteligência espiritual em que se dá o saber superior da mística.
Esta posição, nas abordagens mais epidérmicas, tem dado origem a
um certo conflito entre o domínio da espiritualidade e o domínio da refle-
xão filosófico-teológica, pois cada uma destas áreas acha-se superior à
outra. Ora, o que temos é uma complementaridade, pois não pode haver
uma experiência mística cristã sem a fixação conceptual e doutrinária da
filosofia e da teologia, tal como também não podemos constituir um saber
filosófico-teológico integral sem a consideração da tradição espiritual.
Cremos que a melhor solução para evitar estes equívocos será conce-
bermos uma perspetiva analógica da própria Realidade e reconhecermos
que na relação entre o Criador e as criaturas, a identidade e a diversidade
não se excluem: quando maior é a Transcendência, maior é a imanência,
quanto maior é a identidade, maior é a diversidade. Como explica Béla
Weissmahr, o primeiro princípio da metafísica, em que se funda o conhe-
cimento analógico e a linguagem mistérica trans-racional do excesso e do
paradoxo, não é o princípio de não contradição, que Lima Vaz diz reger a
13
Cf. ibidem, p. 25.
252 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
14
Cf. Béla Weissmahr, Ontología, Barcelona, Editorial Herder, 1986, p. 84.
15
Cf. ibidem, p. 173.
16
Cf. Platão, República, VI, 511 d-e.
Samuel Dimas | 253
17
Cf. Henrique C. de Lima Vaz, Experiência mística e filosofia na tradição ocidental, p. 17.
254 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
18
Cf. Henry Bergson, La pensée et le Mouvant, Paris, PUF, 1966, p. 121.
Cf. Leonardo Coimbra, O Criacionismo: Esboço dum Sistema Filosófico, Porto, Renascença Portuguesa, 1912, in
19
Obras Completas, vol I, tomo II, Lisboa, INCM, 2004, p. 281 [228].
Samuel Dimas | 255
20
Ibidem, p. 101.
21
Cf. Henrique C. de Lima Vaz, Experiência mística e filosofia na tradição ocidental, p. 21.
256 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
22
Cf. ibidem, p. 30.
258 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
23
Cf. ibidem, pp. 32-33.
24
Tomás de Aquino, Summa Theologica II-II, 45, a.2.
Samuel Dimas | 259
25
Cf. Jacques Maritain, L’intuition créatrice, dans lárt e la poésie, Paris, Desclée De Brouwer, 1966, p. 217.
26
Cf. idem, Quatre essais sur l'esprit dans sa condition charnelle, Paris, Desclée de Brouwer, 1939, pp. 128-129.
27
Cf. ibidem, p. 29.
28
Cf. ibidem, p. 135.
29
Cf. ibidem, p. 136-137.
30
António Dias de Magalhães, «Da História à Metafísica da Saudade», in Saudade e Ser, in Afonso Botelho e António
Braz Teixeira (organização), Filosofia da Saudade, Lisboa, INCM, 1986, p. 266.
31
Cf. ibidem, p. 270.
32
Cf. Bernard Lonergan, «The Natural Desire to See God», in Collection. Collected Works of Bernard Lonergan, vol
4, Toronto, University Press, 1988, p. 81.
260 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
33
Cf. Henrique C. de Lima Vaz, Experiência mística e filosofia na tradição ocidental, p. 79.
34
Cf. ibidem, p. 82.
35
Cf. ibidem, p. 86.
36
Cf. Bernard Lonergan, «The Natural Desire to See God», in Collection. Collected Works of Bernard Lonergan, vol
4, p. 84.
Samuel Dimas | 261
37
Cf. Joaquim de Sousa Teixeira, «Teologia Filosófica e experiência transcendental», in AA. VV., Os Longos Caminhos
do Ser, Estudos dedicados ao Prof. Doutor Manuel Barbosa da Costa Freitas, Lisboa, Universidade Católica Editora,
2003, p. 690.
262 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
iniciado pelo acolhimento do dom divino (theia moira) e pela presença in-
terior de deus (enthousiasmós), naquilo a que historicamente se apelida
de êxtase místico. Esta experiência, também presente na tradição cristã
pela introdução ou iniciação dos mistérios e pela recepção do Espírito
Santo, no batismo, já aparece no diálogo platónico do Fedro com a partilha
divina (theia moira) que possibilita uma forma superior de conhecimento,
culminando no eros filosófico 38.
Na dimensão objetiva desta experiência, o mystérion intuído na visão
final do mýstes apresenta-se como uma realidade inefável que pode ser
desvelada pela gnósis, mas não racionalizada, e que, no caso cristão, é re-
velada por iniciativa divina no abaixamento da Encarnação (kenose) e na
iluminação proporcionada pela descida do Espírito Santo (pentecostes)
após a ressurreição do Verbo incarnado. Na tradição grega, o conteúdo do
mystérion é o mýthos, quer no sentido do mito filosófico, quer no sentido
do mito religioso, mas na tradição cristã do apóstolo Paulo, o conteúdo do
mystérion é Deus revelado em Jesus Cristo. Desta maneira, a tradição re-
ligiosa cristã dá início a um processo de desmitificação, recusando a
identificação entre o humano e o divino no fim do processo iniciático e
afirmando a transcendência de Deus, cuja presença imanente na interiori-
dade do espírito humano apenas se dá pela mediação do Espírito Santo
através da mediação da fé em Cristo. A originalidade mistérica cristã, tra-
duz-se por essa vivência da sinergia entre o nosso espírito e o Espírito de
Deus, que São Paulo enuncia na expressão: «Já não sou eu que vivo, é
Cristo que vive em Mim» (Gl 2, 20).
O termo tà mystéria aparece nos Evangelhos Sinópticos (Mt 13, 11;
Mc 4, 11; Lc 8, 10) no sentido de realidades incompreensíveis ao entendi-
mento vulgar que não podem ser desveladas pelo simples esforço humano
(gnósis), mas que são reveladas pelo Espírito de Deus (1.ª Cor 2, 7-9). Mas
esta revelação não pode ser feita à margem da condição humana corpórea,
emocional e espiritual. Como salienta Lima Vaz, a experiência espiritual
38
Cf. Platão, Fedro, 244 a – 257.
Samuel Dimas | 263
39
Cf. Henrique C. de Lima Vaz, Experiência mística e filosofia na tradição ocidental, p. 52.
264 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
40
Cf. Angela Ales Bello, Edmund Husserl, pensar Deus, crer Deus, São Paulo, Paulus, 2016, p. 107.
Samuel Dimas | 265
41
Cf. ibidem, p. 57.
42
Ibidem, p. 58.
266 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
43
Cf. ibidem, p. 62.
Samuel Dimas | 267
44
Cf. ibidem, p. 71.
268 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
Referências
ANCILLI, Ermanno, Diccionário de espiritualidade, tomos I. II. III, Barcelona, Editorial Her-
der, 1987;
BELLO, Angela Ales, Edmund Husserl, pensar Deus, crer Deus, São Paulo, Paulus, 2016;
DIMAS, Samuel, «A razão mistérica em Manuel Ferreira Patrício» in António Braz Teixeira
(Coordenação), Simpósio de Homenagem a Manuel Ferreira Patrício, Lisboa, MIL,
2017, pp. 181-200;
LONERGAN, Bernard, «The Natural Desire to See God», in Collection. Collected Works of
Bernard Lonergan, vol 4, Toronto, University Press, 1988;
MAGALHÃES, António Dias de, «Da História à Metafísica da Saudade», in Saudade e Ser,
in Afonso Botelho e António Braz Teixeira (organização), Filosofia da Saudade, Lis-
boa, INCM, 1986;
MARITAIN, Jacques, L’intuition créatrice, dans lárt e la poésie, Paris, Desclée De Brouwer,
1966;
MARITAIN, Jacques, Quatre essais sur l'esprit dans sa condition charnelle, Paris, Desclée
de Brouwer, 1939;
TOMÁS DE AQUINO, Suma de Teologia, parte II-II, Madrid, BAC, 1994, vols. III e IV;
270 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
VAZ, Henrique C. de Lima, Antropologia Filosófica, vol. I, São Paulo, Edições Loyola, 1998;
VAZ, Henrique C. de Lima, Experiência mística e filosofia na tradição ocidental, São Paulo,
Edições Loyola, 2000;
Marcelo F. de Aquino 1
1.1. Lima Vaz expõe nos dois volumes de sua Antropologia Filosófica
um roteiro dialético cujo procedimento sistemático fundamental é o de co-
ordenar a Natureza, o Sujeito e a Forma como núcleos inteligíveis
fundamentais que definem o espaço de compreensão do ser humano na
ordem sistemática do discurso. O sintagma ordem sistemática do discurso
é um bom ponto de partida para ele afirmar o discurso como lógon didó-
nai: ação de dar ou negar razão de algo ou de alguém por parte de um
sujeito. Ordem e sistema são duas categorias de extração metafísica que
ele, fundindo-as, agrega à ação discursiva. Vale lembrar a procedência pla-
tônica e aristotélica da categoria táxis (ordem) com sua respectiva
assimilação agostiniana e tomásica, e a raiz moderna renascimental, ou
seja, suareziana, da categoria sistema que acelerou a transformação da
metafísica no marco referencial teórico da razão hipotético-dedutiva. Cabe
ao procedimento sistemático fundamental da Antropologia Filosófica lima
vaziana coordenar aqueles três núcleos, sem que a ordem sistemática do
discurso se desequilibre em favor de um deles, pois quando um desses nú-
cleos passa a ser privilegiado e a determinar uma direção própria na
1
S.J
272 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
único e enunciado por um nome próprio que é tão somente seu signo ló-
gico e não pode ser sujeito da predicação de uma essência comum.
A supressão de todas as mediações conceptuais entre o singular e o
nome que o designa permite a aplicação, aos fundamentos do saber, do
princípio metodológico que Ockham partilha com outros seus contempo-
râneos de tendência nominalista, mas que, pelo rigor com que o aplica,
passou a ser conhecido como “navalha de Ockham”: pluralitas non est po-
nenda sine necessitate eam ponendi. A estrutura fundamental da Teologia
e Filosofia medievais, constituída por um conjunto de distinções reais, for-
mais ou de razão, é assim abandonada como completamente inútil. O
universo ockhamiano, posto pela livre e imperscrutável iniciativa da oni-
potência divina, é habitado apenas pelos indivíduos singulares, cuja
identidade é garantida não mais que pela inviolabilidade do princípio de
não-contradição ao qual se submete a própria onipotência divina.
2.3. A Hermenêutica cultural da modernidade pós-cristã proposta
por Lima Vaz no decorrer de sua terceira jornada filosófica descobre nas
querelas metafísicas da Idade Média as raízes intelectuais a partir das quais
define-se novo sistema de razões e representações que formam a árvore
do mundo pós-cristão da vida. O horizonte da imanência no sistema sim-
bólico da modernidade, em que a participação vertical tende a desaparecer,
torna-se o único horizonte englobante de toda a realidade. O programa da
modernidade pós-renascimental impõe à filosofia a imensa tarefa teórica
de erigir o sujeito humano, contingente e finito, em demiurgo de toda in-
teligibilidade. O propósito de construção de um Absoluto no interior do
próprio devir histórico do que, mais tarde, Lima Vaz chamará de moder-
nidade pós-cristã tem seu núcleo teórico mais robusto nesse programa.
Ao mesmo tempo em que relê a Metafísica do esse de Tomás de
Aquino, Lima Vaz propõe leitura criteriosa de algumas metafísicas tardo-
medievais do ens de alguns dos autores mais importantes do pensamento
filosófico e teológico medieval, tais como Duns Scotus, Ockham, Suarez,
em cujas obras ele detecta os primeiros passos que conduzirão à eclosão
cartesiana da primazia da vertente operacional da razão, posteriormente
Marcelo F. de Aquino | 293
1
Cf. Bento XVI, Carta Encíclica “Deus caritas est”, 2005, preâmbulo.
2
Para situar e aprofundar esta temática, cf. C. Greco, A experiência religiosa, São Paulo, Loyola, 2009.
3
O conceito de experiência transcendental foi desenvolvido por J. B. Lotz e por K. Rahner, autores jesuítas que estão
à base do uso que Lima Vaz dele fez. O primeiro propõe-se integrar o transcendental kantiano com o escolástico, de
modo que tal experiência se refira às condições de possibilidade do conhecimento humano até atingir o ser e seus
coextensivos, num processo de cada vez maior interiorização do sujeito. Cf. J. B. Lotz, Esperienza trascendentale,
Milano, Vita e Pensiero, 1993. Para Rahner, a experiência transcendental trata simultaneamente da apreensão de si
mesmo feita pelo sujeito (reditio completa) e da abertura deste à totalidade do ser, que se dão em todo ato de conhe-
cimento. Cf. K. Rahner, Corso fondamentale sulla fede: Introduzione al concetto di cristianesimo, Roma, Paoline, 1978,
p. 40.
298 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
4
“O sagrado é um elemento do profano, em que o sujeito religioso reconhece a ressonância do divino, e com o qual
exprime a sua relação, e aquela da totalidade do profano, com a realidade (ou a super-realidade) do divino”. H. Bouil-
lard, “La categoria del sacro nella scienza delle religioni”. In: E. Castelli (Org.), Il sacro: Studi e ricerche, Roma, Istituto
di Studi Filosofici, 1974, p. 49 – em itálico no original). As indicações acima fazem pensar em duas abordagens da
atitude religiosa, uma centrada na esfera do sagrado e outra naquela do divino. O conceito de sagrado possui uma
extensão lógica maior que o de divino, podendo ser dito deste de modo próprio, como também de realidades “profa-
nas” cuja relação com o divino faz com que se tornem um meio de acesso a ele, uma mediação, geralmente de caráter
cúltico ou ritual, entre o profano e o divino (espaço sagrado, pessoas sagradas, tempo sagrado, livro sagrado, leis
sagradas, canto sagrado etc). O divino é, em primeiro lugar, transcendente: está para além de toda realidade cósmica
e de suas leis, de toda determinação conceitual, de todo domínio ou apropriação. É a Realidade última, mas também
a primeira, arché e télos, a fonte da existência e do sentido de tudo que há. A isso se ajunte aquilo que o a tradição
judaico-cristã aporta como fundamental em sua concepção do divino: é uma Realidade pessoal, com a qual se é capaz
de estabelecer efetiva relação.
5
Cf. H. C. L. Vaz, Escritos de Filosofia VI: Ontologia e História. 2ª. ed. São Paulo: Loyola, 2001, p. 247-278. O texto
será citado aqui a partir da segunda edição da obra (referida doravante como OH).
6
Cf. H. C. L. Vaz, “Filosofia e forma da ação” [Entrevista]. Cadernos de Filosofia Alemã, 1997, n. 2, p. 85.
7
OH, p. 248.
Juliano de Almeida Oliveira | 299
8
OH, p. 251.
9
A este tema, Lima Vaz dedicou três substanciosos artigos, presentes em OH (cf. p. 165-187; 189-217; 219-229), que
lhe renderam fama quando publicados (década de 1960), sobretudo entre as jovens gerações. Com o passar dos anos,
o filósofo jesuíta tomou distância de certas posições aí apresentadas. Para a autocrítica de Lima Vaz sobre suas posi-
ções de então, cf. H. C. L. Vaz, Escritos de Filosofia III: Filosofia e Cultura, São Paulo, Loyola, 1997, p. 135, nota 19
(referida doravante como EF III).
300 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
10
OH, p. 263.
11
OH, p. 264.
12
OH, p. 269.
13
OH, p. 270.
Juliano de Almeida Oliveira | 301
14
OH, p. 272.
15
A limitação eidética refere-se à conceptualização dos objetos da experiência; a ilimitação tética, por sua vez, aponta
para o horizonte infinito do ser/existir. Cf. H. C. L. Vaz, Antropologia Filosófica I, São Paulo, Loyola, 1991, p. 164-167
(referida como AF I).
16
Cf. OH, p. 274.
302 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
17
Cf. OH, p. 276.
18
OH, p. 277.
19
OH, p. 278.
20
Cf. H. C. L. Vaz, Escritos de Filosofia I: Problemas de Fronteira, São Paulo, Loyola, 1986, p. 241-256 (referida como
EF I). Para a datação dos textos reunidos na obra em questão, cf. EF I, p. 303.
Juliano de Almeida Oliveira | 303
21
EF I, p. 244.
22
EF I, p. 245.
23
EF I, p. 245.
24
“Se a experiência de Deus é possível, deverá constituir-se no espaço intencional dessa tríplice presença segundo a
estrutura fundamental da manifestação, ou seja, entre os pólos do que aparece (fenômeno) e do sujeito para o qual
a aparição tem lugar. Aí a experiência de Deus deverá encontrar sua linguagem, vem a ser, afinal, sua estrutura
lógica. Ora, Deus pode surgir como fenômeno no espaço fechado das coisas, do outro e do eu?”. EF I, p. 245.
304 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
25
EF I, p. 248.
26
EF I, p. 249.
27
EF I, p. 249.
28
Cf. EF I, p. 250.
29
EF I, p. 242.
Juliano de Almeida Oliveira | 305
expressar alguma linguagem com sentido, conclui Lima Vaz, “em toda lin-
guagem dotada de sentido, em que uma realidade é dita, a presença de
Deus é igualmente dita, vem a ser, a experiência de Deus tem lugar na
forma especificamente humana do discurso” 30. Se o homem consegue en-
contrar em sua vida algo de sensato, de belo, de bom, esta experiência
aponta para uma estrutura geratriz de sentido, identificada com Deus,
visto como o fundamento de toda possibilidade de significação do existir
humano. Sendo de alcance radical e universal, ele é imanente e transcen-
dente ao homem e ao mundo, entrando nas esferas da possibilidade da
experiência, mas nelas não se exaurindo. Segundo Lima Vaz,
30
EF I, p. 253. Lima Vaz remete à afirmação de Santo Tomás: “Todos os cognoscentes conhecem implicitamente a
Deus em qualquer objeto conhecido” (grifo nosso). Tomás de Aquino, De veritate, q. 22, a. 2, ad primum.
31
EF I, p. 252; 253. As filosofias do absurdo são de per si contraditórias, pois propõem a não-absurdidade do absurdo
e, assim, a possibilidade do sentido. Cf. EF I, p. 253, nota 30.
32
EF I, p. 254.
33
EF I, p. 255.
306 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
34
Cf. H. C. L. Vaz, “O problema de Deus no pensamento contemporâneo”. Síntese, n. 23, 1981, p. 17-28.
Juliano de Almeida Oliveira | 307
avanço das ciências, que progridem por meio da experiência e dos experi-
mentos, põe em xeque as certezas estabelecidas, já que tudo que é sólido
deve resistir à prova da experiência para não se dissolver no ar dos para-
digmas ultrapassados; dentro desse devir heraclítico, permanecem o
homem e seu desejo de desvendar os segredos do cosmos e da vida, de
modo que nos fundamentos da experiência pode haver lugar para se tratar
de Deus; (c) o destino da liberdade: num mundo cada vez mais dominado
pela tecnociência, a liberdade humana é ameaçada pelos frutos de suas
próprias invenções; a interação humana, que só é autêntica entre sujeitos
livres e responsáveis, requer, pois, uma liberdade com sentido; na base da
capacidade humana de assim agir e interagir surge um espaço para Deus.
Desse modo, Deus poderia ser encontrado no “subterrâneo” das aspirações
humanas de sensatez, de descoberta da verdade, de liberdade e de comu-
nicação. Seu espaço é o de fundamento ou garantia da subjetividade
histórica do homem, como o mais profundo desejo latente no coração hu-
mano.
O tema volta e ganha novos contornos num Editorial publicado na
revista Síntese em 1985, com o título “Cultura e religião” 35. Este texto mos-
tra uma primeira diferenciação na abordagem vaziana da possibilidade de
acesso existencial a Deus que, sem deixar de lado a questão do sentido,
volta-se ao fenômeno da cultura em geral, o qual toma agora o centro das
atenções.
Cultura diz respeito às razões de viver, que não são elementos dados
na natureza, como coisas, mas descobertos, interpretados, recriados pelo
homem, inserindo-se no âmbito simbólico que forja a identidade dos gru-
pos e indivíduos. Cultura é, pois, o “ato de acolhimento e recriação das
significações” 36. As razões de viver se relacionam com o bem-viver, que
35
Cf. H. C. L. Vaz, “Cultura e religião”. Síntese, n. 35, 1985, p. 5-12 (referido como CR). Republicado em Idem, Escritos
de Filosofia II: Ética e cultura, São Paulo, Loyola, 1988, p. 280-288.
36
CR, p. 7.
308 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
não se identifica sem mais com o bem-estar material 37, sendo tal identifi-
cação o maior equívoco da “captação da cultura na lógica do consumo” 38,
presente na dita cultura de massa.
Um dos aspectos da cultura, patente desde as civilizações mais remo-
tas no tempo, é o fato religioso, no qual se encontra um referente último
de sentido, de modo que “os sentidos parciais se ordenam na unidade de
um Sentido primeiro e fundamental” 39. Assim, a religião, integrada no sis-
tema cultural, não aliena o homem da realidade, mas o insere
decisivamente nela a partir de um prisma mais elevado. Afirma Lima Vaz:
37
“O ‘bem viver’ não é uma consequência necessária do ‘bem estar’”. CR, p. 6.
38
CR, p. 7.
39
CR, p. 8.
40
CR, p. 8.
Juliano de Almeida Oliveira | 309
41
CR, p. 9.
42
Cf.H. C. L. Vaz, “Religião e sociedade nos últimos vinte anos (1965-1985)”. Síntese, n. 42, 1988, p. 27-47 (referico
como RS).
43
RS, p. 30.
310 | O que torna uma vida realizada: homenagem aos 100 anos de Henrique Cláudio de Lima Vaz
religiosa com nova e atraente roupagem? Lima Vaz pondera que o revival
religioso em questão se insere na lógica da modernidade, com as marcas
do individualismo e de certa resistência à instituição, de modo que muitos
se dizem crentes ou religiosos sem pertencerem a nenhum grupo religioso
formal. É, em suma, a busca de um sagrado compensador:
Ele vem compensar o indivíduo dos desgastes da vida social e passa ser uma
das formas que têm em mira restaurar no indivíduo o campo importante das
suas satisfações subjetivas, ameaçado pelo anonimato e pelo gigantismo das
estruturas organizacionais da sociedade industrial 44.
44
RS, p. 44.
45
Cf. H. C. L. Vaz, “Religião e modernidade filosófica”. Síntese, n. 53, 1991, p. 147-165. A versão definitiva deste artigo,
publicada em EF III (p. 223-253), é a base para as citações.
Juliano de Almeida Oliveira | 311
É nas linguagens da experiência cristã dos santos (...) que deve ser buscada a
palavra final e definitiva do anúncio religioso cristão em face da modernidade
que aí está e das modernidades por vir. Ela não é senão o ensaio sempre reco-
meçado e, portanto, sempre novo para reproduzir nas vicissitudes da história
a novidade inesgotável da Palavra feita carne, na qual a fé reconhece o arqué-
tipo da nossa verdadeira e definitiva humanidade 46.
Nos inícios da década de 1990, Lima Vaz deu forma definitiva à sua
Antropologia Filosófica, em que aparece de modo bastante aprofundado a
análise da estrutura do espírito e da relação de transcendência. Interes-
sante é sublinhar aqui alguns aspectos da vida segundo o espírito, que
podem ser úteis para a compreensão do acesso religioso a Deus segundo o
pensamento vaziano.
O espírito é o núcleo ontológico do homem que, em sua estrutura
noético-pneumática, vive num movimento duplo de acolhida ao ser e de
dom ao ser, ou seja, inteligência e amor. Afirma Lima Vaz que “inteligência
espiritual e amor espiritual se entrelaçam na unidade do apex mentis, o
cimo mais alto da vida do espírito, onde a inteligência se faz dom à verdade
que é seu bem, e o amor se faz visão do bem que é sua verdade” 47. No mais
profundo de si, o homem encontra, assim, sua própria incompletude e sua
abertura para o diferente de si mediante o élan vital de sua capacidade de
conhecer e amar, o que, em última instância, só será satisfeito quando
46
EF III, p. 253. Tal perspectiva se desenvolverá na abordagem da experiência mística.
47
AF I, p. 243.
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48
AF I, p. 261.
49
AF I, p. 286-287, nota 166.
50
Cf. H. C. L. Vaz, Experiência mística e filosofia na tradição ocidental, São Paulo, Loyola, 2000 (referido como EMF).
Juliano de Almeida Oliveira | 313
– não aquém, mas além da razão –, mas, por outro lado, mobiliza as mais
poderosas energias psíquicas do indivíduo 51.
51
EMF, p. 10.
52
Cf. EMF, p. 16. “Entenderemos aqui a expressão ‘experiência mística’, seja dito de uma vez por todas, não num
senso mais ou menos vago (extensível a toda sorte de fatos mais ou menos misteriosos ou preternaturais, ou à sim-
ples religiosidade), mas no sentido de conhecimento experimental das profundidades de Deus, ou seja, no sentido de
paixão das coisas divinas, que leva a alma, por uma sequência de estados e de transformações, até experimentar no
fundo de si mesma o toque da divindade e a ‘sentir a vida de Deus’”. J. Maritain, Distinguere per unire – I gradi del
sapere, 3. ed., Brescia, Morcelliana, 2013, p. 293.
53
EMF, p. 16.
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54
Cf. EMF, p. 101-113.
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Referências
VAZ, Henrique Cláudio de Lima. Antropologia Filosófica I, São Paulo, Loyola, 1991.
______. Escritos de Filosofia II: Ética e Cultura. São Paulo: Loyola, 1988.
______. Escritos de Filosofia III: Filosofia e Cultura. São Paulo: Loyola, 1997.
______. Escritos de Filosofia VI: Ontologia e História. 2ª. ed. São Paulo: Loyola, 2001 [ori-
ginal: 1968].
______. Experiência mística e filosofia na tradição ocidental. São Paulo: Loyola, 2000.
______. “Religião e sociedade nos últimos vinte anos (1965-1985)”. Síntese, n. 42, 1988, p.
27-47.
b) Outros textos
BOUILLARD, Henri. “La categoria del sacro nella scienza delle religioni”. In: CASTELLI,
Enrico. (Org.), Il sacro: Studi e ricerche, Roma, Istituto di Studi Filosofici, 1974.
MARITAIN, Jacques. Distinguere per unire – I gradi del sapere, 3. ed., Brescia, Morcelliana,
2013.
José, pós-graduação lato sensu em Filosofia Moderna pela UFOP, especialização em meto-
dologia do Ensino Superior pelo CEPEMG e Newton Paiva, mestrado em Filosofia
Sistemática pela Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma.
Membro fundador da Academia Brasileira de Educação (RJ), foi Reitor da PUC-RJ e da Fa-
culdade Jesuita de Filosofia e Teologia (FAJE-BH). Atualmente é Editor de "Síntese - Revista
de Filosofia". Além do estudo do pensamento de M. Heidegger (membro do respectivo GT
da ANPOF), dedica-se especialmente à Filosofia da Religião, com ênfase nos seguintes te-
mas: racionalidade da fé, transcendência, experiência de Deus, cultura moderna e sagrado.
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