Você está na página 1de 12

MANUAL DA CULTURA CORPORATIVA PARA O LÍDER

Estratégia e cultura estão entre as principais alavancas à disposição dos altos dirigentes em sua
interminável busca para manter a viabilidade e a eficácia organizacionais. A estratégia oferece uma
lógica formal para as metas da empresa e orienta as pessoas em torno delas. A cultura expressa metas
por meio de valores e crenças e guia a atividade por meio de premissas e normas compartilhadas pelo
grupo.

A estratégia fornece a clareza e o foco para a ação coletiva e as tomadas de decisão. Ela se baseia em
planos e conjuntos de escolhas para mobilizar as pessoas e, muitas vezes, pode ser fortalecida tanto por
recompensas por atingir metas, como pelas consequências de não atingi-las. Idealmente, ela também
incorpora elementos adaptativos que podem monitorar e analisar o ambiente externo e sentir quando as
mudanças são necessárias para manter a continuidade e o crescimento. A liderança segue de mãos
dadas com a formação da estratégia, e a maioria dos líderes entende os fundamentos. A cultura, no
entanto, é uma alavanca mais esquiva, porque boa parte dela está ancorada em comportamentos,
modos de pensar e padrões sociais tácitos.

Para o bem ou para o mal, a cultura e a liderança estão indissoluvelmente associadas. Fundadores e
líderes influentes, muitas vezes, implantam novas culturas e incutem valores e pressupostos que
persistem por décadas. Ao longo do tempo, os líderes da organização também podem moldar a cultura
por meio de ações conscientes e inconscientes (às vezes, com consequências imprevisíveis). Os
melhores líderes por nós observados que estão totalmente cientes das múltiplas culturas nas quais estão
inseridos podem sentir quando uma mudança é necessária e habilmente influenciar o processo.

Infelizmente, são muito mais comuns que se imagina os líderes empenhados em criar organizações de
alto desempenho, mas pouco interessados pela cultura. Na verdade, muitos ou deixam que ela siga fora
de controle ou a relegam para o departamento de RH, onde se torna uma preocupação secundária para
a empresa. Eles podem traçar planos cuidadosos e detalhados de estratégia e execução, mas como não
entendem o poder e a dinâmica da cultura, seus planos descarrilam. Como disse alguém, a cultura
devora a estratégia no café da manhã.

Não é preciso ser assim. Nosso trabalho sugere que a cultura pode, na verdade, ser administrada. O
primeiro e mais importante passo que os líderes podem dar para maximizar valor e minimizar riscos é
estar absolutamente cientes de como ela funciona. Integrando resultados de mais de cem dos modelos
comportamentais e sociais mais comumente usados, identificamos oito estilos que distinguem
determinada cultura e perfeitamente mensuráveis. (Reconhecemos com gratidão a rica história de
estudos culturais — que remontam às mais antigas explorações da natureza humana — sobre as quais
nosso trabalho foi construído.) Com essa estrutura, os líderes podem modelar o impacto da cultura em
seu negócio e avaliar seu alinhamento com a estratégia. Vamos aqui sugerir formas de como a cultura
pode ajudá-los a chegar à mudança e construir organizações que prosperam mesmo em tempos difíceis.

Definição de cultura
A cultura é a ordem social tácita de uma organização: ela molda atitudes e comportamentos de amplo
espectro e de forma duradoura. As normas culturais definem o que é encorajado, desencorajado, aceito
ou rejeitado dentro do grupo. Quando adequadamente alinhada com valores pessoais, tendências e
necessidades, a cultura libera enorme energia para um propósito comum e estimula a capacidade da
organização de prosperar.

A cultura também desenvolve flexibilidade e autonomia em resposta a diferentes oportunidades e


demandas. Enquanto a estratégia costuma ser determinada pelo alto escalão, a cultura mescla de forma
fluida as intenções dos altos executivos com o conhecimento e a experiência dos funcionários da linha
de frente.

A literatura acadêmica sobre o assunto é vasta. Nossa revisão revelou muitas definições formais de
cultura organizacional e uma grande variedade de modelos e métodos para avaliá-la. Geralmente os
acordos sobre especificidades são raros entre essas definições, modelos e métodos, mas graças a uma
síntese de um trabalho inspirador de autoria de Edgar Schein, Shalom Schwartz, Geert Hofstede e
outros acadêmicos proeminentes, identificamos quatro atributos amplamente aceitos:
Compartilhada. A cultura é um fenômeno de grupo. Ela não pode existir isoladamente com uma única
pessoa, nem é simplesmente a média de características individuais. Ela se encontra nos
comportamentos, valores e pressupostos compartilhados e é mais comumente vivenciada por meio de
normas e expectativas do grupo — isto é, regras não escritas.

Difundida. A cultura penetra em vários níveis e se aplica de forma muito ampla na organização. Às vezes
ela é até confundida com a própria organização. Ela se manifesta em comportamentos coletivos,
ambientes físicos, rituais grupais, símbolos visíveis, histórias e lendas. Outros aspectos da cultura não
são visíveis, como modos de pensar, motivações, pressupostos implícitos e o que David Rooke e William
Torbert chamam de “lógica da ação” (modelos mentais de como interpretar e responder ao mundo ao
redor).

Duradoura. A cultura pode dirigir os pensamentos e ações dos membros do grupo no longo prazo. Ela se
desenvolve por meio de eventos críticos na vida coletiva e no aprendizado desse grupo. Sua
persistência é explicada, em parte, pelo modelo atração-seleção-atrito introduzido pela primeira vez por
Benjamin Schneider: as pessoas são atraídas por organizações com características similares às suas.
As organizações, por sua vez, têm probabilidade maior de selecionar as pessoas que aparentemente se
“encaixam”, e ao longo do tempo as que não se encaixam tendem a deixá-las. Por isso, a cultura torna-
se um padrão social de autorreforço altamente resistente às mudanças e influências externas.

Implícita. Um aspecto importante da cultura, muitas vezes desprezado, é que, apesar de sua natureza
subliminar, as pessoas são efetivamente conectadas para identificar e responder a ela instintivamente.
Ela é uma espécie de linguagem silenciosa. As pesquisas de Shalom Schwartz e E. O. Wilson
mostraram como os processos evolucionários moldam a capacidade humana. Como a capacidade de
sentir e responder à cultura é universal, seria esperado que certos temas fossem recorrentes nos vários
modelos, definições e estudos da área. Foi exatamente isso que descobrimos em nossa pesquisa nas
últimas décadas.
Oito diferentes estilos de cultura
Nossa revisão da literatura para descobrir aspectos comuns e conceitos centrais revelou duas
dimensões principais que se aplicam a toda empresa, independentemente de sua área, porte, setor ou
geografia: interações interpessoais e resposta à mudança. Para entender a cultura da empresa é preciso
determinar onde ela se situa entre essas duas dimensões.

Interações interpessoais. A orientação da organização para a coordenação e interações interpessoais


está contida num espectro que varia de altamente independente a altamente interdependente. As
culturas que se inclinam para a primeira valorizam a autonomia, ação individual e competição. As que se
inclinam para a última enfatizam a integração, administrando relacionamentos e coordenando esforços
em grupo, e nestas culturas as pessoas tendem a colaborar mais e veem o sucesso pelas lentes do
grupo.

Resposta à mudança. Enquanto algumas culturas enfatizam a estabilidade — priorizando consistência,


previsibilidade e manutenção do status quo — outras enfatizam a flexibilidade, adaptabilidade e
receptividade para mudar. As que favorecem a estabilidade tendem a seguir regras que utilizam
estruturas de controle — como staff baseado em senioridade —, valorizam a hierarquia e buscam a
eficiência. As que favorecem a flexibilidade tendem a priorizar a inovação, abertura, diversidade e
orientação de longo prazo. (Kim Cameron, Robert Quinn e Robert Ernest estão entre os pesquisadores
que utilizaram dimensões similares em seus cenários culturais.)

Aplicando esse insight fundamental sobre as dimensões das interações interpessoais e a resposta à
mudança, identificamos oito estilos que se aplicam tanto à cultura organizacional como a líderes
individuais. Nas últimas duas décadas, pesquisadores da Spencer Stuart (incluindo dois autores deste
artigo) estudaram, de forma interdependente, e aprimoraram essa lista de estilo em ambos os níveis.

Acolhimento se refere a relacionamentos e confiança mútua. Os ambientes de trabalho são locais


calorosos, onde as pessoas ajudam e apoiam umas às outras. Os funcionários são unidos por lealdade,
os líderes enfatizam a sinceridade, o trabalho em equipe e os relacionamentos positivos.

Propósito se caracteriza por idealismo e altruísmo. Os ambientes de trabalho são locais tolerantes,
solidários, onde as pessoas tentam fazer o bem pelo futuro de longo prazo da humanidade. Os
funcionários são unidos pelo foco na sustentabilidade e nas comunidades globais, e os líderes enfatizam
ideais comuns e contribuem para uma causa maior.

Aprendizado diz respeito a exploração, expansividade e criatividade. Os ambientes de trabalho são


locais inovadores e liberais onde as pessoas lançam ideias novas e exploram alternativas. Os
funcionários são unidos pela curiosidade e os líderes enfatizam o conhecimento, a inovação e a
aventura.

Prazer é expresso por meio de divertimento e empolgação. Os ambientes de trabalho são locais
despreocupados onde as pessoas tendem a fazer o que as torna felizes. Os funcionários são unidos
pela descontração e por estímulos, e os líderes enfatizam a espontaneidade e o senso de humor.

Resultados são caracterizados por realizações e conquistas. Os ambientes de trabalho são locais
orientados para resultados e baseados no mérito, onde as pessoas aspiram ao desempenho de
excelência. Os funcionários são unidos pela motivação da competência e do sucesso, e os líderes
enfatizam o cumprimento de metas.

Autoridade é definida pela força, determinação e ousadia. Os ambientes de trabalho são locais
competitivos onde as pessoas se esforçam para obter vantagem pessoal. Os funcionários são unidos por
forte controle e os líderes enfatizam a confiança e a dominação.

Segurança se refere a planejamento, precaução e prevenção. Os ambientes de trabalho são locais


previsíveis onde as pessoas têm consciência do risco e se pautam pela reflexão. Os funcionários são
unidos pelo desejo de se sentir protegidos e antecipam a mudança, e os líderes enfatizam o
comportamento realista e o planejamento cuidadoso.

Ordem se concentra em respeito, estrutura e normas comuns. Os ambientes de trabalho são locais
metódicos onde as pessoas obedecem às regras do jogo e procuram se encaixar. Os funcionários são
unidos pela cooperação e os líderes enfatizam procedimentos compartilhados e costumes seculares.
Esses oito estilos se enquadram em nossa estrutura de cultura integrada (ver quadro “Cultura integrada:
a estrutura”) de acordo com o grau com que refletem a independência ou a interdependência (interações
interpessoais) e flexibilidade ou estabilidade (resposta à mudança). No esquema, estilos adjacentes
como segurança e ordem frequentemente coexistem dentro das organizações e do pessoal. Por outro
lado, é menor a probabilidade de estilos opostos como segurança e aprendizado estarem juntos, pois
essa coexistência requer enorme quantidade de energia organizacional. Cada estilo tem vantagens e
desvantagens, e nenhum estilo é inerentemente melhor que outro. A cultura organizacional pode ser
definida por quantidades absolutas e relativas de cada um dos oito estilos e pelo grau de concordância
dos funcionários sobre os estilos que caracterizam a organização. Um aspecto poderoso dessa
estrutura, que a diferencia de outros modelos, é que ela pode ser usada para definir estilo e valores
individuais dos líderes e dos funcionários.

Inerentes à estrutura estão concessões fundamentais. Embora cada estilo possa ser benéfico, limitações
naturais e demandas competitivas impõem escolhas difíceis dos valores que devem ser enfatizados e do
comportamento que se espera das pessoas. É comum encontrar organizações cuja cultura enfatiza tanto
resultados como acolhimento, mas essa combinação pode parecer confusa para os funcionários. Espera-
se que eles aperfeiçoem as metas individuais e busquem resultados a qualquer preço, ou que trabalhem
como equipe e enfatizem a colaboração e o sucesso compartilhado? A natureza do próprio
trabalho, a estratégia empresarial ou o projeto organizacional podem constituir obstáculos para os
funcionários focarem igualmente em resultados e em acolhimento.

Por outro lado, a cultura que enfatiza acolhimento e ordem encoraja o ambiente de trabalho que prioriza
o trabalho em equipe, a confiança e o respeito. Os dois estilos se reforçam mutuamente, o que pode ser
benéfico, mas pode também impor dificuldades. Os benefícios são forte lealdade, retenção de talento,
ausência de conflitos e altos níveis de comprometimento. Os desafios são tendência ao pensamento de
grupo, dependência de consenso decisório, distanciamento de questões complexas e senso calcificado
de “nós versus eles”. Os líderes focados em resultados e aprendizado podem achar sufocante a
combinação de acolhimento e ordem quando precisam empreender mudanças. Líderes habilidosos
utilizam os pontos fortes das demais culturas e têm compreensão multifacetada sobre como iniciar a
mudança. Eles tiram proveito da natureza participativa da cultura focada em acolhimento e da cultura
focada em ordem para envolver os membros da equipe e, simultaneamente, identificam um “observador
interno” focado em aprendizado que desfrute da confiança dos colegas para ajudar a promover a
mudança por meio de redes de relacionamentos.

Os oito estilos podem ser usados para diagnosticar e descrever padrões comportamentais
extremamente complexos de determinada cultura e modelar a probabilidade de um líder se alinhar à
cultura para moldá-la. Usando essa estrutura e uma abordagem em múltiplos níveis, os gestores podem:

• Entender a cultura de sua organização e avaliar seus efeitos intencionais e não intencionais.
• Avaliar o nível de consistência da visão dos funcionários sobre a cultura.
• Identificar subculturas que expliquem desempenho mais alto ou mais baixo do grupo.
• Localizar diferenças entre culturas herdadas durante fusões e aquisições.
• Orientar rapidamente os novos executivos na cultura em que estão ingressando e ajudá-los a
determinar a forma mais eficiente de liderar os funcionários.
• Medir o grau de alinhamento entre os estilos pessoais de liderança e a cultura organizacional para
determinar o impacto que o líder pode ter.
• Criar uma cultura aspiracional e comunicar as mudanças necessárias para atingi-la.
O link entre cultura e resultados
Nossa pesquisa e experiência mostraram que quando se avaliam os efeitos da cultura sobre os
resultados, sobressai o contexto da organização, isto é, sua região geográfica, indústria, estratégia,
liderança e estrutura empresarial, bem como os pontos fortes de sua cultura. O que funcionou no
passado pode não funcionar no futuro e o que funcionou numa empresa pode não funcionar em outra.

Chegamos aos seguintes insights:

Quando alinhada à estratégia e liderança, a cultura forte produz resultados organizacionais


positivos.Pense no caso da melhor varejista dos Estados Unidos. Sua prioridade era fornecer ao cliente
atendimento fora de série. Isso foi feito com uma regra simples — “fazer por nossos clientes o que é
correto” — que encorajou os funcionários a usar o discernimento ao prestar atendimento. Uma prática
central de treinamento do RH ajudava todos os vendedores a perceber as interações com o cliente como
uma oportunidade de criar “histórias de atendimento que se tornassem lendárias”. Os funcionários eram
incentivados a definir o atendimento segundo a perspectiva do cliente, envolvendo-o constantemente
com perguntas preparadas para perceber suas necessidades e preferências específicas e ir além de
suas expectativas.
Ao medirmos a cultura dessa empresa, descobrimos que, como tantos grandes varejistas, ela se
caracterizava basicamente pela combinação de resultados e acolhimento. No entanto, ao contrário de
várias outras lojas de departamentos, sua cultura era flexível, orientada para o aprendizado e focada em
propósito. Como explicou um de seus principais executivos, “temos liberdade, desde que tratemos muito
bem o cliente”.

Além disso, seus valores e normas eram muito claros para todos e continuamente compartilhado por
toda a organização. Enquanto a varejista se expandia em novos segmentos e geografias ao longo dos
anos, a liderança se esforçava para manter um foco rígido no cliente, sem diluir sua estimada cultura. E
embora tenha focado historicamente em desenvolver líderes internos — transmissores naturais da
cultura —, recrutar pessoas externas passou a ser uma necessidade à medida que a empresa crescia.
Durante a mudança, ela preservou sua cultura avaliando criteriosamente os novos líderes e criando um
processo de chegada na empresa que reforçava valores e normas centrais.

Para essa empresa a cultura é um diferencial poderoso por estar fortemente alinhada com a estratégia e
a liderança. Oferecer um excelente atendimento ao cliente requer cultura e mentalidade que enfatizem
realizações, serviço impecável e solução de problemas com autonomia e criatividade. Não é de
surpreender que essas qualidades lhe tenham rendido uma série de resultados positivos, incluindo
crescimento robusto e expansão internacional, vários prêmios de atendimento ao cliente e frequentes
citações em listas das melhores empresas onde trabalhar.

Selecionar ou desenvolver líderes para o futuro requer cultura e estratégia com visão prospectiva. O
diretor executivo de um agronegócio estava planejando se aposentar, incentivando rumores sobre uma
aquisição agressiva. O CEO estava preparando ativamente um sucessor, um interno que estava na
empresa havia mais de 20 anos. Nossa análise revelou uma cultura organizacional que enfatizava
fortemente acolhimento e propósito.

O potencial sucessor entendia a cultura, mas era muito mais avesso ao risco (segurança) e respeitador
das tradições (ordem) que o resto da empresa. Dados os rumores da aquisição, os líderes e altos
executivos recomendaram ao CEO que a empresa adotasse posição mais agressiva e orientada para
ações no futuro.

Apareceram três candidatos externos: um que estava alinhado com a cultura atual (propósito), um
inovador que gostava de assumir riscos (aprendizado) e o último que era linha- dura, dinâmico e
competitivo (autoridade). Depois de muita deliberação, o conselho escolheu o líder altamente competitivo
com o estilo autoridade. Logo depois um investidor ativista tentou uma aquisição agressiva e o novo
CEO conseguiu navegar pela situação arriscada, manteve a empresa independente e ao mesmo tempo
começou a reestruturá-la, preparando-a para o crescimento.

Em caso de fusão, a criação de uma nova cultura baseada em pontos positivos complementares pode
acelerar a integrações e criar mais valor ao longo do tempo. Fusões e aquisições podem criar ou destruir
valor. Inúmeros estudos mostram que a dinâmica cultural representa um dos maiores — embora mais
comumente negligenciado — determinantes do sucesso da integração e do desempenho pós-fusão.

Líderes seniores de duas empresas do varejo de alimentos em fusão investiram cada um na cultura de
ambas com o objetivo de preservar os pontos fortes únicos e as heranças distintas. Uma avaliação das
culturas revelou valores comuns e áreas de compatibilidade que poderiam fornecer uma base para uma
cultura combinada, juntamente com importantes diferenças que os líderes teriam de planejar: as duas
empresas enfatizavam resultados, acolhimento e ordem e valorizavam alimentos de alta qualidade, bons
serviços, tratavam os funcionários com equidade e mantinham uma mentalidade local. Mas uma das
empresas se pautava por forte comando, de cima para baixo, por isso sua pontuação em autoridade foi
muito mais alta, principalmente no comportamento dos líderes.

Como as duas empresas valorizavam o trabalho em equipe e investimentos na comunidade local, os


líderes priorizaram acolhimento e propósito. Ao mesmo tempo, suas estratégias exigiam que elas
mudassem de autoridade de cima para baixo para um estilo aprendizado que encorajaria a inovação no
formato das novas lojas e no varejo online.
Uma vez de acordo sobre a cultura, um rigoroso processo de avaliação identificou líderes das duas
organizações cujo estilo e valores pessoais permitiriam que eles servissem como pontes e a
defendessem. Depois, foi lançado um programa para promover o alinhamento cultural de 30 equipes de
liderança, cuja ênfase era estabelecer prioridades, formar conexões autênticas e desenvolver normas
para as equipes que pudessem dar vida à nova cultura.

Finalmente, elementos estruturais da nova organização foram redesenhados com foco na cultura. Foi
desenvolvido um modelo de liderança que englobava recrutamento, avaliação de talentos, treinamento e
desenvolvimento, gestão de desempenho, sistemas de recompensa e promoções. Essas considerações
do projeto geralmente são negligenciadas durante a mudança organizacional, mas se os sistemas e
estruturas não se alinham com as exigências da cultura e da liderança, o progresso pode ir por água
abaixo.

Num ambiente dinâmico incerto, no qual as organizações precisam ser mais ágeis, o aprendizado é mais
valorizado. Não é de admirar que resultados sejam o estilo de cultura mais comum em todas as
companhias que estudamos. No entanto, ao ajudarmos líderes a projetar culturas ambiciosas durante
uma década, notamos uma clara tendência de priorizar aprendizado para promover a inovação e
agilidade à medida que os negócios respondiam a ambientes cada vez mais imprevisíveis e mais
complexos. E embora aprendizado ocupe a quarta posição de nossa base de dados mais ampla,
pequenas empresas (com 200 funcionários ou menos) e empresas de novos setores industriais
(como software, tecnologia e equipamentos sem fio) atribuem a ele pontuação mais alta.

Vejamos o exemplo de uma empresa de tecnologia do Vale do Silício com quem trabalhamos. Embora
ela tivesse construído um empreendimento forte e investido em tecnologia inédita e nos maiores talentos
da engenharia, o crescimento da receita estava começando a diminuir à medida que competidores mais
novos e engenhosos avançavam numa área dominada pela inovação e disrupção de modelos de
negócios. Os líderes da empresa viam a cultura como um diferencial para os negócios e decidiram
diagnosticar, reforçar e promovê-la. Encontramos uma cultura fortemente focada em resultados, baseada
em equipes (acolhimento) e exploradora (combinação de prazer com aprendizado).

Depois de examinarem a estratégia de todo o negócio e receber input dos funcionários, os líderes se
concentraram numa cultura ainda mais focada em aprendizado e adotaram nossa estrutura como uma
nova linguagem nas atividades diárias da organização. Eles começaram a promover conversas entre
gestores e funcionários sobre como enfatizar a inovação e a exploração. Embora mudar uma cultura leve
tempo, notamos que a empresa obtivera progressos notáveis somente um ano depois. E mesmo
enquanto estava se preparando para uma venda iminente diante de competição e consolidação cada vez
maiores, os escores de engajamento dos funcionários aumentavam.

Cultura forte pode ser uma desvantagem significativa quando desalinhada com a estratégia. Nós
estudamos uma organização europeia de serviços industriais cujo setor começou a sofrer mudanças
rápidas e sem precedentes nas expectativas do consumidor, exigências de regulamentação e dinâmica
competitiva. Em resposta, a estratégia da empresa, que historicamente enfatizava a liderança pelo custo,
precisava mudar para uma maior diferenciação de serviços. Mas sua forte cultura representava uma
barreira para o sucesso.

Diagnosticamos a cultura como altamente orientada para resultados, acolhimento e em busca de ordem,
com ênfase em autoridade de cima para baixo. Os líderes decidiram moldar a empresa para se tornar
mais orientada para propósito, facilitadora, aberta e baseada em equipes, o que levaria ao aumento em
acolhimento, juntamente com aprendizado e propósito e à diminuição em autoridade e resultados.

Essa mudança era particularmente desafiadora porque a cultura atual servira muito bem à organização
durante anos, enquanto o setor enfatizava eficiência e resultados. A maioria dos gestores ainda a
considerava um ponto forte e lutava para preservá-la, o que ameaçava o sucesso da nova direção
estratégica.

Mudança cultural é assustador em qualquer organização, mas não impossível, como essa empresa
percebeu. O CEO introduziu um novo desenvolvimento de liderança e programas de coaching de
equipes e oportunidades de treinamento para ajudar os líderes a se sentir mais confortáveis com a
evolução cultural. Quando as pessoas saíram, a empresa selecionou, cuidadosamente, novos líderes
que apoiariam valores como acolhimento e aumentou a ênfase no propósito compartilhado. Os
benefícios dessa mudança estratégica e cultural surgiram como uma estrutura cada vez mais
diversificada de oferta de serviços integrados e forte crescimento, principalmente em mercados
emergentes.

Quatro alavancas para desenvolver a cultura


Ao contrário de desenvolver e executar um plano de negócios, mudar culturas corporativas é
extremamente difícil do ponto de vista da dinâmica emocional e social das pessoas envolvidas.
Descobrimos que quatro práticas, em particular, levam a mudanças de cultura bem-sucedidas.

Articular a aspiração. De forma muito semelhante a definir uma nova estratégia, criar uma nova cultura
pode começar com uma análise da cultura atual, utilizando uma estrutura que pode ser discutida
abertamente por toda a organização. Os líderes precisam entender que resultados a cultura produz e
como ela se alinha ou não com o mercado atual, com as previsões do mercado e com as condições do
negócio. Se os principais estilos da cultura da empresa são, por exemplo, resultados e autoridade, mas
ela se encontra numa indústria que muda rapidamente, deslocar o foco para aprendizado e prazer (e ao
mesmo tempo manter o foco em resultados) pode ser interessante.

Culturas aspiracionais sugerem os princípios de alto nível que guiam as iniciativas organizacionais, como
na empresa de tecnologia que procurava encorajar a agilidade e a flexibilidade em meio a crescente
competição. A mudança deve ser estruturada em termos de desafios e oportunidades empresariais reais
e atuais, bem como em aspirações e tendências. Devido à natureza um pouco ambígua e obscura da
cultura, referir-se a problemas tangíveis como pressões do mercado ou desafios do crescimento ajuda
as pessoas a identificar e entender a necessidade de mudança.

Selecionar e desenvolver líderes que se alinhem com a cultura-alvo pretendida. Os líderes são
importantes catalisadores para a mudança ao encorajá-la em todos os níveis e ao criar um clima seguro
e o que Edgar Schein chama de “campos de prática”. Os candidatos ao recrutamento devem ser
avaliados quanto ao seu alinhamento com o alvo. Um único modelo que possa avaliar tanto os estilos da
cultura organizacional como de liderança individual é crítico para essa atividade.

Líderes atuantes que não apoiam a mudança desejada podem ser engajados e energizados por meio de
treinamento e educação sobre a importante relação entre cultura e direção estratégica. Geralmente eles
costumam apoiar a mudança depois de entender sua relevância, os benefícios previstos e o impacto que
eles pessoalmente possam ter ao mudar o rumo da organização para a aspiração. No entanto, a
mudança cultural pode provocar — e realmente provoca — rotatividade: algumas pessoas saem porque
sentem que já não são um “bom encaixe” na organização, e outras, se puserem em risco a evolução
necessária, poderão ser convidadas a sair.

Utilizar conversas organizacionais sobre cultura para ressaltar a importância da mudança. Para mudar
as normas e crenças comuns e os acordos implícitos na organização, os colegas devem conversar uns
com os outros ao navegar pela mudança. Nossa estrutura de cultura integrada pode ser usada para
discutir os estilos de cultura atuais e os desejados, além das diferenças sobre a forma de trabalhar dos
líderes seniores. À medida que os funcionários percebem que seus líderes estão conversando sobre os
resultados do novo negócio — inovação em vez de lucros trimestrais, por exemplo —, eles começam a
se comportar de forma diferente, criando um loop de feedback positivo.

Vários tipos de conversa organizacionais — como road shows, tour para ouvir os funcionários, grupos de
discussão estruturados — podem dar sustentação à mudança. As plataformas de mídias sociais
encorajam conversas entre os gestores seniores e os funcionários da linha de frente. Influentes
apoiadores da mudança podem defender a mudança de cultura por meio de palavras e ações. A
empresa de tecnologia empreendeu uma significativa mudança em sua cultura e no engajamento dos
funcionários criando um esquema estruturado para o diálogo e cultivando uma ampla discussão.

Reforçar a mudança desejada por meio do projeto organizacional. Quando as estruturas, sistemas e
processos da empresa estão alinhados e apoiam a cultura e a estratégia aspiracional, é muito mais fácil
incentivar novos estilos de cultura e comportamento. A gestão de desempenho, por exemplo, pode ser
usada para encorajar os funcionários a incorporar atributos aspiracionais culturais. Práticas de
treinamento podem reforçar a cultura-alvo à medida que a organização cresce e incorpora novas
pessoas. O grau de centralização e o número de níveis hierárquicos da estrutura organizacional podem
ser ajustados para reforçar comportamentos inerentes à cultura aspiracional. Acadêmicos de projeção
como Henry Mintzberg mostraram como a estrutura organizacional e outros aspectos do projeto podem
ter um profundo impacto ao longo do tempo e como as pessoas pensam e se comportam dentro da
organização.

Junte tudo
As quatro alavancas foram reunidas numa fábrica tradicional que estava tentando se tornar um
fornecedor de soluções completas. A mudança começou com a reformulação da estratégia e foi
reforçada por uma grande campanha da marca. Mas o presidente percebeu que a cultura da empresa
representava a maior barreira à mudança e a alta gestão era a maior alavanca para a evolução da
cultura.

A cultura era caracterizada pela orientação por resultados seguida por acolhimento e propósito, e este
era raro na indústria. Um funcionário descreveu a empresa como “um grupo de pessoas talentosas e
comprometidas focadas em fazer o bem para o planeta, movidas por vontade, apoio e encorajamento
genuínos para fazer a diferença na comunidade”. Enquanto a cultura mais ampla era extremamente
colaborativa, com tomadas de decisão descentralizadas, os líderes eram vistos como hierárquicos, de
cima para baixo e, às vezes, políticos que desencorajavam a assunção de riscos.

Os líderes da cúpula revisaram os pontos fortes da cultura da empresa e suas próprias falhas de estilo e
discutiram o que seria necessário para atingir suas aspirações estratégicas. Eles concordaram que
precisavam assumir mais riscos, ter mais autonomia e menos hierarquia e fazer com que as tomadas de
decisão fossem centralizadas. O presidente reestruturou a equipe de liderança em torno de fortes líderes
das linhas de negócios, de forma que tivessem mais tempo para se tornar melhores defensores da
cultura e focar mais no cliente.

Depois, a equipe de líderes da cúpula convidou um grupo de cem executivos de nível intermediário para
participar de uma série de conferências de liderança bianuais. A primeira estabeleceu uma plataforma
para input, feedback e criação conjunta de um plano de mudança organizacional com claras prioridades
culturais. O presidente organizou esses gestores em equipes focadas em desafios de negócios críticos.
Solicitou-se a cada equipe que buscasse ideias fora da empresa para desenvolver soluções e apresentar
suas descobertas ao grupo como feedback. Essa iniciativa colocou os executivos de nível intermediário
em posições de articuladores da mudança que tradicionalmente seriam ocupadas por vice-presidentes,
dando-lhes autonomia para fomentar uma cultura baseada em aprendizado. A ideia era criar benefícios
reais para o negócio e ao mesmo tempo promover a evolução da cultura.

O presidente também criou um programa para identificar os funcionários que tivessem ideias e estilos de
trabalho disruptivos positivos. Essas pessoas foram colocadas em equipes de projeto que tratavam de
prioridades das inovações mais importantes. As equipes começaram, imediatamente, a melhorar os
resultados dos negócios, tanto em métricas comerciais centrais como em cultura e engajamento. Depois
de apenas um ano os níveis de engajamento dos funcionários saltou dez pontos, e o Net Promoter
Scores do cliente atingiu um recorde histórico — fornecendo referências sólidas aos clientes das novas e
inovadoras soluções da empresa.

É POSSÍVEL — na verdade, vital — melhorar o desempenho organizacional por meio da mudança de


cultura com os modelos e métodos simples, mas poderosos, apresentados neste artigo. Inicialmente, os
líderes precisam estar cientes da cultura existente em sua organização e só depois definir uma cultura-
alvo aspiracional. E finalmente dominar as práticas centrais de mudança da articulação da aspiração, o
alinhamento da liderança, conversas organizacionais e projeto organizacional. Liderar pela cultura pode
estar entre as poucas fontes de vantagem competitiva sustentável de que as empresas dispõem
atualmente. Os líderes bem-sucedidos não olharão mais a cultura com frustração, mas, ao contrário,
poderão utilizá-la como ferramenta fundamental de gestão.
——————————————————————————————————————————–
Boris Groysberg é professor da Harvard Business School e coautor, com Michael Slind, de Talk, Inc.
(Harvard Business Review Press, 2012).
——————————————————————————————————————————–
Jeremiah Lee é líder dos serviços de inovação para consultoria da Spencer Stuart.
——————————————————————————————————————————–
Jesse Price é líder em serviços de cultura organizacional da Spencer Stuart. Eles são cofundadores de
dois negócios relacionados a cultura organizacional.
——————————————————————————————————————————–
J. Yo-Jud Cheng é candidato a doutorado na unidade de estratégia da Harvard Business School.

Você também pode gostar