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Capa:

Educação e Sensibilidade
Um Estudo sobre as Teorias dos Valores
Fu
Forense Universitária

Folha de Rosto:

Primeira Edição -1996


Copyright
Vera Rudge Wemeck
Capa AmpersandEnsinamento
CIP - Brasil Catalogação - na - fonte
Sindicato Nacional Dos Editores de Livros. RJ
W524e wemeck Vera Rudge
Educação e Sensibilidade: um estudo sobre a teoria dos valores Vera
Wemeck Rio de Janeiro
Inclui Bibliografia
ISBN 85 - 218 - 0191.
1 Educação - Filosofia 2 Valores 1 Titulo
CDD 37011
CDU 3701
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Dedicatória

Para
Camila
Anna Luiza
Julia
João Francisco
Antonio Pedro
Maria Tereza e
Antonio Felipe

Ensinamento:
Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo
Não é
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente,
Não me falou em amor
Essa palavra de luxo

Prefácio

(Ricardo Vélez Rodriguez)

Há uma diferença fundamental entre instruir e educar. Instruímos alguém, quando lhe ensinamos
técnicas e teorias. Mas o ato de educar não se reduz à simples instrução.
De fato, pode abarcá-la, nos seus aspectos técnico e teórico, como no caso da educação formal. No
entanto, educar implica mais do que isso. Pressupõe, da parte de
quem educa, a vivência de determinados valores. Da parte de quem é educado, a assimilação dos
mesmos.

Há crise nos processos educativos formais, quando a educação se reduz à instrução. Nisso,
fundamentalmente, radica a crise educativa brasileira. Não se formam, hoje,
no Brasil, profissionais como antigamente porque as nossas escolas profissionalizantes e as nossas
universidades pararam de educar homens, na assimilação de determinados
valores, que os identifiquem como pessoas responsáveis perante a sociedade. Quando o advogado
se converte em simples manipulador de códigos, alheio ao valor justiça,
e o médico só enxerga o sucesso econômico, insensível ao valor de preservação da vida humana,
que constitui o cerne do seu juramento hipocrático, algo de muito grave
aconteceu: perdeu-se a dimensão humana dessas profissões. Vamos convir que o mal se alastrou
perigosamente pelo Brasil afora. A sociedade desconfia dos seus profissionais,
porque não mais encontra neles essa identidade axiológica que os tornava confiáveis.

O meu saudoso amigo José Fernando Tostes Villela Leandro, que foi reitor do Colégio Dom Bosco,
de Resende, e faleceu prematuramente em 1985.

O meu saudoso amigo José Fernando Tostes Villela Leandro, que foi reitor do Colégio Dom
Bosco, de Resende, e faleceu prematuramente em 1985, dizia-me que aprendeu
o que era ser bom advogado quando fazia estágio no escritório do dr. Sobral Pinto, na Rua Debret,
Centro do Rio, nos idos de 64. O dr. Sobral, o mesmo que defendera
Prestes anos atrás citando o código de defesa dos animais, tinha sido contratado pelo governo da
China popular, através da Embaixada da Suíça, para obter a libertação
de uma missão comercial que tinha sido presa após o golpe militar. Advogado competente, o dr.
Sobral conseguiu rapidamente a liberação dos seus clientes. Agradecido,
o governo de Mao enviou ao dr. Sobral, através de um diplomata suíço, um pacote, que o meu
amigo José Fernando recebeu e entregou ao seu chefe. Tendo verificado
que se tratava de uma grossa soma de dinheiro em dólares americanos, o jurista Sobral Pinto
indignou-se e mandou o jovem estagiário devolver o pacote com o seguinte
recado: "O doutor Sobral não recebe dinheiro de comunistas".
José Fernando dizia-me que nesse episódio aprendeu o que é ser advogado honesto, comprometido
incondicionalmente com a causa da justiça, mesmo que os seus clientes
fossem pessoas consideradas inimigos ideológicos. "Nessa atitude -concluía José Fernando -aprendi
muito mais ética profissional que em sala de aula." Eis a forma
em que se transmitem os valores éticos, base da identidade profissional: pela vivência, pelo
exemplo. Ao verificarmos a crise educacional que grassa nas nossas universidades
e escolas profissionalizantes, não estaremos verificando algo mais profundo e mais grave, a crise de
valores morais?

A obra da educadora e amiga Vera Rudge Werneck, que tenho a honra de prefaciar, focaliza com
desassombro a crise que acabo de mencionar e, com clareza e segurança,
vai desenvolvendo conceitos básicos para acenar com uma saída esperançosa, face à atual crise
educacional. Ao percorrer os capítulos da obra, vamos encontrando,
esclarecidos e fundamentados filosoficamente, os conceitos de educação, valor, relação entre
educação e valor, papel do não-valor e do contravalor na educação, a
educação da sensibilidade, a cultura como instauração do valor, tempo e marcos na educação,
dimensão ética da educação e problema da avaliação em educação.

No que tange à relação entre pessoa e educação, pressuposto fundamental do pensamento da autora,
ela escreve: "A pessoa (...) realiza progressivamente sua destinação,
se valoriza paulatinamente, cresce pouco a pouco no valor. Esse crescimento é o objetivo da
educação. E sua meta é promover o valor pessoal no indivíduo. A tarefa
da educação é exatamente promover o crescimento, ajudar o indivíduo a tomar-se pessoa,
ampliando seu valor e fazendo-o consciente dele."

Na conclusão do trabalho, a autora deixa claro a intima vinculação existente entre educação, mundo
dos valores e afirmação da pessoa humana, com as seguintes palavras:"conclui-se
portanto que: 1. a educação vai consistir num processo de hierarquização de valores; 2. não se pode
promover uma hierarquização sem um referencial ; 3. o referencial
para o progresso da educação não pode ser arbitrário mas deve ser a pessoa como valor por si
mesma."
A original reflexão da professora Vera Rudge Werneck, tanto nesta obra quanto nas anteriores por
ela publicadas (Educação e Ideologia e O Eu Educado), vem completar
a sua contribuição à filosofia da educação no Brasil, elaborada no contexto do culturalismo
sociológico. Enriquece-se, destarte, essa corrente do pensamento brasileiro,
que superou definitivamente o vezo positivista nos estudos educacionais, ao centrar o fato
educativo como dimensão axiológica no mundo da cultura e ao ressaltar
que somente na pessoa, considerada como fim e não como meio, começa e termina a ação de
educar. A corrente do culturalismo sociológico encontra, assim, em Vera Rudge
Werneck, hodiernamente, um dos seus mais claros e destacados expoentes.
Sumário

Introdução.....................................................................................1
O conceito de educação..............................................................7
O conceito de valor.....................................................................16
A relação educação e valor.........................................................27
O papel do não-valor e do contra-valor na educação.................40
A educação da sensibilidade....................................................... 51
A questão da hierarquia dos valores........................................... 66
A instauração do valor: a cultura................................................. 81
O tempo e os marcos na educação........................................... 95
A dimensão ética da educação.................................................103
O problema da avaliação em educação................................... 118
Conclusão.................................................................................125
Bibliografia.................................................................................131

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Introdução

Cada geração se depara com uma série de problemas que a desafiam e fazem com que procurem
novos rumos, novas soluções que permitam suplantá-los para que possam prosseguir
na caminhada pelos tempos.
As mudanças da vida provocadas pelos avanços constantes da ciência e da tecnologia dadas em
progressão geométrica, fizeram com que o homem do século XX se encontrasse
envolvido num emaranhado de problemas, numa quantidade de dificuldades e de desafios que
praticamente o fizeram perder a rota e o obrigaram a uma parada para retomar
a posição para que pudesse continuar a sua história.
A questão do valor do ser não é nova. De maneira irregular, desde os mais remotos tempos
aparecem no pensar humano. No entanto, de modo teórico e sistemático, esse
tema só começa a ser tratado no século XIX.
Tal fato causa espécie. Por que será que os pensadores se ocuparam primeiramente com o problema
do ser e com o problema do conhecimento do que com o do valor? Essa
é uma questão que desafia os estudiosos do assunto.
Diz Ortega y Gasset: "sem dúvida, a preocupação teórica e prática em torno dos valores é um dos
fatos mais fundamente reais do tempo novo. Quem ignora o sentido
e importância dessa preocupação, se acha a cem léguas de suspeitar o que hoje está acontecendo no
profundo seio da realidade contemporânea e mais longe ainda de
entrever o amanhã que para nós rapidamente avança.
Trata-se de uma das mais férteis conquistas que o século XX fez e ao mesmo tempo de um dos
traços fisionômicos que melhor definem a época atual."
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Não há maior problema para o homem do que o próprio homem, não propriamente o ser do
homem, mas o seu valor. O homem vale pela possibilidade que tem de se auto
determinar, de se libertar das injunções da natureza. É um ser que não se apresenta como pronto,
definido e imutável, mas, ao contrário, em processo contínuo de
humanização, e tornar-se homem é tornar-se cada vez mais livre. O velho preceito do "conhece-te a
ti mesmo" não visa apenas ao conhecimento intelectual da idéia
do ser humano, mas ao do valor do homem e das suas possibilidades de auto-realização, de obter o
que se pode chamar de felicidade ou de outros nomes similares. Esse
processo é dificultado por uma série de empecilhos que funcionam como variáveis intervenientes,
que são os contra-valores que impedem essa plenitude.
Nessa busca de conhecimento do homem começou-se por considerá-lo apenas como animal
racional, com razão, fazendo-se a sua plenitude basicamente nessa instância.
Cedo percebeu-se que apenas esse nível não o realizava e aceitou-se o emocional como
caracteristicamente humano.
Uma rápida olhada pela história do pensamento humano nos deixa perceber que mesmo Platão,
que visava ao Bem perfeito, considerando-o "transcendente à essência"
(Rep. VI 509 h) e "origem de todos os outros, valore" (Rep. VII 517 c), vai identificá-lo com a idéia
conhecida pela inteligência, contemplativa e, assim, embora
procurando atingir o Bem que traria a felicidade, acaba considerando-o como o ser conhecido pela
razão e não como o valor buscado pelo sentimento.
A própria análise que faz das faculdades da alma, como apetitiva, volitiva e intelectiva, não deixa
lugar para o sentimento como tendência para o valor, para
o que pode preencher as carências do homem. A realização seria feita pela razão, pelo
conhecimento intelectual.
Pode-se dizer que, para o mundo grego, o valor maior era a própria razão. E a civilização
ocidental, herdeira da cultura greco-romana, na, privilegiou, no seu
sistema educacional, o conhecimento do ser pelo pensamento lógico. A escola tradicionalmente
buscou o desenvolvimento da razão e aperfeiçoou uma teoria da aprendizagem
que visava a conhecer o processo da aquisição do conhecimento segundo as diversas etapas da vida,
distinguindo as diferenças próprias de cada uma. Toda a pesquisa
está centrada na psicologia do desenvolvimento. Quer-se saber como se dá o conhecimento de
modo geral e como ocorre nas diversas fases da vida do homem, focalizando-se
apenas a chamada inteligência, razão, deixando-se de lado outros modos de conhecer.
Era preciso conhecer a coisa com a maior fidelidade possível e vai-se falar em "representação
sensorial do objeto". Quanto mais perfeita a percepção como apreensão
do objeto por inteiro, melhor a representação entendida como "imagem" do objeto conhecido.

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São Tomás de Aquino fala ainda da "representação intelectual" como resultado da interferência do
intelecto, agente que vai atuar sobre o objeto, dele retirado as
características ocidentais de modo a reter-se somente o essencial.
F. Bacon, objetivando o conhecimento mais perfeito, denuncia a interferência dos preconceitos
como fatores intervenientes que o modificam e que devem ser conhecidos,
para que possam ser controlados. É sempre, no entanto, visado o conhecimento do ser do objeto,
sendo o valor entendido como aquilo que, agregado ao ser, atrapalha,
dificulta o seu conhecimento.
Kant, considerando impossível o conhecimento da essência, analisa os vários tipos de juízos
possíveis ao homem, estabelecendo o juízo sintético a priori como o
critério do conhecimento cientifico e mostrando os limites da razão no conhecimento do ser.
Pressentindo a necessidade de explicar outro tipo do conhecer humano,
fala da razão prática.
Com Husserl, chega-se ao conhecimento, não mais do ser, mas do ser como é conhecido pelo
homem. A intencionalidade modificando o conhecimento e permitindo apenas
o conhecimento do que o homem apreende do ser.
De qualquer modo, o objetivo era o conhecimento do ser ou do que o homem pudesse dele
apreender ou sobre ele embora, com a chamada inteligência, razão, faculdade
cognitiva.
É no século XIX que, de modo mais claro e definido, se começa a focalizar como objeto de
conhecimento não mais o ser mas o valor do ser como algo dele distinto,
que com ele não se confunde nem a ele se reduz.
Por muito tempo a questão do valor confundiu-se com a moral. Valor foi entendido apenas como
valor moral, sendo estudado pela Ética, e o conhecimento do valor reduzido
aos juízos de valor como que num processo de racionalização.
Depois de Kant, o homem vai se questionar sobre as possibilidades de conhecimento do ser e
perceber que o fato de ser ela maior ou menor muito pouco importa para
sua vida. O conhecimento da "coisa em si", do ser como realmente é ou não, das impressões
sensoriais resultantes do seu contato com o mundo ou das idéias apreendidas
pela interferência da própria intencionalidade muito pouco representavam para o seu viver nesse
mundo, para a realidade humana.
Enfim, o maior ou menor conhecimento do ser, seja ele um conhecimento da essência, apenas das
aparências ou do resultado do apreendimento depois de modificado pela
interferência do próprio sujeito, vale muito pouco para a vida daquele que conhece.
De repente ficou claro para ele que o que mais importa não é o ser mas o valor do ser. Ficou claro
para ele que a sua carência não é ontológica, mas axiológica,
e o homem partiu em busca do valor.

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Com efeito, a axiologia ensina que o primeiro conhecimento que o homem tem de si mesmo é o
de ser ele um ser incompleto, um ser em estado de privação, de carência.
Essa parece ser a situação constante do ser humano: um ser sempre por fazer-se, por completar-se,
sempre em busca do que vai trazer-lhe a perfeição, do que vai corresponder
aos seus anseios. O valor é exatamente esse objeto tão procurado, tão desejado.
Desloca-se então a questão do estudo do processo de conhecimento do ser perseguido pela
psicologia da aprendizagem, para o estudo processo do conhecimento do
valor, que é o que realmente vai dar um sentido à vida humana. Como ocorre de modo geral e de
acordo com as diversas fases do desenvolvimento humano o seu conhecimento?
Como se pode distinguir "valor" de "interesse" ou se confundem os dois termos? Será possível o
conhecimento do valor pela razão ou será outra a faculdade que permite
ao homem apreendê-lo?
Admitindo-se o sentir e não o inteligir como a faculdade que permite o conhecimento do valor,
chega-se à necessidade do estudo desse o processo para saber-se
como ocorre essa aprendizagem e como desenvolvê-la de modo regular e sistemático. Como
aprimorar o sentir sem restringir a liberdade, mas, ao contrário, desenvolvendo-a.
Benjamim Bloom afirma haver uma curva de desenvolvimento negativamente acelerado nos anos
iniciais da vida, sobretudo durante os cinco primeiros anos, no que
diz respeito à capacidade de aprendizagem.
Pergunta-se se tal afirmação é válida apenas para o conhecimento do ser ou se o é também para o
conhecimento do valor. A sensibilidade e o sentimento parecem aprimorar-se
com o tempo até um ponto máximo, decrescendo na senectude.
Admitindo-se que o desenvolvimento humano tenha caráter seqüencial e que cada nova
característica forma-se com base nas experiências que a precederam, a formação
cuidadosa e sistemática da sensibilidade e do sentimento nos primeiros anos vai ser fundamental
para que esse desenvolvimento se faça posteriormente.
A experiência dos valores tanto materiais quanto espirituais, assim como a dos contra-valores, vai
propiciar um desenvolvimento em razão cada vez maior dessas
capacidades.
Cabe, portanto, ao educador e à escola como grande responsável pela educação formal cuidar não
apenas do processo do conhecimento do ser, desenvolvendo técnicas
e métodos cada vez mais aprimorados para tal fim, mas preocupar-se também com o modo do
conhecimento do valor, promovendo experiências que possam aperfeiçoar o sentir
humano.

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Não se pode desconhecer que no terreno axiológico a aprendizagem se faz pelas experiências e
não propriamente por juízos que ocorrem no plano lógico. Não se explica
a importância de um valor. Mostra-se na prática o quanto ele vale.
Vai ser necessário instaurar o hábito do reconhecimento e da vivência do valor. Note-se que o
vício vai ser exatamente o hábito da escolha do contravalor. Cada
escolha mostra quem é o homem e prepara o que ele vai ser.
Por outro lado, o valor não é encontrado desvinculado do ser e todos os conteúdos são
apreendidos com uma conotação valorativa.
A educação formal chega então à necessidade de promover um sistema que leve não apenas ao
conhecimento do ser mas que promova também o conhecimento do valor.
Pretende-se, a partir desta hipótese, analisar a questão do valor, do seu processo de conhecimento:
o sentir humano, relacionando-o com o processo da educação.
Nesse intuito conceituou-se valor, educação e mostrou-se a relação entre eles. A seguir, procurou-
se analisar o papel do não-valor e do contravalor na educação
e a possibilidade de uma educação da sensibilidade. Tratou-se depois da questão da hierarquia dos
valores, da instauração do valor e do papel do tempo e dos marcos
na educação.
Por fim, focalizou-se a questão da ordem moral e da avaliação.
Chegou-se a que qualquer planejamento educacional terá fatalmente que contemplar essa questão,
já que é a que o determina e justifica.
Pág. 6 em branco

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O conceito de educação

Chama atenção a necessidade que o homem tem de aperfeiçoar-se. Ao contrário dos animais, que
vão cumprindo as etapas do seu desenvolvimento de modo determinado,
o ser humano conhece-se como incompleto, imperfeito, sentindo de maneira bastante evidente a
necessidade do aperfeiçoamento. Ele sabe que não está pronto e que pode
tomar-se melhor. Está, portanto, sempre procurando a sua realização como a perfeição possível e da
qual sente-se capaz. Pode-se entender o processo da educação como
sendo exatamente esse aperfeiçoamento contínuo, essa perene busca de plenitude.
Em segundo lugar, o homem percebe desde logo que esse aperfeiçoamento deve ser feito não
apenas em um dos aspectos do seu eu, da sua personalidade, mas em todos
eles. Percebe a exigência da globalidade. De pouco adianta o aperfeiçoamento, ou seja, a educação
de uma das faces do seu ser. O que realmente importa é a harmonia,
o desenvolvimento global que vai permitir a humanização do homem.
Ao longo dos tempos e nas diferentes culturas foram propostas teorias diversas considerando
como ideal o desenvolvimento de cada uma das faculdades humanas. Ora
a força física era o maior valor, ora a astúcia, a esperteza, ora a inteligência, ora a vontade forte.
Alguns privilegiaram a sensibilidade artística, outros a sociabilidade
e outros, ainda, a capacidade de liderança. Por fim, foi sempre constatada a impossibilidade de
realização humana pelo maior desenvolvimento de apenas alguns desses
aspectos. Nenhum deles chega por si só a corresponder às expectativas do homem. Vai ser
necessário um desenvolvimento global e hierarquizado de todos os aspectos
que o compõem. Assim como considera-se fisicamente defeituoso aquele que desenvolve

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o corpo de maneira desarmônica, também o será o que não aperfeiçoou as faculdades do espírito de
modo orgânico e hierarquizado.
Não é fácil realmente entender o homem nem apreendê-lo por inteiro. São tantos os aspectos que
compõem o seu eu e interferem no seu modo de agir que torna-se árdua
a tarefa de educá-lo.
Além dos aspectos físicos, focalizando-se o psíquico como a área específica da educação
encontram-se basicamente capacidades para sentir, para entender e para
querer que devem ser aperfeiçoadas, todas elas interagindo e confundindo-se mutuamente.
O sentir não podendo ser entendido apenas como um estado passivo apresenta-se como uma real
capacidade cognitiva, permitindo o conhecimento daquilo que satisfaz
as necessidades do eu, levando ao amor e ao ódio, à busca do que convém e ao afastamento do que
prejudica e de algum modo faz mal.
É com o sentir que o homem reconhece os valores que podem satisfazer suas carências nas
diversas áreas do seu eu.
O entender, o inteligir, o intelectualizar, ocorrendo nos níveis preconceitual e lógico, vai
manifestar a influência do imaginário constituindo estruturas que
marcam todo o processo intelectual. Utilizando-se as categorias freudianas, pode-se dizer que vai
sofrer a interferência dos conteúdos do inconsciente que vão modificar
o modo de conhecer .
Chega-se então a que o modo de conhecer que se dá no consciente pode originar-se tanto do sentir
quanto do inteligir e que ambos vão sofrer a interferência de
fatores que escapam ao consciente e que se originam de camadas mais profundas do psiquismo
humano.
É sobre esse consciente que vai agir o processo educativo. O processo de aperfeiçoamento, de
desenvolvimento psicológico que leva à humanização do ser do homem.
Há ainda o querer caracterizando a vontade que leva à ação conforme a orientação do que foi
conhecido pela sensibilidade e pela inteligência.
O termo educação pode ser entendido em sentido amplo, significando qualquer processo de
aprimoramento do ser, seja no aspecto físico, fala-se em educação física,
educação da voz, por exemplo, em que são utilizados os processos de adestramento, treinamento,
ou no aspecto psicológico. Nesse segundo caso, tem-se a educação da
inteligência, do sentimento, da vontade pelos processos de aculturação, instrução, aquisição de
hábitos ou formação intelectual e moral. Nesse sentido, é grande
a abrangência do termo e assim pouco significativa. Não se precisa com maior exatidão o que se
quer dizer com o ato de educar . Desde o simples domínio das funções
fisiológicas nos primeiros anos até o mais desenvolvido raciocínio matemático, o aprendizado da
natação ou do amor ao próximo são rotulados de "educação".

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Em sentido específico, o termo será entendido como processo de hierarquização de valores de


acordo com as exigências do ser humano enquanto pessoa.
São comuns as conceituações da educação como processo de crescimento decorrente da
experiência e da aprendizagem visando à plena integração, adaptação e eficiência
do indivíduo e ao aperfeiçoamento do grupo. A dificuldade de tais teorias está em não definir
claramente o sentido de seus termos. Os processos de integração do
marginal em seu grupo, de adaptação a contravalores e eficiência na prática do mal não podem ser
considerados como educação. O aperfeiçoamento do grupo também pouco
significa, se não se especificar em relação a que valor ele se faria.
A simples assimilação do patrimônio cultural pode significar a assimilação de contravalores. É
bastante duvidoso admitir-se que o homem cresce e qualifica-se educacionalmente
pela simples apreensão da cultura acumulada, assim como crer que cada geração depura, seleciona,
acrescenta e sistematiza o que recebeu de seus antepassados. Ao
que parece, não ocorre esse desenvolvimento ascendente, linear e sistemático do ser humano pela
simples transmissão da cultura ou somente pelo aprendizado de técnicas
e métodos científicos. Se assim fosse, cada geração seria "melhor", mais humanamente
aperfeiçoada do que a antecedente. Como tal fato não se dá, conclui-se pela
necessidade de um referencial que sirva de medida para a maior ou menor realização de um
homem.
A mesma dificuldade aparece quando se considera a educação como um processo de perpetuação
da cultura, como um meio de transmitir a visão do mundo e do homem de
uma sociedade para a geração seguinte. Os contravalores como parte da cultura também são
passados de geração a geração, não podendo ser considerados como forma de
educação. O cigarro, por exemplo, representa um traço cultural. Representa a instauração de um
novo valor ao fumo. Uma modificação da natureza. O uso do cigarro,
outro traço cultural, no entanto, não aprimora o homem enquanto ser livre, mas o limita e atrapalha
ao torná-lo dependente e menos sadio fisicamente. É um hábito
da cultura ocidental passado às novas gerações como um contravalor que não pode ser considerado
como educação.
Permanece, portanto, a necessidade de um termo de referência, de uma característica essencial do
homem que norteie todo o processo da educação e permita uma avaliação
das culturas e do desenvolvimento das sociedades humanas no tempo e no espaço. Permanece a
busca do que realmente aprimora, aperfeiçoa e toma o homem mais realizado
enquanto tal. Embora sejam muito variadas as concepções do homem, embora sejam elas bastante
diversas, percebe-se que algo continua estável, imutável, como realidade
e como meta a ser atingida.

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É a constatação de que o homem não é apenas uma personalidade com características


individualizantes, mas é uma pessoa, valor em si mesmo, que não depende de outros
valores reconhecidos ou não.
A pessoa, ao contrário da personalidade, não é constituída por valores, ela é, ela própria, o valor. O
homem é pessoa exatamente por seu valor. Não se reduz apenas
ao ser, não se limita a ser um ente com características físicas e psíquicas, mas vale por si mesmo.
A carência da plenitude de realização como pessoa mostra ter o homem uma destinação no sentido
em que é direcionado a cumprir algo, a chegar a uma plenitude, a
plenitude da pessoa. A grande destinação seria a de chegar a ser pessoa, ou seja, chegar ao pleno
valor humano.
A pessoa, no entanto, realiza progressivamente sua destinação, se valoriza paulatinamente, cresce
pouco a pouco no valor. Esse crescimento é o objetivo da educação.
E sua meta é promover o valor pessoal no indivíduo.
A tarefa da educação é exatamente promover o crescimento, ajudar o indivíduo a tornar-se pessoa,
ampliando seu valor e fazendo-o consciente dele.
Constata-se que há um dinamismo, um processo de ação na vocação humana para a conquista do
valor e é dele que se utiliza a educação para oferecer-lhe os valores
vitais: alimentação, vestimenta adequada, moradia; os valores espirituais: verdade, beleza, justiça,
afeição, sacralidade etc.
O processo da educação vai não somente levar o educando a procurar o valor adequado ao
crescimento da "pessoa" distinguindo onde se encontra, a avaliá-lo racionalmente
pelos juízos de valor, mas vai ainda promover a cultura, ou seja, a instauração de valores no próprio
homem e no mundo concreto.
A educação vai trabalhar o sentimento instaurando o amor pelo verdadeiro, pelo belo e pelo bom,
a inteligência, levando-a a distinguir o valor no ser e a avaliá-lo
corretamente, isto é, de acordo com as carências do homem enquanto pessoa, e a ação humana,
direcionando-a para a instauração de valores que promovam a pessoa enquanto
tal.
Há então uma educação do sentimento, a educação propriamente dita, que se faz na sensibilidade
para que ela "aprenda" a distinguir no ser o valor mais adequado.
Ensina-se a criança a distinguir o alimento adequado ao seu organismo, a procurar a roupa própria
para cada clima, a acostumar-se a um determinado paladar. É a
educação do sentimento que leva a criança a distinguir a beleza, a bondade, a justiça, a procurar o
verdadeiro.

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Há uma educação da razão que se dá pela formação da razão lógica e pela instrução.
Como instrução pode-se entender a capacidade para apreender e correlacionar idéias de modo a
conhecer e ajuizar os entes em geral, feita pela chamada faculdade
intelectual, inteligência, que permite o conhecimento das idéias.
A instrução não se confunde com a educação propriamente dita, como hierarquização de valores
pela diferença do objeto material de cada uma. Ela ocorre quando se
distingue valor e ser para analisá-los separadamente. Por ela os diversos entes são conhecidos e
estabelecidas as relações entre eles, formuladas as hipótese e teorias
científicas. É o que comumente oferece a escola em geral e especialmente a universidade: o
conhecimento racional do ser. É o momento em que a razão vai conceituar,
definir, analisar, sintetizar inclusive o valor. É a hora da construção dos sistemas explicativos do
mundo e do eu, do individual e do social. A instrução leva a
situar o conhecimento, a ter sobre ele um julgamento e a saber aplicá-lo corretamente. É ainda a
razão que vai justificar as hierarquias de valores ajustando-as
às necessidades da pessoa humana.
Desde a Antiguidade, o homem se preocupou com o problema do conhecimento, procurando
analisar a função racional pela lógica e pela epistemologia. No entanto, só
recentemente considera sistematicamente a possibilidade de uma educação do sentimento como um
aperfeiçoamento da opção por valores.
A escola como instituição empenhada em transmitir o saber focaliza sempre muito mais a razão do
que o sentimento, tendendo a uma intelectualização bastante prejudicial
ao desenvolvimento da pessoa como valor. A educação da pessoa inclui assim o aprimoramento não
só da razão, para que atinja a verdade, mas, ainda, e especialmente,
o desenvolvimento do sentimento, para que apreenda o valor.
A cultura diz respeito ao agir do homem. É o resultado da sua ação sobre si mesmo, instaurando
ou ampliando um valor sobre o mundo em geral, modificando-o, humanizando-o.
Considerando-se cultura como processo de instauração de valor em si próprio, no outro ou no
mundo em geral, chega-se a que também ela faz parte da educação. Faz
cultura o que lavra a terra dando-lhe um novo valor, o que reforma a casa aumentando-lhe o valor,
o que pinta um quadro, o que faz a comida, o que transmite o conhecimento
e o que se cultiva a si mesmo aprimorando sua voz, sua arte ou a sua instrução. A tônica dessa
acepção de cultura é a modificação da natureza pela
interferência humana. O homem é um ser cultural, isto é, que modifica o natural, que modifica o
que lhe é dado.

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Nesse sentido, pode-se considerar como função da educação o aprender a cozinhar, o


conhecimento do grego, o aprendizado do violino, a arte do balé ou o exercício
da filosofia, mas sempre, tudo aquilo que possibilite ao homem o crescimento enquanto pessoa.
Essas três manifestações do psiquismo humano, o sentir, o inteligir e o agir interagem
continuamente exigindo do educador uma grande perspicácia para não se limitar
a interferir em apenas uma delas, reduzindo o processo e perdendo a perspectiva global do ser
humano.
A educação, enquanto apreensão e organização de valores, influi na instrução porque dá as
primeiras diretrizes e metas a serem alcançadas. Conforme a escala de
valores, vai o homem buscar conhecimento, privilegiar determinadas áreas do saber. Por outro lado,
é influenciada pela instrução, portanto dela vão depender os juízos
de valor que vão hierarquizá-los. Com o sentimento, o homem descobre e apreende os valores que
melhor possam-no satisfazer, mas é com a razão que vai conhecer a
idéia do valor e justificar a sua escolha.
A instrução vai depender da educação e a educação vai decorrer em grande parte da instrução: da
sua quantidade e da sua qualidade.
A cultura como manifestação do homem, como resultado da sua ação em si mesmo e no mundo
depende, é claro, da educação e da instrução de cada um.
Alguém muito carente do belo, do estético, vai dar maior relevo a este valor e buscar a beleza, a
harmonia, a arte, instruir-se em alguma forma de arte, julgar
o valor estético dos entes com que se deparar e cultivar em si e fora de si valores artísticos,
instaurando-os e assim fazendo uma forma de cultura. O mesmo processo
acontecerá com os que privilegiam os bens vitais ou religiosos.
A cultura vai decorrer da instauração dos valores promovidos pelo homem, modificando-se a si
mesmo e ao mundo. É a sua marca, o sinal de humanidade que vai imprimindo
por onde passa.
A cultura física, por exemplo, expressa um novo modo de ser que o homem imprime no seu
próprio corpo, que passa a ter o valor da elasticidade, da força, da rapidez
ou da beleza que antes não possuía.
A educação considerada de modo abrangente deve atentar para essas três áreas do psiquismo
humano e focalizá-las todas. Nesse sentido amplo, a educação faz-se sobre
o sentir, o entender e o agir humano, o que torna o processo extremamente complexo.
Além dessa exigência, permanece a dificuldade do estabelecimento de um referencial que fixe,
que estabeleça o que realmente pode ser considerado como o melhor,
o mais adequado à pessoa humana em cada uma dessas instâncias.
O homem pode escolher convenientemente ou não. Pode voltar-se para o valor inadequado e
torná-lo fundamental, diminuindo o valor pessoal de si próprio ou do outro.

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É portanto a preocupação central do processo da educação a instauração de valores como
conseqüência de uma escolha feita. Ela visa ao distinguir e ao eleger. Visa
à conquista da liberdade.
A liberdade apresenta-se realmente como a característica mais fundamental da pessoa. O processo
da educação tem por objetivo levar o homem à liberdade e não à
dependência, à subordinação.
Com efeito, embora com a razão não se possa explicar o valor, que só é conhecido pelo
sentimento ou, no dizer de Max Scheler, pela intuição emocional, é a razão
que vai permitir o conhecimento do valor como idéia, a comparação e a hierarquização dos valores,
e é a liberdade como atributo da vontade que vai levar à livre
escolha, elemento essencial à vida moral.
Considerando-se o homem como "pessoa", conclui-se que a ordem em que dispõe os valores deve
estar subordinada às suas exigências e que deve ser estabelecida uma
hierarquia ideal de valores que será a que melhor corresponder às suas necessidades: as
necessidades do homem, não apenas enquanto animal nem enquanto indivíduo,
mas enquanto pessoa.
Educar vai ser então esse esforço para levar à reflexão sobre a escala de valores que melhor
corresponda às exigências da pessoa humana, visando a um aprimoramento
não só no sentir e no pensar, mas também no seu agir.
Não é um processo para se impor, mas para se propor determinada escala de valores que,
devidamente analisada pelo educando, pode ser aceita e assimilada como própria.
Quanto mais definida, clara e transparente for a hierarquia de valores proposta, melhor cumprirá
sua função de referencial. Melhor ajudará o educando a estabelecer
a sua. Seja pela aceitação consciente e livre ou pelas reformulações justificadas ou mesmo pela
rejeição em busca de outra mais adequada.
O educador não pode portanto omitir-se, negar-se a tomar partido, a defender suas idéias, sua
proposta pedagógica, com medo de influenciar, de não respeitar a
liberdade. Ao contrário, deve propor, pôr em crise sua proposta, discuti-la, levar à reflexão para
obter como resultado não a obediência passiva, a reprodução de
seu pensamento, mas o aluno livre e consciente.
A educação conduz ao respeito pela pessoa, à posse de si mesmo, à autodeterminação. É
necessário não apenas um aprimoramento do processo racional para o conhecimento
da verdade, mas também um aperfeiçoamento da sensibilidade e do sentimento para a apreensão
correta do valor.
O sentimento quando mal elaborado vai fazer com que se perca a noção de pessoa e se veja no
lugar dela apenas o indivíduo que se torna anônimo na vida coletiva.
Quando se vê no ser humano um número,

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quando ele perde sua identidade e passa a ser identificado pela função que exerce ou pelo cargo que
ocupa, quando seus direitos são desconsiderados, é porque o sentimento
perdeu a capacidade de nele enxergar a pessoa.
Em certo sentido, todo ser humano é um educador, já que pelas suas manifestações está sempre
propondo uma escala de valores. No entanto, considera-se como educador
aquele que tem consciência da importância da sua influência junto às novas gerações. Aqueles que
escolhem um modo ideal de realização humana e o propõem aos que
lhe são confiados: pais e professores.
Há, no entanto, uma diferença entre a ação educativa da família e a da escola: no segundo caso,
supõe-se que haja um conhecimento sistemático do ponto de vista
filosófico e científico dos objetivos e métodos da educação. Supõe-se o estabelecimento de
critérios, de referenciais que justifiquem o processo educacional.
A função da escola ultrapassa a apropriação da cultura acumulada pela humanidade, devendo
ainda promover o valor pessoal pela reflexão crítica da cultura recebida.
A educação da pessoa apresenta-se como uma priori, um referencial, um ideal: chegar a ser
pessoa. Um valor não se apresenta no campo da educação como algo que
se pode querer ou não, mas como um dever-ser, como uma opção legítima e adequada já que deve
sempre promover o valor pessoal do ser humano.
A escola ao objetivar a pessoa vai transmitir o amor pelo que é bom, belo, justo e verdadeiro,
ensinar a amar o que merece ser amado, não podendo compactuar com
o erro e com o mal.
A educação como uma obra de amor se fundamenta não na tolerância que acaba admitindo a
injustiça, mas nos valores da indulgência e da correção. Sem a indulgência
na avaliação dos resultados e a eterna correção dos erros não se faz educação. É essa obra de Sísifo,
esse recomeçar constante que a caracteriza. Quando portanto
a educação visa à pessoa e não apenas à personalidade, não se contenta com a constatação, com a
análise psicológica, mas ela cura, convence, converte. Procura sempre
tornar mais pessoa o homem incompleto. Pode-se mesmo entender a responsabilidade como a
resposta que cada um deve dar a essa falta, a essa carência que é o ser
humano.
Nesse sentido cada um tem responsabilidade em relação a si mesmo, devendo encontrar os valores
que vão preencher a própria vacuidade, ou seja, educar-se. A satisfação
da personalidade não pode contrariar o interesse da pessoa. Com fins aparentemente louváveis
pode-se trair a destinação da pessoa.
O crescimento da pessoa vai manifestar-se por um aumento da liberdade. Não se parte da
liberdade, chega-se a ela o progresso da

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educação visa exatamente a um aumento da liberdade. Ao contrário do que parece, a simples


qualificação intelectual não promove o aperfeiçoamento do valor da pessoa.
Não é por ter feito cursos avançados ou por ter atingido os mais elevados graus acadêmicos que o
homem amplia o seu valor pessoal, mas por uma maior liberdade, um
maior auto-respeito uma maior consciência do seu valor humano. O crescimento pessoal se dá na
instância do valor e não na do ser; na do sentimento e não na do conhecimento
racional, que só indiretamente pode com ele colaborar.
Pode não ser preciso o ensino do ato instintivo, mas há sem dúvida a necessidade da
aprendizagem do sentimento como capacidade de distinguir e apreender os valores
adequados à realização do homem como pessoa. Vai ser preocupação do educador não apenas o
desenvolvimento da razão, a transmissão do conteúdo, mas o aprimoramento
da sensibilidade e do sentimento.
A educação levaria à postura de busca do essencial em todas as situações, de modo que pela
escolha cada vez mais livre possa o indivíduo autodeterminar-se.
Essa liberdade não se confunde com indeterminação mas está subordinada ao valor pessoal do
próprio e do outro. As hierarquias de valores podem variar nos aspectos
secundários no que diz respeito à personalidade, à situação cultural e histórica, à ideologia da
comunidade a que pertence, mas não em relação ao valor pessoal.
O homem educado teria consciência do seu valor pessoal.
A educação é, pois, o processo permanente de correção de rumos, no aprimoramento do homem
enquanto pessoa.

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O conceito de valor

O termo valor está hoje já bastante desgastado. Aparece significando realidades semelhantes, mas
não idênticas. Faz-se, portanto, necessário precisar o que se
entende por valor, o conceito que aqui vai-se utilizar, enfim, o que representa ele para o homem.
Usado inicialmente para classificar o que valia do ponto de vista econômico, é atualmente
empregado para designar o que de qualquer modo vale para o homem.
O bem, o belo, o verdadeiro, o sagrado e o bem valioso, a saúde, o ar puro, o chocolate, o
automóvel ou o computador. Tudo aquilo que de algum modo satisfaz o
homem vale para ele.
O valor equivale ao que agrada, ao que é desejado ou é objeto de interesse.
Dessa colocação advém a grande questão: serão os valores realidades objetivas ou meramente
subjetivas? Através dos tempos têm eles sido entendidos como bens, como
fins, como essências objetivas ou como vivências psicológicas.
O valor foi confundido com os objetos materiais que o sustentam, ou seja, com os seus
depositários. Na verdade, os bens não se confundem com os valores, pois que
equivalem às coisas valiosas, ou seja, aos entes que carregam um valor. Para Max Scheler: "E
visível que nem a experiência do valor nem seu grau de adequação e de
evidência dependem de nenhum modo da experiência dos suportes deste valor. Acontece mesmo
que se possa hesitar sobre a significação do objeto,

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sobre o que ele é de tal ponto de vista sem hesitar o mínimo sobre o seu valor".¹
Miguel Reale focaliza um outro aspecto quando afirma que: "Não se trata, a meu ver, de assegurar
aos valores um lugar no mundo dos fatos, pois, ao contrário do
que pensa Köhler, os valores como expressão objetiva de um dever ser não são jamais redutíveis a
fatos, nem neles se exaurem. É mister, pois, distinguir entre "valores"
e "fatos valiosos", correspondendo estes a movimentos da experiência que possuem um sentido, em
virtude de sua referência a valores como tais, eles não são indiferentes.
Uma sentença justa, por exemplo, é um fato valioso, mas, por mais que ela seja do mais alto
significado, não se confunde com a justiça, que é um valor que transcende
ao ato justo".²
Também não se pode identificar o valor com a qualidade da coisa. As qualidades, tanto as
primárias como as secundárias, fazem parte da própria existência do objeto,
enquanto que o valor refere-se sempre ao sujeito e à sua relação com o objeto.
Os valores não se confundem ainda com os chamados objetos ideais: a beleza não é o mesmo que
a idéia de beleza nem a justiça o mesmo que a idéia de justiça.
Considerando-se por outro lado o valor como decorrência de um estado psicológico, como
resultante do desejo, ou do interesse, seria ele variável, podendo ser valor
para uns o que não fosse para outros. Podendo-se mesmo considerar como tal o nocivo e o
prejudicial.
O problema do valor está então centrado na questão da sua objetividade ou subjetividade: as
coisas teriam valor porque são desejadas ou são desejadas por que têm
valor? O valor decorre do desejo, do interesse, ou, ao contrário, o desejo e o interesse é que
decorrem do valor?
O valor não se confunde também com as coisas, com os entes que são dele o suporte. Diz Max
Scheler que "os nomes que damos aos valores não designam as simples
propriedades dessas unidades casualmente dadas que nós chamamos bens".³
Os valores portanto não são, valem. Constituem outra categoria do conhecimento do ser. São mais
do que propriedades específicas dos chamados bens: objetos dotados
de valor.
É ainda necessária a distinção entre valoração e valor. Risieri Frondizi afirma que "é certo que a
valoração é subjetiva, mas é indispensável distinguir valoração
do valor. É o valor anterior à valoração.

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Confundir valoração com o valor é como confundir a percepção com o objeto percebido. A
percepção não cria o objeto, mas o capta, o mesmo sucede com a valoração.
O subjetivo é o processo da captação do valor".¹
A discordância das avaliações refere-se ao escalonamento e aos bens e não propriamente aos
valores.
O simples fato de que alguém deseje alguma coisa não a torna por isso desejável e vice-versa. É
possível que algo útil e agradável ao ser humano desagrade a alguém
e por esse motivo não vai perder seu o valor. Por outro lado, a honestidade não desaparece como
valor pelo fato de haver pessoas desonestas e os entes continuam
existindo na sua plenitude física mesmo que deles se retire o valor, o que leva a concluir que os
valores subsistem independentemente das coisas que informam.
O conceito de valor foi por outras vezes reduzido ao valor moral. As carências humanas não se
limitam, no entanto, apenas a esse aspecto, mas estendem ao da verdade,
da beleza, da utilidade, enfim, de tudo aquilo que de qualquer modo faça falta ao homem.
Conhece-se, portanto, não somente o ser, os entes, mas especialmente o valor do ser. Os entes são
apreendidos pelo seu valor, pelo que representam para o ser humano.
Como se dá o conhecimento do valor? Será ele conhecido em si mesmo, será conhecido como
uma idéia ou como resultado de uma experiência, como valor do ser?
Pode-se considerar como conhecimento a relação que se estabelece entre o sujeito e o objeto e
como consciência, termo que pode receber ainda outros significados,
como a relação entre o "eu" e um fenômeno mental como a referência espontânea de um vivido
com o sujeito que a vive. Nesse sentido tem o sujeito consciência do próprio
conhecimento porque se conhece como conhecedor de determinado objeto.
O conhecimento visando à objetividade vai pôr o eu entre parênteses enquanto que a consciência
focaliza o próprio eu reconhecendo-o como privado de valor. O eu
aparece como ligado ao objeto mas como sendo ele próprio centro e fonte da experiência.
A cognição vai consistir no ato do espírito resultante do conhecimento e da consciência que supõe
ao mesmo tempo o atingimento do objeto e a experiência do sujeito.
Enquanto o ser se tornará o objeto do conhecimento, o valor vai ser o da consciência.

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A consciência não apenas revela o sujeito a si mesmo mas o situa em relação ao valor e como
conhecedor de um objeto. Há então uma simultaneidade da consciência
de si mesmo e da consciência do valor que é facilmente entendida ao conceituar-se o sujeito como
sendo ele próprio valor enquanto pessoa. O sujeito sem valor seria
incompleto e infeliz e o simples conhecimento do valor objetivo, sem relação com ele, inútil e
desnecessário.
O homem se conhece antes de ter um conceito sobre si mesmo. Antes de nomear-se, antes de
definir-se, antes de identificar-se, como ser. Tem conhecimento de si
mesmo como consciência de si pela identificação entre sujeito e objeto. Louis Lavelle afirma que
"não há então conhecimento de si no sentido segundo o qual esse
conhecimento supõe a distinção de um sujeito e de um objeto, mas somente uma consciência de si
que abole esta distinção porque me permite apreender sempre meu ser
no estado nascente, no próprio ato pelo qual a cada instante não cesso de criá-lo".¹
O conhecimento de si é assim, de certo modo, anterior à própria existência do sujeito como tal.
Essa consciência de si, esse conhecimento que o sujeito tem de si mesmo caracteriza-o como um
ser incompleto, um ser carente em busca do que o possa completar.
Um ser à procura da auto-realização que é aspirada como sendo a "felicidade".
A experiência subjetiva da privação é o primeiro conhecimento que o homem tem de si mesmo.
Um conhecimento sob a forma de experiência que é vivenciado antes de
ser conceituado.
Consciência será então esse conhecimento imediato, sem intermediação que o homem tem de si
mesmo pela fusão do sujeito e objeto que nele ocorre, e felicidade o
sentimento de plenitude, de realização vivenciado pela apreensão do objeto da carência. O homem
tem a noção da felicidade sem tê-la vivenciado por ter a experiência
da falta, por fazer a projeção da posse do objeto almejado. Novamente citando Lavelle tem-se que
"enquanto que se há sempre imaginado que o conhecer é posterior
ao ser já que supõe a própria presença deste ser que ele procura conhecer, o ato pelo qual o eu toma
consciência de si mesmo precede o ser do eu e num certo sentido
o dá a ele".²
O eu vai pois ser constituído pelo dinamismo de carência promovendo a tendência e a apreensão
dos valores no sentido do chegar a ser pessoa.

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O conhecimento de si mesmo é um conhecimento imediato de um ser com o seu valor incompleto.
Falta ao homem valor, falta a ele valer mais. Valer como pessoa, que
é a experiência subjetiva da felicidade. Já se disse que o sofrimento decorre, não da falta de ser,
mas da falta do valor. A grande aspiração vai ser conquistar
o valor para valer como pessoa; nisso consistem o crescimento e a regressão.
A cada vez que o indivíduo aumenta o seu valor, por tê-lo adquirido de algum modo, sente-se
valendo mais. Seja quanto ao aspecto vital, um aumento de saúde, de
força, de destreza, de bem-estar físico, adquirido pela boa alimentação, pela educação física, pelo
esporte, um aumento nos bens utilitários, mais dinheiro, o que
permite mais bens materiais, um aumento de instrução, o que permite uma melhor compreensão da
vida e domínio de uma área do conhecimento, um aumento de
beleza representam sempre um aumento de valor pessoal.
O que o homem vivencia como mal não é necessariamente o que lhe vem do exterior, como a dor
física, a fome, a sede, a fadiga, ou do interior, como a afecção mental,
a tristeza, o despeito, a humilhação, o arrependimento, o desejo insatisfeito de importância, de
poder ou de ter. Todos esses males são ocasionais e não atingem
obrigatoriamente o próprio eu do sujeito, que pode desprezá-los e mantê-los à distância de si
mesmo. O mal que realmente penaliza e importa ao sujeito é a privação
do valor. O não reconhecer-se e ser reconhecido como pessoa.
A subjetividade manifesta-se pela frustração e pela aspiração, e o valor vai ser exatamente o objeto
da falta e da tendência. O homem busca o valor como aquilo
que o pode completar nas suas diversas carências, especialmente na fundamental, que é a de
reconhecer-se e ser reconhecido como pessoa.
De diferentes modos,já se viu, pode o termo consciência ser compreendido: como subjetividade,
como consciência de si, autoconhecimento ou como processo de apreensão,
percepção, intuição, fenômeno de tomada de consciência. No primeiro sentido, ela é entendida
como consciência da subjetividade, confundindo-se com a própria vida
do sujeito, não podendo ser dele dissociada. É a consciência da dignidade humana e ao mesmo
tempo da sua insuficiência atual que causa a experiência da infelicidade.
Diz Y. Gobry: "Não haveria infelicidade se não houvesse consciência da dignidade. Só um ser
espiritual é infeliz."¹Um ser sem a consciência da própria dignidade,
sem a consciência do que lhe é devido não chega a ser infeliz e nem por isso considerar-se-á como
ideal o ser deficiente, com pouca consciência de si mesmo e do

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seu valor pessoal. Afirma ainda Y. Gobry: "O homem sofre e se considera como uma realidade
aviltada porque sua natureza não está à altura de sua essência. Sua natureza
é imperfeição e privação. Pode-se então compreender por que o homem tem a noção da felicidade
sem ter dela a experiência."¹ Embora todo homem seja essencialmente
pessoa e tenha portanto direito ao mesmo valor, a natureza varia e a privação é desigual. Quanto
maior a consciência do próprio valor maior a consciência da privação
e a possibilidade de infelicidade. A criança e o culturalmente primitivo, assim como o senil, têm
menos consciência da privação e assim menos possibilidade de
vivenciar a infelicidade.
A infelicidade seria a vivência da falta de um valor fundamental. Essa falta pode, no entanto, ser
suprida por outro valor que o compense e substitua, trazendo
de volta a felicidade. A fé ou o afeto podem, por exemplo, compensar a falta de saúde.
Há, portanto, um modo ideal de realização humana como adequação, como preenchimento da
falta, e uma ação própria que o leve a ela. Não é o destino como força cega
e inexorável que direciona a vida do homem, mas a sua destinação que aponta para a sua plenitude
e assim dá orientação para o seu viver levando-o ao atingimento
daquilo que pode preencher a sua privação, ou seja, ao seu valor máximo. E extremamente
interessante a afirmação de Y. Gobry sobre esse assunto, quando diz que:
" Para ser si mesmo, isto é, para atingir sua essência, é preciso ao homem tornar-se outro, isto é,
deixar um estado de natureza para um outro estado de natureza
mais ou menos próximo da espiritualidade essencial"².
Daí a necessidade imperiosa de educar quando seria tão mais cômodo viver num estado primitivo
de menores carências, de muito menor exigência.
O eu conhecendo-se pela própria privação e a partir dela conhecendo-se como valor torna-se
ponto de partida da cadeia cognitiva.
O primeiro conhecimento dá-se pela experiência da privação do valor e a primeira consciência de
si mesmo é a da aspiração, do desejo de plenitude.
O processo do conhecimento humano vai, portanto, desenvolver-se na seguinte ordem:
-Tendência ou aspiração como movimento de busca do valor.
-Apreensão do valor para o qual se tende ou aspira encarnado no mundo sensível.

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-Conhecimento racional: apreensão da idéia do ente e dissociação entre valor e idéia. Juízo e
raciocínios.
Percebe-se que entre esses estágios não há propriamente uma sucessão cronológica, mas uma
simultaneidade.
A tendência, primeira operação subjetiva, aparece como aspiração quando referindo-se aos valores
mais elevados. A falta de experiência pode fazer com que se busque
o valor no objeto errado. Mostra Y. Gobry que "no início há o amor da verdade sem a consciência
do que é verdadeiro, o amor do bem sem a consciência do que é bom".¹
O segundo estágio é o da apreensão: esta é uma operação dupla e assim ambígua. Por meio dela o
valor não é apreendido sozinho, mas unido a um ser singular, que
lhe serve de suporte. Embora nessa etapa não apenas se deseje o valor mas haja uma maior
aproximação, há também uma maior dificuldade pelo fato de aparecer encarnado
no concreto, isto é, no ente singular, há um
enfraquecimento da evidência do valor, uma redução de sua plenitude que faz com que por
inexperiência, por ignorância ou confusão, ele não seja percebido ou seja
percebido erroneamente. Cada vez que a tendência se depara com a realidade concreta encontra
menos do que esperava e procurava, tornando-se então mais excitada
pelo desafio, levando à perseverança na procura do valor ou desiludida, levando ao
desencorajamento, ou irritada, levando à revolta. Por esse motivo diz-se sempre
que o melhor da festa é esperar por ela.
No processo da busca do valor depois da experiência da tendência em que o valor desaparece em
toda a sua pureza, a apreensão vai às apalpadelas, tateios e dúvidas,
descobri-lo mascarado pelo ser, disfarçado, velado e encoberto. O ser ao mesmo tempo em que
serve de suporte e apresenta
o valor, também o trai, dificultando a sua apreensão. Pode mesmo ocorrer o fato do ser motivar a
tendência tornando-se ele próprio o objeto do interesse e da satisfação.
Por exemplo, pode o sujeito esquecer-se do valor do dinheiro como meio de adquirir bens para
desejá-lo por si mesmo tornando-se avaro e não se realizando com ele.
O ser pode-se constituir numa tentação fazendo-o esquecer o valor que era o seu objeto original. O
ser na verdade em nada satisfaz os anseios humanos, servindo apenas
como condição e ocasião.
A apreensão se faz por meio de uma experiência que leva a conhecer o objeto como não eu, pelo
qual o sujeito apreende o ser no sensível e pela sensibilidade que
nele permite a apreensão do valor.

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A apreensão manifesta a consciência de si e o conhecimento do objeto numa relação de oposição e


de complementaridade. O sujeito com a sua sensibilidade apreende
o valor do objeto e com a sua razão apreende a idéia do ente como suporte do valor .
O sujeito carente da beleza vai tender para ela apreendendo-a como valor beleza na obra de arte,
numa escultura, por exemplo, e como idéia no objeto esculpido.
]untam-se sensibilidade e razão, permitindo a apreensão como conhecimento da idéia do ente que
porta o valor e como sentimento ao apreender do valor do ente.
Na apreensão, portanto, ao mesmo tempo em que o sujeito se conhece a si mesmo enquanto
subjetividade, busca objetivamente um objeto que se apresente como distinto
dele.
Embora a meta seja a apreensão do valor, vai ocorrer ao mesmo tempo a apreensão do ente que
lhe serve de suporte pela sua idéia. O ente é apreendido como condição,
como suporte e como instrumento do valor, já que só pode ser apreendido enquanto por ele mantido
e manifestado. A apreensão do valor independentemente do ente só
ocorre enquanto conceito e não propriamente enquanto valor. Pode-se conhecer idealmente o que
seja a beleza, mas só se conhece a beleza pela sua apreensão enquanto
valor, se situada em algo que por isso apresenta-se como belo.
Na apreensão, o conhecimento intelectual conhece o ente, e a sensibilidade o valor. Embora essas
duas formas de conhecimento atuem conjuntamente elas não mantêm
entre si uma relação de equilíbrio. Por vezes sobressai mais o conhecimento objetivo do ente e por
outras o do valor .
A busca e a apreensão do objeto que vai satisfazer ao sujeito não ocorrem de maneira objetiva.
Nela interfere a subjetividade sob a forma de interesse, instaurando
valores nos entes que não os possuem. O interesse que o sujeito tem sobre si mesmo faz com que
procure o que lhe falta instaurando artificialmente valor nos entes.
O indivíduo portanto não apenas apreende os valores, mas ainda os instaura. É então possível um
processo de valorização e de desvalorização intervindo no ato da
apreensão.
Assim como ocorre na tendência, também na apreensão encontram-se conjugados a consciência e
o conhecimento. A sensibilidade ou a intuição emocional como modo do
conhecimento do valor vai valer-se desses dois processos cognitivos. Assim como a tendência
decorre de consciência da falta, que é subjetiva, e o conhecimento, da
aspiração para o valor, que é objetiva, também a apreensão que se faz pelo sentir é ao mesmo tempo
experiência pelo seu aspecto afetivo e discernimento por ser capaz
de descobrir e discriminar, e assim conhecer o valor no objeto sensível. É essa característica da
afetividade
ligada

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à sensibilidade que dá a especificidade do objeto apreendido. Como um todo no conhecimento é


apreendido o valor juntamente com o ser, e como essa apreensão se
faz pela sensibilidade que se caracteriza pela afetividade, todo objeto conhecido apresenta-se para o
sujeito com um determinado valor.
O processo da apreensão do valor vai caracterizar-se por essa mescla de sentimento e razão.
Considerando-se que o homem almeja não o ser mas o valer, e que é no
plano do valor que pode progredir ou regredir, é fundamental que consiga administrar bem esse
processo de apreensão para que não aconteça que buscando o valor que
o pode realizar apreenda um contravalor que o leve a regredir no valor pessoal.
A própria consciência da imperfeição já mostra, de certo modo, a existência e a exigência do valor
porque manifesta o que deveria ser e não é, e a consciência
da própria imperfeição apresenta-se ao sujeito não apenas como uma idéia, mas como uma
exigência de perfeição. Como um dever-ser imperativo que motiva e mobiliza
a tendência e a apreensão do valor. Por aí chega-se a que a destinação humana é a apreensão do
valor. Essa busca apresenta-se como uma exigência, como um verdadeiro
imperativo categórico que não permite ao homem contentar-se com a sua animalidade mas que o
leva a querer valer como pessoa e pelo valor caracterizar a sua humanidade.
A consciência da privação não é passiva e estática, mas ao contrário, ativa e dinâmica, conduzindo
à busca da plenitude. A consciência da privação e da aspiração
à realização vai permitir o conhecimento não do destino mas da destinação. Em Y. Gobry encontra-
se a afirmação de que "para o homem, o conhecimento da privação metafísica,
que coincide com o conhecimento do valor e da felicidade, coincide ao mesmo tempo com o
conhecimento de si"¹.
Depois da apreensão do valor pela sensibilidade manifestada como sensação para os valores
materiais e como sentimento para os valores espirituais, a razão vai
atuar separando valor e ente, distinguindo o valor da idéia da coisa para poder focalizá-la
independentemente dele.
A terceira etapa do conhecimento é assim a operação que separa por uma consciência isolada os
elementos do conhecimento unidos no concreto. O valor e o ser vão
ser artificialmente separados dando origem às idéias. Ter-se-á a idéia de quadro e a de belo, a de
homem e a de

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bondade. A idéia de automóvel e de útil. Note-se que a idéia de beleza não coincide com a
apreensão da beleza como valor. É diferente saber o que é a beleza e ter
a emoção estética por tê-la contemplado. Saber o significado dos termos afeto, carinho, amor e
experimentar esses valores.
A razão serve para conhecer o ser e não o valor enquanto tal. Por esse processo o sujeito pode
adquirir um ponto de vista crítico e exercer seu julgamento sobre
o concreto.
Em situações anômalas, sujeitos com dificuldades na apreensão do valor podem cair no
intelectualismo que consiste em não apreender o valor com a sensibilidade
mas, ao contrário, só conhecê-lo como idéia.
É o momento da instrução, do conhecimento intelectual, da apreensão da idéia, do juízo e do
raciocínio.
O esforço da razão é feito no sentido de conhecer a coisa independentemente de seu valor. Em que
medida é isso possível é difícil precisar. Esse é o objetivo,
o intuito, mas ao que parece nunca é plenamente conseguido, já que o que atrai para o
conhecimento do objeto é, antes de mais nada, o seu valor.
Esse momento da razão ocorre no ato de estudar, de pesquisar, de conhecer o ser nas suas diversas
manifestações, mas não na vida, no dia-a-dia onde os entes são
percebidos pelo que representam para o homem, pelo valor que têm.
A apreensão do valor é, portanto, a destinação do homem. É seu objetivo apreender todo o valor
que lhe falta e que por isso lhe é adequado e chegar ao próprio
valor pessoal. O ser só significa para ele enquanto suporte de valor. Assim o processo lógico de
retirada do valor do ser para conhecê-lo como idéia é transitório.
Faz-se especialmente na escola, no momento acadêmico, mas não na vida. Desse modo,
permanecer nele, fugindo ao aspecto valorativo é não querer viver mas apenas conhecer
como um processo de fuga e de racionalização explicável no desenvolvimento psíquico.
Do ponto de vista educacional é importante perceber que a criança não sente de imediato a falta do
valor absoluto nem se conhece como totalmente carente, ou seja,
como completamente infeliz. Ao contrário, sente pequenas faltas de pequenos valores. A
experiência do mal existencial é progressiva. O nível de exigência cresce
com o nível de valorização pessoal. Quanto mais se reconhece como pessoa, quanto mais tem
consciência de seus direitos, mais sente o que lhe falta e mais exigente
torna-se quanto ao valor.
Chega-se aparentemente ao seguinte paradoxo: quanto mais educado, mais consciente do seu
valor pessoal, mais consciente das faltas e, portanto, com maior possibilidade
de sentir-se infeliz.
Tal raciocínio quase justificaria a não-educação e a não-instrução. Na verdade, quem não conhece
o belo, o bem, o verdadeiro, deles

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pouca falta sente. O que não lê não precisa de livros, o que não conhece música não sente
necessidade de ir a concertos e o que não reconhece o valor artístico não
tem necessidade de obra de arte.
O valor pessoal, no entanto, exige a realização e a maior consciência da limitação e da
possibilidade de superação, como atingimento da felicidade, é necessário
para a realização pessoal. Não se pode impedir, frear o crescimento pelo aumento de valor pessoal,
que só ocorre graças à consciência da limitação e à tendência
de busca de maior valor .
Embora admita-se de modo geral ser a consciência espontânea, a primeira, a que visa ao objeto, ao
mundo visível, na verdade ela ocorre depois de uma consciência
da falta que leva o sujeito a ir buscar fora de si o que pode completá-lo.

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Tudo aquilo que de qualquer modo preencha uma carência humana pode para o homem ser
considerado como valor.
O valor é encontrado simplesmente no ser que o sustenta ou nele é instaurado pela ação humana.
Será chamado espontâneo o valor tal como aparece imediatamente nos entes em geral e instaurado
o valor depois da intervenção do homem. Por exemplo, a beleza é
encontrada na natureza como valor espontâneo e na arte como valor instaurado.
O homem transforma então os valores. Ele não age somente sobre o não-valor fazendo surgir o
valor lá onde não existe, não age apenas sobre o valor mascarando-o
ou retirando-o das coisas; faz ainda evoluir o sentido dos valores primordiais, conferindo-lhes um
novo aspecto.
É função da educação não apenas levar ao reconhecimento do valor espontâneo, como o da beleza
de uma paisagem, da bondade de uma ação humana, mas também saber
instaurá-lo onde não se encontra. Desde a simples instauração do valor da limpeza e da ordem num
ambiente, até o da harmonia na família e no grupo social.
Distinguem-se diversos tipos de valor que se manifestam como espontâneos ou instaurados, como
a utilidade que, enquanto espontâneo, é o vital e o econômico, enquanto
instaurado; a beleza, o estético enquanto espontâneo e o artístico enquanto instaurado, a verdade
que será o lógico enquanto espontâneo e o científico enquanto instaurado
o bem, o moral enquanto espontâneo e o ético enquanto instaurado.
A educação como processo deve levar ao reconhecimento do vital, do estético, do lógico e do ético
e à capacidade de instaurar a

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utilidade, a beleza, a verdade e o bem, fazendo surgir o econômico, o artístico, o científico e o


moral.
Assim como a natureza é a fonte do valor espontâneo, a personalidade é que vai dar origem e
caracterizar o valor instaurado.
A personalidade como resultante da organização dos valores na pessoa marca de um modo
especial a instauração do valor. Ela não é propriamente nem um valor nem
um ser, mas um conjunto orgânico de valores. Nela valores espontâneos e valores instaurados são
assumidos por um eu único que é o sujeito instaurador .
Há na personalidade uma herança de valores espontâneos que, como núcleo mais primitivo,
constitui o valor vital que aparece como temperamento e o que a caracteriza
como tal, que são os valores instaurados resultantes da vontade pessoal. Um temperamento mais
forte, pleno de vitalidade, ou seja, de valor vital, pode ser uma força
instauradora capaz de formar também uma personalidade rica por constituir-se de inúmeros valores.
É a natureza trocando com a vontade numa interação destruidora
ou enriquecedora.
Certas personalidades distinguem mais rapidamente e com maior acuidade o valor, enquanto
outras o contravalor. Do mesmo modo há personalidades que tendem mais
a instaurar valores enquanto outras, os contravalores.
Cabe à ação educativa não somente ensinar ao educando a distinguir e a instaurar os valores, mas
a fazê-lo de modo peculiar e original de acordo com a própria
personalidade.
Max Scheler faz uma distinção entre os fins da tendência e os objetivos da vontade. Os fins da
tendência são os valores. O estado da carência leva naturalmente
à tendência em busca dos valores que a satisfaçam e preencham. Os valores não são objetos da
representação intelectual nem de juízo. São como que anteriores e independentes
do processo da razão. Resultam da própria tendência, ou seja, da percepção afetiva. Os conteúdos
imaginativos da tendência independem do ato representativo, ou seja:
tende-se para o belo independentemente da idéia da beleza.
As tendências seriam, segundo seu pensar, determinadas e diferenciadas:
1º- por sua orientação;
2º- por seus fatores axiológicos finalizados;
3º- pelo "conteúdo imaginativo" ou pelo conteúdo de significação "construído sobre esses fatores
axiológicos".¹

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É possível, no entanto, que um conjunto final transforme-se num objeto de representação ou ainda
de um juízo. Por exemplo, o belo, fim da tendência, pode transformar-se
na idéia da beleza e permitir até um juízo sobre ele e, assim, em objetivo da vontade.
As idéias impõem-se à vontade, tornando-se seus objetivos. Os objetivos da vontade são, então, ao
contrário dos fins da tendência, representações de conteúdos-de-finalidade
a ela pertencentes. O que distingue o objetivo do simples fim (que é dado já na orientação de
tendência) é o fato de se encontrarem representados num ato particular.
No entanto, mostra ele que a consciência do objetivo só aparece a partir da retirada, da mudança
da consciência do estado de tensão, ou seja, no estado de tendência
para a consciência em estado de representação. Só se pode, portanto, falar de um objetivo da
vontade se tiver havido antes a representação de um fim. Ele diz: "Nada
pode tornar-se objetivo se não tiver sido anteriormente fim. O objetivo se fundamenta sobre o fim.
Pode haver fins sem objetivo mas nenhum objetivo sem um fim previamente
dado. Não podemos criar um objetivo ex nihilo nem assinalá-lo sem uma 'tendência' prévia para
alguma coisa".¹
Toda vez que o objetivo da vontade entra em conflito com o fim da tendência pode-se ter certeza
de ser ele um falso objetivo. Algo que não vai corresponder às
exigências próprias da pessoa humana, não devendo assim ser estimulado.
Mas, continua Max Scheler,"se um fim assim representado torna-se objetivo para a vontade, é
porque o conteúdo do fim é dado como um conteúdo a ser realizado, ou
seja, que deve tornar-se real. A tendência pode permanecer no simples nível de uma consciência
axiológica do fim correspondente, o querer consciente de seu objetivo
é sempre o querer de uma realidade determinada seja sob a forma de uma imagem, seja sob a forma
de significação. O objetivo do querer deve comportar a presença dos
dois fatores: representação de um fim e exigência de representação deste fim".²
A educação ocorre nessa passagem, nessa transferência dos fins da tendência para os objetivos da
vontade.
Enquanto que o fim ocorre pode-se dizer de uma maneira espontânea e descompromissada, o
objetivo já mostra o fim representado no objeto e traz a exigência da realização.
A obrigação moral insere-se pois nos objetivos da vontade correspondendo à tendência para o fim
ético do homem.

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O valor apresenta-se tanto como fim da tendência como objetivo da vontade. Embora o ser
humano nasça com a tendência para os valores enquanto fins, pode-se dizer
que é na medida em que são educados que vão optar pelos valores como objetivos adequados à sua
realização.
É ainda a vontade que instaura valores como objetivos representados e que devem ser alcançados.
A escolha desses objetivos pressupõe a ação da vontade e o conhecimento
das várias possibilidades pressupõe a capacidade para o juízo de valor.
O valor apresenta-se ao ser humano sob múltiplas formas que podem ser classificadas segundo
diversos critérios. Inicialmente divide-se em valor vital e valor espiritual.
O valor vital é o fundamental e primordial para o homem. É condição para a sua humanidade.
Constitui por si mesmo uma espécie de universo, axiológico que se apresenta
como pré-requisito para o valor espiritual. É o que faz a sua carência de vida, o que permite que se
mantenha vivo e saudável perpetuando a sua espécie pela procriação.
Desde cedo começa a criança a aprender a satisfazer-se com o valor vital escolhendo-o
adequadamente e tendo-o como objetivo do seu querer.
A vida como valor tende a ampliar-se por meio dos processos da proliferação, da adaptação e da
assimilação. A proliferação é o meio quantitativo. Por meio dela
multiplica-se o número de viventes. A adaptação é o meio qualificativo. Graças a ela os seres vivos
continuam a viver em condições mecânicas, físicas e químicas
adversas. As espécies adaptam-se e de tal modo se renovam que subsistem mesmo em novas
condições ambientais. A assimilação é o meio substancial que permite a apropriação
do não-vital transformando-o em vital.
Embora a tendência leve à proliferação, à adaptação e à assimilação de modo espontâneo,
enquanto objetivos a serem alcançados pela vontade necessitam de aprendizagem
e assim de educação. Esses três fenômenos quando procurados de modo impróprio e inadequado
tornam-se nocivos ao homem, transformando-se então em contravalores.
O mundo sensível aparece numa dicotomia axiológica: as categorias da matéria e da vida podem
ser identificadas com o não-valor e o valor, quando de algum modo
servem à vida e mais especialmente à vida humana. A matéria que serve à aparição e à expansão da
vida considerada em si mesma é não-valor. Para servir ao aparecimento
e desenvolvimento da vida não é necessário que a traga em si mesma, mas que lhe sirva de
condição. Por exemplo, o sol, que não é vivo, é indispensável aos seres
vivos, aos quais dá vida e calor. Também as criações da técnica humana só valem, ou seja, tornam-
se valores, se servirem à vida ou à própria humanidade do homem.
A matéria não é portanto autônoma com relação à vida, mas, ao contrário, a vida o é em relação aos
outros valores. Ela traz em si mesma toda uma ordem axiológica:
o

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valor, o contravalor e o não-valor. Continuando com o mesmo exemplo do sol, percebe-se que ele,
em si mesmo não-valor, pode representar valor ou contravalor se recebido
em excesso ou em condições impróprias.
Mostra Y. Gobry que a "autonomia do vital é de tal modo que o ser vivo não tem finalidade fora
dessa esfera. Ele não tem destinação, isto é, uma orientação para
uma essência cuja realização lhe fosse fundamental, mas um destino, isto é, a realização de uma
certa história determinada antecipadamente. E esta história é a mesma
para todos: o nascimento para a vida, amplificação da vida na sua própria individualidade pelo
crescimento biológico, amplificação da vida fora de si
pela proliferação e depois desaparecimento enquanto indivíduo."¹
No homem, a tendência vital que precede a tendência espiritual não constitui nunca um poder
autônomo, uma orientação segura e decisiva que realiza apenas um destino
biológico. O instinto representa pouca coisa para o homem que se caracteriza propriamente pelo
espírito. Sua ansiedade fundamental não é pela realização vital que
para ele, embora condicional, não é suficiente.
O valor vital exerce maior dominação sobre o indivíduo porque representa o valor em estado puro,
o pré-requisito, a condição para os outros valores. O indivíduo
está na dependência dos valores vitais para poder desenvolver-se espiritualmente.
A primeira forma de educação deve portanto reportar-se aos valores vitais. O educando é levado a
buscá-los adequadamente distinguindo-os dos contravalores, não
só na natureza, onde eles se encontram espontaneamente, mas ainda nos bens utilitários que atuam
na área do vital, mas já com a interferência da razão.
Na verdade aquele que se realizasse plenamente, mas apenas quanto aos valores materiais, não se
completaria como pessoa. De pouco valem os cuidados com a alimentação,
a saúde ou com o vestuário, se não proporcionarem a aquisição dos valores espirituais. Um
processo educacional que parasse nesse ponto, que visasse apenas ao desenvolvimento
físico e mesmo ao econômico, deixaria o homem incompleto e insatisfeito.
O ser humano não distingue espontaneamente o que convém ou não à sua conservação física. Não
reconhece no primeiro momento a planta que cura da que mata. A criança
é capaz de se envenenar sem o querer. É, portanto, necessária a aprendizagem mesmo no nível do
vital.

A vida, todavia, é um primeiro degrau, um instrumento a serviço de alguma coisa que a ultrapassa
e a pressupõe. O natural para o
homem,

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a sua natureza, é a superação do natural como natureza inanimada.


As teorias educacionais naturalistas se perdem nessa dificuldade: o desenvolvimento da
animalidade no homem não corresponde ao desenvolvimento da sua humanidade.
Em certa medida é possível para ele a escolha entre os valores vitais e espirituais. No animal, o
prazer é indicação de valor e a dor de contravalor; o prazer traduz
sempre e imediatamente a exigência e a expansão da vida. No homem, o prazer e a vida estão
dissociados porque ambos são meios e não um o meio e o outro o fim. O
prazer é sempre uma procura de si e não da vida. É um sacrifício das forças fisiológicas ao gozo.
O processo educacional que propusesse a preservação da saúde pela preservação da saúde estaria
promovendo uma inversão de valores, já que a vida é insuficiente
para a plena realização humana. É sempre possível encontrar-se um saudável infeliz.
Toda conduta do homem situa-se aquém ou além do interesse vital. Há sacrifícios que o deixam de
lado como o do cientista à procura de uma descoberta ou do corredor
no empenho por um recorde. O homem é capaz de usar a droga mesmo sabendo-a prejudicial à
saúde, ou voar de asa delta em busca do valor da auto-superação mesmo ciente
do perigo que corre. A vida pode ser sacrificada em benefício tanto do instinto como do espírito,
como o faz o asceta.
Não é possível ao homem tomar o animal como modelo de comportamento, e essa é a grande
dificuldade das cobaias animais, porque para ele as necessidades vitais
satisfazem-se não segundo a sua animalidade mas segundo a sua humanidade.
Por razões de ordem psíquica o homem é capaz de comer sem ter fome e beber sem sentir sede.
Entregar-se ao sexo fora dos limites da reprodução. Pode fazer mal
ao que ama e perdoar ao que detesta. Sua raiva não é direcionada a destruir o contravalor nem seu
amor a assumir o valor porque ele pode odiar o valor e amar o contravalor.
A própria qualificação de "humano" é entendida como um elogio por significar estar acima da
irracionalidade da vida, ser capaz de sentir além do instinto. Ele torna-se
inumano quando abandona o que caracteriza a sua humanidade.
Reconhece-se facilmente a independência dos valores com relação às coisas e aos bens por ser
possível "conhecer-se um estado na apreensão dos valores onde o valor
de uma coisa nos é logo dado muito clara e evidentemente sem que se conheça os suportes deste
valor",¹ afirma Max Scheler.

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Max Scheler exemplifica mostrando que um homem se apresenta como sofredor ou antipático, ou
agradável e simpático, sem que se possa dizer por quê, sente-se uma
obra de arte como bela, odiosa, distinta ou vulgar antes de se ter a menor idéia dos elementos que
motivaram tal juízo de valor. E por isso que um lugar ou uma casa
podem ser considerados como amáveis ou detestáveis, assim como a estada num determinado lugar,
sem que se conheça os suportes deste valor. Tal fato vale tanto para
as realidades físicas quanto para as psíquicas. Ele pretende com tais exemplos mostrar até que
ponto os valores são independentes de seus suportes.
Diz ele ainda: O fim do querer nasce de um ato de escolha que se apóia ele próprio sobre os fins
axiológicos das tendências presentes e que se funda sobre um ato
preferencial visando a essas próprias matérias".¹
A segunda forma do valor é o espiritual que dá o verdadeiro sentido à vida transformando-a em
condição e meio de seu crescimento. No ser humano o espírito penetra
sempre no vital elevando- o a outra categoria.
O valor espiritual liga-se de um lado ao valor vital e do outro ao valor pessoal. Isto porque todo
indivíduo espiritual no mundo axiológico é, ao mesmo tempo,
um ser vivo e um ser destinado ao valor absoluto.
Os valores espirituais apresentam-se como degraus com uma certa hierarquia conforme
correspondam às diversas necessidades da pessoa ou da personalidade humana.
São encontrados sob inúmeras modalidades, sendo as que mais se distinguem, as da verdade, da
beleza, do bem, do sagrado e da pessoa.
A verdade pode ser considerada como valor espiritual contemplado além do sensível. Aparece na
esfera do vital mas dela se diferencia. A beleza como o valor espiritual
contemplado no sensível, na natureza. Essas duas modalidades exercem uma relativa exigência.
Embora enquanto fins da tendência e objetivos da vontade mobilizem a
ação humana, não necessitam e impõem como imperativo categórico.
É o valor "bem" que propriamente marca a destinação do homem apresentando-se como uma
exigência, como um dever ser. E por meio dele que propriamente cresce o seu
valor pessoal.
Há, portanto, uma diferença entre os dois primeiros e o terceiro, já que eles apenas direcionam o
homem para a busca dos valores específicos da verdade e da beleza
sem os fatores exigência -culpa, enquanto

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que o último impõe, não deixa escolha, levando assim ao aumento do valor pessoal.
O valor bem corresponde à tendência ética do homem. Ele dá um toque de espiritualidade aos
valores vitais associando-os aos outros e fazendo-os assim mais adequados
às suas necessidades. O homem não apenas ingere o alimento que vai sustentá-lo; mas adapta essa
ação às exigências de sua espiritualidade; cozinha, enfeita e ritualiza
o ato de comer; a união dos sexos, a procriação da espécie são processos ritualizados, ou seja,
espiritualizados de modo a não se restringirem apenas ao vital mas
a atingirem o espiritual, já que são executados em conformidade com a ciência, a beleza e a moral.
O valor da utilidade é o que favorece a vida humana. Não a vida em geral, mas a vida humana. A
vida no homem não é independente da humanidade. O homem é espírito
ao mesmo tempo em que é vida. Mesmo nos primitivos a vida não se reduz ao biológico porque
eles julgam, raciocinam, transformam, organizam e legislam.
Para o animal, o valor da utilidade equivale ao valor vital. Para o homem não. Embora, as
primeiras etapas do desenvolvimento da vida na criança e no primitivo,
o natural se sobreponha ao artificial, no adulto e especialmente no aculturado, o artificial prevalece
sobre o natural.
Como referência ao valor da utilidade, o espontâneo é o vital e o instaurado é o econômico. Desse
modo, o útil pode ser considerado como um valor espiritual por
não estar orientado apenas para a conservação da vida, mas ainda para o desenvolvimento espiritual
do indivíduo. Mostra não a submissão do espírito à vida, mas a
afirmação de uma organização da vida pelo espírito.
Pode-se, portanto, falar numa educação para o valor utilidade, para o valor econômico. É possível
uma aprendizagem no plano do econômico. Como usá-lo de modo a
que satisfaça as necessidades reais do homem, como hierarquizá-los, como instaurá-los
adequadamente sem que se tornem mais importantes do que a própria pessoa humana.
A primeira noção de valor teria vindo do econômico. Da idéia de que vale o que se compra, o que
tem preço embora o econômico esteja estreitamente ligado ao biológico
já que valere significava em latim ter uma boa saúde, uma sólida vitalidade. Essa acepção já
implica, no entanto, a possibilidade de uma busca ordenada de valores.
A economia é a atividade humana que elevou o valor vital à dignidade espiritual. O econômico,
que de início era o meio de buscar-se o alimento e o vestuário, tornou-se
meio para a aquisição de outros valores. Com o dinheiro pode-se obter valores tanto materiais como
indiretamente os espirituais, como a emoção artística diante de
uma bela pintura ou um belo concerto. Pesquisa científica, escolas, laboratórios e bibliotecas
dependem do econômico. O econômico não se restringe apenas ao vital
mas liga-se a todos os outros valores.

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O dinheiro, assim como a vida, é um instrumento. Está a serviço dos valores mais elevados. Para o
ser humano útil significa aquilo que facilita a aquisição não
só dos valores materiais mas também dos valores espirituais. Nesse sentido, a propriedade é útil, a
saúde é útil, o conforto material é útil, porque facilitam a
obtenção dos valores espirituais.
Enquanto preso apenas à esfera física, o homem mantém-se mais na animalidade. É pelo
desenvolvimento do econômico que se torna propriamente humano.
Uma teoria da educação que visasse a uma "volta" à natureza entendida como animalidade, a uma
visão naturalista que privilegiasse este aspecto, não seria própria
ao homem que, quanto mais desenvolvido, mais livre em relação às necessidades físicas.
Considerada apenas na esfera biológica, a vida tem um sentido em si mesma, mas na esfera
axiológica está sempre voltada para a instauração de valores espirituais.
O adjetivo útil exige sempre um complemento que esclareça o fim da utilidade: útil para quê? O
útil está sempre relacionado com a destinação do homem. Essas considerações
tornam-se especialmente importantes no esforço de avaliação dos avanços da moderna tecnologia.
A beleza revela o valor estético. Como valor espontâneo aparece na natureza. É o valor estético.
Como instaurado manifesta-se nas obras humanas. É o valor artístico.
A beleza mostra a dominância do espírito sobre a vida e leva à contemplação.
O valor estético apresenta-se como fundamental para o homem de tal modo que ele torna belo o
bem vital antes de usufruí-lo. Enfeita a comida, embeleza as roupas
que veste e a moradia em que habita, exige a forma bela nos bens utilitários.
O homem reconhece a beleza na natureza independentemente do seu suporte. Há em algumas de
suas formas algo inefável, inexplicável, uma harmonia, uma combinação
de formas e cores que faz com que nelas reconheça o valor estético. Numa paisagem, no mar, na
montanha, num rio de águas transparentes. É mesmo possível considerar
paisagens mais belas que outras. O valor estético estando nas coisas não se confunde com elas,
transparecendo nos seres vivos não é, no entanto, propriedade da vida.
O belo suplanta o útil. Há jardins, árvores que só importam pelo valor estético, já que não
produzem alimentos. Determinados bens utilitários continuam valendo
mesmo depois de perderem a utilidade, somente pelo valor estético.
O valor artístico vem reforçar o papel do valor estético graças à iniciativa do homem. A obra de
arte é a instauração da beleza no ser, na coisa indiferente. Desse
modo ela dissocia claramente o belo do vital. O

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que era, no mundo real, objeto de desejo, na obra de arte toma-se motivo de contemplação.
A obra de arte permite a contemplação da vida sem o desejo. O homem insere a beleza até na obra
da técnica mostrando uma preocupação que ultrapassa o vital e o
útil. Até o coldre do revólver e os suportes dos canhões foram trabalhados artisticamente. A louça,
os móveis recebem uma outra dignidade, uma marca de espiritualidade
pela decoração.
A música pode ser considerada como o auge da arte pela sua quase total desvinculação com o
material. A obra musical é contemplada independentemente da matéria.
A educação estética vai despertar a sensibilidade para o belo. Tanto para o belo espontâneo
encontrado na natureza quanto para o instaurado na obra de arte. Ensinar
e apreciar a beleza de uma paisagem, do canto dos pássaros ou de um céu estrelado ou levar à
contemplação de uma pintura, de uma escultura ou de uma peça musical
é sempre despertar para o valor estético e é importante que a criança desde cedo entre em conato
com a beleza. É preciso que ela seja levada a reconhecer a beleza
onde se encontre e a ser capaz de instaurá-la no seu meio.
Um planejamento educacional deve reservar tempo e espaço para este valor. Muito se tem
discutido se deve ele ser objeto da educação formal. Se cabe ou não à escola
trabalhar esse aspecto da vida. A arte como resultado da instauração do valor vai fazer parte da
cultura que vai ser transmitida ao educando. Assim sendo, ao que
parece, cabe à escola colaborar com família no empenho de levar a criança a distinguir e apreciar a
beleza e a procurar instaurá-la por sua ação. Ser capaz de emoção
estética é uma forma de realização da humanidade do homem.
A verdade pode ser considerada valor não pelo seu conteúdo, mas por corresponder ao anseio
humano de conhecer o real como ele é. De não se enganar, de não apreender
a coisa diferentemente do que é. O homem não se satisfaz com o erro e com a mentira. Ele quer
naturalmente saber, e saber a verdade. Tem necessidade dela. Ela vale
para ele. É, portanto, nesse sentido um valor .
O conteúdo da verdade já não pode propriamente ser considerado como um valor, mas como
idéias, juízos e raciocínios apreendidos pela razão. A verdade se oferece
essencialmente sob a forma de relações objetivas. É o resultado da apreensão dos objetos e das
relações que mantêm entre si.
A verdade espontânea é o valor lógico. Corresponde ao anseio de unidade. O real, o que existe, é
dividido, disperso, pulverizado. O homem tem a necessidade da
ordem, da organização, da unidade para conhecê-lo.

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Pela idéia, a razão introduz um elo entre todas as coisas semelhantes. Não mais uma ligação de
utilidade entre o sujeito e o objeto, mas um elo de essência entre
uma pluralidade de objetos. A relação não é mais de conveniência, mas de identidade. Não mais a
multiplicidade de casos particulares, mas a universalmente válida.
A verdade como manifestação da unidade visa especialmente às idéias mais universais.

Pelo juízo são comparadas as idéias estabelecendo-se a conveniência ou não entre elas. O juízo
pode ser prático referindo-se a uma relação lógica ou racional quando
estabelecendo uma relação essencial entre o sujeito e o objeto. O raciocínio encadeando juízos leva
ao conhecimento de um novo juízo antes ignorado.
Essas operações ocorrem na área da razão possibilitando o conhecimento do ser. É, no entanto,
ainda possível o juízo de valor que ocorre quando expressa uma relação
de valor vivida pelo sujeito e ele afirma: "meu sorvete é gostoso", "meu amigo é leal", "a minha
tristeza é grande"; ou quando focaliza os valores em si mesmos e
estabelece uma hierarquia entre eles: "honestidade é mais importante do que a beleza", "a verdade
vale mais do que o prazer".
Embora essas relações digam respeito à carência humana, portanto a valores conhecidos pela
sensibilidade, é com razão que o homem vai analisá-las e hierarquizá-las
segundo critérios lógicos resultantes da reflexão sobre a própria pessoa humana e seu ideal de
realização.
A verdade instaurada é o valor científico. A ciência é um fenômeno de instauração resultante da
construção racional do homem. A razão pode, portanto, aprimorar-se
e passar do conhecimento empírico ao científico por um esforço especial na organização do
conhecimento. O conhecimento científico não é singular, mas social e resultante
de um processo elaborado e sistematizado.
Do ponto de vista educacional chega-se à necessidade de despertar no educando o amor à verdade,
a curiosidade sadia, o espírito de observação e de pesquisa. Essa
não é uma opção possível mas um dever-ser, uma exigência do homem enquanto pessoa. Embora o
desejo da verdade surja de modo espontâneo, é preciso que se estimule
essa busca e a vontade de instauração para que surja o espírito científico. A criança que desde cedo
acostumou-se a observar, a testar, a relacionar causa e efeito,
a organizar, a sistematizar, vai não apenas valorizar a verdade, mas ser capaz de instaurá-la criando
cultura.
O valor ético é o bem que se apresenta sob o aspecto da exigência e exigindo uma intenção do
amor. Realiza-se no mundo concreto por meio das boas obras.
O valor moral é sempre um dever-ser. A lei moral exprime-se sob a forma de imperativo
categórico. Traz a característica da exigência que

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transforma a realidade. O crescimento espiritual vai resultar da presença do "bem" no interior de


cada um.
O ser humano sente a necessidade do bem e naturalmente tende para ele enquanto valor. Sob esse
aspecto o "bem" apresenta-se como fim. A razão vai então, pela reflexão,
estabelecer uma consciência moral que se expressa pelos juízos de valor que se apresentam à
vontade, levando-a a buscar o bem como seu objetivo.
O valor moral tem, portanto, a característica da obrigatoriedade porque expressa o que há de
essencial no homem. Afirma Miguel Reale que: "O elemento de força,
de domínio ou de preponderância dos valores resultaria dessa tomada de consciência do espírito
perante a si mesmo, através de suas obras: os valores, em última análise,
obrigam porque representam o homem mesmo como autoconsciência espiritual.
Os preceitos especificam-se na cultura expressando o valor moral. Cabe à ação educativa fazer
com que sejam obedecidos não como imposições sociais, mas como expressões
do próprio "bem". O fenômeno ocorre de tal modo que quanto mais elevado no nível moral, mais se
reduz o número de preceitos explicitadores da ética e mais se avoluma
a importância do "bem" como valor mobilizador.
O primeiro contato da criança ocorre com as normas, com os preceitos e não com o valor "bem"
propriamente dito. É pelo processo da educação que ela vai aprimorando
sua consciência moral até libertar-se das imposições dos mandamentos para visar ao bem como
objetivo da vontade.
O bem instaurado é o valor ético, ou seja, a realização do bem pela ação da vontade. O bem passa,
então, de fim da tendência a objetivo da vontade.
O valor moral é instaurado pela transformação do não-valor em valor. A ação sem valor adquire
um valor, ou seja, passa a valer pela intenção moral. Pelo esforço
humano, o não-valor passa a valor.
A intenção moral eleva à dignidade de valor atividades que antes não tinham nenhuma
moralidade. O bem é instaurado no mundo pelo homem como conseqüência de sua
reflexão e de sua escolha. Depende, portanto, da sua liberdade, que se constitui como requisito para
a ação moral. O valor moral nasce com a consciência humana,
mas o valor ético só existe pela vontade do homem.
E pela comunicação com o outro que o homem descobre sua destinação moral. O educador, pais e
mestres, representam o outro, aquele

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que vai levar o educando a se perceber como um ser moral que naturalmente tende para esse valor
por lhe ser essencial e mostrar a sua destinação. São eles que
por sua ação levam a criança à primeira reflexão moral.
A lei moral primitiva é dita natural porque emanada da natureza humana, das necessidades
humanas que se distinguem claramente das da natureza não-humana e apontam
para a sua destinação. A natureza universal pode ser a fonte do valor pessoal que encerra a
exigência da ação moral. Há, portanto, na moralidade um plano natural
e um instaurado que resulta dos múltiplos deveres criados pelo homem.
Conclui-se ser a função da educação a promoção da busca correta dos valores e da sua adequada
ordenação. Considerando-se que a pessoa é um valor em si mesmo, sendo
o próprio dever-ser do homem que se caracteriza exatamente pela moralidade, a obra da educação
se fundamenta basicamente sobre essa questão.

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O Papel do não-valor e do contravalor na educação


Uma reflexão sobre educação não pode deixar de lado o papel que para ela tem o "não-valor" e o
"contravalor". Realizando-se a educação pela apreensão dos valores
adequados à plenitude da pessoa humana, o erro no reconhecimento ou a busca do valor
inadequado, ou por não corresponder à real necessidade ou por ser prejudicial,
vai comprometer todo o processo.
Considera-se como não-valor aquilo que é indiferente, que nada representa para o sujeito por não
corresponder às suas necessidades.
A primeira forma, de não-valor para o homem é a do ser enquanto ser. O concreto por si mesmo
independentemente do valor do qual é o suporte. É o não-valor espontâneo,
idealmente apresentado como ser. O não-valor objetivo.
Os seres considerados em si mesmos nada valem para o homem. São não-valores. Somente pelo
fato de servirem como suportes para os valores vão para ele ter algum
significado. A natureza enquanto tal é para o ser humano não-valor. Na medida em que satisfaz suas
necessidades vitais, econômicas e estéticas torna-se para ele
valiosa.
A ecologia, por exemplo, não é o estudo da natureza por si mesma. De como preservá-la
deixando-a intocada, mas o estudo do ambiente natural do homem, da sua casa,
do seu habitat. Só nesse sentido é admissível a sua conservação.
O não-valor pode ainda apresentar-se como resultado de uma ação de instauração feita pelo
homem. E o seu sentido subjetivo. E o caso da desvalorização, da retirada
do valor dando origem ao não-valor.

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A desvalorização pode ocorrer pela instauração teórica do não-valor como resultado de um


julgamento ou pela instauração do não-valor de fato pela retirada ou destruição
do valor. Também a desvalorização pode ser espontânea quando ocorre independentemente da
vontade humana como, por exemplo, a árvore que morre, ou provocada, como
aquela que é derrubada. Em ambos os casos desaparece o valor.
No processo de desvalorização, o valor permanece existindo independentemente do sujeito.
Apenas não é por ele reconhecido ou rejeitado: aquele que não lê não valoriza
o livro que nem por isso perde o seu valor. O bem utilitário não perde sua utilidade só porque
alguém não o sabe utilizar. No entanto, para aquele que desconhece
o valor ou dele não sente falta, o bem nada vale: é não-valor. A bola ou a bicicleta, sonho da
maioria dos meninos, para a maior parte dos adultos é não-valor.
Na atitude voluntária em relação ao não-valor, no processo de desvalorização, há uma atitude de
negação do valor que leva ou ao seu não reconhecimento ou à sua
destruição.
O não-valor em ato é o que mais importa do ponto de vista da educação porque diz respeito à
responsabilidade, à capacidade de sentir, de querer, de amar e de agir,
enfim, para o seu próprio bem e o da sociedade.
Três são os principais modos de desvalorização resultantes da ação humana que correspondem às
três etapas do conhecimento: à tendência corresponde a inexperiência;
à apreensão, a recusa; e à razão, o intelectualismo.
A inexperiência decorre da imperfeição humana porque decorre da incapacidade de experiência. A
criança por sua própria condição é inexperiente tendo o seu campo
de valor muito limitado. Ela percebe apenas algumas reduzidas manifestações do valor. É pela ação
da educação que vai ser alargado o leque dos valores e proposta
a sua hierarquia. Esbarra-se aqui num problema da maior dificuldade: como apresentar os valores e
a sua hierarquia sem dogmatismos ou imposições? Como levar ao conhecimento
pela experiência sem abandonar à própria sorte e permitir erros de escolha resultantes de opções
por não-valores? O inexperiente não reconhece o valor nem no plano
do vital ou do econômico. É comum especialmente na criança, mas não só nela, opções
inadequadas, escolhas do não-valor no lugar do valor, e até o não reconhecimento
do perigo. Mais facilmente a criança compra um chiclete ou uma bala que não atendem à sua
necessidade nutricional do que um alimento ou um bem útil. Mesmo o adulto
não é plenamente capaz de distinguir o que faz bem ou não ao seu organismo, os venenos dos
alimentos saudáveis. Por inexperiência o homem deixa de aproveitar grande
parte da natureza que para ele poderia servir como alimento, medicamento ou bem de utilidade.

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Somente pelo hábito da experimentação se aprende a distinguir o valor do não-valor e do


contravalor. Negando-se ao educando a possibilidade de experimentar vai-se
impedi-lo de aprender a distinguir e ao mesmo tempo, e aí se concentra a dificuldade, perceber que
as experiências negativas deixam marcas para o resto da vida.
O limitado por falta de experiência ou pelo estágio do desenvolvimento ou por uma real
incapacidade para ela, por uma limitação própria, não percebe nem a utilidade
dos instrumentos que para ele são sem valor, nem a beleza, nem a verdade.
É realmente possível o inexperiente que desconhece o valor de um computador e por isso rejeita-
o, o que passa ao lado da beleza sem percebê-la. O que se desfaz
de objetos de arte por não lhes dar valor, assim como aquele que não encontra importância na
verdade científica.
O caso mais grave é o do limitado moral que é insensível às exigências da moralidade. Há uma
inexperiência que resulta da preguiça que não conhece o valor do esforço,
que aceita o vulgar, que não procura aprimorar-se. Há uma outra resultante da má-formação da
consciência que não percebe nuances, detalhes, particularidades.
É possível despertar essa consciência, levá-la a experiências enriquecedoras, ao aperfeiçoamento
da sensibilidade. Mostra Y. Gobry que "se a inexperiência é relativa
é porque ela pode regredir: para cada consciência o universo do não-valor pode recuar
continuamente. Ao lado do não-valor por impotência existe um não-valor por
inexperiência. Ao lado da inexperiência por incapacidade existe uma inexperiência por falta de
experiência".¹
Um planejamento educacional deve focalizar essa questão e programar situações de promoção de
experiências sanitárias, de bens utilitários, de encontros com o estético,
de vivências éticas, entre outras. Não se aprende o valor teoricamente pela razão, mas pela
experiência. Uma situação educacional não pode proporcionar apenas conhecimento
racional deixando de lado as experiências de valor .
Pela educação o homem aprende a distinguir o não-valor do valor e a sua hierarquia. Embora essa
escala não possa ser imposta porque no que diz respeito às personalidades
ela varia sobremaneira, no tocante às características essenciais da pessoa permanece constante e
deve ser transmitida às novas gerações. É bastante duvidosa a desculpa
de deixar uma geração à própria sorte para não influenciá-la. Não se vai deixar de transmitir as
descobertas científicas e os bens utilitários para não intervir
na vida dos filhos.

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A participação no progresso da humanidade é medida pela capacidade de fazer juízos de valor


adequados às necessidades do homem enquanto pessoa e enquanto personalidade.
A própria formação da personalidade decorre da educação porque por meio dela vai-se chegar ao
autoconhecimento, ao conhecimento dos valores e à busca da adequação.
A vontade tem por objeto o valor a ela apresentado pela razão e ela só se mobiliza para os
empreendimentos se os reconhecer. Um mundo de indiferença e de neutralidade
não oferece possibilidade de escolha nem de perseverança. É um mundo sem tempo, sem metas e
sem esperança. A educação, ao propiciar a descoberta das múltiplas formas
do valor, permite o desabrochar do valor pessoal e estabelece um elo entre as consciências,
condição essencial para a cultura.
A natural deficiência para a formulação de juízos de valor decorrente da inexperiência é superada
pela experiência diária orientada pela ação da educação.
A segunda forma de desvalorização é a que advém da recusa. A recusa ocorre quando o sujeito
tendo a ocasião de conhecer o valor se obstina em desconhecê-lo. A
desvalorização decorre não da incapacidade de reconhecimento mas da livre opção pela
desvalorização. Ela pode dar-se pela redução do valor ao não-valor ou de um
valor superior a um valor inferior.
A ação predatória caracteriza claramente a recusa de valor. Ela transforma o útil em inútil. É o
caso do perdulário que desperdiça, do desajeitado que estraga
o material. O desperdício, tão característico da cultura brasileira, é um exemplo típico de
desvalorização que, se algumas vezes resulta da inexperiência, freqüentemente
é conseqüência da recusa do valor. A recusa pode não anular totalmente o valor, mas diminuí-lo
reduzindo-o a algo inferior, como ocorre muitas vezes com propagandas
ou programas de TV. O desinteresse funciona também como uma forma de recusa de valor. O
desinteressado recusa o valor embora o conheça como tal. A negligência também
pode ser considerada como uma forma de recusa do valor .
Permitir desperdício, ridicularização, desinteresse e negligência é admitir como normal a
desvalorização, a recusa do valor.
Ao planejar-se um sistema educacional, mesmo que haja fartura, como uma forma de ensinar o
respeito ao valor deve ser evitado o desperdício, como um modo de desvalorização.
Mais freqüentemente do que a redução de um valor ao não-valor acontece a redução de um valor
superior a um inferior, como é o caso da redução do espiritual ao
útil, quando se considera útil a religião por permitir maior controle da sociedade, ou do estético ao
econômico, por ganância ou esnobismo.

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Pode haver a transformação de um valor em outro, como é o caso do sacrifício de um animal para
servir de alimento, ou de uma planta que é empregada na indústria
farmacêutica ou têxtil. Para o nouveau riche, o mais caro é o mais bonito, para o vulgar de nada
vale o artístico ou o filosófico.
Há ainda o caso da redução do moral ao estético. O que dá mais valor ao parecer do que ao ser. O
que se importa mais com as aparências do que com a realidade.
O que sacrifica o social ao individual vice-versa.
De todo esse processo de retirada do valor resta a certeza da necessidade de passar ao educando
um critério de valor que lhe sirva de referencial, de guia de ação.
É ele a condição humana de ser pessoal cujo ser é, como mostra Miguel Reale, um "dever-ser", de
pessoa com sua exigência de racionalidade, de afetividade e de vontade
livre.
A terceira forma de desvalorização é o intelectualismo. Por sua ação o ser toma o lugar do valor.
Por esse procedimento retira-se o valor do ser que torna-se o
único objeto de juízo. Os juízos de valor são considerados como ilusórios porque decide-se a priori
pela inexistência do valor. Essa "atitude dá origem ao chamado
cientificismo, que se distingue do espírito científico por só admitir os juízos de existência e
considerá-los como suficientes para preencher todas as necessidades
humanas. Admite apenas a existência das múltiplas aparências do ser condicionadas umas pelas
outras como o objeto do conhecimento humano.
O intelectualismo corresponde à fase da distinção entre o ser e o valor feita pela razão para poder
conhecê-lo com objetividade. Como processo do conhecimento
é fundamental, mas é apenas um momento com uma finalidade bem especificada. Ao perdurar-se
nele negando-se a existência do valor torna-se uma forma de reducionismo
que distancia o ser humano da vida, levando-o ao mecanismo psicológico da racionalização. A
função do conhecimento racional não é negar aquele feito pela sensibilidade,
mas completá-lo. Pela racionalização nega-se a instância afetiva e procura-se resolver todos os
problemas apenas pela razão, ou seja, reduz-se a realidade humana
negando-se a existência do valor.
É o caso do médico que deixa de lado o valor da doença para o paciente considerando-a apenas
como objeto de pesquisa científica, como tema para estudo.
O chamado psicologismo vai consistir na redução do mundo axiológico da consciência a um
mundo do não-valor. Nega o valor do objeto que se reduz a fatos que nada
significam para o sujeito.
A ação da educação vai-se fazer necessária tanto no momento da tendência como nos da apreensão
e da razão. Cabe a ela evitar a

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desvalorização tanto pela inexperiência como pela recusa ou pelo intelectualismo.


A personalidade a ser educada já vive num mundo axiológico e tem um conhecimento prévio do
valor, ainda que imperfeito ou deturpado. É impossível o total desconhecimento
do valor. A inexperiência não demonstra um desconhecimento do valor enquanto tal, mas sim de
suas múltiplas formas e das possibilidades de encontro. A experiência
do não-valor, de algo que não corresponde aos anseios, é vivida como desilusão e sofrimento. Por
não saber ainda distinguir o valor onde se encontra, vai-se desvalorizá-lo
transformando-o em não-valor. A falta da educação leva a inexperiência natural e espontânea ao
desânimo e ao desencorajamento.
No momento da apreensão pode ocorrer a recusa ao valor. É nesse momento que a consciência
distingue no objeto o ser e o valor. Essa recusa do valor leva à vulgaridade,
à aceitação do banal, à acomodação. Essa recusa é freqüentemente parcial, apenas para alguns
valores, e temporária e explicável pela vivência de fracassos ou pelo
medo. A insegurança psicológica com seus mecanismos de agressão e de regressão leva à recusa do
valor. O educador terá inicialmente que detectar a dificuldade para
só depois poder trabalhar a questão do valor.
Pode-se considerar a desvalorização por inexperiência como resultante da fraqueza, por
deficiências naturais, proveniente da recusa como conseqüência da deserção,
da negação da resposta ao apelo de instauração, às exigências do "dever-ser", e a decorrente do
intelectualismo, que é feita pela redução do valor ao ser.
Yvan Gobry na sua monumental obra sobre o valor mostra que a relação entre valor e não-valor
permite uma melhor compreensão do papel da atenção e da distração.¹
A atenção seria a resposta ao apelo do valor. É um fenômeno do plano da apreensão. Dessa
constatação chega-se a um princípio fundamental: não se pode obter a atenção
do educando para algo que para ele não represente valor. Essa questão não se reduz apenas às
técnicas de motivação. Pouco se conseguirá com uma motivação extrínseca
se o objeto do conhecimento não motivar intrinsecamente pelo seu valor. O educador, ou mesmo o
professor que não atentar para esse fato em sua ação está previamente
fadado ao insucesso. É possível que o educando por inexperiência não perceba o valor. Vai ser
preciso nesse caso despertar sua atenção antes de promover-se o conhecimento.
É no entanto inútil tentar desenvolver um processo de aprendizagem de algo que não

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tenha valor para aquele que aprende. A atenção é a orientação para um valor considerado como
desejável. Os sentidos captam o dado concreto ou se misturam os múltiplos
valores, os não-valores e os contravalores. A atenção surge sempre que o sujeito está em busca de
um valor. O objeto da atenção, que se apresenta como valor, pode
ser encontrado na exterioridade sensível ou na interioridade do sujeito.
Sendo, no entanto, o mundo concreto também o lugar do não-valor, a atenção é desviada por uma
outra orientação da consciência: a distração que é a resposta ao
apelo do não-valor.
No plano axiológico a distração normal é a atenção para um valor inadequado, para um valor que
não convém ao sujeito. A distração mais do que atenção ao não-valor
é uma instauração do não-valor .
A distração por inexperiência própria daquele que não reconhece o valor constitui-se no objeto do
maior interesse para o educador cujo primeiro esforço deve ser
feito no sentido de apresentar as múltiplas modalidades de valor. As propostas pedagógicas que
consideram que se deve atender apenas aos interesses do educando não
respondem a essa dificuldade como chamar a sua atenção para o que vale, para os valores. A falta
de atenção nesse caso vem por algum tipo de limitação que deve dentro
do possível ser superada. O incapaz é distraído por falta de interesse. Vai ser necessário despertar
progressivamente a atenção para os valores superando a acomodação.
A distração pela recusa é ainda uma depreciação não por falta de iniciação mas por preferência. O
valor foi conhecido mas recusado e trocado por um outro inferior,
por um não-valor ou por um contravalor .
Do ângulo da psicologia explica-se comumente a distração como uma inatenção ao sensível
correlata a uma atenção à própria subjetividade.
A axiologia preocupa-se não apenas com a descrição do fenômeno psicológico ou com o objeto da
distração, mas especialmente com a sua causa. Sua análise considera
a hierarquia dos valores que consiste, não na negação dos valores inferiores, mas na sua submissão
aos superiores, que exige uma constante atenção à correlação pessoa
e valor.
Com o intelectualismo centraliza-se a atenção apenas no ser deixando-se de lado o seu valor. A
distração dá-se em relação ao valor que é negado.
Situa-se nessa atitude a questão da possibilidade da neutralidade científica. Pode-se visar à maior
objetividade possível, pode-se procurar delimitar o objeto
o mais possível, liberando-o da interferência da subjetividade do sujeito, mas não se pode nunca
completamente retirar o valor do objeto para que não deixe de merecer
a atenção do sujeito.
O conhecimento racional, que não se confunde com o intelectualismo, visa a conhecer o que
existe independentemente do seu valor. Não se

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preocupa com a hierarquia e a especificidade na ordem axiológica, embora não a rejeite: o


intelectualismo, ao contrário, retira a atenção dos sentimentos humanos, dos
seus grandes problemas, da sua dor, do seu sofrimento, para focalizar apenas os fenômenos da
consciência que representam ou os desafios para a ciência em que se
constituem.
O divertimento é uma espécie de distração voluntária que consiste no esquecimento temporário do
valor. O sujeito mantém-se então na posição de espectador, o que
pode representar uma deserção ou uma recusa do valor, ou apenas um descanso, um aprendizado
por observação antes da experimentação.
Além do não-valor importa ao educador o papel do contravalor na educação.
O contravalor é o que se contrapõe ao valor. O que se levanta contra ele. Sendo o não-valor a
indiferença, o contravalor é a oposição ao valor. Pelo não-valor
o sujeito visa a um objeto que não corresponde à sua necessidade; pelo contravalor, um objeto que
lhe é prejudicial.
Por inexperiência ou por recusa pode-se optar pelo contravalor e assim buscar, não o indiferente,
mas o prejudicial.
O contravalor vital é o nocivo que ameaça e restringe a vida e a saúde. Como o nocivo se
confunde facilmente com o penoso e o feio, muitas vezes toma-se um pelo
outro. O penoso sob diferentes aspectos: dor, irritação, desagrado, é logo identificado como
contrário à vida, embora nem sempre o seja, como é o caso do tratamento
dentário. O agradável nem sempre é favorável à vida. A feiúra é também, de início, ligada ao
nocivo, porém muitas vezes erradamente. A beleza, ao contrário, é sempre
associada à vida, embora muitas vezes falsamente.
Um planejamento educacional não pode cair em relativismos porque negar-se-á a si mesmo. Não
pode admitir a igualdade entre os valores e os contravalores, mas tem
que abertamente defender o que é adequado à realização da pessoa humana, buscando justificar
suas posições.
O contravalor no plano lógico é o erro; no estético, o feio; e no ético, o mal moral, todos
prejudiciais ao homem.
O outro enquanto pessoa é sempre valor, mas enquanto personalidade pode tornar-se um
contravalor. A personalidade pode revestir todos os contravalores. Pode ser
nociva prejudicando a vida ou a saúde alheia, pode ser feia opondo-se à natural tendência para a
beleza, pode induzir ao erro decepcionando a expectativa de verdade
existente em cada um, e pode encarnar o mal moral pelo ódio, a injustiça, a deslealdade etc...
É uma difícil tarefa da educação levar à distinção entre a pessoa e a personalidade do outro
mostrando o respeito que merece a primeira apesar dos contravalores
de que pode a segunda se revestir. O educando

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deverá saber que pode a personalidade ser punida pela justiça humana, mas a pessoa não poderá
nunca ser humilhada nem frustrada nas suas características fundamentais.
O sujeito encontra, no entanto, em si mesmo o contravalor. Na sua própria subjetividade encontra
o que lhe fere e prejudica. A insatisfação psíquica e o mal moral
são mostras do contravalor encontrado em cada um. A hipocrisia tanto repugna exatamente por
representar o contravalor com aparência do valor.
Nem sempre existe a consciência do contravalor como é o caso da ignorância e do erro lógico. Só
pelo sentimento de fracasso na constatação do erro percebe-se ser
ele um contravalor .
O contravalor é fonte de sofrimento mesmo quando não imediato porque o sujeito é sempre sua
vítima. O contravalor é sentido como algo que fere, irrita e traz insatisfação
e, no entanto, é buscado pela inexperiência ou pela recusa ao valor. O contravalor é vivenciado
como o mal, o que perturba, desespera e tortura. O que traz tristeza
e desgosto. Assim sendo, vai entrar na vida do homem de modo espontâneo, independentemente da
sua vontade e quando por ele instaurado graças à sua decisão e ao seu
consentimento. Está, portanto, diretamente ligado à responsabilidade como capacidade de resposta.
Se a resposta ao apelo do valor for adequada haverá o preenchimento
e a conseqüente satisfação, se inadequada, ter-se-á o contravalor e a insatisfação correspondente. O
homem é não somente vítima do mal, mas também o seu autor. Educar
para a responsabilidade significa educar para a resposta adequada ao valor e ao contravalor. Sim,
porque o contravalor exerce freqüentemente um apelo,quando vem
revestido com a aparência do valor.
A tentação é a primeira forma do mal quando o mal se apresenta ao mesmo tempo como algo a
rejeitar e a aceitar. Há um aprendizado da resistência à tentação pela
criação do hábito. O hábito tem uma fundamental importância no processo educacional. Não como
a mecanização que anula a opção livre e embota o sentimento, mas no
sentido tomista do que facilita a ação. O hábito de optar por outros valores facilita o agir posterior,
assim como o hábito dos contravalores facilita a sua aceitação.
Certos hábitos aparentemente sem importância, como usos de civilidade ou de higiene, bastante
descuidados nos dias atuais, são de fundamental importância para a
resistência à tentação dos contravalores que vão do fumo à droga, da desonestidade à violência ,
com constante prejuízo para o homem. Diz-se por isso que é mais
fácil para o educador prevenir os maus hábitos do que deixar que se instaurem para depois remediá-
los. É mais simples evitar os contravalores do que sanar posteriormente
os males que causam.
O homem faz também a experiência do contravalor não mais pela tentação, mas pelo
consentimento quando o mal é por ele instaurado,
quando

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o mal resulta da sua ação. O consentimento decorre da opção pelo contravalor e leva à sua vivência
pela sua instauração. É uma situação que deixa perplexo o educador
já que contraditória, paradoxal: por que o homem escolhe o que lhe faz mal, o que lhe é prejudicial
e por que o promove sendo ele próprio o autor do mal?
Embora não se tenha tal resposta, a luta da educação se resume exatamente nesse esforço contínuo
para a promoção do valor e para o combate ao contravalor .
É possível ainda a experiência da vitória sobre o contravalor que é vivenciada como alegria, como
satisfação. A vitória sobre o contravalor vital, a erradicação
de uma epidemia, por exemplo, ou sobre um contravalor espiritual. A vitória sobre o erro lógico,
sobre o antiestético e especialmente sobre o contravalor ético.
A vitória é a mola da educação e deve por isso ser registrada. É a sua constatação que dá forças
para o crescimento, para o desenvolvimento sob todos os ângulos.
É também um uso bastante em voga a lamentação constante do contravalor e o esquecimento das
vitórias obtidas. Essa atitude leva ao desânimo, ao cinismo, à desvalorização
da pessoa.
O outro, por si mesmo valor, valor enquanto pessoa, pode representar o contravalor. Pode ser
alguém que transmita algum mal ou que faça o mal moral. Alguém que
limite o próximo e traga problemas e dificuldades.
O mal por excelência é o mal moral pela sua origem intencional. Esse mal admite graus ou fases
segundo sua origem psicológica:
*a fraqueza: o homem no seu estado de frustração aspira pelo valor mas não tem força suficiente
para instaurá-lo em si mesmo e no mundo. Quer o bem mas não efetivamente.
Essa fraqueza é fonte de contravalor. É a preguiça, a indolência, a negligência, o desencorajamento,
a desconfiança de si, o desgosto, a lassidão, que levam muito
freqüentemente ao nocivo e ao erro.
Só pelo hábito do valor o indivíduo fortalece-se para resistir ao contravalor. Por isso, mais uma
vez insiste-se sobre a importância da formação dos hábitos no
processo da educação. Hábitos sanitários, hábito da verdade, da beleza e especialmente hábitos
morais.
Não se educa deixando que proliferem os maus hábitos em nome de uma suposta liberdade porque
ela mesma decorre do hábito do autocontrole e da busca da justiça
e não da libertinagem e irresponsabilidade.
*o egoísmo: é um modo de apreensão pelo qual instaura-se o contravalor no mundo axiológico. O
egoísta prefere o valor relativo ac absoluto, o prazer ao cumprimento
da sua destinação, sua personalidade à sua pessoa preferindo-se à si mesmo antes do que aos outros.
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Não tem propriamente amor à sua pessoa, que seria ainda uma forma de amor ao próximo, mas à
sua personalidade como realidade autônoma.
Especialmente nos dias de hoje é bastante difícil, graças à insegurança do mundo, ao medo e ao
consumismo como regra de vida, minimizar o egoísmo; mas é ainda
pela educação que desde cedo vai-se despertar para o valor do outro e da coletividade enquanto tal.
*a revolta: que é a adesão ao próprio contravalor. Não é a preferência por um valor menor ou mais
imperfeito, mas ao próprio contravalor. O caso extremo do revoltado
é o suicida.
A revolta é a mais difícil situação com que se depara o educado porque representa uma desistência
da busca do valor. O revoltado quer instaurar o contravalor:
quer sujar os muros limpos, quebrar os objetos úteis, danificar as obras de arte, ofender as pessoas,
desrespeitar o sagrado. Para superar esse procedimento não
vão bastar a coibição, a punição, a instauração de novos hábitos, mas as buscas das causas da
revolta, os motivos que a fizeram aparecer.
A simples tendência para as múltiplas manifestações do valor não exige propriamente a liberdade.
Pode haver uma coação, uma determinação mesmo no que diz respeito
aos bens vitais e utilitários. Já no plano da apreensão vai ser necessária a liberdade de opção já que
o resultado dela vai levar o homem ao cumprimento de sua destinação.
Os contravalores que se apresentam como tal são comumente recusados espontaneamente: o
nocivo, o feio, o erro não agradam quase nunca. Não são por si mesmos objetos
de escolha. O seu apelo se faz quando se apresentam como valores, quando mascarados de modo a
confundirem o sujeito que os procura.
A liberdade torna-se fundamental quando a escolha se refere ao bem e ao mal moral, quando se
relaciona com a destinação do homem. Então o nocivo pode ser eleito
por amor e o erro por raiva. Os valores e os contravalores do mundo concreto tornam-se objeto de
uma adesão voluntária e livre com significado numa instância de
realização pessoal. A liberdade é a condição primeira do mérito e da culpa. Há mérito quando na
independência dos múltiplos valores e no conhecimento do mal escolhe-se
o bem. É nessa independência pessoal e nesse conhecimento, axiológico que se exerce a verdadeira
liberdade.
É preciso ainda registrar que a liberdade não ocorre no plano da razão mas no da vontade. De
pouco vale uma educação que vise exclusivamente ao racional, que só
planeje nesse plano, se a apreensão do contravalor se faz no plano da sensibilidade e da vontade.
Não basta fugir do contravalor, mas a meta principal da educação
é levar à opção pelo valor.

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A Educação da Sensibilidade

John Dewey afirmou que "não existe melhor prova de um caráter moral bem formado que o
conhecimento que se tem de quando se tem que levantar ou não a questão moral.
Isso implica sensibilidade para com os valores o que é sinal de personalidade bem equilibrada".¹
Suas palavras mostram, numa época em que pouca importância dava-se a esse aspecto, uma
preocupação com a educação da sensibilidade para a apreensão dos valores.
Psicólogos como Benjamin Bloom, David Krathwohl e Masia Bertram, na sua Taxionomia de
Objetivos Educacionais, demonstram também a mesma preocupação quanto à educação
do comportamento afetivo e com a distinção entre os processos cognitivos das áreas intelectiva e
afetiva.²
Percebe-se que o simples desenvolvimento de objetivos intelectivos não leva ao correspondente
desenvolvimento dos comportamentos afetivos adequados. A educação
dos comportamentos afetivos exige, ao que parece, experiências de aprendizagem específicas.
Essas considerações levam à exigência da busca de processos que promovam a educação da
sensibilidade de modo a torná-la capaz de

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distinguir e buscar os valores adequados para o crescimento do homem enquanto pessoa.


Na tradição helênica eram duas as espécies de conhecimento, a sensível e a racional. A
sensibilidade era considerada não sob o aspecto afetivo, mas sensorial.
Era vista muitas vezes como nociva e degradante.
É pela sensibilidade, entendida como sensação para os valores materiais e como sentimento,
afetividade ou intuição emocional para os valores espirituais, que vai
o ser humano distinguir e apreender os valores.
O termo "sentimento" como termo análogo pode significar um estado afetivo estático, mas
também um processo cognitivo dinâmico que leva ao conhecimento do valor.
A sensibilidade permite que a tendência para o valor o distinga e o apreenda no concreto. Por meio
dela percebem-se os diferentes odores e sabores valorizando-os
diferentemente e ao mesmo tempo apreende-se o belo, o bom, o justo e os estados afetivos alheios.
Há, portanto, dois aspectos sob os quais pode a sensibilidade ser estudada: o estático, que a estuda
como um estado afetivo, como uma vivência psíquica, e o segundo,
dinâmico, que a entende como processo cognitivo, que assim como a intencionalidade interfere e
modifica o conhecimento afetivo.
Por meio dela conhece-se o valor situado no concreto, por meio dela ocorre o encontro da
capacidade do sujeito para apreender o valor do objeto oferecido ao sujeito.
À capacidade para apreender o valor chama-se tendência que resulta da privação e que faz com que
se busque o valor já conhecido por uma experiência negativa.
O sentimento será pois a experiência que resulta desse encontro: prazer, dor, alegria e tristeza e o
processo cognitivo que faz com que essa tendência se revista
de determinada tonalidade afetiva: o conhecimento feito com tristeza ou com dor é diferente
daquele feito com prazer ou alegria.
A ausência de um dos dois elementos do processo, o sentimento e o valor como condições
subjetiva e objetiva, resulta num não-valor, em algo que não é reconhecido
pelo sujeito por não valer para ele ou por não ter objetivamente valor.
A falta da condição subjetiva pode ocorrer pela inatenção espontânea ou pela recusa. A inatenção
espontânea decorre da inexperiência que faz com que o valor não
seja percebido pelo sujeito; e a recusa, das várias razões que o levam a não querer ver o valor.
Nesse sentido, diz-se que o pior cego é o que não quer ver. O não-exercício
da tendência, seja por incapacidade atual nascida das circunstâncias como sono ou distração ou pela
dominância de uma tendência sobre a outra, cria

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em geral um estado de cegueira para com o valor objetivo. É portanto necessário o conhecimento
das condições do educando para a apreensão do valor e a promoção das
situações para o exercício da sensibilidade e para o conhecimento do próprio sentimento. É pela
experiência e não pelo conhecimento teórico que se conhecem os valores.
O educador não pode limitar-se ao conhecimento das idéias, ao ensino da teoria, mas deve ainda
promover a experiência dos valores adequados ao desenvolvimento do
educando.
Antes da experiência positiva que leva ao reconhecimento do valor já existe a experiência da
carência axiológica que impulsiona a tendência para o valor. Não há,
no entanto, a experiência do valor, mas a da falta do valor. É o que se pode chamar de experiência
negativa. É então bastante compreensível o erro na busca do valor
já que não se tem propriamente o conhecimento do que se deseja. O sentimento como intuição
emocional para a procura de algo de que se necessita, mas que não se conhece
plenamente, quando o apreende corre o risco do erro e mesmo quando não apreende o valor
esperado encontra-o limitado pelo ser que o suporta, frustrando-se em parte
a sua expectativa. Encontra sempre junto com o valor o não-valor e mesmo o contravalor. O
educando deve ter conhecimento desse fato para que aprenda a distinguir
os valores.
O encontro do puro ser que é não-valor, de um contravalor ou de outro valor que não o esperado,
causa decepção pela não-satisfação do objetivo da tendência, resultando
num sentimento negativo que se manifesta não apenas como estado afetivo, mas como processo
cognitivo para outros valores. As experiências negativas causam não apenas
desprazer e tristeza mas, o que é de certo modo mais grave, fazem com que se veja os próximos
conhecimentos de maneira negativa.
Essa consciência de insuficiência abala o sentimento e explica a espécie de insegurança que
acompanha o homem. Daí o intelectualismo querer ver no sentimento um
sinal da imperfeição humana a ser superado.
Todo sentimento, por esse motivo, comporta no seu aspecto subjetivo uma parte de sofrimento
espiritual resultante da insatisfação, da falta de plenitude na apreensão
do valor. Resta sempre a impressão de que o valor para preencher plenamente a carência deveria ser
maior. Tal constatação remete ao problema da destinação humana
para uma plenitude que não é nunca obtida nesta vida.
A afetividade com relação à sua destinação para os diferentes valores comporta-se diferentemente.
A experiência do valor vital leva ao prazer e à dor, e o sentimento
como experiência do valor espiritual, que não se constitui apenas do prazer, mas do que o engloba
em proporções infinitamente variáveis, resulta do encontro do subjetivo
e do objetivo e não apenas do subjetivo.

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A alegria e a tristeza representam o prazer e a dor da afetividade espiritual. Têm um sentido
axiológico. Necessitam do encontro com o valor situado. Não expressam
simples estados subjetivos.
Deixando-se de lado o valor e considerando-se apenas o pólo subjetivo, alegria e tristeza não são
mais sentimentos, mas características da personalidade do sujeito.
São antes modos de ser do que estados afetivos. Decorrem da organização de valores que
expressam a personalidade.
A alegria e a tristeza são sempre a experiência de um certo valor. São o pólo subjetivo de um
sentimento, enquanto que o pólo objetivo é a experiência do valor.
Embora não se possa interferir no pólo subjetivo (cada um vivencia o valor a seu modo ), pode-se
cuidar para que, do ponto de vista objetivo, sejam proporcionados
ao educando valores positivos que possam normalmente causar alegria e satisfação. Só por
morbidez ou maldade podem-se entender espetáculos e diversões que apresentem
valores negativos que levem ao medo, à dor ou à tristeza crianças e adolescentes que não saibam
ainda distingui-los da própria realidade da vida.
Experimenta-se não apenas alegria ou tristeza, mas o belo, o bom, o sagrado etc., e tem-se o
sentimento estético, o ético, o religioso, o de admiração, o de respeito
etc.
Pode-se ter a percepção das cores e das formas da figura de um quadro, conhecer racionalmente o
objetivo como sendo um quadro, mas a experiência de sua beleza
não é mais feita nem com a percepção sensorial nem com idéias e raciocínios, mas com o
sentimento estético, e esse sentimento, embora exija a percepção anterior,
não se confunde com ele.
o conhecimento do valor se distingue portanto do conhecimento dos entes. É um conhecimento
que advém da experiência do valor. Para que haja experiência são necessários
o objeto e o discernimento e é essa unidade que faz o sentimento. Por meio dele revela-se o valor a
um sujeito.
O riso e as lágrimas são testemunhas de que um valor manifestou-se, apareceu ou desapareceu.
São a linguagem da afetividade. É uma linguagem afetiva que corre
paralela à linguagem racional. A linguagem afetiva precede a racional. Mesmo antes de comunicar-
se pela palavra, a criança manifesta sua decepção e seu desagrado
frente aos contravalores vitais chorando, gritando, gemendo e à medida que passa a apreender os
contravalores espirituais vai dar-lhes prioridade na sua expressão
emocional.
A linguagem afetiva vai ter uma dupla função: precisar o sentimento para o próprio sujeito e
manifestá-lo ao outro. O homem de início chora, ri, e fala para si
mesmo como que num processo de

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autoconhecimento. A criança muitas vezes quer ouvir-se a si mesma e sentir-se a si mesma. Só


posteriormente o ser humano usa a linguagem afetiva para a comunicação com
o outro. Só pode transmitir ao outro o conteúdo da própria consciência depois de conhecer-se cada
um a si mesmo. A dor profunda só é experimentada sem lágrimas depois
de longa experiência.
No entanto, a linguagem afetiva não é somente um efeito do sentimento, mas faz parte da
experiência axiológica e com ela constitui uma única subjetividade.
Pode-se estudar a vida afetiva focalizando seus diferentes aspectos segundo diversas
classificações.
Y. Gobry , na sua magistral obra De la Valeur, apresenta uma das classificação para os sentimentos
como processos cognitivos e para as diferentes manifestações
do valor.¹
Os valores podem ser analisados quanto à:

*especificidade dos valores;


*força do valor na sua revelação à consciência;
*plenitude do valor conforme esteja ou não mesclado de contra valor;
*exigência do valor conforme reclame ou não uma instauração

Os sentimentos manifestam-se pela

Modalidade:

desejo............utilidade
admiração.........beleza
curiosidade.......verdade
boa consciência...bem

Intensidade:

sentimento.......valor habitual
emoção...........valor ocasional

Pureza:

alegria..........valor suficiente
tristeza.........valor insuficiente

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Eficácia:

amor.............eleição de um valor
ódio.............eleição de um contravalor

O sentimento vai freqüentemente começar diversamente do juízo, ampliando ou diminuindo sua


conclusão, modificando-a ou deturpando-a.¹
A especificidade do valor produz a modalidade da afetividade. O sentimento é diferente conforme
o valor que encontra: a utilidade é conhecida pelo desejo, que
não é apenas uma tendência sem objeto. A verdade é conhecida pela curiosidade. Esse sentimento
pode dirigir-se para a verdade necessária ou para a supérflua. No
primeiro caso, levará ao conhecimento sadio, à ciência, enquanto que no segundo, ao desrespeito,
ao vício-mas o sentimento é o mesmo e de difícil distinção. O homem
é insaciável quanto à verdade e sua curiosidade ilimitada. A curiosidade pode ser deturpada quando
tiver outra finalidade que a própria verdade. A falta de curiosidade
pode ocorrer por uma limitação intelectual ou por um impedimento temporário. A causa da falta de
curiosidade na criança ou no adolescente deve ser investigada, já
que dificulta de modo significativo sua aprendizagem. A beleza é conhecida pela admiração e é
contemplada no sensível. A admiração é o sentimento que se tem pelo
que é sensivelmente belo. A beleza, seja ela espontânea ou instaurada, é admirável, ou seja, digna
de ser contemplada. Não se deseja o belo, deseja-se o que de algum
modo pode ser útil. Admira-se o belo. A admiração não leva necessariamente ao sentimento de
posse. Pode-se visitar um museu sem desejar adquiri-lo. A criança que
ainda não distingue o belo deseja mais do que admira. Por isso quer sempre apossar-se de tudo. À
medida em que o homem sente menos carência mais é capaz de admirar
sem desejar. A curiosidade também não se confunde com a admiração, pois, enquanto a primeira é
dinâmica e leva à busca da verdade, ao conhecimento, a segunda é estática,
limitando-se à contemplação.
O bem não é conhecido por nenhum conhecimento específico. Usa-se o termo boa consciência.
Bom senso. O conhecimento do bem ao mesmo tempo que tem um lado agradável,
pelo valor que promete, tem um outro doloroso, pelo que exige de renúncia, pela exigência de
rejeição dos contravalores que o impedem de existir. Há, pois, a necessidade
da educação moral, que é bem mais do que a imposição e constrangimento, repressão, mas um
despertar a sensibilidade para o valor do bem.

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A exigência ética é não somente de não fazer o mal, mas de ter que fazer o bem.
O bem apresenta-se de modo ambíguo, variando de acordo com as circunstâncias, não sendo
conhecido por um sentimento específico. É agradável por um aspecto e penoso
por outro. O útil, o verdadeiro e o belo são de imediato agradáveis e são apreendidos por um
sentimento próprio. O bem, por ter como oposição a atração pelo mal,
não é tão claramente conhecido nem exerce um apelo tão nítido. Enquanto apenas proposto, o bem
não é conhecido como um real valor. Só quando realmente efetuado é
ele conhecido em toda a sua dimensão específica de valor. Só então surge a boa consciência, que
não é apenas consciência do bem a fazer, a contemplação do bem, mas
do bem que vai ser feito e é realmente feito. Do mesmo modo, o mal só aparece como contravalor
quando realizado. A má consciência traz como conseqüência o arrependimento,
a vergonha, o remorso, e se constitui numa revelação do bem porque é a denúncia da impostura do
mal. A boa e a má consciência são decorrências do ato de apreciar
que discerne o bem e que leva à justa experiência da alegria do bem e da tristeza do mal.
A formação da boa consciência passa pela experiência do bem e pelo discernimento que exige a
reflexão. O processo da educação deverá portanto ser pródigo em experiências
do "bem" e na promoção da reflexão sobre questões que envolvam a problemática do bem e do mal.
O sagrado é conhecido pelo respeito. Não há sagrado espontâneo. A natureza é sempre
considerada como profana. O sagrado é o divino e a pessoa pela sua participação
e destinação ao divino. As outras realidades tornam-se sagradas por instauração do valor. A pessoa,
no entanto, aparece sempre recoberta por uma personalidade que
a deforma e diminui e as coisas tornam-se sagradas por uma decisão arbitrária e convencional e,
portanto, discutível. O valor do sagrado nas pessoas e nas coisas
só é então reconhecido e admitido graças à educação.
O sentimento do respeito não é espontâneo. Forma-se pela maturação e pela reflexão.
O valor se manifesta em diferentes níveis de intensidade, que vão corresponder a diferentes
tonalidades de sentimento. Especialmente a beleza e o bem, por serem
mais condicionados pelo concreto, revestem as nuances mais variadas: a beleza apresenta-se como
o encantador, o gracioso, o bonito, o elegante, o grandioso, o sublime,
demonstrando variações de tonalidade afetivas; e o bem, pelas diversas formas de má consciência
que expressam a experiência do contravalor moral.
A força do valor, a importância que representa, produz a intensidade da afetividade. Por força do
valor não se vai aqui entender sua importância real com relação
às necessidades da pessoa mas o abalo afetivo que naquela personalidade e naquela circunstância
vai causar.

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Esta intensidade vai determinar a distinção entre duas espécies de atos afetivos: o sentimento e a
emoção. Embora outras teorias da psicologia expliquem diversamente
esses fenômenos, pode-se entender a intensidade dos estados afetivos como sendo proporcional à
tomada de consciência que o sujeito faz do valor. O mesmo fenômeno
pode causar, dependendo das circunstâncias, no mesmo indivíduo, um sentimento ou uma emoção.
A intensidade da emoção depende de dois fatores da sensibilidade: da
capacidade de tender para o objeto com maior ou menor força e do nível de correspondência do
valor encontrado. Afirma Gobry que "a própria capacidade tendencial
cujas diferenças permitem a variedade dos caracteres é indefinidamente transformável porque sua
receptividade cresce ou diminui com o exercício e, do mesmo modo,
o valor se oferece com mais ou menos encantos e mais ou menos prontidão".¹
Ao admitir-se tal afirmação está-se admitindo também a possibilidade de uma educação como
condução, como transformação da sensibilidade. É possível despertar e
exercitar a sensibilidade e ensiná-la a reconhecer e distinguir os valores.
A emoção, como o resultado do encontro brusco com o valor, seja ele positivo ou negativo, só
pode ocorrer depois de uma certa sensibilização ao valor. Ela representa
uma amplificação do sentimento pelo impacto causado pelo brusco encontro com o valor. O
sentimento ocorre quando o sujeito se habitua ao valor e assim lida com ele
com mais facilidade. Alegria, tristeza, prazer e dor são sentimentos que resultam de um constante
encontro com o valor ou contravalor. A emoção, ao contrário, não
conta com o hábito. É o resultado do encontro com o valor inesperado, mas, como já se viu,
depende também da educação. A ausência da sensibilização ao valor vai
fazer com que o sujeito não se emocione por não reconhecer o valor quando aparece. Nesse sentido,
pode-se dizer que o ineducado não adquiriu a capacidade de emocionar-se.
Depara-se com os valores e não os reconhece ou nega-lhes o valor. O deseducado é o ser que
perdeu a capacidade de emocionar-se diante dos valores. Não se emociona
com a vida, com a morte, com a justiça, nem com a beleza nem com a pessoa do outro.
O sentimento tem a função de manter a experiência do valor através do hábito. O hábito tem
portanto um papel fundamental na educação ao manter o interesse pelo
valor. O sentimento vai permitir um contato com o valor sem deixá-lo degradar-se, sem que se
torne para o sujeito um não-valor. O hábito será o que facilita a apreensão
do valor e não o que lhe tira o interesse.

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O sentimento dá continuidade à busca do valor, não deixa que se esterilize, que perca o apelo que
exerce.
Tanto o sentimento quanto a emoção podem ocorrer com qualquer tipo de valor e apresentarem-se
como positivos ou negativos.
É comum, no nível do vital, a emoção negativa do medo, que ocorre quando do encontro com o
desconhecido ou inesperado que põe em risco o sujeito.
A sensibilidade começa a ser educada antes da razão. A criança reconhece o agradável, o belo e o
bom antes de formar idéias gerais. Reconhece especialmente o valor
econômico talvez por corresponder a uma necessidade mais primitiva, e mostra-se sempre satisfeita
por receber um presente. Qualquer que seja o valor econômico do
presente, ele sempre agrada por satisfazer ao sentimento de propriedade.
O valor do bem é, com freqüência, apreendido por um sentimento negativo pela dificuldade em
satisfazer plenamente. Há, em geral, uma nostalgia do bem que parece
sempre maior do que o apreendido, um desgosto pela própria mediocridade. É um sentimento que
se diversifica em inúmeras tonalidades, de acordo com as várias virtudes
que procura. O sujeito moral constata suas carências com um certo sofrimento interior, que
constitui ele próprio um modo de apreender o valor do bem como algo a
ser instaurado em si mesmo. Ao contrário, essa virtude aparece no outro, ou é transmitida pela ação
do sujeito, tornando-o apto a todas as emoções morais, trazendo-lhe
satisfação. Há portanto uma diferença entre o moralista, o que analisa e cataloga as ações éticas
com a razão e o sujeito moral que procura o valor do bem em si
e no outro e procura instaurá-lo para atingir a própria plenitude. O bem aparece de início na pessoa
do outro como realidade concreta. Na infância, aparece nos pais
e nos mestres, nos que com ela lidam. O bem não é contemplado do mesmo modo que a verdade e a
beleza. Ele se manifesta pelas pessoas nas quais se encontra. Essas
pessoas que instalaram em si mesmas o valor moral apresentam-se ao educando como modelos a
serem seguidos. Deve-se sempre lembrar que os conhecimentos axiológicos
são obtidos pela experiência do valor.
A maior lição moral que o outro pode oferecer não é o enunciado de princípios e preceitos, mas o
exemplo de sua própria existência transformada pelo bem. Aí começa
a verdadeira experiência moral, que é o discernimento de um valor numa personalidade.
Ao mesmo tempo em que o sentimento moral manifesta ao sujeito o mais subjetivo dos valores é o
mais objetivo por traduzir a instauração interior do bem. O sentimento
moral apreende o valor no sujeito pondo o mais possível entre parênteses o próprio sujeito.
A plenitude do valor produz a pureza da afetividade. Por plenitude vai-se entender a capacidade
que tem o valor para preencher a

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carência do sujeito. A afetividade será pura na medida em que o sujeito for capaz de discernir no
valor a suficiência que vai preencher a sua falta.
O resultado da pureza no sentimento é a alegria e o seu contrário é a tristeza que mostra a
insuficiência do valor. A alegria não é um sinal da quantidade do valor,
mas da sua qualidade; do mesmo modo, a tristeza não resulta da privação dos valores em geral, mas
do valor que responde à sua tendência mais fundamental. É o porquê
da alegria ser tão maior quanto mais o sentimento corresponda a um valor mais desejado. Deste
ponto de vista, é preciso distinguir dois tipos de alegria: um mais
profundo e duradouro, que traduz a instauração do valor pessoal, e outro de tipo mais superficial e
circunstancial, que resulta do encontro dos valores concretos.
A alegria concreta decorre da apreensão do objetivo mesmo sendo este interior. Exige a
continuidade da apreensão do objeto. Se a beleza acaba ou se paira uma dúvida
sobre algo que tem como verdade, a alegria se reduz imediatamente.
Na verdade, a alegria advinda do encontro com os valores no concreto deveria ser expressada no
plural. A apreensão dos valores no concreto traz mais alegria do
que a alegria. A alegria considerada em si mesma se desenvolve na subjetividade e advém da
instauração do valor no próprio sujeito. É uma alegria que persiste mesmo
com a perda dos valores secundários. Pode-se então distinguir alegria e prazer espiritual, tristeza e
sofrimento espiritual. Nesse sentido, a alegria supera todos
os sofrimentos. Essa alegria aproxima o sujeito do próximo porque o seu valor pessoal o arranca
das preocupações vitais e econômicas e o faz sair da própria subjetividade
já que, satisfeito, volta-se mais facilmente para o "outro".
Um processo de educação que conseguisse valorizar a pessoa a ponto de fazê-la viver a alegria do
próprio valor seria a maior garantia contra eventuais dificuldades
emocionais trazidas pela vida e o melhor meio de levá-la a aceitar o outro como pessoa.
A exigência do valor leva à eficácia do sentimento. A eficácia é medida pelo amor. O amor confere
um valor à realidade assim como o ódio lhe confere um contravalor.
O amor não constata nem aprova o valor, mas o amplia ou diminui; o instaura ou retira. O amor vai
transformar o seu objeto em valor. Faz assim surgir o valor no
objeto amado e o não-valor em tudo aquilo que se distingue desse objeto.
Diferentemente do valor estético, que é admirado porque belo, o amor não apenas escolhe entre
valor e não-valor mas o ama independentemente de suas características.
É possível amar o feio, o mau, o ignorante. O amor tem o poder de reverter, de alterar a escala de
valores. Pode-se preferir o valor inferior ao superior e deixar
na indiferença o que deveria ser preferido. A causa de todas as corrupções que atingem

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a ordem axiológica não é a indiferença mas o amor aos contravalores. O amor portanto não faz a
verdade, pois nada passa a ser verdadeiro simplesmente porque é amado.
O julgamento de valor ocorre na instância racional e não na afetiva. Essa distinção, da maior
importância na educação, deve ser objeto de reflexão desde cedo. O
amor pode tornar valor qualquer objeto, independentemente do seu valor enquanto verdade. A
hierarquia de valores não é arbitrária. O amor é que pode ser justo ou
injusto, conforme se dirija a valores ou a contravalores. Não é o amor que, como sentimento,
discerne a espécie ou a plenitude do valor, mas sim o que retém o valor
conveniente ao sujeito. Embora haja valores convenientes ao sujeito enquanto pessoa, outros há que
só convêm a determinadas personalidades. Cada sujeito é singular.
É o amor que mostra ser o valor conveniente para aquele sujeito e que o retém ao longo dos
tempos. O amor, sendo escolha e não necessidade, pode eleger tanto o conveniente
como o inconveniente. Segundo a retidão de sua escolha, o amor pode ser fonte de justiça ou de
injustiça, porque a virtude da justiça não começa na relação com o
outro mas em relação a si mesmo.
A justiça e a injustiça do amor podem ocorrer tanto no plano da pessoa quanto no da
personalidade. No plano da pessoa, a justiça consiste em preferir tanto em
si mesmo quanto no outro a pessoa à personalidade, em dar preferência à instauração do valor
pessoal aos outros valores. Realmente é indício de educação dar sempre
prevalência ao valor pessoal tanto em si como no próximo. O educado é alguém que respeita os
direitos inalienáveis: o direito à vida, ao exercício da razão, ao livre-arbítrio
e à afetividade. No plano da personalidade, a justiça consiste em respeitar a hierarquia dos valores
na construção da própria personalidade e na personalidade alheia.
O amor é algo sempre ligado à instauração do valor, mas essa instauração é conseqüência de sua
escolha e, por esse motivo, representa sempre uma exigência. O caráter
essencial do amor, no entanto, é a experiência que o leva a distinguir e a eleger.
Pode-se, então, fazer uma distinção entre o amor afetivo e o amor efetivo. O afetivo assume a
função essencial do amor, que é a de conferir um valor especial a
alguém ou a alguma coisa pela preferência, pela distinção, o efetivo vai instaurar o valor de acordo
com essa preferência.
O ódio seria a preferência por um contravalor.
A liberdade se exerce entre os valores competitivos. Se o amor escolhe um é porque é livre. Ele
arbitra entre os diversos valores de modo justo ou injusto. Entram
então os juízos de valor direcionando a intenção da vontade. Somente aí pode-se falar propriamente
de amor, porque a ação involuntária é sem amor, porque não escolhe
o objeto para o qual tende.

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É o amor que imprime dinamismo ao sentimento e o faz cognitivo. Pelo amor, e pela interferência
da ação da vontade, o sentimento torna-se livre e capaz de passar
à ação. Essa capacidade, no entanto, só se torna efetiva com a intervenção da vontade. O
sentimento precede a vontade na eleição dos valores, mas é a vontade que
o faz efetivamente, pelo amor, tender para eles.
A vontade, ao contrário do que pode parecer, não anula o sentimento, não é contrária a ele, mas o
reforça e o faz passar para a ação conferindo-lhe eficácia.
Do ângulo do educador, resulta a necessidade de, juntamente com a educação do sentimento,
promover uma educação da vontade pela reflexão e pelo exercício.
O sentimento conhece os valores e a vontade o conduz para eles, ambos constituindo um
complexo efetivo no terreno da ação livre. Pela sua própria natureza, o sentimento
não é ativo: é conhecimento do valor; por sua própria natureza, a vontade não é cognitiva: é decisão
livre por um valor. A união do sentimento e da vontade é feita
pelo amor. O amor é afetivo na sua origem e voluntário na sua ação, já que é livre. A liberdade se
efetua pelo sentimento e a vontade se exerce sob a força motriz
do amor.
A instauração do valor é feita pela vontade. De pouco adianta o sentimento distinguir-lhe e eleger
valores se a vontade não os situar como seus objetivos e instaurá-los
no real.
Pelo poder de eleger os valores introduz-se na consciência o arbitrário. O sujeito pode adotar por
valor absoluto um valor relativo ou um inferior por um superior
ou preferir a personalidade à pessoa, exercendo uma primeira forma de vontade, a volição, como
puro ato de eleição interior. Embora esse ato não instaure nenhuma
espécie de valor no mundo concreto, instaura uma certa ordem nos valores da consciência de modo
a estabelecer-se uma correlação entre o que se pensa e o que se é.
O instaurador nessa ordem íntima tem consciência da justiça ou da injustiça da instauração do
valor sem que haja ainda propriamente erro. O erro resulta da inexperiência
e da obstinação.
A inexperiência faz com que se eleja o valor como o melhor, segundo as necessidades do
momento, como por exemplo a criança que troca o seu relógio por uma bolinha
de gude, ou o ignorante que troca um objeto de valor artístico por uma bugiganga de pouco preço.
O desejo é então comandado pela atração imediata, sem a avaliação
da razão. Só a experiência previne contra esse tipo de escolha; quanto maior ela for, mais a escolha
é racional e responsável.
O amor é tardio porque se apóia em valores experimentados. Na criança ele não existe
propriamente como tal pela falta de experiência. O amor verdadeiro é um amor
consciente, que focaliza o objeto de sua escolha na hierarquia dos valores.

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O erro pode ocorrer ainda por obstinação. Esse seria o erro por excelência que não resulta da
inexperiência ou do hábito, mas de um juízo, da insistência na instauração
do contravalor com conhecimento de causa.
Pode ainda ocorrer a experiência contraditória que é a do amor-apego, que destrói a liberdade e
leva à obstinação. O amor injusto, rejeitando os valores que experimenta,
deixa de os experimentar. O valor, para ser querido, necessita de uma afetividade viva e não apenas
de lembranças. Os valores, ou por terem sido evitados quando
podiam ser experimentados ou por terem sido esquecidos porque não mais experimentados, deixam
de ser reconhecidos podendo ser substituídos por valores inferiores
que tenham sido objetos da experiência. Essa constatação mostra a importância da experiência certa
no tempo certo. Passado o momento adequado, em geral não se reconhece
mais o valor, ou por superação ou por acomodação. Como oferecer ao educando as oportunidades
de experiência dos valores adequados nos momentos exatos é preocupação
fundamental dos que se dedicam à educação. O amor, seja justo ou injusto, é o instrumento que
constrói e que regula a ordem íntima dos valores, e toda a educação
acaba por formar em si e no outro a justiça no amor.
Diz J. Dewey que "o hábito abrange, em outras palavras, a própria formação do desejo, da
intenção, da escolha e da disposição que dá ao ato na sua qualidade voluntária".¹
A educação da sensibilidade afetiva é também a preocupação dos psicólogos Benjamin Bloom,
David Krathwohl e Masia Bertram, manifestada em sua obra Taxionomia de
Objetivos Educacionais-Domínio Afetivo.²
Defendem a teoria de que os comportamentos afetivos só se desenvolvem quando são
proporcionadas experiências de aprendizagem (apropriadas para a área e não por
meio do desenvolvimento cognitivo). Citam, inclusive, a pesquisa resumida por Jacob (Phillip
E.Changing Values in College. New York: Harpes, 1957), que sustenta
que, "sob algumas condições, o desenvolvimento de comportamentos cognitivos pode
verdadeiramente destruir certos comportamentos afetivos desejados e que, em vez
de uma relação positiva entre o crescimento em comportamento cognitivo e afetivo, é concebível
que possa haver uma relação inversa entre crescimento nos dois domínios.
Por exemplo, é inteiramente possível que muitos cursos de literatura incutam
conhecimento

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da história da literatura enquanto ao mesmo tempo produzam, se não uma aversão, pelo menos um
nível mais baixo de interesse por obras literárias".¹
Sem dúvida o aprendizado da música ou de eletrônica podem, desenvolvendo os conhecimentos
técnicos, diminuir a capacidade da emoção artística em vez de aumentá-la.
Conhecimento de doutrina religiosa não desenvolve por si só o espírito religioso nem a fé do
indivíduo.
Diante de tal constatação, os psicólogos citados procuram um processo que leve à educação da
afetividade ao mesmo tempo em que proporcione critérios seguros de
avaliação dos resultados obtidos.
Admitem que o processo de internalização do valor começa quando ele é captado como tal e
diferenciado de outros fenômenos no campo perceptual. Com a diferenciação,
surge a procura do valor e à medida em que lhe agrega significação emocional, vem a sua
valorização. Nesse processo ocorre o relacionamento do fenômeno com outros
similares e a resposta em forma de opção. Finalmente os valores seriam inter-relacionados dando
origem a uma específica visão do mundo, direcionadora de atitudes
da vida, que pode ser compreendida como uma forma de educação.
O processo de internalização representa uma modificação contínua do comportamento que vai da
discriminação do valor à sua aceitação e à sistematização de uma escala
de valores que direcione todas as atitudes da vida.
Segundo a taxionomia apresentada por Bloom, esse processo se desenvolve nas seguinte fases:

1º-Acolhimento (percepção, disposição para receber, atenção controlada ou seletiva).

2º-Resposta (aquiescência na resposta, disposição para responder, satisfação na resposta).

3º-Valorização (aceitação de um valor, preferência por um valor, convicção).


4º-Organização (conceitualização de um valor, organização de um sistema de valores).

5º-Caracterização por um valor ou sistemas de valores (direção generalizada, caracterização).

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Cada uma destas etapas inclui uma série de significações que o conceito de internalização parece
desenvolver adequadamente. À medida que a internalização progride,
o educando presta atenção aos fenômenos, responde a eles, valoriza-os e conceitua-os, acabando
por organizar seus valores num complexo que vai caracterizar todo
o seu modo de viver. Esse processo, embora se desenvolva a partir da experiência, desemboca na
conceituação teórica como desenvolvimento do que se pode designar
como consciência ou superego.
Os autores citados mostram com muita propriedade que a tentativa de analisar separadamente a
área afetiva da cognitiva não significa que haja uma separação fundamental
entre elas. O comportamento resulta de uma motivação emocional-cognitiva na qual não é possível
uma real distinção. Apenas para efeito de análise podem-se separar
com nitidez essas áreas que respondem pelo comportamento humano.
Embora a avaliação dos resultados seja sempre extremamente difícil, na área afetiva é ainda mais
do que na cognitiva, constituindo-se num desafio para o educador.
Parece fora de dúvida, no entanto, que começa com o reconhecimento do valor, prolonga-se na sua
compreensão, valorização e estende-se pela aplicação prática do conhecimento,
que compreende a habilidade na análise das situações e sua utilização.
O processo do conhecimento afetivo começa com a aquiescência, a aceitação, inicialmente
passiva, dos valores propostos e prolonga-se através de uma atenção a eles
cada vez mais ativa. Continua na resposta tanto pela boa disposiçãO em responder como na
satisfação que deve proporcionar. A boa aprendizagem nessa instância manifesta-se
pela satisfação da resposta. O processo segue pela valorização do fenômeno ou atividade suporte do
valor, de modo que voluntariamente o procure, e finaliza pela
conceituação de cada valor a que é sensível e pela organização desse valores num sistema que
caracterize o modo de ser e de agir do indivíduo.
A aprendizagem na área cognitiva pode desencadear um processo na área afetiva e vice-versa.
Modificações na área cognitiva podem servir como meio para modificações
na área afetiva.
Conhecimentos podem motivar mudanças de comportamento tanto quanto experiências afetivas
podem desencadear o interesse intelectual e o desenvolvimento cognitivo.

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A questão da hierarquia dos valores

De toda a reflexão até aqui desenvolvida chega-se a que o núcleo da questão está na opção por
uma escala de valores.
Essa opção depende, evidentemente, da escolha de um referencial que a possa justificar.
Inúmeras são as propostas de escalas de valores apresentadas pelos pensadores, decorrentes de
diferentes concepções, que vão de uma antropologia naturalista, que
vê o espírito como simples derivação da natureza, como a de Freud, por exemplo, até as
espiritualistas, que consideram a matéria como mal, como contravalor, como
por exemplo a de Platão.
Não cabe aqui arrolá-las todas, mas apenas mostrar a correlação que guardam com determinados
princípios de referência.
Há classificações bastante conhecidas, como a de Münsterberg, que divide os valores em vitais e
culturais, com subdivisões que chegam a vinte e quatro espécies
de valores.
A de Rickert classifica os valores segundo as categorias de peso soa x coisa; atividade x
contemplação; social x associal, todas centralizadas no conceito de perfeição.
J. Hessen¹ classifica os valores sob o ponto de vista formal e material.

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Do ponto de vista formal dividem-se eles em:

1. Positivos e negativos-valor e contravalor.


2. Das pessoas e das coisas-valores pessoais e reais.
3. Em si mesmos ou autônomos; derivados de outros ou dependentes e valores irradiantes.

Do ponto de vista material referindo-se ao sujeito humano:

1. Valores sensíveis:

a) o agradável, o prazer
b) os vitais
c) os de utilidade-econômicos

2. Valores espirituais (absoluta e incondicionalmente válidos)

a) valores lógicos
b) valores éticos
c) valores estéticos
d) valores religiosos

No seu modo de ver, pode-se não apenas distinguir os valores uns dos outros, mas ainda
hierarquizá-los conforme preencham mais ou menos as necessidades maiores
e menores da pessoa humana. A ordem axiológica teria por si mesma uma estrutura hierárquica.
Os valores espirituais prevaleceriam sobre os sensíveis; na classe de valores espirituais os
principais seriam os éticos, e os religiosos os mais elevados de todos,
porque seriam os fundamentos dos outros.
A clássica ordem hierárquica de Max Scheler situa os valores de acordo com cinco critérios:
1. Durabilidade: os valores seriam tão mais elevados conforme fosse a sua duração, sendo os
inferiores os mais transitórios e de menor duração, ou seja, os
mais passageiros e mutáveis.
2. Divisibilidade: quanto mais elevados menos divisíveis seriam os valores.
3. Fundamentalidade: o valor que serve de fundamento a outros seria mais elevado do que os que
nele se fundamentassem.
4. Satisfação produzida: os valores seriam tão mais elevados quanto maior a satisfação que
produzissem.
5. Grau de relatividade: os valores podem ser absolutos e relativos; os absolutos seriam os que
existissem para apura

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sensibilidade espiritual do saber preferir e amar. Os que independessem dos sentidos e da vida
orgânica, como os valores morais.

Para Scheler, os valores teriam uma relação hierárquica a priori decorrente da sua própria
essência. O preferir seria um ato especial do conhecimento humano diferente
do julgar. Os juízos de valor dependeriam de uma preferência prévia. O ato de eleger, diferente do
preferir, suporia o conhecimento da superioridade do valor realizando-se
antes do eleger ou do querer. A eleição suporia a ação.
A hierarquia decorrendo da própria essência dos valores seria invariável e independente da
experiência, não podendo ser deduzida logicamente. Resultaria de uma
evidência intuitiva.
A partir desse critério de cinco itens, propõe Scheler uma ordem hierárquica dos valores:

1º-os valores do agradável e do desagradável e que corresponderiam aos estados afetivos do


prazer e da dor sensíveis.
2º-os valores vitais os valores do bem-estar.
3º-os valores espirituais, que seriam apreendidos pelo perceber sentimental e por atos como
preferir, amar e odiar. Dentre eles distinguir-se-iam hierarquicamente
os seguintes valores:

a) os valores do belo e do feio e os demais valores estéticos.


b) os valores do justo e do injusto.
c) os valores do conhecimento da verdade.
d) os valores do santo e do profano-os valores religiosos.

O valor independeria das culturas e das épocas históricas e seria diferente dos bens valiosos.
A posição hierárquica dos valores decorreria portanto da presença do valor e da intuição
emocional que permitiria sua apreensão, pois que a essência do valor apresenta-se
já hierarquizada. Essa hierarquia seria independente das particulares ou individuais. Seria a priori
independendo das experiências valorativas.
A hierarquia dos valores não se confundiria, portanto, com a de indivíduos concretos, classes
sociais ou épocas.
Na intuição emocional dos valores distinguir-se-iam a vivência emocional e o ato de preferir, que
seria logicamente posterior e do qual resultaria a escala ordenada
dos valores. A superioridade de um valor, que adviria da sua própria essência, faria com que fosse
preferido pelo homem.
M. Hartman vai insistir no fato de que a preferência por um valor não é produto de um juízo, mas
de uma intuição axiológica. Haveria

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um sentimento ou faculdade especifica que levaria o homem a preferir valores que não se
confundiria com nenhum outro.
A hierarquia dos valores seria originária dos próprios valores, sendo portanto objetiva e não
proveniente da subjetividade humana.
Siles¹ classifica os valores em econômicos, éticos e estéticos, sendo os econômicos os principais
na ordem hierárquica e os dois outros subalternos. Sua hierarquização
decorre da concepção do mundo proveniente do materialismo dialético.
J. de Finance² toma como referencial para sua hierarquia a relação dos valores para com o sujeito
classificando-os em valores:

a) Infra-humanos
1. de sensibilidade
2. vitais e biológicos

b) Humanos
1. econômicos
2. poéticos
3. estéticos
4. políticos
5. sociais

c) Inframorais

d) Valor moral

e) Valor religioso

É uma hierarquia que se fundamenta numa antropologia que entende o próprio ser humano como
uma escala ascendente de aspectos que vão da animalidade à religiosidade.
Os valores infra-humanos seriam os próprios da animalidade como o prazer e a dor, os humanos os
que se baseiam na razão e na vontade. Os morais os que implicassem
uma relação com o absoluto e os do sagrado no reconhecimento da divindade e na atitude de
respeito e adoração que se manifesta na religião,
O ser humano seria, portanto, capaz de captar o valor de uma realidade e de perceber os diversos
graus dos valores e estabelecer entre eles uma certa escala.
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Baptista Mondin admite dez grupos de valores:

*os valores ônticos, sendo o primeiro deles o ser


*os valores pessoais, sendo o primeiro deles a pessoa humana
*os valores sociais, sendo o primeiro deles a família
*os valores econômicos, sendo o primeiro deles o trabalho
*os valores culturais, sendo o primeiro deles a cultura
*os valores somáticos, sendo o primeiro deles o corpo
*os valores noéticos, sendo o primeiro deles a verdade
*os valores estéticos, sendo o primeiro deles a beleza
*os valores morais, sendo o primeiro deles o bem, a bondade
*os valores religiosos, sendo o primeiro deles o sagrado, o divino

Formar-se-iam em torno de cada um dos principais uma constelação de valores secundários de


modo a constituir-se uma constelação abrangendo uma área bastante ampla
dos valores.
Ortega y Gasset¹ classifica os valores como positivos e negativos. Seriam eles:
Úteis
capaz-incapaz
caro-barato
abundante-escasso
etc.

Vitais
são-enfermo
seleto-vulgar
enérgico-inerte
forte-débil
etc.

Espirituais

Intelectuais:
conhecimento-erro
exato-aproximado
evidente -provável etc.

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Morais:
bom-mau
bondoso-maldoso
justo-injusto
escrupuloso-relaxado
leal-desleal
etc.

Estéticos:
belo-feio
gracioso-tosco
elegante-deselegante
harmônico -desarmônico

Religiosos
santo ou sagrado-profano
divino-demoníaco
supremo-derivado
milagroso-mecânico
etc.

De todas essas considerações, conclui-se que o sentido da vida de um homem é dado pelos
valores. Por meio deles o homem vive plenamente a sua condição humana.
Não se pretendeu aqui fazer uma crítica às diversas classificações e hierarquias, mas apenas
apresentá-las com o fim de promover uma reflexão sobre as dificuldades
dessa questão.
Talvez por ser a axiologia um conhecimento ainda muito pouco desenvolvido não se tenha uma
classificação dos valores que satisfaça plenamente.
Algumas dificuldades ressaltam de modo especial. A primeira estaria ligada à objetividade ou
subjetividade dos valores. Se objetivos, sua hierarquia adviria de
sua própria essência independendo da vontade humana; caso contrário, ela seria diferente e especial
para cada homem.
É extremamente difícil demonstrar a objetividade dos valores. Admiti-los como "qualidades que se
tornam presentes ao sentir intencional" do homem sendo dele independentes
exige uma necessidade e universalidade que não se compreende com facilidade; ao mesmo tempo,
considerá-los subjetivos, como criações humanas, é desvalorizá-los ou
quase mesmo anulá-los em importância para o homem.
A hierarquização dos valores feita por um critério empírico só teria validade particular e temporal.
Seria variável e não universalmente

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válida. Admitindo-se essa variabilidade, a educação tornar-se-ia apenas um processo de adaptação a


uma determinada escala de valores válida num tempo e num espaço que
iria coincidir com a noção de arbitrário cultural apresentada por Bourdieu e Passeron,¹ não tendo
validade universal e perdendo assim sua razão de ser.
O subjetivismo focaliza o processo de valoração, a interferência do homem no processo; o
objetivismo, a importância das qualidades objetivas e a independência
dos valores em relação a ele.
Para as doutrinas subjetivistas, a vivência valorativa cria o valor e não apenas o apreende. Para
uns, seria o prazer; para outros, o interesse; para outros ainda,
seria o desejo a fonte do valor, mas, em resumo, o valor seria sempre uma criação humana,
variando com o tempo, com as culturas e situações.
Para o objetivismo, os valores são independentes dos bens e dos sujeitos que os valoram. São
absolutos e imutáveis. Independem da história humana, das mudanças,
das necessidades, dos desejos e preferências.
Max Scheler em sua Ética condena "toda doutrina que reduza os valores em sua própria essência
aos homens e à sua organização, seja esta psíquica (psicologismo)
ou psicofísica (antropologismo), quer dizer, que pretenda pôr o ser dos valores em relação com o
homem e sua organização".²
O valor apresenta então dois aspectos que devem ser considerados no estabelecimento das
hierarquias: a sua objetividade e a subjetividade humana influindo na sua
apreensão.
O homem, no entanto, não apenas tende para os valores que o podem completar e dos quais sente
necessidade, mas é, ele próprio, em si mesmo, valor. Para determinadas
concepções de antropologia, como a cristã, por exemplo, o homem não é apenas o indivíduo mas
uma pessoa com caráter próprio e, portanto, valor em si mesmo. Não só
tem valores, mas é um valor enquanto pessoa, ser racional, livre, de vida afetiva.
Enquanto indivíduo, é o homem limitado pelo seu corpo, suas necessidades físicas, sua condição
geográfica e histórica, suas circunstâncias, enfim. No entanto,
além de indivíduo, o homem é um ser pessoal com dignidade própria, direitos e deveres.

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A pessoa é o ser capaz de dar sentido às coisas, de valorar e de instaurar o valor. O valor, por outro
lado, é essencial à pessoa. É o que a permite plenificar-se.
A própria existência humana depende da capacidade de valorar e considera-se que a criança passa à
fase adulta quando atinge essa faculdade. Ela existe como pessoa
quando é capaz de conferir significação e assim dar sentido à própria existência.
Do ponto de vista subjetivo, é certo que o homem conhece de início o valor puro e se conhece
negativamente como privado do valor.
O mundo sensível é entendido a princípio como um conjunto de elementos que representam o
valor. Valor, não porque seja diferente ou mesmo contrário ao "eu", mas
porque capaz de valer o suficiente para complementar a pessoa humana. Essa complementação far-
se-ia de diferentes modos mas em diversos graus representando valor
para o homem.
A natureza, no entanto, só vale para o homem na medida em que ele lhe dá um sentido. O homem,
sim, importa sempre para o homem. O "outro", o semelhante, vale por
si mesmo, por ser pessoa e por ser aquele que vai revelar e transmitir os valores.
A natureza representa a estrutura dos valores espontâneos. No entanto, quanto mais decide o
homem sobre a escala de valores, menos são eles naturais.
Na hierarquia a ser constituída sobreleva-se o valor da pessoa e o valor do "outro" enquanto
pessoa.
O outro, enquanto ser humano, enquanto pessoa, é o valor mais importante, fonte de todos os
valores e regulador de qualquer hierarquia que se queira estabelecer.
Não se pode viver sem o outro, valor por si mesmo, vai ele ocupar um lugar primordial em
qualquer escala. Nada mais ofensivo do que olhá-lo como "coisa" destituindo-o
de sua dignidade. Nada pior para o ser humano do que a indiferença, que é o mesmo que negar a
sua humanidade.
O outro pode ser considerado também enquanto ser e será conhecido como idéia deixando-se de
lado o seu valor. Distingue-se portanto o conhecimento do outro como
valor resultado da experiência, do seu conhecimento lógico, como idéia obtida pela razão, já que
faz parte do mundo concreto. No entanto, a idéia de homem não é
o homem, sendo esse tipo de conhecimento insuficiente e incompleto.
É pela experiência da presença do outro que se conhece o valor do homem, o valor da sua
humanidade.
O homem chega, como já se viu, à consciência de si mesmo pelo conhecimento do valor de que se
sente privado. Por meio dele conhece a sua destinação ao valor pleno
e absoluto que torna-se assim o seu referencial para a sistematização dos valores. O conhecimento
do

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outro vem também pelo valor. O outro é portador do valor do qual se tem necessidade. É ele que
possui a bondade, a inteligência, a beleza, a afetividade que se deseja.
No entanto, embora revelando-se pelos valores que carrega, o outro não deixa de significar por si
mesmo e não pela função de ser portador de valores. Nada pode agredi-lo
mais do que negar esse fato e considerá-lo como simples coisa, objeto ou mesmo idéia.
O outro se distingue do mundo exatamente por revelar-se como valor, como alteridade de sujeito e
como mediador do valor para o seu semelhante. Como um ser com
as mesmas características e com a mesma destinação é conhecido como o próximo, o igual, o
semelhante.
A pessoa, sendo mais ou menos valorizada, em nada perde na sua qualificação como tal. A
despersonalização que pode ocorrer em relação à personalidade é impossível
em relação à pessoa. Por esse motivo, o homem sente falta do homem, sendo a ausência de uma
pessoa sentida como privação, como falta de um valor fundamental, embora
se possa apreender ou rejeitar os valores comuns, não se tem domínio sobre o valor que representa
o outro enquanto pessoa.
Ela é sempre autônoma e dona de sua vontade. A sua interioridade manifesta-se exteriormente
sendo conhecida pela presença. A ausência do outro leva ao sentimento
negativo da saudade, porque faz com que se perceba a própria insuficiência de valor.
O sentimento se reforça, quando os valores são compartilhados, deixando a impressão de que a
satisfação diminui quando gozados em solidão.
O sentimento da falta de valor leva à busca do divertimento que consiste na procura de valores
artificiais ou inferiores em substituição aos verdadeiro e adequados.
O outro, além de pessoa, é também uma personalidade, ou seja, um conjunto estruturado de
carências e de valores e, como tal, objeto de experiência e apreensão.
Por personalidade entende-se um conjunto orgânico de carências e de valores espontâneos e
instaurados que constituem o "eu".
Há tantas personalidades quanto indivíduos, porque são múltiplas e diferentes tanto a herança dos
valores espontâneos quanto as circunstâncias da instauração pela
liberdade do "eu" instaurador.
Os temperamentos também interferem na relação com o valor. Um temperamento forte, cheio de
vitalidade vai ser uma força de instauração de valor, assim, um maior
valor vital constitui-se numa força de superação do próprio valor vital e não de dependência e
submissão a ele. Mais saúde, mais vigor físico devem ser usados como
meios de superação do vital para o atingimento de outros níveis de valor. Devem levar a um
aumento de humanidade e não de animalidade o que se constitui em critério
de valor.

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A personalidade engloba então valores e contravalores que se estruturam de modo a fazê-la


original, própria, individual, diferente uma da outra.
Os valores da personalidade devem, no entanto, levar à realização da vocação que é a plenitude
individual da destinação humana. A vocação corresponde à destinação
e o crescimento nos valores da personalidade faz-se pelo engajamento no sensível. O homem se
realiza pela sua ação, pelo seu viver e desse modo corresponde à destinação
de pessoa dotada de vida espiritual. Há sempre a necessidade de opção por valores e ao mesmo
tempo em que essa opção decorre da personalidade, ela forma e constitui
essa mesma personalidade. A hierarquização dos valores depende da personalidade e as escolha
feitas formam a personalidade.
O ser humano se debate entre a perfeição dos valores e o reconhecimento da imperfeição da
personalidade. Ao mesmo tempo em que reconhece que o valor pessoal exige
a tolerância para as falhas da personalidade, busca a perfeição dos valores.
O outro não somente revela o valor pelo que traz mas ainda o contravalor pelo que nega e
prejudica revelando o universo axiológico e sua hierarquização. Ele apresenta-se
ao mesmo tempo como promessa e ameaça, como força e fraqueza, como verdade e erro, como
bondade e maldade. Como fonte de satisfação e de decepção, mas sempre como
ser de referência, como modelo a ser copiado ou refutado. O outro, enquanto personalidade, é
sempre mensageiro do valor ou de contravalor.
Afirma Gobry que "é o outro que no início da existência traz o amor, a alegria e a segurança. Na
infância, o outro é a fonte do valor que, enquanto autoridade
na qual se tem fé, é certeza. Essa segurança da infância, no entanto, não é duradoura. Bem cedo, o
outro torna-se a ocasião das oposições. Se por meio dele conheceu
a bondade é por meio dele que vai conhecer a maldade. Se conheceu o interesse vai conhecer o
desinteresse".¹
No entanto, embora atuando negativamente como contravalor por conta de sua personalidade,
sendo mau, desagradável, prejudicial ou indiferente, seu valor enquanto
pessoa permanece inatingido. O outro, em qualquer circunstância, mesmo representando o
contravalor, continua valendo, continua precioso pela sua dignidade. Por pior
que seja o ser humano ele importa, merece atenção e respeito, não pela sua personalidade,
condenável, mas pela pessoa que também é. A sua carência de valor inquieta,
preocupa e exige que seja preenchida. O infeliz, ou

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por falta de algum valor como saúde e inteligência, ou por ser um instaurador de contravalores,
como o malfeitor, o ladrão, o assassino, continua a valer como homem,
merecendo até mais atenção do que o feliz pela dignidade que tem como pessoa, como valor por si
mesmo.
Torna-se então necessário estabelecer um critério que permita a avaliação do valor. Pode-se
considerar a perenidade e a universidade como tal. Os valores serão
verdadeiros se valerem no tempo e no espaço. A pessoa seria então o valor por excelência já que
sempre válido. A desconsideração, a desvalorização do homem que historicamente
ocorreu é tida como agressão, como violência, como erro, não podendo nunca ser admitida como
possível, como fato natural em determinado período histórico.
Nas coisas encontram-se participações do valor, mas não o valor propriamente dito, que as
ultrapassa de muito. Não se criam, não se inventam os valores. Eles se
situam nas coisas conferindo-lhes uma significação. Não pertencem propriamente às coisas nas
quais se encontram, mas a elas dão dignidade.
A hierarquização dos valores, embora feita pelos juízos de valor depende em grande parte da
personalidade de cada um: naqueles em que a sensibilidade é mais desenvolvida
prepondera o interesse pelo nobre, pelo bom, pelo verdadeiro, sendo exigentes e impacientes com
as falhas humanas. Neles pesa mais a admiração do que o afeto pelos
semelhantes. Admiram o valor que neles se encarna. São pessoas com um menor grau de tolerância,
duras no cotidiano, indiferentes para com o outro, mais voltadas
para si mesmas, desiludindo-se com freqüência ao mesmo tempo em que as mais idealistas. O
próximo passa a ser motivo de desilusão pelo que é, e de insatisfação pela
distância que representa entre o valor ideal e a própria realidade.
Há as que supervalorizam o estético, sobrepondo-o ao ético. As que valorizam o ineditismo, a
novidade, empolgadas pelas inesgotáveis possibilidades de manifestação
do valor. São personalidades que procuram sempre experiências novas, surpresas enriquecedoras.
Outras há que se consagram apenas a um valor maior que deve responder
por todos os seus atos e são rigorosas na hierarquização.
Há aquelas voltadas para as pessoas. As que se interessam acima de tudo pelo valor "pessoa",
aceitando bem as deficiências das personalidades de tal modo que em
alguns casos acabam encontrando mais atrativos nas imperfeições do que nas perfeições humanas.
O que mais aspiram é a presença do "outro", sendo esta considerada
como valor maior. Abominam a solidão, que é tida como grande contravalor. Ao contrário, a
amizade vai ser para outras fundamental, já que leva a um enriquecimento
espiritual. Selecionam os homens pela capacidade de oferecerem amizade, diferentemente das que
valorizam apenas a

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presença, pouco importando a qualidade e o que possam ofertar. Para essas, a qualidade dos
sentimentos e a fecundidade do relacionamento são preteridos em favor da
simples companhia.
A personalidade individualista é centrada em si mesma. Está sempre renovando os contatos,
mudando periodicamente de amigos. As mais sociáveis amam os grupos, considerando-se
com uma função dentro deles. Muitas valorizam a estabilidade e, seguras da amizade dos seus,
estabelecem uma cumplicidade, não temendo separações e abandono; preferem
a permanência a qualquer elo superficial vantajoso.
A preferência pelo valor ou pelo homem com suas limitações aparece muito mais como tendências
do que como atitudes exclusivas. A predominância de uma delas decorre
tanto da própria personalidade quanto da educação recebida, resultando numa sucessão de escolhas
pessoais. Essa dominância deve ser claramente conhecida por cada
um para que se estabeleça o equilíbrio sem o risco do sacrifício de uma à outra.
Priorizar os valores independentemente das pessoas leva à admissão de sectarismos, a desrespeitar
a liberdade humana, a condenar as variações das culturas, a dogmatizar
ideologias. Priorizar as pessoas independentemente dos valores é aceitar o arbitrário, o relativismo
que acaba prejudicando os interesses dessas mesmas pessoas.
Considerando-se o homem apenas enquanto personalidade, admite-se como primeiro valor o
econômico, pois é o que permite o desenvolvimento da vida. É, paralelamente
ao valor espontâneo da vitalidade, um valor instaurado que promove a vida fazendo-a passar do
âmbito natural para o espiritual. A pura amplificação da vitalidade
leva à animalidade e não à humanidade. É o que permite a superação das necessidades inferiores
em benefício das superiores. O homem econômico é o que sabe ordenar
sua vida dando a cada valor um lugar adequado. Pode-se dizer que a economia é a arte de utilizar o
útil.
A atividade econômica vai elevar à dignidade de valor aquilo que antes não tinha nenhuma
utilidade vital. Há, portanto, sempre a ação do homem decorrente de sua
liberdade. É um bem que resulta da engenhosidade e do trabalho do homem. O econômico é o que
dá valor à natureza pela agricultura, a indústria e o comércio. O dinheiro
é o melhor exemplo do valor instaurado, pois nada valendo por si mesmo vale pela vontade do
homem.
O econômico caracteriza-se pela superação do imediato visando ao futuro. É o que mostra a
capacidade humana de postergar a necessidade imediata em favor de satisfações
mais completas e duradouras obtidas pelo progresso técnico que leva à amplificação do bem vital,
paradoxalmente pelo distanciamento e ultrapassagem do puro vital.
A economia é obra do espírito e não do instinto. Visa a satisfazer as

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necessidades espirituais e não as puramente materiais. Leva à construção da pessoa e não apenas da
personalidade.
Um segundo valor é o da beleza. Há uma beleza espontânea e uma adquirida, que é instaurada
pelo sujeito nele próprio e no mundo. É válida a busca da beleza, fundamental
para a auto-estima e o equilíbrio emocional. No entanto, se posta como valor principal, leva à
desvalorização da pessoa e à perda de referências. Pela atividade
artística é instaurado o valor beleza.
Um terceiro valor é o da verdade, que se manifesta pela capacidade intelectual. Aparece de modo
espontâneo no conhecimento empírico e de modo instaurado na ciência
e na cultura.
Instaurar a verdade significa procurar o sentido profundo das relações, aplicando a inteligência ao
real. Significa estabelecer sistemas explicativos do real.
Um quarto valor é o do bem. A exigência é do Bem e não de bens particulares, embora no
processo do conhecimento comece-se pelos preceitos e não pela idéia do bem
moral, pois o homem passa de uma consciência infantil confusa e primária, regulada por normas,
para uma consciência motivada pelo próprio valor do Bem.
A natureza é a estrutura dos valores espontâneos. Quanto mais o homem decide sobre a escala de
valores, menos eles são naturais.
O valor vital vale para todos os seres vivos e não especificamente para a pessoa humana. A
natureza como fonte da vida universal é o primeiro bem conhecido pelo
homem e por isso impõe um modo de ser que se constitui para ele numa primeira noção de bem.
Assim, juntamente com a necessidade vital de alimentação, vêm a obrigação
moral de alimentar-se e a proibição moral da mutilação, por exemplo. Há um modo adequado da
natureza manifestar-se no homem que acaba tornando-se para ele a obrigação
moral e assim também fonte da lei moral.
A lei moral primitiva é dita natural não porque emane da natureza simplesmente, mas sim da
natureza humana, que se distingue da não-humana pela sua destinação.
Nela aparece de modo imperativo a exigência da ação moral. Há, portanto, na moralidade um plano
natural e um humano constituído pelos múltiplos deveres instituídos
pelo homem, que nada mais são do que uma expressão esclarecedora da obrigação primitiva.
O bem instaurado é o valor ético, ou seja, a realização do bem pela vontade. A consciência moral é
o conhecimento do dever.
O valor do bem se manifesta na conduta moral, que começa pelo respeito à lei, pela obediência
inicialmente à autoridade e posteriormente às normas, à lei positiva
e, com o desenvolvimento da personalidade, ao espírito.

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Quanto mais se liberta o homem da pressão social menos depende da lei social. Quanto maior sua
autonomia, menos é ele por ela limitado.
Ao instaurar o valor do bem ocorre a passagem do não-valor ao valor pelo esforço do homem.
Quanto mais elevado o nível moral, mais se reduz a ética a poucos preceitos.
A vontade é o poder de iniciativa que instaura os valores. Ela não cria os valores mas os hierarquiza
livremente de acordo com os juízos de valor.
A personalidade bem desenvolvida não apenas encontra o bem nas coisas mas nela o introduz.
Há ainda um processo de hierarquização de valores que decorre das características das diversas
faixas etárias.
René Hubert¹, analisando a gênese dos valores de acordo com o desenvolvimento da
personalidade individual, faz a seguinte relação:

Fases Idade Gênese dos Valores


Fase infantil 0-1 vitais
Primeira infância 1-3 sensório-sensuais Segunda infância
3-7 econômicos
Terceira infância 7-11 tecnológico
Pré-adolescência
ou pubescência 11-14 político
Adolescência 14-16 histórico-culturais
Maturação depois dos 18 espirituais
Maturidade dos 20 ao 25 fixação pela visão
e velhice anos em diante da existência

São sintomas da anomalia psíquica a negação do valor e a acomodação a escalas preestabelecidas.


O processo de valoração deve desenvolver-se na adolescência. É
nesse período que se inicia a revisão das escalas de valores passivamente aceitas, para que sejam
reafirmadas ou reformadas. Embora essa postura assuste o educador,
é sadia e desejável. É melhor que seja feita nessa fase do que mais tarde ou que nem seja feita,
levando a um adulto infantil, passivo e superficial nos seus julgamentos.
É importante que se estimule no jovem esse desejo de estabelecimento de escalas de valores, nele
despertando-se a reflexão crítica por meio de comparações, buscas
de fundamentação e por outros meios que o ajudem nesse labor.
O processo de instauração do valor é fundamental para que ocorra o desenvolvimento da
personalidade. Não se pode contentar apenas

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com os valores espontâneos, porque a liberdade que leva o homem à instauração torna-se ela
própria um valor fundamental para ele. O homem tem que escolher, que optar,
que valorizar e desvalorizar, e esses processos constituem-se no objetivo fundamental do ato e
educar.
Nada mais importante para a educação do que a transmissão dessa dimensão do homem. Não se
pode falar em hierarquia de valores sem esse enfoque, sem situar o próprio
homem como valor para o homem. Sem ressaltar a atitude de respeito para com ele como se
respeita o sagrado. Por fim, é preciso concluir que todas
essas classificações apresentam falhas e contradições sendo a hierarquização dos valores um dos
pontos mais frágeis e controvertidos da axiologia.

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A instauração do valor: a cultura

Considera-se de modo geral três faculdades como constituintes do psiquismo humano: a


sensibilidade, a inteligência e a vontade.
A sensibilidade levaria o homem a apreender o valor do ser, aquilo que de algum modo satisfaz
sua necessidade. A sensibilidade no nível espiritual, como sentimento,
sejam detectados e captados os valores não-materiais que complementam as carências humanas.
A inteligência permite o conhecimento dos seres pela apreensão da idéia, pela
intelecção.Inúmeras são as teorias que explicam o processo da ideação, da formação
da idéia, a passagem do conhecimento sensorial ao intelectual. O estado desse processo, objeto da
teoria do conhecimento, foge ao objetivo deste trabalho, mas percebe-se
que o aumento quantitativo e qualitativo e a ordenação das idéias constitui o que aqui denominou-
se "instrução". Instrução, como já se viu, seria o conhecimento
dos seres nas suas múltiplas manifestações e capacidade de avaliá-las e relacioná-las entre si de
modo a chegar-se a conhecimento novo.
A interação existente entre a sensibilidade e a inteligência faz-se de tal modo que os valores
enquanto idéias são analizados pela razão, para que se formem os
juízos de valor que influencia na escala de valores da sensibilidade que, por sua vez, pelas opções
correspondente às tendências de cada um, influi na operação da
razão.

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A cultura é, pela interferência da vontade, o resultado do agir e do fazer do homem, é a


instauração de valores no concreto por meio do trabalho.
A ação humana produtora da cultura faz-se na natureza, no outro ser humano e no próprio sujeito
da ação.
Foi a divisão entre espírito e natureza que deu origem às atuais teorias da cultura. De um lado, a
natureza manifestando fenômenos que independem do homem e, do
outro, realidades resultantes da ação do espírito. O termo cultura, no entanto, por englobar
fenômenos bastante distintos, permanece pouco claro sendo com freqüência
confundido tanto com educação como com, instrução, designando tanto as manifestações da razão
quanto as da emoção que embora influenciem a sua produção não a caracterizam.
A cultura resulta da ação do homem decorrente do ato voluntário e não propriamente do seu
conhecer ou sentir. Ela se caracteriza pela instauração de um novo valor
no concreto.
As definições de cultura de modo geral nela incluem técnicas, artes industriais, conhecimentos,
crença, arte, lei, moral, costumes e muitas outras atividades do
homem enquanto ser social. O termo referese tanto à ação individual como à coletiva. Confunde-se
ainda com civilização, referindo-se em alguns autores ao controle
do homem sobre a natureza, enquanto que em outros ao controle que faz sobre si mesmo.
Para Laloup-Nélis,"pode-se dizer de um homem que é culto quando, pessoalmente, fez um esforço
de humanização e civilizado, quando participa de um nível coletivo
de humanização. Porque, não somente a palavra civilização implica valores materiais, como
também evoca dimensões comunitárias. Na prática, entretanto, será inútil
separar as duas acepções".¹
De qualquer modo, a cultura nasce da ação inteligente e livre do homem. Não podem ser
considerados como fenômenos culturais seus atos reflexos e fisiológicos.
O fenômeno da cultura manifesta-se sob dois aspectos: a cultura como mudança provocada pela
ação de um homem ou de uma geração que vai produzir como que uma sobrenatureza
no dizer de Ortega y Gasset.² É uma ação que resulta do pensamento lógico, feita com
conhecimento de causa e marcada pela sensibilidade. Uma ação que pressupõe uma
escala de valores, uma opção livre e um determinado padrão de conhecimento científico e de
domínio da técnica. Essa ação vai modificar a natureza dando-lhe um novo
valor e ter-se-á a agricultura,

¹Laloup Nélis. Cultura e Civilização, São Paulo, Herder, 1966, p. 21.


²Ortega y Gasset, José. "Relação em que o Homem e sua Técnica se Encontram Hoje" in Meditação
da Técnica.
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a piscicultura, a arquitetura etc... Vão ser construídas pontes, túneis e canais, fabricados bens
utilitários, eletrodomésticos, peças de vestuário e obras de arte.
Essa ação vai ainda modificar o próprio homem no seu físico, transformando-o num atleta, num
cantor de voz trabalhada ou num virtuose do piano, capaz de grande coordenação
motora. O que resulta sempre dessa ação, desse modo de agir ou de fazer é a instauração de um
novo valor onde ele não existia ou a ampliação de um valor já existente.
Nisso consiste a cultura.
Seria a cultura, pode-se dizer, em seu aspecto dinâmico.
Um segundo aspecto segundo o qual pode-se analisar o fenômeno da cultura é como o conjunto de
conhecimentos, técnicas, usos, costumes, comportamentos, sistemas
jurídicos etc... passado de uma geração a outra.
Cada geração de certa maneira modifica o seu meio, desenvolve novos comportamentos, novas
concepções de vida e as transmite às novas gerações por seus meios de
comunicação.
Pela linguagem em suas diversas formas: oral, escrita, gestual, por meio dos signos, seja como
ícones, como índices ou como símbolos, a cultura de uma geração
é transmitida à outra. É uma bagagem que vai passando de pai para filho e assim servindo de fio
condutor e elemento de unificação dos povos.
A nova geração, no entanto, recebe a cultura numa fase de pensamento preconceitual, em que a
capacidade crítica ainda não se desenvolveu. Não pode, portanto, avaliar
o que recebe e passivamente, embora não de modo idêntico a seus pais, recebe uma cultura já
pronta que vai servir de base para sua ação transformadora. É a cultura
em seu aspecto estático como sistema de valores, conjunto de bens e de fins transmitidos dos pais
aos filhos.
Ao mesmo tempo, portanto, em que o homem recebe a cultura de seus pais, adquire uma visão de
mundo e uma concepção ideológica das relações humanas, uma interpretação
mítica da realidade, ele também, por sua vez, cria a cultura modificando o que recebeu e inovando
pelo seu modo de agir e fazer.
O relacionamento social, o modo de situar o outro em relação a si mesmo, vai radicar-se também
nesse imaginário que se forma sob a influência dessa bagagem recebida.
As relações imaginadas são tidas como reais e passam a regular o comportamento social. É o que se
pode chamar de ideologia em uma das acepções do termo. Esse nível
ideológico vai interferir em todo comportamento humano, seja nas manifestações da razão, da
afetividade e da sua vontade e ação.
A ação criadora da cultura, embora consciente e livre, é marcada por uma visão de mundo que dá a
primeira concepção da natureza, de Deus, da vida e da morte e
da ideologia como o primeiro modo de

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avaliar o outro e de com ele se relacionar a nível preconceitual, porque não racionalmente
justificado. É então uma ação consciente e livre mas influenciada por um
direcionamento proveniente do imaginário não logicamente explicado e compreendido.
A instrução resulta do conhecimento racional do ser; da apreensão, das idéias, dos juízos e
raciocínios feitos pela razão. Da aquisição de informações e de sua
avaliação e uso adequado. Esse processo como fenômeno psicológico sofre também a interferência
da produção do imaginário sendo por ele modificado. Mesmo admitindo-se
a possibilidade da tomada de consciência da produção do imaginário, torna-se difícil delimitar até
que ponto ela pode ser eliminada por esse procedimento. Ao que
parece permanecem sempre resquícios que interferem no conhecimento objetivo.
Fenômeno distinto da instrução é o da educação que não consiste na aquisição e avaliação de
conteúdos mas sim na apreensão e hierarquização de valores.
A educação tem como objetivo levar o ser humano a buscar os valores adequados ela escaloná-los
corretamente de modo a chegar à realização como pessoa.
A instrução liga-se ao exercício da razão ao apreender idéias e a educação à experiência do valor.
Não se confundem portanto os fenômenos da instrução, da educação e da cultura. A cultura
depende da instrução e da educação. É determinada pelo nível de instrução
e de educação daquele que a produz e ao mesmo tempo cria um ambiente favorável ao
desenvolvimento de determinado tipo de instrução e de educação. Há pois uma inter-relação
e uma interação entre instrução, educação e cultura.
Cultura pode ser considerada como uma realização humana marcada pela sua instrução e
educação. Como fenômeno produzido pela ação inteligente e livre do homem influenciada
pelo imaginário, nela misturando-se idéias, valores, cosmovisão, ideologia e utopia em diferentes
proporções somadas aos obstáculos impostos pela natureza.
A cultura liga-se à ação enquanto fazer e à ação enquanto agir moral.
Nesse ponto faz-se necessária uma mais profunda reflexão sobre a questão do imaginário.
Muito se tem discutido sobre o conceito de realidade e sobre a possibilidade que tem o homem de
apreendê-la do modo como é. Sobre os limites e modalidades dessa
apreensão e sobre o modo de chegar a ela.
Admite-se durante muito tempo como sendo o objetivo da razão o conhecimento das verdades
necessárias e universais e que tal conhecimento exigiria que fossem dele
eliminadas as informações advindas

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dos sentidos e as idéias fictícias oriundas da imaginação. Pressupunha-se que as idéias poderiam ser
provenientes tanto da razão quanto da imaginação, mas que o
conhecimento verdadeiro resultaria do exercício da razão sendo o que viesse dos sentidos, da
intuição ou da imaginação considerado sem validade maior.
Hoje percebe-se a impossibilidade da apreensão da realidade como representação sensível ou
intelectual numa consciência pura. Há no processo do conhecimento a
interferência de fatores que constituem o próprio sujeito e à sua intenção no processo cognitivo e
que resultam do que adquiriu da cultura numa fase preconceitual.
Essas aquisições manifestam-se como visão de mundo, como concepção ideológica do outro
interferindo nas tendências decorrentes das carências e levam o indivíduo
a conhecer o real de determinado modo.
Conforme a cultura em que tenha nascido vai o ser humano receber informações construídas pela
ação humana: comportamentos, hábitos, usos, costumes, tradições etc...
que por sua vez vão ser modificados pela interpretação que ele próprio lhes vai imprimir. O
imaginário vai interpretar os dados recebidos dando a eles uma nova conotação.
Vai fazer uma interpretação da realidade e passar a dar crédito a ela como sendo a verdade. A
intenção do sujeito interfere portanto no seu conhecimento. Mostra
Nilda Teves que "a apreensão do mundo pelo homem é, pois, apreensão intencional constituída de
desejos, de interesses, de sonhos e nunca constatação desinteressada.
O mundo conhecido é sempre instituído seletivamente".¹ E junta ainda "O sujeito do conhecimento
é portanto sujeito social, histórico, determinado/ determinante
da realidade mesma".² Ou seja, o sujeito é influenciado, marcado pela cultura em que nasceu ao
mesmo tempo em que a influencia e marca pela sua ação.
O conhecimento não é então uma cópia da realidade mas o resultado da apreensão do mundo
cultural reinterpretado pela intencionalidade do sujeito.
É a consciência humana que dá o significado ao ser. Enquanto a percepção apreende os elementos
materiais do objeto, a imaginação os modifica dando-lhes novos significados.
Atuando sobre os dados da sensação, a imaginação vai produzir um novo objeto que não
corresponde exatamente à realidade mas é o que vale para o sujeito que conhece.
O mesmo conteúdo material serve

¹Teves, Nilda. "O Imaginário na Configuração da Realidade", in Teves, Nilda (org.).


Imaginário Social e Educação Rio de Janeiro, Gryphos, Faculdade de Educação da UFRJ, 1992, p.
10. ²Idem, p. 11.

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de base tanto para a imaginação dando origem a modalidades distintas de fatos de consciência.
Pode-se considerar como imaginação a faculdade de produzir imagens
mentais a partir dos dados da sensação. Essas imagens seriam reinterpretadas e deformadas pelo
que se pode designar de imaginário. Afirma Creusa Capalbo: "Sartre
mostra que não se deve confundir a imaginação enquanto faculdade de produzir imagem ou de usar
um objeto ausente mas existindo em outro lugar com o imaginário enquanto
faculdade de deformar e de modificar as imagens".¹
O imaginário não copia o real, o expressa simbolicamente numa multiplicidade de formas e
sentidos.
De dois modos manifesta-se o imaginário: individual e social. O indivíduo, ao perceber o mundo e
a cultura, vai interpretá-los subjetivamente e assim imaginar
uma realidade à qual dará crédito e segundo a qual orientará a sua vida. Recebe do seu meio
cultural um significado para a vida e para a morte, para Deus e para
a natureza e não os aceita exatamente do mesmo modo pelo qual foi transmitido, mas dá uma nova
interpretação que passa a valer para ele.
Também a sociedade humana enquanto tal interpreta o real imaginando um mundo e as relações
entre os homens que acredita serem verdadeiros sem maiores reflexões
críticas. Desenvolvem-se assim as modificações, os preconceitos, as ilusões que caracterizam as
cosmovisões e as ideologias.
Percebe-se facilmente que a visão de mundo do homem do campo ou do homem do mar difere da
do homem da cidade e que é ainda bem diversa da do homem da Idade Média
ou daquele da era da informática. As noções de espaço, de tempo, de velocidade, de distância, de
poder sobre a natureza, de crescimento e de morte, de doença e de
velhice decorrem de construções do imaginário, criando uma visão do mundo para cada época e
cada lugar.
Também a ideologia como fenômeno que expressa a relação vivida entre os homens seria produto
do imaginário. Os homens imaginam as relações entre si considerando
o outro como seu superior ou inferior, amigo ou inimigo, fraco ou terrível, rival ou companheiro,
agressor ou colaborador etc... e passam a vê-lo desse modo.
Criam-se então estereótipos sociais que são reforçados pelos meios de comunicação social e
muitas vezes pela instituição escolar. Por meio da ideologia que interpreta
as relações sociais o imaginário social

Capalbo, C. "Fundamentos Filosóficos do Imaginário", in Teves, Nilda, ob. cit., p 206.

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vai interferir na educação, na política, na economia, enfim, em toda a vida social.


É ainda o imaginário social o responsável pelas utopias que não apenas motivam a razão mas
mobilizam a própria ação do homem. Os projetos existenciais tanto a
nível individual quanto social só se justificam por um objetivo proposto pelo imaginário que seja
capaz de dirigir a ação para um ideal futuro.
O imaginário portanto fazendo parte do psiquismo humano constitui o homem e sua
intencionalidade.
A ação cultural vai ser feita sob a influência desse imaginário. Assim, o imaginário resulta do meio
cultural ao mesmo tempo em que influencia a sua constituição.
Já se viu que a cultura resulta da modificação do concreto pela inserção de um novo valor. Fazer
cultura é instaurar novos valores na natureza. O trabalho será
então o processo por meio do qual se faz a cultura.
O trabalho representa a mediação do corpo na instauração do valor. Embora a intenção e a
iniciativa sejam do espírito, é por meio da ação do corpo que se vai modificar
o mundo concreto.
Vai-se, nesse sentido considerar como trabalho apenas a mediação do corpo e não a atividade do
espírito. O corpo age diversamente quando movido pelo espírito ou
movido pela vida. Movido pelas necessidades vitais o corpo destrói, como no caso da alimentação,
ou propaga a vida. No caso do trabalho, o corpo age sob a força
de um estímulo singular para uma tarefa por ele determinada e que não se inscreve no plano geral
da natureza.
O trabalho visa não diretamente ao desenvolvimento da vida universal e impessoal mas ao
desenvolvimento das personalidades.
Quanto mais se intensifica a vida, mais o espírito individual quer estendê-la no mundo. Quanto
mais cresce o valor pessoal, mais a pessoa quer instaurar o valor
no impessoal, o que é feito por meio do trabalho. O trabalho não decorre portanto da necessidade
de subsistência, mas da necessidade de instauração do valor. Quanto
mais o espírito individual se afirma, mais usa o corpo para instaurar o valor.
Esta afirmação mostra que o trabalho exige a determinação do espírito de instaurar o valor, caso
contrário o que ocorre não é propriamente o trabalho mas uma ação
mecânica sem sentido que não pode ser propriamente considerada como tal.
A vida do espírito sendo alimentada por uma relação entre os espíritos tem a necessidade da
mediação do corpo. Assim, quanto mais transcende, ultrapassa a vida
vegetativa e animal, quanto mais cresce na atividade espiritual, que é de ordem subjetiva, mais o
homem tem a necessidade de instaurar valores no mundo sensível.
É por isso que o

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trabalho cresce com o nível de cultura e desenvolvimento da civilização. Para o primitivo, o


trabalho está muito próximo da atividade natural. Quanto mais se afasta
da natureza mais o homem trabalha. O trabalho é uma mediação do corpo para uma instauração que
deve ser feita pela vontade livre. A labuta braçal anonimamente feita
é trabalho, por que dela resulta a instauração de um novo valor e, ao mesmo tempo não, porque não
há nela a consciência do valor instaurado. Houve apenas gestos
repetidos mecanicamente sob o domínio do poder. É ainda uma forma válida de trabalho a
instauração indireta do valor, como caso do assalariado cujo objetivo não
é propriamente a instauração do valor no objeto mas do valor econômico que dele resulta.
O fruto do trabalho é um valor novo que não estava lá antes dele, que não se explica senão por ele
e que subsiste independentemente do trabalhador.
Pode também ser considerada como trabalho uma atividade de destruição ligada intencionalmente
à instauração de um valor.
Alguns autores aceitam como critério para o trabalho o fato de o seu resultado ficar fora do sujeito
que o produz. Nesse caso nem o esporte, nem o autodesenvolvimento
artístico, nem a ação de ensinar seriam considerados como trabalho. Para outros, no entanto,
prevalece apenas o critério da instauração do valor, seja fora do sujeito
ou nele próprio. Nessa segunda acepção pode-se falar em trabalhar a voz, a agilidade dos dedos
para o piano, os músculos para o esporte e no próprio processo de
aculturação individual.
Distinguem-se três espécies de trabalho correspondentes a três espécies de instauração objetivas e
de aspectos da cultura:

*o trabalho amplificador, que consiste no desenvolvimento da vida e que corresponde ao


setor primário da economia: a agricultura, a piscicultura
etc...
*o trabalho operativo, que consiste na fabricação de bens, na transformação dos
elementos para que adquiram um novo valor que corresponde ao
setor secundário da economia: fábricas, indústrias etc...
*o trabalho relacional, que consiste no estabelecimento de um elo entre as
personalidades-setor terciário da economia: a prestação de serviço
onde se situa a educação.
O trabalho insere valor em todos os tipos de atividade humana e não apenas no econômico. No
nível de trabalho relacional especialmente, valores ocorrem mais no
plano afetivo, cultural e religioso de que no econômico.
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O processo de instauração do valor pelo trabalho é facilitado pelo concurso da técnica, que pode
ser considerada como uma mediação de segundo grau atuando entre
o corpo e o mundo. A técnica e os instrumentos são testemunhas da interferência do espírito no
trabalho. O instrumental evoluído é um sinal do progresso mental do
homem.
O trabalho enquanto mediador entre o sujeito e o objeto estabelece no ato instaurador um conjunto
de elos que especifica as formas de cultura entre o espírito
e o corpo, entre a pessoa e o mundo e entre as próprias pessoas. É um tipo de atividade na qual
quanto mais age o espírito, mais o corpo se torna útil.
O valor instaurado pelo trabalho vale não apenas para o sujeito que o instaura mas para toda a
comunidade. Visa a melhorar o mundo não para um só mas para todos.
Outro aspecto importante na análise do trabalho é o fato de que ao instaurar mais valor no mundo
ele o instaura também naquele que o produz. Quanto mais vale a
obra, mais o nome do autor é ligado a ela.
Como qualquer atividade humana, o trabalho pode apresentar distorções que corrompem suas
características e objetivos. A primeira forma de corrupção é a não-instauração
do valor que constitui o seu principal objetivo. Há a ação mas não há a instauração de nenhum
valor novo. É o movimento pelo movimento, a ação pela ação. Muitas vezes
há o desgaste físico sem nenhum objetivo.
A segunda forma de corrupção do trabalho é o esquecimento da individualidade instauradora. O
indivíduo é visto como uma máquina ou como escravo, não mais havendo
a ligação entre a intenção pessoal e a ação sobre o concreto. O trabalho não é apenas um meio de
subsistência, uma pena, um castigo, mas é antes de mais nada uma
conduta moral. Deixando-se de lado este aspecto, o trabalho deixa de visar à instauração do valor e
degrada-se como uma forma inferior de atividade humana. Não é
admissível então separar-se nem intenção e ação, nem ação e valor para que o trabalho não se
desvalorize como atividade humana. O próprio ato de trabalhar tem um
sentido para o sujeito que não apenas o resultado que dele advém.
O trabalho promove a cultura que será tão desenvolvida quanto a ação laboriosa, e ao mesmo
tempo a cultura valorizará o trabalho que será de maior nível qualitativo
quanto mais desenvolvida ela for.
Quando por meio do trabalho se instaura no campo o valor da fertilidade pelo uso de insumos, da
utilidade plantando-se de modo ordenado, faz-se cultura. Quando
a indústria modifica a matéria nela inserindo o valor da praticidade, da durabilidade ou da força,
faz-se cultura. O bem utilitário como um bem econômico é cultura.
Faz cultura ainda aquele que modifica a própria natureza ampliando os valores já existentes e
promovendo novos.

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A educação física visa exatamente a desenvolver no organismo os valores da flexibilidade, da


destreza e da beleza. A educação da voz deve dar-lhe firmeza, amplitude
e intensidade e a do ouvido, acuidade, sensibilidade. O desenvolvimento e a instauração de valores
no próprio corpo ou no do outro é uma forma de cultura.
É ainda cultura a instauração dos valores ordem, limpeza, harmonia numa casa ou dos valores
agradável, gostoso ou nutritivo numa comida.
Sempre que de algum modo se amplia quantitativa ou qualitativamente um valor existente no
concreto ou que nele se instaura um novo valor, faz-se cultura.
A cultura é ainda, no entanto, a modificação feita na instância espiritual. Pode ser considerado
como aculturado aquele "que participa dos padrões culturais de
sua geração por um esforço pessoal de desenvolvimento".
Entra aqui a concepção de cultura como desenvolvimento intelectual e artístico, como participação
num nível de desenvolvimento do espírito.
Aquele que lê no seu idioma e noutros é aculturado. O que conhece a ciência de sua geração, o
que faz filosofia, arte ou religião instaurou em si mesmo um novo
valor. Torna-se capaz de melhor entender o pensamento do outro, capaz de desenvolver sobre ele
uma tecnologia. Artista é o que tem a capacidade de instaurar os valores
da harmonia e da beleza.
O processo segue-se o mesmo. É possível instaurar ou ampliar um novo valor na instância
espiritual e assim aprimorar um indivíduo aculturando-o. Ele pode assimilar
a cultura do seu meio social ou simplesmente adaptar-se a ela. Há os que participam de um mesmo
padrão cultural e os que vivem em meios culturais diversos.
Num grupo social há sempre uma distribuição de valores que privilegia uns em detrimento de
outros. Estabelecem-se assim tipos de cultura que expressam arranjos,
combinações e escalas diversas de valores.
Assim como com a sensibilidade apreendem-se os valores situados nos seres, com a razão
apreendem-se as idéias que a eles correspondem, e com a ação que resulta
da vontade instauram-se os valores nos seres fazendo-se cultura.
É possível portanto desenvolver-se o seguinte esquema:

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A vontade leva o homem a agir e a fazer, instaurando no ser um novo valor que nele antes não se
encontrava, resultando daí a cultura.
O homem sentindo-se incompleto vai completar-se, plenificar-se pelo exercício da sensibilidade,
da razão e da vontade que o leva a agir . Pode-se então estabelecer
um novo esquema continuando-se a representar o homem pelo crescente.

E assim sucessivamente, cada homem influenciado pela cosmovisão e pela ideologia que recebeu
a nível preconceitual do meio cultural onde nasceu e vai desenvolver
sua educação, sua instrução e sua cultura. A cultura como bagagem das gerações passadas vai ser
assimilada ao mesmo tempo que ampliada e modificada pela ação do
sujeito que a recebe.
Há uma interação entre os três processos que realizam o ser humano: a educação como apreensão
e hierarquização de valores pela

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sensibilidade, de modo a formarem-se não só comportamentos mas atitudes que levem a pessoa à
plenitude, a instrução como apreensão da idéia do ser e a cultura como
resultado da sua ação sobre o concreto.
Ao criar cultura o homem desenvolve uma sobrenatureza na qual a nova geração vai crescer. O
homem não nasce apenas no habitat natural, mas num habitat cultural.
O primeiro conhecimento que vai receber do mundo da cultura será a nível preconceitual. As
informações do mundo da cultura vão ser interpretadas pelo imaginário
adquirindo tonalidades pessoais e peculiares. Forma-se então a cosmovisão como uma primeira
interpretação do mundo, da natureza e da cultura, e a ideologia como
uma primeira interpretação do relacionamento social vivido entre os homens. A cosmovisão e a
ideologia, vale relembrar, são conhecimentos construídos pelo imaginário.
Interpreta-se a realidade de modo subjetivo e passa-se a acreditar nessa interpretação como se fosse
o próprio dado objetivo.
O homem relaciona-se então com a cultura de dois modos, correspondendo aos aspectos dinâmico
e estático da cultura; primeiro: passivo nasce num sistema cultural.
Recebe um padrão cultural feito por outros que deve ser por ele apreendido e assimilado para que
possa conviver socialmente: Recebe a bagagem cultural construída
por seus antepassados com os elementos da cultura e também de contracultura que a constituem.
Segundo: ativo por sua vez, utilizando-se dos valores apreendidos pela
sua sensibilidade e organizados pelo seu processo educacional e dos conhecimentos resultantes das
idéias, dos juízos e raciocínios produzidos pela sua razão, e da
força proveniente da vontade, faz ele também por sua vez cultura, introduzindo novos valores no
concreto.
Pergunta-se se os valores se agrupam constituindo as diferentes culturas de modo fortuito e
aleatório ou se seguem um modelo ideal. Se há culturas melhores ou
piores, se enfim é possível de algum modo julgar e classificar as culturas. Evidentemente não há
apenas um modo ideal de organizarem-se os valores estabelecendo
as culturas, mas é possível uma avaliação se for tomado como referencial a noção de homem
enquanto "pessoa".
Percebe-se que muitas vezes são instaurados na natureza e no próprio homem não propriamente
valores, mas contravalores, criando-se o que pode ser considerado como
uma contracultura.
Sempre que for instaurado no concreto algo nocivo, prejudicial ao homem, não se pode falar de
traço cultural mas em traço de contracultura. O vício do cigarro,
o uso excessivo do álcool, a droga, não podem ser considerados como traços culturais, mas sim de
contracultura. A escravidão, a exploração do ser humano, a ação
predatória não representam cultura, embora resultantes do agir do homem. Leis

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que privilegiem uns e prejudiquem outros não podem ser classificadas como cultura. Tipos de
moradia inumanos determinados por deficiências econômicas, como favelas,
não podem ser considerados como um tipo de bem cultural, mas como um elemento da
contracultura. A definição de cultura como conjunto de normas, ritos, usos, costumes
etc... parece esbarrar nessa dificuldade, já que engloba como cultura comportamentos humanos e
selvagens, adequados e inadequados ao crescimento da pessoa.
A antropologia científica, limitando-se à postura especulativa, vai considerar como cultura toda e
qualquer realização humana. No entanto, do ponto de vista da
axiologia não se pode entender como valor algo que não corresponda a uma carência humana, algo
que não complete o homem, que não o aperfeiçoe no sentido etimológico
do termo. Há portanto valores e contravalores, conforme correspondam ou não às necessidades
humanas.
Sendo a cultura entendida como processo de incorporação de valor no concreto não se terá cultura
quando nele for inserido um contravalor, algo que prejudique o
homem, que dificulte sua realização. Chega-se desse modo a um critério para a avaliação da
contracultura e a uma nova categoria: a da realização humana pela inserção
do valor e não de contravalor e a uma possibilidade de distinção entre cultura e contracultura
bastante enriquecedora para o homem.
Conclui-se que o movimento vai e volta: a instrução e a educação promovendo a cultura e esta
propiciando um tipo de instrução e de educação. Todos os processos,
porém, visando a um mesmo objetivo: a realização plena do homem enquanto pessoa.
Deve-se agora focalizar essa questão do ângulo do educador. Durante séculos acreditou-se que o
objetivo da educação seria apenas o desenvolvimento da razão. Todas
as atividades humanas eram interpretadas como decorrentes de atitudes irracionais, de deficiências
nessa área. Hoje, acredita-se que o que leva os homens à ação
promotora da cultura não são somente os motivos racionais, mas a aceitação afetiva de
determinados valores capazes de mobilizar.
Por outro lado, sabe-se que a aceitação passiva da cultura na instância preconceitual vai fazer com
que se tome como dogmas as interpretações do imaginário social
que acabam por tornarem-se objetivos dos grupos. Os meios de comunicação social reforçam essas
criações do imaginário social contribuindo de maneira bastante forte
para que preconceitos e fantasias sejam admitidos como válidos em um grupo cultural e
transmitidos às novas gerações como verdades indiscutíveis. São assim demarcados
os papéis sociais e os ideais a serem alcançados.
Só pela reflexão como dobra sobre si mesmo, por uma educação crítica que analise a produção do
imaginário social vai o indivíduo poder

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superar, ultrapassar esses preconceitos e essas interpretações duvidosas para tentar um


conhecimento mais
objetivo da realidade. Este é o papel da instrução acadêmica, da ciência enfim.
Sabe-se, por outro lado, que a cultura é produzida pelo trabalho e que a necessidade de fazer
cultura aumenta
com o crescimento do valor pessoal. Cabe ao educador apresentar ao educando o trabalho, não
como vergonha
ou pena, mas como meio de instauração do valor, e a exigência do espírito de instaurar o valor,
pois, caso
contrário, o que ocorre não é propriamente trabalho, mas uma ação mecânica e sem sentido.
Apreendendo o
educando o verdadeiro sentido do trabalho como utilização do corpo para instauração do valor,
muito ganha
em autonomia e produtividade. Saberes aparentemente simples podem ganhar uma nova dimensão
se vistos sob
este ângulo. Mesmo o que faz apenas uma parte de um todo numa linha de produção pode ter
consciência da
instauração do valor, não só na parte do objeto mas em si mesmo ao adquirir pelo seu agir uma
maior dignidade.

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O tempo e os marcos na educação

Também o tempo e os marcos que nele se põem dizem respeito à educação.


É sabido que o tempo parece passar rapidamente quando se vive momentos felizes e lentamente
quando as
vivências são más ou menos indiferentes. Sabe-se ainda que a vivência do tempo varia com a idade.
Na infância é
sentido como muito mais longo do que na idade adulta.
Só a natureza humana tem consciência do tempo porque está simultaneamente nele e fora dele. No
mesmo
momento em que pela natureza tem consciência do presente, conhece pelo seu espírito a
continuidade da
mudança.
Na vivência do presente nem o passado nem o futuro são sentidos como sucessivos, mas como
simultâneos.
Nem mesmo a memória apresenta continuidade nos acontecimentos. Fatos de pouquíssima
importância podem
ser lembrados para sempre enquanto que acontecimentos fundamentais para uma existência são
esquecidos
pelo menos nos seus detalhes. É impossível prever-se o que passará e o que ficará retido para
sempre já que tal
fato depende da subjetividade do sujeito desafiando todas os programas e previsões dos educadores.
Vive-se pessoalmente como significativos um certo número de acontecimento singulares que
guiam o futuro de
cada um e aos quais o espírito humano une num todo.

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É o homem que fixa um antes e um depois aos acontecimentos extraconscienciais, ligando-os


entre si, como se fossem vividos apenas por ele.
Cada educando seleciona no tempo alguns fatos que, por representarem para ele valor, serão
guardados. Momentos importantes para alguns são por outros completamente
esquecidos. A mesma aula, a mesma festa, o mesmo evento esportivo são lembrados diferentemente
e por aspectos distintos pelos mesmos alunos.
A antecipação constitui o fenômeno mais importante da experiência temporal. A memória a
proporciona ao permitir ao homem gozar e sofrer antes do acontecimento.
Pela experiência do valor e do contravalor é possível senti-lo antes da sua ocorrência. Essa é uma
experiência que interessa sobremaneira ao educador já que depende
das escalas de valores e das experiências vividas. Algo que, de certa maneira, pelo menos em
relação ao futuro, pode ser programado.
Enquanto que do ponto de vista biológico o homem vive apenas o presente, pois nem o processo
de envelhecimento é uniformemente regular, pelo espírito vai reconhecer
um passado, um presente e um futuro.
Segundo Y. GObry¹, o tempo é vivido em três dimensões: o passado, o porvir e o futuro.
O porvir é o incerto, o desconhecido que é ao mesmo tempo objeto de esperança e de temor, de
hipótese e de pesquisa. Quanto mais jovem, quanto menos determinada
a vida, mais cada um sente-se diante do porvir tornando-se inquieto, de certo modo ansioso e até
angustiado.
A vivência de certas situações sociais e políticas deixam o indivíduo de tal modo envolvido numa
multiplicidade de opções e de possibilidades que o tornam angustiado,
até mesmo amedrontado, e ao mesmo tempo numa feliz expectativa. Tudo é possível, qualquer
coisa pode vir a acontecer.
Essa situação, bastante característica dos dias atuais, explica muito da insegurança e da
insatisfação da juventude. Abriu-se enormemente o leque das possibilidades,
tanto boas quanto más, deixando-a cada vez mais diante do porvir. Os valores manifestam-se numa
imensa gama de opções, o que de certo modo a confunde e atemoriza.
Por outro lado, como uma decorrência dessa multiplicidade de possibilidades, não há mais
figurinos, não há mais modelos estabelecidos de comportamento como no passado.
Não há mais um manual que solucione todos os problemas e dê as direções ideais para todos os fins
e atitudes perfeitas para todos os acontecimentos. A escolha tem
que ser feita a cada nova situação da vida.

¹Gobry, Y. Ob. cit, p. 349

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O educador vai ter que lidar com essa nova realidade, levando à reflexão sobre os seus aspectos
negativos e especialmente sobre o que tem de positivo e sobre o
aperfeiçoamento que representa no plano moral.
O futuro é o que se apresenta como certo. É objeto de projetos, de decisões, de contratos, de
promessas, de planos e de previsões.
A escolha da profissão, assim como o casamento, apresentaram-se no passado como algo
previsível, que ocorreria por isso em um tempo vivenciado como futuro.
À medida que torna-se mais fácil mudar de profissão e desmanchar o casamento, estas situações
vão aparecer como fatos de um porvir que se mantém sempre cheio de
possibilidades e não como um futuro que se manifesta como definido e definitivo.
Quanto mais decisões são tomadas, caminhos definidos e escolhas feitas, mais fecha-se para o
homem o porvir e apresenta-se a ele o futuro.
O futuro corresponde e deve corresponder à destinação humana, embora hoje em dia seja ela
freqüentemente apresentada ao jovem como inexistente, ficando para ele
apenas a certeza da morte. É a destinação humana, que não se confunde com o destino, que vai
determinar o seu futuro. Não sendo ela levada em consideração, tudo
parece passível de mudança, nenhuma decisão tem o peso do definitivo.
Essa passagem de toda situação do futuro para situação do porvir, que dela tira a perenidade, a
obrigatoriedade, a responsabilidade da escolha, -apesar de aparentemente
positiva, já que alarga as possibilidades de opção, dilata o período da escolha e diminui a tensão
advinda do medo de errar-, é na realidade negativa, porque traz
a ilusão da eterna juventude, mantém a imaturidade, diminui a responsabilidade e faz com que o
homem negue a sua destinação.
Torna-se ainda, portanto, papel do educador não apenas levar à opção por uma escala de valores
condizente com as exigências da pessoa, mas mostrar que, correspondendo
ela à destinação humana, é necessária e definitiva. Vai ser preciso mostrar que de nada adianta o
medo da responsabilidade e que a escolha tem que visar os valores
corretos, porque ela deixa, quase sempre, conseqüências marcantes que repercutem por toda a vida.
"O prolongamento do porvir mata a experiência e freia o progresso" , afirma Gobry¹, mostrando
que a liberdade de possibilidades vem

¹Gobry, Y. Ob. cit., p. 348

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do porvir e a escolha é proposta pelo futuro. O candidato tem diante de si o porvir, mas o eleito tem
o futuro.
Não há, pois, como ignorar ou negar o futuro, que vai depender de opções livres determinadas ao
cumprimento da destinação do homem, querendo-se manter um eterno
estar diante do porvir. Ele decorre da condição humana como conseqüência das escolhas feitas
conscientemente ou não.
Os valores existem fora do tempo e independentemente dele. A escala de valores, essa sim, pode
em certo sentido ser temporal e histórica.
A escolha dos valores, o seu escalonamento feito pelo amor como sentimento cognitivo definem o
futuro. Como transmitir à nova geração essa verdade é um desafio
que os responsáveis por ela vão ter que enfrentar, de nada adiantando disfarces e mascaramentos.
Chega-se a que quanto mais se tem passado menos se tem porvir, porque todas as possibilidades
se esgotam no presente e mais se tem futuro porque a capitalização
dos valores vai permitir que se possa dispor dos próximos instantes. Uma criança tem muito porvir
mas pouco futuro, enquanto que o velho só tem futuro já que para
ele, as possibilidades estão praticamente todas gastas.
A diferença entre o futuro e porvir muda o sentido do passado. O porvir torna-se passado enquanto
que o passado torna-se futuro. O passado define o futuro porque
representa uma escolha feita. Antes do passado já existe o porvir e antes do futuro existe o passado.
Essas reflexões são de extrema importância na análise das experiências negativas na juventude.
De um lado está a idéia de proteção, que impede o jovem de ter experiências
mas resguarda o seu futuro; do outro, os que defendem a possibilidade de vivências negativas, para
que aprenda a lidar com os valores sem mais preocupações com as
conseqüências que um passado deixa sempre no futuro. Experiências da juventude não podem
nunca ser consideradas como variáveis inconseqüentes e inócuas mas representam
sempre definições do futuro. Torna-se difícil essa escolha já que não se pode tolher muito o jovem,
nem guardá-lo numa redoma até que saiba lidar com os valores,
mas ao mesmo tempo é sempre necessário ter-se em mente que cada opção feita no presente é uma
opção de futuro.
Pode-se considerar que dois fatores entram na constituição do tempo: o escoamento, cuja
experiência é o instante, e o amor que leva ao valor com uma carga positiva
ou negativa cuja experiência é a liberdade de escolha.
A ausência do amor, tanto pela fraqueza quanto pela recusa, mantém o tempo no presente apenas
como escoamento, como um tempo que passa sem registros e sem marcos.
É o que ocorre quando não há opções. O que para muitos apresenta-se como forma ideal de viver é
talvez a

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situação de descanso, das férias no plano psicológico, em que se tenta fazer o tempo parar pela
ausência de escolhas. Grave é quando essa atitude, que só pode ser admitida
como transitória, perdura, impedindo o crescimento e constata-se que mesmo assim está definindo
o futuro.
A vontade, impulsionada pelo amor, põe, ao contrário marcos, concentrando o tempo no instante, e
conforme a justiça ou a injustiça da sua escolha vai-se introduzir
o valor ou o contravalor na própria vida e na do outro.
Por meio dos marcos percebe-se o crescimento, o progresso e os laços estabelecidos. As
comemorações, os ritos são marcos postos no tempo para mostrar o caminho
e firmar a rota.
O roteiro da vida de cada um é estabelecido pelos marcos que nela são como que fincados. Esses
marcos têm imensa importância psicológica na definição da identidade
e assim, indiretamente, na escolha do futuro. Uma vida sem marcos muito facilmente perde o seu
rumo.
Sendo o escoamento do tempo a condição de coexistência do porvir, a do passado é constituída
pelos marcos que permitem a sua compreensão. A ligação dos marcos
dá a medida do passado pois eles são como que testemunhas do surgimento do valor. Pode-se
mesmo admitir o trocadilho e afirmar que os marcos mostram as marcas e
deixam marcas na vida de cada um. O passado não é vivido como um tempo contínuo mas é apenas
a sucessão de marcos, de conquistas de valor. Comemora-se o surgimento
do valor da vida, do casamento, da formatura, de um empreendimento. Há marcos que
negativamente comemoram, no sentido etimológico do termo, a chegada de um contravalor,
como, por exemplo, a morte.
O futuro só existe se houver o amor que dispõe dos valores para um ou para outro.
A destinação não faz o tempo, mas dá o seu direcionamento, apresenta à "vontade" as condições
para sua construção.
Futuro é o tempo no qual se pretende instaurar valores. Também a criação dos instantes depende
do amor, conforme a liberdade de possibilidades torne-se uma liberdade
de escolha. Cada instante é vivido como liberdade de opções por valores, sendo que a liberdade
decorre do amor. Pode-se então dizer que o amor é o criador do tempo.
Sem ele o presente seria puro escoamento sem marcos, e as energias, puras potencialidades sem
decisões. Passando-se essa idéia, o educando sentir-se-á dono do seu
futuro, não por ter certeza sobre os acontecimentos naturais, mas por ligá-lo às suas decisões do
presente. Suas ações crescem, então, de importância e o tempo adquire
um novo sentido.
O amor não decide sobre os valores no sentido de fazê-los valer mas no sentido em que os ordena
na consciência e os instaura no mundo.

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Essa compreensão pode funcionar como um antídoto contra o ceticismo, a acomodação e o


pessimismo que com freqüência instalam-se nos jovens, levando-os a dar
maior importância às suas ações ao perceberem que podem influir na cultura do seu tempo e do
futuro.
A idéia de destinação leva ainda a duas situações de tempo: o tempo experimentado e o tempo
aceito e construído, ou seja, a consciência da destinação.
O tempo, então, não é para o homem uma realidade mas sim o resultado de experiências de valor
que pode, por isso, construir-se diferentemente nos diferentes indivíduos
que não tenham o mesmo passado nem o mesmo futuro. Só o escoamento é igual para todos. Os
instantes são desiguais porque resultam das energias pessoais e do uso
que cada um faz da liberdade.
Pode-se, assim, afirmar que aqueles que existem ao mesmo tempo nem sempre vivem no mesmo
tempo.
Os tempos pessoais são diferentes em qualidade, conforme as espécies de valores adotados, em
intensidade, conforme a força dos valores escolhidos; em densidade,
segundo o número de marcos postos em suas vidas; e em positividade, de acordo com a justiça ou
injustiça do valor eleito.
Considerando-se que o tempo pessoal não é dado, mas construído, e que se deteriora de acordo
com as opções do amor, é preciso distinguir no seu conteúdo e fora
do presente um tempo construído e um tempo destruído.
O tempo é construído quando a vontade, fixando-se a uma opção, faz com que os marcos
constituam um passado e um futuro. O tempo é destruído quando a vontade, desistindo
da eleição por indiferença ou recusa, faz com que o porvir confunda-se com a duração. Não haverá,
então, escolha mas o porvir far-se-á ao acaso, à revelia do sujeito
que passa a ser um joguete das ocorrências da vida.
Para as personalidades fortes, a colocação dos marcos obedece a eleições fiéis que se reforçam
continuamente umas às outras. Há uma direção a ser seguida e dela
o sujeito não se desvia. O porvir transforma-se, então, num futuro cada vez mais preciso e nítido.
Cada ação vai facilitar a seguinte e a vida passa a ter um sentido,
chegando-se com freqüência a uma grande segurança, a um grande equilíbrio emocional.
Nas personalidades fracas, os marcos são postos segundo escolhas dispersas ou contraditórias, que
tornam a orientação do individuo indecisa, reduzindo-se o tempo
às dimensões de passado e de porvir. Como nada é definitivo, não se constrói o futuro.
O tempo pode ainda tornar-se coletivo quando os marcos são instaurados pela sociedade. Este
tempo constitui a história e vai ligar todo o grupo social. Os marcos
sociais são, ao mesmo tempo, elos que permitem
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que os membros do organismo social sintam-se unidos e possam autodesignar-se como "nós". São
fundamentais para o estabelecimento dos padrões culturais. A cultura,
como conjunto de valores instaurados, vai ocorrer no tempo e registrar os marcos como momentos
de instalação de valor.
As teorias da psicologia vêem em geral o "eu" como um produto do tempo, das circunstâncias
históricas, da cultura vigente enfim, e não o tempo como sendo produzido
pelo homem. A ele submete a subjetividade humana. O sujeito só é considerado como tal pela
consciência que
tem de si mesmo e essa consciência depende de sua permanência no tempo. Ao contrário, o homem
é temporal porque tem uma destinação que ultrapassa o tempo. A destinação
é o último marco do futuro, aquele além do qual nenhum outro marco pode ser posto. Cada marco
posto é o vencimento de uma etapa e uma aproximação da etapa final.
As comemorações de aniversário apresentam esse duplo aspecto: por um lado, a alegria da
constatação do valor conquistado e por outro, a ansiedade da aproximação
do último objetivo.
A destinação precede o homem e deste modo justifica e direciona o tempo. Não haveria tempo se
o homem não estivesse sempre tentando ligar o estado natural de falta
ao estado de plenitude. Não haveria tempo se o homem não sentisse a cada valor conquistado, a
cada marco posto, a sua responsabilidade diante do futuro.
No processo da educação, vai ser fundamental a reflexão sobre a antropologia filosófica, para que
o educando, conhecendo-se a si mesmo e à sua destinação, possa
construir o futuro e sentir-se responsável por ele. Nesse sentido pode-se dizer que o tempo é a
condição da responsabilidade. É o que permite ao homem responder
por seus atos. Na verdade só se é responsável porque o tempo é construído por valores.
Pode-se trair o tempo de dois modos: ou deixando-o no estado de contínua possibilidade, que
anula o futuro e admite apenas o porvir, e faz triunfar o não-valor;
ou pela sua destruição, ou seja, implantando-se o contravalor.
É comum o jovem, por medo, ansiedade ou mesmo indolência, deixar de tomar atitudes que
possam ter conseqüências definitivas, tentando segurar a juventude pela
manutenção do estado de possibilidade indefinidamente.
Interessante comparação pode ser feita com a atitude designada pelo termo zapping, que é
definido no Le Petit Larousse como a "prática do telespectador que muda
freqüentemente de canal por meio do seu controle remoto". É uma imagem que, vinda da televisão,
está sendo progressivamente utilizada para explicar comportamentos
que a ultrapassam, como uma atitude diante da própria vida, pela qual cada um seleciona aspectos
que interessam sem realmente engajar-se em nenhum.

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Anne Furst¹ mostra que zappa-se ao ler uma revista, na vida familiar, na adesão política, na prática
religiosa etc... O zapping caracteriza um novo comportamento,
no qual o sujeito agiria como se tivesse em mãos seu controle remoto e fosse selecionando apenas
os aspectos da vida que lhe interessassem, sem maiores comprometimentos
com o todo Seria como se estivesse sempre diante das possibilidades do porvir.
Há os que não optam nunca por valores mas, apenas por não-valores que não chegam exatamente
a satisfazê-los. Outros, enfim, anulam o tempo recusando qualquer valor,
instaurando o contravalor, construindo como que um tempo negativo.
Sendo a experiência o conhecimento específico de uma existência obtido pela sensibilidade, há
uma experiência do tempo que ocorre no plano pessoal e axiológico.
Cada um conhece o seu tempo que é diferente para cada um. O tempo não é, portanto, propriamente
objeto da experiência mas é ele próprio uma experiência. Não uma
experiência da duração mas uma experiência dos marcos postos pela obtenção de valores.
Todo estabelecimento de uma ordem pessoal e social dá-se graças às experiências anteriores
referentes a marcos passados e efetua-se em função delas na constituição
de marcos futuros.
As possibilidades de experiências proporcionadas ao educando devem ocorrer de tal modo que
contribuam para levá-lo a ordenar sua vida conforme a sua destinação.

Furst, A. "Zapping: la télévision recrée?" in Cahiers pour Croire Aujourd'hui, nº lO6, set. 1992, p.
5.

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A dimensão ética da educação


Depois de se ter procurado analisar os diversos ângulos da teoria dos valores fica bem evidente a
relação que mantém com a educação, especialmente no que diz respeito
ao campo da moral.
Percebe-se que a educação não se esgota nem no processo da tendência nem no da apreensão, mas
que ela vai ocorrer propriamente no momento da hierarquização dos valores
feita por meio dos juízos de valor e da interferência da vontade livre. Ela vai tornar-se possível e
acontecer ao considerar a pessoa humana com as exigências que
lhe são próprias e especialmente com a sua característica fundamental de ente capaz de
comportamento moral, como referencial que a avalia e conduz.
Sendo o homem um ser eminentemente moral, o processo da educação tem que partir dessa
característica e visá-la como objetivo final, porque ela se faz não na sua
animalidade mas sim na sua humanidade
G. Marquez vai definir a ética axiológica moderna como "a ciência que por meio dos valores trata
de averiguar a essência da moralidade" ¹. Para ele a axiologia vai
considerar a ética como uma
¹-Marquez, G.S.Y.Filosofia Moral,p.436

Pág. 104

ciência teórica e não prática porque estuda a natureza e as propriedades da moralidade valendo-se
dos valores.
Todo imperativo moral fundamenta-se no dever-fazer que por sua vez decorre do dever-ideal que se
baseia na própria essência dos valores.
Desse ponto de vista, o dever moral não resulta de nenhuma lei dada ao homem. A ética dos
valores seria a priori e autônoma.
Embora a axiologia fundamente o comportamento ético na necessidade humana que a faz buscar os
valores que a possam completar, a razão de ser da ética está, não no
sentimento, mas nos juízos de valor feitos pela razão, que vão permitir avaliar e escalonar os
valores e apresentá-la com força de dever, de obrigação.
A ética nasce e recebe a sua força da própria destinação humana. A educação moral inicia-se pela
educação da sensibilidade para o valor moral numa primeira fase
que, em parte, corresponde à primeira infância, desenvolve-se numa segunda fase pela organização
do pensamento com a conceituação dos valores, a análise das situações
concretas que envolvem valores morais, pelos juízos de valor e pelos raciocínios sobre questões de
valor, e culmina numa terceira fase com a educação da vontade.
Embora a educação da sensibilidade deva começar na primeira infância, deve estender-se por toda a
vida, juntamente com a da razão e a da vontade, para o aprimoramento
do ato moral.
É pelo aqui denominado sentimento ou como quer Max Scheler, pela intuição emocional, que cada
um percebe o valor moral, apreende-o e instaura-o imediatamente. Toma-se,
portanto, necessária a educação da sensibilidade, do sentimento moral desde a mais tenra idade. O
reconhecimento do valor da pessoa, do "outro" como valor, do respeito
e da justiça deve iniciar-se na fase da formação do imaginário em que, com a linguagem são
apreendidas a cosmovisão e a ideologia. Essa é com certeza a mais importante
e a menos propalada função da pré-escola; o desenvolvimento não do julgamento moral já que ele é
impossível nessa fase, mas da sensibilidade moral. Todos os seus
programas teriam que contemplar esse aspecto do psiquismo humano. No entanto, embora os
valores sejam apreendidos pela sensibilidade, é a razão que vai dissociar
o valor do ser, conhecê-los a ambos como idéias, analisá-las, julgá-las e formular tanto os juízos
sobre os seres quanto os juízos sobre os valores. Esses juízos
por ela elaborados vão justificar a hierarquização dos valores e mobilizar a vontade para a ação. A
ação propriamente humana, a ação ética não se origina portanto
da sensibilidade para o valor, mas da vontade devidamente orientada pelos juízos de valor.

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Mostra Miguel Reale na sua Filosofia do Direito¹ que, depois da apreensão das idéias,
desenvolvem-se os juízos de realidade ou também chamados juízos de existência
que visam a explicar o ser tal como é fenomenicamente através de leis que se expressam pela
fórmula A é B. O seu juízo de valor não analisa o fenômeno do ser mas
o seu valor, afirmando que A deve ser B. Nos juízos de valor os predicados são valores e ligam-se
ao sujeito por um modo especial; "por uma apreciação subjetiva
ou melhor, pela participação da consciência de quem valora no ato de constituir-se o liame".2
Enquanto que as ciências exatas e as ciências naturais elaboram seus juízos como hipóteses ou
como teorias a partir de uma observação do objeto afirmando ou negando
a relação entre um sujeito e um objeto, as ciências humanas além da relação causal ou funcional
vêem a relação axiológica expressando um dever ou uma obrigatoriedade.
"Ao invés, pois, das sínteses explicativas próprias das ciências naturais, temos sínteses
compreensivas, nos domínios das ciências culturais, a cada tipo de leis
correspondem critérios distintos de enunciação lógica e de rigor no tocante à sua verificabilidade.
Daí as diferenças discerníveis também no plano de sua aplicação
prática."³
O homem tende para os valores morais, para o bem, para a bondade, a justiça etc., pela sua própria
humanidade mas são os juízos de valor resultantes da reflexão
racional que estabelecem as normas éticas. O chamado dever moral decorre da exigência universal
e ilimitada de instaurar o valor nas suas múltiplas formas em cumprimento
à própria destinação. O desenvolvimento da destinação por si mesmo exige a liberdade espiritual, a
responsabilidade, justifica as diversas modalidades da lei.
A lei positiva exterior à consciência subdivide-se em uma multiplicidade de exigências precisas e
regula a relação do homem com o concreto.
A lei eterna, interior à consciência, única e universal, manifesta a existência da espiritualidade que
vai além do concreto e revela a aspiração do homem ao valor
absoluto.
Embora a lei positiva expresse o dever moral que varia conforme as condições da existência, sendo,
por isso, circunstancial e mutável, a lei eterna traduz o dever
moral universal com suas normas fundamentais que mandam "fazer o bem e evitar o mal", "não
fazer ao próximo o que não se quer que façam consigo mesmo" e inspira
a lei positiva. A

¹-Reale, Miguel. Ob., p. 226.


²-Idem, p.226.
³-Idem, p.226.

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lei relativa que se adapta às circunstâncias só tem sentido se manifestar no mutável as exigências da
lei absoluta, seguindo assim as diretrizes da lei eterna e sempre
elaborada pelos juízos de valor .
Na medida em que expressam as reais necessidades da pessoa humana os valores são autênticos ou
inautênticos. Esse julgamento é feito pela razão que, por meio dos
juízos de valor, vai entendê-los como verdadeiros ou falsos.
Freqüentemente, os juízos de valor não expressam decisões pessoais e livres mas sim preconceitos
e juízos de outros aplicáveis a circunstâncias diversas mas impróprios
para aquela.
No estudo dos juízos de valor e do papel da vontade no ato livre deve-se portanto refletir sobre a
influência que nele exerce o conhecimento preconceitual, que é
o recebido pela cultura em que se nasce e que dá a primeira visão de mundo e uma convicção
ideológica anterior a qualquer instrução teórica. Esse tipo de conhecimento
vai fazer com que se atribua um valor ao objeto que nem sempre corresponde à realidade. É um
valor preconceituoso produzido tanto pelo imaginário social como pelo
imaginário individual. Vai caber à verificar a veracidade deste valor atribuído ao objeto. Para isso
vai ela fundamentar-se nos primeiros princípios da moralidade
para analisá-lo com referência ao objeto que o possui e assim emitir seu julgamento moral. E o
caso, por exemplo, do racismo que pode ser transmitido como uma convicção
ideológica produzida pelo imaginário social de uma determinada cultura. Sendo esse preconceito
analisado pela razão, vai ser considerado improcedente por falta de
argumentos científicos, filosóficos ou religiosos que o sustentem e assim considerado falso pelo
juízo de valor emitido pela razão.
Esses critérios preconceituosos pesam muito até mesmo ao ponto de muitas vezes deturparem os
juízos de valor, e especialmente por serem eles reforçados pelos mores
do grupo social. Exigem portanto um esforço muito maior de raciocínio, o concurso da reta razão e
da honestidade moral para serem analisados.
Para contornar essa dificuldade, a razão vai desempenhar duas funções: alertar a tendência para que
procure os reais valores correspondentes às suas carências, prevenindo-a
quanto à interferência dos fatores preconceituais do imaginário formados na infância sob a
influência do meio cultural e analisar os valores propriamente ditos situados
nos diversos entes para sobre eles produzir um juízo de valor que servirá para a organização de
valores de cada um. A razão não fica portanto alijada do processo
da opção pelo valor pelo sentimento mas também nessa fase interfere, orientando-o.
Do ponto de vista do educador, conclui-se ser tão necessário quanto o desenvolvimento do
sentimento e da razão o desenvolvimento da

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responsabilidade como a capacidade que envolve o juízo racional e o ato livre da vontade, de
responder por seus atos.
Nesse esforço para levar o educando a formular juízos de valor de modo consciente e livre pode o
educador usar como meio a análise dos fatos, das ocorrências, classificando-os
do ponto de vista moral como que num exercício de juízos de valor. Esse método de reflexão sobre
o valor do fato vai facilitar a capacidade de avaliação e assim
a formação moral do educando. Para esse treinamento de tão grande importância podem ser
utilizados os romances, filmes, novelas, teatros, como ficções da realidade
que permitem uma avaliação moral livre sem prejuízo para o próximo.
Os juízos podem, portanto, referir-se aos fatos ou ao valor que têm. É grande a dificuldade do
estudo de ciências como a história pela conexão que freqüentemente
se faz entre a análise dos fatos históricos e a análise do valor destes sem um claro e explícito
referencial teórico. Os fatos históricos assim analisados passam
a ter o seu valor em conformidade com a escala de valores do historiador.
A educação moral não pode restringir-se a apenas introjetar determinadas normas, regulamentos e
códigos morais, mas deve levar à reflexão sobre os princípios gerais
da moralidade, para que sirvam de referenciais para as diversas situações particulares vividas pelo
sujeito. Por esses motivos, deve ser promovida não só pela família
mas ainda na escola, por todo o corpo docente, como um ponto de convergência de todos os
programas das diversas disciplinas e não apenas de uma específica, ministrada
por um único professor .
Embora a palavra "moral" venha da mesma raiz etimológica de mores, sua definição real com ela
não coincide. Mores são usos, costumes que podem ser altamente imorais,
enquanto a moral vai expressar o valor do "bem" nas suas múltiplas modalidades, para o qual o
homem naturalmente tende, buscando realizar-se como pessoa.
Os juízos de valor vão analisar e julgar os mores para concluir pela sua moralidade ou não.
Uma ação é considerada em conformidade com os mores quando de acordo com a moda, com o
costume do lugar e do tempo. Ela pode por isso ser bem aceita, admitida mesmo
se condenada pela razão ao compará-la com os ditames da lei eterna. O comportamento moral, por
outro lado, pode chocar a sociedade, não ser bem aceito, causar escândalo,
mas ser aprovado pelo juízo de valor, por estar perfeitamente de acordo com a lei eterna. Esse é um
aspecto da ética a ser muito analisado com o educando.
Os usos, costumes, regras e regulamentos são admitidos como válidos pela moral ou não pela sua
correspondência às necessidades da pessoa humana. O comportamento
moral autêntico é motivado pela

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lei eterna adaptada às circunstâncias de modo pessoal e criativo e vai além das convenções. Exige
sensibilidade para o valor, reflexão lógica, um juízo moral correto
e uma vontade firme para agir.
Torna-se então indispensável não só o conhecimento dos valores e dos próprios sentimentos, mas
ainda o do mecanismo dos juízos de valor para uma resposta refletida,
fruto de uma consciência ética.
O juízo moral não pode deixar de considerar os sentimentos que se relacionam com os valores
morais como alegria, tristeza, satisfação, medo, ansiedade etc., os preconceitos,
os usos e costumes, os padrões sociais, os códigos morais vigentes no processo da sua decisão para
chegar ao juízo a ser apresentado à vontade. O juízo moral exige
não apenas o conhecimento dos valores mas ainda o autoconhecimento por parte do sujeito que o
elabora.
"A resposta moral exige que o indivíduo se sinta livre para expressar o seu querer e a sua vontade.
Isto significa que a escolha não pode ser coagida, não pode ser
conseqüência do querer de outra pessoa."¹

Como ela bem mostra também, não significa isso que se deva desconhecer, rejeitar a priori as
normas estabelecidas, os comportamentos considerados certos pela comunidade,
mas que eles devem ser analisados criticamente antes de passivamente aceitos. Nada invalida o agir
moral em concordância com as normas vigentes se se estiver de
acordo com elas.
Os princípios morais servem portanto de referência para os juízos de valor no plano ético. Serão
úteis como guias, como orientação no julgamento dos valores morais
na área da pessoa, da personalidade e da cultura.
No plano pessoal, os juízos éticos devem visar à plena realização das suas carências fundamentais:
afetivas, racionais e volitivas. É uma exigência ética que se
respeite a sensibilidade, o sentimento de cada um na sua busca dos valores básicos; a racionalidade,
garantindo-se o direito ao conhecimento intelectual, de modo
a que os juízos possam fazer- se corretamente, e a vontade, sendo garantido o direito ao livre
arbítrio, à vontade livre, cuidando-se para que não haja interferências
veladas e imposições mascaradas que beneficiem os que estão em situação privilegiada.
Na área da personalidade, os julgamentos éticos devem respeitar a organização de valores própria
daquele indivíduo procurando atender às necessidades peculiares
de cada um em cada circunstância.
¹Bicudo, Maria Aparecida. Fundamentos Éticos da Educação, São Paulo, Cortez e Moraes, 1982, p.
17.
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Na área da cultura, cabe ao julgamento moral avaliar se está sendo instaurado no concreto um
valor ou um contravalor, de modo a construir-se uma cultura e não uma
contracultura.
O conhecimento dos valores cresce com a experiência de vida e com o desenvolvimento da razão,
sendo portanto possível o aumento do nível de compreensão como conseqüência
da educação e da instrução. O aprofundamento do autoconhecimento e o do meio cultural, somado
ao conhecimento dos princípios morais da lei eterna, vão permitir uma
escolha mais sábia, firme e coerente, que será assim fruto da educação.
Também a vontade influi no comportamento moral, como a força que, aceitando o ditame da razão,
vai passar à ação instaurando o valor moral. O comportamento moral
não se fundamenta apenas em raciocínios lógicos mas ainda no amor que impulsiona a vontade. A
ação moral resulta dos juízos de valor que são apresentados à vontade
e do impulso a ela dado pelo sentimento do amor para que passe a agir instaurando o valor.
Conclui-se, portanto, que os raciocínios lógicos são subjacentes à escolha
moral, mas não suficientes para explicá-la.
Em geral, muito se cuida da educação da sensibilidade e da razão, mas pouca atenção é dada à
educação da vontade, à criação de bons hábitos que é freqüentemente
confundida com a anulação da liberdade, com o autoritarismo, com a imposição de uma escala de
valores.
Bons hábitos fortalecem a vontade, aumentam a sua capacidade de opção livre e permitem que o
amor encontre um instrumento hábil e forte para pôr em prática seus
objetivos.
Pode-se mesmo entender o comportamento moral como a força da vontade que faz obedecer às
normas estabelecidas, o que longe de ser um defeito, indica valor, na medida
em que significa autocontrole, autodeterminação. No entanto, se o educando não for senhor de sua
vontade, mas apenas um cumpridor de regulamentos por acomodação,
sem analisar criticamente os fundamentos de sua ação, ela deixará de ser ética por não se ter
originado de reais juízos de valor.
Tanto vale o cumprimento de um dever ordenado pela decisão da vontade livre quanto o que resulta
da autonomia no juízo de valor. No primeiro caso, a obediência e
a fidelidade são tomadas como valor, havendo assim, em ambos os casos, o juízo de valor.
A experiência da ação moral leva a uma maturidade nesse terreno que faz com que em cada
circunstância singular perceba-se a lei universal e se aja de acordo com
ela. O tabu tem muitas vezes o significado de preservar a moralidade, por não permitir o precedente
que justifica a decadência.
A vontade representa para o homem uma força, um poder, e a simples consciência de poder já
pressupõe o poder como uma modalidade de experiência da tendência, bem
diferente dá simples disposição.

Pág. 110
Max Schelerl¹ confirma a consciência de poder, dizendo que a autonomia e a originalidade deste
poder revelam-se pela espécie de satisfação, de alegria, de prazer,
experimentada pela consciência de poder. Mostra ainda que esta modalidade de prazer em nada se
assemelha com o que advém da realização desse poder. Não é nem mesmo
a satisfação de fazer mas a de poder fazer. Ela ocorre mesmo quando não se faz, quando se renuncia
a algo que sabe-se que se está em poder de obter. A satisfação
de "poder" é mais profunda e mais nobre do que as alegrias ligadas às múltiplas realizações que
podem advir deste poder.
No estado de infância ética, o valor apresenta-se extremamente dividido tanto pelo
desconhecimento dos próprios sentimentos quanto pela inexperiência intelectual
e assim também o dever moral que parece em nada ligar-se à lei absoluta. Neste caso, embora haja
o conhecimento do dever moral, o conteúdo da imoralidade é desconhecido.
O desenvolvimento dessa experiência feito pela ação educativa é que permite a ação
verdadeiramente moral.
A educação moral, além de levar à discriminação dos valores adequados, ao escalonamento dos
valores segundo os juízos de valor, ao fortalecimento da vontade para
que tenha força para acatar os ditames da razão, deve ainda prevenir quanto aos erros da apreensão
que leva à escolha de não-valores ou de contravalores no lugar
dos valores adequados ao pleno desenvolvimento da pessoa humana. Deve, portanto, ter sempre
presentes os princípios morais como orientadores, como critérios de escolha,
como guias seguros.
Ela se fundamenta no reconhecimento do outro como pessoa, como igual, que leva ao respeito e ao
reconhecimento do seu direito ao que lhe é devido, conduzindo assim
a noção da justiça. O outro está sempre presente numa educação moral. Confrontam-se por meio
dele as noções de liberdade e de igualdade como pólos opostos deixando
a impressão de que quanto maior a liberdade menor a igualdade entre os homens e vice-versa. A
educação moral ao considerar a liberdade do outro tanto quanto a do
sujeito da ação pode contornar essa aparente oposição e chegar ao ideal de maior liberdade e maior
igualdade conjuntamente.
Os estudiosos da teoria do desenvolvimento cognitivo insistem em que seja ensinado, não um
conjunto de virtudes, mas sim os princípios morais subjacentes a toda
ação moral. Vêem o sujeito como um ser ativo, capaz de construir o seu próprio sistema de valores.
Maria Aparecida Bicudo, sobre esta questão, afirma que: "Não se pode deixar de reconhecer que as
atividades concernentes às operações

¹Scheler, M. Ob. cit., p. 246.

pág. 111

mentais sejam muito significativas para a expressão da moralidade humana. Os critérios de


coerência, de consistência e de universalidade -características do raciocínio
lógico -são apropriados ao pensamento que procura discernir adequadamente entre fatos, crenças e
valores e atingir um julgamento moral adequado. Este raciocínio
provê a criança com algumas ferramentas com as quais ela pode analisar a situação na qual se
encontra e formular os seus julgamentos. Daí ser importante que as atividades
didático-pedagógicas que objetivam auxiliar o desenvolvimento moral constem do curso de
Educação Moral."¹
No entanto, como a própria autora citada reconhece, a educação moral não pode limitar-se às
operações lógicas, porque o comportamento moral não é baseado apenas
em raciocínios lógicos. O comportamento moral fundamenta-se na sensibilidade bem desenvolvida,
que leva à capacidade de tender para o valor moral, reconhecê-lo e
apreendê-lo antes de qualquer juízo de valor.
Piaget, na obra La Nueva Educación Moral, depois de afirmar que não há moral sem uma educação
moral², considera a moralidade sob dois aspectos: a heterônoma e a
autônoma. Diz ele: "São dois tipos de respeito que parecem explicar-nos a existência de duas
morais cuja oposição nas crianças se observa sem cessar: O respeito
unilateral, que de par com a relação de pressão moral leva ao sentimento do dever. O dever
primitivo que resulta portanto da coação adulta sobre a criança é essencialmente
heterônomo e pelo contrário, a moral que resulta do respeito mútuo e das relações de cooperação
que se caracteriza pelo sentimento do bem interior na consciência
e pelo ideal de reciprocidade que leva achegar a ser inteiramente autônoma.
Conseqüentemente admite dois tipos de regras, que se desenvolvem segundo dois tipos de respeito:
a regra exterior ou heterônoma e a regra interior; somente a segunda
conduz a uma real transformação da conduta espontânea.
A educação cabe promover a passagem da moral heterônoma para a autônoma. Essa passagem, no
entanto, no seu entender, não ocorre necessariamente, mas é o resultado
da interferência de fatores cognitivos que responderiam pela responsabilidade subjetiva e assim
pela moralidade.
A moral heterônoma decorreria das restrições impostas pelos adultos, que valendo-se do
comportamento tipicamente infantil de acatar

¹Bicudo, M. A. Ob. cit..., p. 76.


²Piaget, Jean. La Nueva Educacción Moral, ps. 41-45.
³Piaget, J. Ob. cit., p.49

pág.112

literalmente as regras dadas, como que impede os seus juízos de valor. Levaria à obediência não ao
espírito da lei, mas à sua letra. O comportamento moral seria
caracterizado pela obediência à vontade do adulto e não pelo exercício da vontade própria.
O esforço da educação deveria ser feito não no sentido de manter a obediência passiva, mas no de
levar à moral autônoma, que se caracteriza pela responsabilidade
subjetiva e pela capacidade de cooperação. O respeito mútuo, e não apenas para com o adulto,
iniciar-se-ia no relacionamento entre os companheiros de grupo.
Piaget considera que a cooperação exige o desenvolvimento intelectual e é apreendida pelos
exemplos encontrados pelo educando. O desenvolvimento da autonomia do
indivíduo leva-o a libertar-se pouco apouco da coerção pela autoridade e a desenvolver uma atitude
moral fundamentada no respeito mútuo.
A responsabilidade subjetiva que permite a moral autônoma é atingida quando consegue considerar
as intenções e os motivos subjacentes aos atos. O uso da reciprocidade
exige raciocínio moral e surge quando a interação é feita entre crianças da mesma idade. O
desenvolvimento da intencionalidade vai corresponder à diferenciação cognitiva
entre objetivo e subjetivo, ocorrendo então o desenvolvimento da intencionalidade com o aumento
da idade. Haveria uma correlação entre o desenvolvimento moral, segundo
os parâmetros estabelecidos pela Teoria do Desenvolvimento Cognitivo.
Também Kohlberg e Kramer analisam o comportamento moral da criança enfatizando a maturação
das estruturas cognitivas para o desenvolvimento do julgamento moral.
Ângela M. B. Biaggio, na sua obra Psicologia do Desenvolvimento, apresenta a seqüência de
estágios do desenvolvimento moral de Kohlberg. No seu entender, a posição
de Kohlberg é radicalmente diferente da de Piaget e da maioria dos psicólogos que tentam explicar
o desenvolvimento moral, porque Kohlberg acredita na universalidade
dos princípios morais. A maioria dos psicólogos parte da premissa de que não há princípios morais
universais e que cada indivíduo adquire os valores morais da cultura
em que é socializado.¹ Kohlberg, enfatizando os fatores cognitivos mais do que os emocionais no
desenvolvimento moral, divide o seu desenvolvimento em três níveis
de raciocínio moral, subdivididos cada um em dois estágios:
¹ Biaggio, A. M. B. Psicologia do Desenvolvimento, p. 183.

Pág.113

Nível I Pré-convencional (ou pré-moral)

* Estágio 1 - Orientação para a punição e a obediência.


* Estágio 2 - Hedonismo instrumental relativista.

Nível II Convencional (moralidade de conformismo ao papel convencional)

* Estágio 3 - Moralidade "bom garoto" de manutenção de boas relações e de aprovação dos outros.
* Estágio 4 - Autoridade mantendo a moralidade.

Nível III Pós-convencional (moralidade de princípios morais e aceitos conscientemente)

* Estágio 5 - Moralidade de contrato e de lei democraticamente aceitos.


* Estágio 6 - Moralidade de princípios individuais de consciência. ¹

Percebe-se que, apesar do desenvolvimento das atividades lógicas ser fundamental para a
formulação do juízo de valor, a educação moral já começa no aprimoramento
da sensibilidade para o reconhecimento do valor moral.
A educação moral, interferindo na formação da sensibilidade, do juízo de valor e na ação, vai
interferir na formação da personalidade.
Yvan Gobry admite duas noções básicas na teoria da Personalidade: a primeira que a considera sob
um aspecto funcional e subjetivo: a personalidade como consciência
de si não apenas um ato único de consciência de si que estabelece uma identidade entre o eu
conhecedor e o eu conhecido, mas um ato permanente de consciência que
identifica como uma realidade única os aspectos sucessivos do eu; o sujeito que faz um juízo de
existência coincide nesse juízo não só consigo mesmo, mas com a sucessão
de "eus" com os quais coincidiu antes; pela lembrança ele se reconhece nos atos de conhecimento,
de afetividade e de ação que fez no passado; por antecipação, reconhece-se
nos atos que projeta no futuro. Esta consciência de si é então consciência da própria permanência e
da realidade permanente dos fenômenos que pôs como marcos na
sua vida. A personalidade como processo de criação do tempo

Kohlberg in Biaggio A. M. B. Ob. cit., p. 184.

pág.114

feita pelos juízos de valor e como experiência da responsabilidade pelo exercício da vontade livre.
Em segundo lugar a personalidade considerada no seu aspecto estático e objetivo: como síntese
num mesmo indivíduo do temperamento e do caráter.
Em ambos os aspectos a personalidade expressa sempre a unidade. Ela pode ser entendida como o
ato de unir em uma consciência de si clara e totalitária a pluralidade
dos fenômenos pelos quais o sujeito manifesta-se. É a experiência do sujeito como autor de seus
próprios atos e assim não é somente a consciência de si, mas é também
vontade. A consciência de si reclama um constante esforço intelectual, ao mesmo tempo em que a
unificação de todos os "eus", sua ligação com o sujeito original e
sua dominação pelo sujeito responsável exigem o seu controle sobre os fenômenos que se sucedem.
Esta exigência de ação da vontade manifesta-se na construção e na alteração da personalidade. A
personalidade é construída lenta e diferentemente, sem jamais atingir
a plenitude definitiva, porque exige a capacidade de deliberação de decisão para que possa ser feita
a hierarquização dos valores e o concurso da vontade livre nas
opções por ações práticas. Há ainda o fato do sujeito não dominar todos os aspectos do seu eu, de
não ter nunca o pleno controle de si mesmo, o total domínio dos
fenômenos da subjetividade. O domínio de si mesmo consiste exatamente na posse dos fenômenos
subjetivos pelo sujeito.
A vontade tem uma função ética porque os fenômenos da subjetividade não se apresentam todos
com a mesma importância para o sujeito. De início, na fase da formação
da personalidade, o sujeito os analisa, critica, reestrutura, sistematiza de modo difícil e árduo, como
que à procura de si mesmo, no esforço de autoformação, para
depois agir espontaneamente.
Na justaposição da experiência interior, todas as expressões da subjetividade não têm a mesma
validade sendo umas muito mais significativas do que as outras tanto
para a personalidade real quanto para a desejada.
O eu original é aquele que se constrói segundo um modelo eleito. Cada um, em última instância, é
autor da própria personalidade que está sempre sendo construída
porque dependente da maior capacidade lógica de reconhecer, discriminar e avaliar os valores e de
um mais pleno fortalecimento da vontade.
Ao escolherem-se alguns fenômenos passageiros da subjetividade para fixá-los como características
da própria personalidade está-se optando por valores. É sempre
uma opção por uma hierarquia de valores, uma escolha que implica a aceitação de uns e a rejeição
de outros, a primazia de uns sobre os outros. A unidade visada como
constitutiva da própria personalidade exige a aceitação e a rejeição de valores.
Pág.115

A constituição da personalidade é, portanto, o resultado de uma instauração de valores. A pessoa,


no início apenas a capacidade de constituir-se, de fazer-se, de
desenvolver seu valor pessoal, de ser racional e livre, torna-se uma personalidade. Todo fenômeno
psíquico é ou efeito da tendência em busca do valor adequado fora
de si mesmo ou indicação de um valor a ser no próprio sujeito desenvolvido.
Os fenômenos da subjetividade mostram sempre a insuficiência do sujeito e o esforço da conquista
do valor possível, ou seja, o desenvolvimento do valor na pessoa
constituindo sua personalidade.
O valor instaurado no sujeito pela ação da vontade, assim como ocorre com o valor biológico no
organismo, é por ele assimilado, transformando-se na própria personalidade
do sujeito. Todo valor intelectual, afetivo, moral etc., instaurado na pessoa, vai tomar-se elemento
da sua personalidade. Os valores são instaurados na personalidade
pela ação da vontade, que os retém ou rejeita, conforme o julgamento da razão.
É essa intervenção da vontade que faz com que os diversos valores transformem-se no próprio
sujeito enquanto personalidade estruturada.
A construção da personalidade como resultante da instauração de valores efetua-se diversamente,
conforme a maior ou menor participação da vontade e do tipo de sua
atuação. Uma vontade inexperiente, voltada apenas para o momento, leva ao capricho ou à adesão
descontínua ao valor. Por capricho entende-se o tipo de ato voluntário
que aceita ou recusa o valor apenas segundo o prazer ou a fantasia de prazer que proporciona. A
adesão descontínua ocorre quando o valor é aceito apenas se parecer
favorável a uma apreciação espontânea limitada e incapaz de fundamentar-se numa continuidade da
experiência com vistas à construção do futuro. A personalidade pode
ainda ser produzida por uma vontade advertida, capaz de ligar o presente ao passado e ao futuro.
Há, portanto, personalidades voltadas para o porvir, enquanto que
outras orientam-se para o futuro. São personalidades orientadas por hierarquias de valores bem
fundamentadas. Cada valor não pode ser vivido e gozado independentemente
dos outros, sob pena de eclipsá-los, de desvalorizá-los.
Parece que, de início, o homem tateia na busca do valor para depois de uma escolha, de uma opção
livre propriamente, instaurá-lo. Na verdade, o fenômeno não ocorre
exatamente assim, porque cada ser humano recebe do outro informações e conselhos que
influenciam o seu agir. O outro, seja enquanto indivíduo ou enquanto sociedade,
passa uma hierarquia de valores, que evita o tateamento e os erros advindos da inexperiência de
cada um. Há mesmo a tentação de seguir sempre a ordem de valores
do próximo como uma garantia contra os fracassos

Pág. 116

pessoais. A educação não se transmite apenas pelos educadores, mas por toda a sociedade. A
constituição da personalidade vai ser feita tanto pela influência da educação
formal quanto pela interferência da sociedade em geral.
A educação, ao formar a personalidade, deve proporcionar informações suficientes para que os
valores possam ser aceitos segundo uma ordem adequada ao desenvolvimento
da pessoa. Ela oferece à liberdade pessoal matéria para aceitação ou rejeição de modo a que o
sujeito venha, por um ato de sua vontade livre, a tornar-se ele próprio.
A educação, então, longe de retardar ou sufocar a liberdade, a suscita e desenvolve, permitindo a
construção da personalidade. Leva a vontade a agir edificando a
personalidade. Pode-se perceber que ela ocorreu, aconteceu, que o indivíduo foi educado, quando
nele se caracteriza a autonomia, como superação da dependência.
No processo da educação tanto o desenvolvimento da inteligência quanto o da sensibilidade fazem-
se pelo contato, pela ajuda, pela contribuição das inteligências
e das sensibilidades dos outros.
O conhecimento sistemático, especialmente da filosofia, pelo que promove de reflexão crítica, é de
grande valia para o desenvolvimento do conhecimento moral. As
regras morais e as jurídicas constituem-se em bens de cultura diretamente ligados à ação moral. A
ética e o direito resultam dessa reflexão e dos juízos de valor
que se incorporam como normas. Facilitam a ação moral por mostrarem claramente o caminho e ao
mesmo tempo o dificultam porque de certo modo levam à acomodação e
à irresponsabilidade.
Max Scheler vai insistir sobre o fato da obrigatoriedade do valor moral, quando afirma que ela se
fundamenta em dois axiomas fundamentais: "tudo o que possui um
valor positivo deve ser e tudo o que possui um valor negativo não deve ser".¹
A ética não se fundamenta apenas em deduções lógicas a partir de conceitos de valores morais, mas
na própria tendência natural para eles. Não se constitui apenas
de juízos de valor que mobilizam a vontade mas é fundamental a característica da obrigatoriedade
da ação. A idéia de dever moral como imperativo categórico. Há sempre
um dever a cumprir. Ela não somente proíbe o negativo mas mostra a necessidade de buscar o
positivo. Confundem-se, portanto, a obrigação ideal com o dever moral.
Ligam-se por meio dela o objetivo ideal e a ação prática.
O educador não pode fugir dessa realidade para se tornar simpático. Não pode adotar atitudes
demagógicas para conquistar o
educando

¹Scheler, Max. Ob. cit., p. 222.

Pág.117

fantasiando, negando a exigência fundamental da moralidade. Os mesmos valores, já se viu, e a


mesma hierarquização axiológica podem motivar leis normativas diferentes
para as diversas comunidades humanas. A especificação e a codificação dos valores morais variam
no tempo e no espaço conforme as circunstâncias. No entanto, guardam
sempre as expressões do bem moral universal, da lei eterna, a marca da obrigatoriedade. As normas
morais ligam-se aos conteúdos de obrigação fundamentados nos valores,
por isso a sua origem não pode nunca ser explicada pela psicologia ou pela biologia. Apenas a
seleção dos conteúdos ideais do "dever-ser" como conceitos correspondentes
a uma determinada área axiológica e o seu ordenamento conforme as necessidades mais
fundamentais do homem podem por elas serem estudados.
Todo dever é então uma obrigação imediata a um agir, a um fazer e visa sempre à realização plena
do homem enquanto pessoa.
Pág.118

O problema da avaliação em educação

A última questão que desafia o educador é a da avaliação da sua ação e dos resultados dela.
Hoje, mais do que nunca, esse problema se impõe pela necessidade de constante correção de
rumos decorrente da velocidade das mudanças do mundo moderno. As novas
invenções, o progresso da tecnologia de tal modo se fizeram sentir que por vezes perdem-se os
referenciais e as escalas de valores parecem inverter-se. Faz-se portanto
necessária uma metodologia que permita ao homem medir e avaliar a sua ação em todos os campos
e também no da educação. A demanda da excelência, do aperfeiçoamento
constante exige que se chegue a padrões de medida em todas as instâncias do homem. Padrões de
medida da sua animalidade e da sua humanidade. Da sua sensibilidade,
da sua capacidade intelectual e volitiva. Da sua educação, da sua instrução e da sua cultura.
Enquanto que no passado pela supervalorização do conhecimento intelectual
procurou-se medir a inteligência ou mesmo fazer uma análise fatorial das aptidões de cada homem,
hoje a exigência é mais global, buscando-se o estabelecimento de
um instrumental que permita a sua avaliação por inteiro.
Aqui muito falamos de educação. Mas como medir, como avaliar o processo educacional? Em
primeiro lugar, fica claro que não são mais suficientes os parâmetros do
passado. Não basta mais medir a produção escolar, a performance acadêmica, como também não
apenas os níveis de inteligência.

Pág. 119

A avaliação educacional é por si mesma extremamente difícil, porque extremamente deturpada


pelo fator emocional do avaliador.
É um tipo de avaliação que para abranger a humanidade do homem deve ultrapassar a instância da
medida objetiva.
Afima Nilson José Machado que "julgamentos de valor são sempre mais complexos do que meras
operações de medição, em conseqüência, a tarefa do professor, ao avaliar
mais do que saberes técnicos, exige a competência, o discernimento e o equilíbrio de um
magistrado, uma vez que o que está em jogo é o pleno desenvolvimento de um
ser humano".¹
Avaliar é julgar sobre a importância de um fenômeno em relação a um determinado referencial. O
conceito de avaliação é sempre mais amplo do que o de medir, porque
implica o julgamento do incomensurável. Especialmente considerada no processo educacional, o
seu sentido é mais abrangente do que o de medir, embora sirva-se com
freqüência da medida como meio auxiliar para os seus juízos.
Freqüentemente tem-se discutido a avaliação em educação especialmente por perceber-se que
neste terreno ela deve focalizar, além do domínio psicomotor e do cognitivo,
o afetivo.
A avaliação no campo da educação realiza-se em função de objetivos claramente definidos,
constituindo-se num processo contínuo, sistemático e integral. Avaliar
o aluno integralmente significa avaliá-lo em todos os domínios do seu comportamento: o
psicomotor, o cognitivo e o afetivo, ao mesmo tempo em que se percebe que,
embora o indivíduo seja um só e que os diversos domínios do comportamento constituam um
mesmo indivíduo, são aspectos diversos que devem ser avaliados separadamente.
Medir é, enfim, determinar ou verificar tendo por base uma escala fixa.
Por "medida", segundo o Dicionário de Psicologia², entende-se "meio de comparação e de
apreciação". Sem dúvida, um padrão é fundamental para uma maior objetividade
na mensuração das performances físicas e intelectuais. Mede-se o resultado de um esforço físico, de
uma experiência das ciências da natureza ou mesmo da produção
intelectual. Esse resultado, no entanto, pode auxiliar a avaliação do homem mas nunca ser aceito
como último e definitivo, pois, quando se trata do ser humano, qualquer
medida é sempre parcial, incompleta e pouco confiável. O resultado da medida é, em geral,
expresso

¹Machado, Nilson José. "Avaliação Educacional: das Técnicas aos Valores" in Revista
Psicopedagógica, 13, nº 28-29-18, São Paulo, janeiro, 1994- p. 9.
²Sillamy, Norbert. Dicionário de Psicologia, Larousse do Brasil.

Pág. 120

numericamente, quantitativamente, só adquirindo sentido, só tendo significação, se julgado em


relação a padrões que representem objetivos predeterminados. Por exemplo,
a nota como medida do aproveitamento escolar é simplesmente um código dentro de um sistema
geral de codificação. Ela engloba uma medida e uma avaliação. Deve expressar
a quantidade de matéria conhecida e o modo pelo qual é conhecida. Vai informar sobre a
quantidade e a qualidade do ensino e da aprendizagem, levando em conta as
diferenças individuais dos alunos, seus diferentes ritmos e preferências dentro do processo global
da aprendizagem.
A medida, portanto, expressa a quantidade, enquanto que avaliação envolve um julgamento de
valor e uma expressão qualitativa, tendo em vista objetivos e metas
determinadas.
A avaliação educacional, ultrapassando a simples medida, vai considerar o aluno nas suas
diferenças e peculiaridades, podendo adotar padrões de medida diferentes
para cada um, focalizando os diversos aspectos do seu psiquismo: sensibilidade, razão e vontade
para avaliar o seu processo em relação à meta almejada.
A avaliação consiste numa apreciação de mérito, podendo ser auxiliada ou prejudicada pela
mensuração.
Os objetivos da avaliação educacional são múltiplos, abrangendo as áreas da sensibilidade, da
razão e da vontade. No entanto, deve-se registrar o fato, só pode
utilizar-se do método extrospectivo, observando as manifestações, as performances: o resultado das
sensações, as habilidades, as demonstrações do sentimento, as
atitudes, a produção intelectual, os comportamentos etc.
A avaliação é feita por meio dos juízos de valor, que se manifestam sempre, mesmo que o
avaliador deles não tenha consciência.
Mostra Erich Fromm que "todo planejamento é dirigido por juízos de valor e normas, estejam os
planejadores cientes ou não de tal fato". "Isto significa que o homem,
não a técnica, deve tornar-se a última fonte dos valores, a otimização do desenvolvimento humano
e não a máxima produção o critério para todo planejamento."¹
A avaliação é o julgamento do valor de alguma coisa. No campo da educação, podem-se avaliar o
sistema, os programas, os currículos, a administração, os professores,
os alunos.

¹Fromm, E. "Humanizing a Technological Society"-197l, in Machado N. Y. "Avaliação Educacional


-Das Técnicas aos Valores," São Paulo, Revista Psicopedagógica, 13(18)
09-18-1994- Revista da ABPp.-p. 18.

Pág. 121

Na área da educação, a mensuração de cunho técnico não substitui a necessidade da avaliação e a


excessiva importância dada às estatísticas e aos testes quantitativos
pode perverter o processo, mascarando seus reais problemas e dificuldades.
O estabelecimento dos objetivos, das metas da educação, constitui-se, assim, no primeiro passo do
processo da avaliação. Postos esses objetivos é que se vai iniciar
o processo do ex-ducere como conduzir para fora em direção a um fim preestabelecido.
Ceres Santos da Silva, na sua obra Medidas e Avaliação em Educação, diz que "avaliar deriva de
valia, que significa valor. Portanto, avaliação corresponde ao ato
de determinar o valor de alguma coisa. A todo momento, o ser humano avalia os elementos da
realidade que o cerca. A avaliação é uma operação mental que integra o
seu próprio pensamento, as avaliações que faz orientam ou reorientam sua conduta".¹
A relação entre avaliação e medida pode ser comparada com a que se pode estabelecer entre
qualidade e quantidade, enquanto que a relação entre avaliação e valor
diz respeito a uma análise, um julgamento do valor de algo.
A avaliação tem por objetivo fazer aparecer claramente as contradições e os problemas vividos na
prática, dando um novo alento à ação. Deve visar a uma melhoria
da qualidade e não apenas servir para lamentações e desânimo.
Sua principal função é a de permitir perceber-se em tempo hábil o possível afastamento dos
objetivos propostos, das metas a alcançar, possibilitando um retorno
rápido com economia de esforço e de tempo, e de permitir uma constante correção de rumos.
Sua função não é punitiva, como freqüentemente parece ser entendida nos meios escolares, nem a
de mera constatação diletante, mas a de verificar em que medida
os objetivos inicialmente propostos estão sendo alcançados para uma possível correção dos desvios,
tanto por parte do educador quanto do educando.
A avaliação não pode ainda ser usada como um instrumento de poder na mão dos mais poderosos
para garantir-lhes a posição de mando.
Ela vai portanto:

a) diagnosticar o problema;
b) programar a ação;
c) acompanhar o processo corrigindo as falhas e desvios.

¹Silva, Ceres Santos da. Medidas e Avaliação em Educação, Petrópolis, Vozes, 1992-p.11.
Pág. 122

O processo da avaliação desenvolve-se nos seguintes momentos:

1) determinação de objetivos e metas a alcançar;


2) estabelecimento do ideal a atingir, que será utilizado como padrão de referência da avaliação;
3) recolhimento dos dados com a maior objetividade possível;
4) se possível, a mensuração dos dados com os instrumentos de medida adequados;
5) juízos de valor sobre os dados recolhidos e se possível sobre o significado dos resultados da
mensuração.

Embora se possam medir os dados concretos e as performances resultantes das sensações, o


mesmo procedimento não é possível para as que decorrem dos sentimentos
e da ação livre. É impossível avaliar com precisão e de modo objetivo o sentimento estético, o ético
e especialmente o religioso. Por mais que se procure instrumentos
para esses tipos de avaliação, todos apresentam defeitos e limitações que os tornam pouco
confiáveis.
Considerando-se particularmente a avaliação educacional, distinguem-se em geral quatro tipos de
acordo com a finalidade a que se destina:

a) A diagnóstica, que analisa a situação inicial do educando ou da instituição educacional,


verificando o estado em que se encontra, seus problemas e as dificuldades
a serem superadas.
b) A somativa, que recolhe os resultados do processo ensino-aprendizagem em todos os seus
aspectos.
c) A formativa, que propriamente julga os resultados do ensino-aprendizagem para as correções
que se fizerem necessárias.

Ceres Silva Santos apresenta, na sua obra, a definição de avaliação de Stufflebeam (1981) e o seu
modelo (CIPP) que distingue quatro tipos de avaliação. Avaliação
é por ele definida como "o processo de delinear, obter e fornecer informações úteis para o
julgamento de decisões alternativas". Propõe o modelo CIPP, que prevê
quatro tipos de avaliação:

a) de contexto, na qual se assentam as decisões de planejamento;


b) de insumo, que projeta e analisa esquemas alternativos de procedimentos, fundamentando
decisões de estruturação;
c) de processo, que acompanha as etapas de implementação;
d) de produto, que aprecia resultados fundamentando decisões de reciclagem.

Pág. 123

É o conhecido CIPP (contexto, insumo, processo, produto)¹.


Os instrumentos de medida interferem no processo, fato que deve sempre ser levado em conta,
provocando distorções e até mesmo erros na avaliação. Há, portanto,
a necessidade do estabelecimento de parâmetros e normas de validade para o próprio instrumental
de mensuração auxiliar da avaliação.
Alguns cuidados se fazem necessários para a avaliação, especialmente no campo da educação: o
primeiro diz respeito aos instrumentos de medida que precisam ser
não somente bem elaborados, para realmente corresponderem ao seu objetivo, como ainda
utilizados de maneira correta, para não falsearem a informação que se quer
obter. O segundo refere-se ao avaliador, suas características peculiares, tanto enquanto pessoa
humana, com uma determinada escala de valores, como enquanto personalidade,
com um determinado temperamento e caráter.
O educador deve ter consciência da sua própria visão de mundo, da sua formação ideológica, seus
sentimentos e hábitos. É comum a distorção da avaliação educacional
por conta da ideologia do educador. Embora sabedor da impossibilidade da completa superação da
instância ideológica, pode o educador, pela consciência do fenômeno
da interferência da ideologia no relacionamento social, de algum modo controlá-la. O
conhecimento de si mesmo por parte do avaliador é condição e pré-requisito para
o êxito da avaliação. A educação configura-se como um processo de controle social, de
direcionamento da vida do "outro", que exige do educador imensa capacidade
de responsabilidade no sentido etimológico do termo, é a preocupação constante com a
interferência que os fatores pessoais possam ter no seu julgamento.
Torna-se necessária, por todas essas considerações, a constante revisão dos métodos e técnicas, a
reciclagem dos professores, a reflexão sobre os sistemas de avaliação.
Como a avaliação sempre se refere a objetivos previamente fixados pelo professor, tendo em vista
suas circunstâncias e métodos para atingi-los, o resultado do
processo da avaliação educacional mostra não apenas o sucesso ou o fracasso do aluno, mas
também o do educador.
Afirma Vianna (1992) que, "se até há pouco tempo a avaliação enfocava sua atenção na
mensuração apenas no desempenho escolar, hoje a preocupação está em avaliar
o próprio sistema educacional como um todo. Esse novo posicionamento deve-se, principalmente,
ao

* Stufflebeam, V. "Alternativas em Avaliação Educacional_Um Guia de Auto-Ensino para


Educadores "in Silva, Ceres Santos da. Medidas e Avaliação em Educação. Petrópolis,
Vozes, 1992.

Pág. 124

reconhecimento de que algumas informações prioritárias como a eficácia da educação pré-escolar,


o treinamento dos professores e a influência dos fatores socioeconômico
no processo de aprendizagem são extremamente deficientes."¹
A capacidade de avaliar constitui-se por si mesma num aperfeiçoamento humano, num esforço de
alto-superação e assim numa forma de poder. Percebe-se que a realização
efetiva do que se pode fazer depende muito freqüentemente da consciência que se tem desse
"poder". O ato de reflexão que leva à necessidade e à capacidade de avaliação
aumentam o poder do homem não só sobre a natureza em geral mas ainda sobre si mesmo e sobre o
"outro" por meio da ação educativa. Essa forma de "poder" não deve
ficar restrita aos educadores, mas ser passada aos educandos para que se habituem a constantes
esforços de avaliação que neles desenvolvam a autoconsciência, a capacidade
de reflexão e assim, ainda, a consciência do poder. Muitas potencialidades permanecem
adormecidas, sem que jamais se atualizem, por falta da consciência delas, que
surge da auto-avaliação. Constitui-se, portanto, ainda como tarefa da educação, levar o educando à
reflexão, à autoconsciência que possibilita a avaliação das próprias
potencialidades, à consciências do poder que tem para, pela ação da vontade, instalar novos valores
em si e no mundo.

¹Vianna, H. M. & Franco, G. T. "Avaliação da Aprendizagem _ Instrumento para a Eficiência e


Qualidade de Ensino" in Machado, Nilson José. Ob. Cit. - p. 10.

Pág. 125

Conclusão

Afirma Max Scheler que "um educador que não está convencido de que seu aluno, uma vez
amadurecido, fará espontaneamente aquilo que ele achou que lhe devia prescrever
tem o dever de abandonar esta educação" ¹e continua ainda: "voltemos agora à relação entre
obrigação ideal e os valores. Esta relação repousa sobre dois axiomas
fundamentais: tudo o que possui um valor positivo deve ser e tudo o que possui um valor negativo
não deve ser".²
Estas afirmações trazem dois tipos de considerações conclusivas. A primeira diz respeito ao papel
do educador, mostrando dever ser de alguém convicto, com um sistema
de valores bem estruturado e justificável teoricamente, embora alguém consciente de suas
limitações, de sua incompletude e como um "eterno aprendiz", pronto ao auto-aperfeiçoamento

. Alguém que tem consciência da importância da sua ação e que, por meio dela, pretende melhorar,
aprimorar a si mesmo e o outro. A segunda fala da necessidade absoluta,
imperativa e categórica da instauração do valor positivo.
Conclui-se que não basta somente levantar os problemas, refletir sobre as diversas questões
ligadas ao ser humano, mas é preciso que desse esforço surjam mudanças
de rumo, aperfeiçoamento de vida.
Procurou-se aqui, portanto, não apenas estudar teoricamente o fenômeno do valor, conhecer sua
gênese e seus fundamentos
filosóficos
¹Scheler, M. Ob. cit. - p. 222.
²Idem - p. 222.

Pág. 126

mas ainda buscar pistas para uma ação mais profícua no campo da educação, novos caminhos para
se chegar ao objetivo almejado; a realização humana.
Percebe-se, antes de mais nada, a necessidade do conhecimento do sujeito para que, descrevendo
sua situação no mundo, se possa estabelecer a hierarquia de valores
que convém à sua personalidade e assim propor-lhe um processo ideal de ascensão.
A hierarquia adotada, tendo satisfeito de início às exigências da pessoa, deverá em seguida
adaptar-se às peculiaridades das diferentes personalidades em cada
estágio do seu desenvolvimento.
Não existe período próprio para a ação educacional. Ela se faz do berço ao túmulo, num processo
permanente de aperfeiçoamento humano. Todas as fases são igualmente
importantes e dificilmente consegue-se estabelecer com precisão o momento do apogeu do percurso
de cada um nesta vida.
O homem vive um processo constante de auto-aperfeiçoamento, de busca de autodeterminação, de
autovalorização, que pode ser chamado de educação permanente. Não se
justifica assim, especialmente considerando-se a importância do sentimento como processo
cognitivo que começa na primeira infância, a desvalorização dessa fase da
vida, atribuindo-se um papel menor aos que dela se incumbem e a ela se dedicam. Do ponto de
vista da educação da sensibilidade, pode-se afirmar que a importância
dos que lidam com a primeira e a segunda infância supera a dos que atuam em outros períodos da
vida do homem. É, pois, fundamental a formação do profissional da
pré-escola e do 1° grau com reflexões sobre filosofia, antropologia e, especialmente, axiologia para
que tenha, consciência da magnitude da sua função e a exerça
adequadamente. É nessa fase da vida que a cultura vai ser recebida de modo preconceitual,
despertada a sensibilidade para os valores e iniciado o processo de sua
hierarquização.
Ao período da segunda e da terceira infância corresponde o início da educação formal. Além da
família vai começar, de modo sistemático, a ação da escola, promovendo
o conhecimento dos seres em geral, levando à dissociação entre o valor e o seu suporte, para se
chegue ao processo lógico da apreensão das idéias, dos juízos e dos
raciocínios. Começam, então, a ser feitos os juízos de valor e a mobilização da vontade para o
propriamente considerado ato voluntário.
Na adolescência, com a crise dos critérios estabelecidos, ter-se-á o momento propício para a
reflexão sobre a hierarquização dos valores e para a educação da vontade
para a ação livre e consciente.
A fase da juventude, coincidindo com a universidade em termos de aprendizagem formal, é o
momento por excelência da dissociação entre o valor e o ser, da apreensão
das idéias, da teoria, das sistematizações,

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da razão, enfim. Vale sempre, no entanto, lembrar que mesmo tendo que atender às suas finalidades
precípuas, não se deve dissociar completamente da vida onde
o ser e o valor aparecem sempre associados.
Importa, então, de acordo com o estágio do desenvolvimento do educando, transmitir não apenas
os conteúdos, mas relacioná-los entre si, aplicando-os às diversas
situações da vida e estimular a apreensão dos valores, discriminando-os e apresentando-os
sistematicamente ao educando em todos os níveis de seu processo de aprendizagem.
Para êxito neste empreendimento, o educador não deve posicionar-se como neutro, afilosófico,
indiferente, mas defender sua escala de valores justificando-a e distinguindo-a
das interferências da própria visão ideológica deixando sempre espaço para a possível discordância
do educando. Essa postura contribuirá para o objetivo último,
que não é o de levar o educando a passivamente concordar com o educador, mas ser capaz de
estabelecer seu próprio escalonamento de valores, a justificá-lo e assim
a autodeterminar-se.
De um modo esquemático pode-se considerar que o crescimento no plano do valor ocorre por um
processo de ultrapassagem do valor inferior em prol de outro mais capaz
de satisfazer às exigências da "humanidade" e não da simples "animalidade" do homem. Cada vez
que o sujeito ascende a um novo patamar, supera o valor inferior para
atingir o superior, sem com isso abandoná-lo. O valor suplantado é incorporado mas não mais
visado primordialmente.
É possível ainda descer na escala de valores, o que decorre da liberdade humana. É possível ao
homem desvalorizar, retirando o valor de onde se encontrava, o que
é geralmente vivenciado como uma atividade culpável.
Superado o interesse pelo puramente vital, o primeiro ato de ascensão é a busca do útil. Não que
se abandone de modo total e definitivo aquele valor, mas atinge-se
um outro capaz de satisfazer, além do aspecto físico, material, a instância não-material, aqui dita
espiritual do homem.
Do gozo do útil, num estágio já mais avançado, passa-se à procura do belo.
A preferência pelo valor superior ao útil manifesta-se ainda pelo embelezamento dos bens
utilitários, o que já representa um progresso do espírito. O automóvel,
por exemplo, além de útil deve ser belo. A exigência do valor estético desvela a espiritualidade
humana.
O seguinte ato de ascensão é a dispensa da beleza. Não se pretende com isso significar que haja
uma recusa ou condenação da beleza, mas a descoberta de outro valor
mais importante do que ela.

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O degrau atingido acima da beleza é, em geral, a verdade. É um valor espiritual que exige a
abstração do sensível. É um valor mais universal enquanto que a beleza
é sempre singular.
A passagem do útil ao belo representa a ultrapassagem do interesse pela vida e pela beleza para o
interesse pela verdade e a superação da busca do sensível e do
singular para o atingimento do inteligível e do universal.
A ascensão acima do valor da verdade faz-se pela mobilização para o bem e para o sagrado e,
especialmente, pelo reconhecimento do homem enquanto pessoa.
A passagem de um valor inferior a um superior exige o concurso da vontade. Supõe o juízo de
valor e a ação da vontade pondo em prática o juízo a ela apresentado
como "o bem".
A vontade é o poder de iniciativa que instaura os valores, próprio do homem enquanto "pessoa".
Ela não cria, não inventa os valores, mas decide sobre eles no sentido
em que os põe em prática pela sua ação, já que o sujeito não se limita a encontrar o bem, mas ainda
o instaura.
O processo da educação vai promover a ascensão na escala dos valores e assim ampliar o valor
pessoal.
A formação da personalidade deve privilegiar o valor moral para que se chegue a uma
personalidade moral. É pela personalidade que o não-valor e transforma em valor,
porque a personalidade é não somente o resultado da instauração do valor no homem mas é ela que
instaura o valor no mundo. É imensa a tarefa de colaborar na formação
de uma personalidade, no processo de instauração de valores na pessoa. Em cada instauração
específica do valor se constata uma passagem do não-valor ao valor. Cada
valor instaurado é uma substituição de um não-valor pela intervenção humana.
O valor do bem exige uma intenção de amor, uma boa intenção. O crescimento espiritual é então
intimamente ligado à instauração do valor do bem. Resulta da sua
implantação no interior de cada um.
O homem de personalidade moral encontra para cada situação soluções superiores às da lei moral.
Para ele, os preceitos ficam em segundo plano e as exigências do
bem em primeiro.
Pode-se mesmo afirmar que, quanto mais elevado é o nível moral, mais reduzida é a ética a um
pequeno número de normas.
Essas reflexões levam à conclusão da importância da reflexão moral na formação da personalidade
humana e da dimensão ética da educação.
Considerando-se a animalidade como suporte do valor "pessoa" dela também faz parte e deve
portanto ter suas exigências satisfeitas. No entanto, sendo o valor pessoal
o que caracteriza o homem enquanto tal, qualquer inversão destes aspectos vai importar numa
supremacia

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da animalidade sobre a humanidade, ou seja, numa diminuição do valor humano.


O homem, mesmo quando privado do valor, mesmo quando portador de uma personalidade de
pouco valor, foi feito para o valor. Foi feito para valer como pessoa e se
ele pode viver sem valor é uma vida diminuída, imperfeita, indigna de si mesmo. O outro, o
próximo, aparece como outro exatamente porque é alguém destinado a valer,
alguém destinado a ter valor e só é reconhecido como tal porque é conhecido como "pessoa".
A hierarquização de valores como processo ascendente do menos humano e mais animal para o
mais humano e menos animal, sem contudo significar o abandono de nenhum
patamar da escala, é uma exigência do processo educacional. Fica então patente a impossibilidade
de hierarquização arbitrária. Miguel Reale, em Experiência e Cultura,
confirma a importância do valor pessoal quando diz que "é a razão pela qual pode-se concluir que a
pessoa é o homem em sua concreta atualização quer como valor vital,
quer como valor espiritual, ou seja, enquanto o 'eu' toma consciência de si mesmo e dos outros na
sociedade do nós, o que pressupõe uma correlação essencial entre
Valor e Liberdade."¹
Conclui-se portanto que: (lº) a educação vai consistir num processo de hierarquização de valores;
(2º) não se pode promover uma hierarquização sem um referencial;
(3º) o referencial para o processo da educação não pode ser arbitrário, mas deve ser a pessoa como
valor por si mesma.
Outra conclusão a que se chega é a de que a sensibilidade humana, que aparece como sentimento
no plano espiritual, não pode ser entendida apenas como um estado
afetivo mas sim como um processo cognitivo. Um processo que vai permitir ao homem o
conhecimento dos valores. Assim sendo, qualquer proposta pedagógica deve visar
não somente os aspectos intelectivo e volitivo do educando, mas precisa considerar ainda e
sobretudo a educação da sua sensibilidade a nível material e especialmente
a nível espiritual.
Continuando a série de reflexões conclusivas chega-se à questão do trabalho e da constituição da
cultura.
Fica bem patente a necessidade do redimensionamento do conceito de "trabalho", caracterizando-
o não como uma pena, ou como uma necessidade que se impõe, mas como
o meio de instauração do valor no concreto e com fonte de crescimento para o homem. Por meio
dele a vontade age construindo a cultura. Por outro lado, a cultura

¹Reale, M. Experiência e Cultura, p. 196.

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também deve ser entendida como manifestação de valores e não apenas como um sistema de usos,
costumes, normas etc. que acontece à revelia do homem, independentemente
da sua vontade e no seio da qual ele está inserido. Esta compreensão da cultura como que invalida o
esforço educacional e a ação humana. Faz-se portanto necessária
a análise dos resultados do agir do homem no concreto, de modo a se distinguir a cultura da
contracultura pelos valores ou contravalores instaurados sempre com base
na noção de pessoa e no preenchimento de suas carências.
Conclui-se finalmente que cabe ainda à obra da educação o conscientizar o educando da sua
situação no mundo, levando-o a perceber que tem diante de si não apenas
o porvir mas o futuro, e que a construção do futuro só pode ser feita por ele próprio, pelo
cumprimento de sua destinação.

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18/02/2007 às 23h58min.

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