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A PROPOSTA DE POPPER SOBRE A

FILOSOFIA DA MENTE
Ac. Igor das Mercês Mairinque (Laboratório de Lógica e Epistemologia - DFIME)
Orientadora: Profª Mariluze Ferreira de Andrade e Silva

Resumo: A preocupação com os problemas da mente teve início com a tese de H. Putnam em
"The Meaning of 'Meaning'" (1975) quando ele entendeu que a compreensão de um termo corres-
ponde a um estado mental com conteúdo amplo e que a mente não está na cabeça mas são os
fatores do ambiente social e natural que determinam o conteúdo dos estados mentais. Popper, em
Conhecimento objetivo e o problema corpo-mente (1995) e em O cérebro e o pensamento (1992)
escrito em conjunto com John C. Eccles, abordou a questão do cérebro e do pensamento dando
relevância à relação entre o conhecimento objetivo e subjetivo e sua aplicação aos três ‘mundos’ do
homem. Este trabalho teve como objetivo apresentar essas concepções de Karl Popper sobre o
conhecimento, porém como produção do intelecto. O método de abordagem dessa pesquisa foi o
epistemológico tendo em vista tratar-se de um tema que se propõe apresentar novas questões para
o conhecimento. Como método de procedimento foram usadas as obras citadas do autor mostran-
do a sua proposta de valorizar a mente como responsável pelo conhecimento. Como resultado
dessa investigação, constatamos que os 'três mundos' de Popper são: ‘o mundo 1’ que trata dos
corpos físicos, o ‘mundo 2’ que trata da mente que desempenha papel fundamental na vida do
homem e o ‘mundo 3’ que trata dos produtos da mente. Na mente, o conhecimento é mais repre-
sentativo quando se apresenta pelo seu caráter objetivo, ou seja, quando procura explicar as coisas
através de estudos e teorias. A subjetividade é baseada em certas características que o homem
possui dentro de si que são as potencialidades que permanecem na mente. Toda a ação humana
depende dos aspectos objetivo e subjetivo e tudo é coordenado pela mente. A Filosofia da mente,
proposta por Popper, vem a ser um sistema que se interessa em desenvolver a construção do
homem pelo seu próprio intelecto, uma vez que a evolução do mundo ocorre em decorrência da
evolução do conhecimento. A filosofia da mente é, portanto, seguindo as conclusões de Popper, um
caminho para se investigar o desenvolvimento da mente humana.

Palavras-Chave. Popper. Filosofia da mente. Epistemologia. Filosofia da Ciência.

1. Introdução

A
Filosofia da mente põe em defendida por H. Putnam. Este traba-
discussão duas teorias da lho investigará a posição de Karl R.
mente: a internalista que é Popper tomando como referência o
uma teoria tradicional nos moldes do capítulo 1 - "Conhecimento objectivo
cartesianismo também chamada 'in- e subjectivo' da sua obra O conheci-
dividualismo' ou 'solipsismo metodo-
lógico' (Fodor 1980) e a externalista

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mento e o problema corpo-mente1 e o Esta apresentação prepara seus ex-


Diálogo XI - "Autonomia do Mundo 3 - pectadores para o início da discus-
Ciência do eu' e a ciência da morte- são, onde serão mostrados dois im-
Imortalidade? Singularidade pessoal" portantes temas: O conhecimento
da sua obra O Cérebro e o Pensa- objetivo e o conhecimento subjetivo e
mento2 Desse modo, o presente tra- o conhecimento corpo-mente.
balho será dividido em duas partes: a
primeira, tomando como referência a 1.1 O conhecimento objetivo e o
sua primeira obra, trataremos do co- conhecimento subjetivo
nhecimento objetivo e subjetivo e a
sua relação com o corpo-mente e, a O primeiro tema exposto por Popper
segunda, tomando como referência O diz respeito aos conhecimentos obje-
Cérebro e o Pensamento, trataremos tivo e subjetivo. Ele mostra a sua
da autonomia do 'mundo 3'. visão particular a respeito desses
dois tipos de conhecimento e a rela-
O texto de Karl R. Popper refere-se a ção entre eles.
um conjunto de lições e idéias apre-
sentadas pelo filósofo a um grupo de Segundo Popper, o estudo do conhe-
expectadores, transmitidas através cimento objetivo é fundamental para
de um método que consiste em expor se compreender o conhecimento
o assunto de uma forma geral, des- subjetivo porque ele “mais recebe do
envolvendo-o, em seguida, por incur- que fornece algo para o homem”.
são de perguntas em um debate en- Quando Popper atribui tal importância
tre as partes. Este método, apresen- ao conhecimento objetivo, ele está
tado por Popper (1995), é significati- refutando a maioria dos filósofos
vo para a compreensão de seus pen- existentes até a sua época que pou-
samentos, conforme o filósofo de- co, ou nunca mencionam a existência
monstra nas palavras abaixo: do conhecimento objetivo e, quando
o fazem, alegam que sua existência
se dá a partir do conhecimento sub-
Entendo que o meu primeiro dever
jetivo.
para com o auditório é fazer o possível
para ser facilmente compreendido e o Popper mostra a importância de se
segundo indicar o rumo do meu racio- estudar o conhecimento objetivo e de
cínio. Isto dar-vos-á a possibilidade de conhecê-lo, apresentando algumas
considerar meus argumentos critica- “grandes questões”, que despertam
mente, e acima de tudo, de verificar se nas pessoas sua racionalidade e
forneço orientações erradas. (op. cit. senso crítico. Dentre algumas dessas
p.14). questões, podem-se destacar o “pro-
gresso do conhecimento científico e
1
POPPER. Karl R. Conhecimento objectivo e sua função civilizadora”, o “papel da
subjectivo.In. O conhecimento e o problema cor- Universidade” e o confronto entre a
po-mente. Lisboa: Edições 70, 1996, p. 13-37.
2
POPPER, Karl R. e ECCLES, John C. O Cére- “tradição e a crítica”.
bro e o Pensamento. Campinas. Papirus. 1992.

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argumentações.

1.2 O Problema corpo-mente Depois de conhecidos esses três


mundos, Popper aplica essas idéias
O segundo tema abordado é o “pro- à quilo que ele chama de sua “tese
blema entre corpo-mente ou mente- principal’. Trata-se da interação do
corpo”, o qual se baseia na existência mundo 2 com os mundos 3 e 1, onde
de duas instâncias presentes no ho- os “objetos” do mundo 3 ligam-se
mem que ele chama de “mundos”. diretamente ao mundo 1, nas suas
Popper define como “mundo 1” o manifestações. Ele exemplifica:
mundo dos corpos físicos; e como
“mundo 2” o mundo dos estados Entre muitas outras coisas, o mundo 3
mentais. Esta evidente dualidade, é constituído por registros que podem
cujos elementos se relacionam uns ser de temperatura; e neste caso, pa-
com os outros, mostra em Popper um recerá que o mundo 1, através de um
pensamento similar ao do filósofo gráfico e de um instrumento de registro
francês Descartes, que dizia haver automático, atua diretamente sobre
uma “interação” entre a alma e o cor- algo do mundo 3. (...) e devido às nos-
po. Entretanto, este “dualismo carte- sas ações medianeiras que o mundo 1
siano” para Popper, é fraco pois ape- pode atuar sobre o mundo 3. (op.
nas em um primeiro momento ele é cit.p.19/20)
defendido. Popper acrescenta um
chamado “mundo 3”, tornando seu Esta interação faz com que Popper
pensamento “pluralista”. Esse novo apresente uma possível solução para
mundo representa todos os “produtos o problema corpo-mente, conforme
da mente humana”, como as escultu- ele diz:
ras e as pinturas, por exemplo. Os
produtos são como as idéias forma- Com efeito, a questão corpo-mente
das na mente e que depois são re- será o problema do relacionamento
presentadas em uma manifestação entre os mundos 1 e 2; se um ele-
física. Popper explica isso através do mento importante deste relaciona-
exemplo da sinfonia e de sua partitu- mento for o fato de o mundo 2 funcio-
ra, onde a obra e seu contexto são os nar como intermediário entre os mun-
produtos da mente, e a partitura, ou dos 1 e 3, então o problema corpo-
seja, o papel onde estão grafadas as mente ficará assim incompleto se não
notas dentro de uma escala musical, alargarmos o seu âmbito de forma a
são as manifestações da obra. Esta cobrir as relações recíprocas entre os
característica serve para demonstrar três mundos. (op.cit. p.20).
que os produtos criados pela mente
humana pertencem tanto ao mundo 3 A mudança de pensamento de Po-
como ao mundo 1, aspecto este que pper, de dualista para pluralista, ser-
Popper defende para suas futuras viu também para que ele fizesse uma
crítica ao “monismo’ presente na

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maioria da Filosofia até seu tempo. A evolução do outro, e esta evolução se


dá conforme as necessidades dos
idéia geral era a de que as coisas seres humanos. Em outras palavras,
físicas seriam simplesmente fenôme- o desenvolvimento do conhecimento
nos vindos dos sentidos. Popper objetivo trará novos “produtos” que
chama aos defensores dessa idéia serão transformados em soluções.
de” fenomenistas“. Critica também os
filósofos ”fisicistas“, que valorizavam
apenas as coisas físicas. Em especi- 1.3 Popper e o Problema do Co-
al, o fisicista Willard Van Quine, que nhecimento
dizia não haver necessidade de
Após sua explicitação geral dos te-
acrescentar ”alguma coisa a mais“,
mas, Popper retoma, de maneira
uma vez que a existência das coisas
mais detalhada, o primeiro assunto
físicas era suficiente”.
que é o problema do conhecimento.
Para lhe contrapor, Popper afirma De início ele se pergunta como pode
que Quine não é coerente com sua ocorrer a evolução do conhecimento.
alegação da inutilidade de um “algo Sua resposta é imediata. Segundo
mais”. Popper diz que todos, inclusive ele, esta evolução se dá através do
Quine, são capazes de argumentar, seguinte um sistema ’quadripartido’;
apreender e compreender as coisas
P1  TE  EE  P2
físicas. Entretanto, os argumentos
não podem ser considerados como
O P1 significa um problema inicial;
meras coisas físicas. Isso quer dizer
TE representa a teoria experimental
que, ao contrário do que pensava
que é destinada à resolução do pro-
Quine, a compreensão e apreensão
blema; EE é o processo de elimina-
fazem parte do mundo 2.
ção dos erros através de ensaios ou
discussões críticas e, finalmente, P2
Prestes a encerrar a exposição do
representa os problemas finais, que
segundo tema, Popper apresenta
podem surgir dos ensaios e das dis-
algumas das “grandes questões” a
cussões.O percurso que vai de P1
ele relacionadas, entre as quais estão
até P2 representa o aumento de co-
“a liberdade do homem” e o “domínio
nhecimentos que se obtém.
que temos sobre a nossa vida”.
Este esquema, comenta Popper, se
Finalmente, encerrando a exposição,
aplica tanto aos problemas chamados
ele faz a relação entre os dois temas
práticos, como também aos teóricos.
apresentados, onde o conhecimento
Os primeiros são aqueles que dizem
objetivo (primeiro tema), que é com-
respeito à construção de algo neces-
posto por hipóteses, suposições e
sário ao homem, como forma de su-
teorias, vem a ser um produto do
prir algo que lhe falta, como na cons-
mundo 3 (segundo problema), intera-
trução de mais carros a fim de soluci-
gindo com o mundo 1. Um evolui pela
onar o problema da falta de trans-

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portes. Mas surge o problema da o homem tem a capacidade natural


necessidade de se construir mais de falar uma língua.
estradas. Os segundos são aqueles
que se relacionam com a necessida- O filósofo usa o sistema quadripartido
de de se explicar algum fenômeno. para explicar a origem das potenciali-
Aqui podem surgir inúmeros outros dades. Segundo ele, “estas potencia-
problemas oriundos de muitas teorias lidades foram adquiridas por uma
que são apresentadas. Neste caso, seleção natural, um método na sua
se aplica o D.C.A. (Debate Crítico essência de experimentação e elimi-
Analítico), onde a teoria que mais nação de erros”.
representa o problema se torna apta
a explicá-lo, após todas serem con- Em suma, as tendências inatas cons-
frontadas. tituem um pensamento darwiniano,
segundo Popper, onde tudo se
Esse confronto entre teorias faz com aprende por meio da tendência para
que Popper apresente uma distinção a linguagem, à concretização do que
entre as conseqüências que podem está em nosso intelecto, para assim
surgir a partir de uma solução errada, se tornar um produto do mundo 3.
tanto no caso do conhecimento obje- Este pensamento mantém-se firme
tivo, quanto no do subjetivo. Popper no filósofo, para contradizer o de Lo-
diz que “o indivíduo ou espécie que cke, Hume e Berkley, que atribuíam o
propuserem uma solução errada po- conhecimento à s regras impostas
dem ser eliminados’, em uma alusão pela mente após repetidas sensa-
que faz à Teoria evolucionária de ções, ou seja, o conhecimento prove-
Charles Darwin dizendo que ”tanto as niente apenas dos sentidos, sem a
mutações erradas, quanto os conhe- participação do intelecto. Esse tipo de
cimentos errados, a eliminação é argumento defendido por esses três
inevitável ”. filósofos “pré-darwinistas” é repre-
sentado por Popper através de um
Toda esta argumentação de Popper exemplo. O homem que acumula
serve para que ele confirme que o conhecimento através de contínuas
conhecimento objetivo não é fruto de sensações é como um recipiente que
experiências pessoais, mas sim da vai sendo preenchido. É a chamada
competição entre teorias acerca de “teoria da mente como recipiente”,
um assunto determinado, dentro do onde após muitos estímulos sensori-
processo de debates. ais repetidos, formam-se coincidên-
cias que se transformam em regras
Popper apresenta-o como um con- gerais a respeito de alguma coisa, ou
junto de potencialidades ou tendênci- seja, um conceito. A resposta de Po-
as, inatas ao homem, com o propó- pper acerca desta teoria vem na for-
sito de que ele reaja a alguma situa- ma de argumentações que demons-
ção específica. Um exemplo da apli- tram que desde os primeiros anos de
cação das potencialidades é o de que vida, os seres possuem certas ten-

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dências a se fazer determinadas coi- de um processo de criação; que ele


sas, como o bebê que vai ao peito se aplica tanto aos homens como nos
para se alimentar, ou os deficientes animais que os problemas teóricos
que mesmo não possuindo algum são todos produtos seus, assim como
sentido mais desenvolvido, conse- os computadores, que não podem
guem desempenhar muitas funções pensar por si próprios, por também
apenas com o intelecto, aplicando-o serem criados pela mente.
em alguma solução.
Considerações finais
1.4 Debate
O que se pode tirar dessas lições é o
Popper conclui os dos dois temas valor que Popper dá ao conheci-
propostos salientando a sua prefe- mento como forma de construção do
rência em não emitir definições. Sua homem. Esta construção é feita pelo
idéia de que o termo 'mundo’ é ape- próprio homem, com base nos pro-
nas uma mera formalidade, poderia cessos desempenhados pela sua
ter outro nome qualquer. As teorias capacidade intelectual, capacidade
incentivam a descoberta da Verdade esta que o eleva dos demais seres.
e que o mundo 2 se subordina ao Enfim, o que Popper faz em seu tra-
mundo 3 e ao mundo 1. balho rompe com a tradição filosófica,
sobretudo a de cunho empírico, e cria
Com relação ao mundo 3, o autor uma nova forma de pensar e ver o
apresenta a maior parte de suas con- mundo a partir de uma Filosofia da
siderações. Ele diz ser o mundo 3 Mente.
autônomo, pois suas conseqüências
são criadas a partir do que já existe;
que suas produções surgem a partir

Referências Bibliográficas

POPPER. Karl R. Conhecimento objectivo e subjectivo In. O conhecimento e o problema


corpo-mente. Lisboa: Edições 70, 1996, p. 13-37.

POPPER, Karl R. e ECCLES, John C. O Cérebro e o Pensamento. Campinas. Papirus.


1992

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