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O PROBLEMA DA DEMARCAÇÃO: CIÊNCIA, NÃO-CIÊNCIA E PSEUDOCIÊNCIA

Como distinguir a ciência da pseudociência?

Stephen Law

O que é pseudociência? A maioria de nós, intuitivamente, reúne mais ou


menos os mesmos fenómenos sob a denominação «pseudociência». Exemplos
paradigmáticos incluem a astrologia, o criacionismo da Terra jovem, a ciência
cristã, o feng shui, a homeopatia, o terraplanismo, o negacionismo das
alterações climáticas e a medicina chinesa (embora existam casos de fronteira
contestados, nem todos concordam com o estatuto das teorias psicanalíticas
de Freud). Mas, embora pareça que podemos reconhecer a pseudociência
quando a vemos, fornecer uma definição filosófica adequada de pseudociência
não é tão fácil. [ ... ]

Fazer perguntas do tipo «O que é x?» é uma ocupação filosófica tradicional. Os filósofos perguntam: «O que
é a justiça?», «O que é a verdade?», «O que é a mente?», «O que é a ciência?», etc. Na medida em que
procuramos respostas filosóficas adequadas a estas questões, responder-lhes é uma tarefa notoriamente
difícil. A resposta adequada a estas questões é muitas vezes assumida como envolvendo a elaboração de
uma lista de condições necessárias e suficientes. [ ... ]

Por exemplo, pode sentir-se tentado a definir a pseudociência como qualquer tentativa de explicação que
apela ao sobrenatural. No entanto, embora uma grande parte da pseudociência esteja realmente ligada a
crença no sobrenatural (ciência cristã, criacionismo da Terra jovem, e, em algumas versões, a astrologia,
todas elas envolvem elementos sobrenaturais), esta sugestão enfrenta contraexemplos óbvios. [ ... ]

Dadas as dificuldades em proporcionar uma definição clarificadora de «pseudociência» em termos de


condições necessárias e suficientes, alguns podem, de forma pessimista, concluir que o termo é, então,
apenas um «termo oco» - um termo que é usado para expressar nada mais do que a desaprovação de uma
teoria. [ ... ]

Sou menos pessimista em relação ao termo «pseudociência». É certo que a nossa incapacidade de fornecer
uma definição clarificadora de «verdade", «mente» ou mesmo «ciência», em termos de condições
necessárias e suficientes, não justifica, por si só, a condenação destas expressões por falta de conteúdo
substantivo. Assim, porquê ser tão rápido a condenar o termo «pseudociência» com base nisso? [ ... ]

Wittgenstein explica como um termo pode ser adequadamente satisfeito, mesmo que, na verdade, seja
impossível defini-lo em termos de condições necessárias e suficientes. Sublinha que alguns conceitos, como
o de jogo, apresentam «semelhanças de família». Os vários membros de uma família podem assemelhar-se
uns aos outros em aspetos diferentes, apesar de não haver uma característica (o nariz grande, as
sobrancelhas espessas ou a boca assimétrica) que todos partilhem. Wittgenstein nota que, do mesmo modo,
parece não haver característica alguma que todos os jogos tenham em comum. Alguns jogos são
competitivos, mas outros não. Alguns envolvem bolas, mas outros não. E assim por diante. Qual é, então, a
única coisa que todos os jogos, e só os jogos, têm em comum? Não é preciso haver nada - apenas uma série
de semelhanças sobrepostas. No entanto, o conceito de jogo é adequado na mesma.[ ... ]

A pseudociência pode, da mesma forma, ser uma questão de semelhanças de família. A sugestão de que se
trata de uma questão de semelhança de família foi feita por vários filósofos.

Stephen Law, How Can We Tell Science From Pseudoscience? (adaptado).


Razões para algumas pessoas se sentirem atraídas pela pseudociência

James Ladyman

A pseudociência é atraente para as pessoas por duas razões. Primeiro, a


desconfiança geral que algumas pessoas têm em relação aos cientistas e à
ciência enquanto instituição. A confiança na ciência sempre foi parcial e
contestada, e os abusos do conhecimento científico e o poder da ciência
tornam essa reação compreensível em vários casos. A desconfiança foi e
continua sendo gerada pela pseudociência e pela fraude científica no seio da
ciência convencional, levando alguns à conclusão de que a distinção entre
ciência e pseudociência é como a distinção entre ortodoxo e heterodoxo,
tratando-se apenas de uma questão de poder e autoridade. Alguns exemplos
cruciais de falsidade na ciência convencional refletiram e indiretamente desculparam ideologias sociais
prejudiciais sobre o sexo e a raça. Abusos espantosos na ciência médica deram ao público razão para duvidar
de que a medicina convencional tem sempre em mente o melhor interesse público em mente. Na
psiquiatria, há não muito tempo, as mulheres no Reino Unido eram encarceradas pelo que agora é
considerado nada mais do que um interesse saudável pelo sexo. Até 1973, a Associação Psiquiátrica
Americana considerava a homossexualidade uma doença mental. [ ... ] A segunda razão para a influência
contínua da pseudociência é que muitas pessoas sofrem de padecimentos e moléstias a respeito dos quais a
ciência médica pouco pode fazer, quando o pode, ou para os quais o tratamento apropriado exigiria muitos
recursos. As pessoas podem até ter muito a ganhar ao acreditar nas soluções pseudocientíficas dos seus
problemas. Trabalhos sobre o efeito de placebo mostram que podem ter razão ao dizer que a pseudociência
as «ajuda», muito embora, é claro, o tipo de terapia furada escolhida seja mais ou menos irrelevante, por
mais que alguns possam preferir um embrulho pseudocientífico em vez de sobrenatural.

A fraude científica, a corrupção científica e a ciência ideologicamente enviesada são as grandes amigas da
pseudociência, pois ajudam a criar o clima epistémico de ceticismo e desconfiança na autoridade epistémica
na qual podem florescer. Precisamos da autoridade epistémica porque ninguém pode conferir tudo por si
mesmo e porque muitos de nós carecem do conhecimento e/ou dos poderes intelectuais para seguir o
raciocínio da ciência, da matemática e da medicina. A pseudociência desprovida de confiabilidade pode
parecer dotada de autoridade, mas está cheia de treta.

James Ladyman, Philosophy of Pseudoscience: Reconsidering the Demarcation Problem, M. Pigliucci e M.


Boudry (org.). Chicago: University of Chicago Press, 2013, pp. 45-59 (adaptado).
O CRITÉRIO DA VERIFICABILIDADE

Demarcação, falsificabilidade e pseudociência

David Papineau

Segundo Popper, a ciência é uma sequência de conjeturas. As teorias científicas são propostas como
hipóteses e são substituídas por novas hipóteses quando são falsificadas. No entanto, esta maneira de ver a
ciência suscita uma questão óbvia: se as teorias científicas são sempre conjeturais, então o que torna a
ciência melhor do que a astrologia, a adoração de espíritos ou qualquer outra forma de superstição sem
fundamento? Um não popperiano responderia a esta questão dizendo que a verdadeira ciência prova aquilo
que afirma, enquanto a superstição consiste apenas em palpites. Mas, segundo a conceção de Popper,
mesmo as teorias científicas são palpites - pois não podem ser provadas pelas observações: são apenas
conjeturas não refutadas.

Popper chama a isto o «problema da demarcação» - qual é a diferença entre a ciência e outras formas de
crença? A sua resposta é que a ciência, ao contrário da superstição, pelo menos é falsificável, mesmo que
não possa ser provada. As teorias científicas estão formuladas em termos precisos, e por isso conduzem a
previsões definidas. As leis de Newton, por exemplo, dizem-nos exatamente onde certos planetas
aparecerão em certos momentos. E isto significa que, se tais previsões fracassarem, poderemos ter a certeza
de que a teoria que está por detrás delas é falsa. Pelo contrário, os sistemas de crenças como a astrologia
são irremediavelmente vagos, de tal maneira que se torna impossível mostrar que estão claramente errados.
A astrologia pode prever que os escorpiões irão prosperar nas suas relações pessoais à quinta-feira, mas,
quando são confrontados com um escorpião cuja mulher o abandonou numa quinta-feira, é natural que os
defensores da astrologia respondam que, considerando todas as coisas, o fim do casamento provavelmente
acabou por ser melhor. Por causa disto, nada forçará alguma vez os astrólogos a admitir que a sua teoria
está errada. A teoria apresenta-se em termos tão imprecisos que nenhumas observações atuais poderão
falsificá-la.

O próprio Popper usa este critério de falsificabilidade para distinguir a ciência genuína não só de sistemas de
crenças tradicionais, como a astrologia e a adoração de espíritos, mas também do marxismo, da psicanálise
de várias outras disciplinas modernas que ele considera negativamente como «pseudociências». Segundo
Popper, as teses centrais dessas teorias são tão irrefutáveis como as da astrologia. Os marxistas preveem
que as revoluções proletárias serão bem-sucedidas quando os regimes capitalistas estiverem
suficientemente enfraquecidos pelas suas contradições internas. Mas, quando são confrontados com
revoluções proletárias fracassadas, respondem simplesmente que as contradições desses regimes
capitalistas particulares ainda não os enfraqueceram suficientemente. De maneira semelhante, os teóricos
psicanalistas defendem que todas as neuroses adultas se devem a traumas de infância, mas, quando são
confrontados com adultos perturbados que aparentemente tiveram uma infância normal, dizem que ainda
assim esses adultos tiveram de atravessar traumas psicológicos privados quando eram novos. Para Popper,
estes truques são a antítese da seriedade científica. Os cientistas genuínos dirão de antemão que
descobertas observacionais os fariam mudar de ideias e abandonarão as suas teorias se essas descobertas se
realizarem. Mas os teóricos marxistas e psicanalistas apresentam as suas ideias de tal maneira, defende
Popper, que nenhumas observações possíveis os farão alguma vez modificar o seu pensamento.

David Papineau, in A. C. Grayling (org.), Philosophy: A Guide Through the Subject,

OUP, 1998, p. 129-130 (adaptado).


Teorias irrefutáveis Karl Popper

Uma vez, em 1919, contei [a Alfred Adler] um caso [de uma criança] que não se me afigurava
particularmente adleriano, mas que ele não teve, no entanto, dificuldade em analisar à luz da sua teoria de
sentimentos de inferioridade, apesar de não ter sequer visto a criança em questão. Ligeiramente chocado,
perguntei-lhe como é que podia ter tanta certeza. «Por causa da minha experiência de mil casos
semelhantes», foi a resposta - perante a qual não pude deixar de comentar: «E com este novo caso, suponho
que esse já deve ter aumentado para mil e um.»

Aquilo em que eu estava a pensar era que as observações que ele anteriormente fizera podiam não ter sido
muito mais consistentes do que esta, que cada uma delas teria sido, por sua vez, interpretada à luz da
«experiência prévia» e simultaneamente contabilizada como confirmação adicional. E confirmação de quê?,
perguntei a mim próprio. Unicamente de que um caso podia ser interpretado à luz de uma teoria. Mas isso,
refleti eu, significava muito pouco, uma vez que qualquer caso concebível podia ser interpretado à luz da
teoria de Adler, ou também de Freud.

Karl Popper, Conjeturas e Refutações, pp. 57-58.


Ciência e criacionismo Juiz William Overton

Uma teoria científica deve ser provisória e sempre sujeita a revisão ou abandono à luz de factos que sejam
inconsistentes ou que falsificam a teoria. Uma teoria que é pelos seus próprios termos dogmática,
absolutista e nunca sujeita a revisão não é uma teoria científica. Os métodos dos criacionistas não recolhem
dados, nem os confrontam com os dados científicos opostos para daí tirarem as suas conclusões. Em vez
disso, pegam na redação literal do Livro do Génesis e tentam encontrar apoio científico para isso. [ ... ]
Embora qualquer pessoa seja livre para se posicionar perante uma investigação científica da maneira que
eles escolhem, eles não podem descrever adequadamente a metodologia usada como científica, se
começarem com uma conclusão e se recusarem a alterá-la, independentemente das evidências descobertas
durante o curso da investigação.

McLean v. Arkansas Board of Education 1982: 1268-1269 {adaptado).

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