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UNIVERSIDADE FEDERAL DA FRONTEIRA SUL

CAMPUS ERECHIM
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO INTERDISCIPLINAR EM CIÊNCIAS HUMANAS

TRANSDISCIPLINARIDADE
UMA NECESSIDADE ÉTICO-POLÍTICA
• João Alcione S. Figueiredo / Simone Loureiro Brum Imperatore / Valdir
Pedde

Manoela E. P. Machado
Marcos Sardá Vieira
Suellen Radaeli
A transdisciplinaridade e seu desafio: a
contextualização

Na parte anterior, os autores defenderam que a transdisciplinaridade é uma


metodologia epistemologicamente relevante, pois permite perceber a
complexidade dos fenômenos, e ela somente permite vislumbrar que a ciência
precisa ser pensada como histórica e socialmente contextualizada. Mas ela precisa
saber o que contextualizar.
Para chegar a uma metodologia de trabalho que alcance ser uma epistemologia
“nova”, crítica e inovadora, a transdisciplinaridade terá que incorporar a
desnaturalização da descrição de moral que perpassa todo fazer acadêmico.
O conhecimento “contextualizado” necessita de uma existência de uma
hierarquia valorativa, não agimos soltos no mundo. Essa hierarquia organiza
toda a maneira de ver e estar no mundo, e o fazer científico também está
submetido a essa hierarquia.
Há consequências de fazer ciência de forma contextualizada:
A hierarquia valorativa do pensamento contemporâneo é um esquema moral
e é onde o indivíduo encontra a própria dignidade.
No período medieval, a ética encontrava-se na vida contemplativa, era oposição da vida prática. Já
na modernidade, com Lutero (um dos reformadores da igreja católica no século XVI) a santidade
da ação dos cristãos se encontra na vida prática e não na vida monástica/contemplativa. Surgindo
assim, a ética do trabalho.
A dignidade humana encontra-se, a partir da Reforma de Lutero, no trabalho.
Essa nova fonte moral se mistura a já existente, a razão será mais superior e mais nobre do que o
corpo.
Por isso, o trabalho intelectual será superior ao trabalho braçal.
As atividades consideradas ligadas ao intelecto são melhores remuneradas do que as ligadas ao
trabalho braçal.
Mesmo ao dizer que todo trabalho é digno, na prática há trabalhos “mais dignos” que outros.
Em última instância, o que dignifica uma pessoas não é o fato de ser pessoa, mas, nesse caso, o
tipo de atividade que exerce. Essa é a fonte moral subjacente.
Para que a transdisciplinaridade seja realmente uma prática renovadora,
terá que perceber e romper com a hierarquia valorativa que permeia o
pensamento moderno. O que ocorre, é a dificuldade de perceber que se
qualquer pessoas é moralmente digna de ser PESSOA, então qualquer
atividade que ela desempenha é digna e merece uma valorização financeira
adequada. O valor deve ser dado pelo reconhecimento da pessoas como
realidade empírica. Porém, as pessoas são “classificadas”, não por sua
realidade empírica, mas por seu valor “moral”.
Contextualizar o conhecimento significa, portanto: perceber todos os
fundamentos morais e simbólicos, pois são estes que determinam nosso fazer,
pensar e ser no mundo. Significa perceber o simbólico da realidade social, não
apenas o fenômeno como tal. A transdisciplinaridade deve realizar uma crítica
“moral” das convicções modernas.
Para os autores, somente resolvendo reflexivamente a hierarquia moral
subjacente é que a ciência pode se unir com a virtude.
As fontes morais históricas (principalmente após a Reforma) se constituiu em
uma ética justificada pela religião, e é o exercício dessa religiosidade é que
dará dignidade as pessoas.
Qual a base dessa dignidade?
A partir das reflexões de Bourdieu sobre as condições da desigualdade
social, Jessé (2015) afirma que o capital econômico e o capital cultural
(KC) são os elementos fundantes e estruturantes de toda a hierarquia
social moderna de qualquer país. Os capitais econômicos e culturais são o
ponto de partida para a compreensão da dinâmica social moderna.
As desigualdades sociais são “naturalizadas” e legitimadas da mesma
forma em qualquer país. Essa naturalização é uma violência simbólica em
que a “ideologia da meritocracia” é o legitimador, criando a percepção de
que as diferenças entre indivíduos encontra-se nos talentos inatos,
criando-se a ilusão de que não existe luta de classes.
As teorias contemporâneas e as ciências, quando não admitem a existência
de luta de classes geram a “sensação” de que os problemas sociais são de
outra ordem. Por exemplo, a corrupção: a corrupção é um processo implícito
da capitalismo, e permite que as classes mais privilegiadas explorem e
humilhem sem se sentirem culpados, pois elas não reconhecem que suas
riquezas são originadas de uma disputa desigual, legitimando essas
diferenças pela ideologia da meritocracia.
Esse é o ponto fundamental: se a ciência não tematiza a questão, ela legitima
o status quo.
E como as hierarquias valorativas penetram nos sujeitos mesmo não tendo
consciência disso, e avaliam o mundo da forma como avaliam? (que fazem
ciência da maneira como fazem)
Bourdieu defende a ideia de que, em nosso “interior” são produzidas
avaliações já formadas anteriormente por serem socialmente construídas. As
escolhas dos indivíduos não são “livres”, como garante o subjetivismo da ética
do senso comum.
O sistema classificatório não é só o da renda, na verdade é através da
hierarquia valorativa, social e historicamente construída.
Uma ciência que quer ser “virtuosa” precisa incorporar a massa socialmente
desclassificada, a partir da topografia moral da própria sociedade que já a pré-
define como socialmente não digna, reduzindo-os corpos, vendidos a preço
baixo.

Uma ciência que busca o pensamento complexo a partir de uma metodologia


transdisciplinar precisa uma forma de conhecimento que permita compreender
como as organizações, os sistemas, produzem as qualidades fundamentais
do nosso mundo. É preciso desnaturalizar a hierarquia valorativa que
comanda e organiza o mundo da vida.
UM NOVO CAMINHO:
a transdisciplinaridade contextualizada pela territorialização
do conhecimento via a prática extensionista do ensino.

• Hierarquia valorativa e moral já está institucionalizada: família, educação, Estado e mercado, entre
outras, obedece à lógica de classificação de mundo e das pessoas.
• Não é a vontade individual e subjetiva que irá mudar esse estado de coisas, em si uma
ingenuidade presente no pensamento descontextualizado.
• O mundo está estruturado e sem a mudança das estruturas não se mudam as mentes.
• Como se contextualiza o saber? Primeiramente, é necessário NÃO ter como pressuposto que as
estruturas institucionais (as universidades, por exemplo) sejam neutras, isto é, que não estejam a
serviço do capital e sua reprodução, também em relação aos valores morais – a partir dos quais,
inclusive, as instituições “funcionam” e se articulam a partir.
UM NOVO CAMINHO:
a transdisciplinaridade contextualizada pela territorialização
do conhecimento via a prática extensionista do ensino.
• “obedecer e compreender uma regra social é, antes de tudo, uma prática aprendida e não um
conhecimento” - algo meramente cognitivo - (SOUZA, 2015, p. 175).
• Exemplo: meritocracia - o sujeito não sente culpa pela desigualdade social. Ao contrário, a culpa é
daquele que não “venceu”, pois não se esforçou.
• Caminho possível para a institucionalizar a nova visão: extensão universitária.
• Estratégia 12.7 do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024): propõe a universalização da
extensão nos cursos de graduação, orientando sua integralização em programas e projetos em
áreas de grande pertinência social (BRASIL, Lei 13.005, 2014).
• Conceito: processo acadêmico definido e efetivado em função das demandas sociais, políticas,
econômicas e culturais da sociedade e da proposta pedagógica dos cursos, coerente com as
políticas públicas e indispensável à formação cidadã.
UM NOVO CAMINHO:
a transdisciplinaridade contextualizada pela territorialização
do conhecimento via a prática extensionista do ensino.

 Extensão:
• Implica uma dimensão onde a universidade se espraia pela e por dentro da sociedade, a partir dos
problemas concretos relativos à realidade complexa do mundo da vida.
• Propõe a ampliação do espaço áulico para além das fronteiras disciplinares, teóricas e acadêmicas.
• Preconiza o protagonismo discente norteado por uma educação crítico-reflexiva, pela produção de
conhecimentos a partir do diálogo de saberes, científico e “vulgar” e, pelo papel social da ciência.
• Contextos reais.
UM NOVO CAMINHO:
a transdisciplinaridade contextualizada pela territorialização
do conhecimento via a prática extensionista do ensino.
• A delimitação de programas e projetos como modalidades extensionistas a serem “curricularizadas”
advém da intenção de propostas continuadas, articuladas à iniciação científica, ou seja, a
“curricularização” não é pensada como uma nova caixinha onde se irão depositar algumas
atividades.
• Ela se abre como uma perspectiva para trabalhar a partir da “junção” de disciplinas e de práticas,
não no sentido do amontoamento, mas de uma articulação entre diferentes perspectivas.
• A materialização objetiva dessa proposta se encontra na territorialização da universidade, o que
implica repensá-la atravessada pelos problemas sociais.
• A extensão assume um propósito de inclusão acadêmica e social, a partir do desenvolvimento de
programas de aprendizagem que propiciem condições aos educandos e educadores para que se
assumam seres sociais e históricos que tenham condições de pensar e repensar sua realidade.
UM NOVO CAMINHO:
a transdisciplinaridade contextualizada pela territorialização
do conhecimento via a prática extensionista do ensino.
• Para orientar a proposta pedagógica é necessário pensar sobre:

a) um efetivo alinhamento estratégico institucional (missão, visão, valores, políticas acadêmicas e de


gestão);

b) formação docente em extensão e compartilhamento das práticas extensionistas existentes;


c) o estabelecimento de correlações entre as diretrizes curriculares nacionais, a leitura territorial,
políticas públicas e o diálogo com os atores sociais (movimentos sociais, entidades governamentais e
não governamentais, empresas, egressos, outros);
d) sistematização do fazer extensionista a partir da predefinição de linhas de extensão e de pesquisa,
metodologias aplicáveis a programas/projetos de extensão e processo avaliativo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

• Transdisciplinaridade: uma possibilidade de constituição da ciência e da educação de forma crítica


e de nos situarmos no mundo como efetivamente tendo um papel social decisivo para a construção
do bem comum.
• O desafio de uma ciência e uma prática educativa que esteja preocupada com a diminuição da
desigualdade social, para além de qualquer ideologia política, nos compromete a pensar que
“ciência sem virtude” somente pode interessar justamente aqueles que se sentem moralmente
justificados de ocuparem as posições que hoje ocupam.
• Refletir sobre a desigualdade social para esses não “interessa”, pois significaria questionar as
posições de privilégio que hoje ocupam.
• Outro grande desafio: institucionalizar essa visão de mundo. Significar a “curricularização” da
extensão como uma forma de territorializar o conhecimento se apresenta como uma grande
oportunidade de, efetivamente, a universidade também contribuir na formação de cidadãos
capacitados para uma intervenção responsável na realidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

• A transdisciplinaridade se abre como uma possibilidade de entendermos cada vez mais


profundamente aquilo que são as estruturas que guiam, moldam e orientam nossos pensamentos e
ações.
• Para além dessa questão de fundo, a transdisciplinaridade nos coloca duas outras oportunidades e
desafios:
1. Por um lado, a transdisciplinaridade pode nos conduzir, como cientistas, a um diálogo humilde,
mas engajado com outros colegas.
2. Por outro lado, do ponto de vista do ensino, o foco desloca-se do objeto para o olhar do
pesquisador sob uma perspectiva transdisciplinar e em um contexto dialético e dialógico: o
indivíduo assume o protagonismo do processo educativo, sendo constantemente confrontado com
os problemas da realidade social e ambiental de nossa sociedade.

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