Você está na página 1de 19

CENTRO DO ENSINO A DISTÂNCIA – CAED

MÓDULO DE FILOSOFIA DA EDUCACÃO

Curso: PSICOPEDAGOGIA
Crédito: 4

0. INTRODUÇÃO
Este Módulo foi escrito especialmente para estudantes do Curso de
Licenciatura em Psicopedagogia que se preparam para o exercício
profissional do ensino e para educadores que se ocupam de outras
modalidades de acção educativa. Pretende oferecer um estudo e reflexão
de temas da vida escolar articulados com aspectos mais amplos da vida
social e tem como objectivo levar ao estudante da Psicopedagogia um
conjunto de anotações para um melhor acompanhamento das aulas de
Filosofia da Educação.

Portanto, espera-se que estudantes busquem por caminhos renovadores o


processo educacional. Espera-se assim mais alunos juntos no esforço
para fazer educação, cada vez menos tradicional, e cada vezes mais uma
educação transformadora, proporcionando a humanização e
desenvolvimento do potencial de cada ser humano.

1
Antonio Gramsci, um filósofo italiano, diz que todos os homens são
filósofos. Mas, para isso, é necessário que se dediquem aotrabalho de
pensar metodologicamente como condição para a reflexão crítica. Temos
certeza de que tanto os professores como os alunos são capazes disso.
Agradecemos, antecipadamente, toda contribuição crítica que ajude a
melhorar os conteúdos deste módulo.

i. Objectivos
Até ao fim deste módulo, o estudante dever ser capaz de:
 Definir/conceituar Filosofia da educação
 Desenvolver conhecimentos e modos de abordagem do fenómeno
educativo do ponto de vista filosófico;
 Reflectir filosoficamente sobre a realidade da prática educativa e da
escola
 Usar os instrumentos metodológicos que o possibilitem a reflexão
crítica sobre temas e problemas da realidade educacional;
 Produzir novos entendimentos filosóficos sobre sua actividade
profissional.
 Promover o desenvolvimento de um olhar crítico e reflexivo
relativamente aos debates e às opções pedagógicas e ou
educativas;
 Reconhecer a complexidade e a diversidade das situações e
temáticas educativas;
 Identificar alguns dos principais temas e momentos da evolução
histórico-educativa.
 Relacionar a reflexão teórica com os problemas decorrentes da
prática pedagógica;
 Promover competências ao nível da pesquisa autónoma.

2
ii. Metodologia
Para atingir os objectivos predefinidos, teremos:
 Sessões teóricas: expositivas e discursivas
 Discussões filosóficas de temas actuais
 Trabalho em grupos (seminário)

iii. Sistema de Avaliação:


 2 Testes escritos na plataforma
 1 Trabalho individual e/ou em grupos
 Exame Escrito

3
I. PRESSUPOSTOS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO
O papel da educação é possibilitar ao ser humano olhar para o mundo
ao seu redor para poder dar-lhe um sentido. Por isso existe uma relação
de reciprocidade entre filosofia e educação. É partir da visão de mundo
que o ser humano já possui, que ele inicia o seu procedimento
educacional, que por sua vez, vai possibilitar-lhe nova leitura de mundo.

Desse modo, elencaremos as visões de mundo e/ou interpretações de


mundo:
1.1. Idealismo: A realidade é essencialmente espiritual. O mundo físico
é colocado em segundo plano. O ser humano é antes uma idéia
abstrata, um ser espiritual, um ser provisório e passageiro.

1.2. Realismo: O mundo material é tão real quanto o mundo espiritual e


existe independente deste. O ser humano é um composto de uma parte
espiritual e outra material. A parte espiritual é superior seja porque foi
criada diretamente por Deus, seja porque foi criada por Deus através da
força que ele colocou na natureza, seja porque representa um
desenvolvimento espontâneo desta última.

1.3. Existencialismo: É a interpretação da realidade cuja preocupação


fundamental é a pessoa existencial. Concentra-se nas coisas que estão
aí, realçando o papel do ser humano na sua situação do momento.

4
2. As concepções da realidade
Várias são as concepções do mundo que nos rodeia. Vamos apresentar
apresentar aqui, de forma breve, apenas duas:

2.1. CONCEPÇÕES ANALÍTICAS: São aquelas concepções da


realidade que de modo insistente se interessam pela verificação e
classificação da linguagem.

2.2. CONCEPÇÕES DIALÉCTICAS: São aquelas concepções que


consideram o ser humano como parte de uma realidade total que é
essencialmente mutável, sendo, por isso, também ele essencialmente
mutável. Incluem-se nelas:

a) Pragmatismo: É a visão de mundo que afirma ser a realidade


aquilo que nossos sentidos experimentam. O ser humano é um
indivíduo autônomo que pode e deve traçar o seu destino.
b) Dialéctica: É a leitura que vê a realidade como sendo
essencialmente dinâmica e em contínua transformação. O ser
humano vive com essa realidade mutável, aceita-a, pois sabe o
porquê da mudança e tem consciência de poder influir nela.

É pela filosofia que podemos indagar sobre a intenção de transformar o


modo como observamos e pensamos, agimos e interagimos; os
filósofos sempre se consideraram a si mesmos como os educadores
definitivos da humanidade. Mesmo quando pensavam que a filosofia
deixa tudo como está, pensavam que interpretar o mundo
correctamente — compreendê-lo e compreender a nossa posição nele
— nos libertaria da ilusão, conduzindo-nos a contemplação da ordem
divina, progresso científico ou criatividade artística que nos são mais

5
apropriadas. Mesmo a filosofia "pura" — metafísica e lógica — é
implicitamente pedagógica. Tem a intenção de corrigir a miopia do
passado e do instante.

A reflexão filosófica acerca da educação, de Platão a Dewey, tem sido


assim naturalmente dirigida para a educação dos governantes, daqueles
que se presume preservarem e transmitirem a cultura da sociedade, o
seu conhecimento e os seus valores. Todas as épocas históricas são
marcadas por uma disputa pelo poder, como o poder da autoridade da
tradição ou do poder manifesto, como o poder do conhecimento
filosófico, espiritual ou científico, como o poder da criatividade artística,
da produtividade mercantil ou tecnológica. Só muito recentemente na
história das democracias liberais é que a política educativa foi formulada
e direccionada para indivíduos presumivelmente autónomos, que
determinam os seus próprios objectivos e que estruturam as suas
próprias vidas. Em lado algum é a filosofia da educação mais importante
(por exemplo, temos os departamentos, a saber, recursos humanos,
gabinete de género, etc., mas não há nenhum gabinete de filosofia de
educação), em lado algum é a própria educação mais crucial (isto
justifica porque razão os salários são dos mais baixos, as infraestruturas
precárias…), embora não seja a mais esquecida.

As disputas no centro da discussão contemporânea da política


educativa (Quais são as orientações e os limites da educação pública
numa sociedade pluralista e liberal? Como podemos garantir da melhor
maneira uma distribuição equitativa das oportunidades educativas?
Deverá a qualidade da educação ser supervisionada por padrões
nacionais e exames? Deverá as escolas públicas levar a cabo a

6
educação moral e religiosa?) restabelecem as controvérsias que
marcam a história da filosofia, de Platão à epistemologia social.

7
Partindo de discussões fecundas e responsáveis da política educativa
remetem inevitavelmente para questões filosóficas, que as sugerem e
enquadram: essas questões são articuladas e examinadas de maneira
mais precisa na teoria moral e política, na epistemologia e na filosofia da
mente. Daí surgem alguns questionamentos importantes: 1. Quais são
as finalidades próprias da educação? (Preservar a harmonia da vida
cívica? Salvação individual? Criatividade artística? Progresso científico?
Capacitar indivíduos para que façam escolhas sábias? Preparar
cidadãos para entrar numa força de trabalho produtiva?). 2. Quem deve
deter a responsabilidade primordial de formular a política educativa?
(Filósofos, autoridades religiosas, governantes, uma elite científica,
psicólogos, pais ou autarquias locais?). 3. Quem deve ser educado?
(Todos por igual? Cada um segundo o seu potencial? Cada um segundo
as suas necessidades?). 4. Como é que a estrutura do conhecimento
afecta a estruturação e a sucessão das aprendizagens? (Será que é a
experiência prática, ou a matemática, ou a história, que deve fornecer o
modelo de aprendizagem?). 5. Que interesses devem guiar a escolha
de um currículo? 6. Como devem as dimensões intelectual, espiritual,
cívica, moral, artística, psicológica e técnica da educação estarem
relacionadas entre si?

Esta são algumas das grandes preocupações na área educacional.


Estas preocupações exigem reflexão filosófica para justificar as tomadas
de decisão. Aliás, percebe-se que as respostas a tais questões, que
podemos designar de teorias, umas vezes podem nos aproximar, mas
também nos dividem. A maior parte das teorias do conhecimento —
seguramente as de Descartes e de Locke — tinham, entre outras
coisas, a intenção de reformar as práticas pedagógicas.

8
A maior parte das teorias éticas — certamente as de Hume, Rousseau e
Kant — tinham a intenção de reorientar a educação moral. O alcance
prático das teorias políticas — as de Hobbes, Mill e Marx — não se
limita apenas à estrutura das instituições, também chega à educação
dos cidadãos. Sistemas metafísicos gerais — os de Leibniz, Espinosa e
Hegel — fornecem modelos de investigação e, como consequência,
estabelecem orientações e padrões para a educação de espíritos
esclarecidos. Alguns filósofos — Locke, Rousseau, Bentham e Mill, por
exemplo — fizeram dos seus programas educativos uma característica
nuclear dos seus sistemas filosóficos. Outros — Descartes, Espinosa e
Hume — tinham boas razões para não tornarem explícito o significado
educativo dos seus sistemas.

Se a política educativa é cega sem a orientação da filosofia, a filosofia é


vazia se desprovida de uma atenção crítica ao seu significado
educativo. Uma filosofia da educação robusta e vital incorpora
inevitavelmente o todo da filosofia; e o estudo da história da filosofia
obriga à reflexão sobre as suas implicações para a educação.

3. Conceito de filosofia
Quem não ouviu pelo menos uma vez falar em Filosofia? Na história do
pensamento, que a humanidade vem construindo ao longo do tempo,
muitos foram os pensadores que deram uma definição ou um conceito
para a Filosofia. Por vezes, esses conceitos foram complexos, por
vezes simples; por vezes rebuscados e quase incompreensíveis. Diante
deles muitas pessoas se sentem entediadas e, em vez de enfrentar o
problema, preferem descartá-lo, dizendo que a Filosofia é um “jogo inútil
e estéril de palavras”, ou que é “muito difícil e só serve e interessa a

9
pessoas especiais e muito inteligentes”. Esse descrédito pode ser
resumido numa frase, mais ou menos popular, que diz: “a filosofia é
uma ciência com a qual ou sem a qual o mundo continua tal e
qual”. Ou seja, podemos passar muito bem com ou sem a filosofia.

Hoje, geralmente se define a Filosofia em oposição ao conceito de


ciência, entendido como pesquisa empírica da realidade. Houve tempos
em que a filosofia foi definida em oposição à teologia, como na Idade
Média; e em outras épocas a filosofia se opunha ao conceito de mito,
como entre os gregos do século V a. C.

Etimologicamente, a palavra “filosofia” formou-se pela junção de Filos-


filia” que significa “amigo” e “Sophia” que é “sabedoria, saber”, e surge
na Grécia nos finais do século VII a. C. e princípio do século VI a. C.,
em Mileto. Um dos iniciadores é Tales de Mileto. Por exemplo, nos
escritos de Pitágoras, que não querendo definir-se como “sábio”, prefere
autodenominar-se “Filos-sophos” - ou seja “amigo do saber”, aquele que
busca a sabedoria, “amante da sabedoria”, para ele uma denominação
mais fiel à sua postura de tentar compreender a realidade de seu tempo.

Filosofia é uma palavra aglutinada, ou seja, composta por duas palavras


gregas: filo = amigo e sophia = sabedoria. Portanto, trata-se de área do
conhecimento que busca incessantemente o saber, indagando tudo e a
todos. Caracteriza-se pelos infinitos porquês.

A filosofia consiste, então, em um conhecimento sistematizado sobre o


mundo da natureza, sobre a condição humana pessoal e social, sobre a
sociedade, sobre a cultura. Alcançado de maneira sistemática e
disciplinada, indo além do saber comum, desconexo, fragmentado, o

10
nível do senso comum, geralmente preconceituoso e limitado, sobre a
realidade pessoal, social e da natureza.

No entanto a filosofia tem incomodado a muitos. A história registra


muitas tentativas e empreitadas em destruí-la, desqualificá-la, negá-la.
Os tiranos, os mistificadores, os dominantes e todos os interessados na
alienação e mediocridade do povo preferem um consciência de
rebanho, de fácil manipulação, cativa e obediente, a um questionamento
sistemático e profundo sobre a realidade. Não foram poucos os filósofos
que pagaram com a vida ou a perda da liberdade a ousada postura de
filosofar sobre o seu tempo.

A proposta original da Filosofia é estabelecer uma crítica a uma


determinada concepção de mundo, alinhavar alguma significação para a
existência humana, pessoal e social e se tornar uma teoria de alcance
eficaz no permanente processo de mudança e construção social da
realidade.

Não existe pensamento filosófico uniforme. Existem diversas


tendências, métodos, escolas e tradições diferentes. Determinada
tendência filosófica perdura enquanto existirem as condições históricas
que lhe deram origem. Cabe a cada homem exercitar o seu “ser
filósofo”, pôr-se em busca de uma apreensão significativa da cultura, de
uma crítica leitura da realidade e de uma acção engajada no mundo.

A reflexão filosófica GIRA em torno de três grandes perguntas ou


questões:
Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e
fazemos o que fazemos?

11
O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos dizer
quando falamos, o que queremos fazer quando agimos?
Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos,
fazemos o que fazemos?

A Filosofia é um corpo de conhecimento, constituído a partir de um


esforço que o ser humano vem fazendo de compreender o seu mundo e
dar-lhe um sentido, um significado compreensivo. Corpo de
conhecimentos, em filosofia, significa um conjunto coerente e
organizado de entendimentos sobre a realidade. Conhecimentos estes
que expressam o entendimento que se tem do mundo, a partir de
desejos, anseios e aspirações.

Quando lemos um texto de filosofia, nos apropriamos do entendimento


que o seu autor teve do mundo que o cerca, especialmente dos valores
que dão sentido a esse mundo. Valores esses que, por vezes, são
aspirações que deverão ser buscadas e realizadas, se possível. O
filósofo sistematiza as aspirações dos seres humanos que dão sentido
ao dia-a-dia, à luta, ao trabalho, à acção.

Ninguém vive o dia-a-dia sem um sentido: para o seu trabalho, para a


sua relação com as pessoas, para o amor, para a amizade, para a
ciência, para a educação, para a política etc. Aliás, cada um procura
justificar as suas escolhas, as suas tomadas de decisão: decisão de
escolher a psicopedagogia entre vários cursos; a decisão de gostar isto
e não aquilo, etc. são estas justificativas que dão sentido a existência
humana. E viver sem este sentido, a vida fica vazia.

12
A filosofia é esse campo de entendimento que nos faz reflectir sobre a
quotidianidade dos seres humanos, desde os simples encontros com as
pessoas, até a complexa reflexão sobre o sentido e o destino da
humanidade.

Nesse sentido, Georges Politzer definiu a filosofia “como uma


concepção geral do mundo da qual decorre uma forma de agir”. No
caso, a Filosofia é a expressão de uma forma coerente de interpretar o
mundo que possibilita um modo de agir também coerente, conseqüente,
efetivo. Da mesma forma, para Leôncio Basbaum,

“a filosofia não é, de modo algum, uma simples abstração


independente da vida. Ela é, ao contrário, a própria
manifestação da vida humana e a sua mais alta expressão. Por
vezes, através de uma simples atividade prática, outras vezes
no fundo de uma metafísica profunda e existencial, mas sempre
dentro da atividade humana, física ou espiritual, há filosofia (...)
A filosofia traduz o sentir, o pensar e o agir do homem.
Evidentemente, ele não se alimenta da filosofia, mas, sem
dúvida nenhuma, com a ajuda da filosofia”.

Todos têm uma forma de compreender o mundo, especialistas e não-


especialistas, escolarizados e não-escolarizados, analfabetos e
alfabetizados. Esta é uma necessidade “natural”, do ser humano, pois
que ninguém pode agir no “escuro”, sem saber para onde vai e por que
vai. Só se pode agir a partir de um esclarecimento do mundo e da
realidade. Esse fato é tão verdadeiro que encontramos modos de
compreensão da realidade tanto no profissional de filosofia (o filósofo),
quanto em qualquer pessoa que viva e reflicta sobre ela, seu sentido,
significado, valores etc... A prova disso está aí: de um lado, pelos
sistemas filosóficos que encontramos na história do pensamento
filosófico escrito da humanidade e, de outro lado, pela forma popular de

13
compreender a vida que, normalmente, não tem registo escrito, como os
ancião e sábios não instruidos fazem parte das nossas famílias,
povoações. Só aqueles que colocaram por escrito suas ideias, como os
poetas populares, os trovadores, etc., é que são lembrados.

Certamente que a orientação valorativa (axiológica) da existência nem


sempre pode significar filosofia. Quando se diz que todos têm uma
“filosofia de vida”, quer dizer que nos orientamos por valores, embora
nem sempre esses valores estão conscientes, explícitos. Esse
direccionamento diário inconsciente pode decorrer de massificação, do
senso comum, que adquirimos e acumulamos espontaneamente, sem
uma reflexão crítica sobre o sentido e o significado das coisas, das
acções e portanto não é filosofia. Certamente que outras pessoas, as
gerações, formaram esse “senso” com o qual cumprimos o dia-a-dia,
sem muitas vezes nos perguntarmos se ele é válido ou não, se o
aceitamos efectivamente ou não, por isso o filosofar deve desenvolver-
se sobre ele e não fazer algo só porque os outros o fazem.

O que importa ter claro, é o facto de que a filosofia nos envolve, não
temos como fugir dela, pois como o ar que respiramos, está
permanentemente presente. Se nós não escolhemos qual é a nossa
filosofia, qual é o sentido que vamos dar à nossa existência, a
sociedade na qual vivemos nos dará, nos imporá a sua filosofia. E como
se diz que o pensamento do sector dominante da sociedade tende a ser
o pensamento dominante da própria sociedade, provavelmente aqueles
que não buscam criticamente o sentido para a sua existência assumirão
esse pensamento dominante como o seu próprio pensamento, a sua
própria filosofia. Quem não pensa é pensado por outros! Deste modo, a
filosofia se manifesta como o corpo de entendimento que cria o ideário

14
que norteia a vida humana em todos os seus momentos e em todos os
seus processos. Esse corpo de entendimento é a compreensão da
existência.

A Filosofia, em síntese, não é tão-somente uma interpretação do já


vivido, daquilo que está objectivando, mas também a interpretação de
aspirações e desejos do que está por vir, do que está para chegar. Os
filósofos captam e dão sentido à realidade que está por vir e a
expressam como um conjunto de idéias e valores que devem ser
vividos, difundidos, buscados. Eles têm uma “sensibilidade”, um “faro”
mais atento para perceber o que já está se manifestando na realidade,
ainda que de uma maneira tênue.

O filósofo não é um profeta, mas pode ser capaz de ler nos


acontecimentos do presente, o significado do que está por vir, o que
está a se desenvolver. O seu pensamento torna-se, assim, expressão
da história que está acontecendo e enquanto está acontecendo, e
compreensão do que vai acontecer. Deste modo, o pensamento
filosófico manifesta-se tanto como condicionado pelo momento histórico
quanto como condicionante do momento histórico subsequente, como
impulsionador da acção, visando a concretização de determinadas
aspirações dos homens, de um povo, de um grupo ou de uma classe.

Neste sentido, a filosofia é uma força, é o sustentáculo de um modo de


agir. É uma arma na luta pela vida e pela emancipação humana. A
filosofia, não é só um instrumento para a compreensão do mundo e
interpretação dos seus fenômenos. É também um instrumento de ação
e arma política. Esse fato é tão verdadeiro que a filosofia tem gerado, ao
longo da história humana, atitudes contraditórias e paradoxais.

15
Governos que, de um lado, alijam a filosofia como subvertedora da
ordem, de outro, contratam especialistas para criarem um pensamento,
uma forma de conceber o mundo que garanta a sua forma de
administrar politicamente o povo e a nação.

Não há como negar a filosofia sem fazer filosofia, porque para se negar
o valor da filosofia dentro do mundo é preciso ter uma concepção do
mundo que sustente esta negação. Os maus políticos, efetivamente,
agem assim. Preferem a massificação do povo, por isso impedem o
desenvolvimento do pensamento filosófico. Mas “filosofam” para
sustentar sua ação deletéria contra a Filosofia. Vale lembrar os esforços
dos governos totalitários na perspectiva de criar “uma filosofia capaz de
justificar o sentido de sua política e propagá-la como filosofia total do
universo” (Leôncio Basbaum).

Em síntese, a filosofia é uma forma de conhecimento que, interpretando


o mundo, cria uma concepção coerente e sistêmica que possibilita uma
forma de acção efectiva. Essa forma de compreender o mundo tanto é
condicionada pelo meio histórico, como também é seu condicionante.
Ao mesmo tempo, é uma interpretação do mundo e é uma força de
ação.

Lembramos aqui a força do pensamento dos socialistas utópicos, como


Robert Owen, Saint-Simon; dos socialistas científicos, como Marx e
Engels; dos revolucionários, como Lênin, Mao Tse Tung, Amílcar Cabral
etc. O pensamento filosófico constituído não é “limpo”, neutro, mas sim
embebido de história e de seus problemas, de seus interesses e
aspirações.

16
4. O “filosofar”
Já vimos que quando não temos um corpo filosófico que dê sentido e
oriente a nossa vida, assumimos o que é comum e hegemónico na
sociedade; assumimos o “senso comum”, que é o conjunto de valores
assimilados espontaneamente, na vivência cotidiana. Mas, como é que
se constitui a filosofia, como se constrói esse corpo de entendimentos,
que poderemos assumir criticamente como aquele que queremos para o
direcionamento de nossas experiências. Em primeiro lugar, temos que
superar os preconceitos sobre a dificuldade e a especialidade da
filosofia, pois ela não é inútil e nem tão difícil. Logo, contrariando muitos
governantes e políticos, podemos e devemos nos dedicar ao filosofar.

Filosofar é simples, porém não é algo mecânico, pois na mesma medida


em que estamos inventariando os valores vigentes, estamos criticando-
os e reconstruindo-os. Esses momentos não são separados, pois um
nasce de dentro do outro. Estudando as correntes teóricas e históricas
da filosofia veem que certos entendimentos da modernidade têm
vínculos com a Idade Média, e certos valores, que vivemos hoje, tiveram
seus prenúncios na Idade Moderna. Da mesma forma, quando iniciamos
um processo de crítica dos valores enquanto estão vigentes, mas
também enquanto entre eles iniciam-se os prenúncios de certas
aspirações e anseios dos seres humanos. Assim, por exemplo, Herbert
Marcuse, um filósofo alemão contemporâneo, criticou os valores da
sociedade industrial e propôs os valores de uma nova sociedade
preocupada com uma vida menos unidirecionada para a produtividade
econômica e mais voltada para a vida plena, com sentimentos,
emoções, amor, vida etc. Como e por que Marcuse conseguiu se
posicionar dessa forma? Porque nasceu e viveu após a Revolução

17
Industrial, podendo inventariar e criticar os seus valores. E também por
ter vivido num momento histórico em que os seres humanos estão
exaustos desses valores e aspirando por outros que lhes garantam mais
vida. Marcuse entrou na corrente do contexto em que viveu, mas isso
não quer dizer que ele seja um puro reprodutor dessa época, mas sim
que ele captou o “espírito” dessa época.
Questões para reflexão e compreensão:
1. O que entende por filosofia?
2. Quais foram as razões que possibilitaram o surgimento da
filosofia?
3. Tem alguma importância a filosofia? Justifique a sua resposta.
4. Quais são as tres questões sobre as quais gira a filosofia?
5. O que tem a ver a filosofia com a educação?
6. Quais os problemas educacionais que podem ser objecto de
reflexão filosófica.
7. Apresente uma lista de pelo menos 10 filósofos que conheces ou
que já ouviu falar.
8. O que entende por filosofia da educação?
9. O pensamento filosófico manifesta-se tanto como condicionado
pelo momento histórico quanto como condicionante do momento
histórico subsequente, como impulsionador da acção, visando a
concretização de determinadas aspirações dos homens, de um
povo, de um grupo ou de uma classe. Comente a afirmação.

18
Bibliografia Principal

ARANHA, Maria Lúcia De Arruda Filosofia da Educação.. Moderna, 3ª. ed. S. Paulo:
Moderna, 2006
LUCKESI, Carlos C. Filosofia da Educação. S. Paulo: Cortez, 1990.

Bibliografia Complementar
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação como Cultura. S. Paulo: Brasiliense,
1985
CHAUI, Marilena. Convite à Filosofia. S. Paulo, Á tica.
CHAUÍ, Marilena et al. Primeira Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 1988
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. S. Paulo: Editora Perspectiva, 1972
FREIRE, Paulo. Educação Como Prática da Liberdade. 17ª ed. São Paulo: Paz e
Terra, 1986.
____________ Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1997
MARX, Karl. Miséria da Filosofia. Porto: Escorpião, s/d.
MONDIN, Batista. Introdução à Filosofia. São Paulo: Paulinas, 1981
MORIN, Edgar. A Cabeça Bem-Feita. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro. 2ª ed. São
Paulo: Cortez Editora, 1999.
PINTO, Álvaro Vieira. Sete Lições Sobre Educação de Adultos. 9ª ed. São Paulo:
Cortez, 1994.
SANTO, Ruy C. do Espírito. O Renascimento do Sagrado na Educação. Campinas:
Papirus, 1998.
SAVIANI, Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. S. Paulo:
Cortez, 1985.

19

Você também pode gostar