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LUDOLOGIA
INTRODUÇÃO
Este curso é composto por quatro apostilas sendo que esta primeira apostila
contempla assuntos que julgamos iniciais para desenvolver uma melhor
capacitação do professor. Trazemos questões sobre a História da Arte,
perpassando por diversos movimentos artísticos desde a antiguidade até a
contemporaneidade. Tratamos da Semana de Arte Moderna de 1922 no Brasil,
bem como o olhar da Filosofia, da Sociologia e da Antropologia sobre a Arte.
Trabalhamos com a leitura e produção de sentido nas artes visuais, bem como
a natureza e a percepção das cores.
1.1 A PRÉ-HISTÓRIA
- Divisão da Pré-História:
Neolítico: ainda de acordo com Martins, Imbroisi (2005, s/p) a fixação do homem
da Idade da Pedra Polida, garantida pelo cultivo da terra e pela manutenção de
manadas, ocasionou um aumento rápido da população e o desenvolvimento das
primeiras instituições, como família e a divisão do trabalho. Assim, o homem do
Neolítico desenvolveu a técnica de tecer panos, de fabricar cerâmicas e
construiu as primeiras moradias, constituindo-se os primeiros arquitetos do
mundo. Conseguiu ainda, produzir o fogo através do atrito e deu início ao
trabalho com metais. Todas essas conquistas técnicas tiveram um forte reflexo
na arte. O homem, que se tornara um camponês, não precisava mais ter os
sentidos apurados do caçador do Paleolítico, e o seu poder de observação foi
substituído pela abstração e racionalização. Como consequência surge um estilo
simplificador e geometrizante, sinais e figuras mais que sugerem do que
reproduzem os seres. Os próprios temas da arte mudaram: começaram as
representações da vida coletiva.
Tendo funções para fora do simples deleite estético, a arte dos povos egípcios
era bastante padronizada e não valorizava o aprimoramento técnico ou o
desenvolvimento de um estilo autoral. Geralmente, as pinturas e baixos-relevos
apresentavam uma mesma representação do corpo, em que o indivíduo tinha
seu tronco colocado de frente e os demais membros desenhados de perfil. No
estudo da arte, essa concepção ficou conhecida como a lei do frontalidade.
(SOUSA, s/d, s/p)
Ainda de acordo com Sousa (s/d, s/p) ao longo do Novo Império (1580 – 1085
Período Clássico: para Alencar (s/d, s/p) é nesse momento em que as esculturas
chegam ao ápice do naturalismo. Alguns escultores passam a ser reconhecidos
pelo seu trabalho e assinam suas obras, como Fídias e Policleto. Este último
chegou a escrever regras de representação da figura humana.
Por outro lado, afirma Alencar (s/d, s/p) é importante deixar claro que a mitologia
grega ou greco-romana, em suas origens mais remotas está ligada a uma visão
de mundo de caráter religioso. Ao contrário, à medida que avançamos no tempo
em direção aos nossos dias, a mitologia vai se esvaziando do significado
religioso e ganhando, principalmente, um caráter artístico. Em outras palavras,
no século 15, ao retratar uma deusa greco-romana como Vênus, o pintor
Botticelli não a encarava como uma entidade religiosa, mas como um ideal
estético de beleza.
Para Correa (s/d, s/p) a Arte Romana foi influenciada pela cultura grega
e pela etrusca. Os gregos buscavam um ideal de beleza, mas os etruscos eram
mais realistas, e suas construções voltavam-se para o popular. O uso da
abóbada e de arcos foi seu grande legado. O senso de realismo e a busca do
imediato levaram os romanos a realizações arquitetônicas e urbanísticas
inéditas, como as estradas pavimentadas, as termas e os anfiteatros.
Para Martins, Imbroisi (s/d, s/p) o cristianismo não foi a única preocupação
para o Império Romano nos primeiros séculos de nossa era. Por volta do
século IV, começou a invasão dos povos bárbaros e que levou Constantino
a transferir a capital do Império para Bizâncio, cidade grega, depois
batizada por Constantinopla. A mudança da capital foi um golpe de
misericórdia para a já enfraquecida Roma; facilitou a formação dos Reinos
Bárbaros e possibilitou o aparecimento do primeiro estilo de arte cristã -
Arte Bizantina. Graças a sua localização (Constantinopla) a arte bizantina
sofreu influências de Roma, Grécia e do Oriente. A união de alguns
elementos dessa cultura formou um estilo novo, rico tanto na técnica como
na cor.
A arte bizantina está dirigida pela religião; ao clero cabia, além das suas
funções, organizar também as artes, tornando os artistas meros executores. O
regime era teocrático e o imperador possuía poderes administrativos e
espirituais; era o representante de Deus, tanto que se convencionou representá-
lo com uma auréola sobre a cabeça, e, não raro encontrar um mosaico onde
esteja juntamente com a esposa, ladeando a Virgem Maria e o Menino Jesus.
(MARTINS, IMBROISI, s/d, s/p)
O mosaico, segundo Martins, Imbroisi (s/d, s/p) é expressão máxima da arte
bizantina e não se destinava apenas a enfeitar as paredes e abóbadas, mas
instruir os fiéis mostrando-lhes cenas da vida de Cristo, dos profetas e dos vários
imperadores. Plasticamente, o mosaico bizantino em nada se assemelha aos
mosaicos romanos; são confeccionados com técnicas diferentes e seguem
convenções que regem inclusive os afrescos. Neles, por exemplo, as pessoas
são representadas de frente e verticalizadas para criar certa espiritualidade; a
perspectiva e o volume são ignorados e o dourado é demasiadamente utilizado
devido à associação com maior bem existente na terra: o ouro.
A arquitetura das igrejas foi a que recebeu maior atenção da arte bizantina, elas
eram planejadas sobre uma base circular, octogonal ou quadrada imensas
cúpulas, criando-se prédios enormes e espaçosos totalmente decorados. A
Igreja de Santa Sofia (Sofia = Sabedoria), na hoje Istambul, foi um dos maiores
triunfos da nova técnica bizantina, projetada pelos arquitetos Antêmio de Tralles
e Isidoro de Mileto, ela possui uma cúpula de 55 metros apoiada em quatro arcos
plenos.Tal método tornou a cúpula extremamente elevada, sugerindo, por
associação à abóbada celeste, sentimentos de universalidade e poder absoluto.
Apresenta pinturas nas paredes, colunas com capitel ricamente decorado com
mosaicos e o chão de mármore polido. Toda essa atração por decoração aliada
a prevenção que os cristãos tinham contra a estatuária que lembrava de imediato
o paganismo romano, afasta o gosto pela forma e consequentemente a escultura
não teve tanto destaque neste período. O que se encontra restringe-se a baixos
relevos acoplados à decoração.
Para Santana (2007, s/p) a arte islâmica engloba a literatura, a música, a dança,
o teatro e as artes visuais de uma ampla população do Oriente Médio que adotou
o Islamismo. Nela percebe-se a influência das civilizações pré-islâmicas, dos
povos conquistados e de dinastias ligadas à questão religiosa. Por todos os
domínios islâmicos difundiu-se uma produção artística marcada pelas ideias
religiosas, imateriais – os conceitos de infinito, eternidade, menosprezo da vida
material, desejo de transcendência – e pelas concepções do Profeta. Esta arte
bebe diretamente na fonte do Alcorão, nela justificando suas opções, rejeições
e direções escolhidas.
Para Sant‟ Ana (2009, s/p) com o Cristianismo a arte se voltou para a
valorização do espírito. Os valores da religião cristã vão impregnar todos os
aspectos da vida medieval. A concepção de mundo dominada pela figura de
Deus proposto pelo cristianismo é chamada de teocentrismo (teos = Deus).
Deus é o centro do universo e a medida de todas as coisas. A Igreja como
representante de Deus na Terra tinha poderes ilimitados. Com o passar dos
anos, os artesãos da corte de Carlos Magno levaram os artistas a superarem o
estilo ornamental da época das invasões bárbaras e redescobrirem a tradição
cultural e artística do mundo greco-romano. Na arquitetura esse fato foi decisivo,
pois levou, mais tarde, à criação de um novo etilo para a edificação,
principalmente das igrejas, que recebeu a denominação de Românico.
De acordo com Tasca (s/d, s/p) dos anos de 1200 a 1400, a pintura europeia
pode ser caracterizada por laboriosa libertação de duas influências dominadoras
- a dos mosaicos e ícones bizantinos, muito convencionais e rígidos, e das
miniaturas, isto é, as ilustrações feitas à mão dos livros medievais, como
sabemos igualmente confeccionadas à mão. A arquitetura gótica retirou às
paredes a função de sustentação que desempenhavam na arquitetura românica.
Não poderia ser, portanto, uma arquitetura favorável ao desenvolvimento da
pintura mural. Não oferecia aos pintores as superfícies proporcionadas pelos
arquitetos românicos. Por outro lado, no interior das catedrais e igrejas góticas,
dificilmente as cores de um quadro ou de um afresco poderiam resistir ao intenso
e feérico esplendor dos vitrais, sob constantes mutações luminosas e coloridas,
conforme a direção dos raios solares.
A aplicação da pintura, nas catedrais e igrejas, atravessadas da
luminosidade dos vitrais, faz-se a rigor apenas para realçar partes e elementos
da arquitetura. As nervuras dos arcos cruzados, por exemplo, são às vezes
pintadas de dourado sobre o fundo azul da superfície das abóbodas. Também
recebiam coloridos adequados os capitéis e mesmo as estátuas. A realidade é
que nos dois primeiros séculos góticos a pintura não pode ser considerada
existente nos monumentos religiosos. Onde iremos encontrá-la, a partir do
século XIII, será nos monumentos civis, residências senhoriais, palácios e
castelos, cuja arquitetura oferece maiores superfícies. Mas aí passa a sofrer a
concorrência dos tapetes na decoração mural. A tapeçaria desenvolveu-se nos
séculos góticos. Além de sua beleza própria, resultante do material e da técnica,
o tapete oferecia outras vantagens sobre o afresco, que havia sido a decoração
pictórica românica. Servia para diminuir a umidade dos muros no inverno, sendo
mais facilmente transportável, de castelo a castelo, nas constantes andanças
das cortes e senhores. (TASCA, s/d, s/p)
Ainda conforme Tasca (s/d, s/p) as grandes salas dos palácios e castelos
recebiam, porém, ao lado dos tapetes, decorações murais. Muitas
desapareceram por obra do tempo ou em consequências de reformas e
ampliações. No velho Palácio do Louvre, em Paris, no reinado de Carlos V, havia
afrescos. No castelo dos Papas, em Avignon, existem outros, executados por
Simone Martini, inspirado artista da cidade de Siena, que encontraremos na
pintura gótica italiana.
Concluindo Tasca (s/d, s/p) afirma que na última fase da pintura gótica, nos
anos de 1400 a 1500 aparecem os pintores chamados pré-renascentistas,
porque anunciadores da Renascença. Distinguem-se por progressiva libertação
do convencionalismo bizantino e da minúcia oriunda das miniaturas. Os italianos
Giotto (1266-1336) e Masaccio (1401-1428) antecipam essa libertação. Na
transição da pintura gótica para a pintura renascentista, ocorre acontecimento
de enormes consequências na técnica de pintar - descobre-se ou aperfeiçoa-se
a pintura a óleo, isto é, tintas dissolvidas em óleo de linhaça. Atribui-se esta
descoberta ou aperfeiçoamento ao flamengo chamado Jan Van Eyck, autor de
obras celebradas pela precisão da análise, segurança técnica, colorido e perfeita
conservação até hoje. (TASCA, s/d, s/p)
Em meados do século XV, com a volta dos papas de Avinhão para Roma,
esta adquire o seu prestígio. Protetores das artes, os papas deixam o palácio de
Latrão e passam a residir no Vaticano. Ali, grandes escultores se revelam o maior
dos quais é Michelangelo, que domina toda a escultura italiana do século XVI.
Principais Características: buscavam representar o homem tal como ele é na
realidade; proporção da figura mantendo a sua relação com a realidade;
profundidade e perspectiva; estudo do corpo e do caráter humano.
O Renascimento Italiano se espalha pela Europa, trazendo novos artistas
que nacionalizaram as ideias italianas. São eles: Durer, Hans Holbein, Bosch e
Bruegel.
(MARTINS, IMBROISI, s/d, s/p).
1.10 MANEIRISMO
Não houve, durante a vigência deste estilo artístico ocorrida entre a alta
renascença e o barroco, uma negação ao sentido clássico por completo e sim
uma nova forma de enxergá-la e reproduzi-la como referencial estético, em
busca de uma nova arte. Era uma época de conflito entre o tradicional e o
inovador na esfera das artes em geral. Dentre os artistas maneiristas podemos
citar Giorgio Vassari, Andrea Palladio, Giovanni da Palestrina, Giuliu Romano,
entre outros que se destacaram na pintura, escultura, arquitetura e na música.
O Maneirismo começou a declinar na Itália no fim do século XVI. (REBOUÇAS,
s/d, s/p)
Para Sousa (s/d, s/p) o caráter transitório que marcou os primeiros tempos do
período moderno é alvo de um amplo estudo que se esforça em considerar as
permanências e transformações experimentadas neste período. A expansão
marítima, o Renascimento, a descoberta do Novo Mundo, as novas religiões
protestantes, a consolidação do poder monárquico integram uma gama de
acontecimentos complexos que irão reverberar nas diversas instâncias de ordem
social, política e econômica.
Nos anos 60, conforme Santana (s/d, /p) a matéria gerada pelos novos
artistas revela um caráter espacial, em plena era da viagem do Homem ao
espaço, ao mesmo tempo em que abusa do vinil. Nos 70 a arte se diversifica,
vários conceitos coexistem, entre eles a Op Art, que opta por uma arte
geométrica; a Pop Art, inspirada nos ídolos desta época, na natureza celebrativa
desta década – um de seus principais nomes é o do imortal Andy Warhol; o
Expressionismo Abstrato; a Arte Conceitual; o Minimalismo; a Body Art; a
Internet Street e a Art Street, a arte que se desenvolve nas ruas,
influenciada pelo grafit e pelo movimento hip-hop. É na esteira das intensas
transformações vigentes neste período que a arte contemporânea se consolida.
Ela realiza um mix de vários estilos, diversas escolas e técnicas. Não há uma
mera contraposição entre a arte figurativa e a abstrata, pois dentro de cada uma
destas categorias há inúmeras variantes. Enquanto alguns quadros se revelam
rigidamente figurativos, outros a muito custo expressam as características do
corpo de um homem, como a Marilyn Monroe concebida por Willem de Kooning,
em 1954. No seio das obras abstratas também se encontram diferentes
concepções, dos traços ativos de Jackson Pollok à geometrização das criações
de Mondrian. Outra vertente artística opta pelo caos, como a associação
aleatória de jornais, selos e outros materiais na obra Imagem como um centro
luminoso, produzida por Kurt Schwitters, em 1919.
Para Senday (2010, s/p) nos primeiros anos do século XX, inicia-se em São
Paulo o processo de industrialização do país. Produziam-se, além de
manufaturados, contingentes de trabalhadores operários: homens, mulheres e
crianças, que, submetidos às condições mais aviltantes de trabalho, ocupavam
as fileiras de produção. Enquanto isso, a decadente elite do café, já deficitária,
ostentava um alto padrão de vida, sustentado pela política dos governadores,
que, para evitar a queda de preço do produto, compravam os excedentes,
socializando apenas os prejuízos. A grande paralisação de operários, em 1907,
a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, o Tenentismo, em 1922, somados
aos ecos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), evidenciaram o esgotamento
da estrutura de poder no primeiro quarto deste século no Brasil. Junto com a
estrutura sociopolítica, esgotara- se a arte que ela sustentava, de modo que,
concomitante àqueles acontecimentos, os próprios artistas denunciavam a crise
da cultura e da arte brasileira e a necessidade de sua transformação. Assim,
antes mesmo da Semana de 22, são notáveis os seguintes eventos:
1912: Oswald de Andrade volta da Europa e começa a divulgar o Futurismo, de
1914: Anita Malfatti faz sua primeira exposição de pintura não acadêmica. Uma
série de artigos sobre o Futurismo sai em O Estado de S. Paulo;
- A semana: para Senday (2010, s/p) patrocinada pela elite letrada dos
“quatrocentões paulistanos”, a Semana “foi ao mesmo tempo, o ponto de
encontro das diversas tendências modernas que desde a I Guerra se vinham
firmando em São Paulo e no Rio, e a plataforma que permitiu a consolidação de
grupos, a publicação de livros, revistas e manifestos, numa palavra, o seu
desdobrar-se em viva realidade cultural”. Ocorreu em três noites, 13, 15 e 17 de
fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo. Na primeira noite (13 de
fevereiro), Graça Aranha, que, como membro da Academia Brasileira de Letras,
conferia ao evento um ar de respeitabilidade, profere a conferência Emoção
Estética da Arte Moderna, ilustrada com poemas declamados por Guilherme de
Almenida e Ronald de Carvalho, acompanhados por Ernâni Braga ao piano,
executando, de Eric Satie, a paródia da Marcha Fúnebre de Chopin. Na segunda
noite (15 de fevereiro), começa com um discurso de Menotti del Picchia
sobre romancistas contemporâneos, acompanhado por leitura de poesias e
números de dança. É aplaudido. Segue-se um trecho da conferência:
“queremos lua, ar, ventiladores, aeroplanos, reivindicações obreiras, idealismos,
motores, chaminés de fábricas, sangue, velocidade, sonho na nossa arte. E que
o rufo do automóvel, nos trilhos de dois versos, espante da poesia o último deus
homérico, que ficou, anacronicamente, a dormir e a sonhar, na era do jazz band
e do cinema, com a flauta dos pastores da Arc dia e dos seios de Helena! ” Mas,
quando foi anunciado Oswald de Andrade, começaram as vaias e insultos na
plateia. É lido o poema, Os Sapos, de Manuel Bandeira, por Oswald de Andrade.
As vaias só param quando sobe ao palco a aclamada pianista Guiomar Novais.
Após, Mario de Andrade, sob vaia, lê poemas que constituíram o livro A Escrava
que não é Isaura, Renato de Almeida critica o Parnasianismo e Villa-Lobos entra
no palco de chinelos (pois teria um calo no pé) e guarda-chuva, indignando o
público. A terceira e última noite (17 de fevereiro) é totalmente dedicada à
música de Villa-Lobos. As vaias continuam até que a maioria pede silêncio para
ouvi-lo. Os instrumentistas tentam executar as peças incluídas no programa
apesar do barulho feito pelos espectadores e levam o recital até o fim.
3. FILOSOFIA DA ARTE
No que se refere à filosofia da arte, segundo Vaccari (2009, s/p) a sua definição
e datação é um pouco mais complexa, e isso por vários motivos. Entre eles, está
o de que não se tem registro de um determinado autor que tenha criado esse
termo e o tenha definido, tal como Baumgarten o fez com a estética. De fato,
embora se precise mais ou menos o mesmo século XVIII como o século de
nascimento da chamada filosofia da arte, atribui-se a esse nascimento antes
todo um movimento filosófico do que um ou outro autor. É comum dizer que a
filosofia da arte teve seu início no círculo de filósofos do chamado idealismo
alemão, que, dependendo de como o enxergue, se inicia com o grande seguidor
da filosofia kantiana, J. Gottlieb Fichte (1762- 1814) passa por Friedrich Schiller
(1759- 1805), Friedrich W. J. Schelling (1775-1854), por Friedrich Holderlin
(1770-1843) e termina no grande sistema do idealismo alemão de G. W.
Friedrich Hegel (1770-1831). Como se pode ver pelos temas tratados por todos
esses pensadores, a arte constituiria, senão o mais importante, ao menos um
dos mais relevantes temas do pensamento de cada um deles e de todo esse
movimento. E, embora não seja costume chamá-lo filósofo, não se pode
esquecer o fato de que todos esses pensadores possuíam uma ligação visceral
com a obra e a pessoa do chamado pai da língua alemã, o poeta Johann
Wolfgang von Goethe (1749-1832).
Essa ligação, não apenas com Goethe, mas de todos esses nomes entre
si e em torno de um mesmo ideal, definiu essa nova postura do pensamento
filosófico, a qual hoje se dá o nome de filosofia da arte. Esse ideal, como se
poderia ver já pelos escritos de todos eles, referia-se ao interesse preponderante
pela criação e pela obra de arte em geral e, dentro desta, pela poesia.
4. SOCIOLOGIA DA ARTE
A criação artística possui desta forma, uma vertente coletiva, experimentada por
uma comunidade, e uma vertente individual, o conjunto se sensações de cada
homem per si. O desejo de dar forma, de usar da sensibilidade estética própria
para criar, é o aspecto fundamental da faceta individual da arte: é-se artista,
intimamente, para além da envolvente. No entanto, o artista é membro de uma
comunidade, tem à sua disposição os materiais e as condições de criação
inerentes ao seu lugar e ao seu tempo; além disso, o artista produz não apenas
para si próprio, mas para a sua comunidade. Nesta acepção, o artista é um
produtor social, como a sua arte é um produto social. Analisemos com maior
profundidade: o Homem, produzindo objetos que têm em vista a experiência
estética (ou, de outra forma, objetos estéticos), funciona como um produtor
social, uma vez que, ainda que o não faça voluntariamente, produz para os
outros. Os outros irão experimentar os seus objetos, poderão ser por eles
tocados de variados pontos de vista (estético, econômico, funcional, político,
religioso e tantos outros). O objeto artístico assume papéis sociais tão mais
complexos e abrangentes quanto mais conhecidos e mais experimentados.
Voltando a referir Bourdieu, valerá a pena refletir no que este autor afirma
a propósito do acesso à arte (por exemplo, no que se refere ao ingresso nos
museus onde a arte está disponível): o acesso verifica-se, depende
estatisticamente do nível de instrução (isto é dizer, do número de anos passados
na escola). Por outras palavras, a arte é produtor social, sim, mas de grupos
restritos da sociedade; grupos que tendem a perpetuar-se como tal, produzindo
e gozando os resultados dessa produção quase em ciclo fechado; reproduzindo-
se socialmente, para usarmos a linguagem do autor. Por outro lado, o objeto
estético, artístico, é também um produto social: tudo o que envolve a sua
produção aponta nesse sentido. O artista não é um ser isolado, imune e
intangível; quando o objeto é produzido é para um público (real ou potencial) e
muitas vezes o artista recorre a colaboradores na execução do seu objeto; a
própria produção material do objeto, recorrendo a instrumentos e a meios
técnicos, é uma produção que está imbuída de social; o artista integra-se ou
destaca-se de “escolas” e de “estilos”, teme ou despreza a “concorrência”, mas,
inevitavelmente, não pode deixar de existir e de produzir num meio socialmente
ativo e influente; o objeto artístico é, ainda, produto social pela própria
universalidade da linguagem estética, independentemente dos padrões de belo
que cada sociedade adota ou rejeita; finalmente, a produção do objeto estético
encerra objetivos, almeja fins, e, nessa perspectiva, não pode deixar de ser
olhado também como produto social, mesmo quando esses objetivos e esses
fins pareçam ser apenas do íntimo do seu produtor. (INFOPÉDIA, s/d, s/p)
5. ANTROPOLOGIA DA ARTE
origens, definições, o pensamento dos filósofos, 1. É essencial que ela seja justa –
valores éticos. Ética na educação, pela ótica dos que haja oportunidade para todos;
parâmetros curriculares nacionais, os
pressupostos vinculados à ética e as relações 2. É essencial que ela seja livre –
humanas, o trabalho em equipe e a qualidade no que a vontade educada torne a liberdade
atendimento público. responsável;
O módulo tem como objetivo geral levar 3. É vital que ela seja solidária –
o profissional a perceber que a ética permeia todo que haja compromisso com o bem pessoal e o
a vida do sujeito, quer seja no ambiente pessoal bem comum.
quanto profissional.
Ética da simulação ou meia-ética são certamente pode servir de modo indireto como
mentiras inteiras que não resistem à verdade, no orientação moral para os que pretendam agir
tempo, mas estão ai camufladas no meio social e racionalmente no conjunto da sua vida.
nosso interesse é justamente levá-los a refletir
que o compromisso com a sociedade, o respeito 1.1 Origens
à dignidade humana passam necessariamente
pela ética, onde quer que esteja o profissional, na Ética é uma palavra de origem grega,
educação, nos serviços de saúde, na com duas origens possíveis. A primeira é a
administração pública, no meio empresarial, ele palavra grega éthos, com e curto, que pode ser
deve permear seu viver na ética. traduzida por costume, a segunda também se
escreve éthos, porém com e longo, que significa
Para que sejam cumpridas as funções propriedade do caráter. A primeira é a que serviu
básicas da sociedade, são imprescindíveis de base para a tradução latina Moral, enquanto
desenvolverem-se, igualmente, três que a segunda é a que, de alguma forma, orienta
capacidades, eminentemente éticas: a utilização atual que damos a palavra Ética
(GOLDIM, 2000).
Liderança integrada – não
basta que haja líderes, eles devem estar Ética é a investigação geral sobre aquilo que é
integrados por verdades comuns; bom.
Para os filósofos cínicos, a felicidade era Mas, além disso, ela nos proporciona
identificada com o poder sobre si mesmo ou critérios racionais para averiguar que tipo de
autossuficiência (em grego, autárkeia) e é comportamentos, quais virtudes, em suma, que
alcançada eliminando-se da vontade todo o tipo de caráter moral é o adequado para essa
supérfluo, tudo aquilo que fosse exterior. finalidade.
Defendiam um retorno à vida da natureza, errante
e instintiva, como a dos cães. Desacreditavam as Desse modo, Aristóteles entende a vida
conquistas da civilização, suas estruturas moral como um modo de “auto- realização” e por
jurídicas, religiosas e sociais. isso dizemos que a ética aristotélica pertence ao
grupo de éticas eudemonistas, porque assim se
Para os estóicos, a felicidade aprecia melhor a diferença em relação a outras
consiste em viver de acordo com a lei racional éticas. Para ele os valores seriam:
3
Um filósofo grego do período helenístico. Seu
pensamento foi muito difundido e numerosos 1- Próprias do intelecto teórico:
centros epicuristas se desenvolveram na
Jônia, no Egito e, a partir do século I, em Inteligência (nous)
Roma, onde Lucrécio foi seu maior divulgador
Ciência (episteme)
da natureza e aconselha a indiferença (apathea)
em relação a tudo que é externo. O homem sábio Sabedoria (Sofia)
obedece à lei natural reconhecendo-se como
uma peça na grande ordem e propósito do 2- Próprias do intelecto prático:
universo, devendo assim manter a serenidade e
indiferença perante as tragédias e alegrias. Prudência (frónesis)
Magnificência (megaloprepéia)
Magnanimidade (megalofijía)
(CORTINA; MARTÍNEZ, 2009).
1
Max Scheller (1874-1928) foi um filósofo
fenomenologista, preocupado especialmente com a
filosofia dos valores.
– e outra à aplicação deste à vida cotidiana metafórico, aplicando-a à ação educadora”
(CORTINA; MARTÍNEZ, 2009). (JAEGER, 1986, p. 09-10).
Dito isso, pensar a correlação entre ética Logo ao nascer, o ser humano se
e educação na sociedade brasileira significa relaciona com regras e valores da sociedade em
pensar a sociedade como um todo e todos os que está inserido. A família é o primeiro espaço
seus espaços públicos como agentes de de convivência da criança. Ao lado da família,
educação que devem ser livremente acessados outras instituições sociais veiculam valores e
pelos diferentes componentes da espera pública desempenham um papel na formação moral e no
da sociedade, de toda a sua diversidade. A desenvolvimento de atitudes. A presença
educação para a ética ou uma educação ética constante dos meios de comunicação de massa
pressupõe a construção de sociedades nos espaços públicos e privados, conferem a eles
verdadeiramente democráticas (SANTOS, 2001). um grande poder de influência e de veiculação de
valores, de modelos de comportamento. A
Nesse sentido, podemos dizer que a religião contribui da mesma forma. As várias
tradição filosófica nos ensinou algo que talvez instituições sociais, motivadas por interesses
seja sábio recuperar: a ética se ensina permitindo diversos concorrem quando buscam desenvolver
o convívio entre os diferentes nos diferentes atitudes que expressam valores. Os indivíduos
espaços públicos nos quais se possam expressar transitam por algumas dessas instituições
durante toda a sua vida; em outras, por períodos A escola, como uma instituição pela
determinados; e em outras, ainda, nunca qual espera-se que passem todos os membros
transitarão (CAMARGO E FONSECA, 2006). da sociedade, coloca-se na posição de ser mais
um meio social na vida desses indivíduos.
A ética depende do tipo de relação social Também ela veicula valores que podem
que o indivíduo mantém com os demais e, convergir ou conflitar com os que circulam nos
segundo os autores acima, existem tantos tipos outros meios sociais que os indivíduos
de moral como de relações sociais. A moral é frequentam ou a que são expostos. Deve,
imposta a partir do exterior como um sistema de portanto, assumir explicitamente o compromisso
regras obrigatórias, muitas vezes difícil de ser de educar os seus alunos dentro dos princípios
compreendida. Tamanha é a interferência da democráticos. Se entendida como apenas mais
diversidade cultural que é explanado no PCN: um meio social que veicula valores na vida das
pessoas que por ela passam, a escola encontra
O fato é que, inevitavelmente, os seu limite na legitimidade que cada um dos
indivíduos se constituem como tais convivendo indivíduos e a própria sociedade conferir a ela
simultaneamente com sistemas de valores que (CAMARGO E FONSECA, 2006).
podem ser convergentes, complementares ou
conflitantes, dentro do tecido complexo que é o Se entendida como espaço de práticas
social. As influências que as instituições e os sociais em que os alunos não apenas entram em
meios sociais exercem são fortes, mas não contato com valores determinados, mas também
assumem o caráter de uma predeterminação. A aprendem a estabelecer hierarquia entre valores,
constituição de identidades, a construção da ampliam sua capacidade de julgamento e a
singularidade de cada um, se dá na história consciência de como realizam escolhas,
pessoal, na relação com determinados meios ampliam-se as possibilidades de atuação da
sociais; configura-se como uma interação entre escola na formação moral, já que se ocupa de
as pressões sociais e os desejos, necessidades uma formação ética, para formação de uma
e possibilidades afetivo-cognitivas do sujeito consciência moral reflexiva cada vez mais
vivida nos contextos socioeconômicos, culturais e autônoma, mais capaz de posicionar-se e atuar
políticos (BRASIL, 1998, p. 62). em situações de conflito.
O que une os ludologistas, antes mesmos de suas O que chama de “possibilidades retóricas” refere-se
argumentações teóricas, é a agenda pautada na criação às “diferenças cruciais” entre “representação” e
de uma disciplina ou campo de estudos autônomo que “simulação”. Para ilustrar a diferença, o autor utiliza o
enxergue o videogame como forma em si mesmo. Para exemplo de um carrinho de brinquedo que, para além
manter tal agenda, contudo, primeiro atacam os de “representar” a forma e as cores de um carro real,
narratologistas e só depois argumentam em favor dos “simula” seu comportamento. Brincar com o carrinho
games, de modo que, no mais das vezes, suas idéias e gera diferentes interpretações, causadas pela
teorias parecem vir a tona para preencher um vazio que experiência particular que cada jogador tem com o
eles mesmos criaram, tornando-se negação, antes de modelo. Tais interpretações não dependem apenas da
proposição. idéia que o observador tem do referente (um carro
“real”), mas da idéia que ele tem do modelo
Aqui, obviamente, não é o caso de nos atermos a propriamente dito [Frasca 2001].
uma agenda negativa, de encontrar, na oposição aos
ludologistas, a causa única desta ou de qualquer outra De fato, uma simulação pode ser descrita, acima de
pesquisa (como eles parecem por vezes fazer em suas qualquer outra coisa, por sua qualidade de modelar o
próprias pesquisas). Ocorre que falar de qualquer comportamento de um sistema através de um sistema
possibilidade narrativa no campo de estudo dos games mais simples. Contudo, nem Frasca define o que está
passou a implicar a compra de uma briga, de modo que chamando de “representação”, nem muito menos se dá
até mesmo uma estudiosa de renome internacional o trabalho de ir mais longe na história ou epistemologia
como a profa. Janet Murray já se dispôs a iniciar uma para indagar quais possíveis relações haveria entre uma
fala, na Conferência Internacional da Digital Games “possibilidade retórica” e outras. Em favor dessas
Research Association (Digra) de 2005, praticamente essenciais propriedades da simulação, aliás, Frasca
“defendendo-se” da “acusação” que paira contra ela e chegou a propor em seu mestrado [2001] – por ironia,
alguns colegas acima mencionados da “colonização” orientado pela “narratologista” Janet Murray – um
de usar conceitos advindos dos estudos narratológicos modelo semiótico com um quarto signo, o
para pensar o game ou qualquer forma interativa e “interpretamen”, alegando que o modelo triádico
digital. Em seu bem humorado keynote speach, exaustivamente proposto por Charles S. Peirce
Murray, que, por artimanha da organização do evento, simplesmente não pode dar conta das tais
foi chamada ao palco por Espen Aarseth, brincou com “possibilidades retóricas” da simulação. Emprestando a
a “satanização” dos narratologistas e contemporizou a idéia geral de “modelo mental”, Frasca propôs que o
relação entre jogos, linguagem e narrativa na evolução “interpretamen” está para o representamen como o
humana . interpretante para o objeto.
A simples menção da palavra “narrativa” no meio dos Possivelmente alertado das incongruências de sua
“game studies” tem automaticamente criado proposta, uma vez que se baseia numa concepção
dicotomias indesejáveis que cabe a nós aqui refutar, completamente equivocada dos conceitos de signo
sem a intenção de defesa ou agenda única, mas apenas objeto e interpretante, Frasca felizmente tem deixado
para recontextualizar apropriadamente o campo que de mencioná-la, atendo-se à análise do game/simulação
pretendemos abordar. Concedendo-nos o direito de como formato discursivo, com argumentações por
encará-los como grupo coeso (para fazê-los provar de vezes muito felizes, mas ainda negligenciando alguns
seu próprio “veneno), lancemos aqui um olhar às suas conceitos, sobretudo o que entende por
idéias. “representação”.
ludologistas faz com que misturem bons argumentos –
“os games como objeto de estudo autônomo” – com
Ora, seguindo Bunge, que caracteriza a críticas tão parciais quanto as que alegam querer
representação como “uma sub-relação da simulação” combater –“os games são autônomos em relação à
apud Santaella [2001], ou seja, ainda um tipo de narrativa, mas não a todo e qualquer tipo de jogo
simulação, parece-nos pouco produtivo tomar anterior ao digital”.
o caminho de Frasca e considerar que, semioticamente,
tais processos sejam tão absolutamente distantes – e Antes de qualquer outra coisa, é interessante
um “claramente” mais rico que o outro. Seguir por essa conseguir olhar para trás e buscar, na milenar história
linha seria não apenas historicamente irresponsável – dos jogos, idéias e vocabulário que possam apresentar
pois deixaria para trás todos os mais ricos caminhos para olharmos os videogames de maneira
procedimentos de representação (e questionamento nova. Definitivamente, jogar e narrar são coisas
desta) pela arte – como de uma enorme complacência diferentes e é preciso encarar tudo que esse
em relação aos processos envolvidos na apreensão de agenciamento através do jogo traz para um formato
qualquer objeto, no que diz respeito à eterna lacuna como o videogame, seja isso uma grande novidade ou
que o leitor (no sentido maior do termo) sempre será não. Ao mesmo tempo, o game não é a primeira prática
obrigado a tentar transpor como razão mesma de ser da interativa a surgir no mundo com pretensão sígnica
comunicação. A premissa de Frasca, de que, para diferente de jogos per se ou mesmo de esportes. A
compreender uma simulação, é necessário ao leitor ter performance, os happenings e parte da arte
uma idéia a priori do sistema que este modela parece- contemporânea podem trazer questões tão importantes
nos embebida de um “neo-platonismo” tão ralo e quanto a(s) teoria(s) do jogo para a análise desse
ingênuo que beira a farsa. formato. Como justamente insistem os ludologistas,
mas esquecem-se na hora que lhes convém, se há
2.2 Um jogo é um jogo videogames com clara ligação com o universo pré-
digital de jogos, há também games cuja linhagem
Outro caminho da argumentação dos ludologistas evolutiva remete claramente a formas textuais e
baseia-se na tentativa de inscrever os games na narrativas, como os jogos de aventura em texto – estes
genealogia do jogo como forma pré-eletrônica. Quem mesmos, herdeiros da literatura a la Tolkien.
vai mais longe nesse caminho é Juul, cujo livro Half-
Real: Video Games between Real Rules and Fictional Como já argumentamos em Gomes [2006], os
Worlds [2005] direciona boa parte de seu esforço para jogos de personagem, sobretudo em sua versão de
recompor a história do jogo e suas diversas definições “quest games”, são um prolongamento audiovisual de
por teóricos como Johan Huizinga, Roger Caillois e jogos de texto como Adventure ou Zork e não de
outros. Para seguir essa linha de investigação, Juul vai formas como xadrez, go ou futebol. É possível
definir não apenas o que é ou pode ser jogo, mas enxergar, em sua forma textual, o embrião do que viria
também – felizmente! – algumas maneiras como o a ser a própria definição dos quest games, o que vai
videogame modifica essas definições. Para apontar muito além da simples temática. Ambos os jogos – em
algumas maneiras como os videogames se diferenciam linguagens totalmente diferentes – se definem a partir
do modelo clássico, Juul cita apenas o fato de o da habitação de um espaço, onde são colecionados
computador controlar as regras, o que libera os itens, utilizáveis para a solução de desafios. Nesse
humanos de controlá-las, permite que se tornem cada espaço, o interator encontra outros personagens,
vez mais complexas, permite a existência de jogos em percorre ambientes, interage com objetos, luta contra
que as regras são descobertas durante o jogar e a inimigos, até chegar ao final de sua jornada. Se isso
possibilidade de jogos abertos, onde o final não é um não está relacionado a séculos de narrativa, alguém
claro ganhar ou perder, entre outras coisas. precisa avisar Joseph Campbell (onde quer que ele
esteja!...)
Markku Eskelinen [2001] também ridiculariza a
prerrogativa de estudar os games a partir de qualquer 2.3 Ludologia & Narratologia
outra coisa, que não das teorias gerais sobre jogo: “fora
da academia, as pessoas normalmente têm grande De uma coisa, entretanto, os ludologistas têm razão:
facilidade em distinguir jogos e histórias. Se eu jogo passou-se muito tempo até que estudiosos dessem ao
uma bola pra você, você não a solta e espera que passe game a real importância como objeto de estudo, para
a contar histórias”. aquém e além de suas possibilidades narrativas. Mas
isso não é responsabilidade única dos estudiosos – e
Ora, nada contra a inserção do videogame na não nos parece que pessoas advindas de campos de
linhagem dos jogos e, certamente, tudo em favor de pesquisa os mais diversos devam carregar para sempre
entender suas novas características, mas parece-nos um a pecha de “colonizadores” por terem usado, num
contra-senso aceitar que seja possível inserir os games primeiro momento, o ferramental de que dispunham
na linhagem evolutiva dos jogos, entendendo suas para analisar uma forma reconhecidamente nova.
semelhanças e diferenças em relação a estes (como Assim, não nos parece surpresa ou pecado que tenham
quer Juul) e, por outro lado, negar com veemência se chamado por muito tempo os games de “narrativas
qualquer relação dos games com outras formas interativas”, no balaio de várias outras formas digitais,
expressivas anteriores a eles, como a narrativa
diegética ou dramática. O “viés de confirmação” dos
maneira como entendemos, a narrativa é uma forma
muito antiga de organização da experiência. Se nos
como a literatura em hipertexto e o já quase sepultado remetermos pelo menos até Homero, estaremos falando
“cinema interativo”, mas o certo é que esse tempo de uma tradição que remonta aos séculos VII/VIII a.C..
passou e é bom que tenha passado. Parte disso deve-se Uma vez que a teoria corrente aponta Homero (tendo
ao patrulhamento dos ludologistas, mas já há alguns ele existido ou sido tão mítico quanto suas narrativas)
anos a briga em questão vem sendo esvaziada, mantida como o sistematizador de toda uma tradição oral que o
mais como território de poder do que como questão precede, é possível enxergar raízes ainda mais
conceitual. longínquas à forma narrativa [Parry 1987]. Contudo,
tendo se dado na oralidade primária, antes da invenção
Por outro lado, há meros quatro ou cinco anos, por da escrita, é muito difícil saber exatamente sua forma,
exemplo, era muito maior que hoje o número de games de modo que partimos da “obra de Homero” como
que pareciam tentar se portar deliberadamente como registro, já modificado, que aponta para algumas
uma “narrativa interativa”, obedecendo estritamente características da tradição narrativa oral.
àquilo que Juul [2005] chamou de estrutura de
progressão e, portanto, cabendo bem mais claramente Assim, quando falamos da narrativa como forma de
numa análise pautada por questões e conceitos organizar a experiência, estamos pensando nela não
advindos do cinema. A quantidade de vídeos pré- como uma forma acabada, autoconsciente e
renderizados que costuravam as fases do jogo – e ainda deliberadamente artística, mas uma forma fluida,
costuram – deixava clara a intenção narrativa desses comunal, que emergiu nas sociedades orais a partir da
games e, mesmo hoje, quando parece se popularizar o necessidade vital de, pela linguagem verbal oral, dar
paradigma dos sandbox games, mais aberto e sentido à experiência do vivido. Ong [1998] explica
complexo, implementado pela franquia Grand Theft que, nas culturas primariamente orais, onde a escrita
Auto, a progressão (mais ou menos) linear ainda sequer é concebível, a narrativa serve para “unir o
impera. Ou seja: a relação que muitos fizeram entre pensamento de modo mais compacto e permanente do
game e narrativa pode ser tudo, menos absurda ou que outros gêneros”. A tradição narrativa oral,
arbitrária. portanto, nasce e se desenvolve em torno da
necessidade de sistematizar a experiência em forma de
Isso, contudo, não impede que reconheçamos que conhecimento.
tal missão, excessivamente devedora de um molde
poético cunhado pelo cinema – e por um tipo de Enxergando-a como uma forma expressiva que
cinema, em sua versão hegemônica – esteja felizmente emerge da necessidade de organizar a experiência,
sendo reformulada, a revelia, inclusive, do desejo de acreditamos que a narrativa transcende os meios que a
muitos,
qualquerentre acadêmicos,
campo de estudosjogadores e empresários
seja reconhecer da
o que ele incorporam, tendo existido mais funcionalmente na
indústria do game. E que um primeiro passo em oralidade, evoluído e se modificado no texto
manuscrito, no texto impresso, mas também, em sua
realmente é e não o que desejamos que fosse, forma mimética, no teatro, no cinema, na televisão,
sobretudo se esses desejos vierem perigosamente entre várias formas presentes e outras que,
mapeados por agendas de áreas já estabelecidas, cujas acreditamos, ainda hão de surgir. A cada um desses
características intrínsecas divergem fortemente da área meios a narrativa se amolda de maneira diferente, em
em questão. diálogo com o contexto histórico, fazendo-se valer das
características intrínsecas a cada um para criar
Isto posto isso, demos aos ludologistas o benefício diferentes possibilidades que, contudo, de alguma
da dúvida e redirecionemos a questão da seguinte maneira, continuam reorganizando o fluxo da
forma, como propõe, muito lucidamente, Marie-Laure experiência vivida.
Ryan [2004], quando afirma que não é possível negar a
existência de narrativas interativas, mas as pergunta a Em consonância com Ong, Ryan [2004] propõe
serem feitas são outras: as propriedades mais claras do definir a forma narrativa não a partir de seu nível de
digital ajudam ou atrapalham a criação de sentido discurso, mas sim das particularidades no nível da
narrativo? Quando um texto interativo atinge coerência história (partindo da distinção formalista entre fabula e
narrativa, ele o faz trabalhando a favor ou contra o siujet e indo de encontro à tradição estruturalista, que
meio digital? propôs igualar a narrativa a uma estrutura gramatical).
Narrativa, para Ryan, é uma imagem mental, uma
E ainda refazendo a pergunta em nossos próprios construção cognitiva feita pelo leitor em resposta a um
termos: por que abordar os games a partir do viés texto.
narrativo?
Para um texto ser considerado narrativo, portanto,
3. Qu’est-ce que la narrative? ele não precisa ter uma forma em particular, mas, sim,
deve ser capaz de evocar uma determinada imagem
Parece-nos que o único caminho proveitoso de ainda mental no intérprete. Para que o texto possa ser
abordar um universo de games a partir de um enfoque qualificado de narrativa, essa imagem mental tem de
narrativo precisa, antes de qualquer outra coisa, ter as seguintes qualidades:
trabalhar com uma nova definição de narrativa. Da
3.1 Quem conta um conto?
1. Precisa criar um mundo e populá-lo com
Um dos pontos mais frágeis na argumentação dos
personagens e objetos;
ludologistas – e que nos faz adotar o conceito de
2. Tal mundo precisa sofrer mudanças causadas
narrativa proposto por Ryan – é a insistência na
por eventos extraordinários: acidentes ou
utilização da expressão “storytelling” como definidora
ações deliberadas. Tais mudanças criam uma
de toda e qualquer possibilidade narrativa. É natural a
dimensão temporal e colocam o mundo
utilização da expressão, uma vez que ela parece estar
narrativo no fluxo da historia;
internalizada até mesmo nos cineastas em Hollywood,
3. O texto precisa permitir a construção de uma
que se auto-intitulam “contadores de histórias” (e não,
rede interpretativa de objetivos, planos,
por exemplo, “mostradores de histórias”). Tal
relações causais e motivações psicológicas em
expressão não encontra um equivalente tão coloquial
torno dos eventos narrados. Essa rede
em português, podendo ser traduzida como “o ato de
implícita dá coerência e inteligibilidade aos
contar uma história” ou “contação de histórias”. Não
eventos materiais e os transforma num enredo
obstante, remete-nos de forma incômoda à definição de
[Ryan 2004].
narrativa como estando estritamente associada à
a autora chama de um “script narrativo”. Contudo, não presença mesma de um narrador – definição pela qual
Os textos que cumprem tais condições criam o que
é necessária uma construção deliberadamente narrativa as formas miméticas do cinema e do teatro teriam que
para que tal script se forme em nossa mente. É possível ser consideradas proto-narrativas, a menos que
que tais imagens venham à mente em resposta a formas associadas à narração em off ou ao coro. Se é possível,
não deliberadamente narrativas, como por exemplo, a contudo, formar um script altamente narrativo a partir
própria vida cotidiana. de imagens em movimento – e a linguagem canônica
era uma forma bem acabada antes do advento do som
no cinema – não faz sentido insistir apenas no
“ser uma narrativa” e “possuir narratividade”, em que “storytelling”, mesmo que como uma metáfora.
A partir disso, a autora propõe a distinção entre
ser
semióticas que arranjam sua linguagem de forma a Obviamente, o que alegamos que um game faz em
uma narrativa é propriedade de construções
intencionalmente provocar scripts narrativos na mente termos narrativos é bem diferente do que faz um filme
de seus leitores, enquanto possuir narratividade implica e, mais ainda, um romance; não fosse tão diferente, não
apenas ser capaz de evocar tal script em algum nível. haveria novo objeto de estudo. Desse modo, a instância
Dessa forma, é possível pensar em narrativas per se de que, nos modos diegético ou mimético “tradicionais”,
baixa deliberadamente (re)organiza os eventos da história
difícil criar uma relação de causalidade, como tantos da sob um determinado viés historicamente construído e
narratividade – textos fragmentários, onde é
literatura pós-moderna, por exemplo – e não-narrativas compartilhado de modo a comunicá-los numa ordem
de alta narratividade, ou seja, eventos que não foram determinada, gerando este(s) ou aquele(s) efeito(s),
construídos com o intuito de “contar uma história”, certamente não existe da mesma forma no game.
mas que, a despeito disso, são capazes de evocar na Neste, como defendemos, a ação do personagem é
mente de quem os vê, lê ou mesmo os vive (ou, como instanciada pelo jogador e mesmo os objetos e agentes
defendemos, implementados pelo programa só entram em ação em
termos de ações, agentes, relações causais, motivações, resposta às atitudes do personagem/interator.
os joga), ricos scripts narrativos em
objetivos e afins.
Afora os elementos narrativos pré-determinados,
como os vídeos, que não nos interessam acima do
como essa construção cognitiva – e não apenas como jogar, não há, não deve e nem pode haver aquilo que,
É, portanto, partindo do entendimento da narrativa
um por exemplo, sempre caracterizou as narrativas
consideramos justo, possível e até natural lançar aos canônicas, sobretudo se tomarmos como molde a pièce
texto de um determinado formato – que
games um olhar que busque novas maneiras de evocar bien fait, que informa a criação do enredo impecável,
em onde tudo se amarra e, quando chega ao cinema,
caracterizá-los como uma forma narrativa em si ou incentivada por seu poder ilusionista, dá à noção de
nossas mentes esse script narrativo, seja para
apenas trama “provável e necessária”, de Aristóteles, uma
Neles, no ato de jogar e não apenas ao assistir aos nova razão de ser – buscada por noventa e nove entre
possuindo graus diferentes de narratividade.
vídeos pré-renderizados, algum tipo de script narrativo cem roteiristas ainda no mundo contemporâneo.
é
eventos, personagens, objetos podem dar a cada ação A partir disso, duas considerações: em primeiro
evocado em nossa mente. A partir desse script,
no jogo um sentido que vai além da atividade em si. lugar, essa forma fechada e acabada de enredo
Ou, em outras palavras, ao evocar scripts narrativos de unificado não existia na narrativa oral, tendo sido um
causalidade, motivações, reorganizamos a experiência efeito direto da escrita, sobretudo da escrita impressa,
do jogar de modo que sua carga narrativa seja tão sobre o material narrativo [Ong 1998] [Parry 1987];
importante quanto sua carga lúdica. em segundo, mesmo depois de sua existência, a forma
narrativa não se cristalizou, continuando fluida e
mutante a todo tempo e, no caso da narrativa
antropomórficas para a lógica do processo em si,
abrindo caminho para a mentalidade que segue se
contemporânea, claramente influenciada por idéias de aperfeiçoando como pensamento científico, cujo ápice
abertura e ambigüidade, elementos centrais à é mesmo a possibilidade filosófica de um demônio de
experiência narrativa no game, apontados, no mais das Laplace.
vezes, como defeitos dos games.
O paradigma mecanicista, em si mesmo uma
3.2 A narrativa já nasce fluida narrativa de causas e efeitos absoluta e
inexoravelmente amarrados, parece-nos, ao mesmo
Nas culturas primariamente orais, uma vez que a tempo, causa e sintoma de uma cosmovisão que
escrita sequer é concebível, é preciso utilizar-se de autoriza (e até obriga!) a conceber a narrativa como
recursos mnemônicos para manter a informação espelho de um mundo lógico, uma forma de dar
estocada e organizada. É daí que se desenvolvem os sentido à experiência e dela extrair sentidos unívocos,
cantos e poemas narrativos orais, cuja característica futuramente (no teatro burguês e no cinema, até hoje)
de modo éaa trazer
principal à formular.
natureza memória Os– ebardos,
em tempo real – os
cantadores firmemente calcados no moralismo, “teatro do bem e
e poetas dispunham de técnicas altamente padronizadas do mal” [Xavier 2003], forma pedagógica não mais de
reorganizar, mas de submeter a ação do homem a uma
conteúdos das narrativas que cantavam. lógica que lhe precede.
Isso influi diretamente nas possibilidades formais A termodinâmica, contudo, veio, muito
das narrativas orais, dando-lhes uma forma que sequer recentemente (se tomarmos como referência
é concebível a uma pessoa alfabetizada, uma vez que a Aristóteles e Homero!), complicar a vida desse
escrita, quando internalizada, modifica o próprio modo paradigma, introduzindo a idéia de irreversibilidade
de pensar do ser humano [Ong 1998] [Donald 2002] . dos processos – tornando o “Demônio de Laplace” não
Em sua pesquisa com cantadores analfabetos dos apenas uma questão de “capacidade de
Bálcãs, Parry [1987] pôde concluir que o conceito processamento”, mas uma improbabilidade conceitual.
mesmo de uma narrativa idêntica a outra existia de A noção de entropia instaura na ciência – e, cremos,
maneira totalmente diferente do que concebemos hoje. pouco a pouco, na visão de mundo do homem comum
Quando pedidos para repetirem um canto narrativo, os – a idéia de irreversibilidade.
poetas iugoslavos – a quem Parry defende serem os
mais parecidos com os antepassados de Homero – Essa idéia, cremos, tem feito mudar o paradigma
cantavam algo aproximado, mas julgavam ter cantado não apenas da ciência, mas, quem sabe, do estado da
algo idêntico. É apenas a partir da cultura escrita que arte no cinema narrativo, para dizer o mínimo. A partir
surgem noções cognitivas e culturais de um texto de manifestações do próprio cinema, da TV e da
matriz ou de uma obra fechada, a qual pode ser literatura, surge a hipótese de que a forma narrativa
repetida, copiada, porque existe como referência fora fechada, acabada, “autobastante” talvez não seja a
do poeta. forma narrativa por excelência, ou a única maneira de
concebê-la.
Com isso, queremos reafirmar que essa amarração
perfeita dos eventos em nexos causais, típica do Por um lado, e evocando todo o contexto histórico e
cinema canônico, por exemplo, não é propriedade estético em que essa forma nasce e cresce, parece-nos
totalmente inerente à narrativa – se a enxergarmos que ela sempre terá lugar no cardápio narrativo do
como construção cognitiva nascida na oralidade e que homem. Por outro, pouco a pouco, idéias mais voltadas
migra para outros meios –, mas efeito direto da escrita ao paradigma inaugurado pela termodinâmica parecem
na consciência humana, um traço evolutivo do se disseminar e fazer com que nossa inteligência
pensamento em si e que está associado, entre outras narrativa, entre outras coisas, se livre da lógica
coisas, à emergência de uma visão de mundo em que se exclusiva da peça bem feita e continue evoluindo. Se
buscam estabelecer causas incontornáveis e efeitos podemos realmente pensar a narrativa como uma
inexoráveis aos acontecimentos, um princípio para construção cognitiva que pretende refletir e
aquilo que se tornaria, no futuro, o paradigma sistematizar a experiência do homem no mundo, é
mecanicista. natural que sua forma mude junto a diferentes
cosmovisões, servindo, ao mesmo tempo, para também
O nascimento da escrita e a capacidade analítica modificá-las, como é natural em qualquer ecologia.
que ela possibilita estão, portanto, na raiz do
pensamento científico, em oposição ao pensamento 3.3 A narrativa evolui
“pré-lógico” do mundo oral. A partir disso é que se dá
a emergência real do pensamento abstrato, como Em diálogo com essa noção narrativa menos afeita ao
terceiro salto cognitivo-evolutivo da espécie humana enredo linear, cuja causalidade incontornável não é o
[Donald 2002]. A exteriorização do pensamento na máximo valor, nos vêm à mente, no universo
escrita possibilita que se amadureçam, entre outras audiovisual, algumas manifestações. De um lado, a
coisas, os elos de causa-e-efeito dos processos, o que clara utilização de “dispositivos” como “estratégia
passa pouco a pouco a constituir a forma mesma de narrativa capaz de produzir um acontecimento na
pensar do homem. Dentro desse cenário, o motor da
narrativa migra da arbitrariedade volitiva de entidades
competição da qual apenas um sairá vencedor – e com
um milhão de reais no bolso. Sem falar no dispositivo
imagem e no mundo” , onde o indício mais óbvio é a em si, que não deixa de dialogar com as regras de um
emergência massiva dos reality shows. De outro, o jogo – neste caso, um jogo de criação de sentido.
retorno das narrativas emergentes desses “filmes- Diversas peças da engrenagem são inventadas a cada
dispositivo” ao universo da ficção, como uma nova edição do programa, na tentativa de que cada
contaminação de vazios e nexos causais menos versão seja mais diferente e emocionante que a anterior
inequívocos, evidência perceptível já fora do círculo do – e, de fato, elas são sempre estranhamente iguais e
cinema de arte, em séries de TV e filmes de maior diferentes ao mesmo tempo.
apelo de público.
Para tanto, são essenciais as noções de tempo real e
O elemento central ao formato de reality show – de acaso, proporcionadas pela transmissão ao vivo, ou,
aqui tomando como objeto apenas o Big Brother na pior das hipóteses, do registro destas (que, como
Brasil, mas é possível estender a análise a quase todos afirma Arlindo Machado [2000], ainda “guarda parte
os programas – é a noção de dispositivo, entendida das marcas de incompletude e de intervenção do acaso,
como uma configuração capaz de fazer emergir uma impossíveis de encontrar em trabalhos realizados em
variedade de acontecimentos imprevistos, não outras situações produtivas”). É da possibilidade do ao
mapeados [Migliorin 2006]. São, claramente, vivo, ou de seus rastros reconhecíveis, que pode
procedimentos criativos semelhantes a um jogo, cujas emergir a narrativa não-roteirizada que o dispositivo
regras, em diversos níveis, precisam ser coloca em ação como imagem em si.
compartilhadas pelos integrantes, mas também por
espectadores. Ao mesmo tempo, no audiovisual de ficção, surge
um campo cada vez mais vasto de narrativas abertas,
A partir da existência do “dispositivo”, no Big de temporalidade esgarçada, onde “nada acontece”,
Brother Brasil é possível enxergar claramente duas mas que cativam cada vez mais espaço em veículos de
matrizes narrativas em diálogo. Arriscaríamos batizá- grande audiência. Além de filmes brasileiros e
las: uma, de matriz emergente, feita “de baixo pra estrangeiros, premiados nos mais importantes festivais
cima”, proporcionada pelo dispositivo; outra, de matriz – como, para citar exemplos fáceis, “Elefante”, da Gus
canônica, feita “de cima para baixo”. A matriz Van Saint ou “O Filho”, em Cannes, e “O Céu de
canônica está em ação na reedição dos acontecimentos Suely”, do brasileiro Karim Aïnouz, prémio do público
gravados 24 horas por dia do programa, para no Festival do Rio – podemos citar a série de TV
estabelecer nexos causais claros entre ações (ou, “Alice”, da HBO e até mesmo o blockbuster local
relembrando Eco [2003], a recordação mais em termos “Tropa de Elite”, todos exemplos de uma nova
de Três Mosqueteiros do que de Ulisses). Dessa dramaturgia na qual o que se vê na tela é apenas a
reedição – um processo narrativo, que bebe em tudo o ponta de um iceberg de longas “vivências” perpetradas
que a linguagem cinematográfica criou – surgem mais por atores e não-atores, num profundo mergulho em
explicitamente motivações, transformando pessoas seus personagens.
reais – conquanto já aparentemente banais e
desinteressantes – em personagens tipicamente Em todos os exemplos citados, a matriz narrativa
unilaterais e clichês – este entendido como marca do em curso é “de baixo para cima”, indo de franco
personagem, herança do molde melodramático. Dessa encontro à cadeia bem costurada de causas e efeitos: as
forma, para evocar apenas a edição de 2007 do “histórias” são cheias de tempos mortos, intenções
programa na TV Globo, o “Alemão” deixa de ser uma ambíguas, ações cuja motivação não é clara, efeitos
pessoa complexa e contraditória para se tornar, a partir imprevisíveis, tramas interrompidas abruptamente,
das narrativas cunhadas pelos diretores do programa, o entre tantas outras coisas. O contingente – e não o
personagem marcado pela autenticidade de “não fazer provável – é um elemento essencial na atração dessas
joguinhos”, “dizer a verdade” e que, sem nenhuma narrativas emergentes; a sensação de que “tudo pode
surpresa, acabou vencedor da competição. acontecer”, sobretudo na versão ao vivo (no caso do
reality show), é o que define o formato, transportando-
Na veiculação ao vivo do programa, contudo, o que o, assim, para muito próximo de uma transmissão ao
vemos é mais uma narrativa do vivido, uma matriz “de vivo de um jogo – afinal, assistir a uma final de Copa
baixo para cima” na qual acontecimentos emergem a do Mundo ao vivo é uma coisa; vê-la gravada, depois
partir do dispositivo mesmo do reality show: pessoas do fim, mesmo se não sabemos o resultado, é outra
confinadas numa casa, submetidas a jogos, desafios e coisa bem diferente.
às agruras da convivência íntima, tudo isso filmado da
forma menos “opaca” possível (tomando ingenuamente Em todos os casos, é a possibilidade de
a presença das câmeras), 24 horas por dia. Nesse “desautomatizar” processos criativos e linhas
“panóptico” contemporâneo, como já se falou tantas narrativas o que produz certos efeitos – imprevisíveis,
vezes, o elemento de jogo está claramente presente e por definição, a todos os envolvidos no processo. Não
pode aparecer tanto na relação espectador-integrantes – à toa, alguns desses filmes encontram-se
na votação do “paredão” –, entre programa e “perigosamente” na fronteira entre ficção e
integrantes – nas provas que são invocados a cumprir documentário. Nesse sentido, vem à mente um filme
para ganhar posições como a de “anjo” ou “líder” – e
entre os jogadores em si, uma vez que se trata de uma
mesma de existência do jogo em sua instanciação pelo
jogador.
como Dez , de Abbas Kiarostami, onde o diretor
confinou toda a narrativa do filme ao interior de um Se tudo o que descrevemos nas últimas páginas
carro e a dramaturgia a não-atores, que improvisavam procede, é preciso deixar de lado, de uma vez por
o texto a partir de ensaios gerais. Para possibilitar tal todas, o paradigma reducionista perpetuado pelos
dispositivo, Kiarostami utilizou câmeras de vídeo, de ludologistas – que já dá provas de ter se esvaziado – e
modo que o filme é composto de vários planos- começar a adotar uma atitude positiva, de lançar ao
seqüência, nos quais a narrativa “oscila”, mas a tensão game um olhar que, ao mesmo tempo, o reconhece
das relações persiste. Nesse filme, não se trata de como forma múltipla e nova, mas que também busca
costurar uma cadeia de causas-e-efeitos “provável e nele soluções para desejos que o antecedem,
necessária”, e sim de submeter o espectador à tensão simplesmente porque isso parece ser possível.
desse caminho imprevisível que deixa suas marcas no
vídeo. Estão presentes novamente frases soltas, tempos O game, de forma inovadora em relação tanto ao
mortos, ações cuja motivação não é unívoca, efeitos cinema e à literatura, quanto aos jogos pré-digitais,
cuja causa não é clara... e, mesmo assim, a narrativa tem, reconhecidamente, a capacidade de fazer seu
nos prende, por outros caminhos. interator imergir fisicamente no mundo do jogo,
dando-lhe sensação de (tele)presença nunca antes
Outros filmes menos radicais parecem sofrer sentida. Seu sistema de regras pode se tornar cada vez
influência indireta desses dispositivos de desautomação mais complexo, de modo que os mundos que vivemos
da criação e da narrativa, começando por roteiros que tendem a se tornar cada vez mais sofisticados, não
não estão prontos e acabados antes da filmagem, mas apenas do ponto de vista audiovisual, mas no que diz
que vão sendo moldados a partir de improvisações e de respeito ao comportamento de seus integrantes. Tal
outros processos indeterminados. A utilização de não- sofisticação já implementa conceitos abstratos, de
atores – ou seja, de pessoas não previamente mapeadas modo que nossa vivência desses mundos é, em si
por qualquer tradição dramatúrgica –, além de buscar mesma, a apreensão de conceitos, numa renovação do
uma relação de verossimilhança mais profunda, dá um que de melhor foi feito por escritores como Kafka,
passo em direção a essa desautomação. Outra Dostoiévski e Machado de Assim, nos quais, penetrar
estratégia é fazer os atores imergirem nos ambientes da na narrativa dos romances implica internalizar uma
história muito tempo antes da produção, para que, da rede sofisticada de crenças e valores. Agora, contudo,
convivência com esse espaço, possam surgir outros no game, o ato mesmo de jogar implica mais ainda a
sentimentos e sensações que não faziam parte da construção conjunta desse sentido. Por fim, de forma
experiência do ator– mas, no caso destes filmes, em realmente inédita, os personagens autônomos dos
busca da desautomação da criação do personagem e games trazem ao interator uma nova experiência
não necessariamente na criação de algo mais empática, na qual nos vemos pelos olhos dos outros e
“autêntico”. sentimo-nos responsáveis por seus destinos.
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