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FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO

SUMÁRIO

O “filosofar” ................................................................................................................ 10
A importância da filosofia .......................................................................................... 13
Texto para reflexão ................................................................................................... 16
A filosofia da educação ............................................................................................. 17
TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS ................................................................................ 21
QUADRO DAS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS .................................................... 25
TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NO SÉCULO 20 .................................................... 33
A ESCOLA NOVA ..................................................................................................... 34
ESCOLA TECNICISTA.............................................................................................. 35
DESESCOLARIZAÇÃO DA SOCIEDADE................................................................. 37
Destruir o culto à máquina; ....................................................................................... 38
CRÍTICO-REPRODUTIVISTAS BRASILEIROS ........................................................ 43
CRÍTICA ÀS TEORIAS CRÍTICO-REPRODUTIVISTAS ........................................ 43
AS TEORIAS PROGRESSISTAS ........................................................................... 43
RISCOS DAS PROPOSTAS PROGRESSISTAS ..................................................... 45
PRINCIPAIS EDUCADORES PROGRESSISTAS .................................................... 45
Articulação entre escola e comunidade ..................................................................... 56
Educação Comunitária .............................................................................................. 59
Base da proposta das Cidades Educadoras ............................................................. 62
O desafio da emergência da sociedade democrática ................................................ 66
Uma cidadania e uma educação ainda precárias ...................................................... 71
Educação, política e sociedade democrática ............................................................ 75
A educação como um ato político: desafios colocados à formação docente............. 78
Educação e sociedade democrática: formação política do educador ........................ 84
Utopia ........................................................................................................................ 85
FORMAÇÃO DOCENTE: CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE CRÍTICA ............ 87
A FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO.......................................... 87
CURRÍCULO UNIVERSITÁRIO E A PRÁTICA DE ENSINO .................................... 89
FORMAÇÃO DOCENTE E CIDADANIA ................................................................... 90
REQUISITOS PARA A FORMAÇÃO DE UM DOCENTE EMANCIPADOR .............. 91
A FORMAÇÃO PROFISSIONAL CONTINUADA DO EDUCADOR........................... 92
UMA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA....................................................................... 93
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 95
PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO

O papel da educação é possibilitar ao ser humano olhar para o mundo ao seu


redor para poder dar-lhe um sentido. Por isso existe uma relação de reciprocidade
entre filosofia e educação. É partir da visão de mundo que o ser humano já possui,
que ele inicia o seu procedimento educacional, que por sua vez, vai possibilitar-lhe
nova leitura de mundo.
Desse modo, elencaremos as visões de mundo e/ou interpretações de mundo:
- Idealismo: A realidade é essencialmente espiritual. O mundo físico é
colocado em segundo plano. O ser humano é antes uma ideia abstrata, um ser
espiritual, um ser provisório e passageiro.
- Realismo: O mundo material é tão real quanto o mundo espiritual e
existe independente deste. O ser humano é um composto de uma parte espiritual e
outra material. A parte espiritual é superior seja porque foi criada diretamente por
Deus, seja porque foi criada por Deus através da força que ele colocou na natureza,
seja porque representa um desenvolvimento espontâneo desta última.
- Existencialismo: É a interpretação da realidade cuja preocupação
fundamental é a pessoa existencial. Concentra-se nas coisas que estão aí, realçando
o papel do ser humano na sua situação do momento.

1. CONCEPÇÕES ANALÍTICAS: São aquelas concepções da realidade


que de modo insistente se interessam pela verificação e classificação da linguagem.
2. CONCEPÇÕES DIALÉTICAS: São aquelas concepções que
consideram o ser humano como parte de uma realidade total que é essencialmente
mutável, sendo, por isso, também ele essencialmente mutável.
Incluem-se nelas:

Pragmatismo: É a visão de mundo que afirma ser a realidade aquilo que


nossos sentidos experimentam. O ser humano é um indivíduo autônomo que pode e
deve traçar o seu destino.
Dialética: É a leitura que vê a realidade como sendo essencialmente dinâmica
e em contínua transformação. O ser humano vive com essa realidade mutável, aceita-
a, pois sabe o porquê da mudança e tem consciência de poder influir nela.
É pela filosofia que podemos indagar sobre a intenção de transformar o modo
como observamos e pensamos, agimos e interagimos; os filósofos sempre se
consideraram a si mesmos como os educadores definitivos da humanidade. Mesmo
quando pensavam que a filosofia deixa tudo como está, pensavam que interpretar o
mundo corretamente — compreendê-lo e compreender a nossa posição nele — nos
libertaria da ilusão, conduzindo-nos a contemplação da ordem divina, progresso
científico ou criatividade artística que nos são mais apropriadas. Mesmo a filosofia
"pura" — metafísica e lógica — é implicitamente pedagógica. Tem a intenção de
corrigir a miopia do passado e do instante.
A reflexão filosófica acerca da educação, de Platão a Dewey, tem sido assim
naturalmente dirigida para a educação dos governantes, daqueles que se presume
preservarem e transmitirem a cultura da sociedade, o seu conhecimento e os seus
valores. Todas as épocas históricas são marcadas por uma disputa pelo poder, como
o poder da autoridade da tradição ou do poder manifesto, como o poder do
conhecimento filosófico, espiritual ou científico, como o poder da criatividade artística,
da produtividade mercantil ou tecnológica. Só muito recentemente na história das
democracias liberais é que a política educativa foi formulada e direcionada para
indivíduos presumivelmente autônomos, que determinam os seus próprios objetivos e
que estruturam as suas próprias vidas. Em lado algum é a filosofia da educação mais
importante, em lado algum é a própria educação mais crucial — e em lado algum é
mais esquecida — do que numa democracia participativa liberal, cujos compromissos
igualitários transformam cada indivíduo simultaneamente em legislador e em súbdito.
As disputas no centro da discussão contemporânea da política educativa
(Quais são as orientações e os limites da educação pública numa sociedade pluralista
e liberal? Como podemos garantir da melhor maneira uma distribuição equitativa das
oportunidades educativas? Deverá a qualidade da educação ser supervisionada por
padrões nacionais e exames? Deverá as escolas públicas levar a cabo a educação
moral e religiosa?) restabelecem as controvérsias que marcam a história da filosofia,
de Platão à epistemologia social.
Partindo de discussões fecundas e responsáveis da política educativa remetem
inevitavelmente para questões filosóficas, que as sugerem e enquadram: essas
questões são articuladas e examinadas de maneira mais precisa na teoria moral e
política, na epistemologia e na filosofia da mente. Quais são as finalidades próprias
da educação? (Preservar a harmonia da vida cívica? Salvação individual? Criatividade
artística? Progresso científico? Capacitar indivíduos para que façam escolhas sábias?
Preparar cidadãos para entrar numa força de trabalho produtiva?). Quem deve deter
a responsabilidade primordial de formular a política educativa? (Filósofos, autoridades
religiosas, governantes, uma elite científica, psicólogos, pais ou autarquias locais?).
Quem deve ser educado? (Todos por igual? Cada um segundo o seu potencial? Cada
um segundo as suas necessidades?). Como é que a estrutura do conhecimento afeta
a estruturação e a sucessão das aprendizagens? (Será que é a experiência prática,
ou a matemática, ou a história, que deve fornecer o modelo de aprendizagem?). Que
interesses devem guiar a escolha de um currículo? Como devem as dimensões
intelectual, espiritual, cívica, moral, artística, psicológica e técnica da educação
estarem relacionadas entre si?
Dado as concepções das finalidades e orientações da educação, que
permanece ativamente inserida e expressa nas nossas crenças e nas nossas práticas.
Fornece-nos a compreensão mais nítida das questões que nos preocupam e nos
dividem. A maior parte das teorias do conhecimento — seguramente as de Descartes
e de Locke — tinham, entre outras coisas, a intenção de reformar as práticas
pedagógicas. A maior parte das teorias éticas — certamente as de Hume, Rousseau
e Kant — tinham a intenção de reorientar a educação moral. O alcance prático das
teorias políticas — as de Hobbes, Mill e Marx — não se limita apenas à estrutura das
instituições, também chega à educação dos cidadãos. Sistemas metafísicos gerais —
os de Leibniz, Espinosa e Hegel — fornecem modelos de investigação e, como
consequência, estabelecem orientações e padrões para a educação de espíritos
esclarecidos. Alguns filósofos — Locke, Rousseau, Bentham e Mill, por exemplo —
fizeram dos seus programas educativos uma característica nuclear dos seus sistemas
filosóficos. Outros — Descartes, Espinosa e Hume — tinham boas razões para não
tornarem explícito o significado educativo dos seus sistemas.
Se a política educativa é cega sem a orientação da filosofia, a filosofia é vazia
se desprovida de uma atenção crítica ao seu significado educativo. Uma filosofia da
educação robusta e vital incorpora inevitavelmente o todo da filosofia; e o estudo da
história da filosofia obriga à reflexão sobre as suas implicações para a educação.
Quem não ouviu pelo menos uma vez falar em Filosofia? Na história do
pensamento, que a humanidade vem construindo ao longo do tempo, muitos foram os
pensadores que deram uma definição ou um conceito para a Filosofia. Por vezes,
esses conceitos foram complexos, por vezes simples; por vezes rebuscados e quase
incompreensíveis. Diante deles muitas pessoas se sentem entediadas e, em vez de
enfrentar o problema, preferem descartá-lo, dizendo que a Filosofia é um “jogo inútil e
estéril de palavras”, ou que é “muito difícil e só serve e interessa a pessoas especiais
e muito inteligentes”. Esse descrédito pode ser resumido numa frase, mais ou menos
popular, que diz: “a filosofia é uma ciência com a qual ou sem a qual o mundo continua
tal e qual”.
Ou seja, podemos passar muito bem com ou sem a filosofia.
Na história do pensamento, é que a humanidade vem construindo ao longo do
tempo, os pensadores que deram uma definição ou um conceito para a Filosofia. Por
vezes, esses conceitos foram complexos, por vezes simples. Diante deles muitas
pessoas se sentem entediadas e, em vez de enfrentar o problema, preferem descartá-
lo, dizendo que a Filosofia que é “muito difícil e só serve e interessa a pessoas
especiais e muito inteligentes”. Esse descrédito pode ser resumido numa frase, mais
ou menos popular, que diz: “a filosofia é uma ciência com a qual ou sem a qual o
mundo continua tal e qual”. Ou seja, podemos passar muito bem com ou sem a
filosofia.
A Filosofia é um corpo de conhecimento, constituído a partir de um esforço
que o ser humano vem fazendo de compreender o seu mundo e dar-lhe um sentido,
um significado compreensivo. Corpo de conhecimentos, em filosofia, significa um
conjunto coerente e organizado de entendimentos sobre a realidade. Conhecimentos
estes que expressam o entendimento que se tem do mundo, a partir de desejos,
anseios e aspirações.
Quando lemos um texto de filosofia, nos apropriamos do entendimento que o
seu autor teve do mundo que o cerca, especialmente dos valores que dão sentido a
esse mundo. Valores esses que, por vezes, são aspirações que deverão ser
buscadas e realizadas, se possível. O filósofo sistematiza as aspirações dos seres
humanos que dão sentido ao dia-a-dia, à luta, ao trabalho, à ação. Ninguém vive o
dia-a-dia sem um sentido: para o seu trabalho, para a sua relação com as pessoas,
para o amor, para a amizade, para a ciência, para a educação, para a política etc.
A filosofia é esse campo de entendimento que nos faz refletir sobre a
cotidianidade dos seres humanos, desde os simples encontros com as pessoas, até
a complexa reflexão sobre o sentido e o destino da humanidade.
Nesse sentido, Georges Politzer definiu a filosofia “como uma concepção geral
do mundo da qual decorre uma forma de agir”. No caso, a Filosofia é a expressão de
uma forma coerente de interpretar o mundo que possibilita um modo de agir também
coerente, consequente, efetivo. Da mesma forma, para Leôncio Basbaum, “a filosofia
não é, de modo algum, uma simples abstração independente da vida. Ela é, ao
contrário, a própria manifestação da vida humana e a sua mais alta expressão.
Por vezes, através de uma simples atividade prática, outras vezes no fundo de uma
metafísica profunda e existencial, mas sempre dentro da atividade humana, física ou
espiritual, há filosofia (...) A filosofia traduz o sentir, o pensar e o agir do homem.
Evidentemente, ele não se alimenta da filosofia, mas, sem dúvida nenhuma, com a
ajuda da filosofia”.
Todos têm uma forma de compreender o mundo, especialistas e não-
especialistas, escolarizados e não-escolarizados, analfabetos e alfabetizados. Esta é
uma necessidade “natural”, do ser humano, pois que ninguém pode agir no “escuro”,
sem saber para onde vai e por que vai. Só se pode agir a partir de um esclarecimento
do mundo e da realidade. Esse fato é tão verdadeiro que encontramos modos de
compreensão da realidade tanto no profissional de filosofia (o filósofo), quanto em
qualquer pessoa que viva e reflita sobre ela, seu sentido, significado, valores etc... A
prova disso está aí: de um lado, pelos sistemas filosóficos que encontramos na história
do pensamento filosófico escrito da humanidade e, de outro lado, pela forma popular
de compreender a vida que, normalmente, não tem registro escrito, a não ser nos
poetas populares, nos trovadores etc.
Certamente que a orientação valorativa (axiológica) da existência nem sempre
pode significar filosofia. Quando se diz que todos têm uma “filosofia de vida”, quer
dizer que nos orientamos por valores, embora nem sempre esses valores estão
conscientes, explícitos. Esse direcionamento diário inconsciente pode decorrer de
massificação, do senso comum, que adquirimos e acumulamos espontaneamente,
sem uma reflexão crítica sobre o sentido e o significado das coisas, das ações e
portanto não é filosofia. Certamente que outras pessoas, as gerações, formaram esse
“senso” com o qual cumprimos o dia-a-dia, sem muitas vezes nos perguntarmos se
ele é válido ou não, se o aceitamos efetivamente ou não, por isso o filosofar deve
desenvolver-se sobre ele.
O que importa ter claro, é o fato de que a filosofia nos envolve, não temos
como fugir dela, pois como o ar que respiramos, está permanentemente presente. Se
nós não escolhemos qual é a nossa filosofia, qual é o sentido que vamos dar à nossa
existência, a sociedade na qual vivemos nos dará, nos imporá a sua filosofia. E como
se diz que o pensamento do setor dominante da sociedade tende a ser o pensamento
dominante da própria sociedade, provavelmente aqueles que não buscam
criticamente o sentido para a sua existência assumirão esse pensamento dominante
como o seu próprio pensamento, a sua própria filosofia. Quem não pensa é pensado
por outros! Deste modo, a filosofia se manifesta como o corpo de entendimento que
cria o ideário que norteia a vida humana em todos os seus momentos e em todos os
seus processos. Esse corpo de entendimento é a compreensão da existência.
A Filosofia, em síntese, não é tão-somente uma interpretação do já vivido,
daquilo que está objetivando, mas também a interpretação de aspirações e desejos
do que está por vir, do que está para chegar. Os filósofos captam e dão sentido à
realidade que está por vir e a expressam como um conjunto de ideias e valores que
devem ser vividos, difundidos, buscados. Eles têm uma “sensibilidade”, um “faro” mais
atento para perceber o que já está se manifestando na realidade, ainda que de uma
maneira tênue. O filósofo não é um profeta, mas pode ser capaz de ler nos
acontecimentos do presente o significado do que está por vir, o que está a se
desenvolver. O seu pensamento torna-se, assim, expressão da história que está
acontecendo e enquanto está acontecendo, e compreensão do que vai acontecer.
Deste modo, o pensamento filosófico manifesta-se tanto como condicionado pelo
momento histórico quanto como condicionante do momento histórico subsequente,
como impulsionador da ação, visando a concretização de determinadas aspirações
dos homens, de um povo, de um grupo ou de uma classe.
Neste sentido, a filosofia é uma força, é o sustentáculo de um modo de agir. É
uma arma na luta pela vida e pela emancipação humana. A filosofia, não é só um
instrumento para a compreensão do mundo e interpretação dos seus fenômenos. É
também um instrumento de ação e arma política. Esse fato é tão verdadeiro que a
filosofia tem gerado, ao longo da história humana, atitudes contraditórias e paradoxais.
Governos que, de um lado, alijam a filosofia como subvertedora da ordem, de outro,
contratam especialistas para criarem um pensamento, uma forma de conceber o
mundo que garanta a sua forma de administrar politicamente o povo e a nação.
Não há como negar a filosofia sem fazer filosofia, porque para se negar o valor
da filosofia dentro do mundo é preciso ter uma concepção do mundo que sustente
esta negação. Os maus políticos, efetivamente, agem assim. Preferem a
massificação do povo, por isso impedem o desenvolvimento do pensamento filosófico.
Mas “filosofam” para sustentar sua ação deletéria contra a Filosofia. Vale lembrar os
esforços dos governos totalitários na perspectiva de criar “uma filosofia capaz de
justificar o sentido de sua política e propagá-la como filosofia total do universo”
(Leôncio Basbaum).
Em síntese, a filosofia é uma forma de conhecimento que, interpretando o
mundo, cria uma concepção coerente e sistêmica que possibilita uma forma de ação
efetiva. Essa forma de compreender o mundo tanto é condicionada pelo meio
histórico, como também é seu condicionante. Ao mesmo tempo, é uma interpretação
do mundo e é uma força de ação.
Lembramos aqui a força do pensamento dos socialistas utópicos, como Robert
Owen, Saint-Simon; dos socialistas científicos, como Marx e Engels; dos
revolucionários, como Lênin, Mao Tse Tung, Amílcar Cabral etc. O pensamento
filosófico constituído não é “limpo”, neutro, mas sim embebido de história e de seus
problemas, de seus interesses e aspirações.

O “filosofar”
Já vimos que quando não temos um corpo filosófico que dê sentido e oriente
a nossa vida, assumimos o que é comum e hegemônico na sociedade; assumimos o
“senso comum”, que é o conjunto de valores assimilados espontaneamente, na
vivência cotidiana. Mas, como é que se constitui a filosofia, como se constrói esse
corpo de entendimentos, que poderemos assumir criticamente como aquele que
queremos para o direcionamento de nossas experiências. Em primeiro lugar, temos
que superar os preconceitos sobre a dificuldade e a especialidade da filosofia, pois
ela não é inútil e nem tão difícil. Logo, contrariando muitos governantes e políticos,
podemos e devemos nos dedicar ao filosofar.
Filosofar é simples, porém não é algo mecânico, pois na mesma medida em
que estamos inventariando os valores vigentes, estamos criticando-os e
reconstruindo-os. Esses momentos não são separados, pois um nasce de dentro do
outro. Estudando as correntes teóricas e históricas da filosofia veem que certos
entendimentos da modernidade têm vínculos com a Idade Média, e certos valores,
que vivemos hoje, tiveram seus prenúncios na Idade Moderna. Da mesma forma,
quando iniciamos um processo de crítica dos valores enquanto estão vigentes, mas
também enquanto entre eles iniciam-se os prenúncios de certas aspirações e anseios
dos seres humanos. Assim, por exemplo, Herbert Marcuse, um filósofo alemão
contemporâneo, criticou os valores da sociedade industrial e propôs os valores de
uma nova sociedade preocupada com uma vida menos unidirecionada para a
produtividade econômica e mais voltada para a vida plena, com sentimentos,
emoções, amor, vida etc. Como e por que Marcuse conseguiu se posicionar dessa
forma? Porque nasceu e viveu após a Revolução Industrial, podendo inventariar e
criticar os seus valores. E também por ter vivido num momento histórico em que os
seres humanos estão exaustos desses valores e aspirando por outros que lhes
garantam mais vida. Marcuse entrou na corrente do contexto em que viveu, mas isso
não quer dizer que ele seja um puro reprodutor dessa época, mas sim que ele captou
o “espírito” dessa época.
Para filosofar é preciso não só olhar o dia-a-dia, mas ler e estudar o que
disseram os outros pensadores, os outros filósofos, que poderão nos auxiliar, tirando-
nos do nosso nível de entendimento e dando-nos outras categorias de compreensão.
O nosso exercício do filosofar será um esforço de inventário, crítica e reconstrução de
conceitos, auxiliados pelos pensadores que nos antecederam. Eles têm uma
contribuição a nos oferecer, para nos auxiliar em nosso trabalho de construir nosso
entendimento filosófico do mundo e da ação.
Hoje, geralmente se define a Filosofia em oposição ao conceito de ciência,
entendido como pesquisa empírica da realidade. Houve tempos em que a filosofia foi
definida em oposição à teologia, como na Idade Média; e em outras épocas a filosofia
se opunha ao conceito de mito, como entre os gregos do século V a. C.
Etimologicamente, a palavra “filosofia” formou-se pela junção de Filos-filia” que
significa “amigo” e “Sophia” que é “sabedoria, saber”, e surge na Grécia do século VI
a. C., nos escritos de Pitágoras, que não querendo definir-se como “sábio”, prefere
autodenominar-se “Filos-sophos” - ou seja “amigo do saber”, aquele que busca a
sabedoria, “amante da sabedoria”, para ele uma denominação mais fiel à sua postura
de tentar compreender a realidade de seu tempo.
A filosofia consiste, então, em um conhecimento sistematizado sobre o mundo
da natureza, sobre a condição humana pessoal e social, sobre a sociedade, sobre a
cultura. Alcançado de maneira sistemática e disciplinada, indo além do saber comum,
desconexo, fragmentado, o nível do senso comum, geralmente preconceituoso e
limitado, sobre a realidade pessoal, social e da natureza.
No entanto a filosofia tem incomodado a muitos. A história registra muitas
tentativas e empreitadas em destruí-la, desqualifica-la, negá-la. Os tiranos, os
mistificadores, os dominantes e todos os interessados na alienação e mediocridade
do povo preferem uma consciência de rebanho, de fácil manipulação, cativa e
obediente, a um questionamento sistemático e profundo sobre a realidade. Não foram
poucos os filósofos que pagaram com a vida ou a perda da liberdade a ousada postura
de filosofar sobre o seu tempo.
A proposta original da Filosofia é estabelecer uma crítica a uma determinada
concepção de mundo, alinhavar alguma significação para a existência humana,
pessoal e social e se tornar uma teoria de alcance eficaz no permanente processo de
mudança e construção social da realidade.
Não existe pensamento filosófico uniforme. Existem diversas tendências,
métodos, escolas e tradições diferentes. Determinada tendência filosófica perdura
enquanto existirem as condições históricas que lhe deram origem. Cabe a cada
homem exercitar o seu “ser filósofo”, pôr-se em busca de uma apreensão significativa
da cultura, de uma crítica leitura da realidade e de uma ação engajada no mundo.

A reflexão filosófica GIRA em torno de três grandes perguntas ou questões:


Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e fazemos
o que fazemos?
O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos dizer
quando falamos, o que queremos fazer quando agimos?
Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos
o que fazemos?

Com efeito, o aprofundamento na compreensão dos fenômenos se liga a uma


concepção geral da realidade, exigindo uma reinterpretação global do modo de pensar
essa realidade. Então, a lógica formal, em que os termos contraditórios mutuamente
se excluem, inevitavelmente entra em crise, postulando a sua substituição pela lógica
dialética, em que os termos contraditórios mutuamente se incluem (princípio de
contradição, ou lei da unidade dos contrários). Por isso, a lógica formal acaba por
enredar a atitude filosófica numa gama de contradições frequentemente dissimuladas
através de uma postura idealista, seja ela crítica (que se reconhece como tal) ou
ingênua (que se autodenomina realista). A visão dialética, ao contrário, nos arma de
um instrumento, ou seja, de um método rigoroso (crítico) capaz de nos propiciar a
compreensão adequada da realidade e da globalidade na unidade da reflexão
filosófica.

A importância da filosofia

Vivemos em um mundo pragmático, isto é, voltado para as coisas práticas da


vida, interessado na aplicação imediata dos conhecimentos. Nesse sentido a filosofia
não encontra muitos adeptos e, ao contrário, é frequentemente repudiada como sendo
uma teoria inútil e, consequentemente, perda de tempo.
Entretanto, a filosofia é necessária. Por meio da reflexão é possível que se
tenha mais de uma dimensão, ou seja, aquela que é dada pelo agir imediato no qual
o homem prático se encontra mergulhado. É a filosofia que permite o distanciamento
para a avaliação dos fundamentos dos atos humanos e dos fins a que eles se
destinam, levantando, consequentemente, o problema dos valores. É a filosofia que
reúne o pensamento fragmentado da ciência e o reconstrói na sua unidade.
A filosofia impede a estagnação e sempre se confronta com o poder, não
devendo sua investigação estar alheia à ética e à política. Nesse sentido tem a função
de desvelar a ideologia, ou seja, as formas pelas quais é mantida a dominação. Aliás,
atentando para a etimologia do vocábulo grego correspondente à verdade (a-létheia,
a-letheúein, “desnudar”), vemos que na verdade põe a nu aquilo que estava
escondido; aí reside a vocação do filósofo: o desvelamento do que está encoberto
pelo costume, pelo convencional, pelo poder.

FILOSOFIA E EDUCAÇÃO: CONCEITOS E ARTICULAÇÕES

A educação é um típico “que fazer” humano, ou seja, um tipo de atividade que


se caracteriza fundamentalmente por uma preocupação, por uma finalidade a ser
atingida. A educação dentro de uma sociedade não se manifesta como um fim em si
mesma, mas sim como um instrumento de manutenção ou transformação social.
Assim sendo, ela necessita de pressupostos, de conceitos que fundamentem e
orientem os seus caminhos. A sociedade dentro da qual ela está deve possuir alguns
valores norteadores de sua prática. Não é nem pode ser a prática educacional que
estabelece os seus fins. Quem o faz é a reflexão filosófica sobre a educação dentro
de uma dada sociedade.
As relações entre Educação e filosofia parecem ser quase “naturais”. Enquanto
a educação trabalha com o desenvolvimento dos jovens e das novas gerações de
uma sociedade, a filosofia é a reflexão sobre o que e como devem ser ou desenvolver
estes jovens e esta sociedade. Percorrendo a História da Filosofia e dos filósofos,
vamos verificar que todos eles tiveram uma preocupação com a definição de uma
cosmovisão que deveria ser divulgada através dos processos educacionais.
Filosofia e Educação são dois fenômenos que estão presentes em todas as
sociedades. Uma como interpretação teórica das aspirações, desejos e anseios de
um grupo humano, a outra como instrumento de veiculação dessa interpretação. A
Filosofia fornece à educação uma reflexão sobre a sociedade na qual está situada,
sobre o educando, o educador e para onde esses elementos podem caminhar.
Nas relações entre Filosofia e educação só existem realmente duas opções:
ou se pensa e se reflete sobre o que se faz e assim se realiza uma ação educativa
consciente; ou não se reflete criticamente e se executa uma ação pedagógica a partir
de uma concepção mais ou menos obscura e opaca existente na cultura vivida do dia-
a-dia e assim se realiza uma ação educativa com baixo nível de consciência.
O educando, quem é, o que deve ser, qual o seu papel no mundo; o educador,
quem é, qual o seu papel no mundo; a sociedade, o que é, o que pretende; qual deve
ser a finalidade da ação pedagógica. Estes são alguns problemas que emergem da
ação pedagógica dos povos para a reflexão filosófica, no sentido de que esta
estabeleça pressupostos para aquela.
Assim sendo, não há como se processar uma ação pedagógica sem uma
correspondente reflexão filosófica. Se a reflexão filosófica não for realizada
conscientemente, ela o será sob a forma do “senso comum”, assimilada ao longo da
convivência dentro do grupo. Se a ação pedagógica não se processar a partir de
conceitos e valores explícitos e conscientes, ela se processará, queiramos ou não,
baseada em conceitos e valores que a sociedade propõe a partir de sua postura
cultural.
Quando não se reflete sobre a educação, ela se processa dentro de uma
cultura cristalizada e perenizada. Isso significa admitir que nada mais há para ser
descoberto em termos de interpretação do mundo. É propriamente a reprodução dos
meios de produção. Inconscientemente, adaptamo-nos a essa interpretação do
mundo e ele permanecerá como a única para nós, se não nos pusermos a filosofar
sobre ela, a questioná-la, a buscar-lhe novos sentidos e novas interpretações de
acordo com os novos anseios que possam ser detectados no seio da vida humana.
Filosofia e educação, pois, estão vinculadas no tempo e no espaço. Não há
como fugir a essa “fatalidade” da nossa existência. Assim sendo, parece-nos ser mais
válido e mais rico, para nós e para a vida humana, fazer esta junção de uma maneira
consciente, como bem cabe a qualquer ser humano. É a liberdade no seio da
necessidade.
A Pedagogia inclui mais elementos que os puros pressupostos filosóficos da
educação, tais como os processos socioculturais, a concepção psicológica do
educando, a forma de organização do processo educacional etc.; porém, esses
elementos compõem uma Pedagogia à medida que estão aglutinados e articulados a
partir de um pressuposto, de um direcionamento filosófico. A reflexão filosófica sobre
a educação é que dá o tom à pedagogia, garantindo-lhe a compreensão dos valores
que, hoje, direcionam a prática educacional e dos valores que deverão orientála para
o futuro. Assim, não há como se ter uma proposta pedagógica sem pressuposições
(no sentido de fundamentos) e proposições filosóficas, desde que tudo o mais
depende desse direcionamento. Para lembrar exemplos corriqueiros, a “Pedagogia
Montessori”, a “Pedagogia Piagetiana”, a “Pedagogia da Libertação” do professor
Paulo Freire, e todas as outras sustentam-se em um pensamento filosófico sobre a
educação. Se nem sempre esses pressupostos estão tão explícitos, é preciso
explicitá-los, desde que eles sempre existem. Por vezes, eles estão subjacentes, mas
nem por isso inexistentes. O estudo e a reflexão deverão “obrigá-los” a aparecer,
desde que só a partir da tomada de consciência desses pressupostos é que se pode
optar por escolher uma ou outra pedagogia para nortear nossa prática educacional.

Texto para reflexão


A MENINA QUE LÊ

Certamente a menina lê. A corda frouxa entre a mão direita e o pescoço do boi
- ou será um búfalo? - sugere que não há esforço e, menos ainda, perigo, embora o
animal seja imenso e ela pequena. A quietude do olhar do bicho não deixa dúvidas:
apesar do longo chifre, ele é manso e, mais do que apenas domesticado, é doméstico.
Não fosse assim, quem o entregaria aos cuidados de uma menina pequena e
descalça, que lê enquanto trabalha e caminha? Pois, pelo menos enquanto
atravessam a trilha ao longo do canal, parece nem ser necessário prestar atenção ao
caminho e ao trabalho e, por isso, é possível ler.
O olhar dela é atento e como conhece de cor o caminho e a mansidão do bicho,
pode concentrar a atenção em ler e, assim, aprender o que não sabe. Criança e
camponesa possivelmente pobre, estaria a menina apenas vendo as figuras de uma
revista em quadrinhos que também lá no Vietnã, em 1977, fazia as delícias das
crianças de um país devastado por guerras de libertação? Parece que não. O verso
quase branco das folhas sugere um caderno ou, quem sabe? Uma cartilha. A menina
lê. Diversa dos dois outros meninos, que montados num segundo boi apenas viajam
e fazem do trabalho o prazer do passeio, a menina parece, atenta, estudar e faz do
trabalho o intervalo do ensino. A tarde é calma, a guerra, parece, acabou. E crianças
e bois podem conviver em paz.
Puxando por uma corda um boi, ser da natureza, mas bicho manso e cativo,
logo a meio caminho entre ela e o mundo humano da cultura, a menina lê. Mergulha
a atenção em um universo misteriosamente humano que, ininteligível a qualquer outro
ser da natureza, transforma sinais em símbolos; sinais, como o berro que um boi dá a
outro, ou como a água do canal que reflete as árvores e indica que é dia e há luz.
Transforma sinais em símbolos, que é o que se lê; símbolos que permitem aos
homens trocarem entre si mensagens, falar de ideias e discutir valores que tornam,
ao mesmo tempo, a sua vida social e humana.
Atenta aos estudos mais do que ao trabalho, a menina mergulha, talvez sem
saber, no universo do significado. Aos poucos se apossa do instrumento do
simbolismo que lhe permite viver em um contexto superior ao dos outros seres,
realizado pelo trabalho humano e tornado significativo pelo saber.
(Texto de Carlos Rodrigues Brandão adaptado por Franklin M. Viilela)

A filosofia da educação

Todos os povos têm uma educação, pela qual transmitem a cultura, seja de
maneira informal ou por meio de instituições. De qualquer forma, não é sempre que
o homem reflete especificamente sobre o ato de educar. Muitas vezes a educação é
dada de maneira espontânea, a partir do senso comum, repetindo costumes que são
transmitidos de geração em geração.
Ora, se a filosofia é uma reflexão radical, rigorosa e de conjunto, que se faz a
partir dos problemas propostos pelo nosso existir, é inevitável que entre esses
problemas estejam os referentes à educação. Portanto caberá ao filósofo
acompanhar reflexiva e criticamente a ação pedagógica, de modo a promover a
passagem de uma educação assistemática (guiada pelo senso comum) para uma
educação sistematizada (alçada ao nível da consciência filosófica).
A fundamentação teórica é necessária para que seja superado o
espontaneísmo, permitindo que a ação seja mais coerente e eficaz. Aliás, é bom
lembrar que o conceito de teoria não se separa do conceito de prática, que é o seu
fundamento. Isto significa que a teoria não deve estar desligada da realidade, mas
deve partir do contexto social, econômico e político de onde vai atuar.
Só assim é possível definir os valores e os objetivos que orientam a ação, pois
não se pode teorizar sobre a educação em si, o homem em si, o valor em si. A partir
da análise do contexto vivido, o filósofo irá indagar a respeito de que homem se quer
formar, e quais são os valores emergentes que se contrapõem a outros valores já
decadentes.
Por isso o filósofo também avalia os currículos, as técnicas e os métodos a fim
de julgar se são adequados ou não aos fins propostos. Por outro lado, esse
acompanhamento reflexivo impede que se caia no tecnicismo, um risco que existe
sempre que os meios são supervalorizados.
Ao ter sempre presente o questionamento do que seja educação, a filosofia
não permite que a pedagogia se torne dogmática, nem que a educação se transforme
em adestramento ou qualquer outro tipo de pseudo-educação. Por isso a filosofia da
educação é importante para denunciar as formas ideológicas que utilizam a educação
como instrumento de dominação.
A Filosofia da Educação não terá como função fixar “a priori” princípios e
objetivos para a educação; também não se reduzirá a uma teoria da educação
enquanto sistematização dos seus resultados. Sua função será acompanhar reflexiva
e criticamente a atividade educacional de modo a explicitar os seus fundamentos,
esclarecer a tarefa e a contribuição das diversas disciplinas pedagógicas e avaliar o
significado das soluções escolhidas. Com isso, a ação pedagógica resultará mais
coerente, mais lúcida, mais justa; mais humana, enfim.
Este estudo busca as raízes históricas da Filosofia da Educação no Brasil a
partir do início do século XX. Neste período se delineiam, no discurso dos educadores,
as primeiras preocupações com a Filosofia da Educação e se completa com a inserção
desta disciplina nos cursos de formação de professores.
O período em que se delineiam as primeiras preocupações com a Filosofia da
Educação data do final do século XIX e início do século XX. Compõe-se de discussões
e de um repensar sobre uma filosofia direcionada para a educação concretizando-se
na inserção da disciplina Filosofia da Educação nos cursos de formação de
professores. Os textos produzidos neste período divulgam a temática e deixam
entrever um rico material de sentido filosófico seja nas obras de literatura, de poética,
de direito, de religião, ou mesmo, nos assuntos políticos. Ainda considerando este
período destacam-se as preocupações econômicas e a sua vinculação com os rumos
que o país deve tomar diante das transformações internacionais, principalmente, as
da Europa, o que ocasiona na arena nacional uma efervescência de ideias que ora
confluem para pontos que se assemelham, ora para pontos totalmente discordantes
sobre o desenvolvimento nacional. A educação, na trajetória dos acontecimentos, se
pronuncia na voz dos educadores que procuram, também, uma forma de
transformação que possa acompanhar os novos tempos.
Nesta perspectiva, o estilo do filosofar brasileiro no âmbito educacional se
caracteriza e se constitui sob a ótica de dois segmentos: o tradicional que incorpora
um modelo filosófico influenciado pelo pensamento de determinados autores de
modelos clássicos da filosofia ocidental e o progressista que reconhece as condições
históricas que estão se apresentando e que requer uma educação inovadora.
Este contexto, assim apresentado, em que a filosofia vai se pronunciando como
reflexão crítica sobre a vida dos cidadãos da Polis é registrado por Aristófanes em sua
sátira As Vespas. Esta peça teatral era apresentada ao público e fazia menção aos
processos que se interpunham de cidadão para cidadão. As defesas ou acusações
pronunciadas e julgadas publicamente tinham na argumentação e na contra
argumentação as ferramentas necessárias aos cidadãos para “vencer” o processo.
Neste sentido, naquele momento, era nas discussões, no seu desenvolvimento
argumentativo e na contra argumentação, que se encontrava o interesse e a
motivação para a reflexão filosófica. O contexto vivido por Platão permitiu-lhe definir,
por meio destas argumentações reflexivas, a essência da filosofia como a que poderia
auxiliar o homem na sua formação. Portanto, desde a antiguidade, com os primeiros
filósofos gregos, a filosofia apresentou-se como elemento reflexivo, crítico e
argumentativo que, teoricamente e ao mesmo tempo praticamente, permitia o
encaminhamento de uma pedagogia para o viver.
E, neste mesmo século, é que a pedagogia vai adquirindo consistência e é
assumida como uma disciplina com status de ciência. Nesta passagem, em que o
status científico da pedagogia é reconhecido, definindo o seu significado e a sua
função, emergem questões pertinentes à relação existente entre a Pedagogia, a
Filosofia e a Educação.
Esta mesma discussão fazia parte do cenário europeu desde o início do século
XVIII e se fortaleceu no século XIX, quando os trabalhos de Rousseau, de Kant, de
Hegel, de William James e mais tarde de Dewey, entre outros, foram elaborados no
confronto dos pressupostos teóricos do racionalismo científico e da metafísica.
No surgimento de novas propostas de análise, de crítica e de reflexão filosófica,
Kant (1724-1804) tendo em vista o idealismo alemão formula sua concepção
colocando na base dos seus pressupostos teóricos a constituição do homem pela
educação na sua razão prática. O conhecimento acerca do agir e do fazer humano
em relação aos seus semelhantes, era fundamental na sua obra filosófica sobre o
problema do conhecimento empírico (a posteriori) e do conhecimento puro (a priori)
em “A crítica da razão pura” (1781) e sobre o problema da moral em “A crítica da razão
prática” (1788). As ideias de Kant, de Hegel e do evolucionismo deslumbravam os
educadores, principalmente os de formação filosófica de inclinação católica.
Outros pensadores manifestaram suas concepções no mesmo século, XVIII –
XIX, que repercutiram sobremaneira no século seguinte. Fichet, por sua vez, expôs a
sua tese correlacionando a educação e a política na formação do homem e destacou
o apoio que a educação deveria necessariamente buscar na filosofia, quando nos
seus pressupostos reforçava a ideia de que um sistema filosófico contém em si uma
teoria educacional.
A Filosofia e a História da Educação, no Brasil, nas décadas de 20 e de 30, ao
afirmarem-se nos currículos das instituições de formação docente, assumiram dupla
função: quando preservavam os fundamentos morais, apoiados nos princípios da
metafísica, da teologia cristã e quando seus conteúdos eram remodelados pelas
novas tendências, apoiados nos princípios e preceitos científicos veiculados pela
escola nova.
Sedimenta-se tendo os pressupostos filosóficos dos pensadores antes citados,
Kant, Rousseau, William James e Dewey e, ainda, pela filosofia Tomista. Kant,
influenciado por Rousseau e por Hume, tinha seus fundamentos apoiados na conduta
do homem no seu agir e fazer como denunciantes dos problemas morais, e anunciava
a autonomia e a liberdade do homem ao alcançar o “esclarecimento”, momento em
que deixava a sua ignorância e desvencilhava-se da necessidade da direção de outro
homem e ficava livre do seu aprisionamento à “menoridade”. Rousseau, por sua vez,
revelava na sua obra Emílio ou Da Educação.
A filosofia tradicional, que procura conservar os preceitos da religião cristã, e a
filosofia progressista ou liberal, que procura desenvolver a formação para um homem
moderno, de princípios democráticos, de responsabilidade sobre as suas ações,
encontram-se explícitas nos discursos sob os pontos de vista de concepções
contraditórias.
Considerando a Filosofia da Educação brasileira nas suas raízes pode-se
afirmar que ela se apresenta sob os aspectos de interferência internacional, quando
os autores clássicos (de tradição teológica ou defensores dos aspectos tradicionais)
e os autores contemporâneos contrapõem as suas concepções; e, por outro lado,
quando se apresenta sob os aspectos coordenados pelo cenário nacional, ao
manifestar as contraposições e as aproximações entre concepções tradicionais e
progressistas, em momentos diferentes.

TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS

O caminho mais adequado para o entendimento de um termo é buscar a sua


origem e a sua formação. Para uma compreensão maior e mais clara das palavras
tendência e pedagógica, é preciso buscar o seu significado original.
 TENDÊNCIA: Tem sua origem no latim, exatamente no plural de
tendens, isto é, em tendentia, que literalmente significa aquilo que deve tender para,
aquelas coisas que devem se inclinar para. Quer dizer: tendentia são aquelas coisas
que possuem uma força interna que as inclina, que as direciona para um determinado
caminho. Deste significado etimológico surgiram os diversos significados que se
encontram nos dicionários: inclinação, propensão; vocação, pendor; força que
determina o movimento de um corpo (na física); intenção, disposição.
 PEDAGÓGICO: É uma palavra derivada de pedagogo, por sua vez
formada por dois termos gregos: paidion (= criança) e agogós (= escravo) e significava
o escravo que acompanha a criança, que em última análise era o responsável pela
educação da criança. Consequentemente, pedagógico passou a significar aquilo que
é relativo à educação.
 TENDÊNCIA PEDAGÓGICA: Tendo em vista os significados isolados
dos dois termos, pode-se dizer que Tendência Pedagógica é a inclinação que
direciona o processo educacional; ou a força determinadora do caminhar do processo
educacional; ou ainda, de modo mais concretamente expressivo, aquilo que determina
a escolha das técnicas e do conteúdo do trabalho educacional.
Segundo Libâneo, este apresenta as diversas tendências pedagógicas
divididas em dois grandes grupos, as pedagogias liberais e as pedagogias
progressistas, que, podem ser assim apresentadas:

PEDAGOGIAS LIBERAIS PEDAGOGIAS


PROGRESSISTAS

Pedagogia Conservadora ou Pedagogia Libertadora


Tradicional Pedagogia Libertária
Pedagogia Renovada Pedagogia Crítico-Social dos
Progressivista Conteúdos
Pedagogia Renovada Não-Diretiva
Pedagogia Tecnicista
As Pedagogias Liberais se preocupam mais diretamente com o indivíduo,
enquanto as Pedagogias Progressistas se interessam antes de mais nada pelo
ambiente social em que vive o educando, como se pode perceber pelo que segue.
1. Quanto às Pedagogias Liberais, é preciso atentar para o seguinte:
 O termo liberal não tem o sentido de avançado, ou democrático, pois a
pedagogia é uma manifestação própria da sociedade capitalista.
 A pedagogia liberal sustenta a ideia de que a escola tem por função
preparar os indivíduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo com as
aptidões individuais, através do desenvolvimento da cultura individual.
 A ênfase no aspecto cultural esconde a realidade das diferenças
individuais, embora difunda a ideia de igualdade de oportunidades.
 A pedagogia liberal iniciou-se na forma conservadora (tradicional) e
evoluiu para as formas renovadas e tecnicista.
 A versão conservadora se caracterizou por:
acentuar o ensino humanístico de cultura geral;
por apresentar os conteúdos, a relação professor x aluno e os procedimentos
didáticos sem nenhuma referência ao cotidiano do educando;
por dar importância decisiva à palavra do professor, aos regulamentos e ao
cultivo exclusivamente intelectual.
 As versões renovadas se caracterizam por:
partir da afirmação de que a cultura é o desenvolvimento das
aptidões individuais;
defender que o ensino deve desenvolver as capacidades individuais,
embora para a vida em sociedade;
propor a auto-educação, o que significa: 1) aceitar que o aluno é o
sujeito do conhecimento; 2) reconhecer que é mais importante a aquisição
de processos de aprendizagem do que a aquisição de conteúdos; e
3) valorizar mais a iniciativa do aluno que a interferência do adulto
e, consequentemente, do professor.
A versão tecnicista se caracteriza por:
visar exclusivamente um saber-fazer técnico-científico;
dar mais importância ao setor de planejamento do que ao professor;
buscar antes preparar mão-de-obra para o mercado (empresas) do que
formar cidadãos.
2. Quanto às Pedagogias Progressistas, cumpre atentar para o que segue:
 O termo progressista é usado aqui para designar as tendências que,
partindo da análise crítica das realidades sociais, sustentam as finalidades políticas
da educação.
 Visto que não podem institucionalizar-se em uma sociedade capitalista,
as pedagogias progressistas, premidas pela necessidade de transformação da
sociedade, acabam fazendo da educação um instrumento de luta política dos
professores.
 As pedagogias progressistas têm como principais expressões as
versões denominadas libertadora, libertária e crítico-social dos conteúdos.
 As versões libertadora e libertária se caracterizam por: defender
posturas pedagógicas anti-autoritárias;
valorizar a experiência vivida como base da relação educativa;
dar mais valor ao processo de aprendizagem grupal do que aos
conteúdos de ensino;
enfatizar a prática educativa como prática social junto ao povo e,
por isso, valorizar muito as modalidades de educação popular não formal.
 A versão progressista crítico-social dos conteúdos se caracteriza por:
buscar ser uma síntese do tradicional, do renovado e do progressista;
por atribuir maior importância à transmissão dos conteúdos do que
as versões libertadora e libertária;
buscar não omitir nem impedir a atividade e a participação do aluno
no processo pedagógico.

PEDAGOGIA LIBERAL E PEDAGOGIA PROGRESSISTA Enquanto a


Pedagogia Liberal se preocupa fundamental e essencialmente com o indivíduo e seu
desenvolvimento individual, a Pedagogia Progressista coloca como fundamento
necessário e essencial para um verdadeiro e eficaz trabalho educacional a
preocupação com os elementos sociais que envolvem a vida do educando.
QUADRO DAS TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS

PEDAGOGIAS LIBERAIS - QUADRO 1

TRADICIONAL TECNICISTA

Adaptação. Preparar, Modelar o comportamento humano.


moral e intelectualmente, osIntegrar os alunos ao sistema social
alunos para assumirem sua global. Produzir indivíduos
PAPEL DA posição na sociedade. O "competentes" para o mercado de
ESCOLA compromisso da escola é trabalho.
com a cultura. Os
problemas sociais
pertencem à sociedade.
Conhecimentos e Informações, princípios científicos,
CONTEÚDO DE valores tradicionaisleis etc. estabelecidos e ordenados
ENSINO acumulados pelas em sequência lógica e psicológica
gerações adultas. por especialistas. Visa um saber-
fazer-técnico-científico.
Expositivo - 5 passos Método científico (Spencer).
formais de Herbert: Metodologia tecnicista e abordagem
MÉTODO a) preparação; sistêmica abrangente. Tecnologia
b) apresentação; educacional: instrução programada,
c) associação; planejamento, audiovisuais,
d) generalização; programação de livros didáticos,
e) aplicação. avaliação científica etc.
Autoritária: o professor Técnica-diretiva, com relações
RELAÇÃO transmite e o aluno ouve estruturadas e objetivas e com papéis
passivamente. (Educação definidos. O professor, gerente,
centrada no professor: administrador, é um elo
PROFESSOR Magister dixit.) de ligação entre a verdade científica
X e o aluno, ser responsivo. Ambos são
ALUNO espectadores frente à verdade
objetiva. (Ensino centrado no controle
das condições que cercam o
aprendiz, nas análises das condições
de vida).
A capacidade de Aprender é modificar o desempenho
assimilação da criança é face a objetivos preestabelecidos. O
idêntica à do adulto (menos ensino é um processo de
PRESSUPOSTOS desenvolvida). Ensinar é condicionamento através do reforço
DE repassar conhecimentos. A das respostas desejáveis. Aumentar
APRENDIZAGEM aprendizagem é receptiva eo controle das variáveis que afetam o
mecânica. A retenção da aprendiz. Motivação: externa,
matéria se dá pela estímulos, reforço. (Embasamento
repetição. Avaliação oral eteórico: Skinner,
escrita (provas, exames...). Gagné, Bloom, Mager.)
Reforço mais negativo que
positivo, punição.
Viva e atuante em nossas Os marcos da implantação e o
escolas tradicionais, modelo tecnicista são: a Lei 5.692/68,
religiosas ou leigas que que reorganiza o ensino superior, e a
adotam orientação Lei 5.692/71, que fixa Diretrizes e
MANIFESTAÇÃ clássicohumanista ou Bases para o ensino de 1º e 2º Graus,
O NA PRÁTICA humano científica (esta, embora sua influência remonte ao
ESCOLAR mais predominante em Programa Brasileiro Americano de
nossa história educacional).Auxílio ao Ensino Elementar -
PABAEE (meados de 1950). Os
professores da escola pública,
apesar da legislação, não
assimilaram a pedagogia tecnicista,
pelo menos em termos de ideário,
ainda que tenham aplicado a sua
metodologia. O exercício profissional
continua mais para uma postura
eclética baseada nas pedagogias
tradicional e renovada.

PEDAGOGIAS LIBERAIS - QUADRO 2

RENOVADA RENOVADA NÃO-DIRETIVA


PROGRESSIVISTA

Adequar as Formar atitudes. Criar um clima favorável


PAPEL DA necessidades individuais ao ao autodesenvolvimento e realização pessoal.
ESCOLA meio social. Retratar, o quanto(Preocupação maior com problemas psicológicos
possível, a vida. Promoverque com problemas pedagógicos ou sociais.)
integração por experiência.

Experiências Processos de desenvolvimento das


vivenciadas, desafios cognitivos relações e das comunicações. Facilitação de
CONTEÚDO DE
e situações problemáticas.meios para que os alunos busquem, por si
ENSINO
"Aprender a aprender". O mesmos, os conhecimentos. Incentivo à
processo de aquisição do saber pesquisa baseada nos interesses.
é mais importante que o próprio
saber.
Ativo - "Aprender Terapêutico - Os métodos pedagógicos
MÉTODO fazendo"; experimental; de são dispensados, prevalecendo o esforço do
solução de problemas; de professor para facilitar a aprendizagem dos
projetos; centro de interesse; alunos. Técnicas de sensibilização. Processos
trabalho em grupo; pesquisa;para melhorar o relacionamento interpessoal.
estudos dos meios natural e
social.
Democrática: o Relações Humanas: o professor é um
RELAÇÃO professor, facilitador, deve "facilitador" que deve "ausentar-se" em respeito
PROFESSOR auxiliar o desenvolvimento do ao aluno (Educação centrada no aluno)
X aluno que, por sua vez, participa
ALUNO e respeita as regras do grupo.
(Educação
centrada na vivência)
Aprender é uma Aprender é modificar suas próprias
atividade de descoberta.percepções. Valorização do "eu" e da
PRESSUPOSTOS Respeito às disposições internasautorealização. Motivação interna. Auto-
DE e aos interesses dos alunos. O
avaliação.
APRENDIZAGEM ambiente deve ser um meio
estimulador, propiciando a auto-
aprendizagem. Motivação:
interna e externa. Avaliação:
fluida, expressa pelo
reconhecimento do professor
dos esforços e êxitos dos alunos.
Aplicação reduzida, por As ideias de Carl Rogers influenciaram
ser nossa prática pedagógicamuitos educadores, principalmente
basicamente tradicional.orientadores educacionais e psicólogos
MANIFESTAÇÃ Algumas escolas adotam osescolares que se dedicam ao aconselhamento.
O NA PRÁTICA métodos de A escola de Summerhill, do educador inglês A .
ESCOLAR Montessori, Decroly,Neill, também teve alguma influência entre nós.
Dewey ou o ensino baseado na
psicologia genética de Piaget
(educação préescolar). Também
as escolas "experimentais",
"escolas comunitárias", e a
"escola secundária moderna", na
versão de Lauro de Oliveira
Lima.
PEDAGOGIAS PROGRESSISTAS - QUADRO 1

LIBERTADORA LIBERTÁRIA

Através de situação "não Transformação na personalidade


formal", professores e alunos, dos alunos num sentido libertário e
mediatizados pela realidade que autogestionário. Criar mecanismos
apreendem e da qual extraem o institucionais de mudanças que preparem
PAPEL DA conteúdo de aprendizagem, os alunos para atuarem em instituições
ESCOLA atingem um nível de consciência "externas". Resistir à burocracia que retira
crítica a fim de buscarem uma a autonomia da escola.
transformação social. Rejeição da
educação "bancária" (tradicional) e
da educação renovada (libertação
psicológica), ambas
domesticadoras.
"Temas geradores", Não há conteúdo propriamente
extraídos da problematização da dito predeterminado, mas do interesse do
CONTEÚDO DE prática de vida dos educandos. aluno, conhecimento que resulta das
ENSINO (Educação com experiências vividas pelo grupo
caráter político.) (mecanismos de participação crítica),
levando à descoberta de respostas às
necessidades e às exigências da vida
social.
Diálogo. Autogestão (vivência grupal).
Discussão em grupo Experiências vividas.
MÉTODO ("grupo de discussão") Contatos: discussões,
assembléias, cooperativas e outras
formas de participação e expressão pela
palavra; organização e execução do
trabalho.
Não diretividade. Não diretiva.
RELAÇÃO Educador e educando O professor é um orientador, um
PROFESSOR como sujeitos do ato de conselheiro e um catalizador que se
X conhecimento. O professor é um mistura ao grupo para uma reflexão em
ALUNO animador que caminha "junto" num comum.
trabalho de "aproximação de
consciência".
Aprender: ato da realidade Uso prático do saber.
concreta. Aprendizagem informal, via grupo.
Passos da aprendizagem: Motivação: interesse em crescer
PRESSUPOSTO S codificação-decodificação, e dentro da vivência grupal.
DE problematização da situação. Não há avaliação.
APRENDIZAGE Aproximação crítica da
M realidade do educando. Chegar ao
conhecimento pelo processo de
compreensão, reflexão e crítica.
Auto-avaliação.
As ideias de Paulo Freire Abrange quase todas as
têm influenciado sindicatos e tendências antiautoritárias em educação:
movimentos populares. Alguns a anarquista, a psicanalista, a dos
grupos atuam não apenas no nível sociólogos e a dos professores
MANIFESTAÇÃ da prática popular, como também progressistas. Entre outros, podemos citar
O NA PRÁTICA por meio de publicações, os seguintes autores libertários: Lobrot, C.
ESCOLAR independentes das ideias originaisFreinet, Vasques, Oury, Miguel Gonzales
da pedagogia libertadora. Arroyo e Ferrer y Guardia. Maurício
Apesar de ter sido Tragtenberg, apesar de um enfoque
formulada, teoricamente, para a menos pedagógico e mais crítico das
educação de adulto ou para a instituições, em favor de um projeto
educação popular, em geral, muitos autogestionário, destaca-se como
professores vêm tentando colocar estudioso e divulgador da tendência
em prática a pedagogia libertadora libertária.
em todos os graus de ensino
formal.
PEDAGOGIAS PROGRESSISTAS - QUADRO 2

CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS

Transmissão de conteúdos vivos, concretos, indissociáveis das


realidades sociais.
Instrumento de apropriação do saber, a serviço dos interesses
populares.
PAPEL DA
A educação é "uma atividade mediadora no seio da prática social
ESCOLA
global". (D. Saviani).
Preparar o aluno para o mundo adulto e suas contradições,
fornecendolhe um instrumental (conteúdos e socialização) para uma
participação organizada e ativa na democratização da sociedade.

Conjunto de conhecimentos prontos,


selecionados entre os bens culturais da humanidade
CONTEÚDO DE (saber universal autônomo) reavaliados face às
ENSINO realidades sociais, com funções formativas e
instrumentais.
Postura da pedagogia "dos conteúdos" - obter o
acesso do aluno aos conteúdos, ligando-os à
experiência concreta deles - é a continuidade; ao
mesmo tempo, proporcionar elementos de análise
crítica que ajudem o aluno a ultrapassar a experiência,
os estereótipos, as pressões difusas da ideologia
dominante - é a ruptura.
Métodos participativos baseados em uma
relação direta da experiência do aluno, confrontada
MÉTODO com o saber trazido de fora (subordinação ao
conteúdo). Vai-se de uma ação à compreensão e desta
à ação, até a síntese, unindo a teoria à prática.
Relação de interação diretiva (provimento de condições
RELAÇÃO ideais de trocas).

PROFESSOR O professor é um mediador, intervencionista.


O aluno participa do processo confrontando sua experiência
X
com os conteúdos expressos pelo professor.
ALUNO

Prontidão. Todo conhecimento novo deve apoiar-se numa


estrutura cognitiva já existente (aprendizagem significativa).
Capacidade para processar informações.
Avaliação: comprovação do progresso do aluno em direção
PRESSUPOSTOS
a noções mais sistematizadas.
DE
APRENDIZAGEM

Inúmeros professores da rede escolar pública que se


ocupam de uma pedagogia de conteúdos articulada com a
adoção de métodos que favoreçam a participação dos
alunos, muitas vezes, sem saber, avançam na
democratização efetiva do ensino para as camadas
MANIFESTAÇÃO
populares. No Brasil, destaca-se Saviani que vem
NA PRÁTICA
desenvolvendo investigações relevantes, no sentido de
ESCOLAR
colocar a educação "a serviço da transformação das
relações de produção", "da democratização da sociedade
brasileira, atendendo aos interesses das camadas
populares". Podemos citar a experiência pioneira do
educador russo Makarenko. Entre os autores atuais, estão:
B. Charlot, Suchodolski, Manacorda e, especialmente, G.
Snyders.

TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS NO SÉCULO 20

A educação tem se tornado, cada vez mais, uma preocupação dos grupos
dirigentes de todos os povos. Isto aparece claramente no século 20. Os
administradores públicos e privados e os estudiosos dos mais diversos ramos têm
escrito expressando ideias as mais diversas e, às vezes, contraditórias sobre esta
atividade tão importante para os caminhos da sociedade. Entre os educadores as
principais reflexões sobre a educação se encontram em teorias como Escola Nova,
Tecnicismo, Desescolarização da Sociedade, Crítico-Reprodutivismo e Progressismo,
estudadas a seguir.

A ESCOLA NOVA

No final do século 19 e começo do século 20, com o desenvolvimento de novas


ciências (biologia, sociologia, psicologia) surge a necessidade de adequar a educação
a um mundo em transformação. Aparece, então a Escola Nova, que se apresenta
como um esforço para superar a pedagogia da essência pela pedagogia da existência,
se constituindo, assim, em uma pedagogia de caráter predominantemente psicológico.
Quer dizer: o educando é antes sujeito que objeto da educação.

CARACTERÍSTICAS GERAIS
A Escola Nova representou uma verdadeira inovação no campo da educação.
Suas propostas atingem os vários itens que constituem a prática educativa.
Assim:
 Na relação professor-aluno: é alunocêntrica (o aluno é ativo e o
elemento mais importante do processo), enquanto o professor é um facilitador que
deve despertar o interesse do aluno e provocar a sua curiosidade.
 Quanto ao conteúdo: é mais importante o modo de aprender do que o
próprio aprender; é mais válido aprender a aprender do que aprender!
 Quanto à metodologia: de modo geral, propõe que as atividades sejam
centradas no aluno, valorizando a sua espontaneidade e as suas iniciativas; se
preocupa com a individualização das atividades e introduz alguma socialização ao
promover os trabalhos em grupo, muito embora sempre em função do
desenvolvimento individual; em algumas escolas específicas, que privilegiam a
pedagogia da ação, são criados setores pedagógicos típicos, como horta, laboratório,
oficina, imprensa; os jogos são vistos não como opostos ao trabalho, mas como
facilitadores da aprendizagem.
 Quanto à avaliação: insiste em que esta é um processo válido para o
aluno e se constitui em uma das etapas da aprendizagem; não deve contemplar
apenas o intelectual, mas também a aquisição de habilidades e a formação de
atitudes; a competição tende a ser substituída pela cooperação.
 Quanto à disciplina: tem o seu valor relativizado na medida que a escola
prepara para a autonomia; por isso, há um afrouxamento quanto à importância das
normas e uma abertura no sentido de estimular a responsabilidade e a capacidade de
crítica; busca uma disciplina que seja antes uma aceitação (vontade) que uma pura
submissão a ordens impostas.

CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS:

A Escola Nova é uma expressão típica da sociedade liberal que


aparentemente dá chances iguais a todos de acordo com suas possibilidades
intelectuais, mas que na realidade reproduz o sistema, privilegiando a elite. A ênfase
na qualidade e em processos dispendiosos torna a escola cada vez mais elitista. A
crítica inadequada ao autoritarismo da Escola Tradicional resultou na ausência de
disciplina. Uma das suas piores consequências foi o puerilismo, supervalorização da
criança (aluno) e minimização do papel do professor. Além disso, a proposta
escolanovista propiciou a confusão entre ensino, pesquisa e aprendizagem.

PRINCIPAIS EDUCADORES

A Escola Nova foi criada por DEWEY (1859-1952), educador norte-americano.


No mundo são escolanovistas Kilpatrick, Claparède, Decroly, Montessori, Lubienska.
No Brasil, Fernando de Azevedo, (1894-1974) Anísio Teixeira (1900-1971) e Lourenço
Filho (1897-1970).

ESCOLA TECNICISTA
A crítica da escola tradicional, aliada à não aceitação das propostas
escolanovistas, fez surgir a ideia de que a escola, para se tornar eficaz, deveria
assumir o modelo empresarial, isto é, deveria seguir o modelo de racionalização e
produção da empresa capitalista. É a tendência tecnicista que, iniciada nos Estados
Unidos, é introduzida no Brasil através de diversos acordos bilaterais, inicialmente
sigilosos. Sua implementação foi buscada com maior insistência a partir de 1964 e
aparece com maior evidência nas leis 5540/68 e 5692/71.

CARACTERÍSTICAS GERAIS: O tecnicismo se mostra através das seguintes


notas:
 O objetivo da escola é preparar mão-de-obra qualificada para a
indústria.
 O conteúdo das diversas disciplinas deve ser o conjunto de informações
e conhecimentos "científicos" (de preferência das "ciências exatas") a serem
transmitidos aos alunos.
 O método é o taylorista, que supõe uma divisão rígida das tarefas,
uma ênfase no planejamento racional com estabelecimento de objetivos institucionais
muito claros e insubstituíveis e com valorização exagerada dos meios técnicos
(audiovisuais).
 A avaliação visa exclusivamente verificar se os objetivos propostos
estão sendo atingidos.
 A relação professor-aluno é fria, dispensando-se as discussões e os
debates; o professor é um técnico que transmite informação técnica objetiva.

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS: A tendência tecnicista tem seus fundamentos


teóricos sobretudo no positivismo e no "behaviorismo".
CRÍTICAS: O tecnicismo foi e continua sendo de difícil implantação pois os
professores ou foram (e muitos ainda são) de formação tradicional ou já estão
imbuídos de pensamento escolanovista ou mesmo progressista. Além disso, o
tecnicismo:
Burocratiza o ensino, insistindo em objetivos detalhados para cada passo do
programa.
 O professor se torna um mero executor de textos vindos do setor do
planejamento.
 Camufla e fortalece estruturas de poder com sua pretensa
despolitização (neutralidade técnica), pois substitui a participação democrática pela
decisão de poucos (os técnicos do setor de planejamento).

DESESCOLARIZAÇÃO DA SOCIEDADE

A desescolarização da sociedade é uma proposta de Ivan Illich (1926)


que, fazendo coro com as críticas à escola tradicional e à escola nova, propõe a
eliminação da escola.

CRÍTICAS À ESCOLA
Illich faz as seguintes considerações:
 A escola está em crise e a solução dos seus problemas não está na
promoção de reformas dos métodos e currículos, nem na crítica ao seu elitismo; a
solução está na destruição da escola.
 A escola é uma das instituições criadas para proteger e dirigir as ações
humanas e que, por isso, infantiliza o ser humano que se torna sempre mais
dependente de especialistas.
A escola escraviza mais do que a família, pois se apoia em uma estrutura
organizada, fortemente hierarquizada, em rituais de provas e exames e no mito do
diploma.
 A existência da instituição escolar se baseia na premissa falsa de que a
criança só aprende (pra valer) na escola.
 A escola é uma promessa que não se cumpre: vive o paradoxo de que
querer preparar para o mundo, ao mesmo tempo que corta os contatos da criança
com ele.
 A escola só fornece a aprendizagem da hierarquia (dos que estão
acima).
 A escola é cúmplice do mito do progresso, da competência, do consumo,
perpetuando as desigualdades sociais.

A PROPOSTA - SOCIEDADE SEM ESCOLAS


Illich propõe, para desescolarizar a sociedade, o que segue:
Destruir o culto à máquina;
 substituir o sistema escolar pelo sistema de convivialidade: redes de
comunicações culturais que facilitem o encontro de pessoas interessadas no mesmo
assunto;
 abolir o poder de uma pessoa proibir outra de participar de qualquer tipo
de reunião;
 afirmar o direito de qualquer pessoa promover qualquer tipo de reunião.

CRÍTICAS À PROPOSTA DE DESESCOLARIZAÇÃO

O grande mérito de Illich está em levantar a questão da validade da escola. Há,


porém, alguns reparos:
A sua crítica se refere, sem dúvida, a uma escola de característica tradicional.
 As instituições não são necessariamente um mal para a sociedade.
 O mito da competência e a especialização, quando não redundam em
forma de poder e de manipulação, podem ajudar o ser humano a sair da privação e
da penúria.
 O projeto de Illich possui uma dimensão individualista.
 O ideal de convivialidade repousa na convicção ingênua de supor que
o sistema de redes escapa às pressões e às contradições de interesses
estabelecidos.

TEORIAS CRÍTICO - REPRODUTIVISTAS


CONCEITUAÇÕES

REPRODUTIVISMO: O conceito reprodutivismo surgiu, no âmbito


educacional, em função da contradição entre a postura ingênua que afirmava ser a
educação um instrumento de equalização dos membros de uma comunidade e o
verdadeiro papel exercido por ela dentro da sociedade. No primeiro caso, a escola
seria um fator de democratização e universalização do saber, contribuindo para
desfazer injustiças sociais e tornando iguais as chances de desenvolvimento de
indivíduos de classes diferentes. Na realidade, a escola tem exercido um papel de
mera reprodutora. É reprodutivista, pois, ao invés de democratizar, reproduz as
diferenças sociais perpetuando o status quo e, portanto, é uma instituição altamente
discriminadora e repressiva (Aranha, 128). Assim, entende-se como reprodutivismo
a caracterização da escola que a considera reprodutora das diferenças sociais e
perpetuadora das injustiças sociais.

CRÍTICO-REPRODUTIVISMO: É aquele grupo de tendências pedagógicas que


analisam o trabalho da escola e concluem que a mesma exerce uma função
reprodutora da sociedade, com suas injustiças. Fazem-lhe, pois, uma crítica severa
e enfocam as várias modalidades de sua instrumentalização, que podem ser
concentradas em três linhas de instrumentalização.
 Escola - instrumento de violência simbólica.
 Escola - aparelho ideológico de estado (AIE).
 Escola - instrumento da divisão dualista da sociedade (Escola Dualista)

ESCOLA ENQUANTO INSTRUMENTO DA VIOLÊNCIA SIMBÓLICA: Para


entender a posição dos autores que consideram a escola um instrumento de violência,
é preciso, antes, atentar para o significado de violência.

NOÇÃO DE VIOLÊNCIA: Violência segundo os dicionário é o ato de violentar.


Violentar, por sua vez, é forçar, coagir, constranger. A partir dessa noção descobriu-
se que existem várias formas de violência, que podem ser reduzidas a duas:
 Violência material: é a violência física, praticada com meios materiais,
através da coerção, com ameaça de castigo, ou através da imposição da força física.
A violência material é sempre explícita!
 Violência simbólica: é a violência que se exerce mediante o uso de
forças simbólicas, isto é, mediante aquelas forças que levam as pessoas a
pensarem e a agirem sem se darem conta de que estão sendo conduzidas. As forças
simbólicas agem sobretudo através das ideias transmitidas pela comunicação cultural
(teatro, televisão, cinema, jornais, revistas etc.), pela doutrinação política e religiosa,
pelas práticas esportivas e pela educação escolar. A violência simbólica é sempre
implícita!

A VIOLÊNCIA DA ESCOLA

Bourdieu e Passeron, educadores franceses da atualidade, analisaram o


papel da escola e chegaram à conclusão de que a escola é, de fato, uma reprodutora
de um determinado tipo de sociedade, usando para isso da violência simbólica. Seus
estudos levaram às seguintes conclusões:
 A escola é um reflexo da sociedade, pois não é uma ilha separada do
seu contexto social, que marca os indivíduos de maneira inevitável e quase
irreversível.
 A escola reproduz os privilégios já existentes na sociedade,
favorecendo os já socialmente favorecidos.
 A escola não democratiza; reafirma os privilégios; isto aparece
claramente quando se vê que frequentam o universo escolar dois tipos de pessoas
(crianças sobretudo):
 crianças vindas das classes privilegiadas: por receberem uma
educação familiar (informal) muito próxima daquela que receberão na escola, estão
prontas para tirar proveito da escola, estão prontas para o sucesso.
 Crianças vindas das classes desfavorecidas: sua educação familiar
(informal) está muito longe daquela que tentarão passar-lhes na escola e, assim, estão
destinadas ao não aproveitamento, estão preparadas para o insucesso.
 O insucesso escolar é geralmente mascarado e mistificado, recorrendo-
se ao conceito de desigualdades naturais.
 A ideologia dos dotes dissimula a imposição da cultura da classe
dominante sobre a cultura da classe dominada.

ESCOLA ENQUANTO APARELHO IDEOLÓGICO DE ESTADO

Esta visão da escola tem como principal pensador Louis Althusser. Para ele,
na sociedade capitalista, a escola, ao mesmo tempo que ensina um saber prático que
proporciona a qualificação da força de trabalho, reproduz a ideologia da classe
dominante, pois só assim será feita reprodução qualificada da força de trabalho
adequada ao sistema capitalista. A escola torna-se instrumento de dominação
ideológica e por isso é um dos elementos do aparelho ideológico de estado (AIE).
Isso se torna mais claro com o entendimento da função da ideologia na vida social.

FUNÇÃO DA IDEOLOGIA

A sociedade capitalista é constituída por duas classes sociais antagônicas: a


dominante, detentora dos meios de produção, e a dominada, a força de trabalho.
Aquela domina esta através da ideologia, que mascara a exploração e transforma os
valores da classe dominante em valores universais, dificultando o desenvolvimento do
pensar próprio da classe dominada. A classe dominante usa instrumentos de
dominação para conservar os seus privilégios.

INSTRUMENTOS DE DOMINAÇÃO

O Estado, na sociedade capitalista, tem a função de resguardar os interesses


da classe dominante e reprimir os anseios da classe dominada. Para o exercício dessa
função possui dois tipos de aparelhos: repressivos uns, ideológicos outros.
 Aparelhos Repressivos de Estado (ARE): são aqueles aparelhos que
funcionam por meio de algum tipo de violência. Inclui a administração pública, a
polícia, os tribunais, as prisões.
 Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE): são aqueles que utilizam da
ideologia para defender e preservar os objetivos da classe dominante. Distribuem-se
por diversos setores das atividades humanas: AIER, AIEE, AIEF, AIEJ, AIEP, AIES,
AIEI, AIEC.
 Aparelho Ideológico de Estado da Escola (AIEE): entre os AIEs. O
AIEE tem um papel preponderante, pois a escola não possibilita chances iguais a
todos. Ao contrário, determina de antemão a reprodução das classes sociais, pois, de
um lado, inculca a ideia de que uns são destinados a dominar; de outro, reprime as
aspirações de ascensão daqueles que foram sempre dominados.

A TEORIA DA ESCOLA DUALISTA

É um modo específico de ver o trabalho escolar muito próximo da teoria da


escola enquanto AIE. Baudelot e Establet, os dois educadores franceses que
estabeleceram as bases da Teoria Dualista, fazem as seguintes considerações:
 Não existe uma escola única, isto é, uma escola que vise trabalhar os
educandos para que todos possam atingir um mesmo nível educacional. Existem
duas escolas que se diferenciam quanto ao número de anos de estudos, quanto aos
itinerários e aos fins do processo educacional. Estas duas escolas são heterogêneas
e antagônicas.
 As duas escolas aparecem mais claramente como duas grandes redes
de escolaridade:
Rede SS (secundária superior): visa levar os aluno à universidade.
Rede PP (primária profissionalizante): acaba no primeiro grau e visa levar o
aluno imediatamente ao trabalho (manual).
 A divisão da escola em duas redes reafirma a divisão entre trabalho
intelectual (rede ss) e trabalho manual (rede pp), porque nessa dicotomia repousa a
possibilidade material da manutenção da estrutura social capitalista.
 A escola tem duas funções:
 Determinar a orientação dos alunos para uma ou outra rede.
 Inculcar a ideologia burguesa para conter e dominar os anseios de uma
nova ideologia fundada nos anseios dos proletários.
CRÍTICO-REPRODUTIVISTAS BRASILEIROS

Alguns pensadores brasileiros fizeram uma crítica do nosso processo


educacional que os aproxima dos crítico-reprodutivistas citados. São eles: Bárbara
Freitag, Maria de Lourdes Deiró Nosella e Luis Antônio Cunha.

CRÍTICA ÀS TEORIAS CRÍTICO-REPRODUTIVISTAS

Os autores crítico-reprodutivistas fazem uma análise válida quando levantam a


problemática da função da escola em uma sociedade dividida em classes. Sua crítica,
porém, pode conduzir a um pessimismo imobilista, pois esquecem que as
contradições precisam ser percebidas para possibilitar o surgimento de novas
propostas, o que acontece com as chamadas tendências progressistas. Esquecem
também os crítico-reprodutivistas que o saber, por pequeno que seja é sempre
sementeira. Vale dizer: a escola também pode ser um campo de luta e de rompimento,
de onde podem surgir novas propostas para a vida social.

AS TEORIAS PROGRESSISTAS

As Teorias Progressistas surgiram como reação e superação do Crítico-


reprodutivismo. Este fez uma crítica severa da Escola Tradicional e da Escola Nova e
descobriu o caráter ideológico da educação. Mas, fez também surgir uma sensação
de impotência, pois ateve-se a uma postura negativista. As Teorias Progressistas
surgem, por conseguinte, como a busca de novos caminhos. É um movimento muito
recente e não é fácil determinar as suas linhas fundamentais, pois a própria
denominação progressismo, criada por Georges Snyders, não é aceita por todos que
nela poderiam ser inseridos.

CARACTERÍSTICAS GERAIS
Apesar das diversidades presentes nas propostas dos seus educadores, o
Progressismo apresenta muitos pontos comuns a todas elas:
Busca superar as Teorias Crítico-reprodutivista propondo a construção de uma
pedagogia social crítica.
Afirma a necessidade de uma consciência da existência de relações sociais de
opressão, para a busca de uma nova ação pedagógica.
Propõe uma crítica constante de alguns elementos do processo educacional,
visando uma função mais adequada para os mesmos:
Escola: seu verdadeiro significado está em ser um local de
socialização do saber; é um elemento de continuidade, mas também de ruptura; tem
um papel transformador quando enfatiza como um dos meios para uma vida
social melhor organizada a alfabetização.
Saber: não deve ser abstrato, e sim integrado à prática social global; deve
possibilitar a superação da dicotomia teoria x prática.
Trabalho: deve ser parte integrante do processo educacional, pois homem
se forma pelo trabalho e deve ser formado para o trabalho; a educação precisa levar,
também através de atividades práticas (oficinas), a compreender o fazer, o que fará
surgir a consciência crítica do mundo físico e social; a educação para o trabalho
tem também o objetivo de possibilitar a superação da dicotomia cultura erudita x
cultura popular.

Professor:
 é um elemento chave no processo educacional;
 sua formação tem importância especial e precisa despertar
 a consciência da educação como prática social
transformadora;
 sua ação deve estender-se para além da sala de aula,
 afirmando a validade da ação política em favor da escola
pública.
RISCOS DAS PROPOSTAS PROGRESSISTAS

Conquanto sedutoras, as propostas pedagógicas progressistas incluem alguns


perigos:
Politicismo Pedagógico: O Progressismo parte do princípio de que não
existe educação apolítica. Os polos educação e política são
complementares e indissociáveis, o que é inegável. No entanto, a ênfase dada
à necessidade da ação política pode levar ao descuido do trabalho propriamente
pedagógico, tornando prioritária, e mesmo exclusiva, a ação político-partidária
do professor.
Assistencialismo: Por causa das muitas e variadas carências das
camadas populares é grande a tentação de se recorrer à chamada
educação compensatória, que desvia a ação da escola para atividades que são
próprias de outros órgãos do Estado, como é o caso, por exemplo, da merenda
escolar.
Falsa democracia na sala de aula: ao acentuar posturas que são anti-
autoritárias, ao estimular a superação do individualismo a partir do diálogo
(trabalhos em grupo) e ao incentivar a prática constante da
corresponsabilidade, o Progressismo pode levar à exclusão do papel de líder
organizador, que deveria caracterizar o Professor.

PRINCIPAIS EDUCADORES PROGRESSISTAS

Os pensadores progressistas são muito numerosos, o que testifica busca


contínua do aperfeiçoamento do trabalho educacional. Aqui vamos apresentá-los
divididos da seguinte maneira:

Pioneiros e estrangeiros em geral:

 MAKARENKO (1888 - 1939): Educador russo (soviético) fundador de


uma colônia para recuperação de menores infratores; autor da obra Poema
Pedagógico, defende a importância do coletivo no trabalho pedagógico.
 PISTRAK: Educador russo-soviético, buscou estabelecer os
fundamentos da escola do trabalho.
 Antônio GRAMSCI: Intelectual italiano, discutiu a questão das
relações entre os trabalhadores intelectuais e os trabalhadores manuais.
 SUCHODOLSKI: Estudou a diferença entre as pedagogias
essencialista e existencialista.
 CHARLOT: Estudou a questão dos processos idelógicos da educação.
 Outros: CELESTIN, FREINET, SNYDERS, GIROUX, MANACORDA,
LOBROT.
 Brasileiros: se apresentam em diversas subtendências:
 PEDAGOGIA LIBERTADORA: Defende uma educação para a
conscientização da necessidade de libertar-se de uma situação de vida
opressora. PAULO FREIRE é seu principal pensador.
 PEDAGOGIA LIBERTÁRIA: Propõe uma escola que se caracterize
pela autogestão não-diretiva, para formar grupos de influência política que
construam uma sociedade mais igualitária.
 PEDAGOGIA CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS: Vê a escola
como o local de aquisição dos conteúdos acumulados, que devem ser
apropriados de forma crítica e também socializados a fim de servirem aos
interesses de toda a população, sem privilégios, visando a democratização
da sociedade. SAVIANI, LIBÂNEO e C. R. CURY.
 PEDAGOGIA DO CONFLITO: A educação é um processo dialético.
GADOTTI.

A ESCOLA FRENTE ÀS NOVAS DEMANDAS SOCIAIS

A importância da escola em nossa sociedade pode ser medida pelo tempo que
nossas crianças e jovens passam em seu interior, ao menos 12 anos de suas vidas.
Esta é a única instituição social de frequência obrigatória que alcança a todos e todas
das novas gerações.
A educação escolar em sua dimensão cognitiva busca transmitir
conhecimentos acumulados historicamente pela humanidade; em sua dimensão
socializadora permite que os sujeitos se integrem ao coletivo. Estas duas dimensões
da escola nem sempre, em sua história, caminharam juntas; os objetivos e a extensão
desta instituição sofreram mudanças ao longo do tempo desencadeadas por
processos de transformações sociais.
Desde a segunda metade do século XX temos observado mudanças sociais
profundas fruto das tecnologias da informação e comunicação; a sociedade do
conhecimento, a internet, a rede de recursos e serviços educativos disponíveis
contribuem para desconstruir a escola e romper com seu monopólio formativo e
informativo (VILLA, 2007). Este cenário mundial cobra da escola um novo tipo de
atuação; no entanto, observamos que a organização e a estrutura curricular da escola
pouco se alteraram, os paradigmas que orientam suas práticas têm como referência
uma atuação excludente e elitista, voltada para fins propedêuticos.
O acesso à escola foi democratizado, mas o acesso aos conhecimentos por ela
veiculados ainda é restrito, uma vez que muitos alunos e alunas não conseguem
aprender, e parecem não encontrar sentido nos conteúdos ensinados. Assim,
podemos nos questionar: até que ponto a escola tem se mostrado sensível à
realidade, à cultura, aos problemas e conflitos de seus alunos e alunas? Em quais
momentos nós, professores, preocupamo-nos em trazer a vida para dentro de nossas
salas de aula?

Da escola elitizada à escola democratizada em seu acesso

A relação entre escola e sociedade, ao longo de sua história, passou por


algumas transformações, refletir sobre as funções desta instituição em diferentes
contextos torna-se importante na medida em que buscamos novos caminhos para a
educação escolar, caminhos estes, articulados com a complexidade que caracteriza
a atual sociedade.
Vila (2007) destaca através do trabalho de Enguita três momentos de mudança
nestas relações, a saber: suprageracional, intergeracional e intrageracional. A
primeira, característica de sociedades antigas, onde o saber era transmitido à maior
parte da população através da vida cotidiana, pelos pais e adultos; nesta fase, a escola
destinava-se a poucos: apenas àqueles que desempenhavam funções prestigiadas
socialmente. A segunda mudança advém da revolução industrial e das
transformações sociais impulsionadas pela mesma. Neste novo contexto, a família e
a comunidade perdem parte de suas funções educativas que passam a ser atribuídas
à escola. E finalmente a terceira mudança relaciona-se à aceleração das
transformações que obrigam as novas gerações a se incorporarem em um mundo
distinto, em constante mudança, onde a informação e o conhecimento assumem um
papel cada vez mais importante na vida das pessoas. Neste novo contexto as funções
da escola têm crescido: cuidado, instrução, formação são ações demandadas da
escola.
Na mesma linha temos o trabalho de Esteve (2004) que também aponta três
momentos que caracterizam as revoluções educacionais. A primeira revolução cria e
generaliza a escola como instituição dedicada ao ensino. Documentos históricos,
datados de 2.500 anos antes de Cristo, apontam-nos para a existência de escolas no
antigo Egito. Eram instituições destinadas à elite sacerdotal e à administração do
Estado, onde se ensinava a escrever. Os poucos que tinham acesso a este privilégio
estavam dispensados do trabalho corporal e ocupavam uma posição social relevante
e economicamente vantajosa, compatível com seu grau de instrução.
A segunda revolução, datada do século XVIII, relaciona-se à responsabilidade
do Estado frente à educação da população infantil: as escolas deixaram de ser apenas
fruto de iniciativas aleatórias do setor privado. O compromisso estatal com a escola
restringia-se ao ensino fundamental, cujo objetivo estava circunscrito à alfabetização
e ao domínio de cálculos elementares. Contudo, a escassez de vagas oferecidas
levou a uma nova elitização: só os mais inteligentes tinham oportunidade de estudar,
ou seja, aqueles que obtinham boas notas e que se adaptavam à instituição,
correspondendo às suas exigências. Institucionalmente, esta “seleção” levou à
formação de um corpo discente homogêneo, com rendimentos escolares semelhantes
e expectativas convergentes. Socialmente, esta elitização resultou na distinção dos
indivíduos pelo seu nível de escolarização, garantindo aos mais graduados um futuro
promissor. Em ambos os períodos deparamo-nos com a educação escolar como
privilégio, o que conferia aos seus beneficiários status social e econômico.
A terceira revolução, na segunda metade do século XX, caracteriza-se pela
compreensão da educação escolar como um direito, extensivo a todas e todos. Dentre
as consequências deste processo de democratização podemos destacar a
consideração da diversidade, a busca pela superação da pedagogia da exclusão, o
deslocamento do foco do ensino para a aprendizagem, a importância que passa a ser
conferida à educação pré-escolar, o rompimento da associação entre graus
educacionais e status social e econômico.
Como vimos, ambos os autores destacam o papel da escola articulado às
necessidades e valores de cada época. O momento atual impõe à escola o desafio de
lidar com uma realidade na qual a formação e a instrução estão distribuídas por todas
as partes; onde a escola deixou de ser a única fonte do saber; onde nos vemos
submetidos a transformações aceleradas em que as tecnologias da informação e da
comunicação mediam nossas relações interpessoais e o acesso ao conhecimento.
Em contrapartida, a escola continua se organizando e funcionado através de uma
estrutura e de concepções que se pautam por um modelo de sociedade que não
corresponde mais à nossa realidade. Lidar com este novo contexto implica na
superação de estereótipos e na elaboração de novas visões e caminhos educativos.

Escola: instrução e formação

A escola cumpre uma função social essencial à formação dos novos cidadãos,
na medida em que os saberes selecionados por uma sociedade e os seus valores
serão transmitidos e construídos mediante ações educativas. Nesta instituição nossas
crianças e jovens permanecem quatro horas por dia, cinco dias por semana, nove
meses por ano e ao menos doze anos de suas vidas. Trata-se da única instituição
social por qual passa obrigatoriamente toda a população infantil e juvenil. A incidência
da escola sobre a vida das crianças e dos jovens não se restringe às horas em que
permanecem na instituição, prolonga-se para além deste tempo, compreendendo o
desenvolvimento de atividades como tarefas, estudo, trabalhos em grupo, etc.
A condição social de criança e de jovem associa-se à sua vida escolar, que se
apresenta como a porção “séria” de suas existências, implicando em compromissos e
responsabilidades extremamente valorizados. Esta instituição constitui-se em um
espaço onde se travam relações institucionais e interpessoais regulares que vão além
dos laços de parentesco ou comunidade, e é responsável historicamente por duas
grandes funções: instrução e formação (PUIG, 2000; ARAÚJO, 2003). A primeira
relaciona-se à transmissão dos saberes acumulados pela humanidade e valorizados
pela sociedade, a segunda aos valores e disposições internas, construídos pelos
indivíduos nesta instituição. Assim, a escola não se limita à dimensão cognitiva dos
alunos e alunas, mas objetiva, também, a formação moral.
A compreensão e análise reducionistas da escola, que insistem num discurso
cuja ênfase recai sobre a preponderância do caráter instrucional da instituição em
detrimento de seu caráter formativo, correm o risco de deparar-se com a necessidade
de decretar seu fim. A sociedade contemporânea, caracterizada pelo amplo, rápido e
global acesso à informação, dispõe de meios, talvez mais eficazes, para veicular a
transmissão de conteúdos, que poderiam condenar a escola ao seu desaparecimento.
Ora, temos presenciado um movimento inverso, a preocupação mundial com a
educação não aponta para o fim das escolas e sim para a extensão do seu alcance.
Podemos, portanto, considerar que o papel da escola estende-se para muito além da
transmissão de conteúdos. A pouca atenção destinada ao caráter formativo da
educação é destacada por Enguita: Professores e pais costumam prestar pouca
atenção àquilo que não seja o conteúdo do ensino, isto é, da comunicação, e o mesmo
faz a maioria dos estudiosos da educação. Entretanto, apenas uma pequena parte do
tempo dos professores e alunos na escola é dedicada à transmissão ou aquisição de
conhecimentos. O resto, a maior parte, é empregado em forçar ou evitar rotinas, em
impor ou escapar ao controle, em manter ou romper a ordem. A experiência da
escolaridade é algo muito mais amplo, profundo e complexo que o processo da
instrução: algo que cala em crianças e jovens muito mais fundo e produz efeitos muito
mais duradouros que alguns dados, cifras, regras e máximas que, na maioria dos
casos, logo esquecerão. As atitudes, disposições, etc., desenvolvidos no contexto
escolar serão logo transferidas a outros contextos institucionais e sociais, de forma
que sua instrumentalidade transcende sua relação manifesta ou latente com os
objetivos declarados da escola ou com seus imperativos de funcionamento.
(ENGUITA, 1989, p.158)

O excerto apresentado nos remete à importância das práticas escolares que


não estão explicitadas nos currículos formais; são ideias, intenções e ações que
traduzem princípios e valores sobre os quais a instituição se organiza e atua. Temos,
pois, o papel formativo da escola posto em destaque através de práticas que visam
desenvolver disposições e atitudes transponíveis a outros contextos.
Ora, quando temos em mente o desenvolvimento da democracia e a efetivação
da cidadania, pensamos em uma escola que forme nossos jovens orientados para a
participação social e respaldados por valores como tolerância, equidade, justiça
social. Para fazê-lo de forma coerente com a democracia, entendemos que a
educação deve pautar-se por certos princípios e ações que traduzam o ideal buscado.
Por outro lado, a concretização dos ideais democráticos depende da educação, como
uma medida que visa a igualdade de oportunidades. Sem educação extensiva a todos,
a democracia não se realiza. A escola, enquanto instituição social, deve ser
democrática, tanto em suas práticas quanto em seu acesso. Assim, não pode haver
democratização do ensino sem esforços sistemáticos para o acesso e a permanência
de todos na escola. O acesso reivindicado não é apenas de frequentar uma escola,
mas sim o acesso aos bens culturais da sociedade: conhecimentos, linguagens,
expressões artísticas, práticas sociais e morais, enfim, o direito a um legado de
realizações históricas às quais conferimos valor e das quais esperamos que as novas
gerações se apoderem. Esta concepção ampla de acesso defronta-nos com a questão
do fracasso escolar e da exclusão que o mesmo gera. A escola pretendida deve atuar
no sentido da transformação visando à inclusão social e o enfrentamento do fracasso
escolar, ou seja, não podemos ter uma escola democrática sem que nossos alunos e
alunas tenham de fato acesso aos conhecimentos produzidos pela humanidade.
Deparamo-nos, aqui, com dois grandes desafios: que os conteúdos selecionados pela
escola permitam aos alunos e às alunas de diferentes origens, classes sociais,
religiões, culturas, identificarem-se e envolverem-se com as matérias curriculares; e,
contemplar a diversidade num contexto globalizado através de um processo centrado
na aprendizagem significativa. Em ambos os casos visa-se, para além da construção
de conteúdo, a construção de valores democráticos.
Trata-se de um desafio, pois os conteúdos trabalhados pela escola vêm,
historicamente, obedecendo a uma seleção e a um trabalho voltado para poucos, num
modelo de escola elitista e centrada na instrução. No entanto, com a democratização
do acesso e a entrada de novos contingentes educacionais na escola, emerge a
necessidade de repensarmos os conteúdos, os métodos e as ações pedagógicas
concebidas de forma ampla, de maneira que a atuação da escola desenvolva-se a
partir de valores desejáveis a uma sociedade democrática visando práticas coerentes
que favoreçam o exercício da cidadania ativa.
O papel formativo da escola é destacado também por Freire (2001) que ressalta
a importância dos conteúdos na formação crítica dos educandos. Para o autor, a
articulação entre conteúdos escolares e realidade dos discentes, considerando os
conflitos sociais, permite que os alunos e alunas se percebam como agentes, capazes
de agir e transformar a realidade.
Para o educador progressista coerente, o necessário ensino dos conteúdos
estará sempre associado a uma “leitura crítica” da realidade. Ensina-se a pensar certo
através do ensino dos conteúdos. Nem o ensino dos conteúdos em si, ou quase em
si, como se o contexto escolar em que são tratados pudesse ser reduzido a um espaço
neutro em que os conflitos sociais não se manifestassem, nem o exercício do “pensar
certo” desligado do ensino dos conteúdos (...) enquanto numa prática educativa
conservadora competente se busca, ao ensinar os conteúdos, ocultar a razão de ser
de um sem-número de problemas sociais, numa prática educativa progressista,
competente também, se procura, ao ensinar os conteúdos, desocultar a razão de ser
daqueles problemas. A primeira procura acomodar, adaptar os educandos ao mundo
dado; a segunda, inquietar os educandos, desafiando-os para que percebam que o
mundo dado é um mundo dando-se e que, por isso mesmo, pode ser mudado,
transformado, reinventado (...). (FREIRE, 2001, p.29-30)
A formação pretendida não se dá apartada dos conteúdos escolares, ou seja,
não se trata de inserirmos nos currículos aulas de cidadania, ou aulas sobre valores
democráticos. Analogamente, o desenvolvimento de conteúdos sempre se dá em um
contexto formativo seja ele intencionalmente declarado ou implícito (a análise de
Enguita neste sentido é bastante esclarecedora). Propomos, assim, o
desenvolvimento de conteúdos curriculares visando a formação intencional para a
cidadania, dito com outras palavras, a formação dos alunos e alunas não pode estar
sujeita à práticas tradicionais comprometidas com uma educação elitista, ela deve ser
objeto de reflexão e de práticas pedagógicas intencionalmente planejadas para a
construção de valores democráticos e do despertar de uma disposição interna à
participação ativa na sociedade.
Acreditamos que a reflexão sobre a educação escolar não pode prescindir do
respeito à diversidade e do compromisso com a busca de uma pedagogia que supere
a exclusão, visando a formação para a cidadania e a construção de valores
democráticos.

Diversidade na escola

A universalização do ensino conduz à necessidade de considerarmos a


diversidade na escola. A educação escolar concebida como direito, superando seu
caráter elitista e igualando todos os cidadãos, no que tange às oportunidades, traz
novos contingentes populacionais, pouco habituados ao universo escolar, para dentro
das salas de aula. Estes alunos e alunas, muitas vezes filhos de pais e mães pouco
ou nulamente escolarizados, defrontam-se com novas formas de cultura: a cultura
escolar, da escola e dos seus agentes.
A cultura escolar, através dos conteúdos selecionados historicamente, e a
cultura da escola – expressa na sua organização, em seus padrões de
comportamento, em sua linguagem e práticas – passam a fazer parte da vida destas
crianças e jovens, que por sua vez são sujeitos de valores e padrões culturais
distintos. Portanto, o acesso à escola traz consigo a necessidade dos discentes
conviverem não apenas com valores e padrões culturais inerentes à instituição, como
também, com a diversidade que caracteriza seus agentes: alunos e alunas,
professores e professoras, funcionários; enfim, de todos aqueles que participam do
cotidiano escolar. A escola, sob este ponto de vista, pode ser compreendida como um
espaço privilegiado para a expressão da diversidade social, um local de
encontro/confronto/diálogo entre diferentes crenças, hábitos, linguagens, valores,
costumes. Um espaço onde a convivência democrática pode ser exercitada
contribuindo para a construção de valores democráticos tais como tolerância,
igualdade, equidade. No entanto, não basta a reunião desta diversidade em um
mesmo espaço para que haja reconhecimento do outro, confronto, respeito, diálogo;
estas atitudes carecem de uma organização escolar e de ações educativas
comprometidas com tais finalidades, ou seja, seu potencial formativo para a
convivência democrática só se viabiliza mediante a intencionalidade institucional e
docente.
A discussão sobre o respeito à diversidade não fica restrita ao contexto interno
da escola. A globalização da sociedade nos traz, ao mesmo tempo, padrões de uma
cultura global e a aproximação com outros povos e suas manifestações culturais, ou
seja, o local. A convivência com as diferenças torna-se, neste âmbito, uma
necessidade das sociedades contemporâneas.
As transformações sociais que temos experimentado nas últimas décadas, com
a emergência da sociedade do conhecimento, tem gerado novas demandas sociais e
consequentemente escolares, sobretudo a partir da década de noventa. O uso de
tecnologias da informação e da globalização introduziu um novo modelo baseado no
conhecimento e na inovação.
Estas mudanças, no entanto, defrontam-se com uma cultura escolar e com uma
cultura da escola que mantêm a mesma estrutura há séculos, ou seja, assentadas
sobre objetivos comprometidos com uma educação elitizada e de caráter
propedêutico. A cultura escolar parece não ter ainda assimilado as novas demandas
sociais advindas da democratização do ensino e da emergência da sociedade do
conhecimento, e mantém a mesma estruturação curricular. A cultura da escola parece
ignorar a diversidade que caracteriza seus agentes, trabalhando mediante a
suposição de que seu corpo discente forma, ainda, um todo homogêneo. Cabe,
portanto, refletirmos sobre qual o papel da educação escolar no contexto das
sociedades contemporâneas: estamos ensinando e formando indivíduos para o
convívio em uma sociedade marcada pela diversidade e transformação constante?
Ou estamos adaptando nossos alunos e alunas às necessidades e crenças de uma
determinada ideologia?
Enquanto a educação escolar era concebida e usufruída como privilégio,
destinada a poucos, seu objetivo principal residia na formação de uma elite. A escola
elitizada congregava discentes e famílias que comungavam valores semelhantes em
relação ao ensino escolar, e os conteúdos selecionados e trabalhados faziam parte
dos interesses, das vivências e da cultura desta elite. A escola de hoje está aberta a
todos e a todas, de forma que muitos dos conhecimentos valorizados tradicionalmente
nas escolas não se vinculam à realidade vivenciada pelos alunos e alunas, e
possivelmente não serão utilizados por eles e por elas. Torna-se relevante, então,
questionarmo-nos sobre qual o sentido que estes alunos e alunas (e suas famílias)
atribuem ao conhecimento difundido pela escola.

Do caráter propedêutico do ensino aos conteúdos significados pelos discentes

A reflexão proposta implica na discussão sobre os conteúdos que selecionamos


para serem ensinados aos nossos alunos e alunas. Recorremos ao trabalho
desenvolvido por Sastre & Moreno (2002), no qual as autoras partem do
questionamento sobre a conveniência do conteúdo curricular do Ensino Fundamental
e Médio.
As origens de nosso currículo encontram-se na Grécia antiga. Os campos de
conhecimento consagrados em nossas salas de aula foram selecionados por filósofos
de uma sociedade elitista erigida sobre um sistema escravista e excludente, no qual
mulheres e escravos eram alijados dos direitos de cidadania. Os campos de saberes
selecionados para a formação dos jovens gregos desvalorizavam temas e
conhecimentos práticos relacionados às tarefas da vida cotidiana – desempenhadas
por escravos e mulheres. O pensamento filosófico separava público e privado,
científico e cotidiano, cognitivo e afetivo; como consequência destas divisões,
concebe-se um sistema de ensino que privilegia as esferas: pública, científica e
cognitiva, em detrimento das outras apontadas. Este breve histórico permite-nos um
olhar crítico sobre o conhecimento valorizado na escola de hoje.
Ainda com base no trabalho das autoras citadas, uma pesquisa desenvolvida
por Sastre & Moreno (2002) com estudantes universitários buscou investigar o que
estes(as) jovens lembravam dos conhecimentos escolares, qual a utilidade que lhes
atribuíam e como contribuíam para a resolução de conflitos cotidianos. Os resultados
encontrados evidenciam a baixa significação dos conteúdos em relação a sua vida
cotidiana. As autoras ressaltam, no entanto, que estes resultados apontam para a falta
de consciência sobre o papel destes conhecimentos e sobre sua aplicabilidade, não
desconsiderando, portanto, que os mesmos contribuíram para a formação intelectual
e para a forma de pensar dos sujeitos.
Concluindo, para as autoras, as matérias curriculares deveriam desenvolver-se
e relacionar-se com experiências nascidas do cotidiano dos alunos, permitindo-lhes
atribuir significado ao que é apreendido, transformando as novas informações em
conhecimentos relacionados à sua vida. Tal proposta visa a superação da concepção
dicotômica que exclui da escola as esferas privada, cotidiana e afetiva.
Tomando o desafio de transformar os conteúdos escolares em objetos de
conhecimento, ressaltamos a imprescindibilidade de uma aprendizagem que seja
significativa, ou seja, em que o sujeito se aproprie de um conteúdo de ensino por meio
de uma elaboração pessoal do objeto a ser conhecido.
Compreendemos que a perspectiva da Educação Comunitária pode ser um
caminho possível, ao permitir que os conhecimentos escolares tornem-se
significativos aos alunos e alunas, a partir do momento em que passam a se relacionar
às vivências, aos espaços, aos interesses da comunidade. Acreditamos que a
organização e a seleção de conteúdos escolares raramente ou nunca contemplam as
possibilidades e os temas da comunidade onde a escola se insere. Isto, no entanto,
não significa que a comunidade não esteja na escola, ela está: cada aluno e aluna,
cada pai ou mãe, cada professor, professora, funcionário; enfim, todos os agentes que
compõem o cotidiano escolar são membros da comunidade e trazem consigo suas
experiências, conflitos, valores, saberes... O entorno não apenas circunda a escola,
ele está presente dentro dela possibilitando ou dificultando o desempenho das suas
tarefas educativas. Neste sentido, a escola é um espaço de encontro da comunidade,
com potencial para se transformar também em um espaço de diálogo, de reflexão
crítica acerca de temas que afetam a vida e as relações interpessoais ou institucionais
de seus agentes.

Articulação entre escola e comunidade

Na análise de Cavalcanti (2005) o entendimento da escola requer que o


conteúdo das diferentes matérias escolares e os procedimentos por elas adotados
considerem a cultura dos agentes, a cultura escolar, o saber sistematizado, a cultura
da escola. A autora ressalta a necessidade de se pensar o ensino e a mediação
pedagógica tendo como parâmetros a cultura dos alunos e de cada aluno em
particular, contemplando, neste sentido, a sua diversidade. Devemos, também, levar
em conta que os alunos e alunas fazem parte de um conjunto mais amplo, da
humanidade, no qual há valores e traços universais a serem considerados,
preservados e construídos. A articulação entre a diversidade e universalidade implica
na consideração dos lugares que fazem com que as experiências dos indivíduos
sejam diferentes. A cultura globalizada articula-se com o que é próprio do lugar. É
preciso reconhecermos as tensões, os conflitos, as práticas diárias, os quadros de
referência dos grupos sociais dos quais os alunos e alunas fazem parte. Trata-se de
considerarmos a diversidade de símbolos, significados, valores, atitudes, sentimentos,
expectativas, crenças e saberes de um determinado grupo, que vive em contexto
específico, que constrói identidades em situações particulares.
Deparamo-nos com o desafio de repensar a educação, buscando a superação
das dicotomias entre público e privado, cotidiano e cientifico, cognitivo e afetivo.
Acreditamos que um caminho viável é a construção do conhecimento significado pelas
alunas e alunos, valorizando as experiências e conhecimentos de cada grupo
discente, num esforço de superação da fragmentação do conhecimento adotado pela
escola. Nesta perspectiva, torna-se relevante a problematização do cotidiano.
Acreditamos que a aprendizagem através da problematização das situações
relevantes para os discentes possibilita não apenas a construção do significado dos
conteúdos, mas também a formação crítica, orientada para sua atuação social.
Temos, assim, a necessidade de um trabalho que contemple, ao mesmo tempo, a
instrução de alunos e alunas quanto aos conteúdos acumulados historicamente, e a
formação em valores, voltada para a construção da cidadania e do pensamento crítico.
Entendido desta maneira, o processo de ensino-aprendizagem, como vimos,
não se esgota nos conteúdos tradicionalmente abordados pela escola, liga-se a um
projeto mais amplo de sociedade. Durante o século XX, o movimento a favor de uma
educação comprometida com uma forma de vida democrática, a obra de Dewey e as
propostas educativas do escolanovismo, trouxeram propostas educacionais que
buscaram articular a educação intelectual à vida comunitária, à autonomia dos alunos
e professores e à formação global dos discentes.
No Brasil, o movimento da Escola Nova influenciou as ideias de Anísio Teixeira
(1975), ao defender uma escola orientada para práticas e valores democráticos. Para
o autor, a democracia é essencialmente um modo de vida social que exige uma
formação que enfatize a personalidade (individualidade) e a cooperação (sentir-se
responsável pelo bem social). A escola defendida por Teixeira tem como contraponto
a inadequação da escola tradicional – suplementar e preparatória – às inovações e
transformações sociais. Sua proposta educacional volta-se para a formação integral
dos indivíduos, extrapolando a mera transmissão de conteúdos.
Assim, a educação escolar assume uma função que historicamente já foi de
competência pública: a formação dos indivíduos. Para desempenhar tal função, a
nova escola precisa trazer a vida para o seu interior, tornar-se o local onde os
discentes vivam plena e integralmente, de modo que construam valores morais e
sociais. Para o autor, as ações deste tipo de educação não podem se orientar por
procedimentos tradicionais, pois não há como marcar lições sobre tolerância,
simpatia, entusiasmo. A escola meramente informativa não é suficiente para aparelhar
seus alunos e alunas para a atitude crítica de inteligência, para julgar, discernir, ser
consciente do que acontece sem perder sua individualidade.
As práticas desenvolvidas nas escolas devem, portanto, privilegiar a autonomia
dos alunos e alunas, estimulando reflexões e ações que se referendam no contexto
de vida dos mesmos. Tal concepção de educação desenvolve-se dentro da escola,
mas articula-se com o que acontece em seu entorno, ou seja, a educação não se
encerra com o que é transmitido em sala de aula, pelo contrário, o trabalho dentro da
sala de aula é desenvolvido a partir de situações contextualizadas em seu exterior. A
educação passa, então, a ser entendida de forma mais abrangente, como uma tarefa
social que compete a toda a comunidade.
Freire (1996) defende ainda que as experiências e conflitos vivenciados pelos
educandos sejam problematizados de forma a associar o conteúdo das disciplinas à
realidade que tem sido deixada para fora dos muros escolares.
Por que não aproveitar a experiência que têm os alunos de viver em áreas da
cidade descuidadas pelo poder público para discutir, por exemplo, a poluição dos
riachos e dos córregos e os baixos níveis de bem-estar das populações, os lixões e
os riscos que oferecem à saúde das gentes. Por que não há lixões no coração dos
bairros ricos e mesmo puramente remediados dos centros urbanos? É pergunta de
subversivo, dizem certos defensores da democracia.
Por que não discutir com os alunos a realidade concreta que se deva associar
a disciplina cujo conteúdo se ensina, a realidade agressiva em que a violência é a
constante e a convivência das pessoas é muito maior com a morte do que com a vida?
Por que não estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais
aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? (FREIRE, 1996, p.33-
34)
Neste sentido, um caminho possível é que a escola se abra ao seu entorno,
articule-se à comunidade em que se insere, realizando um trabalho que aproveite o
potencial formativo dos espaços não escolares, que se aproxime dos valores e da
cultura da comunidade local, que amplie a participação de todos e todas no trabalho
desenvolvido.
Assim, na busca por uma educação transformadora, que tenha a intenção de
formar para a cidadania, a articulação entre escola e comunidade coloca-se como uma
opção profícua, que possibilita a ampliação do papel da escola. Concordamos, desta
forma, com Subirats, que afirma que: A comunidade-escola não pode ficar reduzida a
uma instituição reprodutora de conhecimentos e capacidades. Deve ser entendida
como um lugar em que são trabalhados modelos culturais, valores, normas e formas
de conviver e de relacionar-se. É um lugar no qual convivem gerações diversas, em
que encontramos continuidade de tradições e culturas, mas também é um espaço
para mudança. A comunidade-escola e a comunidade local devem ser entendidas,
acreditamos, como âmbitos de interdependência e de influência recíprocas, pois
(...)indivíduos, grupos e redes presentes na escola também estarão presentes na
comunidade local, e uma não pode ser entendida sem a outra. (SUBIRATS, 2003,
p.76)

Educação Comunitária

A educação comunitária nos diferentes contextos, épocas e locais nos quais se


desenvolveu apresentou características distintas. No entanto, como traço comum às
diversas formas está o fato de ser um processo educativo sempre coletivo, na maioria
das vezes não formalizado como a educação escolar tradicional, ou seja, que não se
apresenta sob a forma seriada, com avaliações pontuais frequentes e rigidamente
sistematizadas (SILVA, 1996).
Assim, a Educação Comunitária não necessariamente esteve/está relacionada
à instituição escolar, embora possa ser efetivada por meio desta. Historicamente,
segundo Silva, a educação popular, que caracteriza a Educação Comunitária,
encontra-se em posição de confronto com as escolas públicas, postas como alvo de
crítica por representarem práticas governamentais e estatais. A aproximação e
cooperação entre educação escolar pública e Educação Comunitária – isto é, a
apropriação do termo Educação Comunitária ao contexto escolar – veio acontecendo
muito lentamente, a partir dos anos 1980. Foi apenas a partir da década de 1990 que
se intensificou o movimento de Educação Comunitária posta no contexto da escola –
sobretudo a pública brasileira –, movimento este que vem cada vez mais se
fortalecendo e demonstrando sua eficácia.
Segundo Silva (1996), a intenção desta Educação Comunitária deve ser a
transformação do contexto escolar na direção da democratização do espaço e das
relações, da participação de todos os envolvidos, da melhoria da qualidade da
educação. Visto que toda construção humana, como é o caso da escola, envolve as
ações de pessoas concretas, todo o processo de mudança social deve levar em conta
os sujeitos concretamente envolvidos. Assim, em última instância, o trabalho de
Educação Comunitária, no contexto da escola, deve ter como objetivo o
desenvolvimento de um “sujeito coletivo”, isto é, de sujeitos que se compreendam em
meio à coletividade, que se tornem co-responsáveis pelas ações, relações, conflitos e
decisões que ocorrem na comunidade. Na busca por esta constituição de sujeitos
coletivos, portanto, a escola deve levar os sujeitos a:

a) um momento de encontro onde predominem sentimentos de simpatia e


identificação;
b) vivenciarem uma tarefa comum onde possam executar julgamentos
comuns, de modo a construírem uma visão comum de mundo;
c) comprometerem-se pessoal e grupalmente com objetivos e metas;
d) assumirem ou acolherem uma identidade comum;
e) atuarem publicamente com essa identidade, enfrentando os desafios do
ambiente físico e social;
f) conservarem a memória da criação e as experiências do grupo;
g) proporem obras concretas que ajudem a vida do grupo;
h) interagirem com outros sujeitos em clima pluralista e democrático.
(SILVA, 1996, p.100)

Vemos, assim, que o trabalho da escola, na perspectiva da Educação


Comunitária, envolve não apenas a dimensão tradicional da educação escolar – que
diz respeito ao conteúdos trabalhados – mas, em direção à democratização,
preocupa-se também com uma dimensão voltada para a constituição dos sujeitos, o
sentimento de coletividade, o desenvolvimento de relações interpessoais pautadas
em princípios e valores como justiça, respeito, cooperação. Neste sentido, podemos
dizer que esta educação pretende uma organização do ensino capaz de unir a
instrução à formação para a cidadania, visando a participação crítica e ativa de cada
indivíduo/cidadão.
Paulo Freire, no trecho a seguir, sintetiza uma das questões fundamentais que
norteiam o trabalho da Educação Comunitária, na vertente que aqui consideramos:
Aprender na comunidade, com ela e para ela, significa usar a história da sua própria
região, exteriorizando a cultura do silêncio. Significa aprender a engajar-se na sua
própria região, tornando-se consciente da situação sociopolítica e lutando para que
as sociedades fechadas sejam transformadas em sociedades abertas... é uma
questão de urgência que as escolas se tornem menos fechadas, menos elitistas,
menos autoritárias, menos distanciadas da população em geral. Isso é para a
educação comunitária uma questão de fundamental importância. (FREIRE, 1995: 12-
13).
A educação escolar articulada à comunidade tem uma dupla dimensão: a
comunidade como agente educador e, ao mesmo tempo, como sujeito coletivo que se
educa, tal orientação implica em uma ação sócio-educativa em rede, que possibilite
às pessoas, entidades, instituições atuarem como co-responsáveis nos processos
educativos. Trata-se de uma rede de relações traçada numa mesma comunidade à
qual pertencem a escola, a família e outras organizações. Entender a educação
escolar inserida nesta rede social e educativa implica no reconhecimento de que a
educação dos indivíduos não se dá apenas nas salas de aula, mas em todos os
contextos dos quais participam.

Base da proposta das Cidades Educadoras

Segundo Gadotti (2005), o conceito de “cidades educadoras” surgiu na década


de 90, a partir do primeiro Congresso Internacional das Cidades Educadoras
(Barcelona, Espanha).
Neste congresso, foi aprovada uma Carta – que ficou conhecida como “Carta
de Barcelona” – a qual contém os princípios que caracterizam uma cidade que educa.
Um dos princípios que norteiam a proposta das Cidades Educadoras é
justamente a busca pela formação para a cidadania, entendida como “consciência de
direitos e deveres e exercício da democracia” (GADOTTI, 2005). As Cidades
Educadoras devem buscar o protagonismo de todos e todas que nela convivem, em
direção a iguais oportunidades de formação, desenvolvimento e entretenimento
oferecidas pela cidade. Neste contexto, passa a ser pertinente o conceito de “Escola
Cidadã”, uma vez que: A comunidade educadora reconquista a escola no novo espaço
cultural da cidade, integrando-a a esse espaço, considerando suas ruas e praças,
suas árvores, seus pássaros, seus cinemas, suas bibliotecas, seus bens e serviços,
seus bares e restaurantes, seus teatros e igrejas, suas empresas e lojas... enfim, toda
a vida que pulsa na cidade. A escola deixa de ser um lugar abstrato para inserir-se
definitivamente na vida da cidade e ganhar, com isso, nova vida. A escola se
transforma num novo território de construção da cidadania.
De acordo com Gadotti, a ideia de uma Escola Cidadã está diretamente
relacionada à existência da Cidade Educadora, e ambas pressupõem uma relação de
intenso diálogo entre a escola e a cidade. Neste movimento, o sujeito da cidade que
educa passa a estar presente também na escola, levando para o ambiente escolar os
interesses e necessidades da comunidade, da população.
Desta forma, Gadotti argumenta que a proposta das Cidades Educadoras,
assim como a proposta da Escola Cidadã, envolve não apenas uma reorganização da
gestão escolar e a implantação de um planejamento participativo, mas acaba
refletindo-se também no currículo da escola, pois as preocupações, as demandas, os
interesses da população que convive na cidade passam a fazer parte do ensino e do
trabalho pedagógico desenvolvidos na escola.
Jaime Trilla (1993) destaca três dimensões possíveis para a relação educação-
cidade:
1) Aprender na cidade: A cidade é tida como lócus de educação, onde a
trama da Cidade Educadora é composta por uma estrutura pedagógica formada por
instituições especificamente educativas; instituições cidadãs não especificamente
educativas; equipamentos educativos não planejados e uma gama de espaços onde
se realizam ou podem se realizar encontros e vivências não planejados.
2) Aprender da Cidade: a cidade é tida como agente informal de educação
de caráter ambivalente, dada a dimensão da educação informal que não é seletiva.
No entanto, isso não é um problema, já que é importante e necessário conhecer, na
visão do autor, o curriculum da cidade, que é formado por um conjunto contraditório
daquilo que se ensina e se aprende, através dos modelos de relações sociais que a
cidade molda. Todavia, a assunção da cidade enquanto Cidade Educadora deve
garantir a elucidação desse curriculum implícito e transformá-lo em desejável.
3) Aprender a Cidade: a cidade é tomada como conhecimento em si
mesma, já que o conhecimento informal que gera o meio urbano é conhecimento
sobre o meio. As instituições educativas e os recursos de mediação culturais se
complementam. A cidade não é um objeto estático e sim um sistema dinâmico e
evolutivo. Aprender a cidade é aprender a utilizá-la e a participar de sua construção.
Na proposta das Cidades Educadoras, o papel da escola passa a ser o de criar
condições para o exercício da cidadania de todos e todas. Assim, sua função não se
limita apenas ao de instrução nos conhecimentos acumulados historicamente, embora
este seja um de seus importantes objetivos. Nesta perspectiva, a escola deve educar
para ouvir, respeitar e valorizar as diferenças. O papel da escola deve ir além, pois
diante da necessidade de efetiva democratização do ensino, faz-se necessária uma
nova escola, que de fato contemple a diversidade cultural, étnico-racial e de gênero,
presente em nossa sociedade. As novas demandas sociais, desta forma, exigem da
escola novas funções, novos papéis, que, do nosso ponto de vista, podem ser
contemplados à medida que instrução e formação se articulam. Como podemos notar,
a proposta das Cidades Educadoras abre uma nova possibilidade nesta direção, pois:
Diante dos novos espaços de formação criados pela sociedade da informação ela [a
escola] os integra e articula. Ela deixa de ser “lecionadora” para ser cada vez mais
“gestora” da informação generalizada, construtora e reconstrutora de saberes e
conhecimentos socialmente significativos. Portanto ela tem um papel mais articulador
da cultura, um papel mais dirigente e agregador de pessoas, movimentos,
organizações e instituições. (...) É uma escola presente na cidade e que cria novos
conhecimentos sem abrir mão do conhecimento historicamente produzido pela
humanidade, uma escola científica e transformadora. (TRILLA, 1993, p.4)
Temos assistido, quase que diuturnamente e em vários espaços sociais, a
discursos exortando o valor da educação para nosso desenvolvimento. São tempos
em que se tornam familiares expressões como ‘temos que atender às demandas de
nosso crescimento com uma mão de obra mais qualificada’, ou ainda, ‘para garantir a
inclusão de milhões de brasileiros, temos que oferecer uma educação de qualidade’.
Qualidade esta, é bom que se diga, associada, em boa medida, à sua contribuição à
eficácia econômica e atribuída ao domínio de determinados saberes vinculados ao
saber científico-matemático e linguístico, campos do saber por onde determinados
grupos sociais, diferentemente das camadas populares, transitam sem maiores
percalços (Gadotti, 2009).
Esta cultura é consoante ao valor da liberdade cultuado, senão perseguido, nas
sociedades democráticas. Ele está na raiz da motivação para que cada qual seja o
controlador de seu destino, senhor de si mesmo na busca dos recursos necessários
para atender às suas necessidades, interesses e desejos. Nestes termos, os
indivíduos são responsáveis, no que concerne a sua performance no sistema de
ensino, por seus sucessos e fracassos. Com efeito, o sucesso é resultado da
adequação de suas escolhas, do esforço e/ou do apoio dos outros. Em resultado,
temos um sistema educativo baseado na igualdade de oportunidades, acessíveis a
todos, e cujo mérito é recompensado por posições de poder, de prestígio ou de
remuneração legitimados pela atribuição do diploma.
Em razão disso, ainda que escolas e professores eficazes contribuam para a
redução das desigualdades de oportunidades, não se pode esquecer que há
diferenças no conjunto das condições e situações prévias dos alunos. Em realidade,
a cultura do esforço não atende ao princípio de justiça, visto que negligencia os efeitos
das desigualdades sociais que, patentemente, impõem obstáculos (tamanho e
recursos econômicos da família, qualidade da moradia e condições de trabalho em
casa, escolaridade dos pais, recursos culturais consumidos e/ou disponíveis) aos
alunos oriundos das camadas menos favorecidas.
Em conexão, uma escola justa seria, por um lado, aquela que trabalhasse a
favor da equidade, isto é, promovesse a discriminação positiva procurando beneficiar
com mais e melhores recursos, com ajuda específica, aqueles que têm menos e/ou
apresentam maiores dificuldades, potencializando, por suposto, suas capacidades em
exercer a liberdade e, por outro lado, oportunizar e construir uma cultura de base
comum, de crescimento e de desenvolvimento básico, que todos têm direito e que
demanda, em meio a alunos diferentes, que apresentem domínios culturais diferentes,
ou ainda, pedagogias diferenciadas permitindo que cada qual possa ser mais e melhor
do que já é. Aqui teríamos uma escola que promove a socialização de todos e a
singularização de cada um (Dubet, 2008).
As políticas públicas e os esforços que vêm sendo empreendidos, no sentido
de garantir o sucesso escolar, podem assegurar um melhor rendimento no que tange
às expectativas de êxito em relação a determinadas prescrições curriculares. Todavia,
são insuficientes para dar conta da necessidade de uma educação consoante a uma
sociedade democrática. Trata-se de pensar para além do critério do mérito, ou mesmo
do caráter instrumental do conhecimento. De modo particular, queremos colocar em
relevo seu potencial em termos de capacidade de articulação (de resto, também de
formação!) com o desafio posto à minimização das desigualdades geradas em outras
esferas da vida social, quais sejam, de condições de vida, de emprego, de saúde,
enfim, das múltiplas carências objetivas que assolam os mais desfavorecidos
socialmente.
Na medida em que a desigualdade tem raízes políticas e econômicas
concretas, aqui estaria um desafio para a construção de políticas públicas que, uma
vez articuladas, desaguassem na superação da ‘pobreza’ do Estado e da organização
e do funcionamento da sociedade, em especial quanto à garantia dos direitos de seus
cidadãos (Arroyo, 2010). Esse processo, malgrado outras possibilidades, não se fará
sem a participação e, ipso facto, da formação daqueles e daquelas a quem se
destinam essas políticas. Sem querer minimizar o tratamento central que deve ser
dado à articulação dessas políticas, centraremos nosso esforço no sentido de
identificar o significado dessa perspectiva para a formação de professores. Antes,
porém, faz-se necessário refletir sobre alguns traços contextuais de nossa realidade,
sobre o sentido social de uma educação para e na democracia.

O desafio da emergência da sociedade democrática

Dentre nossas preocupações, causa espanto o esquecimento do que foi nodal


ao pensamento de Anísio Teixeira. Segundo ele, o direito à educação é condição para
que esta sociedade seja factível através do enlace e do desenvolvimento, individual e
social, do espírito científico com o espírito democrático (Teixeira, 2007; 2009). É a
partir deste preâmbulo que gostaríamos de recuperar, ainda que sem exclusividade e
para efeito de demarcarmos as possibilidades de uma sociedade realmente
democrática, as contribuições de Karl Mannheim. Seu pensamento não passou ileso
das críticas quanto a seu aspecto ideológico, mormente no que respeita à sua
proposta de planejamento que, como tal, visava atender a objetivos, valores e
interesses previamente estabelecidos. No entanto, o que devemos reter de sua
contribuição é o sentido que ele confere ao planejamento democrático, e nele o papel
da educação. Preocupado com a reconstrução democrática de seu tempo, concebia
o planejamento, entre outros substantivos, como tipo de pensamento e como técnica
social. Esse planejamento seguirá uma orientação democrática visando a uma ação
planificada na ordem social a partir do conhecimento das instituições e de seu
entrosamento. O planejamento democrático deveria, através da educação, interferir
na configuração de uma consciência e de uma personalidade democráticas, base para
a transformação da sociedade (Foracchi, 1982).
Em suas contribuições, encontramos tanto a crítica ao ensino rotineiro, sem
imaginação e autoritário, quanto a atenção para com a criação de oportunidades e os
efeitos sociais dessas. Em sua definição mais ampla de educação, Mannheim vai
sustentar que, ao dilema imposto pelas diferenças sociais e culturais, cumpre
desenvolver, para todos, uma mesma educação de caráter científico e humanístico e
uma diferenciação de modo a contemplar diferentes interesses e aptidões. Ele
considera que o pensamento deve estar articulado ao seu contexto, oferecer ideias
que tivessem repercussão social. Por isso, a educação para ele representa a
possibilidade de um maior domínio do meio, isto é, o desenvolvimento de uma
preocupação com os outros consoante e articulada com as necessidades sociais de
planejamento.
Ele valoriza a comunidade e o diálogo entre indivíduo e sociedade. Com efeito,
a educação escolar deve oferecer, a cada contexto e público específico, uma
pedagogia particular. Os processos democráticos e as tendências igualitárias
requerem, para o sociólogo alemão, mais flexibilidade e diversidade maior na
compreensão humana, considerando, também, o inconsciente e o emocional da
pessoa. Em resultado, a educação deve primar pela consecução de valores que a
sociedade opta como desejáveis em determinado momento histórico. Para ele, há
uma relação recíproca entre indivíduo e sociedade. Em consequência, a educação
deve combinar, como condição para o máximo aproveitamento das capacidades
individuais, disciplina e responsabilidade, flexibilidade e liberdade. Em conexão, as
metas da educação devem atender à formação do homem que se quer ser
(Mannheim, 1962).
De acordo com Mannheim, uma sociedade democrática deve oferecer
condições para que cada grupo possa sentir-se integrado a ela. Por isso que, para
ele, a educação assume um caráter social. Cabe a ela compreender o grau de
influências educativas que emanam das situações sociais de modo que seja possível
construir elementos no ambiente social que favoreçam personalidades e atitudes
desejáveis. Nesta medida, as instituições, as organizações e as relações entre as
pessoas afetam a formação e a conduta do indivíduo. Elas podem representar,
segundo Mannheim (1972), entre outras coisas, uma socialização autoritária ou uma
submissão ao sistema de propriedade, do dinheiro e do desejo de possuir bens - base
material do reconhecimento social. A defesa contra esta imposição social reside em
uma educação em valores democráticos, de forma que o indivíduo possa desenvolver
a liberdade, a autodeterminação ativa, germe da mudança social. Nas palavras de
Mannheim (1972, p. 248)
As inovações se produzem, em sua maior parte, mediante a livre integração de
tipos que se afastam da norma e que permanecem como opositores insignificantes
fora da estrutura social estabelecida, mas contribuem amiúde com novas ideias e
soluções possíveis em situações de crise no processo da transformação social.
Na sociedade atual, os indivíduos fazem suas escolhas em um ambiente de
competição ligado à busca de lucros privados e/ou na esperança de minimizar seus
riscos. A questão educacional colocada é fazer ver os resultados decorrentes da
competição irrefreada ou da cooperação sublimada. Uma personalidade democrática,
sustenta Mannheim (1972), baseia suas escolhas na busca do bem comum em
conexão com as oportunidades de progresso individual. Uma sociedade democrática
não aceitaria, por exemplo, a manifestação de um comportamento arrogante, típico
da elite brasileira, que se vale de sua posição privilegiada na estrutura social, de seu
capital social e da ilusão da naturalização das relações sociais, bem como dos signos
sociais e culturais, para assegurar vantagens no acesso a recursos materiais e
culturais.
Em sentido inverso, em uma sociedade democrática, esse modo de proceder
seria alvo da coerção coletiva da opinião pública, portanto, de um outro ambiente de
socialização, que trataria de constrangê-lo em favor da responsabilidade social e
educativa de sua ação. Aqui está o vértice da função da educação na sociedade
democrática: criar as condições para a emergência de uma consciência e
personalidades democráticas, de modo a interferir na conotação dos termos que
definem os processos de socialização. A perspectiva considerada aqui é a de que a
socialização ocorre em um contexto intersubjetivo, portanto, como um processo sem
fim, no qual o indivíduo pode negar a integração normativa, ou ainda os padrões de
ação e de personalidade básicas, e assumir outro modelo de atuação, tendo por
alicerce outras razões para sua ação.
No entendimento de Mannheim (1972), esta outra sociabilidade estaria
ancorada em uma ideia de cidadão cuja personalidade, modo de vida e ideias
manifestariam uma disposição em cooperar, em respeitar a personalidade do outro,
em primar pela política em detrimento da violência ou do exercício do poder pela força,
que busca a integração contínua de diferentes propósitos e que, ao fazê-lo, mostra-
se permeável ou, quando muito, de divergir simpaticamente, de apresentar outros
objetivos e alvos expressos na vida em comum. Esta seria a manifestação, segundo
Mannheim, de um comportamento integrador, em constante adaptação a um mundo
em crescente complexidade. O progresso democrático decorreria, então, de uma
educação para a participação democrática, para a divisão de responsabilidades e para
o fomento à espontaneidade e a supressão das inibições da inteligência. Aqui, temos
o fundamento para as descobertas intelectuais, para as novidades criadoras, para
outras possibilidades de experiência de vida.
Em resumo, a educação será uma das forças, uma das técnicas ou fatores
sociais destinados a agir sobre o indivíduo buscando desenvolver nele uma
personalidade, em essência, democrática que manifeste, mais que tudo, disposição
para encarar os desafios sociais, tolerância para lidar com as possibilidades de
conflito, firmeza de caráter para sustentar determinação e resistir a influências nocivas
à boa e justa convivência social e, além de tudo, capaz de operar como agente do
desenvolvimento social em favor de uma sociedade que seja, em sentido razoável, o
conjunto das qualidades ausentes.
Em suma, à escola caberia, através do manejo do conhecimento e da cultura,
impor embaraços e dificuldades ao individualismo e à personalidade dominadora,
resultados da combinação entre democracia política e economia da competição, em
favor do estímulo a uma socialização, cuja autorrealização esteja fundada na
participação destinada a resolver problemas da comunidade. O sistema capitalista
favorece uma socialização que leva o homem a tomar tudo como mercadoria,
separando-o da natureza e dos outros. A escola seria, então, o exercício da sociedade
de transição, um agente socializador e dinamizador de mudanças que envolveriam o
homem com o debate público, não mais a partir do ‘pensar o outro’, mas, em razão
inversa, ‘pensar no outro’ (Mannheim, 1972; 1982).
Nessa medida, a perspectiva de ampliação e aprofundamento de um senso
comum democrático demanda tecer e/ou acrescentar novos predicados ao processo
de socialização dos indivíduos. Desse modo, trata-se do desafio de potencializar a
dimensão política da educação formal nos processos de socialização com o fito de
inaugurar e/ou desenvolver outra socialidade, cujo conteúdo pensamos ser importante
destacar. A socialidade aqui deve ser pensada como todas as formas de relação ou
de interação que favoreçam a constituição do indivíduo social, isto é, do ser sujeito.
Em essência, seriam aquelas trocas ou situações interpessoais, e, com o mundo,
marcadas por uma profunda identidade entre a esfera privada e a esfera pública. A
emergência deste sujeito sugere que reconheçamos nele a indiferenciação entre
individualidade e socialidade, entre querer e dever, entre indivíduo e humanidade,
entre natureza e ser humano e, cuja autonomia de ser sujeito estaria condicionada
pela consciência sensível da reciprocidade de sua intervenção na realidade, seja esta
social ou natural. Esta autoconsciência seria responsável, ademais, pelo cuidado
simultâneo para com o oicos (privado) e com a polis (público).
A construção dessa socialidade impõe, ao indivíduo, a superação dos
obstáculos que a sociedade capitalista coloca às suas possibilidades de
automediação e autodeterminação. Este objetivo exige que tarefas estratégicas, e de
longa duração, capazes de desencadear mudanças múltiplas, complexas e
processuais, venham a desembocar na intersecção entre interesses individuais e
interesses coletivos. Nesta perspectiva, a ampliação dos espaços públicos de poder
surge como premissa estratégica na tentativa de reaproximar indivíduo e sociedade
(Max-Neef, 2006; Meszáros, 2006; Touraine, 2006).
Esta redefinição da relação com o mundo social confere propriedade ao
conceito de sujeito sustentado por Touraine (1998; 2004), qual seja, aquelas
manifestações do indivíduo que luta para afirmar sua liberdade diante das relações
sociais, das relações de dominação em determinado ambiente cultural e técnico. A
noção de sujeito engendra todos os esforços no sentido de confecção de
autenticidade, individual e coletiva, a partir do desafio da construção de um espaço
social, político e moral, de produção da experiência pessoal e social. O sujeito é a
antítese das normas sociais, portanto, um esforço para se dessocializar sem se
perder. Nesse sentido, ele é recusa aos constrangimentos impostos pela violência,
pelo mercado, pelo comunitarismo, pela cultura de massas, pelo consumo, pelo poder
absoluto. Nesses termos, concede um apreço intenso à liberdade. Não há sociedade
democrática sem a garantia do exercício da liberdade. O problema da liberdade é,
então, tanto uma questão subjetiva quanto da qualidade do meio, do contexto que
acolhe ou limita o teor de sua manifestação. Portanto, não pode haver educação que,
uma vez tratando das contribuições individuais do pensamento, descuide do esforço
de organização e reorganização do contexto no qual ele deve se desenvolver
(Teixeira, 2000). A educação é, assim, a formação de sujeitos conscientes tanto de
sua liberdade, quanto de sua responsabilidade (Touraine, 1998). Com efeito, a
garantia de sua emergência se funda no reconhecimento do outro como sujeito, que
tem o direito de se constituir como sujeito. Reconhecimento esse, aliás, que demanda
a criação e/ou o trânsito por um espaço democrático que assegure esse direito a
todos.
A democracia é tributária da constituição de um tipo de personalidade que
favoreça a capacidade dos indivíduos de atuarem como sujeitos. Entrementes, são
nos tempos e espaços da vida cotidiana que esse sujeito vai atuar. Nesse sentido, a
participação na cena social e política requer reconduzir a participação nos espaços
públicos, a luta por direitos e a valorização da identidade cultural às preocupações de
vida e na vida dos indivíduos. A combinação entre exercício da liberdade e os
processos institucionais de integração social é produto do arranjo humano. Como tal,
encontra-se disposto em uma trama tecida por relações de poder. Essa é, por
conseguinte, uma questão política.
Aqui encontramos, portanto, a miríade do desafio de construir uma sociedade
e uma educação democrática. Uma sociedade cuja educação concorra para reduzir
as desigualdades sociais, econômicas e de participação política, bem como para
reforçar os critérios e as disposições de escolha diante da oferta massiva, quando não
homogeneizadora, de imagens, de símbolos, de gostos e de estilos de vida. A questão
que se coloca, então, é saber se os atuais processos e/ou políticas de formação
docente concorrem para termos um corpo docente, em especial na educação básica,
com predicados mínimos necessários para, diante da realidade brasileira, conferir um
cariz democrático aos processos de socialização escolar e comunitária.

Uma cidadania e uma educação ainda precárias

Ao tomarmos por base o que expusemos até aqui, podemos sustentar que a
sociedade brasileira não é democrática. Para sê-lo, não basta assegurar mecanismos
formais de participação política, que deixam os mais despossuídos reféns dos
interesses de grupos organizados que definem os termos da participação nas esferas
de poder e/ou do Estado, que, a rigor, constitui-se em lócus no qual tramam a
manutenção e ampliação de seus privilégios. Para sê-lo, irá requerer um conjunto de
esforços que venham a interferir no modo habitual de pensar das pessoas, tanto
quanto em suas condições objetivas de vida. Perguntaríamos: onde está o conteúdo
da educação responsável por garantir a superação da consciência ingênua, aquela
que favoreça a construção mental da ideia de direitos e própria para estimular a
capacidade de indignação do homem simples diante dos termos, teóricos e práticos,
que caracterizam sua condição de pobreza?
Sua emergência é tão mais urgente se considerarmos os termos que
substantiva, na vida real, o conceito de pobreza. Entendemos a pobreza em uma
perspectiva relativa e que atende, ao mesmo tempo, a uma dimensão objetiva e outra
subjetiva. Em termos concretos, é relativa porque tem sua especificidade demarcada
pela maior ou menor capacidade de cada qual acumular bens e satisfazer suas
necessidades em sua relação com os níveis de vida considerados dignos em uma
sociedade. Sua estatura subjetiva é definida pelo capital cultural utilizado pelos
indivíduos, seja para perceber-se em sua realidade, seja por sua incapacidade em
dispor de oportunidades para desenvolver suas potencialidades. Nesse sentido, a
educação seria um dos elementos deste capital cultural (Caride Gomez, Freitas e
Callejas, 2007). Ela passa a ser concebida como o vínculo passivo diante da
necessidade de autorrealização. Pobreza seria então a não percepção da busca de
autorrealização como necessidade (Fromm, 1979). Por outras palavras, a pobreza é
material e é política. Por um lado, é ausência de renda, emprego, moradia, habitação,
alimentação e saúde. Por outro, é tudo que obstaculiza a compreensão do porquê da
pobreza, isto é, resultado da injusta distribuição da riqueza (Demo, 2003).
Essas interpretações encontram equivalência na atual mudança técnico-
científica de natureza digital-molecular, propulsora de aceleração à velocidade na e
da competição e que suprime, quase que instantaneamente, a atualidade do
conhecimento (Frigotto, 2007). Nesse cenário, o desenvolvimento humano
sustentável é incompatível com os mimetismos, a rotina, o conformismo e o
instrucionismo presentes, hegemonicamente, em nossas escolas. Colonizada pela
economia, a educação busca sua justificativa na contribuição que oferece ao
desenvolvimento daquela. A busca de um lugar nos espaços produtivos hipertrofia a
consciência dos professores, dos alunos e de suas famílias. Em resultado e para além
da geração de emprego e renda, direitos sociais relacionados à saúde, à moradia, ao
transporte, à cultura, ao lazer, são pressionados para serem retirados da pauta social
e/ou educacional e transferidos para o cotidiano individual da vida privada.
O quadro é mais desalentador se considerarmos que essa situação é apenas
a expressão de um sistema que não garante uma educação de qualidade desde seus
primeiros passos. Com efeito, é preocupante o fato de que 14,6% dos adolescentes
de 15 a 17 anos estão fora da escola. Se considerarmos somente os jovens brasileiros
de 18 a 24 anos, vamos constatar que 69,9% não estudam (IBGE, 2010). Dos que
estudam, 4,40% ainda tentam concluir o ensino fundamental, 13,05% frequentam o
ensino médio, e 13,21% é a cifra correspondente aos jovens que cursam o ensino
superior. Registre-se que os jovens nesta faixa etária que estão na universidade são
da ordem de 32,0% na Argentina, 18,2% na Bolívia, 35,9% no Chile, 21,0% no México
e 25,1% na Venezuela (SEDLAC, 2011). Esses dados são a expressão tão-somente
de um sistema de ensino que apresenta níveis insuficientes de acesso, permanência
e de desempenho, sobretudo se consideramos as diferenças de renda dos jovens que
seguem estudando.
Os brasileiros têm ficado, em média, somente 7,5 anos na escola, concorrendo
para que mais da metade de sua população não tenha, ainda, sequer concluído o
ensino fundamental. Apesar de termos praticamente universalizado o acesso ao
ensino fundamental, permanecem problemas de acesso ao conhecimento.
Convivemos ainda, por exemplo, com 1,8% de jovens de 10 a 14 anos que não sabem
ler ou escrever (IBGE, 2010). Indo nessa mesma direção, cerca de 10% da população
de mais de 15 anos ainda são vítimas do analfabetismo, totalizando mais de 14
milhões de brasileiros. Nossa desonra é tão maior se atentarmos para o fato de que o
analfabetismo é bem mais acentuado na população negra, nas regiões menos
desenvolvidas, nos municípios de pequeno porte e na zona rural, como também de
que está fortemente concentrado na população de baixa renda e nas faixas etárias
mais elevadas.
Em sentido correlato, tão ou mais grave é o fato de que apenas 50,9% dos
adolescentes, que estão entre os 15 e 17 anos, estudam no nível de ensino adequado.
Registre-se, amiúde, que na população localizada entre os 20% mais ricos esse
percentual chega aos 72,5%, enquanto que na população dos 20% mais pobres
apenas 31,3% encontram-se nessa condição. Além disso, não menos sério é o fato
de que as expectativas de conclusão do ensino fundamental e médio da população
que frequenta esses níveis de ensino são, respectivamente, 53,8% e 66,6% (PNAD,
2009). Em acréscimo, estudos recentes (Torres, Bichir, Gomes, Carpim, 2008)
revelam que a pior situação de acesso à escola é daquelas famílias que residem em
áreas periféricas e os responsáveis pelo domicílio participam de atividades religiosas.
É digno de nota que o mesmo estudo destaca o precário estímulo oferecido aos
professores para atuarem nessas áreas, além do que os mesmos sustentam
percepções negativas dos alunos e de suas famílias.
O público da educação pública, como os indicadores vêm demonstrando, é
marcado por uma trajetória de vida que congrega uma multiplicidade complexa de
fenômenos socioculturais, bem como de subjetividades e expressividades distintas,
que conferem um aspecto de singularidade às suas experiências. As dessemelhanças
deste público, senão a complexidade que envolve sua caracterização, passam,
ademais, por dimensões contextuais específicas. Suas vidas apresentam formas de
ser, estar, pensar, sentir e proceder condicionadas por relações, interações e
representações de gênero, de ocupação profissional, de lazer, de consumo e
produção cultural, de etnia, de religiosidade, de formas de associação, de trânsito
migratório, de composições familiares diversas, de referências espaciais, ora urbana,
ora rural, de confinamento, de hábitos de higiene, de sistemas de valores, de
carências e insatisfações decorrentes das situações de vulnerabilidade social ou
decorrente de direitos especiais a que têm direito, enfim, de uma variedade insondável
de subjetividades que demandam uma relação política e pedagógica distinta. Acresce
dizer que, para essas pessoas, que estão a cada dia lutando para conferir e/ ou
renovar o sentido de suas vidas, não podemos aceitar que os processos educacionais
sejam reveladores de dinâmicas curriculares assépticas, abstratas, resultado da
imposição de conteúdos e temas apresentados de forma fragmentada e
hierarquizada, matriz da ausência de sentido de muitas experiências vivenciadas, dia
a dia, no interior de nossas escolas.
Nesta perspectiva, o desafio que está colocado é como oferecer condições e/ou
situações de modo que as escolhas e/ou estratégias dos menos favorecidos não
representem, como marcas de uma subcidadania, uma inserção subalterna no
sistema de ensino. Não obstante, ainda que o conteúdo escolar não esteja livre de
relações de poder, devemos considerar que os alunos, ao protagonizarem o diálogo
entre códigos semânticos distintos, podem construir novas categorias, novos
significados que, além de ilustrarem relações sociais distintas, competem resultar em
relações com a realidade distante das expectativas socialmente padronizadas (Giroux,
1997). A questão imposta requer a projeção de elementos contextuais que possam
favorecer que tanto escolhas quanto estratégias desses grupos possam representar
o acesso a um outro nível de racionalidade (técnica e política), capaz de conferir uma
outra conotação à sua compreensão na e da sociedade, possível de lhes garantir
maior autonomia, liberdade e cidadania.

Educação, política e sociedade democrática

Os atuais processos de sociabilidade têm desembocado, salvo as


singularidades, em um modo de vida e em um mundo da vida cuja unicidade deve ser
tomada a partir da forma, do simulacro, da estética, sobretudo corporal, porquanto
banal, efêmero e superficial. Em suma, estamos mergulhados em um inconsciente
coletivo marcado pelo senso comum intuitivo, no qual a socialidade se dá pelo desejo
de imitar o outro, de ser como o outro. Ou seja, seríamos algo como ‘pensados’ e não
‘pensantes’. Em decorrência, a identidade entre o ‘eu-sozinho’ e o ‘eu-coletivo’ ocorre
em um continente de conformismo e inconsequência (Maffesoli, 2005; 2007).
Correlatamente, na medida em que o mercado coloniza a cultura e os modos de vida,
presenciamos a multiplicação de informações, marcas, imagens, produtos ou
pluralidade de oportunidades de deslocamento e de diálogo. Em paralelo, os freios ao
individualismo foram dissipados por valores hedonistas, nos quais nem a família, a
religião, os partidos políticos ou o moralismo conseguem impor limites. O resultado é
um homem ‘desenquadrado’, liberto, e que, além do descrédito com a política
institucional, pauta suas escolhas políticas, sempre hesitantes e incertas, em ideias
fragmentadas e por pessoas dentro dos partidos (Lipovetsky e Serroy, 2011)
Por consequência, os encadeamentos sociais, econômicos e ambientais dos
processos que delimitam a sociedade em curso estão, entrementes, relativamente
vulneráveis a decisões e/ou ações que explicitam suas contradições, tanto quanto
representam outras alternativas de configuração social. Com efeito, a recuperação
do espaço público como espaço de atuação política do sujeito-cidadão, em
contraposição sujeitoconsumidor/hedonista, pretende representar o que pode ser um
antídoto a este contexto. Se a privatização do espaço público tem avançado sobre
todas as esferas do Estado e da Vida, as instituições educacionais democráticas têm
um desafio enorme no sentido de fortalecer a cultura dos cidadãos. Seu desígnio
passa a aprofundar, em cada qual, sua capacidade de interpretação da realidade,
senão de fazer a crítica da mesma, de modo a fazer ver a que interesses as decisões
políticas institucionais estão a atender, e de modo a tornar mais visível, o poder
inerente à soberania popular. Essa perspectiva está ancorada na premissa de que o
acesso e a construção do conhecimento estão intimamente relacionados com os
efeitos de poder. Os saberes e as relações construídas a partir do trânsito pelo sistema
de ensino interferem, o mais das vezes, como filtro teórico de análise da realidade.
Em outras palavras, condicionam o enfoque interpretativo da sociedade.
Aqui reside a importância da educação como ferramenta capaz de fornecer a
razão de ser dos fatos, de denúncia das estruturas injustas e da recusa crítica em
aceitá-las. Mais do que isso, a função política da educação está em desnaturalizar a
‘feiúra’ do mundo e em anunciar que os sujeitos, enquanto seres que avaliam, que
comparam, que escolhem, que decidem e que agem, podem intervir no mundo,
mudando-o (Freire, 2000). As referências que levamos em conta quando de nossas
escolhas sobre os mais variados temas, da saúde do nosso corpo à preservação do
planeta, decorrem do conhecimento que orienta nossa leitura de mundo, bem como
nossa ação diante do mesmo. Trata-se de ser sujeito e não sujeitado; de pensar e não
de ser pensado. É a indistinção entre concepção e execução. Nessa relação, o saber
assume-se como efeito de poder (Demo, 2002).
Isto posto, não é difícil supor a substância política presente na educação. Ao
colocarmos em relevo o perfil sociodemográfico das populações menos favorecidas,
esses sujeitos reclamam, ainda que inconscientemente, por uma educação que, mais
do que conhecimento, lhes oportunize potencializar as formas de compreender e
proceder diante das carências e dificuldades interpostas em suas vidas. Em uma
sociedade marcada por desigualdades e injustiças, mais do que nunca o acesso a
uma educação diferenciada adquire a conotação de um ato político a favor da
emancipação social. Nas palavras de Savater (2004, p. 134), o ‘fazer política’
potencializa
[...] as capacidades de opção pessoal, equilibrando por meio da educação e da
redistribuição de vantagens sociais as oportunidades para que cada um possa
desenvolver um projeto de vida (relativamente) próprio.
O direito ao ‘poder ser mais’, a acessar os caminhos que concorrem para a
consecução de seu processo de humanização é premissa política de uma educação
consoante à cidadania e à constituição de uma sociedade efetivamente democrática.
Em consequência, é político, porquanto também pedagógico, o desafio de fazer de
cada indivíduo o sujeito de sua formação, fortalecendo-o por meio de processos que
favoreçam sua autoria, na medida mesmo que o desafiam em sua autonomia. Aqui
reside a importância da educação não só como portadora de desafios à
aprendizagem, mas como instrumento que faz do aprender uma potência que qualifica
o pensamento e a ação que, em diálogo com as normas, expectativas ou
representações sociais, concorrem para provocar maiores ou menores alterações nos
termos que balizam as interações sociais. Com efeito, estas mudanças, mais ou
menos densas, mais ou menos lentas, podem representar mudanças na qualidade de
vida dessas pessoas.
Em acréscimo, a dimensão política da educação requer a participação ativa do
sujeito da educação, requisito que confere sentido e significado à relação entre saber
e poder. Participação esta que não é outra coisa que o ato de forjar-se na prática, de
viver o direito de amadurecer. A participação como ato intransferível é o que define o
indivíduo como sujeito de seu próprio desenvolvimento, em diálogo aberto com o
contexto social e atento, responsavelmente, aos efeitos desse diálogo. Participação
esta que, em suma, faz cada um desenvolver a consciência de seu poder, de sua
cidadania ou do que é negado para obtê-la, bem como o que tem que saber e fazer
para negar esta negação (Freire, 1987; Demo, 1996). Ademais, o diálogo vivo entre
educação e realidade pode representar uma disposição para agir, para a
desacomodação, para o rompimento de rotinas, para a manifestação de uma
personalidade democrática, expressão ativa do sujeito de direitos em uma sociedade
democrática.
A educação como um ato político: desafios colocados à formação
docente

O ato educativo traduz as expectativas de conquista de um determinado


desenvolvimento humano. É nesse sentido que devemos pensar a relação entre
escola e sociedade. De modo geral, educamos para melhorar o indivíduo e a
sociedade. Em outras palavras, as formações sociais, modernas e ocidentais,
justificaram a educação escolar a partir da relação que estabeleceram entre seu
currículo e um modelo de pessoa e sociedade previsto (Durkheim, 2001). Assim, a
modernidade produziu a escola como a instituição especializada na relação
pedagógica e na ação socializadora. A partir da segunda metade do século passado,
a escola passa a experimentar o que se convencionou chamar de ‘crise da escola’
enquanto instituição educativa. Já faz algum tempo que o sistema escolar, em meio a
um contexto em que os problemas sociais aumentam, se diversificam e se
complexificam, é solicitado a dar respostas que até agora tem demonstrado pouco
ajustamento e/ou adequação às mudanças sociais e culturais em curso (Esteve,
1995).
Apesar da incerteza gerada por esta dificuldade de dialogar com as mudanças
de seu meio, a escola continua, inadvertidamente, a reeditar um modelo de
organização e de funcionamento compatível com um mundo que não existe mais. Dito
de outro modo, ainda temos realidades escolares profundamente alicerçadas no
ensino propedêutico, na desvinculação entre conhecimento cotidiano e científico; pela
imposição de conteúdos a partir de certa lógica disciplinar; com tempos e espaços
rígidos; com critérios de sucesso definidos pela capacidade de reprodução de textos,
enunciados e fórmulas estereotipadas, bem como a imposição de comportamentos
standard e baseada em uma aprendizagem mecânica que pouco ou nada pode servir
de referência para outros contextos e/ou situações diferentes daquelas previstas nos
manuais de ensino. Lembremos que, no ambiente nacional, os arautos da ‘escola
nova’ já denunciavam, na primeira metade do século XX, o caráter abstrato e insípido
da educação escolar (Azevedo, 2010).
Se esta é a moldura em que podemos situar as incongruências da educação
escolar, é de se supor que a situação de professores mereça atenção distinta daquela
que tem sido objeto até o momento. Longe de qualquer indiferença em relação ao que
caracteriza o mal-estar docente e seus efeitos sobre a personalidade do professor,
gostaríamos de assinalar que o desafio da emergência de uma sociedade
democrática, e considerando as bases precárias de nossa cidadania, requer urgência
na formação de quadros docentes, tanto quanto acréscimos qualitativos a essa
formação.
O que a realidade tem revelado é que estamos vivendo uma crise na oferta de
professores que tende a se agravar. Segundo os dados de 2007, 68% dos professores
da educação básica têm mais de 33 anos de idade, sendo que 24% destes tinham, à
época, mais de 46 anos. Além das implicações subjetivas do envelhecimento na forma
de trabalho docente, estima-se que o número de formandos nos próximos anos não
venha a suprir a lacuna deixada pelo número de aposentadorias. Não obstante, a
escolaridade mínima exigida para a atuação como docente nos anos finais do ensino
fundamental e no ensino médio é a superior. No entanto, nossa realidade revela que
somente 73,4% e 87,0% dos docentes apresentam, em um e outro desses níveis de
ensino, tal formação (INEP, 2009).
Além disso, não menos grave é o fato de que boa parte dos professores atua
em áreas e/ou disciplinas as quais não possuem formação característica. Em
disciplinas específicas, como a Matemática, Física e Química, constatamos que
somente 73,1%, 27,7% e 40,6%, respectivamente, apresentam formação adequada
para atuarem nessa docência (INEP, 2009; Gatti; Tarduce; Nunes; Almeida, 2010).
Agregue-se a isso o fato de que nossos jovens não almejam assumir a docência como
uma possibilidade profissional. Diante de uma carreira que sinaliza com baixos
salários, pequenas expectativas de progressão funcional, condições de trabalho ruins,
aliado à desvalorização social da profissão e do possível desrespeito e desinteresse
dos alunos, aqueles que almejam ‘ser professor’ são, em sua maioria, jovens que
provêm da escola pública, oriundos das classes C e D, reconhecidamente grupos
sociais marcados por uma bagagem cultural restrita (Gatti, 2010).
Em paralelo, a natureza da formação docente, tanto inicial quanto continuada,
não é nada animadora. Atendendo a uma tendência da oferta do ensino superior no
Brasil, a iniciativa privada acolhe a maior parte dos cursos e das matrículas destinadas
à formação de professores. Segundo dados do INEP (2009a), o setor público atende
a 26,4% das matrículas dos cursos de graduação presenciais, enquanto que a
iniciativa privada atende a 73,6% das mesmas. No âmbito dos cursos de formação de
professores da educação básica, o setor público oferece 2729 cursos (42,9%) e o
setor privado, 3629 (57,1%). No que se refere às matrículas presenciais na área
específica da educação, temos 337.414 estudantes no setor público e 405.481 que
fazem sua formação no ensino privado. Esses números perfazem, respectivamente,
a 45,4% e 54,6% do total das matrículas (742.895). Aliado a um crescimento muito
tímido das matrículas nos últimos anos, tivemos uma formação inicial dos futuros
professores marcada por cursos embasados em apostilas, resumos e/ou cópias de
trechos ou capítulos de livros. Além disso, são cursos que seguem uma lógica
disciplinar, com pouca ou nenhuma relação dos currículos acadêmicos com os
currículos praticados na escola básica e com um acompanhamento duvidoso no que
se refere ao estágio docente (Gatti e Barreto, 2009; Gatti, 2010).
Diante desse quadro, alguns esforços governamentais têm sido levados a efeito
no sentido de ampliar o acesso ao nível superior e, em especial, minimizar a carência
de professores. Dentre as soluções apresentadas pelo Ministério da Educação,
destacamos a Plataforma Freire; a expansão das Universidades e dos Centros
Federais de Educação Tecnológica; a criação da Universidade Aberta do Brasil; a
criação das Instituições Federais de Educação Tecnológica (IFETs); o incentivo às
licenciaturas mediante bolsas de graduação e o incentivo às licenciaturas no
Programa Universidade para Todos - PROUNI. No entanto, tais medidas têm sido alvo
de interpretações críticas. No centro destas, está o vínculo das políticas de formação
docente às demandas da esfera do mercado, bem como sua correspondência com as
orientações das agências internacionais, notadamente o Banco Mundial.
Em uma determinada perspectiva (Mazzeu, 2011; Coraggio, 2003; Soares,
2003; Torres, 2003; Torres, 2008), tanto os pressupostos orçamentários quanto as
propostas de organização curricular das escolas e de formação de professores visam
atender a um processo de adaptação às demandas do modelo de acumulação flexível
do capital. Por decorrência, os organismos multilaterais sustentam a necessidade de
uma reforma educacional para a América Latina que possibilite uma sociabilidade
capaz de garantir recursos humanos ‘empregáveis’ na nova e maleável estrutura do
mercado de trabalho. Registre-se que tal perspectiva, equivalente ao enfraquecimento
do Estado nesse campo, se coaduna com as propostas de privatização e de
flexibilização do mercado de trabalho e com um reducionismo economicista que
submete a educação aos valores e às expectativas do cálculo econômico e/ou do
mercado capitalista.
De acordo com Freitas (2011), a política de formação de professores tem
recebido críticas quanto à natureza imprecisa quanto à sua qualidade. Para essa
autora, a política de formação dos estudantes de licenciatura é oferecida através de
programas de inserção em instituições privadas em detrimento da oferta de formação
em universidades públicas. Em realidade, a escassez de professores para a educação
básica tem fomentado políticas de aligeiramento e flexibilização da docência, como é
o caso, por exemplo, da Bolsa Docência/CAPES, bolsa concedida a estudantes de
pós-graduação para atuarem na rede pública de ensino. Além disso, várias
universidades apontam para a redução na formação dos fundamentos
epistemológicos e científicos, bem como dos estudos do campo da educação. O que
ganha espaço é uma formação de base conteudista, ancorada na epistemologia da
prática e na lógica das competências, com foco na sala de aula, longe das
problematizações que envolvem as condições de produção da vida material, da
organização da escola e da educação. Tais políticas, em síntese, reduzem o trabalho
docente à prática individual, às suas dimensões técnicas, para que possa ser avaliado,
mensurado e certificado à luz de sua correspondência com as reformas propostas
(Freitas, 2011).
No âmbito da formação continuada, as prescrições da atual política ministerial
– Plataforma Freire – apontam para a integração entre educação superior e educação
básica, presencial ou à distância. Isso não quer dizer que, mesmo que esta formação
seja parte do cotidiano do professor – reuniões pedagógicas, palestras, seminários,
encontros, cursos, projetos especiais, etc. – ela não tem conseguido superar as
formas tradicionais, geralmente instrucionistas, de formação docente. Ou seja, sua
qualidade é tal que pouco tem contribuído nos termos dos processos educativos. O
resultado é um corpo docente preocupado em construir discursos, à luz dos temas do
momento, para esconder suas práticas e não revelá-las e/ou refletir sobre elas. Em
verdade, dominados pela racionalidade técnica, acabam, paradoxalmente, por
reproduzir modelos de docência que são, não raras vezes, a antítese das teorias que
defendem. Com efeito, as premissas ético-humanitárias, políticas e culturais não são,
pelo menos em termos hegemônicos, observadas como desafios teóricos e, menos
ainda, metodológicos (Virginio, 2010).
Isto posto, e considerando a construção de uma sociedade democrática,
sustentamos que, aos currículos de formação de professores, poder-se-ia agregar
predicados que contribuíssem, em suas atuais e futuras interações formativas, para a
emergência de ideias e práticas democráticas. A questão que estamos colocando é
que nas políticas de formação, além de conhecimentos científicos e pedagógicos
próprios, haveríamos de edificar processos capazes de desenvolver nos professores:
• a capacidade de estabelecer relações entre problemas que atravessam
a vida cotidiana – condições de vida, situações de injustiça, de higiene, de saúde,
drogas, luta contra a fome, contra a desigualdade, contra a degradação ambiental,
luta pelo emprego e pela moradia, contra as formas de discriminação e preconceito,
contra a manipulação genética, contra a burocratização e privatização da política,
contra o conteúdo ideológico da mídia, luta pelo acesso aos direitos, ao mundo da
cultura, ao lazer ... – e a percepção de que os mesmos são causa e efeito de decisões
humanas e que, como tais, têm consequências políticas, sociais, econômicas,
culturais e ambientais;
• a compreensão de que a democracia é a forma mais justa de equacionar
as relações de poder, de reconhecer que os problemas de nossa época são
interdependentes, que a realidade é multidimensional, complexa e de que as
mudanças em curso devem merecer a compreensão de que a análise e a interferência
de todos os seres humanos, nos termos de nossa existência, são um direito humano;
• a crença no sentido positivo da política, reforçando seu significado para a
amplificação das possibilidades e oportunidades de felicidade a partir da participação
no debate sobre a definição dos temas de interesse público, dos valores que devem
permear tanto as condutas nos momentos de decidir, quanto problematizar as razões
que fundamentam as decisões, as ações e as práticas correspondentes, bem como o
controle sobre as responsabilidades individuais, sociais e institucionais que implicam;
• a sensibilidade e a capacidade de se indignar com as precárias
condições objetivas e subjetivas de vida das comunidades onde atua. O conteúdo
educativo do diálogo democrático poderia apreender dos dilemas cotidianos que
envolvem a sobrevivência, bem como os significados atribuídos aos seus
determinantes e/ou interpretações, nexo de significado que o currículo escolar tanto
necessita. Aqui ter-se-ia que reconhecer, como nos lembra Arroyo (2011), a
centralidade que o mundo do trabalho apresenta na vida dos coletivos populares que,
da criança ao adulto, elaboram saberes e expectativas decorrentes das situações de
trabalho ou mesmo de sua ausência;
• a percepção do significado que as novas configurações familiares e/ou
de gênero, da cultura juvenil e do condicionamento compensatório do consumo
impõem sobre o isolamento e a solidão dos indivíduos e que conferem um contorno
particular às atuais manifestações de individualismo;
• a capacidade de propor e desenvolver dinâmicas de interpretação e de
convivência com as comunidades locais de modo a potenciar a corresponsabilidade
pelo desenvolvimento educacional, social e cultural, baseada no interesse pela ação,
expressão da possibilidade de exercício de uma cidadania formativa e cultural mais
ampla (Brant, 2009; Caride Gomez; Freitas e Callejas, 2007);
• a disposição para absorver os termos, categorias, temas de interesse da
comunidade escolar no sentido de, em consonância com o espírito pedagógico
democrático, oportunizar que os sujeitos possam ‘dizer sua palavra’, dando margem,
assim, tanto à sua criatividade quanto à sua autenticidade (Virginio, 2005; Freire,
1987).

Em nosso juízo, a observação da dimensão ético-política concorre,


singularmente e em nosso contexto, para a consecução de uma sociedade realmente
democrática. Ela visa potencializar uma formação intelectual e moral que atenda à
necessidade de aprofundamento e alargamento da personalidade autônoma,
autêntica e independente do sujeito, onilateral, de modo a não dissociar sua
capacitação intelectual e prática de sua intervenção na atividade social (Gramsci,
2000; Manacorda, 1990; 1996). Ademais, contribui para o reconhecimento do valor
disruptivo do conhecimento em relação às representações da realidade, porquanto
possuir, este conhecimento, um papel de crítica, de denúncia e de inquietação à
imaginação.
O cenário social e educacional coloca, aos docentes, o desafio de atender ou
não à premissa de dialogar com a necessidade de mudança, seja mudança na escola,
seja mudança na sociedade. Em outras palavras, a postura passiva e conformista
desemboca na ‘reprodução da reprodução’. A postura crítica, indignada, reflexiva e
inovadora concorre para somar forças na disputa de poder, entre um currículo
instrucionista e um currículo emancipatório. A opção por um ou por outro campo, bem
como os dilemas que envolvem cada opção, vai depender de nosso olhar para a
sociedade e de nossa maior ou menor correspondência com os critérios que
organizam a vida social (Virginio, 2006)

Educação e sociedade democrática: formação política do educador

Para tanto, a formação dos professores incorporaria o estudo de formas de


apreensão dos saberes cotidianos construídos a partir da prática social dos indivíduos
e, em paralelo, potencializar no professor o conhecimento dos elementos explicativos
da realidade, do nível micro ao macro, do local ao global, das simples às múltiplas
determinações, do psicológico ao sociológico, da economia à política, base conceitual
para a atuação política do docente. Ou ainda, como diria Max-Neef (2006), para ativar
a disposição em pensar formas alternativas para a satisfação das necessidades
humanas a partir de níveis crescentes de autodependência e de articulação orgânica
dos sujeitos com a natureza e com a tecnologia, processo este que será tão mais real
quanto mais baseado estiver no protagonismo das pessoas.
Por conta disso é que identificamos a atualidade das contribuições tanto de Karl
Mannheim quanto de Anísio Teixeira. A configuração de uma sociedade democrática
é tributária de uma educação que favoreça a emergência de uma consciência,
personalidade e espírito democráticos, sensíveis, sobretudo, à relevância do outro na
definição dos predicados do tecido social, tanto quanto de sua importância para a
construção dos mesmos. Daí resulta que não se trata de qualquer educação, mas
aquela que, em conexão com as expectativas de relações e interações democráticas,
prima pelos valores e pela prática democrática. Em consequência, as experiências de
construção do sujeito democrático representam, mais do que uma reação aos padrões
e às normas instituídas ou uma defesa contra a mercantilização da vida, a
possibilidade de conferir potência aos princípios da liberdade e autonomia, bases
fundamentais no exercício do direito de interferir nos rumos da mudança social.
Essa perspectiva, quando associada à realidade brasileira, revela nosso déficit
democrático. Os contornos definidores da situação de pobreza que atinge boa parcela
de nossa população, como de resto as feições de nossa desigualdade social e, em
especial, educacional, revelam as dificuldades que temos para garantir a
massificação, sem que isso signifique padronização de uma vida digna. Desse cenário
decorre a necessidade de colocar em relevo a dimensão política da educação, qual
seja, de possibilitar o acesso e/ou a construção de saberes, bem como de fomentar
uma prática social, que corresponda ao exercício de corresponsabilidade na definição
da qualidade do espaço público em consonância com os termos da vida privada.
Isso confere centralidade à dimensão política da educação. O acesso ao
conhecimento especializado requer, para efeito de cidadania, a potencialização de
uma disposição em valer-se dele tanto para a interpretação e crítica da realidade,
quanto para justificar e mobilizar ações destinadas a intervir no espaço público. Essas
são as dimensões cujos espaços de interdependência atribuem significado à formação
política dos professores.
Essa perspectiva pode ser melhor interpretada a partir da figura a seguir:

Utopia

Figura - Esferas da formação docente

Por certo prisma, ela é condicionada por nossas melhores expectativas. O


reconhecimento das propriedades da democracia, em seu conteúdo metodológico e
epistemológico, encontra pouca resistência quando consideramos sua contribuição
para a qualificação do pensamento social, como também para a definição dos termos
da vida cotidiana, expressão da maior ou menor conexão com a utopia democrática.
Sob outro ângulo, fazer progredir politicamente a formação docente não é algo
que se faz em qualquer claustro ou mesmo abstratamente. Nesse sentido, o contato
com o mundo real é premissa para estimular, instigar, incitar e tirar proveito formativo
dos sentimentos, das dúvidas, das críticas, das inconformidades, dos apreços, dos
ensinamentos que os vínculos sociais e culturais podem suscitar. Em um país em que
a desigualdade social e educacional, a julgar pelos indicadores que apresentamos,
segue sendo um obstáculo à garantia de direitos e à igualdade política, mudar a forma
de pensar e de atuar dos professores passa por processos, políticos, de
problematização de sua cultura em relação com os desafios educacionais e sociais
em curso.
Por demais, é na senda entre a utopia democrática e as características de
nossa constituição social que devemos observar a necessidade da política na
formação dos professores. Tal formação permitiria identificar, mesmo que em
probabilidade, as formas de dominação e controle, as causas da injustiça, as razões
da precarização da vida ou mesmo da felicidade improvável. Em paralelo, é saber que
concorre para reconhecer modos de socialidade e de ação social que, desobstruindo
a liberdade de suas amarras, faz admitir sua virtude na relação com o outro, na
intersecção dos assuntos pessoais com os interesses públicos, na identidade entre
interpretação individual e consciência social.
Se fôssemos tentar simplificar em poucas palavras o significado da preparação
política dos educadores, teríamos que recorrer ao humanismo. O humanismo é esta
expressão que não nos deixa esquecer que a mudança é inerente à história humana.
Mais do que isso, é ele que permite reconhecer que a luta pela liberdade, pela justiça
e pela igualdade é o que mobiliza as pessoas. Ele é a compreensão de que a história
humana é um processo contínuo de auto compreensão e de auto realização. Ele é o
que permite o diálogo entre nossa base cultural e a insurgência do sujeito (Said, 2007).
Esse é o objetivo do humanismo, ou seria o objetivo da formação política que, em
relação com outros saberes, faz da educação um exercício de diversidade. Sua força
reside, por isso mesmo, em multiplicar as formas de acesso e compreensão do
mundo. Não vemos como possível que esse movimento, de fortalecimento da cultura
e de ressocialização do cidadão, possa fazer-se e refazer-se sem o reconhecimento
da necessidade da formação (política) de nossos professores.
FORMAÇÃO DOCENTE: CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE CRÍTICA

Um dos grandes desafios das universidades está na formação de educadores


para o nível de educação básica, a formação de professores para atuar na formação
formal, contribuindo para que os nossos educandos exerçam conscientemente a sua
cidadania, no que diz respeito a sua atuação como cidadão crítico e consciente de
seus atos na vida em sociedade.
Para isso, os professores que atuam diretamente na formação de profissionais
da educação devem repensar sua forma de ensinar, levando em consideração o
contexto da educação e suas relações com a sociedade, enquanto sujeito histórico,
cultural, enquanto ser “no mundo e com o mundo”, a partir das ideias e valores
predominantes em cada época.

A FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO

Com o crescimento de uma consciência pela necessidade de uma prática e


oferecimento de uma educação de qualidade, o Brasil dá sinais de que a educação
começa a melhorar. Isso se dá pelas reformas educacionais que no século XX foram
intensas, culminando na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN/96).
Essa lei pontua as necessidades de uma educação superior de qualidade para todos,
reorientando os critérios de formação dos professores, dando sentido ao que se
aprende nos bancos universitários.
Para que a Educação oferecida nas universidades tenha sentido para quem
dela usufrui, será necessária uma transformação no modo de pensar dos
professores/formadores. Não adianta as reformas nas leis, os Projetos Políticos
Pedagógicos que no seu interior possuam uma ideologia almejada por toda a
sociedade acadêmica, se na prática isso não ocorre.
Não se consegue mudar uma prática histórica baseada nas tradições culturais
que a instituíram, somente por meio de decretos e leis. A forma arcaica que muitos
professores/formadores ainda utilizam para preparar os futuros profissionais da
Educação deixa a desejar. E iniciar uma nova fase na Educação necessita da
desconstrução do modo de pensar a aprendizagem.
De acordo com Alarcão (2001, pg 80) repensar a educação é: “Acreditar na
possibilidade de mudança como resultado do esforço continuo, cientifico, ético,
solidário, coletivo e persistente que se processa em um movimento iniciado na
reflexão feita sobre as ações efetivadas na espessura concreta do cotidiano e,
dialeticamente, a ele retorna com maior qualidade e mais consistência, voltando com
vigor epistemológico e com força coletiva para provocar rupturas e (re) construir”.
O professor/formador deve basear-se nos currículos de habilidades e
competências e consequentemente na formação de um cidadão emancipado, seja
capaz de entender que não está somente de passagem por aqui, mas que tem um
papel fundamental na formação dos cidadãos que a sociedade complexa e
globalizada deseja, apontando para a necessidade da universalização dos saberes,
para que cada membro de um determinado contexto social possa participar no
desenvolvimento de melhores condições de qualidade de vida. Pois, somente
poderemos contribuir com a formação de alguém se acreditamos e defendemos os
ideais pelos quais lutamos. Só poderemos ensinar, e desejar aos outros, o que
acreditamos ser bom para nós.
A formação inicial dos professores envolve a reconstrução da prática
acadêmica, essa deve refletir o desejo sobre a identidade do indivíduo na qual tem
que vivenciar pelas experiências o que foi lhe passado na teoria. Deve-se levar em
conta as características, práticas, sua complexidade, imprevisibilidade, singularidade
e variabilidade, com alto grau de incerteza e de conflitos de valores para superar essa
racionalidade fragmentada, defendendo uma epistemologia da prática em que a
formação profissional acontece no contexto do exercício profissional, que é o grande
desafio a ser superado.
A formação universitária dos profissionais da Educação, com ênfase na
formação de um cidadão emancipado, deverá estar pautada em um profissional que
compreenda o todo do ser humano, buscando o equilíbrio dentro de sua formação,
considerando as exigências educacionais da formação docente que provêm do mundo
do trabalho e, sendo ainda um profissional crítico, participativo, solidário, responsável,
ético, fraterno, ecológico e espiritualizado, respeitando as pessoas e realizando ações
que visem ao bem comum, comprometendo-se significativamente com o
desenvolvimento pessoal e social, auxiliando seus pares em situações na vida futura.
Em suma, a universidade deve pautar-se na formação de profissionais da
educação, priorizando “a formação de cidadãos com consciência dos direitos e
deveres inerentes a uma sociedade democrática, que adotassem uma postura crítica
diante das desigualdades sociais e se engajassem na sua superação, que
compreendessem e assumissem praticamente que sua realização pessoal envolve
também a realização das outras pessoas” (Tonet, 2005, pg 239).

CURRÍCULO UNIVERSITÁRIO E A PRÁTICA DE ENSINO

Os componentes curriculares são responsáveis pelas práticas de ensino,


propiciando o conhecimento teórico das diferentes concepções sobres as temáticas
da formação docente, por meio de estudos, análises, reflexões sobre as teorias do
conhecimento, da aprendizagem, enfocando aspectos pedagógicos, psicológicos,
epistemológicos e metodológicos, fatores estruturantes do processo ensino e
aprendizagem. Esses visam a articulação de diferentes componentes curriculares
entre si, buscando a inserção dos futuros professores na realidade onde vão atuar.
Compreender o currículo, dentro de uma prática pedagógica, introduz questões
novas, onde educador e aprendentes estão inseridos na discussão da função social
da universidade, das relações de conhecimento que se tornam efetivas no processo
de fazer currículo. Dessa forma, as pessoas que passarem pela universidade terão a
oportunidade de serem “cidadãos preparados, formados de maneira diferente para
poderem dar respostas mais adequadas, competentes, democráticas e eficazes aos
enormes desafios que os esperam na nossa sociedade emergente” (Alarcão, 2005,
pg 51).
O currículo permeado pelo pensamento crítico propicia ao indivíduo uma visão
de mundo através da prática vivenciada, experienciadas. Essas práticas vivenciadas
são o que Tardif (2002) chama de “saberes sociais”, esses são aprendidos na vivência
do aprendente com sua profissão, [...] saberes são elementos constitutivos da prática
docente. Pois, [...] o professor é sujeito de seu próprio trabalho e ator de sua
pedagogia, pois, é ele quem modela, quem lhe dá corpo e sentido no contato com os
alunos (Tardif 2002, p.149 ).
FORMAÇÃO DOCENTE E CIDADANIA

A universidade é um dos palcos que pode promover a mudança na formação


dos profissionais da educação. Essa deve oportunizar debates, reflexões entre seus
atores para que esses comecem a entender seus papéis na busca pela formação de
um profissional emancipado. Conduzindo a auto realização dos indivíduos como
“indivíduos ricos” humanamente (nas palavras de Marx), “capazes de uma
transformação social, ampla e emancipadora”.
Para Adorno (2000), emancipar significa, “tomar decisões conscientes e
independentes, por meio de uma consciência verdadeira, sendo a base de uma
sociedade verdadeiramente democrática”. Emancipação e conscientização,
racionalidade e ao mesmo tempo, adaptação dos homens ao mundo. Uma educação
emancipatória deve desenvolver princípios individuais e sociais, com ênfase no bem
estar individual e coletivo.
A solidariedade é um componente da cidadania, necessária à emancipação
humana, ambas andam juntas, uma não ocorrerá sem a outra sem que os indivíduos
envolvidos entendam seu significado dentro de si, pois, somente posso ensinar aos
outros o que conhecemos em nosso íntimo, em nosso cotidiano.
Meszáros (2005), ainda afirma que a “educação deve ser continuada,
permanente, ou não é educação”. Que as práticas educacionais oferecidas em
qualquer nível de educação devem permitir aos educadores e aprendentes um
trabalho conjunto para que as mudanças necessárias para a construção de uma
sociedade mais justa ocorram.
A base para uma sociedade mais justa está em oferecer uma “educação
voltada para a cidadania e a solidariedade, essa passa por uma democratização da
educação escolar, uma elevação do nível de informação e de reflexão de todos,
quaisquer que sejam a profissão e a condição social em seu horizonte” (Perrenoud,
2005, pg 96).
O autor ainda reforça: “Formar para a solidariedade é, portanto, formar
indivíduos críticos, que querem e podem tornar-se autores, defender seus interesses,
explicar e combater os mecanismos que engendram a violência, a miséria, a exclusão”
(Perrenoud, 2005, pg 97).
É importante que o desejo pela solidariedade faça parte da dinâmica dos
indivíduos e da sociedade. Deve estar intrínseco na maneira de educar, aprender,
conhecer o viver dos seres humanos e dos grupos sociais. Para isso a formação dos
educadores tem que perpassar por aprendizagens significativas, que são as que
envolvem o ser humano por inteiro.
Girox(1986), destaca que para entender a educação cidadã/ emancipatória, é
preciso enfatizar a participação ativa de todos dentro do processo de aprendizagem
crítica, na compreensão das experiências dos envolvidos e a importância dos valores,
o conhecimento das forças ideológicas que influenciam a vida de todos os envolvidos.
Referindo-se a isto, destaca Girox: “Para que a educação para a cidadania se torne
emancipatória, deve começar com o pressuposto de que seu principal objetivo não é
“ajustar” os alunos a sociedade existente; ao invés disso, sua finalidade primária deve
ser estimular as suas paixões, imaginação e intelecto, de forma que eles sejam
compelidos a desafiar as forças sociais, políticas e econômicas que oprimem tão
pesadamente suas vidas. Em outras palavras, os alunos devem ser educados para
demonstrar coragem cívica, isto é, uma disposição para agir, como se de fato
vivessem em uma sociedade democrática” (1986 pg 262).
Para Tonet (2005), “formar o homem como cidadão/emancipado é tomá-lo
como membro da comunidade política e estruturar todo o processo educativo levando-
o a agir conscientemente como tal, tanto na atividade especificamente educativa como
na vida social, estruturando uma sociedade efetivamente livre, cidadãos”.
Essa formação vai além dos bancos universitários, ela perpassa pela maior
parte de nossas vidas. A cada dia que vivemos aprendemos algo, contribuindo para o
reequilíbrio de nossa formação enquanto sujeito.

REQUISITOS PARA A FORMAÇÃO DE UM DOCENTE EMANCIPADOR

A universidade deve oportunizar por meio de seu currículo e vinculado a prática


pedagógica, saberes e competências que levem o profissional da educação que se
pretende formar capaz de:
• Saber identificar, avaliar e fazer valer seus recursos, seus direitos, seus
limites e necessidades;
• Saber, individualmente ou em grupo, conceber e implementar projetos e
desenvolver estratégias;
• Saber analisar situações, relações, campos de força de maneira
sistemática;
• Saber cooperar, agir em sinergia, participar de um grupo, compartilhar
uma liderança;
• Saber construir e coordenar organizações e sistemas de ação coletiva
de tipo democrático;
• Saber gerir e superar conflitos;
• Saber operar com as regras, utilizá-las, elaborá-las;
• Saber construir ordens negociadas para além das diferenças culturais
(Perrenoud, 2005, pg 111).
Esses saberes e competências permitem que o professor aprenda a pilotar os
percursos da formação, permitindo uma maior profissionalização, com a autonomia e
a responsabilidade que a acompanham, dando ênfase numa prática reflexiva,
negando a conformidade dos modelos didáticos fechados, que instigue uma
cooperação profissional, onde essa cooperação torne-se uma regra comum dentro da
comunidade educativa.

A FORMAÇÃO PROFISSIONAL CONTINUADA DO EDUCADOR

Diante da complexidade da realidade, o desafio dentro da formação docente é


redimensionar as propostas pedagógicas, contemplando a formação dentro de um
processo de reconstrução dos projetos pedagógicos dos cursos de formação e das
práticas pedagógicas dos educadores. Dando sentido ao embasamento teórico,
integrando aos saberes constituídos historicamente, permitindo complexificar e
assimilar os conhecimentos, dando oportunidade ao educando passar do saber
empírico para o científico, de forma efetiva e reflexiva.
Para isso, o educador/formador precisa reconhecer o seu papel político,
resgatando o sentido do ser humano, da vida, da prática pedagógica, vindo de
encontro à realidade social do educando, propondo novos jeitos de caminhar em
direção a transformação social.
Para Alarcão (2001), “essa transformação social possibilitará que a sociedade
seja mais reflexiva, inteligente, flexível, resiliente, assentando-se em pressupostos
organizacionais de democraticidade, abertura, consciência e sentimento de si,
responsabilidade, autonomia e capacidade de partilha, promovendo o processo de
autoconstrução humana”.

UMA EDUCAÇÃO EMANCIPATÓRIA

A educação emancipadora conduz o indivíduo a uma nova compreensão da


natureza e dos seres humanos, indo além do conhecimento, levando a ações e
atitudes para o viver e o conviver melhor. E para a implementação dessas atitudes, a
educação precisa proporcionar o máximo de saberes e condições para que os seres
humanos se libertem da ilusão que já aprenderam o suficiente para a vida, mas que
procurem aprofundar e enriquecer seus saberes continuadamente, para dessa
maneira, integrar-se a uma sociedade cada vez mais complexa.
Permitindo a compreensão que para atender as necessidades da sociedade
complexa, exige-se uma constante revisão dos processos de conhecimento e prática
pedagógica, assim como ser humano/educador, partes desse processo também
evoluem, e nessa evolução muda seus princípios, desejos e valores.
A emancipação humana dependerá da ação dos próprios homens para se
tornar realidade, deverá ser entendida como uma atividade humana, que possibilita
ao indivíduo apropriar-se do patrimônio comum a humanidade, constituindo-se como
gênero humano.
Tonet (2005, pg 243), destaca alguns requisitos para que a atividade educativa
emancipadora ocorra: “O conhecimento amplo e aprofundado do último; o
conhecimento, também o mais amplo possível, a respeito do processo social em
curso; o conhecimento acerca da natureza e da função social da atividade educativa;
a apropriação dos conhecimentos e habilidades nos campos mais variados da
atividade humana e, por fim, a articulação da atividade especifica da educação com
as lutas sociais mais abrangentes”.
Pensar a educação, descrevê-la, desenvolvê-la, requer um desejo de mudança
e uma vontade maior ainda de realizar uma tarefa, de se doar, onde o imprevisível
nos acompanha diariamente. Trabalhar para que a educação emancipatória ocorra,
requer a formação de um profissional da educação comprometido principalmente com
o que está fazendo.
Nas palavras de Luck (2007), “o objetivo da educação emancipatória é,
portanto, o de promover a superação da visão restrita de mundo, compreendendo a
complexidade da realidade, permitindo ao ser humano compreender-se como ser
determinante e determinado dentro de uma sociedade tão complexa”.
Para Teixeira (2000), “a vida do homem se faz pela educação e por educação.
A civilização material é educação, e educação é, outrossim, toda a vida social. Vida
é, com efeito, comunicação entre os homens. E comunicar é educação”.
“A tarefa da universidade é formar professores capazes de [...] preparar o
homem novo (emancipado) para o mundo novo. Preparando o aprendente a provar
[...] em sua plenitude, o prazer de conquista, passo a passo, o caminho de sua
emancipação”. (Teixeira, 2000, p.20)
Educar para a emancipação precisa ser compreendido, como vivência de um
processo de se conhecer e conhecer os outros. Por meio das vivências significativas,
nas diversas linguagens pedagógicas, será construída a identidade pessoal, grupal e
cultural do aprendente.
REFERÊNCIAS

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FREIRE, Paulo – Pedagogia da Autonomia, São Paulo, Paz e Terra, 1997
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