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EPISTEMOLOGIA

JUDICIÁRIA E
PROVA PENAL
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Badaró, Gustavo Henrique


Epistemología judiciária e prova penal / Gustavo Henrique Badaró. -- São
Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2019.

Bibliografia.
ISBN 978-85-5321-817-2

1. Poder judiciário 2. Processo penal


3. Processo penal - Brasil 4. Prova (Direito) - Brasil I. Título.
19-29226 CDU-343.14(81)

índices para catálogo sistemático:

1. Brasil: Prova : Direito processual penal 343.14(81)


Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964
H [ GUSTAVO HENRIQUE BADARÓ

EPISTEMOLOGIA
JUDICIÁRIA E
PROVA PENAL

TH O M SO N REUTERS

REVISTA DOS
TRIBUNAIS
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL
G ustavo H enrique B adaró

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dade das ideias e dos conceitos emitidos em seu trabalho.

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Fechamento desta edição |31.07.2019]

EDITORA AFILIADA

ISBN 978-85-5321-817-2
Para Professora
A da P ellegrini G rinover,
com gratidão e saudade.
NOTA D O AUTOR

O livro Epistemología judiciária e prova penal é Iruto da lesc para concurso de


Professor Tilular de Direilo Processo Penal da Faculdade de Direito da Universidade
de São Paulo, defendida em dezembro de 2018, em que propon lio a formulação de
um modelo de epistemología judiciaria para o controle lógico e racional do juízo
de fato no processo penal.
Um livro que resulta de urna tese de concurso para professor titular é, antes
e principalmente, urna historia de vida acadêmica, construída com ajuda e apoio
de muitos.
Esta ‘Nota do autor”, portanto, não é apenas uma apresentação de livro. Muito
mais do que isso, deveria ser denominada: “Muito obrigado”!
Meu primeiro agradecimento é para a Banca Examinadora, presidida pelo Pro­
fessor José Rogério Cruz e Tucci e integrada pelos Professores Antonio Magalhães
Gomes Filho, Jacinto Nelson de Miranda Cominho, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro
e Aluísio Gonçalves de Castro Mendes. Além da lhaneza com que me trataram e a
generosidade das notasatribuídas no Concurso, o que já seria inesquecível, há mais
a ser registrado publicamente. As arguições eruditas, as críticas corretas e justas e
as sugestões adequadas e pertinentes me permitiram corrigir a tese e entregar ao
público um livro que considero melhor e mais profundo. Efetivamente, cumpri meu
compromisso assumido com os Examinadores de, no dia seguinte ao concurso, já
começar a corrigir a tese.
Além de ter eliminado os apontados erros, o livro traz dois itens que não
existiam na tese: o primeiro, acrescido no contexto da valoração, foi o desenvol­
vimento mais aprofundado da inferência probatória, especialmente com base no
modelo argumentativo de Toulmin (item 3.5.4.1). Descrever melhor o método
adequado para que o julgador realize a inferência probatória mostrou a necessidade
de também aprofundar o contexto da justificação, como, aliás, fora sugerido pelo
Professor Antonio Magalhães Gomes Filho. Para tanto, foram acrescidos os itens:
“3.7.1. Espécies de justificação: justificação interna e externa” e “3 .7 .2 .0 conteúdo
da motivação do juízo de fato".
Depois de um pouco da história da Tese e do Concurso, gostaria de destacar
os professores e amigos de minha vida acadêmica.
É fundamental agradecer a todos os professores da Faculdade de Direito
do Largo de São Francisco, que foram fundamentais em minha formação. Sou
um Franciscano e carrego em mim um pouco de cada um dos meus professores.
8 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

A prudência recomenda não os nominar, para evitar injustas omissões. Mas meu
desejo de expressar o quão importante foram em minha formação, ao ponto de
permitir me tornar Professor Titular, exige que explicite meu muito obrigado,
ao menos para os Professores do Departamento de Processo dos quais fui aluno
na graduação e na pós-graduação: Cândido Rangel Dinamarco, Flávio Luiz Yar-
shell, Antonio Carlos Marcato, Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, José Roberto
dos Santos Bedaque, Vicente Greco Filho, Ada Pellegrini Grinover, Antonio
Magalhães Gomes Filho, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Rogério Lauria Tucci,
Antonio Scarance Fernandes, Carlos Alberto Carmona e Maria Thereza Rocha
de Assis Moura.
L. ma lembrança especial há de ser feita para a Professora Ada Pellegrini Grino­
ver, minha professora, orientadora e grande incentivadora. Deu-me ensinamento
e carinho. Não há como exprimir em palavras meu sentimento. Com gratidão e
saudade, dedico-lhe este livro.
O Professor Antonio Magalhães Gomes Filho é meu exemplo de professor.
Mais que isso. Uma pessoa inigualável. É o Professor dos Professores. Convidou­
-me para o auxiliar na disciplina Estudo Crítico da Teoria Geral da Prova Penal e,
durante mais de uma década de ensinamentos, mostrou-me a importância da prova
penal para um processo justo.
Um elogio especial merece, também, o Professor Antonio Scarance Fernandes,
a quem tive a honra de suceder na Cátedra de Direito Processo Penal. Deu-me a
primeira oportunidade de lecionar em uma sala de aula da Faculdade de Direito
do Largo de São Francisco. Há mais de duas décadas, como integrante do famoso
PAE, sua confiança e generosidade me permitiram sentir, pela primeira vez uma
sensação inigualável e inesquecível.
Foram tantos amigos e amigas que me estimularam na vida acadêmica, mas não
podería deixar de destacar e agradecer a Petrônio Calmon Filho, Adriana Beltrame,
Paulo Lucon, Marta Saad, Maurício Zanoide de Moraes, Aury LopesJ únior, Geraldo
Prado, Diogo Malan, Eduardo Talamini, Pedro Dinamarco, Mariângela Gama de
Magalhães Gomes, José Fernando Simão, Pierpaolo Cruz Bottini. Renato de Mello
Jorge Silveira, Cleunice Pitombo, Heloisa Estelita. Ricardo Donizete G u inalzjosé
Alvesjúnior, Paulo Busato, Kai Ambos, Luís Greco, Ezequiel Malarino, Paulo de
Souza Mendes e Eneas Romero de Vasconcelos.
Aos meus orientandos registro também meu agradecimento e orgulho por os
ter presentes durante os dias de concurso.
A Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo é uma joia
rara. Masobrilho de seus livros não resplendeceria sem umeorpode bibliotecários
sempre solícitose competentes, que foram fundamentais para minha pesquisa. Meu
muito obrigado a todos. Agradeço, também, pelo auxílio na pesquisa, ao amigo
NOTA DO AUTOR 9

Andrey Borges de Mendonça, seja pelas sugestões de artigos, seja pela ajuda em
conseguir os textos estrangeiros.
A publicação do livro Epistemologia Ju diciária c Prova Penal é também a opor­
tunidade de registrar a alegria de contar, uma vez mais, com a confiança e apoio da
Editora Thomson Reuters/Revista dos Tribunais, que tem publicado meus livros
há 20 anos, desde a primeira edição da obra C orrelação entre acusação e sentença.
Deixo público, também, o meu agradecimento a Luiz Fernando Kirchner de
Magalhãesea Renato Stanziola Vieira que,apósoconcurso. ofereceram-se para lera
tese e indicar pontos a serem corrigidos para esta publicação. Mais do que aspectos
formais, também fizeram importantes sugestões sobre o conteúdo do trabalho.
Finalmente, o mais importante: agradeço e peço desculpas à minha família pelo
tempo dedicado aos estudos eà elaboração de mais uma tese. Foram irrecuperáveis
momentos de ausência e de convivência negligenciada com vocês. Se o Direito não
sai da minha mente, o amor de Jennifer, Luca, Enrico e Bárbara preenche e alegra
meu coração. Tudo na minha vida só tem sentido com vocês.

XI de agosto de 2019.
SUM A RIO

NOTA DO AUTOR....................................................................................................................................... <

INTRODUÇÃO............................................................................................................................................ 13

1. PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA ... 17


1.1. Noções gerais..........................................................................................................................
1.2. Processo penal como mecanismo de legitimidade da punição estatal....................... 18
1.3. As garantias processuais e sua relação com a epistemología judiciária..................... 21
1.3.1. Imparcialidade do ju iz............................................................................................ 24
1.3.1.1. Os poderes instrutórios do julgador................................................. 25
1.3.1.2. A limitação dos poderes instrutórios do juiz aos fatos imputados... 32
1.3.1.3. A produção de provas pelo juiz e o respeito ao contraditório de
partes....................................................................................................... 33
1.3.2. O contraditório........................................................................................................ 236
1.3.2.1. O direito à prova das partes................................................................ 40
1.3.3. A presunção de inocência...................................................................................... ‘f’*
1.3.4. A motivação das decisões judiciais...................................................................... d-8
1.3.5. O duplo grau de jurisdição.................................................................................... 51
1.3.6. A duração razoável do processo............................................................................ 58
1.4. O processo acusatorio e a verdade..................................................................................... 62
1.5. O objeto do processo penal.................................................................................................. 68
1.5.1. Os "fatos" como objeto da prova no processo penal....................................... 69
1.5.2. Os fatos alegados pela acusação e pela defesa................................................... 72
1.5.3. A alteração do objeto do processo e as mudanças da imputação quanto aos
fatos............................................................................................................................. 74

2. VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA............................................................... 83


2.1. Noções epistemológicas para a análise da prova penal................................................. 83
2.2. Verdade: possibilidade e critérios........................................................... 84
2.3. Verdade e conhecimento...................................................................................................... 90
2.4. Lógica e tipos de inferência.................................................................................................. 93
2.4.1. Dedução e indução.................................................................................................. 95
2.4.2. Abdução...................................................................................................................... 103
2.5. As leis cientificas.................................................................................................................... 107
2.6. As noções do senso comum e as máximas de experiência........................................... 113
2.7. Verdade, conhecimento e prova no processo penal........................................................ 121
12 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

3. EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS................................... 131


3.1. O processo e a epistemología: rumo aurna epistemología judiciária......................... 131
3.2. Contextos da investigação científica e da prova judiciária.......................................... 137
3.3. Contexto da investigação..................................................................................................... 145
3.4. Contexto da instrução judicial............................................................................................ 152
3.4.1. As regras legais de admissibilidade probatória e seus reflexos epistêmicos ... 154
3 .4 .1.1. As regras legais de exclusões probatórias fundadas em limites
lógicos...................................................................................................... 155
3.4.1.2. As regras legais de exclusões probatórias fundadas em limites
políticos................................................................................................... 166
3 .4 .1.3. As regras legais de exclusões probatórias fundadas em limites
epistemológicos..................................................................................... 178
3.4.1.3.1. O problema da prova científica.................................... 181
3.4.2. As regras legais de produção da prova e seus reflexos epistêmicos.............. 196
3.4.2.1.
O contraditório na produção da prova: distinção entre provas
pré-constituidas e constituehdas....................................................... 197
3.5. Contexto da valoração.......................................................................................................... 200
3.5.1. Da prova legal ao livre convencimento............................................................... 204
3.5.2. Exceções legais à livre valoração da prova......................................................... 211
3.5.3. Métodos de valoração.............................................. 214
3 .5 .3 .1. A probabilidade estatística.................................................................... 216
3 .5.3.2. A probabilidade subjetiva..................................................................... 221
3.5.3.3. A probabilidade indutiva ou lógica................................................... 224
3.5.4. A inferência probatória........................................................................................... 227
3 .5.4.1. A inferência probatória a partir do esquema de argumentação de
Toulmin................................................................................................... 228
3 .5.4.2. A inferência para a melhor explicação.............................................. 232
3.6. Contexto da decisão............................................................................................................... 235
3.6.1. Diferença entre valorare decidir.............................................................................. 235
3.6.2. O standard de prova como critério de decisão................................................... 237
3.6.2.1. O standard de prova e presunção de inocência................................ 245
3.6.2.2. Prova “além de qualquer dúvida razoável": uma escolha axioló-
gica............................................................................................................ 248
3.6.2.3. As críticas ao standard de prova “alem da dúvida razoável"......... 249
3.6.2.4. Propostas alternativas ao standard de prova “além da dúvida
razoável” .................................................................................................. 253
3.6.3. O õnus da prova no processo penal..................................................................... 261
3.6.4. Interação e influência recíproca entre o standard de prova e o ônus da
prova............................................................................................................................... 262
3.7. Contexto da justificação.......................................................................................................... 264
3.7.1. Espécies de justificação: justificação interna e externa....................................... 268
3.7.2. O conteúdo da motivação do juízo de fato........................................................... 270

CONCLUSÕES............................................................................................................................................ 275

BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................................................... 283
IN TR O D U Ç Ã O

O título da obra é: “Epistemología judiciária e prova penal .


Por que propor um modelo para o juízo de fato no processo penal, saindo do
campo estritamente jurídico e buscando aportes da epistemología?
A resposta para a pergunta, que dá a justificativa para a obra, pode ser extraída
da contundente afirmação de Perfecto Ibáñez, no sentido de que o tratamento
da quacstio J a d i na sentença é “o momento de exercício do poder judicial poi
antonomásia". E complementa: “posto que é na reconstrução ou elaboração dos
Jatos onde o juiz é mais soberano; mais dificilmente controlável, e onde, portanto,
pode ser - como foi e em não poucas ocasiões segue sendo - mais arbitrário 1
Conter o arbítrio no processo penal é sempre necessário. E se a liberdade do
juiz na valoração da prova o está transformando de soberano em tirano, é necessário
propor mecanismos de contenção e controle do abuso do poder punitivo estatal.
Bastaria mudara lei? A resposta negativa se impõe. Há vários temas de prova
em que a solução puramente jurídica é insatisfatória. Soba ótica da epistemología,
mas com a consciência de que se buscam mecanismos para resolver os problemas
do juízo de fato no processo penal, vários temas probatórios serão revistos: a ne­
cessidade da obtenção da verdade como critério de justiça, a narrativa dos fatos no
processo como delimitadora do objeto da prova, os tipos de inferência realizados
no raciocínio probatório, o emprego de leis científicas e de máximas de experiência
na reconstrução dos fatos, a observância do contraditório como estimulador de uma
estrutura dialética no processo, com finalidade heurística, os critérios racionais
de valoração da prova, os modelos de probabilidade e a definição de um standard
de prova controlável intersubjetivamente, são temas que não podem ser tratados
satisfatoriamente fora do contexto epistemológico.
O que se busca é, ao final da obra, ter demonstrado a viabilidade de construção
de um sistema correto do ponto de vista epistemológico, e que permita ao processo
penal funcionar, na melhor medida possível, como um instrumento cognitivo,
que tenha na busca da verdade um de seus fins institucionais. Sem ingenuida­
de epistemológica, alinho-me com aqueles que combatem a veriphobia, e a lese

1. IBANEZ, Perfecto Andrés. Sobre a motivação dos fatos na sentença penal. Valoração da
prova e sentença penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 67. No mesmo sentido:
ABELLAS’, Marina Gasçon. La valoraeión de la prueba. In: ABEL LAN. Marina Gascon
(Coord.). Argumentación jurídica. Valencia: Tiram lo Blanch. 2014. p. 374.
14 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

adotará enfaticamente a posição de que a verdade é condição necessária, embora


insuficiente, para a o atingimento de uma decisão justa.
Os dois primeiros capítulos irão expor noções necessárias para a pré-com­
preensão do tema, estabelecendo e explicitando as matrizes jurídicas e epistemoló­
gicas com as quais se vai trabalhar no terceiro capítulo, integrando-as num modelo
de epistemología judiciária, que será o coração da obra.
No primeiro capítulo serão analisados aspectos legais e jurídicos fundamen­
tais para a compreensão do juízo de fato no processo penal, sendo a abordagem
subdividida em três pontos. O primeiro analisa para que serve o processo penal.
O segundo trata das garantias processuais que conformam o processo penal e que
são relevantes para a epistemología judiciária. Por fim, no terceiro e último tópico
será exposto como os fatos, que serão objeto da atividade probatória, ingressam
no processo penal.
O segundo capítulo trará os fundamentos epistemológicos relevantes para as
atividades desenvolvidas ao longo da persecução penal: investigação das fontes de
prova, produção dos meios de prova e. principalmente, a valoração da prova penal,
com vistas à possibilidade de se atingir um conhecimento verdadeiro. Serão expos­
tas as premissas e quais os critérios de verdade adotados. Também serão tratados,
ainda que de modo sumário, a dedução, a indução c a abdução como espécies de
raciocínios lógicos. Além disso, os temas das leis científicas, das máximas de expe­
riências e do senso comum serão expostos com vistas à sua utilização na valoração
da prova. Diante de tal quadro, o capítulo se encera com o relacionamento entre
verdade, conhecimento e prova no processo penal.
Por fim. com o terreno preparado pela primeira parte da obra, chega-se, no
terceiro capítulo, à proposta de um modelo de epistemología judiciária. Trata-se
de uma concepção racionalista da epistemológica judiciária, fundada em quatro
premissas: é cognitivista ao invés de cética; é correspondentista e não coerentista;
adota o modelo indutivo para o raciocínio judicial; e tem na busca da verdade uma
condição necessária, mas não suficiente para a decisão justa. A partir da distinção
bastante comum na filosofia da ciência, entre o contexto da descoberta e o contexto
da ju stificação, mas adaptando tais noções para a realidade do processo penal,
propõe-se uma sequência probatória subdividida cm cinco contextos: (i) inves­
tigação; (ii) instrução; (iii) valoração; (iv) decisão; e (v) justificação. O contexto
da investigação focará na atividade do investigador, sob o prisma do raciocínio
abdutivo. No contexto da instrução, serão analisados, sempre atento aos reflexos
epistêmicos, os limites lógicos, políticos e epistemológicos de produção da prova,
com especial destaque para o problema da prova cientifica. Na sequência, no con­
texto da valoração, serão analisados o sistema do livre convencimento e os métodos
de valoração da prova sob um enfoque epistemológico, buscando o melhor modelo
de probabilidade para preencher o vazio legal deixado pelo livre convencimento,
INTRODUÇÃO 15

mas permitindo a sua racionalização e o controle intersubjetivo. No contexto da


decisão, dois temas profundamente interligados e também de fortes contornos
epistemológicos serão desenvolvidos: os standards de prova, com especial destaque
para a prova da culpa “além da dúvida razoável”, e o ônus da prova. Finalmente,
no contexto da justificação será exposta a importância da fundamentação das
decisões sobre o juízo de fato para o funcionamento de um modelo racional de
valoraçào da prova.
1
P R O C ESSO E GARAN TIAS PRO CESSU AIS
VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA

S u m á r io : 1.1. Noções gerais. 1.2. Processo penal como mecanismo cie legiti­
midade da punição estatal. 1.3. As garantias processuais e sua relação com a
epistemología judiciária. 1.3.1. Imparcialidade do juiz. 1.3.1.1. Os poderes
instrutórios do julgador. 1.3.1.2. A limitação dos poderes instrutórios do juiz aos
fatos imputados. 1.3.1.3. A produção de provas pelo juiz e o respeito ao contra­
ditório de partes. 1.3.2. O contraditório. 1.3.2.1. O direito à prova das partes.
1.3.3. A presunção de inocência. 1.3.4. A motivação das decisões judiciais.
1.3.5. O duplo grau de jurisdição. 1.3.6. A duração razoável do processo. 1.4.
O processo acusatório e a verdade. 1.5. O objeto do processo penal. 1.5.1. Os
"fatos" como objeto da prova no processo penal. 1.5.2. Os fatos alegados pela
acusação e pela defesa. 1.5.3. A alteração do objeto do processo e as mudanças
da imputação quanto aos fatos.

1.1. Noções gerais

O presente capítulo tem por finalidade explicitar premissas jurídicas ou legais


com as quais se trabalhará no desenvolvimento de um modelo de epistemología
judiciária voltada para o processo penal. Para tanto, há três indagações fundamentais
a serem respondidas. A primeira: para que serve o processo penal? A segunda: quais
as garantias processuais que conformam o processo penal e que são relevantes para
a epistemología judiciária? A terceira e última: como os fatos, que serão objeto da
atividade probatória, ingressam no processo penal?
Tendo por preocupação primária os reflexos e as implicações que cada uma
dessas questões gerais provoca no campo probatório, buscar-se-á expor, em síntese:
a finalidade, o conteúdo e a estrutura do processo penal. Não se pretende, nem seria
possível, dar respostas definitivas ou mesmo tranquilamente aceitas para cada uma
das três interrogações anteriormente formuladas.
Ainda com esse escopo limitado, predominantemente descritivo, os temas
serão expostos na medida e na profundidade que tenham interligação mais
próxim a com o juízo de fato no processo penal, que será objeto dos capítulos
sucessivos.
18 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

1.2. Processo penal como mecanismo de legitimidade da punição estatal


Qual a finalidade do processo penal?
Numa resposta direta, para uma pergunta ambiciosa, pode-se dizer que o
processo penal tem por função a legitimação do exercício do poder de punir estatal.
Evidente que o tema é complexo e, em se adotando como ponto de partida
uma finalidade distinta, as conclusões também serão diversas. Adota-se, assim,
um sistema de processo penal no qual, segundo Ferrajoli, os diversos princípios
garantistas se configuram, antes de tudo, como um esquema epistemológico de
identificação do desvio penal com o objetivo de assegurar, comparado com outros
modelos de direito penal historicamente concebíveis e que já existiram, o máximo
grau de racionalidade e de confiabilidade do julgamento e, portanto, de limitação
do poder punitivo e de tutela da pessoa contra o arbítrio.1
Nem sempre foi assim. Punição e poder são intrinsecamente ligados, sendo
que o exercício do poder assume diversas formas, algumas legítimas, outras não.
O “processo” penal inquisitivo é um exemplo de mecanismo punitivo aplicado por
um sujeito sem imparcialidade, em que não havia partes em sentido verdadeiro
do termo e muito menos era possível o exercício do contraditório para atuação
do direito penal objetivo.2 Todavia, se no passado isso ocorreu, atualmente esse
modelo não é mais aceitável, em decorrência de longa evolução histórica, com a
valorização dos direitos e garantias do homem e, particularmente, do acusado.
No Estado de Direito não se pretende punir de qualquer modo ou a qualquer
custo.3 Portanto, no processo penal não se aplica a lógica de que os fins justificam
os meios. Ao contrário, a correta observância do meio, isto é, do processo enquanto
instrumento para atuação do direito de punir estatal, é condição para a legitimidade
do resultado. Para tanto, o processo deve respeitar os parâmetros constitucional­
mente previstos e se desenvolver com a perfeita observância das regras legais.

1. FERRAJOLI, Luigi. Diritto e ragion: teoria ciei garantismo penale. Roma: Laterza, 1998. p. 6.
2. Corno lembra José Frederico Marques (Ensaio sobre a jurisdição voluntária. São Paulo:
Saraiva, 1959. p. 25 3 ). “o Estado, como titular do direito de punir, poderia reprimir os
delitos administrativamente, e isto ou alravés de órgãos judiciários, como acontecia no
processo inquisitorio, ou de órgãos submetidos ao Executivo".
3. Antonio Magalhães Gomes Filho (A moíivação das decisões penais. São Paulo: Ed. RT,
2001. p. 23) destaca que “a moderna concepção de Estado de dir eito traduz, basicamente
uma ideologia de limitação desse poder". E. especificamente com relação ao processo
penal. Luciano Marques Leite (O conceito de lide no processo penal: um tema de teoria
geral do processo. Justitia, n. 70,jul.-set. 1970. p. 193) lembra que "O Estado de Direito,
para maior garantia e tutela da liberdade dos cidadãos, depois de percorrer uma linha
ascensional, que é a própria história da evolução dos direitos fundamentais do homem,
autolimitou-se. Colocou à sua frente uma barreira, a proibição da autodefesa penal, isto
após ter estabelecido uma posição de equilíbrio entre o seu direito punitivo e o direito
de liberdade dos súditos”.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 19

O respeito ao devido processo legal é condição necessária,'1 embora não


suficiente, para uma decisão justa. Os processos que respeitem as regras legais
poderão ter como resultado uma decisão justa.’ De outro lado, um processo que
viole garantias constitucionais, ou as leis de regência, não terminará com uma
decisão justa, independentemente das demais variáveis em questão. Obviamente,
uma punição injusta será ilegitima.
É essencial, portanto, definir quais as condições necessárias para uma deci­
são justa. Segundo Taruffo, a justiça de uma decisão está condicionada ao correto
juízo de fato, à correta escolha e interpretação das regras jurídicas, bem como
ao emprego de um procedimento válido.456 Trata-se, assim, de um conjunto de três
condições necessárias, embora nenhuma delas, isoladamente, suficiente.7
O tema central da obra é a proposta de um modelo de epistemología judiciária
que permita a adoção de mecanismos racionais para a produção e valoração da prova
no processo penal. Mas isso não pode se dar desprezando-se as garantias do devido
processo legal. Utn processo que obtenha o máximo de rendimento epistêmico, mas
às custas de violações de garantias processuais, não levará a um resultado legítimo,
ainda que baseado numa correta reconstrução dos fatos. A investigação e a i nstrução
criminal devem se desenvolver nos limites constitucionais e segundo os critérios
legais, sendo cada vez mais necessária a advertência de Ada Pellegrini Grinover:
“a investigação criminal e a luta contra a criminalidade devem ser conduzidas de
acordo com um rito probatório legalmente predeterminado'’.8

4. O tema será aprofundado, infra, no item L.3.


5. Adotar a premissa de que o respeito ao procedimento é condição necessária, mas não
suficiente, para decisão justa implica rechaçar a concepção meramente procedimenta-
lista, no sentido de que basta o respeito ao procedimento para que se considere justa a
decisão proferida ao final. Michele Taruffo (Idee per una teoria delia decisione giusla.
Sui confini: scritii sulla giustizia civile. Bologna: 11 Mulino, 2002. p. 225) afirma, com
razão, que a justiça da decisão não pode coincidir somente com o respeito ao procedi­
mento, pois a um processo justo pode se seguir uma decisão injusta, se o juiz valora
de modo errôneo o resultado das provas. No mesmo sentido: NOBIL1, Massimo. Esití.
errori, arbitrii dietro unillustrc formula: gli ultimi trent’armi. II libero convincimenlo dei
giudice penale: vecchie e nuove esperienze. Milano: Giuffrè, 2004. p. 41.
6. TARUFFO. Idee per una teoria delia decisione giusta, cit., p. 224; Idem. Processo civil
comparado: ensaios. Trad. Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 38. No
mesmo sentido: PASTORE, Baldassare. Decisioni, argomenti, coiUrolti: diritto positivo e
filosofia dei diritto. Torino: G. Giappichelli, 2015. p. 97 -9 8 ; TUZET, Giovanni. Filosofia
delia prova giuridica. 2. ed. Torino: G. Giappichelli, 2016. p. 81.
7. Deixando de lado a questão da interpretação e aplicação da lei, que não é o objetivo
desta obra, no presente capítulo se examinarão as garantias do devido processo legal e
sua interação com o juízo de falo.
8. GRINOVER, Ada Pellegrini. Liberdades públicas e processo penal: as interceptações tele­
fônicas. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1982. p. 58.
20 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

É necessário, portanto, conciliar, como fins institucionais do processo, a


busca pela verdade, no que diz respeito ao juízo de fato ou à atividade epistêmica,
com o respeito às garantias processuais, no que toca ao correto funcionamento do
procedimento.910
Retoma-se, assim, o ponto de partida: o processo penal, enquanto instrumento
legal para a verificação de uma imputação, na qual se atribui a alguém a prática de
um fato definido como crime e, em caso de conclusão positiva, de imposição
de uma sanção, é um fator de legitimação do sistema punitivo e, de forma mais
ampla, do próprio exercício do poder.
O mecanismo processual é colocado em funcionamento para a verificação
da imputação penal, isto é, da atribuição de um fato concreto que se subsuma
a um tipo penal e configure crime, a quem o tenha praticado ou para o qual ele
tenha concorrido. Se o juiz decidir que foram comprovados os fatos imputados, a
consequência será a aplicação de uma regra de direito penal impositiva de sanção,
punindo-se o autor do fato criminoso. De outro lado, em caso de acertamento
negativo da imputação, ou mesmo de dúvida sobre qualquer fato relevante, o
resultado será a absolvição.
Ao final, o juiz precisará decidir. O mundo do direito é o mundo das deci­
sões.“' Bellavista dizia que o processo nasce porque a dúvida é o seu prólogo, e
uma certeza judicial deve ser o seu epílogo.11 Realmente, a dúvida é a sua origem.
Mas a certeza, num sentido racional, jamais será atingida. O processo é o típico
ambiente do conhecimento incerto, pois tudo o que a reconstrução história do
fato pode permitir é um resultado em termos de probabilidade e não de certeza.12
Mas, sendo vedado o non liquet, o processo deverá terminar com uma decisão con­
denatoria ou absolutoria. É preciso decidir, e mais que isso, decidir com justiça.
O resultado do processo penal somente será justo e legítimo se respeitadas três
condições necessárias já enunciadas: um correto juízo sobre os fatos, com vistas
à reconstrução histórica dos fatos imputados;13 um correto juízo de direito, com

9. A tríade se completa com o terceiro escopo institucional do processo, relacionado com


o quaestio iuris, consistente na correta interpretação e aplicação da lei. Mas, para os fins
da obra, esse terceiro escopo não está diretamente em questão.
10. IRT1, Natalino. Dubbio e decisione. Rivista cli Dirilto Processuale, 2001. p. 64.
11. BELLAVISTA, Girolamo. II processo come dubbio. Studi sul processo pcnale. Milano:
Giuffrè, 1976. v. IV p. 31.
12. IACOVIELLO, Francesco Mauro. I criteri di valutazione delia prova. In: BESSONE;
Mario; GUASTIM, Ricardo (Coorcl.). Lu rcgola dei caso: maieriali sul ragionamento
giuridico. Padova: Cedam, 1995. p. 398.
13. No sentido de que a verdade é condição necessária, mas não suficiente para a justiça das
decisões: LAUDAN, Larry. Verdad, error y proceso penal: un ensayo sobre epistemología
jurídica. Trad. Carmen Vázquez e Edgard Aguilera. Madrid: Marcial Pons. 2013. p. 23;
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATORIA 21

uma acertada interpretação da lei e aplicação da norma aos fatos; e, por fim, o
funcionamento do instrumento processual, respeitando direitos e garantias das
partes, com estrita observância do rito legal. Em suma, em extrema simplificação,
uma decisão justa necessita de uma correta atividade epistêmica, para resolver a
qu aestiofacti, uma adequada atividade hermenêutica, para resolver aqu aeslioiu ris,
e fazer a subsunção dos fatos à norma aplicável, sendo tudo isso realizado em um
instrumento que respeite o devido processo legal.
Para a relevantíssima realização do juizo de fato, o processo compartilha os
problemas epistemológicos da reconstrução histórica dos fatos, comum a vários
campos do saber, como a história, a medicina diagnóstica, as ciências naturais,
entre outras. Mas, diferente da epistemologia, no processo se conhece não somente
por conhecer, mas para decidir uma questão concreta. O conhecimento é meio e
não fim. A busca da verdade se destina a permitir uma decisão correta e, portanto,
tendencialmente justa. Para tanto, a verdade é uma das condições necessárias, assim
como a correta aplicação da lei também o é. E tudo isso precisa se desenvolver por
meio de um processo disciplinado por um conjunto de normas legais que deem
concretude a garantias asseguradas em convenções internacionais e nas Consti­
tuições do Estados. Logo, o processo como mecanismo cognitivo está sujeito a
limites legais e constitucionais que afetam a admissão e a produção da prova, o que
faz com que o conhecimento sobre a verdade seja limitado. Ou, como se costuma
afirmar, atingirá uma “verdade juridicamente condicionada”.H
Antes de analisarmos as garantias processuais cujo respeito é fundamental, é
preciso definir qual é o objeto da prova no processo penal, quanto ao juízo de fato.

1.3. As garantias processuais e sua relação com a epistemologia


judiciária

Como já exposto, o processo penal tem por finalidade legitimar o exercício


do poder de punir estatal, mediante a verificação probatória e posterior decisão
sobre a imputação penal.
Não se pode aceitar, porém, qualquer instrumento como apto a legitimar
o resultado final. Mesmo que haja uma correta reconstrução histórica dos latos,

GOLDMAN, Alvin l. Knowledge in a social world. Oxford: Oxford University Press, 1999.
p. 284; UBERT1S, Giulio. Profili di epistemologia giudiziaria. Milano: Giuffrè, 2015. p. 3;
HAACK, Susan. A respeito da verdade, na ciência e no direito. Perspectivas pragmáticas
da filosofia do direito. Trad. André de Godoy Vieira e Nélio Schneider. Sâo Leopoldo:
Editora Unisinos, 2015. p. 324.
14. IBÁNEZ, Perfecto Andrés. “Carpintaria" da sentença penal (em matéria de fato). Valo-
ração da prova e sentença penal. Trad. Lédio Rosa de Andrade. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2006. p. 128.
22 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

bem como seja realizada uma adequada atividade hermenêutica, o desrespeito às


garantias constitucionais do processo fará com que o resultado seja injusto. Não
é por outra razão que a Constituição, acertadamente, assegura que ninguém será
privado de sua liberdade sem o devido processo legal.
Mas, exigir o devido processo legal não pode significar dar uma folha assinada
em branco para o legislador infraconstilucional. Ainda mais num sistema como o
brasileiro, no qual além da cláusula geral do devido processo, também é estabele­
cido um riquíssimo conjunto integrado de garantias processuais específicas. Não
se pode imaginar como due pw cess ou processo équo, para usar a linguagem das
Cortes Internacionais, um processo que tenha lugar perante tribunais de exceção
ou mesmo um juiz que não seja o natural, segundo os critérios de competência
definidos na Constituição e nas leis. O réu desse processo não será um sujeito de
direito presumido inocente, a quem seja assegurada a ampla defesa, em paridade de
armas com a acusação. O processo não será devido, aliás, nem processo será, mas
sim mero procedimento, se não se desenvolver em contradi tório. Um rito com atos
secretos e com decisões não motivadas será um processo arbitrário. Além disso, o
processo deverá se desenvolver em prazo razoável.1516
Nesse conjunto integrado de garantias, há inegáveis áreas de sobreposição,
o que não é criticável ou sinônimo de má técnica. É preferível um conjunto de
garantias processuais em que haja redundâncias ao invés de faltas. Entre as diver­
sas garantias há zonas de interpenetração recíproca, bem como situações em que
uma garantia assegura a efetividade de outra e ambas se reforçam mutuamente.
Por exemplo, sem independência judicial não haverá imparcialidade, sendo a
garantia do juiz natural destinada a assegurar o direito a um juiz imparcial.10' Ou,
ainda: contraditório garante a ampla defesa, ao possibilitar a informação, e por ela
se manifesta, no momento de reação.17 Portanto, as diversas garantias processuais
asseguradas na Constituição e em Tratados e Convenções de Direitos Humanos,
embora tenham operacionalidade isoladamente, ganham força quando atuam de
forma coordenada e integrada, constituindo um sistema ou um modelo de garantias

15. Nesse sentido: CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo penal e
Constituição. 3. ed. Rio de Janeiro: Lum enjuris, 2004. p. 125.
16. Sobre a garantia do juiz natural como meio de assegurar o direito ao juiz imparcial:
BADARÓ. Gustavo Henrique. Juiz natural no processo penal. São Paulo: Ed. RT, 2014.
p. 35 e ss.
17. Analisando a interação entre defesa e contraditório. Ada Pellegrini Grinover (Defesa,
contraditório, igualdade e par conditio na ótica do processo de estrutura cooperatória.
Novas tendências do direito processual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1990. p. 5-6)
explica: “[...] defesa, pois, que garante o contraditório, e que por ele se manifesta e é
garantida: porque a defesa, que o garante, se faz possível graças a um de seus momen­
tos constitutivos - a informação - e vive e se exprime por intermédio de seu segundo
momento - a reação”.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS A ATIVIDADE PROBATÔRLA 23

processuais. Há, assim, um ‘‘sistema circular”1819que, em conjunto, assegura, em


níveis cada vez mais elevados, a proteção do indivíduo por meio do processo penal.
Não é objetivo do livro passar em revista o conjunto de garantias constitu­
cionais e convencionais aplicáveis ao processo penal. Muito menos se pretende
realizar uma análise crítica e pormenorizada de cada uma delas. O que se almeja
verificar é como as garantias processuais e, em especial, seus corolários que mais
concretamente regem o desenvolvimento do processo e da instrução, portam-se
perante um modelo de epistemología judiciária que lenha na descoberta da ver­
dade - evidente que com os limites inerentes a todo conhecimento humano - um
dos seus fins institucionais. Sob essa ótica, as regras que estabeleçam garantias
processuais serão analisadas a partir de um tríplice critério epistemológico: posi­
tivas, neutras e negativas.20
As garantias processuais epistem ológicamente positivas são aquelas que, além
de seu escopo processual propriamente dito, também são incentivadoras ou fa­
cilitadoras da descoberta da verdade. Por exemplo, o contraditório, além de ser
fundamental como elemento integrador do processo, ao permitir o funcionamento
de uma estrutura dialética no desenvolvimento do rito processual, também tem
uma relevante função heurística, sendo um potente mecanismo para a descoberta
da verdade.
Num segundo nível há garantias processuais que são epistemológicamente neu­
tras, na medida em que não favorecem nem obstaculizan! a descoberta da verdade.
Assim, por exemplo, a publicidade processual em sua vertente geral ou ampla. A
própria garantia do juiz natural, como juiz competente predeterminado por lei, é
neutra do ponto de vista epistemológico, pois se o juiz for imparcial, mesmo que
incompetente, não se estará prejudicando a descoberta da verdade.
Por fim, há garantias processuais que podem ser consideradas contrapro­
ducentes para o fim de descoberta da verdade. São, assim, garantias processuais
epistem ológicamente negativas, ou garantias antiepistêmicas, como seria o caso da
ausência de motivação no tribunal do júri.

18. A feliz figura de um “sistema circular" é de Alfredo Bargi ( Procedimento probatorio e


giusto processo. Napoli: Jovene, 1990. p. 105). Dela também faz uso Magalhães Gomes
Filho (A motivação cias decisões penais..., cil., p. 33).
19. MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit.. p. 33.
20. Gascón Abellán ( Los hechos en el derecho: bases arguméntales de la prueba. Madrid:
Marcial Pons, 2010. p. 122), tendo com criterio o fim de averiguação da verdade, divide
as garantias institucionais do processo em três categorias: garantias institucionais epis­
temológicas, que contribuem para a averiguação da verdade; garantias institucionais não
epistemológicas, que não dificultam a averiguação da verdade; e garantias institucionais
contraepistemolõgicas, que dificultam ou entorpecem a averiguação da verdade. Jordi
Ferrer Beltrán (Pruebay verdad en el derecho. 2. ed. Madrid: Marcial Pons, 2005. p. 36,
nota 19) também faz referencia a garantias contraepistemológicas.
24 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

1.3.1. Imparcialidade do juiz


A imparcialidade é uma condição essencial do juiz e pressuposto da atividade
jurisdicional. O processo, enquanto um dos meios de heterocomposição dos con­
flitos e de aplicação da lei, somente tem razão de ser quando o ato final de exercício
de poder seja realizado por um terceiro, isto é, um sujeito imparcial.
Embora a Constituição não assegure, expressamente, o direito a um juiz im­
parcial, é inegável que a imparcialidade é conditio sine qua non de qualquer juiz,
sendo uma garantia constitucional im plícita.21 Por outro lado, no âmbito dos
tratados regionais e internacionais de direitos humanos, há expressa previsão,
entre as garantias processuais mínimas do acusado, do direito de ser julgado por
um juiz imparcial.22
Dos muitos aspectos sob os quais se pode analisar a questão da imparcia­
lidade do juiz, no que diz respeito ao juízo de fato, a questão mais relevante diz
respeito aos chamados “poderes instrutórios do juiz”. Isso porque, toda vez que o
magistrado realiza uma atividade afeita a uma das partes, corre o risco de perder a
sua imparcialidade ou, o que já seria perigoso e suficiente para que deixasse de ter
condições de julgar, torna-se um julgador de cuja imparcialidade se possa duvidar.

21. Nesse sentido: GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do
direito. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 144.
22. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, de
10 de dezembro de 1948, prevê no item X que “Todo ser humano tem direito, em plena
igualdade, a urna justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e
imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação
criminal contra ele”. No âmbito das organizações regionais, a Convenção Europeia de
Direitos Humanos, de 0 4 de novembro de 1950, em seu art. 6 .1 , ao assegurar o direito
ao processo equitativo, estabelece que: “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa
seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal inde­
pendente e imparcial, estabelecido pela lei. o qual decidirá, quer sobre a determinação
dos seus direitos e obrigações de caráter civil, quer sobre o fundamento de qualquer
acusação em matéria penal dirigida contra ela [...]”. O Pacto Internacional sobre Di­
reitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas, de 16 de
dezembro de 1966, em seu art. 14.1, primeira parte, estabelece que “Todas as pessoas
são iguais perante os tribunais. Toda a pessoa lerá direito a ser ouvida publicamente
e com as devidas garantias por um tribunal competente, segundo a lei, independente e
imparcial, na determinação dos fundamentos de qualquer acusação de caracter penal
contra ela formulada ou para a determinação dos seus direitos ou obrigações de caracter
civil. [...]”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, adotada no âmbito da
Organização dos Estados Americanos, de 22 de dezembro de 1969, igualmente assegura,
no art. 8.1, que “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro
de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial.
estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada
contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil,
trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 25

Num processo em que o juiz seja o protagonista da atividade probatória, estan­


do a gestão da prova em suas mãos, tal indagação não teria sentido. Em processos
de cariz predominantemente inquisitorial, ao determinar a produção de provas,
não age em substituindo a atividade das partes. Ao contrário, estará sendo juiz,
como se espera que ele seja: investigando tenaz e completamente a verdade dos
fatos. Eis o seu papel.
Por outro lado, num processo em que a atividade de produção das provas
decorra do exercício do direito à prova das partes, se o juiz determina, de ofício,
a produção dc um meio dc prova que não foi requerido por nenhuma das partes,
poder-se-á objetar que estará realizado uma atividade de parle, colocando em
risco a sua imparcialidade. No processo penal, o contra-argumento normalmente
utilizado no campo cível, de que o juiz, ao determinar a produção de um meio de
prova, não sabe, por antecipação, a quem o resultado do experimento probatório
aproveitará, não pode ser facilmente acolhido. Isso porque, embora não se saiba
qual será o resultado, é perfeitamente possível prognosticar aquilo que o juiz es­
pera obter com tal meio: uma prova para afastar a dúvida e permitir a condenação
do acusado. Isso porque, como no processo penal não há distribuição do ônus da
prova, que é todo atribuído à acusação, se dúvida há, ela deve ser resolvida em favor
do acusado. Assim, quando o juiz determina a produção de um meio de prova ex
ojficio, é porque almeja afastar a dúvida, o que levará a um resultado condenatorio.
Esse risco, portanto, precisa ser controlado.
Se, por um lado, é claro que um ordenamento que não confira poderes ins-
trutórios ao juiz estará fortalecendo a sua imparcialidade, por outro lado, não há
segurança na conclusão oposta, de que um juiz com poderes instrutórios terá,
inevitavelmente, comprometida a sua imparcialidade.

1.3.1.1. Os poderes instrutórios do julgador


Do ponto de vista da epistemología judiciária e da correlata busca da verdade,
a questão central em termos dc imparcialidade do julgador diz respeito à possibi­
lidade ou não de o juiz produzir prova por iniciativa própria.23
Um sistema em que o juiz dependa exclusivamente das provas produzidas
pelas partes, não tendo qualquer poder instrutório, ainda que supletivo, pode ser
considerado inadequado do ponto de vista puramente epistemológico. A possibi­
lidade de incremento do material probatório disponível para a valoração e decisão
é algo sempre positivo, desde que se trate de provas logicamente relevantes. Por

23. Outra questão de grande importância diz respeito ã organização judiciária, no caso,
se o juiz deve ser um magistrado profissional, ou um julgador leigo. Além disso, essa
questão poderia se desdobrar em outras tantas em cada uma das categorias, como: se o
órgão julgador, na atividade de valoração da prova, deve ser monocrático ou colegiado?
26 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

outro lado, sempre que uma atividade tenha na busca da verdade um de seus es­
copos, mediato ou imediato - como é o caso. além do juiz, do cientista ou do his­
toriador se quem realiza tal função estiver psicologicamente comprometido
com o resultado da empreitada heurística, sua conclusão tenderá a ser distorci­
da, seja pela supervalorizaçâo de aspectos que, a prior i, sejam considerados po­
sitivos, seja pela ocultação, relativização ou busca de justificativa infundada para
eventos negativos. A imparcialidade, além de uma garantia fundamental do devido
processo legal, também é uma condição necessária da atividade epistêmica.
Duas soluções extremadas são possíveis: (i) a impossibilidade total de que o
juiz tenha qualquer poder instrutório;24 (ii) uma ampla e ilimitada iniciativa pro­
batória do julgador, independentemente de qualquer atividade das partes. Ambas
as possibilidades, justamente por seus radicalismos, parecem pouco propícias à
construção de um modelo processual que seja adequado para uma boa prestação
jurisdicional, seja pensando nas garantias fundamentais do acusado, seja com vista
a uma maior eficácia da persecução penal.
Entre um juiz absolutamente passivo e inerte, no que diz respeito à produção
da prova, e um magistrado que seja o protagonista da instrução, com poderes ab­
solutos e ilimitados, é preciso encontrar uma solução intermediária, que permita
o enriquecimento do material probatório por iniciativa do juiz, sem que este com­
prometa a sua imparcialidade. O ponto fulcral do problema está na compatibilidade
ou não dos poderes instruto rios do juiz com um processo penal acusatório.

24. A negativa cie poderes instrutórios ao juiz, por sua incompatibilidade com o modelo
acusatório, é defendia por parte da doutrina italiana: LOMBARDO, Luigi Giovanni.
Ricerca delia verila e nuovo processo pénale. Cassazione Pcnale, 1993. p. 753; MARA-
FIOT1. Luca. Larl. 507 c.p.p. al vaglio delle Sezioni unite: un addio al processo accusa-
torio e all’imparzialitá dei giudice dibaitimentale. Rivista Italiana di Diritto e Procedura
Pcnale, 1993. p. 845. Na doutrina nacional, o mesmo posicionamento é sustentado
por: COUT1NHO, Jacinto Nelson de Miranda. O papel do novo juiz no processo penal.
In; COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (Coord.). Crítica d teoria geral do direito
processual penal. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 31 c ss.; Idem, Glosas ao Verdade,
Dúvida c Certeza, de Francesco Carnelutii, para os operadores do Direito, In: Revista
de Estudas Criminais - Instituto Transdisciplinar de Es tudas Criminais - ITEC, Porto
Alegre, n. 14, abr.-jun., 2004, p. 8 7 ; e LOPES JR.. Aury. Introdução crítica ao processo
penal: fundamentos da instrumentalidadegarantista. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Júris,
2005. p. 173 e ss. Merece destaque, também, a posição intermediária de Geraldo Prado
(Sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. 2. ed.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 1 5 8 -159): “entre os poderes do juiz. por isso,
segundo o princípio acusatorio, não se deve encontrar aquele que pertinente à iniciativa
judicial, permitindo-se, quando muito, pela coordenação dos princípios constitucionais
da justiça material e presunção da inocência, que moderadamente intervenha, durante a
instrução, para, na implementação de poderes de assistência ao acusado, pesquisar, de
maneira supletiva, provas da inocência, conforme a(s) tese(s) esposada(s) pela defesa”.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 27

Os sistemas concretos, sempre conferem ao juiz, era maior ou menor grau,


a depender das circunstâncias, o poder de determinar a produção de provas inde­
pendentemente de requerimentos das partes. Será raro, para não se dizer inexis­
tente, um ordenamento jurídico em que atividade probatória no processo penal
esteja exclusivamente nas mãos das partes.-5 Há sistemas que, de modo amplo,
reconhecem um poder geral de produção de toda e qualquer prova que se mostre
necessária à “descoberta da verdade”.26 Em outros, há previsões específicas em

25. A observação vale, não só para os sistemas nacionais, como para os tribunais interna­
cionais. Por exemplo, no caso do Tribunal Penal Internacional, Salvatore Zappalà (The
rights of the accused. In: CASSESE. Antonio; GAETA, Paola;JONES,John R. W. D. (Ed.).
The Rome Statute of the International Criminal Court: a commentary. Oxford: Oxford
University Press, 2009. v. 11. p. 1320), afirma tratar-se de um sistema essencialmente
adversarial. embora estejam presentes alguns elementos do modelo inquisitorial. De
modo semelhante, Kai Ambos (International criminal procedure: “adversarial". "in­
quisitorial'’ or “mixed"? International Criminal Lcnv Revíetv, p. 1-37. 2003, consultada
versão cm português, “É o procedimento penal internacional 'adversarial’, 'inquisitivo
ou 'misto'”. In: AMBOS. Kai. Processo penal internacional. Trad. Marcellus Polastri Lima
e Margareth Velis Zaganelli. Rio de Janeiro: Lumen luris. 2012. p. 54; Idem. Derecho
procesal penal contemporáneo. San José: Editorial Jurídica Continental, 201 I. p. 70). se
refere a um processo misto adversarial-inquisitivo.
26. Na Espanha, por exemplo, embora o art. 728 da Ley de Enjuiciamiento Criminal esta­
beleça. como regra geral, que “no podrán practicarse otras diligencias de prueba que las
propuestas por las partes, ni ser examinados otros testigos que los comprendidos en
las listas presentadas”, o art. 729 excepciona-a, dispondo que: "se exceptúan de lo
dispuesto en el articulo anterior: 1° Los careos de los testigos entre sí o con los proce­
sados o entre éstos, que el Presidente acuerde de oficio, o a propuesta de cualquiera de
las partes; 2° Las diligencias de prueba no propuestas por ninguna de las partes, que el
Tribunal considere necesarias para la comprobación de cualquiera de los hechos que
hayan sido objeto de los escritos de calificación. 3o Las diligencias de prueba de cualquier
clase que en el acto ofrezcan las partes para acreditar alguna circunstancia que pueda
influir en el valor probatorio de la declaración de un testigo, si el Tribunal las considera
admisibles”. Também na Alemanha, o § 244, n. 1, da StPO confere ao juiz os poderes
instrutórios de caráter geral: “El tribunal tiene que extender de oficio la recepción de
las pruebas para la investigación de la verdad de todos los hechos y medios de prueba
que tienen significado para la decisión”. Com relação a Portugal, no Código de Processo
Penal de 1987, o art. 340. § 1", do CPP português estabelece um princípio geral segundo
o qual "o Tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os
meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e
á boa decisão da causa”. Segundo Jorge de Figueiredo Dias (O novo Código de Processo
Penal. Separata do Boletim do Ministerio da Justiça 369/15, Lisboa, 1987. p. 14), trata-se
de "uma estrutura acusatoria, integrada por um principio de investigação”. Quanto à
Itália, o art. 190, comma Io, do Códice di Procedura Penale, que “enuncia il principio
forse piü emblemático del nuovo rilo accusatorio” (MELCHIONDA, Achille. Prova in
gencrale (diritto processuale penale). Enciclopedia del diritto. Aggiornamento. Milano,
1997. p. 8 4 7 ), estabelece que *1. Le prove sono ammesse a richiesta di parte”. Contudo,
28 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

relação apenas a determinados meios de prova.’7A questão, portanto, é estabelecer


os limites ao exercício de tais poderes de iniciativa probatória, e não propriamente

tal regra não é absoluta. O art. 507, comma 1°, excepciona: “Terminata 1'acquisizione
dclle prove, il giudice, se risulta assolutamente necessário, può disporre anche di
ufficio 1’assunzionc di nuovi mezzi di prove”. O Código dc Processo Penal Tipo para
a Iberoamérica também assegura ao juiz o poder de produzir provas ex officio. Como
regra geral, o art. 289 estabelece que “en la decisión, el tribunal ordenará, de oficio,
la recepción de la prueba pertinente y útil que considere conveniente, siempre que su
luente resida en las actuaciones ya practicadas”. Além disso, o art. 317 prevê que "El
tribunal podrá ordenar, aún de oficio, la recepción de nuevos médios de prueba, si en
el curso dei debate resultaren indispensables o manifiestamente útiles para esclarecer la
verdad”. Por fim. o art. 320 dispõe que "Si el tribunal estimare imprescindible, durante
la deliberación. recibir nuevas pruebas o ampliar las incorporadas, conforme al art. 317,
podrá disponer. a ese fin, la reapertura dei debate”. No Tribunal Penal Internacional é
reconhecido o direito à prova das partes, mas o juiz também dispõe de poderes para, de
ofício, determinar a produção de provas. O art. 69.3 do Estatuto de Roma, na disciplina
da prova, prevê: “69.3. As partes poderão apresentar provas que interessem ao caso,
nos termos do artigo 64. O Tribunal será competente para solicitar de ofício a produção
de todas as provas que entender necessárias para determinar a veracidade dos fatos”.
Por fim, mas não menos relevante, ate pela natureza do órgão, importante lembrar da
disciplina prevista no âmbito das Cortes internacionais de direitos humanos. O art. 59.3
do Regulamento da Corte Europeia de Direitos Humanos, que entrou em vigor no dia
Io de julho de 2014. estabelece que: "The Chamber may decide, either at lhe request
of a party or of its own motion, to hold a hearing on the merits if it considers that the
discharge of its functions under the Convention so requires”. De forma semelhante, o
art. 58 do Regulamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que dispõe sobre
“Diligências probatórias de ofício”, prevê, no subitem (a) que: “A Corte poderá, em
qualquer fase da causa: a. Procurar ex officio toda prova que considere útil e necessária.
Particularmente, poderá ouvir, na qualidade de suposta vitima, de testemunha, de perilo
ou por outro título, a qualquer pessoa cuja declaração, testemunho ou parecer consi­
dere pertinente”. Para uma ampla análise dos poderes insirutórios do juiz no processo
civil, cf.: TARUFFO, Vlichele. Os poderes instrutórios das partes e do juiz na Europa.
Processo civil comparado: ensaios. Trad. Daniel Mitidiero. São Paulo: Marcial Pons, 2013.
p. 57-84, em que conclui que "Não existe qualquer conexão entre a atribuição ao juiz
de mais ou menos poderes de iniciativa instruLória e a presença de regimes autoritários
e antidemocráticos”.
27. Mesmo nos países de common law, em que a iniciativa probatória é toda exercida pelas
partes, tendo o julgador um papel geralmente passivo, a lei lhe confere poderes proba­
tórios em determinados casos. Por exemplo, no processo norte-americano, a rule 614
(a) do Federal Rule of Evidence estabelece que "the court may, on its own motion or
at the suggestion of a party, call witnesses, and all parties are entitled to cross-examine
witnesses thus called". De outro lado. a letra (b) dispõe que "the court may interrogate
witnesses, whether called by itself or by a party”. Também a rule 706 prevê que “the
court may appoint any expert witnesses agreed upon the parties and may appoint expert
witness of its own selection”. Também no processo penal inglês, o juiz pode chamar ex
officio testemunhas, incluindo os peritos, sem necessidade de consentimento das partes.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 29

a sua existencia. Além disso, é fundamental definir a relação entre os poderes ins­
truto rios do juiz, de um lado, e o direito à prova das partes, de outro, com vistas a
estabelecer qual deverá predominar na atividade instrutória.Jí!
Porém, antes de resolver tais questões, é necessário um esclarecimento ter­
minológico. A categoria “poderes instrutórios do juiz” é bastante heterogênea,
podendo incluir um amplo leque de poderes, que vão desde a busca de fontes de
provas (atividade investigativa) até a introdução em juízo de provas de cuja exis­
tência já tenha conhecimento (atividade instrutória propriamente dita).
Partindo da distinção entre fontes de prova e meios de prova, percebe-se, fa­
cilmente, que o perigo para a imparcialidade está no juiz que é um pesquisador, um
“buscador” de fontes de prova. Quem investiga compromete a sua imparcialidade
para o posterior julgamento.
Por outro lado, diferente de investigaré instruir. O juiz que. diante da notícia
de uma fonte de prova (p. ex.: a informação de que uma certa pessoa presenciou
os fatos), se limita a determinar a produção do meio de prova necessário (p. ex.: o
depoimento da testemunha) para incorporar ao processo as informações contidas
na fonte de prova, não está agindo comprometido com uma hipótese prévia por ele
formulada. No caso, as hipóteses fáticas a serem objeto da provajá terão sido colocadas,
na acusação, pelo Ministério Público ou pela vítima já lendo sido formulada a hipo-
tese a ser investigada, e não realizando atos de investigação, o juiz que se limitar
a determinar, de ofício, a produção de meios de prova, decorrentes de uma fonte28

28. No caso brasileiro, o Código de Processo Penal dc 1941, buscando atingir os fins alme­
jados pelo Estado Novo, pressupunha um juiz forte, verdadeiro protagonista ou ator
principal do processo, que em tema probatório, era o senhor da instrução. A ele eram
reservados amplos poderes probatórios, na busca da tão almejada verdade real. Lê-se na
Exposição de Motivos do Código de Processo Penal, em seu item VII: "o juiz deixará de
ser um espectador inerte da produção de provas. Sua intervenção na atividade processual è
permitida, não somente para dirigir a marcha da ação penal e julgar a final, mas também
para ordenai; de oficio, as provas c/ne lhe parecerem uteis ao esclarecimento da verdade. Para
a indagação desta, não estará sujeito a preclusões. Enquanto não estiver averiguada a
matéria de acusação ou da defesa e houver fonte de prova ainda não explorada, o juiz não
deverã pronunciar o in dubio pro reo ou o no liquet" (destaquei). Desde então, muita
coisa mudou e, a partir da Constituição de 1988, tem havido um crescente movimento
doutrinário pela restrição dos poderes instrutórios do juiz. Todavia, ao menos no cam­
po probatório, essa tendência não se refletiu no direito posto. A Lei 11.690/2008, que
alterou as regras gerais sobre prova no Código de Processo Penal, deu nova redação ao
art. 156, nos seguintes termos: “Al t. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer,
sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação
penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando
a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; 11 - determinar, no curso da
instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida
sobre ponto relevante.”
30 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

de prova já conhecida no processo, não estará colocando em risco a sua posição


de imparcialidade.29
Justamente por isso, urna importante limitação, de caráter geral, à iniciativa
probatória do juiz, diz respeito á impossibilidade de praticar qualquer ato de in­
vestigação, na fase de inquérito policial ou qualquer outra forma de investigação
preliminar, pois nessa etapa prodrômica, ainda não há imputação, com a delimitação
dos fatos a serem objeto do processo. Somente com o oferecimento da denúncia ou
queixa pelo acusador é que a imputação terá sido formulada e o objeto do processo
delimitado. Como na fase de investigação preliminar ainda não há a definição for­
mal da hipótese a ser investigada, formulada por um sujeito diverso do julgador,
se o juiz atuar na investigação fatalmente estará antecipando mentalmente uma
hipótese a ser investigada e, com isso, se comprometendo psicologicamente. Isso
porque, o ato investigativo terá sido determinado para a produção de um meio de
prova tendente à confirmação da hipótese eleita.
Como explica Cordero, em passagem sempre lembrada por aqueles que negam
qualquer poder instrutório ao juiz, “a solidão na qual os inquisidores trabalham,
jamais expostos ao contraditório, fora dos grilhões da dialética, pode ser que ajude
no trabalho policial, mas desenvolve quadros mentais paranoicos. Chamemo-los
‘primado das hipóteses sobre os fatos’: quem investiga segue uma [hipótese], às
vezes com os olhos fechados; nada a garante mais fundada em relação às alternativas
possíveis, nem esse mister estimula cuidadosa autocrítica; como todas as cartas
do jogo estão na sua mão e é ele que as coloca sobre a mesa, aponta na direção da
'sua' hipótese”.30
Esse indevido e comprometedor primado das hipóteses sobre os fatos não é
comprometedor da investigação, mas sim do julgamento.
Quem investiga antecipa mentalmente a hipótese a investigar. E a colheita
das fontes de prova poderão gerar resultados que confirmem ou refutem a hipótese
eleita. Logo, haverá perda da imparcialidade num sistema em que o investigador
também será o julgador. Diversa, contudo, é a situação de sistemas em que um su­
jeito investiga; um segundo formula a hipótese acusatória; e, por fim, um terceiro,
no caso o juiz, simplesmente determina a produção de um meio de prova, como

29. BADARÓ. ônus da prova no processo penal..., cit., p. 119-120. Em sentido contrário,
posiciona-se Geraldo Prado ( Sistema acusatório..., cit., p. 136-137), que afirma: “Ao
tipo de prova que se pesquisa corresponde um prognóstico, mais ou menos seguro, da
real existência do thema probandum, e. sem dúvida, também das consequências jurídicas
que podem advir da positivação da questão fática. Quem procura sabe ao certo o que
pretende encontrar e isso, em termos de processo penal condenatorio, representa uma
inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador”.
30. CORDERO, Franco. Guida alia procedura pénale. Torino: LTET, 1986. p. 51. Invocan­
do tal passagem, cf.: COUTINHO, Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco
C arnelutti.... cit.. p. 86.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATORIA 31

instrumento para incorporação do eventuais elementos probatórios de uma fonte


de cuja existência já se lenha notícia.
Quando já há acusação formulada pela parte e o juiz se limitar a determinar
a produção de um meio de prova correspondente a uma fonte de prova já existente ou
noticiada nos autos, que não foi obtida por sua própria investigação, ele não se
transfora em um inquisidor. Não se comprometerá com a hipótese a ser verificada
pela produção do meio de prova. Além disso, o resultado dessa determinação de
produção de um meio de prova, ou de modo mais técnico, o resultado do experi­
mento probatório poderá ser em sentido positivo ou negativo, quanto à ocorrência
do fato. Isto é, o resultado probatório do meio cuja produção o juiz determinou
poderá confirmar ou refutar a afirmação fática que constitui o thema probandum.
Portanto, o juiz pode ter poderes instrutórios que lhe permitam determinar
a produção de meios de prova, mas não poderes investigatórios de realizar atos de
investigação em busca de fontes de prova. Além disso, para exercê-lo, é necessário
que já haja a delimitação do objeto do processo, com a formulação da imputação
pelo acusador.’1Nesse caso, os poderes instrutórios do juiz poderão ser utilizados
somente para determinar a produção de meios de provas correspondentes a fontes
de provas já existentes nos autos.3132

31. Como explica Jorge de Figueiredo Dias (Direito processual penal. Coimbra: Coimbra
Ed.. 1974. v. 1. p. 136-137): "Já conhecemos o processo histórico através do qual se
operou a evolução do processo penal de um tipo inquisitório para um tipo acusatório,
bem como a consideração material que esteve na base da evolução: a imparcialidade e
objectividade que, conjuntamente com a independência, são condições indispensáveis
de uma autêntica decisão judicial só estarão asseguradas quando a entidade julgadora não
tenha também funções de investigação preliminar e acusação das infrações, mas antes possa
apenas investigar e julgar dentro dos limites que lhe são postos por uma acusação fundamen­
tada e deduzida por um órgão diferenciado (em regra o VIP ou um juiz de instrução). E
precisamente com este conteúdo que modernamente se afirma o princípio da acusação'
(destaques no original) E, noutro passo, complementa o ilustre Autor português (ibi­
dem. p. 143-144): "Não basta porém, para que se dê satisfação às exigências materiais
contidas no princípio da acusação, que o princípio se consagre, é ainda necessário,
como bem se compreenderá, que integralmente se respeitem as implicações que dele
substancialmente derivam [... ]: 1° O tribunal a quem cabe o julgamento não pode, por
sua iniciativa, começar uma investigação tendente ao esclarecimento de uma infracçâo
e à determinação de seus agentes; isto tem de ter lugar numa fase (processual ou pré­
-processual. tanto importa) cuja iniciativa e direcção caiba a uma entidade diferente.
2o .4 dedução da acusação è pressuposto de toda a actividade jurisdicional de investigação,
conhecimento e decisão. Ela afirma publicamente que sobre alguém recai uma suspeita
tão forte de responsabilidade por uma infracçâo que impõe uma decisão judicial; é,
digamos assim, a afirmação pública e solene de que a comunidade jurídica chama um
seu membro à responsabilidade.5' (destaquei).
32. Há idêntico posicionamento na doutrina processual civil italiana. Para Bruno Cavallone
(Critica delia teoria delle prove atipiche. Rivista di Diritto Processuale, 1978. p. 723,
nota 124) o juiz não pode buscar, por si mesmo, e fora do processo “fontes materiais
32 EP1STEMOLOG IA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Porém, uma vez reconhecido o direito à prova das partes, a atividade de ins­
trução deve estar prioritariamente nas mãos do acusador e do acusado. Cabe às
partes requereras provas que considerem relevantes para demonstrar a veracidade
dos fatos por elas alegados. Somente quando, ao fim da instrução, houver a notícia
de uma fonte cuja produção do meio de prova respectivo não foi requerida pelas
partes, e o resultado probatório possa lendencialmente gerar elementos de prova
logicamente aptos a esclarecer uma alegação de fato penalmente relevante, será
possível ao juiz, supletivamente, fazer uso dos seus poderes instrutórios.
Diante da perigosa força expansiva da “tentação inquisitória”, o reconhe­
cimento de poderes instrutórios exige que já tenha sido delimitada a acusação,
bem como concluída a produção de todas as provas requeridas pelas partes. Essa
demarcação do caráter subsidiário dos poderes instrutórios do ju iz é condição
para que se respeite a posição prioritária reconhecida ao direito à prova das partes.
Em suma, é possível que a atividade probatória esteja concentrada nas partes,
verdadeiros titulares do direito à prova, mas que o juiz tenha poderes instrutórios
subsidiários, sem comprometer sua imparcialidade, nas seguintes condições: a
primeira, o juiz pode determinar a produção de meios de prova no curso do pro­
cesso, mas não tem poderes investigatórios para buscar fontes de prova antes de
ser formulada a acusação; a segunda, o juiz, no curso do processo, que já está com
seu objeto delimitado, deve se limitar a determinar a produção do meio de prova
correspondente a uma fonte de prova relevante já existente no processo.

1.3.1.2. A limitação dos poderes instrutórios do juiz aos fatos


imputados
Atividade instrutória supletiva do juiz no exercício de seus poderes instrutó­
rios, como já foi esclarecido, pressupõe quejá tenha sido oferecida a denúncia ou
queixa. Isto é, que ocorra no curso do processo.
Essa limitação, contudo, não se justifica somente do ponto de vista tempo­
ral -d ep ois do exercício da ação penal - ou mesmo procedimentalmente pela fase
em que se encontra a persecução penal - após a conclusão da instrução, com a
produção das provas requeridas pelas partes. A questão substancial é que o poder
instrutório do juiz somente poderá ser exercido, uma vez delimitado o objeto da
prova, a partir da atividade argumentativa das partes.
Aceitam-se os poderes instrutórios do juiz somente no perímetro traçado pelos
fatos imputados pelo Ministério Público e alegados pela defesa, que estabelecem

de prova", que não tenham sido já identificadas e mencionadas nos autos do processo,
sob pena de violar princípios e valores relevantes, como a imparcialidade do juiz, o
contraditório, vedação da utilização de conhecimento privado do julgador e a regra de
ônus da prova.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 33

o thema probandum. Ou seja, nada poderá fazer o julgador, sendo-lhe vedado, por
iniciativa própria, determinar a produção dc meios de prova com a finalidade de
comprovar fatos não alegados pelas partes. Uma obstinada busca pela verdade, cm
que o juiz possa produzir prova sobre (atos não alegados pelas partes, comprome­
terá a sua imparcialidade.
Não é de se estranhar que, nos modelos de forte cariz inquisitório, esse li­
mite fosse solenementc ignorado, sob a justificativa maior da "busca da verdade
real". Citc-se, como exemplo, a doutrina de Manzini, para quem "a prova penal
é a atividade processual imediatamente voltada para o escopo de obter a certeza
judicial, segundo o critério da verdade real, sobre a imputação ou outra afirmação
ou negação que interesse a um provimento do ju iz".33345A partir de tal premissa mor,
afirmava que o juiz penal, uma vez proposta a ação penal, não podia permanecer
sujeito à iniciativa ou habilidade dc outrem, "não podendo ser constrilo a se con­
vencer somente iuxta allegata et probata dos outros sujeitos processuais".’" Nada
mais propício a um sistema inquisitório, de concentração de poderes nas mãos do
julgador, que é o senhor e dono do processo, devendo buscar toda a verdade para
a defesa da sociedade e condenação dos culpados. Nesse sistema a atividade não
só probatória, mas também dc alegação fática das partes, não pode subordinar ou
mesmo limitar o julgador. O juiz é o principal e as partes são o acessório.
Por outro lado, num sistema acusatório, com a alteração da matriz para uma
predominância da atividade argumentativa e probatória das partes, em detrimento
da onipotência instrutória do juiz do sistema inquisitório, o panorama se inver­
te.3’ Mais do que a atividade probatória, a própria delimitação dos fatos objeto do
processo compele à parte, e não ao juiz. O juiz não poderá exercer os seus poderes
probatórios em relação a fatos não alegados pela parte, quer estes digam respeito
a elementos do crime, quer se trate dc qualificadores, causas de aumento ou dimi­
nuição de pena ou mesmo circunstâncias agravantes ou atenuantes.
Não se está, ingenuamente, acreditando que na soma das alegações das
partes o juiz terá todo o quadro fático necessário para uma visão completa dos

33. MANZINI. Vincenzo. Trattato di diritto processualepenale italiano. 6. ed. Torino: UTET,
1967. v. III. p. 231.
34. MANZINI. Trattato di diritto processuale penale italiano, cit., p. 236-237. E completava:
o juiz, assim como o Ministério Público, “deve tutelar o interesse repressivo do Estado
e, portanto, pode se convencer livremente, seja valorando os resultados das provas
fornecidas pela acusação, seja indagando por sua própria iniciativa, de ofício”. Seme­
lhante é o posicionamento de Eugênio Florian (Dcllc prove penale: in generale. Milano:
Casa Ed. Doll. Francesco Vallardi, 1921. v. 1. p. 53): “o princípio da busca da verdade
material e efetiva, que rege lodo o processo, e o seu caráter altamente público, fazem
com ele incompatíveis limitações aprioristicas, ainda que porventura sejam cogitáveis
para outras espécies de processo”.
35. Sobre o sistema acusatório e a busca da verdade, cl., infra, item 1.4.
34 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

acontecim entos passados. Mesmo sendo a dialética um poderoso meio para a


descoberta da verdade, nem sempre esse é o objetivo das partes do processo. As
partes normalmente selecionam latos que lhe favoreçam e omitem fatos que lhes
possam ser prejudiciais. Assim, no ambiente processual, a tendência de ampliação
cognitiva propiciada pela divisão de conhecimento entre as partes, em posições
antagônicas, nem sempre assegurará que o saber produzido seja próximo do ideal.
Uma importante diferenciação, feita em sede de metodologia das ciências so­
ciais, por Norbert Elias, entre engajamento e distanciamento, tendo como critério a
relação do sujeito que conhece com a realidade a ser conhecida, pode ser utilizada
em relação às partes no processo.38Há engajam ento quando o sujeito tem interesse
pessoal e dependente do resultado da sua atividade, que pode lhe trazer prejuízo
ou vantagem; há distanciamento quando o sujeito desenvolve uma atividade cog­
nitiva sem ter um interesse pessoal ligado ao resultado de tal atividade, mas apenas
o interesse de conhecer a realidade, sendo-lhe indiferente o resultado.363738E, com
base em tais critérios, afirma que toda parte tipicamente ‘engajada’ formula sobre
os fatos hipóteses duplamente parciais: porque essas não compreendem todos os
Tatos relevantes, mas apenas os fatos idôneos a fundar o pedido da parte (parciali­
dade = incompletude), e porque esses compreendem somente os fatos diretamente
o indiretamente favoráveis à parte que os afirma (parcialidade = partidarismo).38
As partes no processo estão em situação de engajamento, com interesse em
ganhar a causa. Não formulam suas versões dos fatos, sendo-lhes indiferente o
resultado de procedência ou improcedência, ou, no caso do processo penal, mais
especificamente, a condenação ou a absolvição. Não é interesse das partes demons­
trar os fatos em sua integralidade, exatamente como ocorreram. Seria ingênuo supor
que cada parte, do seu lado, afirma ao juiz e depois deseja provar toda a verdade,
somente a verdade, e nada mais do que a verdade! Normalmente não lhe é indife­
rente o resultado. Ao contrário. O Ministério Público acusa porque acredita que o
acusado é culpado e almeja a sentença condenatoria. O réu, ressalvados os casos
de confissão - e mesmo assim muitas vezes, estas ocorrem com alguma reserva
mental - quer ser absolvido ou cm caso de condenação, que lhe seja imposta a
menor sanção possível.
Portanto, embora seja correto considerar que a existência de narrativas
antagônicas é melhor que a versão única dos fatos, isso não significa que a soma

36. Michele Taruffo (Elementi per unanalisi dei giudizio di fatto. Stti confini: scriui sulla
giustizia civile. Bologna: II Mulino, 2002. p. 2 4 0 -2 4 1 , cita a obra de Norbert Elias,
Coinvoígimenio e distacco. Saggi di sociologia delia conoscenza, trad. it. Bolonha, 1988.
p. 19 aa.. 23 e ss. Preferiu-se traduzir a dicotomia para engajamento/distanciamento,
por ser mais fiel ao título original da obra: Engagement und Distanziening. Arbeiten zur
Wisse/issozíologie I. Editado por Michael Schröter. Frankfurt am Main: Suhrkamp. 1983.
37. TARUFFO, Elementi per un’analisi del giudizio di fatto..., cit., p. 240-241.
38. TARUFFO, Elementi per un'analisi del giudizio di latto..., eil., p. 240-241.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS AATIVIDADE PROBATÓRIA 35

dessas duas partes seja igual ao todo. De qualquer modo, eventual incremento em
lermos de busca da verdade, caso se admitisse que o juiz pudesse produzir provas
de fatos não afirmados pelas partes, já que ele seria um sujeito “destacado” e sem
interesse outro que a descoberta da verdade, não compensaria o enorme o risco
de perda da imparcialidade. Logo, o ponto de equilíbrio está em admitir que o juiz
possa determinar prova tendo por objeto fatos narrados pelas parles, na imputação
ou na defesa, e que já constituam o tltema probandum. Por outro lado, ao juiz não
é permitido criar hipóteses fálicas novas, não alegadas pelas partes, e para confir­
má-las, determinar a produção de prova de oficio.
Se as partes têm nos fatos imputados ou naqueles constantes da resposta à acu­
sação uma baliza para requerer a produção das provas de suas alegações, é evidente
que o julgador, igualmente, não poderá ultrapassar tais limites. Iniciativas probató­
rias do juiz somente podem ser aceitas em caráter excepcional. Além disso, devem
ser contidas nos limites traçados pela acusação e pela defesa em suas alegações.
Em suma, admite-se os poderes instrutórios do juiz que lhe permitem deter­
minar a produção de um meio de prova correspondente a uma fonte de prova que
já se tem notícia no processo, desde que respeitado o pressuposto inafastável do
seu exercício: ao juiz somente é possível determinara produção de provas sobre
alegações dos fatos objeto do processo, definidos pelo acusador, ao realizar a impu­
tação na denúncia ou queixa.'10Também poderá fazê-lo, com vista a fatos narrados
pela defesa e que ampliem o objeto de cognição do julgador, como alegações de
excludentes de ilicitude ou culpabilidade.

1.3.1.3. A produção de provas pelo juiz e o respeito ao contraditório


de partes
O respeito ao perímetro traçado pelos fatos alegados pelas partes é um limite
aos poderes instrutórios do juiz, que atua previamente à determinação judicial 3940

39. ORLAND1, Renzo. Eaitiviia argomentaiiva delle parti nel dibattimento penale. In: FER­
REA, Paolo ct al. Lei provo nel dibattimento penale. Torino: G. Giappichelli, 1999. p. 14.
40. Destaque-se que a limitação dos poderes instrutórios do juiz ao perímetro traçado pelos
fatos que integram o objeto do processo é reconhecida mesmo por quem defende os
poderes instrutórios do juiz. inclusive no processo civil. Nesse sentido, na doutrina
nacional: BEDAQUE. José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 4. ed. São
Paulo: Ed. RT, 2009. p. 154. Na Espanha: PICÓ I JUNOY, Juan. El juez y la prueba:
estudio de la errónea recepción del brocardo iudex indicare debe! secundum allégala el
probóte, non secundum conscientiam y su repercusión actual. Barcelona: Bosch Procesal.
2007. p. 117-118. No mesmo sentido, na doulrina argentina: VARELA, Casimiro A.
Valoración de la prueba. 2. ed. Buenos Aires: Editorial Astrea, 1999. p. 148. Na doutrina
italiana: CAVALLONE, Bruno. Critica delia teoria delle prove atipiche. Rivista di Diritto
Processuale, Milano. 1978. p. 723. nota 12; TARUFFO, Michele. Modelli di prova e di
procedimento probatorio. Rivista di Diritto Processuale, 1990. p. 434.
36 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

de produção de um meio de prova de ofício. Há, também, um importante fator de


controle dos poderes instrutórios do juiz, embora aiuante ex pose o contraditório.
Sempre que for determinada a produção de pro vas de oficio pelo j uiz, deve ser respei­
tado o contraditório, como "um poderoso fator de contenção do arbitrio do ju iz”.41
Se for determinada a juntada de documento, em respeito ao contraditório, é
imperiosa a necessidade de abertura de prazo para manifestação de ambas as partes,42
seja do ponto de vista argumentativo, seja requerendo a produção de nova prova
de confronto. Ao mais, por exemplo, diante de um documento novo, poderiam as
partes, por exemplo, suscitar o incidente de falsidade documental.
Por outro lado, não basta assegurar que, contemporaneamente, a parte pos­
sa participar da produção da prova e, posteriormente, possa argumentar sobre a
prova produzida. É necessário mais. Determinada e produzida a prova de oficio
pelo juiz, o respeito ao contraditório exige que o juiz conceda às partes prazo
para eventualmente requerer a produção de prova contraria e, nesse caso, sem a
necessidade de valorar a pertinencia e relevancia, para demonstrar que os fatos
constantes do meio de prova cuja produção foi determinada por inciativa do juiz
não seriam verdadeiros.43

1.3.2. O contraditório
Mais do que uma garantia constitucional, o contraditório tem sido consi­
derado como integrante do próprio conceito de processo. Aliás, é exatamente a
presença do contraditório que permite distinguir o processo do procedimento.4445
Na concepção de Fazzalari, processo c procedim ento cm contraditório,43 O Autor

41. OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2003. p. 115.
42. O art. 398 do ab-rogado Código de Processo Civil de 1973 dispunha: ' An. 398. Sempre
que uma das partes requerer a juntada de documento aos autos, o juiz ouvirá, a seu
respeito, a outra, no prazo de 5 (cinco) dias”. Se o contraditório deve ser observado em
relação à prova documental produzida pela parte contrária, com maior razão o deverá
sê-lo no caso de prova produzida, ex o/ficio. pelo juiz.
43. Como explica Giuseppe Tarzia (Lineamemi dei nuovo processo di cognizione. Milano:
Giuffrè, 1996. p. 115-116) ;‘o exercício do poder instrutório de ofício, em qualquer
momento do processo, reabrirá os lermos para uma nova instrução, se ela se tornar
após a produção das provas propostas pelas partes, mas exclusivamente sobre os fatos
admitidos como tema de prova pelo juiz e sobre os quais destinados a contestar exis­
tência ou informar a relevância ".
44. Nesse sentido: D1NAMARCO, Cândido Rangel. O princípio do contraditório. Fundamen­
tos do processo civil moderno. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 1987.. p. 95: GR1NOVER. Defesa,
contraditório, igualdade e par condido na ótica do processo de estrutura cooperatória....
d l., p. 4. nota 18.
45. FAZZALLAR1, Elio. Processo (teoria generale). Novíssimo Digesto Italiano. Torino:
UTET, 1966. v. 13. p. 1067-1076; Idem. Istiluzioni di diritto processuale. 5. ed. Padova:
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS A ATIVIDADE PROBATORIA 37

considera essencial ao processo a participação dos interessados no provimento


final, embora essa participação seja um elemento necessário, mas não suficiente do
conceito de processo.-"' Para que haja processo, essa participação deverá se dar por
meio do contraditório. No processo, os poderes, deveres e as faculdades pelas quais
se exerce a participação são distribuídos pela lei entre autor e réu, de maneiraa atuar
uma efetiva correspondência e equivalência entre as várias posições processuais.
A essa estrutura corresponde o desenvolvimento dialético do processo: a sim e­
tria de posições subjetivas, sendo que a sua substancial paridade traduz-se, para
todos os participantes, na possibilidade de interlocução não episódica e, sobre­
tudo, de exercer um conjunto de controles, de reação e de escolha, bem como na
necessidade de submeter-se a controles as reações de outrem.4'
Para os fins da presente obra, menos importante do que definir o conceito de
processo é destacar como o contraditório e a dialética das partes são fundamentais
para o processo e, portanto, ao exercício da jurisdição penal. No que diz respeito ao
juízo de fato, ponto de interesse da epistemologia judiciária, o respeito à garantia
do contraditório impõe que o procedimento probatório estabelecido pelo legislador
se desenvolva em contraditório de partes, perante o ju iz.4K
Esse caráter dialético decorre do próprio conteúdo da garantia do contradi­
tório. Na doutrina nacional, é clássica a definição de contraditório formulada por
Joaquim Canuto Mendes de Almeida como l,a ciência bilateral dos atos e termos
processuais e a possibilidade de contrariá-los”.44 Em tal definição destacam-se dois
aspectos fundamentais do princípio do contraditório: a informação e a reação.
Tais elementos são também a base para outra definição bastante usual na doutrina
nacional, que acolhe a conceituação de Sérgio La China, de contraditório como
informação necessária e possibilidade de reação.50 De se ressaltar que, no campo

Cedam, 1989, p. 58. Deslaque-se que. no caso do processo jurisdicional, que é “o processo
por antonomásia", para Fazzalari (Processo (teoria generale) .... cii.. p. 1075), além do
contraditório entre as panes, há outras características típicas da função jurisdicional: a
independência e estraneidade do autor do provimento final, que é o juiz, em relação á
realidade substancial, que é o pressuposto do processo e é deduzida em juízo; e a irrevo-
gabilidade do provimento final do processo. Apenas nos casos em que essas características
se apresentem conjuntamente é que se pode falar em processo jurisdicional, visto que
todas elas são indispensáveis ao desenvolvimento da atividade jurisdicional.
46. FAZZALARI, Processo (teoria generale)..., cit., p. 1069.
47. FAZZALARI, Processo (teoria generale)..., cit., p. 1072.
48. GRINOVFR. Ada Pellegrini. O processo cm evolução. Rio de Janeiro: Forense Universi­
tária. 1996. p. 54.
49. ALMEIDA, Joaquim Canuto Mendes de. A contrariedade na instrução criminal. São Paulo:
Saraiva. 1937. p. 110.
50. Para Sergio La China (Lesecuzioneforzata c lc disposizioni generali del Códice di Procedura
Civile. Milano: Giulfrê, 1970. p. 39 4 ) o "princípio do contraditório se articula, nas suas
38 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

penal, inais do que simplesmente possibilitada, a reação tem que ser efetiva.51 É
necessário estimular e buscar a realização da reação para que a estrutura dialética
do processo se aperfeiçoe por meio de tese e antítese com conteúdos e intensidades
equivalentes, atingindo uma símese que, apoiada em premissas simétricas, seja a
mais ju sta.52
Além disso, a garantia do contraditório tem uma função política de legitimar
o resultado do exercício do poder, por permitir que os destinatários de tal ato parti­
cipem ativamente da sua construção.5’ No caso do processo, é assegurado às partes
o direito de argumentar e contra argumentar, produzir provas e contraprovas e
influenciar o convencimento do juiz que irá proferira sentença.
Todavia, com vistas à proposta de um modelo de epistemología judiciária,
apto a permitir que o processo funcione como um instrumento cognitivo que pri­
vilegie como fim institucional a busca da verdade —embora não seja esse um valor
absoluto - , o aspecto mais importante do contraditório é a sua inegável função
heurística.54
O contraditório é indispensável no processo, como dizia Calamandrei, “não
para exacerbar as discussões das partes ou para dar vazão à eloquência dos advo­
gados, mas no interesse da justiça e do juiz, que precisamente na oposição dialética
das defesas opostas encontra sem dificuldade o melhor meio para ver diante de si.
iluminado sob os mais diversos perfis, toda a verdade”.55

manifestações técnicas, em dois aspectos ou tempos essenciais: informação, reação; ne­


cessária sempre a primeira, eventual a segunda (mas necessário que seja possibilitada!)”.
51. Ambos os conceitos propugnam pela obrigatoriedade ou necessidade de informação,
mas, quanto à reação, basta que essa seja possibilitada. Em outras palavras, trata-se de
reação possível.
52. Grinover (Defesa, contraditório, igualdade e par condi tio na ótica do processo de es­
trutura cooperatória..., cit., p. 12), partindo da indisponibilidade da relação material
subjacente ao processo penal, afirma que “a reação, no processo penal, não pode ser
meramente eventual, mas há de fazer-se efetiva. O contraditório, agora, não pode ser sim­
plesmente garantido, mas deve ser estimulado. E a contraposição dialógica entre as partes
há de ser real e não apenas formal. O juiz cuidará da efetiva participação das partes no
contraditório, utilizando para tanto seus amplos poderes, a fim de que não haja dese­
quilíbrio entre os ofícios da acusação e defesa. Cabe ao juiz penal, portanto, integrar e
disciplinar o contraditório, sem que com isso venha a perder sua imparcialidade, que
sairá fortalecida, no momento da síntese, pela apreciação do resultado de atividades
justapostas e paritarias, desenvolvidas pelas partes”. No mesmo sentido: D1NAMARCO.
O princípio do contraditório, cit., p. 96.
53. Para Magalhães Gomes Filho (A motivação cias decisões penais..., cit., p. 139), sob essa
ótica sociológica, o contraditório tem a função de legitimar a decisão final.
54. MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 39.
55. CALAMANDREI, Piero. La dialeticità dei processo. Opere giuridice. Napoli: Morano,
1965. v. 1. p. 682. Ressalve-se que. nem sempre a dialética argumentativa das partes
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 39

Na dialética processual, o contraditório possibilita o funcionamento dc um


modelo de ação e reação das partes, cada qual tendo a possibilidade dc, diante da
posição dc seu contendor, indagar e dc verificar os c o n tr á r io s .Do ponto dc vista
heurístico, o contraditório representa garantia epistemológica para a busca da
verdade.57 O objeto do juízo de fato serão afirmações conflitantes, que surgirão
num procedimento em que cada parte dará a sua contribuição, se ja argumentando
e contrariando os argumentos do contendor, seja produzido as provas que confir­
mem suas asserções bem como refutem as afirmações fálicas da parte contrária.
As opiniões e provas contrapostas dos litigantes ampliam os limites do conheci­
mento do juiz sobre os fatos relevantes para a decisão c diminuem a possibilidade
da ocorrência de erros.58
Mesmo no âmbito científico, alertava Popper que “exatamente porque nosso
objetivo é o de formular teorias tão perfeitas quanto possível, devemos submetê-las
a testes tão severos quanto possível, ou seja, devemos tentar identificar erros que
nelas se contenham, devemos tentar falseá-las. i... ]. Com efeito, se não formos crí­
ticos, sempre encontraremos aquilo que desejamos: buscaremos e encontraremos
confirmações, e não procuraremos nem veremos o que possa mostrar-se ameaçador
para as teorias que nos agradam”.59

coloca como objeto do processo todos os fatos em sua inteireza. Além disso, a dialética
probatória, obviamente, nem sempre possibilita o conhecimento de “toda a verdade”.
56. DE LUCA, Giuseppe. Il sistema delle prove penali e il principio dei libero convincimento
nel nuovo rito. Rfvista Italiana di Dirilto e Procedura Pénale. 1092. p. 1261.
57. Nesse sentido: CALAMANDRE1, La dialetticità dei processo..., cit., p. 6 8 2 ; FERRAJOLI.
Diritto e ragione..., cit., p. 763; BARGI. Procedimento probatorio e giusto processo..., cit.,
p. 92; FERRUA, Contradditorio e verità nel processo penale..., cit.. p. 76; COMOGLIO,
Luigi Paolo; ZAGREBELSKY, Vladimiro. Modello accusatorio c deontologia dei compor-
tamenti processuali nella prospettiva comparatistica. Ri vis tu Italiana di Diritto e Procedura
Penale, 1993. p. 481; UBERT1S, Giulio. Diritto alia prova nel processo penale e Corte
Europea dei Diritti dell’Uomo. V'erso tin “giusto processo" penale. Torino: G. Giappichelli.
1997. p. 90; Idem. Principi di procedura penale europea: le rcgole del giusto processo.
Milano: Raffaello Cortina, 2000. p. 36; Idem, Profili di cpistemologia giudiziaria..., cit.,
p. 63; NOBILI, Esiii, errori, arbitrii dietro un'illustre formula..., cit.. p. 40; ANDRÉS
1BÁNEZ. A argumentação probatória e sua expressão na sentença, cil., p. 35. Na doutrina
pátria: GRINOVER. Ada Pellegrini. Igualdade dc partes e paridade de armas: a posição
do MP no Superior Tribunal Militar. O processo em evolução Rio de Janeiro: Forense,
1996. p. 313: TUCC1, Rogério Lauria. Considerações acerca da inadmissibilidade dc
uma teoria geral do processo. Revista do Advogado, São Paulo, n. 61, nov. 2000. p. 92;
MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 39.
58. Nesse sentido: ZAPPALÀ, Enzo. Processo penale ancora in bilico tra sistema accusato­
rio e sistema inquisitório. Diritto Penale e Processo, n. 7. 1998. p. 8 8 8 ; MAGALHÃES
GOMES FILHO, A motivação da decisão penal..., cit., p. 39.
59. POPPER, Karl. A miséria do historicismo. Trad. Octany S. da Mota e Leõnidas Hegenbert.
São Paulo: Ed. Cultrix/Ed. USR 1980. p. 104-105.
40 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAI

Essa busca pela critica e a necessidade de verificação de uma hipótese científica,


para sua posterior confirmação e justificação por dados empíricos, que no mundo
cientifico é artificial, no processo decorre da sua própria estrutura dialética, em que
há partes contrapostas na qual uma formula a tese e a outra a antítese, permitindo
que o juiz chegue a uma síntese de melhor qualidade.
Aliás, toda hipótese é um enunciado sujeito à verificação.60612Ao se verificar
uma hipótese, coloca-se à prova o seu valor explicativo. Logo, para que a hipótese
acusatória possa ser considerada válida, no sentido de serem verdadeiros os fatos
nela enunciados, ela precisa primeiro ser confirmada por provas que lhe deem
suporte e, também, resistir ás hipóteses contrárias apresentadas pela defesa.
Em se submetendo a versão dos fatos de cada um dos atores processuais ao
controle, bem como havendo a produção de provas por cada um deles, interessados
em provar a sua versão e também demostrar a falsidade ou, ao menos, enfraque­
cer o suporte probatório dos fatos diversos alegados pela outra parte, o juiz terá
um material probatório amplo para verificar qual hipótese fática será considerara
verdadeira. Nesse confronto de perspectivas diversas, a verdade será conside­
rada como o resultado do paralelograma de forças que interagem no desenvolvi­
mento do processo.51
Em suma, o contraditório é uma garantia processual fundamental, integrando
o próprio conceito de processo, e ao permitir o funcionamento de uma estrutura
dialética no desenvolvimento da atividade das partes, também tem uma relevan-
tíssima função heurística. E necessário jurídica e epistemológicamente.

1.3.2.1. O direito à prova das partes


Entre as atividades necessárias à tutela dos direitos postulados pelas partes,
sobressai a probatória, pois a prova é indiscutivelmente o momento central do pro­
cesso. no qual são reconstituídos os fatos que dão suporte às pretensões deduzidas
pelo autor e à resposta apresentada pelo réu.
Essa atividade relevantíssima deve ser exercida prioritariamente por quem?
Pelo juiz ou pelas parles?
Não é exagero afirmar que o reconhecimento do direito à prova das partes é
"um dos mais significativos elementos da transformação de um regime processual
autoritário para um regime processual democrático”.52

60. Nesse seniido: HEMPEL, Carl G. Filosofia da ciência natural. Trad. Plínio Sussekind Ro­
cha. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Ed.. 1674. p. 32: ANDRES IBANEZ. Sobre a motivação
dos fatos na sentença penal, cit., p. 96.
61. PASTORE, Decisioni, argomenti, controlli..., cit., p. 109.
62. Delfino Siracusano. Le Prove,S1RACUSANO, D.; GALATI, A.; TRANCHINA, G.; ZAPPALÀ,
E. Diritio processuale penale. 2. cd. Milano: Giuffrè, 1996. v. 1. p. 348.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS AATIVIDADE PROBATÓRIA 41

Para confirmar a assertiva, basta notar a mudança ocorrida no âmbito do pro­


cesso penal italiano, com a passagem de um modelo marcantemenie inquisitório,
com a atividade probatória centrada no juiz. para um modelo fortemente acusatório,
em que se reconheceu o direito à prova e a atividade probatória passou a ler as partes
como protagonistas. No ab-rogado Códice di Procedura P ande de 1930, incumbia
ao juiz instrutor a realização de lodos os atos necessários ao “accertamento delia
verità”.63Já no vigente Códice di Procedum Penale de 1988, o artigo 190 assegura
o direito à prova as partes prevendo que "as provas são admitidas somente por
requerimento das partes64. E o artigo 187 prevê que são objeto de prova: "os fatos
que se referem à imputação, à punibilidade e à determinação da pena e da medida
de segurança"; "os fatos dos quais depende a aplicação de normas processuais’ ; "os
fatos inerentes à responsabilidade civil decorrente do delito”.65
Assim, o direito à prova constitui um aspecto íundamental do contraditório,
pois sua inobservância representa a negação da própria ação e da defesa para a
jurisdição, não podendo haver outra fonte de conhecimento para a decisão.66678Por
outro lado, num processo de partes, os meios de prova produzidos em contraditório
devem constituir a única fonte de cognição.6,
A estreita ligação do contraditório com o direito à prova demonstra que a
atividade instrutória deve ser realizada, fundamentalmente, pelas partes.06 O juiz
será o destinatário e não o produtor da prova. Isto é, ao juiz cabe o papel de valo­
rar os meios de prova requeridos pelas partes, admitidos por ele e produzidos em
contraditório.

63. O ab-rogado Códice di Procedum Penóle de 1930. no art. 299, comrna 1° dispunha que:
‘11 giudice istruttorc ha obbligo di compiere prontamente tutti e soltanto quegli atii che
in base agli eleniemi raccolti c alio svolgimento dell’islruzione appaiono necessari per
1’accerlamento delia verità”.
64. Art. 190.1 estabelece que "lhe prove soma ammesse a richiesta di parte."
65. Códice di Procedum Penale, art. 187, Io, 2o e 3o corama, respectivamente.
66. TAORMINA, Cario. II regime delia prova nel processo penale. Torino: G. Giappichelli,
2007. p. 185.
67. Sobre as exceções a tais regras, cf., infra, cap. 3, item 3.5.2.
68. Essa posição é mais forte ainda para quem, como nós, considera que o Ministério Público
não é uma “parte imparcial”. No processo penal o Ministério Público é parte, e parle in­
teressada. Ao formular a acusação, embora esteja buscado o acertamento judicial sobre a
ocorrência ou não do fato crime imputado ao acusado, o Ministério Público já se convenceu
previamente da culpabilidade e buscará prová-la. Embora para o exercício da ação penal
não se exija a certeza da autoria, o representante do Ministério Púbico, quando acusa,
certamente entende que esta é a hipótese mais provável. Mais do que isso. ao oferecer a
denúncia, o Promotor de Justiça acredita que, ao cabo da instrução, conseguirá provar,
além de qualquer dúvida razoável, a tese da acusação. Foge ao escopo da tese desenvolver
o tema. Para uma análise dos argumentos que justificam a posição, cf. BADARÓ. Gustavo
Henrique, ônus da prova no processo penal. São Paulo: Ed. RT, 2003. p. 207-225.
42 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Aliás, no direito estrangeiro dos países da chamada civil law, predomina o


entendimento de que direito à prova tem natureza constitucional, mesmo não
havendo previsões expressas nas Constituições de um direito à prova ou direito
de produzir provas em juízo.69
No sistema processual anglo-americano, o right to evidence é conatural ao
estilo competitivo do processo, em que a iniciativa probatória das partes, sendo
reconhecida como direito fundamental de ser ouvido em juízo, engloba o direito
a apresentar provas e interrogar as testemunhas trazidas pelo adversário.
No Brasil, como não poderia deixar de ser, prevalece o mesmo entendimento.
Os argumentos em favor do reconhecimento do direito à prova, como aspecto

69. No direito Espanhol, a doutrina entende que o direito à prova é extraível do art. 24.2 da
Constituição que assegura: "Asimismo, todos tienen derecho a [...] utilizar los medios
de pruebas pertinentes para su defensa". Quanto ao conteúdo de tal direito, a doutrina
entende que o direito à prova é aquele que assegura ao litigante a utilização de todos
os meios probatorios necessários para formar a convicção do órgão julgador acerca dos
fatos debatidos no processo (PICÓ I JUNOY, Joan. El derecho a la prueba en el proceso
civil. Barcelona: José Maria Bosch Ed., 1996. p. 18-19). Na Italia, com base no art. 24 da
Constituição de 1948, que assegura o direito de defesa, chegou-se á compreensão de que
a regra constitucional não se limita a garantir as partes o direito a um defensor ou o mero
direito de expor as próprias razões ao juiz. Víais do que isso. numa definição de Vassali
que se tornou clássica, o direito de defesa assegura o “diritto di difendersi provando”, ou
seja, o direito de não ver diminuída a possibilidade de defesa através de uma restrição
arbitrária dos meios de prova oferecidos ao juiz ou do objeto da prova proposta (VASSALI,
Giuliano. 11 diritto alia prova nel processo penale. Rivista Italiana di Diritto e Proccdura
Penale, 1968. p. 12). O reconhecimento da natureza constitucional do direito à prova
passou a ser explícito com a Lei Constitucional 2. de 23 de novembro de 1999, que inse­
rindo os princípios do justo processo no artigo 111 da Constituição italiana, estabeleceu
no 2° com ma, que: “Ogni processo si svolge nel contraddittorio ira le parti, in condizioni
di parità, davanti a giudice terzo e imparziale." E. o 4° comma do mesmo artigo ainda
assegura: ”11 processo penale c regolato dal principio dei contraddittorio nellaformazione
delia prova". Na Alemanha, Nicolò Trocker (Processo civile e coslituzione: problemi di
diritto tedesco e italiano, Giuffrè: Milano, 1974, p. 722 ss.) explica que o direito à prova
não se exaure na faculdade de produzir os meios representativos dos fatos deduzidos
em juízo, mas uma verdadeira pretensão de ver admitidas as provas propostas perante o
juiz (Beweiserhebungsanspruch). Em Portugal, as garantias do processo são estabelecidas
no art. 32 da Constituição, que não prevê expressamente o direito à prova. Todavia, na
doutrina, Canolilho (CANOTILHO, JoséJoaquim Gomes. O ônus da prova na jurisdição
das liberdades. Estudos sobre direitos fundamentais. Coimbra: Coimbra Ed.. 2004. p. 169­
170) observa que: o direito constitucional á prova surge, a maior das vezes, ou dissolvido
nos principios de direito e processo penal constitucionalmente consagrados (‘direito de defesa',
‘direito ao contraditório’, direito de intervenção no processo', ‘proibição de provas ilícitas’)
ou associado ao direito e tutela jurisdicional”; o que implica “deslocar o direito à prova do
estrito campo jusprocessualístico para o localizar no terreno constitucional". E, quanto
ao seu conteúdo, arremata: "o direito constitucional à prova abrange o direito a prova em
sentido lato (poder de demonstrar em juízo o fundamento da própria pretensão) e o direito
a prova em sentido restrito (alegando matéria de fato e procedendo à demonstração da sua
existência)” (O ônus da prova..., cit., p. 170, destaques no original).
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATORIA 43

insuprimível das garantias da defesa e do contraditório, encontram confirmação


e reforço no texto constitucional que, além de consagrar tais garantias, também
assegura que “ninguém será privado de sua liberdade [...] sem o devido processo
legal” (art. 5o, caput, LIV).
O direito à prova caracteriza um verdadeiro direito subjetivo à introdução do
material probatório no processo, bem como de participação em todas as fases do
procedimento respectivo; direito subjetivo que possui a mesma natureza constitu­
cional e o mesmo fundamento dos di reitos de ação e de defesa: o direito de ser ouvido
em ju íz o não significa apenas poder apresentar ao órgão jurisdicional as próprias
pretensões, mas também inclui a garantia do exercício de todos os poderes para
influir positivamente sobre o convencimento do juiz.7071
Especificamente em relação ao processo penal, o direito à prova está expressa­
mente previsto no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção
Americana de Direitos Humanos.7 Diante disso, o direito à prova de defesa, em
processo penal, configura não somente decorrência dos princípios do contraditó­
rio, ampla defesa e devido processo legal, mas, também, regra de direito positivo,
integrada ao nosso ordenamento, com a adesão do Brasil aos citados tratados de
direitos humanos. Tudo isso demonstra que não se pode negar às partes o direito
à prova, devendo a elas caber a gestão da prova no processo penal.
Reconhecido o direito à prova das partes, a elas caberá o papel de requerer a
produção dos meios correspondentes. E, ainda que se admita que os poderes ins-
trutórios do juiz possam conviver com o direito à prova das partes, o primeiro e
mais elementar limite a tais poderes é que sua utilização se dê em caráter supletivo

70. MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Direito cl prova no processo penal. São Paulo:
Ed. RT, 1997. p. 84. Acrescenta, ainda, que o conteúdo desse direito envolve cinco mo­
mentos distintos: investigação, propositura, admissão, produção e, por fim, valoraçào
da prova (Ibidem, p. 8 8 ).
71. O direito à prova è assegurado no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos,
em seu art. 14.3.e, que garante a lodo acusado o direito “de interrogar ou fazer interrogar
as testemunhas da acusação e de obter o comparccimento e o interrogatório das testemu­
nhas de defesa nas mesmas condições de que dispõe as de acusação” (destaquei). De forma
semelhante, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, igualmente assegura
aos acusados, no art. 8.2.f: "o direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes
no tribunal e de obter o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas
que possam lançar luz sobre os fatos" (destaquei). Embora os dispositivos citados se
refiram à prova testemunhal, prevalece o entendimento de que seu âmbiio de proteção
assegura o direito à prova de qualquer natureza, e não apenas às fontes de provas orais:
MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito á prova no processo penal..., cit., p. 74. No mesmo
sentido, na doutrina italiana, referente ao art. 6 .3 .e, da CEDH. cf. UBERT1S, Giulio.
Diritto alia prova nel processo penale e Corte Europea dei Diritti dellTJomo. Verso ti/t
“giusto processo” penale. Torino: G. Giappichelli, 1997. p. 89-90.
44 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

da atividade das partes. Isso é resultado do cambio de uma visão do processo ein
que cabia ao juiz o protagonismo, sendo o ator principal da atividade probatoria,
com um papel secundario e complementar dos sujeitos interessados, passando
para um modelo diverso, para não se dizer oposto, em que se confere às partes o
direito à prova, restando ao julgador poderes subsidiarios de produção da prova,
visando esclarecimentos fundamentais que não foram trazidos ao processo pela
atividade regulare principal dos sujeitos parciais.
Em suma, sendo reconhecido um direito à prova para as partes, como con­
dição para poder demonstrar a veracidade dos fatos por elas alegados, a atividade
instrutória deve se concentrar em suas mãos, não nas do juiz. As partes são as ti­
tulares do direito à prova e os sujeitos principais da sua produção. Caso se admita
que o juiz, nesse sistema, tenha poderes instrutórios para, de ofício, determinar
a produção de prova não requeridas pelas partes, eles terão que ser subsidiários e
complementares.

1.3.3. A presunção de inocência

A garantia da presunção de inocência integra o conjunto de garantias do de­


vido processo penal, sendo um fundamento sistemático e estrutural do processo
acusatório.72 É um componente basilar de um modelo processual penal que respeite
a dignidade e os direitos essenciais da pessoa humana.73A presunção de inocência,
já dizia Carrara, “procedono da dogmi di assoluta ragione”, e funciona como “as-
soluta condizione delia legitlimità dei procedim ento, e dei giudizio”.74
Não seria exagero considerá-la pressuposto de todas as outras garantias do
processo penal. Trata-se de garantia que marca a posição do acusado como sujeito
de direito no processo penal. Não mais uma fonte detentora de toda a verdade a
ser extraída, para não se dizer extorquida, mediante tortura, para obter a confis­
são ex ore rei. O acusado, presumido inocente, é um sujeito de direito, a quem se
assegura a ampla defesa, com o direito de produzir provas aptas a demonstrar sua
versão defensiva. De outro lado, lhe é assegurado, o direito ao silêncio, eliminando
qualquer dever de colaborar com a descoberta da verdade. A prova da imputação
cabe à acusação e integralmente à acusação.

72. PISANI, Mario. Sulla presunzione di non colpevolezza. II Foro Penóle, 1965. p. 3.
73. CHIAV'ARIO, Mario. La presunzione d’innocenza nella giurisprudenza della Corle Eu­
ropea dei Diritto DeH’uomo. Studi in riconlo di Gian Domenico Pisapia. Milano: Giuffré.
2000. v. 2. p. 76.
74. CARRARA, Francesco. 11 diritto penale e la procedura penale (prolusione al coso di
diritto crimínale dellanno accademico 1873-74. nella R. Universitá di Pisa). Opuscoli
di diritto crimínale. Lucca: Tipografía Giusti. 1874. v. V. p. 18.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATORIA 45

Além disso, no plano dos diplomas internacionais de direitos humanos, a


presunção de inocência integra o conjunto dc garantias mínimas dos acusados,' ’
sendo reconhecida como essencial ao processo penal équo.'"
No campo probatório, aponta-se como corolário da presunção de inocência a
regra de julgamento do in dúbio pro reo.757677Trata-se, assim, da regra a ser utilizada pelo
juiz, sempre que houver dúvida sobre fato relevante para a decisão do processo. 879
O reflexo da presunção de inocência na disciplina do acertamento penal se liga à
própria finalidade do processo penal: um processo necessário para a verificação
judicial da imputação penal, isto é, da ocorrência de um delito e a sua autoria. E,
nesse sistema, a presunção de inocência garante que, para a prolação de uma sen­
tença condenatoria, será necessário provar a culpa do acusado. '1Por outro lado,
se houver dúvida sobre qualquer dos elementos do crime, ou acerca da autoria
delitiva, o acusado será absolvido, sendo mantido seu estado inicial de inocência.80
Por que absolver na dúvida?
Do ponto de vista puramente lógico, não haveria justificativa para a adoção
da presunção de inocência, em seu aspecto de regra de julgamento, caracterizada
pelo in dúbio pro reo.

75. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, no item X I.1, assegura: "Todo ser hu­
mano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a
sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei [...]". O Pacto Internacional
sobre Direitos Civis e Políticos, também garante, no art. 14.1, primeira parte, que:
“Qualquer pessoa acusada de infracção penal é de direito presumido inocente até que a
sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida [...1”. No âmbito regional, a Con­
venção Europeia de Direitos Humanos estabelece, no art. 6.2, que: “Qualquer pessoa
acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver
sido legalmente provada". A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também
garante, no art. 8.2, que “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presumo
suo inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.”
76. CH1AVAR10, La presunzione ddnnocenza nella giurisprudenza delia Corte Europea dei
Diritto DelPuomo..., cil., p. 76.
77. Nesse sentido: MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Presunção de inocência e prisão
cautelar. São Paulo: Saraiva, 1991. p. 3 9 ; STELLA. Federico. Ciustizio c modernítà.
Milano: Giuffrè, 2002. p. 76.
78. Nesse sentido: CHIAVARIO, Mario. Presunzione d‘innocenza e diritto di difesa nel pen-
siero di Francesco Carrara. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale, 1991. p. 358;
1ACOV1ELLO, La motivazione delia sentenza penale c il suo controllo in Cassazione....
cil., p. 230.
79. PISANI, Sulla presunzione di non colpevolezza..., cit.. p. 3.
80. O princípio da presunção de inocência, segundo Pcrfecto Ibánez (Sobre a motivação dos
fatos na sentença penal, cit., p. 8 3 ) tem “um papel central na epistemologia judicial, na
qual não se limita a operar como regra de juízo, senão como verdadeiro eixo do sistema”.
46 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Considerando hipoteticamente o total de indivíduos de uma determinada


sociedade, é intuitiva a afirmação de que a maioria das pessoas é inocente. Certa­
mente é menor o número de delinquentes que a quantidade de pessoas honestas.81
Pimenta Bueno já dizia que “a presunção natural é a de inocência”,82 utilizando a
palavra “presunção” no sentido vulgar de conclusão extraída de id quod plcrumque
accidit. Todavia, reduzindo o universo da amostra, e tomando por base não mais
a totalidade dos indivíduos de uma sociedade, em um certo momento histórico,
mas apenas o conjunto de acusados cm processos penais, independentemente do
local e do momento histórico, essa prevalência seria mantida? Desde logo, não há
como chegar a uma conclusão fundada na realidade dos fatos. O que se pode
tomar como parâmetro objetivo é o resultado dos processos, admitindo-os como
corretos. Isto é, em caso de sentença penal condenatória transitada em julgado, os
acusados serão tidos como culpados; no caso de absolvições não mais sujeitas a
recursos, serão considerados inocentes. Mesmo não dispondo de estatísticas, não
parece equivocada a premissa de que os acusados são, cm sua maioria, condenados
ao final do processo.83
Assim sendo, do ponto de vista puramente lógico, não há como negar razão
a Manzini quando considerava que a presunção de inocência é uma “absurdidade

81. Nesse sentido: BECCAR1A, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. José de Faria Costa.
4. ed. Lisboa: Fundação Calousc Gulbenkian, 2014. p. 44: MALATESTA. Nicola Fra-
marino dei. La lógica dclle prove in criminate. 3. ed. Torino: Utet, 1912. v. I. p. 126;
ILLUMINATI, La presunzione d’innocenza dell’imputato, cit., p. 82; DOM1NIONT, Oreste.
La presunzione d’innocenza. Le parti nel processo pcnale. Milano: Giuffrè, 1985. p. 220;
GIULIANI, Alessandro. Prova. (Filosofia del diritto). Enciclopédia del diritto. Milano:
Giuffrè, 1988. v. XXXVII. p. 525.
82. PIMENTA BUENO, José Antônio. Apontamentos sobre o processo criminal brasileiro. Ed.
atualizada porjosé Frederico Marques. São Paulo: Ed. RT, 1959. n. 239. p. 431.
83. Há razões endoprocessuais para o predomínio de condenações sobre as absolvições no
processo penal. Primeiro há uma investigação estatal previa dos fatos, realizada pela
polícia judiciária ou pelo Ministério Público. Além disso, a investigação tende a ser
temporalmente próxima da ocorrência dos fatos, o que facilita a obtenção de fontes de
prova e evita a dispersão ou perda de elementos, seja pelo esquecimento, em relação
a fontes pessoais, seja pela perda, destruição ou modificação natural, em se tratando
de fontes reais. Se essa investigação não fornecer um suporte probatório mínimo da
ocorrência do delito e de sua autoria, não haverá justa causa para ação penal, cabendo a
manifestação pelo arquivamento da investigação preliminar. Assim, somente se houver
fumus commissi delicti, é que a denúncia ou queixa deverá ser oferecida pelo acusador e.
depois, recebida pelo juiz. Portanto, recebida a denúncia, do ponto de vista probatório,
a imputação ja parte com um suporte probatório inicial consistente, que permita consi­
derar a ocorrência do crime imputado mais provável que sua inocorrência! A instrução
servirá para robustecer as provas, que permitirão atingir um standard probatório ainda
mais elevado que, por ora, pode ser identificado, com a prova além de qualquer dúvida
razoável. Em suma, o processo penal não se inicia com base na mera asserção do autor,
mas com uma imputação já amparada em um conjunto consistente de elementos de
prova. Não poderá, pois, ser uma mera criação mental do acusador.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS A ATIVIDADE PROBATÓRIA 47

teórica”,8'’ algo "paradoxal e irracional”, segundo a ordem natural das coisas, na


medida em que, se para o início do processo, a acusação já está parcialmente pro­
vada, pelos indícios em que se fundada a imputação, o que deve ser presumida é a
culpabilidade do acusado.8485
Aliás, a presunção de inocência também já havia sido combatida pela Escola
Positiva, que contestou sua racionalidade e importância garantis ta, condicionando
a sua validade a aspectos contingentes da investigação.86 Não haveria sentido cm
presumira inocência de um acusado que já foi pronunciado; e seria um absurdo,
no caso de prisão em flagrante ou de confissão, e, principalmente, após uma con­
denação não definitiva.
O fundamento da presunção de inocência, contudo, não é lógico, mas axio-
lógico.
Trata-se de uma escolha política orientada pela preservação da liberdade
como valor fundamental do ser humano.87 Não há nenhuma razão lógica para se
preferir o in dubio pro reo ao in dúbio pro societate. Os critérios lógicos baseados na
probabilidade, ou na normalidade da ocorrência dos fatos a serem provados, que
se aplicam ao processo civil, cedem a um critério político no campo penal.88890Não
havendo certeza, mas dúvida sobre os fatos, inegavelmente é preferível a absolvição
de um culpado a condenação dc um inocente.8"’ Ou seja, o in clubio pro reo revela o
conteúdo garantista do ônus da prova no processo penal.'

84. MANZIN1, Vincenzo. Manuale cli procedura penale. Torino: Fratelli Bocca, 1912. p. 54.
85. MANZ1NI, Vincenzo. Trattato di diritto processuale penale italiano. 6. ed. Torino: UTET,
1967. v. 1. p. 226.
86. DOMINTONI, La presunzione dinnocenza..., cit., p. 222.
87. De modo semelhante, para Francesco Carnelutii (Prove civili e prove penali. Rivista di
Diritto Processuale Civile, 1925. p. 13) a máxima in dubio pro reo não responde a uma
exigência lógica, mas deontológica.
88. SARACENO. Pasquale. La decisione sul Jatto incerto. Padova: Cedam, 1940. p. 178.
Na doutrina italiana, llluminati (La presunzione dinnocenza delPimputato..., cit., p. 9 2)
explica que a presunção de inocência, como regra de julgamento, muito além de um
expediente técnico, "assume uma precisa conotação política”. De modo semelhante, na
doutrina portuguesa, Alessandra Vilela (Considerações acerca da presunção de inocência
em direito processual penal. Coimbra: Coimbra Ed., 2000. p. 70) lembra que “não há
qualquer fundamento lógico-jurídico para a presunção de inocência do arguido. Trata-se
tão só de um principio com fundamento político fruto de uma evolução da sociedade e
uma conquista da civilização. Princípio que se traduz no risco de se ver absolvido um
culpado, relativamente à eventualidade de se condenar um inocente".
89. Segundo llluminati (La presunzione dinnocenza delPimputato..., cit., p. 9 1) "la regola
di giudizio, in sostanza, indica di volta in volta quale sia l'inieresse sostanziale cui si
deve dar la prevalenza". No mesmo sentido: PAULESU, Pier Paolo. Presunzione di non
colpevolezza. Digesto: discipline penalistiche. 4. ed. Torino: Utet, 1995. v. IX. p. 675.
90. BADARÓ. Ônus da prova no processo penal..., cit., p. 300.
48 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Ainda assim, ao definir como o juiz deve decidir em caso de dúvida, a garantia
da presunção de inocência é epistemológicamente neutra. Se dúvida há é porque
não foi possível obter um conhecimento verdadeiro sohre os fatos. O problema
gnoseológico já foi superado. Não se conheceu a verdade. Resta o problema ju rí­
dico. E preciso decidir sempre, e para decidir, em caso dc dúvida, é necessário um
guia legal da decisão. No caso: in ditbio pro reo.
Por outro lado, para quem considera que a presunção de inocencia implica,
por si só, na adoção, no processo penal, de um standard de prova mais elevado, ou
até mesmo, o mais elevado possível, seja ele identificado como o beyond a reasonable
doubt, ou outra forma qualquer de expressá-lo, nesse caso, há urna interferencia
por razões políticas, em um tema que condiciona o atingimento da verdade.91

1 .3 .4 . A motivação das decisões judiciais


A motivação das decisões judiciais apresenta uma dupla finalidade. Sob uma
ótica individualista, isto é, considerando a finalidade que a motivação desempenha
no processo, levando-se em conta apenas o interesse das partes, a garantia proces­
sual tem por escopo permitir o conhecimento das razões de decidir, possibilitando
a impugnação da decisão e de seus fundamentos pela via recursal. Trata-se de um
fundamento interno da motivação, ressaltando a sua finalidade técnico-processual.
Por outro lado, tendo em vista o exercício da função jurisdicional, a moti­
vação permite o controle social sobre tal atividade. No primeiro caso, temos uma
garantia para as partes, destacando-se a função endoprocessual da motivação. Já
sob o enfoque da sociedade, a motivação apresenta uma relevância extraprocessual.
Com relação ao seu caráter interno, ou endoprocessual, a motivação não é uma
descrição do raciocínio judicial. Não se trata dc uma descrição do iter psicológico
seguido pelo juiz na confecção da decisão.92 Aliás, se assim o fosse, somente no
último momento, quando se findasse a motivação, o juiz saberia se a causa seria
julgada procedente ou improcedente. Na verdade, a motivação é uma exposição,
ou melhor, uma justificação da decisão. Nas palavras de Foschini, a motivação é
uma “argumentada conclusão”, ou uma “concludente argumentação”.9394A moti­
vação da sentença apresenta-se, portanto, como uma “justificação racional das
escolhas do ju iz ”.9'1

91. Essa relação será objeto de análise específica, no cap. 3. infra, item 3.6.2.1.
92. Para uma análise do raciocínio judicial na formação da decisão: CALAMANDREI, Piero.
La genesi lógica delia sentenza civile”. Opera Ciurídice. Napoli: Morano, 1965. v. 1. p. 1 1
e ss.
93. FOSCHINI, Gaetano. Sistema de! diritto pivcessuale penale. 2. ed. Milano: Giuffrè, 1968.
v. II. p. 539.
94. TARUFFO, Michele. La motivazione delia sentenza civile. Padova: Cedam. 1975. p. 421.
Para Magalhães Gomes Filho (A motivação das decisões penais..., cit., p. 242) trata-se de
um "discurso justificativo".
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 49

A doutrina tem apontado, como requisitos para que a motivação se ja conside­


rada válida, que ela seja expressa, clara, coerentee lógica.9596Com relação ao seu con­
teúdo mínimo, para Taruffo, a motivação compreende: 1) o enunciado das escolhas
do juiz com relação: 1.1) à individuação das normas aplicáveis: 1.2) à análise dos
fatos; 1.3) à qualificação jurídica dos fatos; 1.4) às consequências jurídicas desta
qualificação; 2) os nexos de implicação e coerência entre os referidos enunciados.'"’
Ainda dentro da função endoprocessual, a obrigação de motivação das decisões
judiciais se relaciona com a possibilidade de impugnação do ato decisório. No caso
da atividade recursal, o conhecimento das razões de decidir que levaram à prolação
do ato impugnado é relevante não só para a parte prejudicada, mas também para
possibilitar ao próprio órgão jurisdicional de segundo grau um melhor controle
da atividade jurisdicional de primeiro grau.97 Há, assim, um caráter público, visto
que permite ao próprio Estado o controle da sua atividade.989
Já o caráter extraprocessual da motivação, ou sua função político-axiológica,
é destacado pela Constituição. A garantia da motivação vem estabelecida na dis­
ciplina do Poder Judiciário. Muito mais que uma garantia individual das partes,
a motivação das decisões judiciais é uma exigência inerente ao próprio exercício
da função jurisdicional." A motivação confere “transparência” à decisão judicial,
permitindo um controle generalizado e difuso sobre o modo pelo qual o juiz ad­
ministra a justiça. 100No aspecto extraprocessual, a motivação tem por destinatário
quisque de populo, e não apenas as partes ou os magistrados integrantes dos tribunais

95. Nesse sentido: CRUZ E TUCCI. José Rogério. A motivação da sentença no processo civil.
São Paulo: Saraiva, 1987. p. 18-21. com ampla análise doutrinária.
96. TARUFFO La motivazione delia sentenza civilc.... cit.. p. 467. A este esquema Ada Pcl-
legrini Grinover, Antonio Magalhães Gomes Filho e Antonio Scarance Fernandes (As
nulidades no processo penal, cit., p. 201) acrescentam “consideração atenta dos argumentos
e provas trazidas aos autos".
97. Nesse sentido: AMODIO. Motivazione delia sentenza..., cit., p. 188: MARCHEIS, Chiara
Besso. La sentenza civilc inesistente. Torino: G. Giappichelli, 1996. p. 265.
98. BELLAV1STA, Girolamo. Contributo alio sludio delia patologia delia motivazione delia
sentenza penale. Sítidi sul processo penale. Milano: Giuffrè, 1976. v. IV. p. 164.
99. Essa tendência é encontrada em várias constituições modernas, que preveem a garantia
da motivação no capítulo do Poder Judiciário. A Constituição italiana dc 1947, em seu
art. 111, § 1°, estabelece que “tutti i provvedimemi giurisdizionale devono essere moti-
vati". A Constituição portuguesa de 1974, no art. 205, § 1°. determina que 'as decisões
dos tribunais que não sejam de mero expediente serão fundamentadas na forma prevista
na lei ". A Constituição espanhola de 1978 prevê, no art. 120, § 3o, que “las sentencias
serán siempre motivadas".
100. Nesse sentido: COMOGLIO, Luigi Paolo. Ri forme processuali e poteri dei giudice.
Torino: G. Giappichelli, 1996. p. 124: SAMMARCO, Método probatorio e modelli di
ragionamento..., cit., p. 14.
50 EPISTEMOLOGÍA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

que poderão rever o julgado.101102É por meio da motivação que a população em geral
poderá controlar a legalidade da decisão, a imparcialidade do juiz, enfim, a justiça
do julgam ento.lo: Em suma, é a motivação uma garantia de controle democrático
sobre a administração da justiça.103
Além disso, em tempos de comunicações instantâneas em redes sociais e de
facilidade de acesso às decisões de tribunais por meio da rede mundial de compu­
tadores, mormente nos últimos tempos, em que o processo penal se tornou objeto
de grande interesse dos cidadãos, mesmo que leigos, não é pouco realístico pen­
sar que esse controle será efetivamente exercido. Mas, ainda que isso não venha
a ocorrer de fato, como lembra Taruffo, a respeito da finalidade extraprocessual
da motivação, é essencial que esse controle ''possa” ser exercido, devendo o juiz
se comportar sempre “como se” estivesse dando satisfação diretamente à opinião
pública das razões de sua decisão, pois exatamente nisso reside a função essencial
da garantia da motivação.104É evidente que isso não significa que o juiz deve decidir
para satisfazer ou atender a opinião pública. Muitas vezes, por exemplo, uma Corte
Constitucional necessita ser contramajoritária, paragarantirosdireitos fundamen­
tais das minorias, mas essa justificação precisa ser passada para a opinião pública.
A motivação é uma garantia do processo e um potente instrumento de controle
da valoração da prova. A necessidade de motivar exige que o juiz adote critérios
racionais de valoração, pois desse modo a justificação dc suas escolhas poderá ser
explicada de maneira acessível a todos. De outro lado, se não se exige a motivação
do juízo dc fato, como no caso do tribunal do júri, o único modo de assegurar nor­
mativamente que não sejam tomadas decisões com base em provas pouco ou nada
confiáveis, é determinando a sua exclusão do processo.105Em tal caso, poderá haver

101. TARUFFO, La motivazione delia sentenza civile..., cit., p. 407.


102. Nesse sentido: BARBOSA MOREIRA. José Carlos. A motivação das decisões ju d i­
ciais como garantia inerente ao Estado de Direito. Temas de direito processual: segunda
série. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 1088. p. 87: GR1NOVER. Ada Pellegrini. O conteúdo da
garantia do contraditório. Novas tendência do direito processual. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1990. p. 34; MAGALHÃES GOMES FILHO. Direito a prova no processo
penal, cit.. p. 163-164; SCARANDE FERNANDES, Antonio. Processo penal constitucional.
6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2010. p. 127; CAVALO, Vicenzo. La sentenza penale. Napoli:
Jovene, 1936. p. 3 7 1 : RICC1, Gian Franco. Principi di diritto processualegenerale. Torino:
G. Giappichelli. 1995. p. 16.
103. AMODIO, Motivazione delia sentenza..., cit., p. 188; Idem. Lobbligo costituziona-
le di motivazione e 1’istituto delia giuria. Rivista di Diritto Processuale. 1970. p. 453;
TARUFFO, La motivazione delia sentenza civile..., cit., p. 4 0 7 , R1CCI. Principi di diritto
processuale generale. cit., p. 162. Na doutrina nacional: GRINOVER. Ada Pellegrini
Processo constitucional em marcha. São Paulo: Max Limonad. 1985. p. 256.
104. TARUFFO, Michele. Motivazione sentenza civile. Enciclopédia dei diritto. Milano:
Giuffrè, 1999. Aggiornamento 111. p. 776.
105. FERRER BELTRÁN, Valoración racional de la prueba.... cit., p. 45.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS A ATIVIDADE PROBATÓRIA 51

um empobrecimento do material a ser valorado, contrariando o princípio lógico


segundo o qual toda prova relevante deve ser admitida.106 A motivação c uma ga­
rantia fundamental do ponto de vista processual e epistêmico.10

1.3.5. O duplo grau de jurisdição


O duplo grau de jurisdição c um poderoso mecanismo de controle do poder
estatal. Sc todo ato de poder deve estar sujeito a alguma instância de controle,
para que não se degenere facilmente em arbítrio, no âmbito do Poder Judiciário, o
resultado do processo não pode estar imune a um amplo mecanismo de controle.
Por isso, a garantia do duplo grau de jurisdição tem um relevante valor político, à
medida que o direito de impugnar a decisão judicial assegura que tal ato estatal c
imperativo seja controlável.108
Determinar o conteúdo do duplo grau de jurisdição significa “definir uma
criatura do pensamento jurídico, um paradigma pertencente ao conjunto dos
conceitos jurídicos dos quais a ciência se serve como instrumento de análise".1' u
Do conteúdo semântico da expressão “duplo grau de jurisdição” e com alguma
complementação lógica, o mínimo que se pode extrair é que se trata do direito a
um sistema judiciário no qual o conteúdo das decisões de mérito poderá ser objeto
de duas estatuições sucessivas, por órgãos diversos, sendo que a decisão posterior
prevalece sobre a anterior.110
O duplo grau de jurisdição c uma exigência que se liga à sentença de mérito.
Consequentemente, não violará o duplo grau de jurisdição, um sistema que traba­
lhe com a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, desde que haja previsão
de um recurso contra a sentença, sendo que em tal hipótese, normalmente caberá
ao recorrente, em tal recurso, frequentemente denominado apelação, trazer como
matéria recursal a impugnação da decisão interlocutória irrecorrívcl anteriormente
proferida.
A partir desse ponto, é necessário recorrer à estrutura legal de cada ordena­
mento jurídico para se obter qualquer conteúdo mais preciso do duplo grau de
jurisdição. E, como afirmou, com razão, Barbosa Moreira “não há nenhum céu
de puras essências, onde se logre descobrir um conceito de recurso anterior ao que

106. Sobre os limites lógicos de admissão da prova, cf., infra. cap. 3, item 3 .4 .1.1.
107. Essa relação será objeto de análise especifica, infra, no cap. 3, item 3.7.
108. MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação cias decisões penais..., cil., p. 45.
109. SPANGHER, Giorgio. II doppio grado di giurisdizione. In: D1NACCI, Filippo Fraffaelc
(Coord.). Processo penale e Costituzione. Milano: Giuffrè, 2010. p. 495.
110. Nesse sentido: SPANGHER, II doppio grado di giurisdizione..., cit.. p. 4 9 5 ; ARAN-
GUENA FANEGO, Coral. La doble instancia en el proceso penal. Criminalia, n. 65,
jan.-abr. 1999. p. 279.
52 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

revelar o sistema da lei’’.11' Portanto, a construção do conceito de recurso, depende


da disciplina legal de cada ordenamento.112
Para os fins de verificar a relação entre o duplo grau de jurisdição, como garan­
tia que assegura um controle intersubjetivo das decisões, de um lado, e a revisão do
juízo de fato, como fator integrante de um modelo de epistemología judiciária, de
outro, é preciso analisar o conteúdo de tal garantia com uma profundidade maior.
Nesse sentido, deve-se procurar um mínimo denominador comum de tal direito
no âmbito dos tratados internacionais e regionais de direitos humanos. Advirta­
-se, contudo, que mesmo no plano dos tratados de direitos humanos é tranquilo
o reconhecimento do direito ao recurso como um componente obrigatório do
processo équo.
O direito ao recurso é expressamente previsto na CADH, que assegura, no
art. 8.2.h, entre as garantias processuais mínimas de todo acusado, o “direito de
recorrer da sentença ajuiz ou tribunal superior”.113Por sua vez,oP!DCP, no art. 14.5,

111. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. O juízo de admissibilidade no sistema dos recursos
cíveis. Rio de Janeiro: Borsoi, 1968. p. 10.
112. Tomando em conta as regras constitucionais e processuais penais brasileiras, defi­
nimos recurso como “meio voluntário de impugnação das decisões judiciais, utilizado
antes do trânsito em julgado e no próprio processo em que foi proferida a decisão,
visando â reforma, invalidação, esclarecimento ou integração da decisão judicial" (BA-
DARÓ, Gustavo Henrique. Manual dos recursos penais. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2018.
p. 34). No processo penal, para Ada Pellegrini Grinover. Antonio Magalhães Gomes
Filho e Antonio Scarance Fernandes (Recursos no processo penal. 7. ed. São Paulo: Ed.
RT, 2011. p. 29), recurso é "o meio voluntário de impugnação de decisões, utilizado
antes da preclusão e na mesma relação jurídica processual, apto a propiciar a reforma,
invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão". De modo semelhante, no
processo civil. José Carlos Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil.
16. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011. v. 5. p. 233) conceitua recurso, no
direito processual civil brasileiro, “como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro
do mesmo processo, a reforma, invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisões
judiciais que se impugna”.
113. O segundo aspecto do direito ao recurso que não será aprofundado na obra, diz
respeito âs situações de foro por prerrogativa de função e sua compatibilidade com o direito
ao recurso assegurado pelo art. 8 .2 .h da CADH. De qualquer forma, é importante ob­
servar que, no Caso Barreto Leiva vs. Venezuela, julgado em 17 de novembro de 2009,
analisando o direito ao recurso do acusado condenado pela mais alta corte do Pais, a
Corte Interamericana de Direitos Humanos, considerou que o foro por prerrogativa de
função, perante o mais alto tribunal do pais. não é, em si, incompatível com o art. 8 .2 .h
da CADH, devendo a legislação interna estabelecer a possibilidade dc o acusado apelar
do julgamento condcnatorio. E a Corte exemplificou, dizendo que, para tanto o procedi­
mento poderia ser conduzido, em primeira instância, pelo presidente ou por uma turma
do tribunal superior, sendo assegurado um recurso de apelação para o tribunal pleno,
excluindo-se dc tal julgamento os juízes que já tivessem proferido decisão no mesmo
caso. Como lais situações não se verificaram, a Corte entendeu que houve violação
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS A ATIVIDADE PROBATÓRIA 53

assegura que “ioda pessoa declarada culpada por um delito lerá direito de recorrer
cia sentença condenatória e da pena a uma instânc ia superior, cm conformidade com
a lei”. Regime diverso era adotado no sistema europeu de direitos humanos. A
Convenção Europeia de Direitos Humanos, de 1950. estabeleceu várias garantias
processuais, que serviram de modelo para os tratados posteriores. O art. 6o da
CEDH, considerado a síntese dos “cânones europeus do justo processo penal ’,11''
não assegurou explicitamente a garantia do acusado de recorrer da sentença con­
denatória. Posteriormente, o Protocolo VII à referida Convenção, de 1984, em seu
art. 2.1, assegurou o “direito a um duplo grau de jurisdição em matéria penal”, nos
seguintes termos:
“ 1. Qualquer pessoa declarada culpada de uma infração penal por um Tribunal
tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a declaração de cul­
pabilidade ou a condenação. O exercício deste direito, bem como os fundamentos
pelos quais ele pode ser exercido, são regulados pela lei.”115
Sobre o conteúdo ou as características do recurso assegurado pela CADH,
no caso de sentença condenatória, é necessário que se trate de um meio amplo de
impugnação da sentença, que admita revisão de seu conteúdo tanto sobre questões
de direito, quanto sobre questões de fato , isto é, admitindo uma nova valoração da
prova por parte do tribunal.116

ao direito ao recurso, previsto no art. 8.2.h da CADH (CoIDH, Caso Barreto Leiva vs.
Venezuela, Mérito. Reparações e Custas, sentença de L7.11.2009, Série C, 2006, §§ 9 0 ­
9 1 ). O tema voltou a ser analisado no Caso Liakat Ali Alibux vs. Suriname, julgado pela
Corte Interamericana em 3 0 .0 1 .2 0 1 4 . Ao interpretar o conceito de “tribunal superior",
do art. 8.2.h da CADH, a Corte considerou que a superioridade do tribunal exigida no
dispositivo da CADH é satisfeita quando o plenário ou uma câmara dentro do mesmo
tribunal, mas com composição diversa, julga o recurso, possuindo competência para
revogar ou reformar a decisão condenatória (CoIDH, Caso Liakat Ali Alibux vs. Suri­
name, Objeções Preliminares, Mérito, Reparações e Custos julgamento em 3 0 .0 1 .2 0 14.
Série C, 276, § 105).
114. PISAN1, Mario. Nozioni gcncrali. In: P1SANI, Mario et al. Mcmualc di Procedura
Penale. 8 ed. Bologna: Monduzzi Ed., 2008. p. 19.
115. O item 2.2 prevê que: “Este direito pode ser objeto de exceções em relação a infra­
ções menores, definidas nos termos da lei, ou quando o interessado tenha sido julgado
em primeira instância pela mais alta jurisdição ou declarado culpado c condenado no
seguimento de recurso contra a sua absolvição”. Sobre o reflexo de tal exceção, entre nós,
a Corte Interamericana já decidiu que as exceções do art. 2.2 do Protocolo VII à CEDH,
não servem para interpretar o art. 8.2.h, da CADH, que diferentemente do que ocorre
no sistema europeu, não prevê exceções à garantia do direito ao recurso: CoIDH, Caso
Mohamed vs. Argentina, Objeções Preliminares, Mérito, Reparações c Custas, julgado
em 23 .1 1 .2 0 1 2 , Série C, n. 255. § 9 4 ; CoIDH, Caso Liakat Ali Alibux vs. Suriname,
Objeções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas, julgamento em 3 0 .01.2014, Série
C, n. 276; § 96.
116. Nesse sentido é a posição do TEDH, em relação ao art. 2 ” do Protocolo Adicional VII
à CEDH, e ao art. 14.5 do P1DCP: Caso Le Compt, Van Leuve e De Meyere vs. Bélgica,
54 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

Para o hm de análise do controle intersubjetivo como componente de um


adequado modelo epistêmico, é fundamental o reconhecimento de que o direito ao
recurso assegura um mecanismo que possibilite o reexame da valoraçào da prova. O
condenado deve ter possibilidade de impugnar, perante outro juiz, tanto os errores
in procedendo quanto os errores in indicando, alcançando “uma” possibilidade de
obter um “reexame de mérito”, em que os erros possam ser verificados.117
No âmbito americano, a decisão mais significativa da Corte lnteramericana
de Direitos Humanos ocorreu no C aso Mohamed vs. Argentina, julgado em 23 de
novembro de 2 0 1 2 ,118em que foi reconhecido que o respeito ao art. 8.2.h da CADH
implica que, no caso de o acusado ter sido absolvido em primeiro grau, mas em
razão de recurso do Ministério Público, se vê condenado, pela primeira vez, no
julgamento do tribunal em segundo grau, deve lhe ser assegurado um recurso
amplo, podendo rediscutir questões de fato e de direito, contra tal decisão. Seria,
necessário, portanto, em sistemas como o brasileiro, estabelecer em casos que tais,
uma espécie de “terceiro grau”.
Ao possibilitar o controle do juízo de fato e da valoraçào da prova, o direito
ao duplo grau é um potente mecanismo epistêmico, que favorece um correto juízo
de fato como condição para a decisão ju sta.119 O recurso, se não garante o acerto da

(plenário) sentença de 2 6 .0 6 .1 9 8 1 ; Caso Òztürk vs. Alemanha, (plenário), sentença


de 21.0 2 .1 0 8 4 ; Caso Helmers vs. Suécia, sentença de 29.10.1991 e Caso Krombach vs.
França, sentença de 13.02.2001.
117. Nesse sentido: Mario Chiavario (Processo e garanzie delia persona. 2. ed. Milano:
Giuftrè, 1982. v. II. p. 191) em relação à garantia equivalente do art. 14.5 do PIDCR
118. ColDH, Caso Mohamed vs. Argentina, Objeções Preliminares, Mérito. Reparações
e Custas, julgado em 2 3 .1 1 .2 0 1 2 , Série C, 255.
119. Outro ponto importante que se pode extrair da jurisprudência europeia, com claros
reflexos no juízo de fato, é que o direito ao recurso inclui o direito a uma audiência
perante o tribunal que julgará o recurso, quando tal tribunal se pronuncie sobre o ca­
ráter do acusado ou os motivos que o levaram a cometer o crime, ou sobre matéria de
fato nova ou que possa repercutir na severidade de sua pena, ou, ainda, que possa levar
a uma condenação depois da absolvição de primeira instância. Nesse sentido: MAIER,
Julio. Derecho procesal penal: fundamentos. 2. ed. Buenos Aires: Del Puerto, 1996. t. 1.
p. 720. No mesmo sentido, em relação ao sistema europeu: ALBUQUERQUE, Paulo
Pinto dc. Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da
Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 4. ed. Lisboa: Universidade Católica Edi­
tora, 2011. p. 1036. n. 5. Sobre a jurisprudência do TEDH: Caso Ekbatani vs. Suécia,
(plenário), sentença de 2 6 .0 5 .1 9 8 8 ; Caso Helmers vs. Suécia, (plenário), sentença de
29.10.1991; Caso Kremzow vs: Áustria, sentença de 21.09.1993: Caso Constantinescu vs.
Romênia, sentença de 2 7 .06.2000; Caso Pobornikoíl vs. Áustria, sentença de 0 3.10.2000;
Caso Desirehem vs. França, sentença dc 18.05.2004; Caso Dondarini vs. São Marino,
sentença de 0 6 .0 7 .2 0 0 4 e Caso Hermi vs.. Itália (G C), sentença de 18.10.2006. Não é
caso de enfrentar, no âmbito da obra, os problemas práticos que decorrem da adoção
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATORIA 55

decisão proferida em segundo grau, possibilita, ao menos tendencialmente, recluzii'


as chances de erro do resultado final.120 Podem ser listados três motivos para tanto.
O primeiro argumento é que o recurso não é uma análise paraa tomada de uma
decisão, mas um reexame de uma decisão já tomada. Em outras palavras, sendo um
segundo julgamento, não se trata de apreciação inicial da imputação, sobre a qual
não terá havido qualquer posicionamento, como ocorre na sentença. Ao contrário,
o acórdão terá por base uma decisão anterior, quejá será fruto de análise dos fatos
e do direito, cujo acerto ou equívoco será verificado pelo Tribunal. Trata-se, nas
palavras de Carnelutti, de um ‘ julgamento sobre o julgamento e, dessa maneira,
um julgamento elevado à segunda potência”. 1210 recurso ocorre quando o debate
da causa já esmiuçou as pretensões conflitantes e a sentença de primeiro grau já
situou a intervenção judicial em um certo sentido, “apresentando-se o debate
escoimado de superfluidades”.122
Um segundo aspecto favorável à correção de eventual erro da decisão, é que
a decisão inicial será, por sua vez, submetida a um novo confronto dialético propi­
ciado pelas razões e contrarrazões recursais, tudo isso a permitir uma dcpu ração de
seu conteúdo, facilitando que seus erros, se existirem, possam estar mais visíveis
para o Tribunal.123
Por fim, em organizações judiciárias como a brasileira, nas quais o primeiro
grau de jurisdição é, em regra, monocrático, e o segundo grau. colegiado, a revisão
por um órgão plúrimo minimiza a probabilidade de erro. No julgamento por juiz
singular, o erro do magistrado implicará uma injustiça consumada. Já no caso de uma

de tal premissa, nem a melhor solução para resolvê-lo. O objetivo do trabalho é restrito
ao juízo de valoração da prova realizado na sentença. Para uma análise de tais ques­
tões: BADARÓ, Manual dos recursos pena is..., c i l . p. 65 e ss.; VASCONCELOS, Vinicius
Gomes de. Direito ao recurso no processo penal: conteúdo e dinâmica procedimental de
um modelo de limitação do poder punitivo estatal pelo controle efetivo da sentença
condcnalória. Tese (Doutorado) - Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2017. p. 242 e ss.
120. Os três argumentos favoráveis ao duplo grau de jurisdição foram expostos em: BA­
DARÓ, Manual dos recursos penais..., cil., p. 44-45.
121. CARNELUTTI, Francesco. Lezioni sul processo penale. Roma: Ateneo, 1949. v. IV.
p. 102.
122. BERMUDES, Sérgio. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Ed. RT, 1075.
v. 7. p. 10. Na doutrina italiana, esse argumento já era utilizado por: BELLAV1T1S, Mario.
Sui limiti dei concetto di doppio grado di giurisdizione. Rivislci di Diritlo Processuale
Civile. II. 1931. p. 3.
123. Ou. como diz Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil..., cit., v. V,
p. 236): “o juízo ad quem beneficia-se da presença, nos autos, de material já trabalhado,
já submetido ao crivo do primeiro julgamento, e ao da crítica formulada pelas próprias
partes, ao arrazoarem, num sentido e noutro, o recurso".
56 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

decisão colegiada, o equívoco individual será, apenas, um voto errado, que poderá
ser superado por uma posição correta dos demais julgadores.124A colegialidadc das
decisões, afirma Pontes de Miranda, assegura diversos exames ao mesmo tempo,
“que se transforma em superioridade sempre que desejamos maior certeza".125
Do ponto de vista psicológico, de quem profere a decisão recorrida, é razoável
também acreditar que, quando alguém sabe que sua decisão poderá ser revista,
submetida a um escrutínio de outrem, tende a ser mais cuidadoso e usar métodos e
critérios que não sejam eminentemente subjetivos, mas, ao contrario, comumente
aceitos pela generalidade das pessoas. Em outras palavras, o duplo grau de juris­
dição colabora para que a decisão seja tomada com base em métodos racionais de
valoraçào da prova, pois esses poderão mais facilmente ser expostos e entendidos
na fundamentação, como justificação da decisão tomada e ,126 posteriormente,
ser compreendidos e acolhidos como corretos pelo órgão revisor que poderá ser
chamado a vir atuar.
Em suma, sendo o recurso um mecanismo importante do ponto de vista
heurístico, os valores que inspiram um modelo de epistemología judiciária, tendo
na obtenção da verdade um fim institucional do processo, aconselham que possa
ser utilizado por ambas as partes. Em outras palavras, o duplo grau de jurisdição
deve ser assegurado para defesa e para acusação, pois havendo tanto condenações
injustas, quanto absolvições equivocadas, ambas poderão ser corrigidas.
Porém, do ponto de vista das garantias processuais, a questão não é tão simples
assim. Há forte debate sobre quem é o titular do direito ao recurso reconhecido
pelos tratados e convenções de direitos humanos. O direito ao recurso é exclusivo
do acusado? Ou a acusação também desfruta da garantia processual de recorrer da
sentença de mérito que lhe for desfavorável?
As garantias dos tratados de direitos humanos não são declarações de direitos
em favor do Estado, no caso, representado pelo órgão acusador oficial, mas escudos
de proteção do indivíduo, isto é, o acusado, que por ocupara posição mais fraca no
processo, necessita dc garantias minimas.127 Como explica Chiavario, no processo

124. O juízo de muitos, diz Inocêncio Borges da Rosa (Comentários ao Código dc Processo
Penal. 3. cd. São Paulo: Ed. RT, 1982. p. 6 9 6 ), “traz consigo bem fundada presunção de
superioridade sobre o de um só .”
125. PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil Rio de Janeiro:
Forense, 1975, t. VII, p. 11. De modo semelhante, e somando os dois últimos aspectos.
Tuzet (Filosofia delia provagiurídica..., cit., p. 15) afirma que o contraditório e a colegia-
lidade são instrumentos legais de controle do critério da “certeza" obtida no processo.
126. Sobre a relação entre a fundamentação e a adoção prévia de critérios racionais de
valoração da prova, cf., infra. cap. 3. item 3.8.
127. Como explica Julio Maier (Derecho proccsal penal..., cit., I. I, p. 7 1 1 ), no art. 8.2.h.
a CADH “não se propõe - nem se pode propor - defender’ o Estado, mas sim, ao
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 57

penal, o direito ao justo processo é essencialmente um “direito do acusado”, e a


regra da “paridade de armas das partes”, longe de refletir uma exigência de absoluta
simetria de posições, representa a exigência de um balanceamento estabelecido
como garantia e não em prejuízo do acusado.1214
Assim sendo, do ponto de vista do respeito às normas convencionais, o direito
ao recurso - e que viabiliza o duplo grau de jurisdição - é exclusivo do acusado.
Consequentemente, não seria possível um sistema que não previsse um recurso
amplo para o acusado que fosse condenado, possibilitando-lhe recorrer da sentença
contra ele proferida.
Por outro lado, seria possível, nesse contexto, um sistema que somente
admitisse recurso pro reo. Por exemplo, as sentenças condenatorias seriam ape­
láveis, mas não caberia recurso das sentenças absolutórias. Tal cenário não seria
incompatível como o art. 8.2.h, da CADH, embora pudesse ser questionado sob a
ótica da paridade de armas, por representar um modelo desequilibrado excessiva
e injustificadamente, em prejuízo da acusação.
Mais do que possível, tal sistema c obrigatório ou impositivo para parte da
doutrina. Julio Maier, fazendo uma aproximação do direito ao recurso do acusa­
do com a garantia contra a dupla persecução,129 entende que não se deve admitir
recurso do Ministério Público contra sentenças absolutórias, pois tal fórmula tem
um alcance maior, uma vez que impede a múltipla persecução também em sentido
processual, essa relacionada com a renovação do processo que ainda esteja em curso.
E conclui: “o principal efeito da regra é impedir absolutamente a possibilidade de
recurso de revisão contra o acusado absolvido ou do condenado por crime mais
leve; em conjugação com o direito ao recurso do condenado, determina também,
a ab-rogaçào da faculdade - comum entre nós: sistema bilateral de recursos - de o
acusado recorrer da sentença, ao menos em alguma instância”.130

contrário, conceder uma garantia a quem sofre a coação estatal. A Convenção se refere,
precisamente, às garantias processuais frente ã ação e á força aplicada pelo Estado". No
mesmo sentido: VASCONCELOS, Vinícius Gomes. Duplo grau de jurisdição na Justiça
Criminal: o direito ao recurso como possibilidade de questionamento da motivação
da sentença condenatoria. In: GlACOMOLLI: Nereu José; VASCONCELOS, Vinicius
Gomes de (Org.). Processo penal e garantias constitucionais: estudos para um processo
penal democrático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. p. 229-230.
128. CHIAVARIO. Processo e garanzie delia persona..., cit., v. 11, p. 177. E. diante disso,
admite o que denomina um “sistema extremo", no qual o acusado não tivesse contra
si recurso que pudesse prejudicá-lo, mas sendo assegurado o direito à impugnação que
lhe favorecesse.
129. Na CADH, o art. 8 .4 estabelece que “O acusado absolvido por sentença transitada
em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos".
130. MAIER. Derecho procesal penal..., cit.. t. I. p. 599, c p. 717.
58 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Do ponto de vista de um adequado modelo de epistemología judiciária, tam­


bém não é acertado um regime recursal que não admita apelação do Ministerio
Público, em caso de absolvição do acusado. O recurso é um instrumento que pos­
sibilita uma correção de decisões equivocadas e, no plano do juízo de fato, tem um
importante papel de permitir um controle intersubjetivo das escolhas racionais do
julgador na valoração da prova. Portanto, admi tiro recurso contra o juízo de fatos
somente de sentenças condenatorias errôneas, para transformá-las em absolvições
justas, mas vedar o recurso de absolvições equivocadas, tornando-as imutáveis e,
assim, impedindo um melhor juízo de fato como condição para a decisão justa é
adotar uma solução claramente antiepistémica.

1.3.6. A duração razoável do processo


O direito ao processo em prazo razoável11é uma garantia inerente ao processo
ju s to 112ou, numa linguagem mais típica da doutrina brasileira, do devido proces­
so legal.11' O direito ao processo em prazo razoável, que não constava expressamente

131. Há duas vertentes sobre o direito ao processo em prazo razoável. A primeira, que
importa por sua ligação forte com o tema da epistemòlogia judiciária, é o direito a um
processo penal ou de qualquer outra natureza (civil, trabalhista...), em prazo razoável
ou sem dilações indevidas. A segunda questão, de extrema relevância em lermos de
restrição de direitos fundamentais, mas que não será analisada por não ter grande in­
fluência sobre o tema desta obra, é o direito ao desencarceramento do acusado preso
cautelarmente, caso não seja julgado em um tempo razoável ou sem dilações indevidas.
Sobre esse segundo aspecto, cf. LOPES JR.. Aury; BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito
cw processo pena! no prazo razoável. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 39 e ss.
132. A Declaração Universal dos Direitos Humanos nada estabeleceu quanto à duração
do processo. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis c Políticos, também garante, no
art. 14.3.c, que: “Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade a,
pelo menos às seguintes garantias: [...1 a ser julgada sem dilações indevidas". No âmbito
regional. Convenção Europeia de Direitos Humanos estabelece, no art. 6.1. que: "Toda
pessoa tem o direito a que sua causa seja ouvida com justiça, publicamente, e dentro
de um prazo razoável por um Tribunal independente e imparcial estabelecido pela Lei,
que decidirá sobre os litígios sobre seus direitos c obrigações de caráter civil ou sobre o
fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela". A Convenção
Americana sobre Direitos Humanos, também garante, no art. 8.1, que “Toda pessoa tem
direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz
ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na
apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem
seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra
natureza".
133. Nesse sentido: CRUZ E TUCCI. José Rogério. Garantia..., cit., p. 106-107; CASTRO,
Carlos Roberto de Siqueira de. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova
Constituição do Brasil. Rio dejaneiro: Forense, 1989. p. 278. Já para Rogério Lauria Tucci
(Direitos egarantias individuais no processo penal brasileiro. 4. ed. São Paulo: Ed. RT, 2 0 1 1.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS Â ATIVIDADE, PROBATORIA 59

do catálogo inicial de garantias processuais da Constituição de 1988,134 passou a


ser expressamente previsto com o acréscimo do inciso LXXV11I ao capul do art. 5o
da Constituição, pela Emenda Constitucional 45, de 08 de dezembro de 2 0 0 4 .1”
A seu tempo, Beccaria já afirmava, que o "processo deve terminar no mínimo
de tempo possível”, pois '"quanto mais pronta e mais perto do delito cometido
esteja a pena, tanto mais justa e útil ela será".lifi
Se justiça tardia é denegação de justiça, também não se pode cair no extremo
oposto, dando ao processo penal uma aceleração antigarantista, que servirá não
para assegurar esse direito, mas, ao contrário, para violá-lo. Não existe nada mais
demonstrativo da arbitrariedade de um procedimento que os juízos sumários ou
sumaríssimos em matéria penal, pois eles impedem que o imputado possa exercer
todas as faculdades próprias de um processo penal adequado à Constituição e aos
tratados de direitos humanos. O processo penal reclama tempo suficiente para
satisfação, com plenitude, de seus direitos e garantias processuais. E a duração
razoável do processo tem que ser considerada sob a perspectiva dos direitos e
garantais do acusado, e não contra o réu ou em seu desfavor.

p. 6 7 ), o direito ao julgamento em prazo razoável decorre do devido processo penal, que


é a especificidade penal da garantia do devido processo legal, consubstanciando-se em
uma série de garantias, entre as quais o direito ao julgamento em prazo razoável. Na
doutrina estrangeira, Trocker (Processo civile e Coslituzione..., cit., p. 27 8 -2 7 9 ) liga o
direito ao processo em prazo razoável ao direito de ação c de defesa. Já para Alejandro
D. Carrió (Garantias constitucionales en el proceso penal. 2. ed. Buenos Aires: Hamurabi.
1991. p. 207), o direito a um juízo razoavelmente rápido deriva do direito de defesa.
134. No constitucionalismo estrangeiro, o direito ao processo penal no prazo razoável,
ou sua variável, sem dilações indevidas, é encontrado em diversos diplomas. A VI
Emenda à Constituição dos Estados Unidos da América já reconhecia o direito a um
processo rápido: "Em todos os processos criminais o acusado lerá direito a um julga­
mento pronto e público, por um júri imparcial do Estado c distrito onde o crime tiver
sido cometido, distrito previamente determinado por lei.” Nas constituições modernas,
a titulo exemplificativo, a Constituição da República Portuguesa de 1976, previa, em seu
art. 32, que "todo o arguido se presume inocente até o trânsito em julgado da sentença
de condenação”. Posteriormente, com a reforma constitucional de 1982, acresceu-se
ao texto referido: “devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias
de defesa.". A Constituição espanhola de 1978, assegura, no art. 24.2, que: “Todos têm
direito ao juiz ordinário determinado previamente por lei, à defesa e à assistência de
advogados, a ser informada da acusação contra si deduzida, a um processo público
sem dilações indevidas e com todas as garantias |...|”. A Carta Canadense dos Direitos e
Liberdades, de 1982, cm seu artigo 11, b. estabelece que: “Toda pessoa demandada tem
o direito de ser julgada dentro de um prazo razoável.'’
135. Referido inciso prevê que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são asse­
gurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua
tramitação".
136. BECCARIA. Dos delitos e das pentes, cu., p. 102-103.
60 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

A razoabilidade do tempo de duração do processo prevista no art. 8.1, da


CADH, é aquela relativa à necessidade de uma justiça tempestiva, como um dos
elementos necessários para se atingir o justo processo.137 A exigencia de tcmpes-
tividade é normalmente satisfeita quando, em um tempo razoável, é proferida
uma decisão de mérito,138 seja esta de condenação ou tenha outro conteúdo. É o
desfazimento, em um sentido ou em outro, da dúvida sobre a acusação que pesa
contra o indivíduo. O processo penal possui uma carga infamante e sancionatória
em si mesmo, que não deve se prolongar por muito tempo. O processo que se de­
senvolve em um prazo razoável evita que uma pessoa acusada fique muito tempo
na incerteza de sua sorte.
Por outro lado, o direito a um julgamento no prazo razoável não pode ser
entendido com um processo em que se busque a celeridade processual a qualquer
custo. O processo no prazo razoável não é um processo em celeridade máxima. O
direito ao processo no prazo razoável deve ver compatibilizado com outras garan­
tias, e a busca de celeridade não pode servir de justificativa para a inobservância
de outras garantias processuais como a ampla defesa e, mais específicamente, o
direito de a defesa possuir o tempo necessário para seu exercício adequado. Como
adverte Conso, “a celeridade do processo é um valor que deve ser perseguido em
todas as situações e buscado com firme proposito, com a condição, porém, de que
não se pague o preço com o direito de defesa”.13140“
A celeridade, ou melhor, a razoabilidade do prazo de tramitação do processo,
deve ser buscada resguardando o direito de defesa do acusado ou de qualquer outra
parte ou sujeito processual.H0 Esse equilíbrio, inclusive, é previsto nas declarações
de direitos humanos que garantem, de um lado, o direito a um julgamento em prazo
razoável, e, de outro, também asseguram o direito de defesa e, mais do que isso, o
direito de o acusado dispor de tempo necessário para preparar sua defesa.141142Ora,
é evidente que a celeridade não pode ser buscada suprimindo-se outras garantias
dos sujeitos processuais, principalmente da defesa.1,J

137. Nesse sentido: CH1AVARIO, Processo e Garanzie delia persona..., cit., v. II, p. 258;
VIAGAS BARTOLOME, Plácido Fernandes. El derecho a un proceso sin dilaciones inde­
bidas. Madrid: Civilas, 1994. p. 73.
138. CHIAVARIO, Processo e garanzie della persona..., cit., v. II, p. 259.
139. CONSO, Giovanni. II processo penale, Tempo e giustizia. Padova: Cedam. 1967.
p. 72.
140. LEONE, Mauro. El tempo ncl diritlo penale sostantivo e processuale. Napoli: Jovene,
1974. p. 296.
141. Por exemplo, a CADH, que no art. 8.1 assegura o julgamento no prazo razoável, por
outro lado, no art. 8 .2.c assegura que: “durante o processo, toda pessoa tem direito, em
plena igualdade, ás seguintes garantias mínimas [...] concessão ao acusado de tempo e
dos meios adequados para preparação de sua defesa”.
142. LOPES JR .; BADARÓ, Direito ao processo penal em prazo razoável..., cit., p. 65.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATORIA 61

Em outras palavras, o processo no prazo razoável significa um processo que.


naturalmente, deverá durar algum tempo, mas que não pode ter uma demora exa­
gerada, causada por dilações indevidas e injustificadas.143
Partindo dessa premissa, o direito ao processo cm prazo razoável não é uma
garantia que colida com a finalidade epistêmica da busca da verdade. Ao contrário,
trata-se de garantia que colabora com a busca da verdade.
Primeiro porque, especialmente com relação à prova decorrente de fontes
pessoais, um tempo muito grande entre a data do fato e de sua percepção pela tes­
temunha e a do depoimento em juízo, pode levar ao esquecimento do fato, quando
não, em determinados casos, até mesmo à morte da testemunha.144 Segundo, por­
que toda reconstrução histórica dos fatos, realizada a partir dos traços existentes
no presente, dos acontecimentos passados, demanda tempo. Uma justiça sumária
normalmente despreza a verdade ou, no máximo, não tem preocupação com que
os fatos sejam corretamente acertados. O processo não é algo instantâneo, mas um
percurso, um caminho que tem começo, desenvolvimento e fim. A instrução, que
integra esse processo, não precisando ser imediata ou brevíssima, mas tendo tempo
razoável para se realizar, poderá ser de melhor qualidade. Aliás, um dos critérios
para aferir a razoabilidade da duração do processo é exatamente a complexidade
da instrução.
Esse aspecto é importante na medida em que a busca por técnicas processuais
de imediata aplicação da pena, mediante mecanismos de consenso, apresenta como
uma de suas justificativas, a necessidade de uma resposta rápida. Confunde-se
eficiência do processo penal com punir mais e punir logo. Nesse caso, contudo,
a celeridade não fará com que a punição seja legítima. A legitimidade da punição
exige uma decisão justa, que demanda tempo para ser proferida.145Trata-se, ao fim
e ao cabo, de uma tendência à renúncia ao processo em que a pena não decorre da
verdade que se consegue no processo, mas do não processo.146Na chamada '‘justiça

143. V1EGAS BARTOLOME, El derecho a un proccso sin dilaciones indebidas..., cit., p. 78.
144. Para rem ediar esse problem a os ordenam entos jurídicos costum am prever um
incidente para a produção antecipada dc prova. No caso brasileiro, o art. 223 do CPP
admite a produção antecipada de prova se “testemunha houver de ausentar-se, ou, por
enfermidade ou por velhice, inspirar receio dc que ao lempo da instrução criminal já
não exista". Essa prova, inclusive, nos termos do art. 155, caput, parte final, poderá ser
valorada pelo juiz, sem a necessidade de prova de corroboração, para a formação dc seu
convencimento. Para uma compatibilizaçâo dc tal dispositivo, com a garaniia do direito
ao confronto, cf. BADARÓ, Gustavo Henrique. Valor probatório do inquérito policial.
In: AMBOS. Kai; MALAR1NO, Ezequiel; VASCONCELOS, Enéas Romero de (Coord ).
Policia e investigação no Brasil. Brasília: Gazeta Jurídica/Cedpal, 2016. p. 276-278.
145. Nesse sistem a, contudo, a justiça baseada em um acertam ento que permita um
conhecimento da verdade factual nem sempre é um objetivo.
146. MUSCATIELLO, Vincenzo Bruno. 11 processo senza verità. In: GAROFOL1. Vincenzo;
1NCAMPO, Antonio. Verità c processo penalc. Milano: Giuffrè, 2012. p. 93.
62 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PRO VA PENAL

consensual" a imposição da pena não é fruto de uma prévia verificação dos fatos,
mas de um acordo. Ao se conceber o processo essencialmente como um instru­
mento de resolução de conflitos que assumam a forma de controvérsia jurídica
entre as partes, a finalidade da descoberta da verdade torna-se desnecessária.147 Se
a finalidade primária do processo é a solução do conflito entre as partes, a verdade
dos fatos não é uma condição necessária ou indispensável.148 A boa solução pode
ser até mesmo uma decisão baseada em premissas fálicas falsas, desde que ela seja
capaz de eliminar o conflito.149
Em suma, desde que se aceite a premissa de que a verdade é uma condição
necessária para a decisão justa, e que ela deve estar fundada cm provas, a garantia
do processo em prazo razoável protege a verdade.150 Assegurando uma razoável
duração do processo e tempo para obtenção do conhecimento verdadeiro, impe­
de-se, que sob a justificativa da necessidade de soluções imediatistas e de urgência,
se aceitem decisões sem uma adequada e correta reconstrução dos fatos.

1.4. O processo acusatório e a verdade

A busca por uma verdade real, uma “verdade verdadeira” como fim último do
processo, sempre serviu de justificativa para que o juiz, nos processos inquisitórios,
tivesse cada vez mais poderes, não estando limitado à iniciativa das partes quer
quanto aos fatos alegados, quer quanto às provas requeridas e produzidas.
A questão que se pretende analisar é se o processo acusatório é um processo
que também tem como fim institucional a busca da verdade e, em caso de resposta
positiva, se a verdade que se almeja no processo acusatório é diversa ou não daquela
buscada no processo inquisitório.

147. Nesse sentido: 1ACOVIELLO. Prova e accertam ento dei fatto nel processo penalc
riformato daila Corte Costituzionale..., cit.. p. 2029; LOMBARDO, Luigi Giovanni.
Ricerca delia verità e nuovo processo penalc. Cassazione Penale, 1993. p. 751. Mais
enlático, Taruffo (Os poderes instrulórios das partes e do juiz..., cit., p. 74) afirma que
“Um processo direcionado à maximização do escopo da resolução dos conflitos não
pode [...] aspirar ao mesmo tempo concomitantemente à maximização da exatidão da
verificação dos fatos".
148. TARUFFO. Michele. Note per una riforma dei diritto delle prove. Rivista cli Diritto
Processuale. Milano: Giuffrè, 1986. p. 242.
149. TARUFFO, La prova dei fa n i giuridici.... cit., p. 18. Mais enfático, para Ferrajoli
(Patteggiamento e crisi delia giurisdizione. Questione Giustizia. 1989. p. 3 8 2 ) o processo
penal consensual tem como resultado "a incerteza e a substancial extra-legalidade do
direito penal".
150. Sob outra ótica, para Gascón Abellán (Los hechos en el derecho..., cit., p. 1 3 2 -1 3 3 ),
não a garantia da razoável duração do processo em si, mas e existência de uma limi­
tação temporal para que seja proferida uma decisão seria um exemplo de garantia não
epistemológica.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 63

Antes da resposta, é necessário um esclarecim ento: "acusatório”, como


qualificativo de processo ou sistema, não pode ser concebido como um rótulo, ou
uma questão de nomenclatura. É necessário, portanto, fugir de estéreis polêmicas
nominalísticas e se preocupar mais realisticamente com a indicação daqueles que
são os requisitos indefectíveis do “justo processo”.151
Há hoje, até mesmo por força de diplomas internacionais de direitos humanos,
um conjunto de garantias processuais penais mínimas, asseguradas aos acusados
no plano regional e mesmo internacional: direito ao juiz independente, imparcial
e com competência estabelecida previamente por lei; direito ao processo em pra­
zo razoável, direito à presunção de inocência do acusado; direito a um defensor;
direito de o acusado ser comunicado prévia e pormenorizadamente da acusação
formulada contra ele; direito de o acusado ter o tempo e os meios necessários para
preparar sua defesa; direito de inquirir as testemunhas presentes ao tribunal e
fazer comparecer as suas testemunhas; direito a não ser obrigado a depor contra si
mesmo nem a se confessar culpado; direito de recorrer da sentença condenatoria.
No caso europeu, por exemplo, esse conjunto de garantias do acusado costuma ser
denominado como “mínimo denominador comum” do processo ju sto .'52
Por outro lado, em relação ao processo penal brasileiro, é adequado falar em
um devido processo constitucional.153 como o conjunto de garantias constitucio­
nais processuais estabelecida na Constituição. E, em relação ao processo penal,
além das garantais constitucionais gerais, aplicáveis a qualquer tipo de processo
jurisdicional, incluem-se. também, as garantias específicas e exclusivas do inves­
tigado ou acusado. Podem ser elencadas, nesse conjunto integrado de garantias:
a vedação de tribunais de exceção e a garantia do juiz natural, o direito ao contra­
ditório e à ampla defesa, o direito à presunção de inocência, o direito ao silêncio
com vedação da exigência de autoincriminação, a vedação da utilização de provas
ilícitas, a publicidade dos atos processuais e a motivação das decisões judiciais, o
direito à razoável duração do processo, o habeas corpus, o direito à prisão somente
em flagrante delito ou por ordem escrita c fundamentada de autoridade judiciária
competente e o direito à liberdade provisória.

151. LBERTIS, Giulio. Garanzie giurisdizionali e giurisprudenza costituzionale. Verso km

"giusto processo" penale. Torino: G. Giappichelli, 1997. p. 28.


152. GAITO. Alfredo. Cultura processuale penale ed autocrítica. II Giusto Processo, 1990.
p. 309.
153. De modo semelhante, parte da doutrina se refere a "devido processo penal”. Para
Pedro Bertolino (El debido proceso penal. La Plata: Platense. 1986. p. 2 0 -2 1 ) o devido
processo penal é a “especificidade penal da garantia constitucional do ‘devido processo'”.
Entre nós, a expressão também e utilizada por TUCC1, Direitos e garantias individuais
no processo penal brasileiro..., cit., p. 65; SCARANCE FERNANDES, Processo penal
constitucional..., cit., p. 44.
64 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Embora em muitos casos haja zonas de sobreposição entre as garantias de


direitos humanos, de um lado, e as constitucionais, de outro, esse conjunto de ga­
rantias necessariamente deverá ser atendido pelo legislador, dando-lhe concretude,
no Código de Processo Penal. Satisfeito esse complexo garantista, se tal sistema
será denominado “processo acusatorio”, “processo ju sto”, “processo équo”, “due
process” ou outra expressão equivalente, parece ser uma questão muito mais con­
ceituai do que de conteúdo.154
Feito o esclarecimento terminológico, a análise pode principiar com as ca­
racterísticas históricas do modelo acusatorio. No processo acusatorio que existiu
no direito romano, das quaestioneperpetuae, ou etnseu antecedente mais recente, no
júri inglês, o julgador não linha poderes instrutórios. Isso, contudo, impediria
que, atualmente, se denominasse como “processo acusatorio" um sistema em
que o juiz tivesse poderes instrutórios? A resposta deve ser negativa. Somente se
houvesse um relativo consenso sobre a essência do modelo acusatorio, e esta
repousasse justamente sobre a gestão da prova, é que seria inapropriado denomi­
nar de acusatorio um sistema concreto em que o juiz tivesse poderes instrutórios.
De outro lado, se essa for uma característica meramente histórica do sistema, em
um aspecto não essencial, como era o fato de a acusação ser privada e não pública,
ou mesmo de a justiça ser organizada na forma de júri popular, não haverá impe­
dimento para se qualificar de acusatorio, um processo penal no qual o juiz tenha
poderes instrutório. Em outras palavras, haverá processo acusatorio em que o
juiz não tem poderes instrutórios, de um lado, e processos acusatorios no qual
o juiz tem poderes instrutórios. de outro.
Embora com contestações, prevalece o entendimento teórico no sentido de
que a característica essencial e insuprimível do sistema acusatorio, sua conditio
sine qua non, c a clara separação de funções de acusar, julgar c defender.155156Por ou­
tro lado, não são incompatíveis com a essência do processo acusatorio, podendo
receber tal denominação ou qualificação, sistemas em que, respeitada a separação
de funções, o juiz seja dotado de poderes probatórios que lhe permitam, de ofício,
determinara produção de provas.136

154. Mesmo no âmbito dos tribunais penais internacionais, a dicotomia acusatório/in-


quisitório tem sido questionada. Para uma critica a tal dicotomia, no âmbito processual
penal internacional: Kai Ambos e Stefanie Bock (El régimen procesal ele los fiscales en
los Tribunales Penales Internacionales. Madrid: Dikynson, 2013. p. 14), que concluem:
“o desafio do direito processual internacional não é determinar a superioridade de um
determinado sistema jurídico, mas garantir um julgamento justo e sem incidencias,
salvaguardando o respeito aos direitos dos acusados e de outros atores, e empregando
um sistema processual penal eficaz".
155. A questão já foi por nós analisada, em BADARÓ, Ônus da prova no processo penal...,
cit., p. 108-112.
156. Nesse sentido, na doutrina italiana: CONSO. Giovanni. Vero e falso nei principi
generali del processo penale italiano. Rivista di Diritto Processuale, 1958. p. 290; Idem.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 65

O processo acusatório também é um processo que busca a “verdade”, em­


bora a “verdade” almejada no processo acusatório não seja a mesma que aspira o
processo inquisitivo.
Os amplos poderes do juiz no sistema inquisitório sugerem, à primeira vista,
que este seria mais eficaz na busca da verdade que o sistema acusatório. Todavia, o
processo inquisitório é contaminado por um vício de origem: o inquisidor busca
apenas a confirmação de uma hipótese já previamente escolhida e por ele mesmo
formulada. Ou seja, denominava-se “verdade" algo que já era, por motivos ideo­
lógicos, anteriormente determ inado.157 Na escolha do tema de acusação há a
indicação de uma preferência, já estando implícita na formulação do problema a
sua solução.158 O inquisidor tinha a incumbência de provar a culpa do acusado e,
depois, decidir se a presunção de inocência fora adequadamente superada: essa
duplicidade de papéis amesquinhava o conceito de risco da prova faltante-pois o
inquisidor estaria admitindo que falhou na sua missão de produzir todas as provas

Accusa e sistema accusatorio. Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè, 1958, v. I. p. 337:
1LLUM1NATI, Giulio. Accusatorio ed inquisitorio (sistema). Enciclopedia Giuridica
Treccani. Roma: Treccani, 1988. v. 1. p. 2; AMODIO, Ennio. O modelo acusatório no
novo Código de Processo Penal italiano. Trad. Ana Cristina Boncristiano. Revista dc
Processo, n. 59, jul.-set. 1990, p. 140; NAPP1. Cuida al codici di procedura pénale, cit
p. 10; BASS1, Alessandra. Al t. 468 c.p.p.: le parti e la disponibililá dei diritto all inizia-
tiva probatoria. Cassazione Pénale, 1993. p. 4 6 1 , nota 3; PEI R1LLO, Luigi. Funzioni e
limiti dell’esercizio del polere istruttorio integrativo del giudice dei dibattimenlo. Rivisia
Italiana di Diritto e Procedura Pénale, 1992, p. 1210; SCELLA. Andrea. 1 residuali poteri
di iniziativa probatoria del giudice dibattimentale. Rivista Italiana di Diritto e Procedura
Penale, 1992. p. 1215. Igual entendimento é compartilhado pela doutrina processual
penal portugueses, como se verifica em: FIGUEIREDO DIAS, Direito processual penal...,
cit., v. 1, p. 192; PIMENTA. José da Costa. Introdução ao processo penal. Coimbra: Alme-
dina, 1989. p. 561. Na doutrina nacional, cf. GR1NOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa
probatória do juiz no processo penal acusatório. A marcha no processo. Rio de Janeiro:
Forense, 2000. p. 82; Idem. A defesa penal e sua relação com a atividade probatória. A
vítima e o princípio de oportunidade. Relações entre juiz e Ministério Público - Seus
limites. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 40, out.-dez. 2002. p. 98; SCARANCE
FERNANDES, A reação defensiva ú imputação..., cit., p. 20; BARBOSA MOREIRA, José
Carlos. Breves observaciones sobre algunas tendencias contemporáneas del proceso
penal. Temas de direito processual: sétima série. São Paulo: Saraiva. 2001. p. 220.
157. Para Giulio Illuminati (La presunzione d’innocenza dell’imputato. Bologna: Zanichelli.
1979. p. 78) o processo inquisitório é ‘reduzido a um lúgubre ritual para justificar, diante
da coletividade, uma conclusão obrigatória". Observa, ainda (Giudizio. In: CONSO;
Giovanni; GREV1, Vittorio (Org.). Profili del nuovo Códice di Procedura Penale. 4. ed.
Padova: Cedam, 1996. p. 553) que “o juiz envolvido na construção da hipótese acusa­
tória a ser verificada, assim como na busca de provas que a sustentem, tem fatalmente
prejudicada a objetividade de julgamento necessária para a valoração final”.
158. CA1.AMANDRE1. Picro. II giudice e lo storico. Rivista di Diritto Processuale Chile, 1939.
p. 110. No mesmo sentido: UBERTIS, Príncipi di procedura penale europea..., cit., p. 66.
66 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

necessárias para o descobrimento da “verdade material" e coloca em dúvida a


aplicabilidade da regra de julgamento.159
De outro lado, no processo acusatório, o fato de se atribuir às partes um papel
proeminente na argumentação e na produção da prova, não significa que se tenha
abandonado a aspiração de buscar a verdade como condição para obtenção de uma
sentença justa. Haverá, apenas, uma mudança dos mecanismos pelos quais se bus­
ca a verdade: substitui-se a atuação isolada e monopolista de um juiz inquisidor,
pelo contraste de argumentações e estratégias das partes.160 Em tal perspectiva, o
direito à prova das partes não será um entrave à busca da verdade, mas sim uma
premissa para que a verdade seja obtida de modo epistemicamente mais eficaz,
através da dialética entre as partes, em sentido diverso ao da busca solipsística do
inquisidor.161 O processo acusatório conserva, portanto, a finalidade de busca da
verdade, mas substituindo o velho método monologante, por um método dialético
de acenamento dos fatos, que exige uma clara distinção entre as funções de juiz
e acusador, além de estabelecer a paridade de armas entre este e a defesa.162 Essa
divisão do conhecim ento163164entre as partes, ao longo da instrução irá gerar, no
momento da sentença, o saber do ju iz .1M
A comparação do processo acusatório com o inquisitório demonstra, ine­
gavelmente, que há maior probabilidade de uma decisão justa quando a prova se
forma a partir da atividade das partes, na dialética processual, ao invés da solitária
pesquisa do órgão instrutor, seja ele o juiz ou o Ministério Público. Um saber
depurado pelo contraditório oferece garantias maiores do que um saber buscado
unilateralmente.165Enquanto o “monólogo apouca necessariamente a perspectiva
do observador”, o diálogo “amplia o quadro de análise, constrange à comparação”.166

159. 1LLUMINATI, La presunzionc d’innocenza delVimputato..., cit., p. 151. Para Dominíoni


(Profili sistematici..., cit., p. 20) a existência de umjuiz destituído de funções acusatórias
constitui uma das implicações mais significativas da presunção de inocência. No mesmo
sentido. PAULESU, Presunzione di non colpevolezza..., cit., p. 685.
160. Nesse sentido: ZAGREBELSKY, Vladmiro. Sul ruolo dei giudice nel nuovo Códice
di Procedura Penale. Cassazione Penale, 1989. p. 918.
161. UBERT1S, Príncipi di procedura penale europeu..., cit., p. 37.
162. NAPP1, Guida al códice di procedura penale..., cit.. p. 6.
163. Magalhães Gomes Filho ( Direito à prova no processo penal.... cit., p. 70) faz referência
ao “princípio da divisão do conhecimento".
164. DE LUCA, II sistema delle prove penali e il principio dei libero convencimento...,
cit., p. 1275.
165. IACOV1ELLO, Francesco Mauro. Prova e accertamento dei fatto nel processo penale
riformato dalla Corte Costituzionale. Cassazione Penale, 1992. p. 2031.
166. OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Garantia do contraditório. In: CRUZ E TUCCI,
José Rogério (Coord.). Garantias constitucionais do processo civil. São Paulo: Ed. RT,
1999. p. 139.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATORIA 67

Além disso, há diferença sobre a “verdade” a ser buscada. No processo in­


quisitório a verdade é ambiciosamente concebida como uma “verdade objetiva
ou “absoluta”.167Já a “verdade” no processo penal acusatório deve ser entendida
como verdade de caráter aproximativo, inevitavelmente condicionada à falibi­
lidade dos meios de reconstrução histórica, e que deve ser buscada respeitando as
regras e garantias processuais. Além disto, enquanto que a “busca da verdade” do
processo inquisitório induz a pensar em qualquer coisa objetiva e autônoma em
relação à escolha dos meios cognoscitivos, o “acertamento dos fatos” do processo
acusatório depende do método empregado: variando o método, varia o resultado
do acertamento probatório.168169
Como observa Ferrua, na busca da “verdade” é preferível o realismo do mo­
delo acusatório, que admite a limitação da busca da “verdade”, que será sempre
relativa, à perigosa utopia do modelo inquisitório, em que tudo é justificado para
se atingir uma verdade absoluta.,M
Sob o enfoque histórico, no paradigma acusatório/inquisitório, os poderes
de iniciativa probatória do juiz ligam-se à concepção inquisitória. Contudo, de
acordo com a forma e a estrutura processual em que tais poderes são exercidos,
eles podem indicar, ora um verdadeiro processo inquisitório, ora um modelo
acusatório atenuado.
Em suma, parece adequado falar em modelo ou sistema acusatório, relati­
vamente ao processo penal no qual haja nítida separação das funções de acusar,
defender e julgar, que devem ser conferidas a pessoas distintas. Quanto à atividade
probatória, pode ser rotulado de acusatório um sistema no qual seja reconhecido
o direito à prova da acusação e da defesa, tendo ainda o juiz poderes para, em ca­
ráter subsidiário ou suplementar, determinar ex officio a produção de provas que
se mostrem necessárias para o acertamento do fato imputado.
Num certo sentido, porém, é de se reconhecer que os poderes instrutórios
do juiz no processo penal são prejudiciais ao acusado. Vigorando o in dúbio pro
reo como regra de julgamento, se não houver prova suficiente para superar o es­
tado inicial de inocência do acusado, a solução que se impõe é a absolvição. Num
sistema em que o juiz não tivesse iniciativa probatória, se a prova produzida pela
acusação fosse insuficiente para comprovar a culpabilidade, somente restaria ao
juiz a absolvição. Porém, podendo o juiz determinar a produção de provas ex officio,
é possível que uma prova produzida por determinação do juiz demonstre a culpa
do acusado e leve-o à condenação.

167. UBERTIS, Profili dt Epistemologia Giudiziaria..., cit., p. 39.


168. IACOV1ELLO, La motivazione delia sentenza penale e il suo controllo in Cassaziotu’...,
cit., p. 135.
169. FERRUA, Paolo. Contradditorio e verità nel processo penale. 5tudi sul processo penale:
anamorfosi dei processo accusatorio. Torino: G. Giappichelli, 1992. v. II. p. 49.
68 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Os poderes instrutóriosdojuiz, nesse caso, não violam a presunção de inocen­


cia. Com ou sem poderes instruidnos do juiz, o acusado será presumido inocente
c, ao final, em caso de não ter havido o acertamento positivo da imputação, seja
quanto ao fato, seja quanto à autoria, será aplicada a regra de julgamento do in
ílubiopw reo. A diferença estará na possibilidade de um conjunto probatório mais
limitado ou mais amplo para o juiz poder realizar o juízo de fato. Um sistema con­
creto em que o juiz tenha poderes insinuónos e, ao final, na dúvida sobre qualquer
afirmativa das partes de fato penalmente relevante, deva absolver o acusado, será
um sistema que respeita a presunção de inocência, embora privilegie mais a busca
da verdade que a manutenção da dúvida.
De qualquer forma, isso não significa perda da imparcialidade, mas sim privi­
legiar um modelo que. havendo o predomínio das partes na atividade instrutória,
sendo-lhes reconhecido um efetivo direito à prova, permite que para uma melhor
buscada verdade -q u e c condição necessária de uma decisão ju s ta -o juiz também
tenha poderes para, em caráter subsidiário, determinar a produção de meios de
provas, ensejando uma reconstrução dos fatos mais eficiente. Outrossim, não se
pode esquecer que, por outro lado, a prova produzida ex officio também poderá
demonstrar a inocência do acusado ou mesmo gerar dúvida sobre ela.

1.5. O objeto do processo penal

Exposta a concepção sobre qual é a finalidade ou escopo do processo penal,


é preciso analisar qual é o seu objeto. Tendo em vista que esta obra se volta para a
questão do processo como instrumento cognitivo quanto aos juízos de fato, o ponto
principal é delimitar em que medida os fatos fazem parle do objeto do processo.
Xo processo penal, a imputação é o ato processual por meio do qual se formula
a pretensão penal. Imputar é atribuir um fato penalmente relevante a alguém.1,0
O conteúdo da imputação é. portanto, a afirmação do fato que se atribui ao sujei­
to,170171 a afirmação de um tipo penal c a afirmação da conformidade do lato com o
tipo penal.172 Em síntese, trata-se da afirmação de três elementos: o fato, a norma

170. A caracterização da imputação como "atribuição" do fato ê frequente na doutrina:


ALTAVILLA, Enrico. La modificazione dei latto contestato: note sulla sentenza penale.
Rivista Penale. 1934. p. 481; SANSÒ, Luigi. La correlazione fra imputazione contéstala e
sentenza. Milano: Giuffrè. 1953. p. 93; LEONE. Giovanni, leal lato di divitto processuale
penale. Napoli: Jovene, 1961. v. 11. p. 255: NUVOLONE. Pietro. Contributo alia teoría
delta sentenza isli tutoría penale. Ristampa. Padova: Cedatn, 1969. p. 122.
171. Para Sansò (La correlazione fra imputazione contéstala e sentenza..., c it., p. 2 6 2 ) "A
descrição do falo se apresenta como um elemento absolutamente necesscírio da imputação
(destaques do autor).
172. Nesse sentido: CARNELUTTI. Lczioni su/ processo penale..., cit., v. IV, p. 10; SANSÒ,
La correlazioneJra imputazione contestata e sentenza.... cit., p. 263, nota 13. Na doutrina
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS A ATIVIDADE PROBATÓRIA 69

e a adequação ou subsunção do fato à norma. Seu conteúdo, pois, só pode ser a


atribuição do fato concreto que se enquadra em um tipo penal.' ’
O pedido que existe na i mputação penal é de acertamenlo do fato que se atribui
ao imputado, para que se passe da probabilidade de sua ocorrência, que caracteriza
a justa causa, para a certeza do fato c de sua autoria, com a consequente condena­
ção, se aquela restar provada.m O que se põe perante o Poder Judiciário, o objeto
do processo penal, é a verificação dessa pretensão. Ao final, o juiz se manifestará
sobre a ocorrência ou não do fato imputado, se tal fato foi praticado pelo acusado
a quem tal acontecimento é imputado e, por fim, se aquele fato se subsome ao tipo
penal invocado na denúncia ou queixa.

1.5.1. Os "fatos" como objeto da prova no processo penal


Os fatos concretos que serão objeto da prova ingressam no processo por meio
da imputação.
O Ministério Público, ao oferecer a denúncia, ou o querelante, ao aforar a
queixa,está exercendo o direito de açãocom a formulação da pretensão processual
penal, pedindo ao Poder Judiciário que se pronuncie sobre os fatos e sobre a sua
qualificação jurídica c, em caso de juízo positivo, que aplique a sanção adequada.
Dois esclarecimentos conceituais sobre os fatos no processo são necessários
para maior precisão e correção do raciocínio a ser desenvolvido sobre a epistemo­
logía judiciária. Os Tatos que interessam ao processo não são os acontecimentos
da natureza ou mesmo um agir humano sem qualquer conexão com o mundo ju ­
rídico. Um mero bocejo não interessa ao direito penal e não integrará o objeto do
processo penal. Os fatos que importam para o processo penal são ações ou omissões
concretas, delimitadas abstratamente por tipos penais. A dicotomia entre questões
de fato em antagonismo com as questões de direito é por demais simplista, para
não se dizer equivocada. Toda questão jurídica envolve matéria fática e matéria de
direito. O que existe são. portanto, questões predominantemente de fato e questões
predominantemente de direito.
Assim, quando se fizer menção à decisão “sobre os fatos“ ou ao “juízo de fato",
tratar-se-á do resultado da atividade probatória que permitirá o conhecimento
de fatos passados, em sua delimitação jurídico-penal. O acertamento dos fatos, de

nacional: MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. 2. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1965. v. II. p. 237: JARDIM. Afrânio Silva. A imputação alternativa no
processo penal. Direito processual penal. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 148:
SCARANCE FERNANDES. Antonio. A reação defensiva à imputação. São Paulo: Ed. RT.
2002. p. 154.
173. Nesse sentido: CARNELUTT1, Lezioni sul processo penale.... d l., v. IV, p. 10: SANSÒ,
La correlazione Jra imputazione conteslata e sentenza..., cit.. p. 305.
174. SANSÒ, La correlazione Jra imputazione contestata e sentenza..., cit., p. 264.
70 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

um lado, e a individualização da norma com vistas a se determinar a qualificação


jurídica dos fatos, de outro, são atividades preparatorias da aplicação do direito e
conexas entre si, nao sendo concebível a existencia de uma sem a outra,173
Por outro lado, embora o fato que interesse para o processo penal seja um
acontecim ento histórico concreto que se atribui ao autor por meio da impu­
tação,1 " tratar-se-á apenas de uma hipótese fática. Haverá a afirmação de um fato,
que o acusador diz ter ocorrido, mas que cabera ao juiz. após a instrução, julgar se
ocorreu ou não. O mesmo se diga com relação à tese defensiva que agregue fatos
novos, como a invocação de legítima defesa. É elementar que, quando se imputa
um fato a alguém, isso não quer dizer que esse fato efetivamente existiu. O que se
tem, como “fato” no processo, é algo hipotético,17516177 no sentido de que poderá ou
não ter ocorrido.17* O fato processual é um concreto acontecimento histórico tido
por existente, mas que pode não ter efetivamente existido. No momento em que
são formulados esses enunciados fáticos, de natureza hipotética, têm um status
epistemológico de incerteza, podendo ou não ter ocorrido.179180
Isso é fundamental para se compreender que o '‘fato” objeto do processo
não é o fato enquanto trecho da realidade, mas a afirm ação sobre o fato feita pelas
partes. Os fatos, em si mesmos, são acontecimentos que têm existência no mundo
real.IK0 O fato ocorreu ou não, existiu ou não, não comportando adjetivações ou

175. PASTORE. DeCisioni, argomenti, controlli..., c it.. p. 98. De modo semelhante, para
Perfecto Ibãnez, ( ‘Carpintaria" da sentença pena! (em matéria de fato)..., cit., p. 128)
entre quaestio facti e quaestio iuris “medeia uma conexão estrutural". E, portanto, nas
palavras de Ttizei (Filosofia delia prova giuridica... cit., p. 21) é “artificial e. de qualquer
modo estéril, pensar na norma e nos fatos do caso corno entidades separadas". Ou,
segundo Ubertis (Pmfili di Epistemologia Giudiziaria.... cit., p. 71), ambas questões são
componentes de uma “coppia inscindibilc”.
176. Nesse sentido: BETTIOL, Giuseppc. La correlazione frei accusa e sentenza nel processo
penale. Milano: Giuffrè, 1936: ou Sçritti giurídici. Padova: Cedam, 1966. t. 1. p. 260;
SANSÒ, La correlazione fra imputazione contestata e sentenza. .. cit.. p. 132.
177. Nesse sentido: BETTIOL. La correlazione. cit.. p. 2 4 7 ; BEL1NG, Ernest. Derecho
procesal penal. Trad. Miguel Fenech. Barcelona: Labor, 1943. p. 8;TARUFFO, Michcle.
Funzione delia prova: la funzione dimostrativa. Sui conjini: scritti sulla giustizia civile.
Bologna: 11 Mulino, 2002. p. 308. De modo semelhante, Ibãnez (Sobre a motivação dos
fatos na sentença penal, cit., p. 96) se refere à “formulação de uma hipótese acusatória".
178. Caetano Foschini (.Sistema dei diritto processuale penale. 2. ed. Milano: Giulfrè, 1965.
v. I. p. 40-4 1 ) indica entre as características do processo a ipoteticitá e a concretezza:
“Como o processo é um julgamento, ou seja, a resolução de uma dúvida, consequente­
mente, o caso em questão deve ser um quid incertum. Esse caráter de incerteza, isto é,
de hipotcticidade, é essencial para o caso processual”.
179. TARUFEO, Elemenii per unanalisi dei giudizio di fatto, cit., p. 239.
180. TARUFEO, La prova deifatti giuridice..., cit.. p. 9 1 ; ldem. Elementi per un’analisi
dei giudizio di fatto. Sui confini: scrilti sulla giustizia civile. Bologna: 11 Mulino, 2002.
p. 235.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATORIA /

valorações.181 Aquilo que existe na realidade não pode ser verdadeiro ou falso;
simplesmente existe.182Verdadeiros ou falsos só podem ser nossos conhecimentos,
nossas percepções, nossas opiniões, nossos conceitos ou nossos juízos a respeito
de um objeto.183Os “fatos” debat idos no processo são enunciados sobre os fatos do
mundo real, isto é, aquilo que se diz em torno de um fato: é a enunciação de um fato
e não o próprio fato.184 Em consequência, o objeto da prova não é o próprio falo,14'
mas a alegação cie um fa to e não o fato em si mesmo.I8<1Os fatos não são verdadeiros
ou falsos, eles simplesmente existiram ou não. O que se prova são as alegações dos
fatos feitas pelas partes como fundamentos da acusação e da defesa. O que pode
ser verdadeiro ou falso, verídico ou inverídico, ou “probo”, são as alegações sobre
o fato, sustentadas por provas.187

181. Como observa Ubertis (Prova (in generale). Digesto delle Discipline Penalistichc....
cit.. v. X. p. 301; Idem. La ricerca.... cil., p. 10: Idem. Lu prova penale. Profili giuridici ecl
cpistemologici. Torino: LTET, 1999, p. 8-9; Idem. Profili di Epistemología Giudiziaria...,
cil., p. 14) “não existem 'fatos verdadeiros’ ou fatos falsos’: um fato 'é' o ‘não é ; somente
a sua enunciação pode ser ‘verdadeira’ ou ‘falsa’. Característica de um falo que se alirma
acontecido no passado pode ser a sua existência, mas não a sua verdade . No mesmo
sentido: CARNELUTT1, Francesco. Nuove riflessione sul giudizio giuridico. Rivista di
Diritto Processiuile, 1936. p. 101; TARUFFO, La prova deifatti giuridice..., cit.. p. 91;
DINAMARCO. Cândido Rangel. A instnmentalidade do processo. 11. ed. São Paulo:
Malheiros, 2003. p. 298. nota 68; Idem. Instituições de direito processual d\ i!. 6. ed. São
Paulo: Malheiros, 2009. v. III. p. 57.
182. Como observa Francesco Mauro Iacoviello (La motivazione delia sentenza penale e
¡1 suo contrallo in Cassazione. Milano: Giuffrè, 1997. p. 3 3) “os fatos são reais ou ima­
ginários, mas não verdadeiros ou falsos".
183. BAZARIAN, Jacob. O problema da verdade: teoria do conhecimento. 4. ed. São Paulo:
Alfa-Omega, 1994. p. 133.
184. Nesse sentido: TARUFFO, Michele. La prova dei fatti giuridici. Milano: Giuffrè. 1992.
p. 92; Idem. Processo civil comparado..., cit., p. 38; UBERTIS, Giulio. Prove (in generale).
Digesto delle Discipline Penalistichc.... cit., v. X. p. 301; Idem. La ricerca delia venta giu-
diziale. In: UBERTIS, Giulio (Org.). La conoscenza dei fato ncl processo pénale. Milano:
Giuffrè, 1992. p. 9: Idem. Profili di Epistemología Giudiziaria..., cit., p. 14-13; ANDRES
1BAÑEZ, Perfecto. Sobre a motivação dos falos na sentença penal..., cit., p. 70: Idem. A
argumentação probatoria e sua expressão na sentença, cit., p. 37; GASCÓN ABELLÁN,
La valoración de la prueba..., cit., p. 378.
185. Como esclarece Francesco Carnelutli (La prova civilc. 2. cd. Roma: Edizioni Dcll’Ate-
neo, 1947. p. 50). “objeto da prova não são os fatos, titas as afirmações”.
186. Nesse sentido: SENTÍS MELENDO, Santiago. La prueba: los grandes lemas del de­
recho probatorio. Buenos Aires: Ejea, 1978. p. 38; UBERTIS, Giulio. La prova penale:
profili giuridici ed epistemología. Torino: UTET, 1999. p. 12; Idem, Prova (in generale).
Digesto detic Discipline Penalistichc..., cit., v. X, p. 301; Idem, La ricerca della veritá giu-
diziale..., cit., p. 9; DINAMARCO, A instrumentalidade do processo..., cit., p. 298. nota
68; CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini: DINAMARCO,
Cándido Rangel. Teoria geral do processo. 15. cd. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 349.
187. Nesse sentido: MENDES, Jo ão de Castro. Do conceito de prova em processo civil.
Lisboa: Atica. 1961. p. 48; SENTIS VIELENDO, La prueba.... cit.. p. 38; TARUFFO, La
72 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PRON A PENAL

Como bem explica Taruffo, ‘no processo os fatos entram sob a forma de
enunciados ou de conjunto de enunciados que descrevem as circunstâncias que foram
verificada" e, consequentemetente, “não há, pois, m o que fazer com acontecimentos
empíricos ou eventos historicamente verificados na realidade material, mas sim
com produtos linguísticos que concernem a esses eventos" l!íh
Em suma, e para os fins de delimitação do objeto da prova quanto ao juízo de
fato, é possível extrair duas conclusões, a seguir enunciadas.
A primeira: o fato que importa ao processo penal é um fato concreto, e não um
tipo penal, uma abstração. Mas esse fato concreto ou acontecimento será recortado
da realidade a partir de sua repercussão considerando um específico tipo penal e seus
elementos. Seu ingresso no processo penal se dará por meio da imputação penal.
A segunda: o fato que integra o objeto do processo não é o fato em si, mas
uma afirmação sobre os fatos. O que será provado como verdadeiro ou falso é a
afirmação do fato e não o fato em si.

1.5.2. Os tatos alegados pela acusação e pela defesa


Os fatos invocados pelas partes no processo serão objeto da atividade proba­
tória. Ao se ver o processo como um confronto dialético, as alegações feitas pelo
acusador, de um lado, e as formuladas pela defesa, de outro, normalmente terão
por conteúdo hipóteses diversas ou até mesmo excludentes entre si.1*' Nesse con­
texto dual de divergências, o resultado probatório que confirme uma hipótese de
uma parte, muitas vezes implicara, automaticamente, a falsificação da hipótese
da parte contrária.
Esse antagonismo dc partes, que formulam suas alegações e têm o direito ã
prova para demonstrar a verdade dos fatos por si afirmados, gera uma divisão do

prova de fatli giuridici..., cit., p. 9 5 ; FERRUA, Paolo . I poteri probatori dei giudice
dibauimentale: ragipnevolezza delle Sezioni unite e dogmatismo delia Corte costiiu-
zionalc. Ri vista italiana dl dirítto e proccdura penale. 1994 p. 1075; IACOV1ELLO, La
motivazione delia sentença penale e il suo conlrollo in Cassazione..., cit., p. 33; UBERI IS,
Prova (in generale). Digesto delle Discipline Penalistiche..., cit., v. X, p. 301; Idem, La
ricerca delia verità giudiziale..., cit., p. 9; PASTORE, Decisioni, argomenti, conimlli...
cit., p. 103; e DINAMARCO. .4 instrumentalidade do processo..., cit.. p. 298. nota 98;
ldem, Instituições dc direito processual civil..., cit.. v. Hl, p. 57. Feito tal esclarecimento,
no presente trabalho, quando houver referência a “prova da verdade de um falo , tal
qual deve ser entendida como forma abreviada de “prova da verdade dc uma afirmação
de existência de um fato ".
188. TARUFFO. Processo civil comparado..., cit.. p. 38.
189. ANDRÉS 1BANEZ. Perfecto. A argumentação probatória e sua expressão na sentença.
Valoração da prova e sentença penal. Trad. Lédio Rosa de Andrade. Rio de Janeiro: Lu-
m enjuris. 2006. p. 40. Isso não correrá, contudo, no caso em que o acusado se limite
a confessar os latos.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS AATIVIDADE PROBATÓRIA 73

conhecim ento no processo. As narrativas processuais ocorrem num contexto


de “dialética institucionalizada”,19019que tem o potencial de gerar uma visão mais
ampla dos acontecimentos. Com propriedade, afirma Nappi que “somente o con­
fronto das diversas perspectivas das partes, permite obter os múltiplos significados
dos fatos”.ig|
A potencialidade dc um conhecimento amplo, contudo, não deve ser super-
valorizada. A divergência entre as hipóteses dos fatos articuladas pelo acusador, de
um lado, e pela defesa, de outro, raramente é completa ou total. Em geral há muitos
pontos de concordância ou, ao menos, em que não há explícita controvérsia entre
as partes. Não raro, a divergência será apenas quanto a um ou dois pontos fáticos,
embora de fundamental importância.192Por exemplo, formulada uma acusação de
roubo, não haverá divergência sobre a vítima ser a proprietária ou possuidora da
coisa móvel subtraída; não se discutirá, que ela estava com a coisa no dia e local dos
fatos; será indisputável que ela foi desapossada da coisa mediante grave ameaça, com
arma de fogo. A divergência se limitará a que a acusação atribuirá tais fatos ao réu,
que por seu lado negará a autoria, dizendo que o mesmo deve ler sido confundido
com o verdadeiro ladrão. A defesa também poderá ofertar um álibi. No primeiro
caso, ter-se-á uma negativa simples; no segundo, uma negativa qualificada ou per
positionem. Eventualmente, a divergência poderá ser sobre apenas sobre uma cir­
cunstância ou qualificadora: v. g., negando que se iratasse de arma de fogo, pois o
que se tinha eram uma arma de brinquedo.
Outro exemplo, de grande concordância entre os fatos invocados pelas parles
em que a divergência ou disputa se restringirá a um ponto, ocorre quando se alega
uma excludente de ilicitude ou de culpabilidade. Aliás, nesses casos, a “contro­
vérsia” será virtual ou pressuposta. Isso porque, na denúncia ou na queixa não se
afirma, explicitamente, que nenhuma excludente ocorreu naquele caso. Muito
menos, a peça acusatória costuma trazer um elenco negativo de uma a uma das
exculpantes. Não se afirma, v.g., que a lesão corporal que o autor causou na vítima
não ocorreu em estado de necessidade, em legítima defesa, no estrito cumprimento

190. TUZET. Filosofía delia prova giuridica, c it, p. 41. De modo semelhante, Evio Fassone
(La valutazione delia prova nel processo penale: dogmatismi anlichi e consapevolleze
nuove. In: DESSONE, Mario; GUAST1N1, Ricardo (Coords.). La regola del caso: inateriali
sul ragionamento giuridico. Padova: Cedam. 1995. p. 320) explica que o processo “é a
disputa dialética sobre a existência de um fato passado, não reproduzível experimen­
talmente, e sobre sua atribuição a um sujeito”.
191. NAPPI, Aniello. Guida ai codici di pmeedura penale. 8. ed. Milano: Giuffrè, 2001.
p. 10.
192. ALLEN. Ronald J. Los estándares de prueba y los límites del análisis jurídico. In:
VÁZQLIEZ, Carmen (Ed.). Estándares de prueba y prueba científica: ensayos de episte­
mología jurídica. Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 54.
74 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

do dever legal ou no exercício regular de um direito. A introdução da afirmação de


que os fatos se deram em qualquer dessas formas de exclusão de ilicitude virá
com a resposta defensiva. Diante dessa explicitação de que há um elemento que
afasta a ocorrência do crim e, segue-se uma negativa ex post, do acusador,
que reafirma o caráter delitivo da conduta imputada, embora pela primeira vez
se vá negar que o fato imputado se deu sob situação caracterizadora da excluden-
te que invoca a defesa (por exemplo, no caso de alegação da legítima defesa, ne­
gando que a agressão Tosse atual ou que fosse injusta).
Com isso não se está afirmando que a defesa possa alterar ou ampliar o objeto
do processo. Sendo o objeto do processo a pretensão processual, veiculada através
da imputação,193194é evidente que quem promove a ação penal é quem irá determinar
o objeto do processo.|9'’ A defesa não altera o objeto do processo, pois nela não
se formula nenhuma pretensão,195 podendo apenas ampliar o objeto de cognição
do juiz, e consequentemente, o them a probandum, que passará a incluir a matéria
defensiva.196 Por trazer novas alegações de fato ao processo, o conteúdo narrativo
da defesa é determinante para delimitar as alegações de fato que consistirão objeto
da prova e, muitas vezes, amplia esse objeto em relação aos fatos que tinham sido
alegados pelo acusador na imputação.
Em suma, o objeto do processo, no que toca aos fatos imputados, é definido
com a imputação, sendo delimitado apenas pelo acusador. Por outro lado, a resposta
defensiva poderá, em relação a esse mesmo objeto, ampliar o conjunto de latos
que serão considerados na cognição judicial e, consequentemente, na atividade
instrutória. Os fatos, portanto, ingressam no processo, não como entes reais, mas
como hipóteses meramente afirmadas, pela acusação e pela defesa.

1.5.3. A alteração do objeto do processo e as mudanças da imputação


quanto aos fatos
Os fatos ingressam no processo em seu momento primeiro com a formulação
da pretensão processual, que contém a imputação de um fato pcnalmente relevante
atribuído ao acusado. Embora essencial, essa é apenas uma espécie de imputação:
a imputação inicial.

193. Sobre o tema, cf., supra, item 1.3.


194. Nesse sentido: HEINITZ, Ernesi. I ¡imiti oggeüivi delia cosa giudicata. Padova: Cedam,
1937. p. 144; CARNELUTT1, Lezioni sul processo pénale..., cit.. v. IV, p. 18.
195. Conforme explica Enrique Véscovi ( Teoria general dei processo. Bogotá: Temis. 1984.
p. 8 4 ). “o objeto do processo resulta da pretensão formulada pelo autor. O demandado,
por sua parte, não propõe nenhum objeto do processo. Ao se opor o autor e deduzir
sua defesa, não pode modificar esse objeto'.
196. L1EBMAN, Enrico Tullio. Manualc di diritto processuale civile: principi. 5. ed. atua­
lizada por Edoardo E Richi e Wolfango Ruosi. Milano: Giuffrè, 1992. p. 160.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS AATIVIDADE PROBATÓRIA 75

Mas os fatos também podem ingressar no processo por meio de aditamento


da denúncia ou queixa, no que se convencionou denominar mutatio libelli. Assim,
para o juízo de fato é relevante definir os limites de tal alteração. Como os fatos,
após esta mutação, serão alterados, consequentemente, restará mudado o lhan a
probandum.
Há, também, um segundo aspecto que justifica a análise da disciplinado adi­
tamento da acusação. Por ser pouco utilizada, e não tão debatida ou submetida a
críticas doutrinárias, a disciplina legal do aditamento da denúncia ou queixa muitas
vezes deixa à mostra um traço genético do processo. Mesmo naqueles sistemas em
que o legislador denomina de acusatório, o regime da correlação entre acusação c
sentença poderá transparecer uma descendência inquisitória.
Seja porque é um dos modos de ingresso dos fatos no processo penal, seja
porque é um “marcador genético" do sistema acusatório ou inquisitório que ge­
rou o processo em questão, é importante analisar o regramento do aditamento da
denúncia ou queixa.
Nos sistemas que não admitem uma ação penal ex offício, parece óbvio e banal
que cabe somente ao acusador, público ou particular, delimitar os fatos objeto do
processo. Se os fatos ingressam no processo pela imputação e se quem a formula,
mediante o exercício do direito de ação, é a parte autora, é evidente que cabe à
parte - e não ao ju i z - delimitar os fatos objetos do processo. Há, porém, um meca­
nismo que permite conferirse, efetivamente, tal atribuição é exclusiva da parte, ou
se o juiz, em alguma medida, pode influir da delimitação do objeto do processo: a
disciplina da correlação entre acusação e sentença. Mais específicamente, o regime
de aditamento da denuncia, quando a instrução revelar, numa análise ainda prévia ã
sentença, que os fatos se passaram de modo diverso daquele constante da denúncia.
A questão é exclusivamente de direi to postoe, portal motivo, sua análise ficará
limitada ao processo penal brasileiro. Para tanto, a comparação entre o modelo ori­
ginário do Código de Processo Penal, que linha traços fortemente inquisitórios, com o
regime decorrente da Reforma de 2008, que teve por objetivo, tardiamente, adequar
o código ao sistema acusatório da Constituição de 1988, é bastante esclarecedora.
No regime originário do Código, podem ser encontrados dois importantes
mecanismos que permitiam ao juiz influenciar diretamente o conteúdo fático da
imputação e, consequentemente, o objeto da prova: o primeiro, era a possibilida­
de de o juiz condenar o acusado por fato diverso do imputado; o segundo, seria a
possibilidade de o juiz condenar pelos fatos originariamente imputados, mesmo
tendo havido o aditamento e estes tivessem sido substituídos por fatos diversos. 'g7197

197. Um terceiro aspecto relevante era a possibilidade de o juiz “baixar o processo” “a fim
de que o Ministério Público pudesse aditar a denúncia”, o que comprometia a impar­
cialidade do julgador. Todavia, para os fins de análise da delimitação Pática do objeto do
76 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

A possibilidade de o juiz julgar o acusado, e inclusive condená-lo, por fatos


diversos daqueles que constavam da imputação, decorria da disciplina da cha­
mada mutatio libclli. Na redação originaria do art. 384, o Código distinguia duas
situações, quanto à necessidade ou não de aditamento da denúncia ou queixa,
lendo por critério a gravidade da pena aplicada ao fato. 198 Se a alteração do fato
processual pudesse implicar a aplicação de uma pena, abstratamente cominada,
inferior ou igual à pena que seria consequência do fato originariamente imputado,
não se exigia o aditamento. ¡u" Por outro lado, se a mudança fática pudesse redun­
dar na aplicação de uma pena mais grave, era obrigatório o aditamento.200 Como
facilmente se percebe, no primeiro caso, o juiz poderia condenar o acusado por
fatos que não tivessem sido imputados pelo Ministério Público. Logo, o objeto da
condenação não precisava integrar o conteúdo da pretensão processual. Somente

processo e da determinação do thema probandum, uma vez determinado o aditamento,


os fatos teriam sido alterados e. consequentemente, mudado o tema do juizo de fato,
ainda que por "sugestão" do julgador.
198. Do ponto de vista da correlação entre acusação e sentença, a "distinção não tinha
razão de ser. A correlação entre acusação e sentença é indispensável, independente­
mente da pena aplicada ao fato imputado. A violação da regra de correlação decorre de
a sentença levar em conta fato diverso do imputado, em nada importando a pena. Se o
falo considerado na sentença é diverso do fato imputado, seja a pena menor, igual ou
superior à pena que decorreria do fato inicialmente imputado, está violada a regra da
correlação entre acusação e sentença. Em suma. se há diversidade do objeto do processo,
descumprida foi a regra da correlação entre acusação e sentença, em nada importando
a pena cominada ao novo delito. A razão de tal distinção parecia ser a aceitação das
teorias que buscam estabelecer a regra da identidade a partir de um critério teleológico,
mais especificamente da violação ou do prejuízo que se cause ao direito de defesa. Mas.
conforme já afirmado, o que faz o fato ser igual ou diverso não é a inexistência ou a
ocorrência da violação do direito de defesa. Tal violação é consequência e não causa
do descumprimento da regra da correlação entre acusação e sentença. Porque o juiz
considerou na sentença fato diverso do imputado, violando a regra da correlação entre
acusação e sentença, é que foi violado o direito de defesa, e não o contrário" (BADARÓ,
Gustavo Henrique. Correlação entre acusação c sentença. 3. ed. São Paulo: Ed. RT, 2013.
p. 155-156).
199. O caput do art. 3 8 4 dispunha: “Se o juiz reconhecer a possibilidade de nova dcli-
niçâo jurídica do fato, em consequência de prova existente nos autos de circunstância
elementar, não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou na queixa, baixará
o processo, a fim de que a defesa, no prazo de oito dias. fale e, se quiser, produza prova,
podendo ser ouvidas até três testemunhas”.
200. A redação originária do parágrafo único do art. 384 era: “Se houver possibilidade
de nova definição jurídica que importe aplicação de pena mais grave, o juiz baixará o
processo, a fim de que o Ministério Público possa aditar a denúncia ou a queixa, se em
virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, abrindo-se,
em seguida, o prazo de três dias à defesa, que poderá oferecer prova, arrolando até três
testemunhas”.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS A ATIVIDADE PROBATÓRIA 77

na segunda situação, em que a mudança pudesse levar a um agravamento da pena,


é que se exigia o aditamento da denúncia ou queixa, com alteração da pretensão
processual formulada pelo acusador.
Importante entender que a antiga disciplina da correlação entre acusação e
sentença era compatível com uma visão de processo penal inspirada em um sistema
inquisitório, em que o juiz não s e subordinava às parles, quer quanto às alegações de
fato, quer quanto ao material probatório. Mais do que isso, ao juiz incumbia buscar
toda a verdade, mesmo que relativamente a aspectos do fato que não tivessem sido
imputados. Por exemplo, se houvesse a imputação de um estelionato, cabia ao juiz
perquirir toda a verdade, não se limitando a tal crime. Se ele descobrisse, com base
em seus poderes instrutórios, que o fato não foi, em verdade, estelionato, mas sim
urna apropriação indébita, poderia condenar o acusado por tal crime, mesmo não
tendo sido esse o objeto da imputação posta pelo Vlinistério Público.201 Por outro
lado, se o juiz descobrisse que não foi estelionato, mas sim que um funcionário
público se apropriou de coisa que tinha em seu poder, em razão do cargo, o juiz
“baixaria o processo” para que o Ministério Público aditasse a denúncia,202 alte­
rando-a para conformar a acusação com a descoberta que as provas demonstraram
e o juiz confirmou em seu prejulgamenio.
Tal situação tornou-se insustentável, diante do modelo acusatório adotado
pela Constituição de 1988 c, particularmente, do disposto no seu art. 129, capul,
inciso I: "São funções institucionais do Ministério Público: [...1 I - promover, pri­
vativamente, a ação penal pública, na forma da lei”.
Mesmo assim, somente 20 anos depois, com a reforma de 2008 do Código
de Processo Penal, tal disciplina foi alterada. A nova redação do capul do art. 384,
passou a exigir o aditamento em qualquer caso de mudança fálica, pouco impor­
tando se em comparação com o fato originariamente imputado, a pena seria de
maior ou menor gravidade.203 Surgida prova de circunstância ou elemento não

201. A hipótese seria de aplicação do antigo capul do art. 3 8 4 , posto que o crime de
apropriação indébita é menos grave que o de estelionato.
202. Nesse caso, como o peculato é mais grave que o estelionato, aplicava-se o antigo
parágrafo único do art. 3 8 4 , sendo necessário o aditamento da denúncia.
203. Como já expusemos (BADARÓ, Correlação entre acusação c sentença..., cit., p. 156),
a regra da correlação entre acusação e sentença assegura “não apenas o direito de defesa,
mas também os poderes inerentes à acusação, evitando que o juiz usurpe as funções do
acusador, numa verdadeira ação penal ex officio. As posições de ambas as partes, defesa
e acusação, devem ser respeitadas, preservando-se o contraditório com os dois sujeitos
parciais. Se do fato novo decorre pena mais branda ou mesmo igual àquela relativa ao fato
originariamente imputado, isso pode não implicar violação do direito de defesa; mas. se o
juiz considera na sentença aspectos fãticos não imputados pelo acusador e sobre os quais
este nem mesmo leve oportunidade de debater, cerlamente serão violados os direitos da
iniciativa da ação penal e do órgão acusador de ser informado e de se manifestar sobre
78 EPISTEMOLOGIAJL'DICIÁRIA E PROVA PENAL

comido na acusação, tal aspecto fático somente poderá ser considerado pelo juiz
na sentença, se houver aditamento da denuncia. Além disso, restou claro que a
alteração da imputação, por meio do aditamento, se dará por ato exclusivo e de
iniciativa própria do Ministerio Publico, sem previsão de qualquer provocação
judicial nesse sentido.2WAssim, se a instrução indicar uma alteração fática rele­
vante, independentemente da pena aplicável a tal fato diverso, deverá o acusador
aditar a denúncia ou a queixa, para incluí-la na imputação e, só assim, poderá o
juiz considerar tais fatos ao sentenciar.
Isso vale para toda e qualquer hipótese de alteração (ática. Quando se pensa
na mudança do objeto do processo, conhecida como m utatiolibelli, normalmente o
que se imagina é alteração, pela substituição, de um fato narrado na denuncia, por
outro diverso, descrito no aditamento. Essa, cornudo, não é a única possibilidade
de alteração do objeto do processo, quanto ao fato imputado. O objeto do processo
pode ser alterado por: (1) substituição; (2) acréscim o; (3) redução.
A hipótese mais comum é de substituição, isto é, alteração de um fato por ou­
tro diverso. Por exemplo, a denúncia narra fatos que se subsomem ao estelionato,
porque o acusado teria, mediante um engodo, fazendo-se passar por empregado
de uma empresa de manutenção de equipamentos, retirado da casa da vítima, um
aparelho para consertá-lo. Todavia, depois, a denúncia é aditada, porque efetiva­
mente o acusado era empregado da empresa de manutenção de tal equipamento,
passou a detê-lo licitamente, pois lhe foi entregue pelo titular do mesmo, mas,
num segundo momento, resolveu não mais o restituir. Nesse caso, em termos mais
simples, haverá substituição de um fato por outro. E a acusação de estelionato será
substituída pela acusação de apropriação indébita.
É possível, por outro lado, que ocorra a alteração do objeto do processo por
acréscim o: mantém-se o conjunto fático inicial, mas a ele se agregam outros ele­
mentos. Seria o caso, por exemplo, de alguém que foi denunciado por subtração
de coisa alheia móvel e. depois, adiciona-se a imputação do emprego da violência.
Haverá alteração, por acréscimo da violência, com a mudança do crime de furto
para o de roubo.

todo o material processual que a sentença vai considerar. A consideração, pelo juiz, de
aspectos fáticos não imputados ao acusado, nos termos da redação originária do capul
do art. 384 do CPP, correspondia, em relação a tais dados, ã verdadeira ação penal de
oficio, o que não se coadunava com o processo penal acusatório .
204. A nova redação do caput do art. 384 dispõe que: “Encerrada a instrução probatória,
se entender cabível nova definição jurídica do fato, em consequência de prova existente
nos autos de elemento ou circunstância da infração penal não contida na acusação, o
Ministério Público deverá aditar a denúncia ou queixa, no prazo de 5 (cinco) dias. se em
virtude desta houver sido instaurado o processo em crime de ação pública, reduzindo-se
a termo o aditamento, quando feito oralmente”.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 79

Por fim, é possível a alteração por redução. É o que pode ocorrer nas situações
em que há relação de especialidade entre delitos, ou no crime complexo. Exempli
gratia: partindo de uma imputação inicial de um fato que caracterize peculato, se
no curso da instrução é descoberto que o imputado não era funcionário público, a
acusação será alterada, suprimindo-se a condição de funcionário público, e modifi­
cando-se o delito de peculato para de por apropriação indébita, independentemente
de qualquer alteração da acusação.
No caso substituição do objeto do processo, há alteração, ainda que parcial,
dos fatos que serão provados. No acréscimo, o que já constituía o lh an a probandum
continuará tendo que ser provado, e a esse contexto fático se agregam novos fatos.
Por fim, na redução haverá diminuição dos fatos que serão objeto da prova. De
qualquer modo, todas essas mudanças do tema que será objeto do juízo de lato se
dará, sempre e exclusivamente, por ato do acusador. O juiz não poderá alterar o
objeto do processo.
Um segundo aspecto que precisa ser analisado diz respeito às consequências do
aditamento. Seria possível a chamada imputação alternativa superveniente? Ou,
de modo mais concreto: por exemplo, no caso de uma denúncia por estelionato, em
que haja posterior aditamento para apropriação indébita, o juiz, ao final, somente
poderá condenar ou absolver o acusado pelo crime de apropriação indébita, ou
também poderá condená-lo pela imputação originária de estelionato?
Caso se adote a posição que admite a possibilidade de condenação por ambos
crimes, a mudança do fato objeto do processo amplia o them aprobandum . que além
do fato originalmente imputado, também passará a incluir as alegações sobre falo
diverso objeto do aditamento. Diferentemente, admitindo-se apenasa possibilidade
de condenação pelo fato decorrente do aditamento, haverá uma alteração parcial
do objeto do processo, deixando de integrá-lo o aspecto fático que foi excluído pelo
aditamento, e dele passando a fazer parte a porção de fato que foi por ele acrescida. *°r>
Estabelecida a relevância da questão, para a sua resposta, novamente é impor­
tante analisar a evolução da disciplina da matéria, comparando o regime originário
com o decorrente da reforma de 2008 do Código de Processo Penal. De uma maneira205

205. É necessário, contudo, que se trate de um aspecto diverso do fato imputado ou um


dado fático desconhecido que altera o fato originário. Ou seja, alteração fática deve
guardar relação com o fato originário. Não se enquadra na hipótese de mera mulatio
libelli, nos termos do art. 384 do CPP, o surgimento de um fato novo, totalmente diverso
e divorciado do fato inicialmentc imputado. O fato novo não se agrega àquele origina­
riamente imputado, mas o substitui integralmente, possibilitando uma nova imputação
autônoma, que será objeto de novo processo, formulando-se uma pretensão própria. O
aditamento da denúncia do art. 384 refere-se à mutatio actionis, e não ao acréscimo de
nova acusação. Sobre o tema. cf. BADARÓ, Correlação entre acusação e sentença..., cit.,
p. 181-183.
80 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

geral, a doutrina entendia que o art. 384, parágrafo único, admitia uma forma de
“denuncia alternativa superveniente”.206 Isto é, tendo havido o aditamento, o juiz
continuava livre para julgar o acusado - ou melhor, para condená-lo - tanto pela
imputação originaria, quanto pela imputação superveniente, decorrente do adita­
mento. Em outras palavras, o aditamento não substituiria a imputação originaria,
mas a ela se somaria, em caráter alternativo.
Mesmo antes da reforma do Código não era possível concordar com a posi­
ção prevalecente na doutrina nacional, que considerava haver, em tal caso, uma
hipótese de imputação alternativa superveniente.207 De qualquer forma, o § 4 o do
art. 384 do CPP, acrescido pela reforma de 2008, deixou claro que, urna vez recebido
o aditamento, o juiz ficará, “na sentença, adstrito aos termos do aditamento”. Ou
seja, havendo o aditamento da denuncia, o fato imputado passará a ser exclusiva­
mente o fato superveniente, que substitui o fato originário. Se o juiz condenar o
acusado pelo fato originário, que fora substituido, estará proferindo uma sentença

206. A questão foi analisada sob o enfoque da imputação alternativa por Afrãnio Silva
Jardim (A imputação alternativa no processo penal. Direito processual penal. L1. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2002. p. 157), que conclui: "o parágrafo único do art. 384 prevê
claramente uma imputação alternativa superveniente, vez que o juiz poderá condenar
o réu, tanto pelo que consta originalmente na denúncia ou queixa, como pelo que lhe
foi imputado no aditamento”. Posteriormente, suas lições foram seguidas por Antonio
Milton de Barros (Da imputação alternativa à ausência de imputação no Código de
Processo Penal. Revista Ibero-americana de Ciências Penais, n. 2., jan.-abr. 2001. p. 49)
e Maria Cristina Faria Magalhães (A correlação entre acusação e sentença nas ações penais
condenatorias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 155-1 5 6 ). Na doutrina nacional,
de uma maneira geral, admitia-se que, diante do aditamento da denúncia, restava ín­
tegra, também, a imputação originária, sendo permitido ao juiz condenar o acusado
tanto pelo crime originário, quanto pelo crime objeto do aditamento. Nesse sentido:
ESPÍNOLA FILHO. Eduardo. Código de Processo Penal brasileiro anotado. Rio de Janeiro:
Borsoi. 1965. v. IV. p. 118, GRINOVER. Ada Pellegrini; M A G A L H Ã E S GOMES FILHO,
Antonio; SCARANCE FERNANDES, Antonio. As nulidades no processo penal. 6. ed. São
Paulo: Ed. RT, 2006. p. 251. A doutrina, contudo, não chegava ao ponto de afirmar,
expressamente, que se trataria de uma hipótese de imputação alternativa. Em sentido
contrário, destaque-se a posição de Diogo Rudge Malan (A sentença incongruente no
processo penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 214) que, partindo da premissa
correta de que não se pode aceitar a imputação alternativa originária, contesta a posição
dominante, no sentido de que o revogado parágrafo único do art. 384 do CPP permitia
uma imputação alternativa superveniente.
207. Tratamos da questão, com os fundamentos para tal inadmissibilidade no artigo:
BADARÓ. Gustavo. Da inadmissibilidade da Imputação alternativa no processo penal
brasileiro. In: BASTOS, Marcelo Lessa; AMORIM, Pierre Souto Maior Coutinho de
(Org.). Tributo a Afrãnio Silva Jardim: escritos e estudos. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2011. p. 157-261. Uma exposição resumida dos argumentos pode ser encontrada em:
BADARÓ, Correlação entre acusação e sentença..., cit., p. 174-178.
PROCESSO E GARANTIAS PROCESSUAIS VOLTADAS À ATIVIDADE PROBATÓRIA 81

extra petita e, consequentemente, viciada pela nulidade absoluta, tal qual ocorre
com qualquer sentença que viole a regra da correlação entre acusação e sentença.
Portanto, retome-se o exemplo inicial, em que é formulada a denúncia por
fatos que caracterizam o crime de estelionato e, posteriormente, no curso da
instrução, fica provado que não houve emprego do meio fraudulento para o desa­
possamento, mas sim que o acusado já tinha a posse da coisa da qual se apropriou.
Feito o aditamento da denúncia para o crime de apropriação indébita, não restará
mais a acusação pelo estelionato. Nesse contexto, evidentemente, o acusado não
poderá ser condenado por estelionato, se o próprio Ministério Público afirmou
no aditamento que houve outro crime, no caso, apropriação indébita. Em suma, no
caso de aditamento da denúncia, com fundamento no art. 384, capul, do CPP. não
há denúncia alternativa superveniente. O que existe é uma imputação diversa, em
substituição da imputação originária, como determina o § 4o do mesmo dispositivo.
Sumariando o conteúdo do presente tópico, há três pontos de relevo, que
demonstram a subordinação do them a probandum à alegação fática as partes, espe­
cialmente do acusador, no caso de alteração do objeto do processo.
Primeiro: atualmente, a mudança do objeto do processo e, consequente­
mente, do tema de prova, somente ocorrerá se houver aditamento da denúncia ou
queixa. Consequentemente, o juiz somente poderá conhecer os fatos diversos do
imputado se houver aditamento da denúncia ou queixa, pelo Ministério Público
ou qucrelante, respectivamente.
Segundo: o aditamento da denúncia ou queixa será sempre espontâneo, não
podendo o juiz determinar, instar ou mesmo sugerir a sua prática, sob pena de
comprometimento de sua imparcialidade.
Terceiro: uma vez realizado o aditamento da denúncia ou queixa, o objeto
do processo e, consequentemente, o theina probandum terão sido alterados, não
podendo mais se admitir a produção de provas sobre os aspectos fáticos que foram
alterados no aditamento. E, ao final, na sentença, o juiz somente poderá absolver
ou condenar o acusado, pelos fatos tais quais narrados no aditamento.
2
VERDADE, PROVA E EPISTEM O LO G IA JU DICIÁRIA

2.1. Noções epistemológicas para a análise da prova penal. 2.2. Verdade:


S u m ário :
possibilidade e critérios. 2.3. Verdade e conhecimento. 2.4. Lógica e tipos de
inferência: 2.4.1. Dedução e indução. 2.4.2. Abdução. 2.5. As leis científicas.
2.6. As noções do senso comum e as máximas de experiência. 2.7. Verdade,
conhecimento e prova no processo penal.

2.1. Noções epistemológicas para a análise da prova penal


O tema da verdade e a própria possibilidade epistêmica de se atingir um conhe­
cimento verdadeiramente amplo.' fazem parte de um campo de pesquisa milenar
e inesgotável na filosofia.
No mundo jurídico, contudo, até pouco tempo, o chamado “juízo de fato ’
era pouco explorado, havendo uma relativa indiferença dos aplicadores do direito
em relação à prova dos fatos debatidos no processo.12 Na formação do profissional
do direito, enquanto conhecedor das leis, a atividade hermenêutica parece ter

1. As teorias sobre a verdade são sintetizadas por Susan Haack (Filosofia das lógicas. Trad.
Cezar Augusto Mortari e Luiz Henrique de Araújo Dutra. São Paulo: Unesp, 2002. p. 127),
nos seguintes termos: “As teorias da coerência entendem que a verdade consiste em relações
de coerência em um conjunto de crenças. As teorias da correspondência entendem que a
verdade de uma proposição consiste não em suas relações com outras proposições, mas
em sua relação com o mundo, sua correspondência com os fatos. A teoria pragmatista,
desenvolvida nas obras de Peirce (ver, por exemplo, 1877), Devvey (ver 1901) e James (ver
1909), tem afinidades tanto com as teorias da coerência quanto com as da correspondência,
admitindo que a verdade de uma crença derive de sua correspondência com a realidade,
mas enfatizando também que ela é manifestada pela sobrevivência da crença ao teste da
experiência, sua coerência com outras crenças. Ao propor sua teoria semântica da verdade,
Tarski (1 9 3 1 ,1 9 4 4 ) procura explicar o sentido de ‘verdadeiro’ que esta máxima apreende.
Na explicação de Tarski, a verdade é definida em termos da relação semântica de satisfação,
uma relação entre sentenças abertas (como 'x > y ) e objetos não-linguísticos (como os
números 6 e 5). A explicação de Popper para a verdade e sua teoria da verossimilhança
ou proximidade da verdade é baseada na teoria de Tarski. que Popper considera fornecer
uma versão mais precisa das tradicionais teorias da correspondência.”
2. MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais.... cit., p. 145.
84 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

urna status mais elevado do que as questões sobre o juízo de fato. As faculdades de
Direito são, em última análise, escolas de lci.
Por outro lado, ñas mais diversas atividades diarias, todo individuo se depara
com a necessidade de realizar juízos sobre fatos passados, tendo que decidir, a
partir de constatação indireta, sobre a ocorrência ou não de acontecimentos que
não presenciou ou percebeu por seus sentidos. Por ser algo frequente ao longo de
toda a vida e realizado de modo natural, quase automático, há uma crença comum
de que valorar provas no processo é algo que se aprende quase que intuitivamente,
não sendo necessário para tanto adquirir conhecimentos específicos ou dominar
técnicas epistemológicas mais sofisticadas. Essa equivocada concepção de que “os
julgamentos sobre fatos constituem simples constatações da realidade”, muitas
vezes, leva a uma acrítica recepção e aceitação dos juízos de fatos realizados pelos
magistrados no processo.3 Se os juízes têm feito um mau uso do seu “livre con­
vencimento", o remédio não será eliminar esse princípio de valoração livre, mas
estabelecer e aplicar mecanismos racionais e procedimentais que possam assegurar
um bom uso da discricionariedade nas escolhas feitas na valoração da prova.4
A valoração da prova pode ser realizada intuitivamente, mas também é possível
fazê-la de modo racional, seguindo cânones lógicos, com mecanismos de controle
intersubjetivos, que permitam verificar o erro ou o acerto do juízo de fato realizado
no processo. É na epistemología que poderão ser obtidas as ferramentas para um
aprimoramento da atividade cognitiva do juiz na valoração da prova.
No presente capítulo, se buscará expor as premissas sobre a possibilidade de
se atingir um conhecimento verdadeiro e quais os critérios de verdade adotados.
Também serão expostos, na parte preliminar do capítulo, de modo sumário - e
assumindo o risco de uma exagerada sim plificação-os tipos de raciocínios lógicos
que poderão ser desenvolvidos pelo julgador.

2.2. Verdade: possibilidade e critérios

As divergências na teoria do conhecimento principiam com a própria pos­


sibilidade de se atingir um conhecimento verdadeiro.
Os céticos negam a possibilidade de se atingir um conhecimento verdadeiro
dos fatos. Em última análise, trata-se de posição insustentável e que anula a si
própria.5 Essa postura de negar a possibilidade de conhecimento da verdade foi

3. O tratamento judicial que se costuma dar aos fatos, como bem destaca Perfecto Andrés
tbáftez (Sobre ti motivação das fatos na sentença penal..., eu., p. 6 9) “sói refletir uma con­
sideração dos mesmos como entidades naturais, prévia e definitivamente constituídas
desde o momento de sua produção, que só se trataria de identificar em sua objetividade .
4. TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 411.
5. BAZZARIAN, Jacob. O problema da verdade: teoria do conhecimento. 4. ed. São Paulo:
Alfa-Omega, 1994. p. 74. Para uma análise das diversas teorias sobre a impossibilidade
VERDADE. PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA 85

denominada por Goldman, de vcriphobia, com a atitude de quem repudia a possi­


bilidade de um conhecimento verdadeiro.6
Não é necessário fazer um estudo filosófico aprofundado para se constatar
que, do ponto de vista prático, uma teoria cética não tem qualquer utilidade no
campo probatório.7 Um juiz cético se torna um não ju iz!8
Isso não significa, por outro lado, que, ao pressupor que o conhecimento é possível,
se deva aceitá-lo como um homem ingênuo que abraça o dogmatismo. E possível
admitir o conhecimento da verdade, mas realizando um exame crítico das bases do
conhecimento humano, de seus pressupostos e condições gerais.6
O linguistic turn foi fundamental para demonstrar o papel de intermediação
da linguagem com a realidade. Mas isso não autoriza que se rompa toda e qualquer
conexão entre o conhecimento e a realidade. realidade externa existe e constitui

de se atingir a verdade, cf., também: HESSEN, Johannes. Teoria do conhecimento. 8. ed.


Trad. António Correa, Coimbra: Arménio Amado Editora, 1987. p. 3 7 -5 4 ; TARUFFO,
Lct prova dei fatti giuridici..., cit., p. 8-16.
6. GOLDMAN (Knowledge in a social world.... cit., p. 7), depois de destacar que. “o campo
da epistemológica social tem sido substancialmente prejudicado por visões de mundo
que se opõem a uma concepção que aceite a verdade, como o construtivismo social, o
pós-modemismo, o pragmatismo, os estudos culturais e estudos jurídicos crítico , afirma
sobre os adeptos de lais correntes: “Eles compartilham um profundo ceticismo ou repúdio
absoluto da verdade como um critério viável para o estudo de fenômenos epistêmicos.
Eles levantavam uma suspeita e, até mesmo, uma sobrancelha desdenhosa, para qualquer
tentativa séria de usar o conceito de verdade. Eu acho que eles sofrem de uma aflição que
pode ser chamada de veriphobia. Embora os veriphohicos difiram entre si nos detalhes de
suas metodologias preferidas, eles compartilham a ideia de que o estudo do conhecimento
social deve ser confinado à determinação interpessoal e cultural da crença: não crença
verdadeira ou falsa, crença pura e simples. Quando os veriphobicos falam de ‘conheci­
mento’, eles não se referem, como eu, à crença verdadeira, mas a algo como a crença
institucionalizada”. Uma crítica ao posicionamento que nega a verdade, também pode
ser encontrada em: VASSALO, Niela. Contro la verifobia: sulla necessità epistemológica
delia nozionc di verità. In: Amoretti, Maria Cristina; MARSONET, Michale. Conoscenza
e veritü. Milano: Giuffrè. 2007. p. 1-44.
7. O ceticismo radical, como bem destaca José Carlos Barbosa Moreira (Processo civil e
processo penal: mão e contramão? Temas dc direito processual: séüma série. São Paulo: Sa­
raiva. 2001. p. 206), com certa dose de ironia, “conduz à total desvalorização da prova no
processo e autoriza a conclusão de que, sendo inúteis quaisquer esforços para reconstruir
os acontecimentos, é absurdo desperdiçar nessa vã empresa tempo, dinheiro e energias:
mais vale decidir nos dados a sorte do pleito ”. Mesmo no caso do “realismo cético”, a
convicção de que não c possível alcançar um ‘conhecimento certo da realidade”, o torna
imprestável para fins de uma análise de epistemología judiciária.
8. ROMANÒ, Cristina. Processo alia verità, In: Garofoli, Vincenzo; INCAMPO, Antonio.
Verità e processo pénale. Milano: Giuffrè, 2012. p. 150.
9. HESSEN, Teoria do conhecimento..., cit.. p. 57.
86 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

o padrão de medida, o critério de referência que determina a verdade oua falsidade


dos enunciados Táticos,10 no caso, da imputação penal.
A premissa da tese, portanto, é que a verdade deve ser concebida segundo a
teoria da correspondência." Também no Direito, afirma Daniel González Lagier,
quando afirmarmos que um enunciado sobre certos falos é verdadeiro, predicamos
sobre ele uma direção de ajuste de palavras ao mundo’”.12
Como já visto, o objeto do processo não é o fato em si, mas um enunciado
fálico.1’ Assim, o juízo de lato no processo penal implica uma relação de correspon­
dencia entre linguagem e mundo, entre a proposição que descreve o que ocorreu e
a realidade sobre a qual essa se refere, isto é, o “passado a ser reconstruido”.14 Ou
seja, verificar se “é verdadeira a afirmação de que o imputado praticou a conduta,
enquanto essa corresponde a fatos da realidade”.13
Essas ideias remetem à concepção semântica de verdade de Alfred Tarski16
que, por ser neutra, não é incompatível com a teoria da verdade como correspon-

10. TARUFFO, Michele. La semplice vento. Il giudice e la costruzione dei fatti. Roma: Editori
Latcrza. 2009. p. 78. Como explica Hessen (Teoria do conhecimento..., cii., p. 150), “o
nosso conhecimento está e estará em relacâo com os objetos".
11. Nesse sentido: TARLIFFO, La prova deijatti giurídici..., cit., p. 143; Idem, La semplice
veritci..., cit., p. 78; TLZET, Filosofia delia prova giuridica..., cit., p. 71; FERRER BEL-
TRÀN, La valoración racional de la prueba.... p. 30. nota 12; ABELLÁN, Gascón. Los
hechos en cl derccho..., p. 121; LAGIER, González. Hechos y argum entos:... In: Qitaesíto
Jacti..., p. 66.
12. GONZÁLEZ LAGIER, Daniel. Hechos y argumentos: la inferência probatória. In: Quaestio
faeti. Ensavos sobre prueba, causalidady acción, México D.E: Fontamara, 2013. p. 67. E
complementa: “quando afirmamos que uma reconstrução de um fato c verdadeira não
queremos dizer (ou não apenas queremos dizer) que seja coerente, que seja aceitável,
que seja convincente ou algo parecido, mas que é uma reconstrução que provavelmente
reflete bastante aproximadamente o que realmente ocorreu".
13. Cf., supra, cap. 1, item 1.5.1.
14. FERRUA, Paolo. II libero convincimento dei giudice penale: i limiti legali. II libero con-
vincimento dei giudice penale. Vecchic e nuove esperienze, Milano: Giuffrè, 2004. p. 64.
No mesmo sentido: TUZET (Filosofia delia prova giuridica..., cit., p. 71) afirma adotar
uma interpretação correspondentista, que parece ser a mais adequada no contexto pro­
cessual, considerando a correspondência com uma relação entre linguagem e mundo,
entre enunciados (com entidade linguística) e fatos (como entidade extralinguística):
"Há verdade quando um enunciado corresponde ao fato sobre o qual verte".
15. FERRUA. II ‘giusto processo'..., cit., p. 71; Idem, II libero convincimento dei giudice
penale..., cit., p. 68.
16. O escopo de Tarski quando formulou a sua teoria semântica da verdade era definir concei­
to de verdade em linguagens formalizadas - i.e. linguagens que satisfazem sua condição
de correção formal —e. para tanto, apresentar sua definição de sentença verdadeira para
essas linguagens formalizadas. Foi assim no artigo de 1933, "O conceito de verdade nas
linguagens formalizada”, In: TARSKI. Alfred. A concepção semântica da verdade. Textos
VERDADE, TROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA 87

ciência.17 A concepção semântica da verdade analisa as condições em que um


enunciado pode ser considerado verdadeiro, a partir de uma ‘definição que seja
materialmente adequada e formalmente correta”.18Segundo essa definição, “uma
proposição P é verdadeira se e só se p”. No famoso exemplo, “a proposição ‘a neve
c branca’ é verdadeira se, e somente se, a neve é branca”. Dizia Tarski: “Nossa
concepção da noção de verdade parece concordar essencialmente com as várias
explicações dadas para ela na literatura filosófica. Na Metafísica de Aristóteles está
o que talvez seja a mais antiga explicação: 'Dizer cio que c que não é, ou do que não c
que é, c fa lso enquanto dizer do que é que é, o do que não é que não c, é verdadeiro' . 10
E, prossegue: “A concepção de verdade que encontra sua expressão na formu­
lação aristotélica (e em formulações afins de origem mais recente) é usualmente
chamada concepção clássica da verdade ou concepção semântica da verdade. Por se­
mântica, entendemos aquela parte da lógica que. informalmente falando, discute as
relações entre os objetos linguísticos (tais como sentença) e aquilo que é expresso
por eles. O caráter semântico do termo verdadeiro está claramente evidenciado
na formulação oferecida por Aristóteles e em outras formulações que serão dadas
neste artigo. Às vezes, fala-se em teoria da correspondência da verdade como a
teoria baseada na concepção clássica”.20

clássicos de Tarski. Trad. Celso Reni Braida et. al. Sáo Paulo: Ed. Unesp. 2007. p 19-148,
e no escrito posterior, de 1944, A concepção semântica da verdade e os fundamentos da
semântica. In: TARSKI, Alfrcd. A concepção semântica cia verdade. Textos clássicos de Tarski.
Trad. Celso Reni Braida et. al. São Paulo: Ed. Unesp, 2007. p. 157-201.
17. O próprio Tarski esclarece que sua teoria semântica da verdade não se compromete com
o tema metafísico da existência de uma correspondência ontológica entre a tese da qual
é predicada a verdade e a realidade da qual ela diz respeito, mas se limita a elucidar, de
maneira unívoca e precisa, o significado do termo “verdadeiro” como predicado meta-
linguístico de um enunciado, não sendo uma definição real, mas uma definição nominal.
Diz ele (TARSKI, A concepção semântica da verdade e os fundamentos da semântica....
cit., p. 189-190): "podemos aceitar a concepção semântica da verdade sem abandonar
qualquer atitude epistemológica que possamos ter tido. Podemos permanecer realistas
ingênuos, realistas críticos ou idealistas, empiristas ou metafísicos - o que quer que
tenhamos sido antes. A concepção semântica é completamente neutra em relação a todas
essas questões". Sobre o tema, cf. FERRAJOL1, Diiitto e ragione..., cit., p. 22; UBERTIS,
Profili di Epistemología Giudiziaria..., cit., p. 17.
18. A concepção semântica da verdade e os fundamentos da semântica.... cit., p. 158.
19. TARSKI, Alfred. Verdade e demonstração. In: TARSKI, Alfred. A concepção semántico da
verdade. Textos clássicos de Tarski. Trad. Celso Reni Braida et. Al. São Paulo: Ed. Unesp.
2007. p. 204.
20. TARSKI, Verdade e demonstração..., cit., p. 205, acrescendo: “Algumas outras concepções
e teorias da verdade, lais como a concepção pragmática e a teoria da coerência, são
discutidas na literatura filosófica moderna. Estas concepções parecem ser de caráter
exclusivamente normativo e têm pouca conexão com o uso real do termo verdadeiro’.
Nenhuma delas foi até agora formulada com um bom grau de clareza e precisão. Nesse
artigo, essas concepções c teorias não serão discutidas”. (Ibidem, p. 205-206)
88 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PRO VA PENAL

Aplicando esses conceitos à proposição concreta posta num processo, por


exemplo, "Caim matou Abel'’, a conclusão é que essa sentença é verdadeira se, e
somente se, Caim matou Abel. A concepção semântica da verdade, por outro lado,
não se preocupa em estabelecer os critérios de verdade, mas apenas o significado da
palavra “verdadeiro”, o que são coisas diversas e que não podem ser confundidas:
o significado de verdade é uma coisa, e os critérios de verdade são outra.21
Para o processo, a realidade deve ser o critério de verdade. É necessário que
haja uma relação de correspondência entre uma entidade linguística (o enunciado
que contém o fato a ser provado) e uma entidade extralinguística (o fato real objeto
do julgamento). E, ainda que esse fato do passado somente seja acessível por meio
inferencial, com diz Ferrua, “se o significado de ser verdade para o enunciado his­
tórico está na correspondência aos fatos, o método de verificação, de acertamiento
da verdade, está na congruência da proposição a ser provada com as premissas
probatórias, rectius, com as proposições que descrevem as provas legitimamente
produzidas".22
Ainda que rapidamente, cabe justificar porque não aplicar outros critérios
de verdade no processo. Há outras teorias sobre a verdade, como a que equipara
a verdade à coerência da narrativa ou a que considera a verdade como consenso,
são teorias normativas da verdade e não teorias epistemológicas. Não dependem
de um correspondente empírico, no qual seja possível ancorar a decisão sobre o
juízo de falo.
As teorias coerentistas da verdade consideram que uma proposição é verdadei­
ra ou falsa conforme seja ou não coerente com um sistema de proposições aceitas,
afastando a verdade dos dados empíricos.23 Esse modo de entendera verdade pode
funcionar bem para as verdades lógicas ou matemáticas (quando se referem a ob­
jetos construídos mediante convenções), mas é insuficiente no caso de formas de
conhecimentos empíricos.24 Mesmo no campo das narrativas fáticas, a “verdade”
da narração irá depender exclusivamente da sua coerência narrativa, estando tal
critério no interior da própria narração e não em um referencial externo. Uma nar­
rativa será “boa” por apresentar requisitos de coerência e correspondência ao que
normalmente ocorre, fazendo com que “bondade e verdade da narração acabem se
confundido” olvidando de que “existem de falo narrações substancialmente 'boas'
que, todavia, são descritivamente falsas”.25

21. Nesse sentido: FERRAJOLI, Diritto c ragione..., cit., p. 22; TARUFFO, La prova deijatti
giuriclici..., cit., p. 146; TUZET, Filosofia delia prova giuridica..., cit., p. 70.
22. FERRUA. II ‘giusto processo'..., cit., p. 71.
23. P1ZZI, Cláudio. Diriiio. abduzione e prove. Milano: Giuffrè, 2000. p. 32.
24. NANNINl, Sandro. 11 concetto di verità in una prospettiva naturalistica. In: Amoreiti. Maria
Cristina; MARSONET, Michale. Conoscenza e verita. Milano: Giuffrè, 2007. p. 55-56.
25. TARUFFO, Processo civil comparado: ensaios..., cit., p. 43.
VERDADE. PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 89

Logo, concepçõesnarrativistas ou coerentistas não dizem respeito ao que real­


mente importa no processo, que c estabelecer se, na realidade do mundo exterior,
se Paulo matou João, pois é a essa realidade histórica do mundo externo que a lei
atribui consequências jurídica se sobre a qual o juiz deve se pronunciar. Paulo deve
punido pelo homicídio de João se matou João, c não se hã uma narrativa coerente
e boa sobre a morte de João provocada por Paulo.
Com razão, conclui Taruffo, que “isso implica que a concepção de verdade
como mera coerência narrativa não tem espaço nem valor no contexto do processo.
O processo não pode contentar-se em fundar-se senão em uma concepção realista
da verdade como correspondência da descrição dos fatos à respectiva a realidade
efetiva”.2627
Objeção semelhante pode ser feita em relação à teoria da verdade como con­
senso, que igualmente não pode ser aceita no p ro ce sso .Isso porque o consenso
produz resultados aceitáveis sobre condições que não dependem, necessariamente,
da correspondência entre o fato e a realidade.2829Existiu um momento do pensamento
em que o Geocentrismo reinava sem contestações. Havia o consenso de que a Terra
era o centro do universo e que todos os demais astros giravam em torno do nosso
planeta. Evidente que esse consenso não colocou a Terra no centro do universo
nem a tornou imóvel. Muito menos foram as dúvidas crescentes, que redundaram
no Heliocentrismo, com o desfazimento da aceitação geral de tal concepção de
mundo, que fizeram com que a Terra passasse a girar em torno do Sol. Há, portanto,
crenças que registram um amplo consenso ao seu favor, mas se revelam falsas.2”

26. TARUFFO. Processo civil comparado: ensaios..., d l., p. 43.


27. Não se está tratando do consenso como sinônimo de processo penal negociai. Neste
caso. a finalidade não é de obter uma decisão jusia, mas de pacificar utn conflito. Aliás, não
há sequer que cogitar da finalidade do processo, posto que o que se busca é o não processo.
O acusador não denuncia, o acusado não contesta, não se realiza a instrução e, por fim. o
juiz não sentencia (enquanto ato judicial de acertamento dos fatos e de subsunção destes à
norma). A aplicação da pena nesses modelos segue um procedimento "anticognitivo”,
pelo que não hã que se cogitar de "critério de verdade" (FERRUA, II 'giusto processo’...,
cit., p. 75). O consenso das parles substitui a prova em contraditório e o acertamento
judicial com base na verdade. O processo penal negociai, como bem observa Geraldo
Prado (Sistema acusatório .... p. 250) "a busca da verdade é substituída pela prevalência
da vontade convergente das partes”. Aliás, como observa Taruffo (La prova dei fatti giu-
ridici..., cit.. p. 18). a boa solução pode ser até mesmo uma decisão baseada em premissas
fáticas falsas, desde que ela seja capaz de eliminar o conflito.
28. Como afirma Karl Popper (Conjectura e refutação. O progresso do conhecimento cientí­
fico. 5. ed. Trad. Sérgio Bath. 2008. p. 251) “uma teoria pode ser verdadeira mesmo que
ninguém acredite nela, ainda quando temos motivos para pensar que não é verdade; por
outro lado, uma teoria pode ser falsa mesmo se ternos razões relativamente boas para
aceitá-la".
29. TUZET, Filosofia delia prova giuridica..., cit.. p. 67.
90 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PRO VA PENAL

Além disso, a crença como estado psicológico em que se funda o consenso não
precisa ter qualquer relação com a verdade dos acontecimentos. Hã muitas crenças
que geram uma certeza subjetiva em quem crê, embora de tal sentimento não se
possa extrair qualquer conclusão a respeito da verdade do que se crê. É assim com
certos dogmas religiosos, com a ocorrência de milagres, com a existência de seres
extraterrestres, com a honestidade de alguns políticos e a desonestidade de outros etc.
Há, ainda, outro problema, não de natureza epistêmica, mas de conotação
político-processual: a concepção da verdade como consenso também coloca em
risco o escopo do processo penal de funcionar como instrumento de legitimação
do poder punitivo estatal. Ao se substituir a verdade dos fatos buscada no processo,
como uma das condições necessárias da legitimação da punição, pelo consenso,
não há como estabelecer a quantidade de consenso necessário para punir. E sem
um critério objetivo, há grande risco de que o consenso social seja identificado
com uma “verdade midiática alternativa à verdade processual”.3CI
Essa verdade é obtida rapidamente, na velocidade do interesse pela notícia
nos meios de comunicação e sem a dialética processual, que exerce uma importan­
tíssima função epistemológica. Logo após um acontecimento de interesse público,
a verdade é pronta e imediatamente anunciada, pois deve atender à urgência da
notícia,Me torna-se consenso, antes de qualquer instrução processual cm contradi­
tório. Contra essa verdade midiática imediatista, aquela outra verdade processual,
produzida em contraditório, e que chegará muito tempo depois, pouco ou nada
poderá fazer. Não é exagero considerar que, em tal cenário, há uma inversão da
presunção constitucional de inocência, pela presunção - ou até mais que isso. uma
efetiva verdade midiática aceita pelo consenso - de culpa previamente declarada
e aceita como verdadeira. Ao acusado, já condenado pela mídia, restará a quase
impossível missão de utilizar a instrução processual como a última oportunidade
para demonstrar a sua inocência, “além de qualquer dúvida razoável”. Ou de­
monstra cabalmente ser inocente ou o consenso contrário que se formou contra
si será irreversível.

2.3. Verdade e conhecimento


Para analisar a influência que a epistemología pode ter no campo processual,
com vistas à construção de um sistema racional de admissão, produção e valoração
da prova, bem como fornecendo padrões objetivos - ou ao menos controláveis
intersubjelivamente - de standards de prova, é preciso admitir a possibilidade de301

30. MUSCATIELLO, II processo senza verirà..., cit., p. 99.


31. Para Nicola Triggiani (Verità, giustizia pcnale, mass mediei e opinion pubblica. In: GA-
ROFOLI, Vincenzo; IN CA VI PO, Anionio. Verità e processo pcnale, Milano: Giuffrè, 2012.
p. 172), a “verdade midiática”, está inevitavelmente “condicionada pela velocidade, da
simplificação, quando não da banalização da noticia”.
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA 91

sc atingir um conhecimento verdadeiro e definir os critérios de verdade a serem


observados.
É comum encontrar afirmações no sentido de que, diante da limitação do
conhecimento humano, tanto no processo quanto cm outros campos, não c possível
atingir uma verdade absoluta. Ou, o que é mais ao sabor do profissional do Direito,
que a “verdade material” ou “verdade real” é inalcançável. Assim, o que se pode
atingir no processo, ou em outras áreas do saber, c apenas uma verdade aproxima­
tiva, ou uma “máxima aproximação da verdade”.32
Todavia, adotando-se o conceito de verdade como correspondência, não há
que se cogitar de uma verdade aproximativa ou “graus” de verdade. As limitações,
que realmente existem, são para se atingir o conhecim ento verdadeiro, e não a
verdade em si. A verdade é, portanto, um conceito absoluto: ou há uma relação de
correspondência, com identidade total, ou inexiste tal condição, não se podendo
falar em verdade. Assim, o que se pode considerar como aproximativo, relativo,
gradual ou probabilístico é o conhecimento dos fatos objetos do enunciado, e não
a verdade dos fatos que compõem tal enunciado.3334
Em outras palavras, não se pode confundir "verdade” com “conhecimento”.
Como explica Tuzet, é possível haver verdades sobre as quais nada sabemos, posto
que a verdade de algo não depende de nosso conhecimento. Que alguma coisa se ja
verdadeira ou falsa não depende do que eu penso ou qualquer outra pessoa pensa
a respeito. O que importa é o que ocorreu, e o que ocorreu independe do estado
epistemológico do sujeito cognoscente. Assim, a verdade é um componente do
conhecimento; o conhecimento, por sua vez, é uma crença verdadeira e justifica­
da.3'' E, sobre o conhecimento, formula uma concepção tripartite: “L m sujeito S
sabe que p se e só se: (1) S crê que p\ (2) é verdadeiro que p; (3) S tem justificativa
para crer que p. As três condições são necessárias e conjuntamente suficientes.
A primeira é a condição subjetiva do conhecimento, a segunda é a condição objetiva
e a terceira é uma condição intersubjetiva.”

32. Por exemplo, Jacintho Nelson de Miranda COUT1NHO (Glosas ao Verdade. Dúvida e
Certeza, de Francesco Carnelutti, para os operadores do Direito. In: Revista de Estudos
Criminais - Instituto Transdisciplinar de Estudos Crimina is - 1TEC, Porto Alegre, n. 14,
abr.-jun., 2004. p. 8 1 ) afirma que “a verdade está no todo, mas ele não pode, pelo homem,
ser apreensível, ao depois, a não ser por uma. ou algumas, das partes que o compõem.
Seria, enquanto vislumbrável como figura geométrica, como um polígono, do qual só
se pode receber à percepção algumas faces”.
33. Como explica González Lagier (Hechos y argum entos:... In: Quaesíio facti..., cit.. p. 70)
“há enunciados com significado empírico absolutamente verdadeiros (no sentido de
totalmente correspondentes com a realidade), porém nos nunca poderemos ter certeza
absoluta deles, pelo que deve bastar que tenham um grau elevado de credibilidade".
34. TUZET, Filosofia delia prova g iuridica..., cit., p. 72-73.
92 I EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

A crença é um estado psicológico eminentemente subjetivo. A verdade é


um componente do conhecimento de caráter objetivo, baseado no Tato objetivo
do mundo sobre o qual a crença deve ser adequada para ser verdadeira. Por fim,
a justificação é a condição intersubjetiva do conhecimento, enquanto que os cri­
terios não devem se fundar em opiniões pessoais, mas naquilo que a comunidade
reconhece como justificação, como as provas.35
No sent ido de ser "relativa ao conhecimento da verdade” e não de algo "relativo
à verdade cm si", é que pode ser aceito, por exemplo, a ideia de "aproximação da
verdade' (objetiva), como explica Popper, ao comparar duas teorias científicas,
mas em passo que pode ser perfeitamente aplicado a distintos conhecimentos dos
fatos, relativamente a provas judiciais: "Podemos (alar em uma m elhor correspon­
dencia? Haverá de fato graus de verdade? Não será perigosamente enganoso falar
como se a verdade de Tarski se situasse numa especie de espaço métrico, ou pelo
menos topológico, de tal forma que se possa dizer razoavelmente a respeito de
duas teorias - por exemplo, uma teoria anterior tl e uma teoria posterior £2, que
a substituiu, que esta última se aproxima mais da verdade do que a primeira? Na
minha opinião esse comentário não é em absoluto enganoso. Ao contrário, acredito
que simplesmente não podemos dispensar algo como a ideia de que uma melhor
(ou pior) aproximação de verdade. Não há dúvida de que podemos dizer (e muitas
vezes queremos dizer), a propósito de uma teoria t2, que ela corresponde melhor
aos fatos, ou que parece corresponder melhor a eles do que outra teoria tl ”.36
Assim sendo, afirmações no sentido de que a verdade é aproximativa, con­
tingente, provável ou relativa, devem ser entendidas, principalmente em relação
àqueles que adotam uma posição de que a verdade possui natureza corresponden-
tista, no sentido de que o conhecimento sobre a verdade é aproximativo, contingente,
provável ou relativo.37
No sentido elíptico, é possível continuara falar em “buscada verdade dos fatos”,
significando a "busca de um conhecimento verdadeiro sobre os enunciados fáticos.”

35. TUZET, Filosofia delia prova giuridica..., cit., p. 72-73.


36. POPPER, Conjectura e refutação..., cit.. p. 257.
37. Nesse sentido, por exemplo, parece ser a posição de Ferrajoli (Diritto e ragionc....cil., p. 23)
que num primeiro momento afirma, com relação à "verdade” de uma teoria científica,
que se trata de uma “verdade não definitiva mas contingente, não absoluta, mas relativa
ao estado dos conhecimentos e experiências desenvolvidas em relação as coisas da qual
se fala". Mas explica: "quando se afirma a ‘verdade’ de uma ou mais proposições, a única
coisa que se diz é que estas são (plausivelmente) verdadeiras tanto quanto sabemos, ou
seja, a respeito do conjunto de conhecimentos confirmados que possuímos". O referido
posicionamento é acolhido por PASTORE, Decisioni, argomenti, controlli..., cit., p. 102.
Anteriormente, CARNELUTTI (La prova civile..., cit., p. 50) já afirmava que “a prova
da afirmação em torno da existência de um fato se faz mediante o conhecimento do fato
mesmo; o conhecimento não é a prova mas da prova da afirmação”, (destaques no original)
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 93

2.4. Lógica e tipos de inferência


A lógica analisa apenas a relação entre premissas e conclusão, sem se preocu­
par com a verdade ou não das premissas.3839Todavia, quando se buscar um critério
para fortalecer o caráter racional da atividade de valoração da prova e permitir o
seu controle intersubjetivo, a análise dos métodos lógicos é fundamental para se
buscar o melhor raciocínio para a valoração da prova, com vistas a viabilizar o
controle de sua coerência e validade.
Não é viável o desenvolvimento profundo sobre as diferentes modalidades
de raciocínios lógicos. O que se busca é, tão somente, destacar as características
fundamentais de cada um deles, com vistas a identificar elementos para auxiliar na
resolução da polêmica questão sobre qual é o tipo de inferência utilizada no raciocí­
nio probatório desenvolvido pelo juiz: se trata de dedução, indução ou abdução?1'
A questão pode comportar uma análise mais ampla, considerando os diversos
raciocínios decisórios, formais ou informais, ocorridos ao longo de toda a perse­
cução penal. Nesse caso, também seriam tomadas em consideração, por exemplo,
as decisões da autoridade policial na fase preliminar da persecução penal. Embora
não se pretenda desenvolver a questão em um espectro tão amplo, é possível des­
tacar, desde logo, que não há necessidade de que se conclua pela adoção de um
modelo único. A diversidade de atividades desenvolvidas, com finalidades muito
distintas, torna até intuitiva a conclusão de que, em vez de haver uma única forma
de raciocínio, isto é, ou dedutivo ou não dedutivo, sendo que, nesse último caso, de

38. Um dos objetivos básicos da lógica, explica Wesley C. Salmon, (Lógica. 3. ed. Trad. de
Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2012. p. 2) “é fornecer métodos para distinguir
entre argumentos logicamente corretos e incorretos. .4 correção ou incorreção lógica de
tim argumento só depende da relação entre premissas e conclusão. Num argumento logica­
mente correto, as premissas, quer sejam realmenle verdadeiras ou realmenle falsas, têm
a seguinte relação com a conclusão: Se as premissas forem verdadeiras, esse fato constituira
uma boa base para aceitar a conclusão como verdadeira".
39. A classificação tríplice é enfaticamente defendida por PEIRCE, Charles Sandcrs. Ilus­
trações da lógica da ciência. 2. ed. Trad. Renato Rodrigues Kinouchi. Aparecida: Ideia e
Letras, 2008. p. 172, embora se referindo à “hipótese” em vez de “abdução". Todavia,
não é pacífica a consideração das três formas de raciocínios, havendo quem negue à
abdução autonomia própria. Pizzi (Diritto, abduzione e prove.... cit., p. 19-20) prefere
distinguir a dedução, de raciocínio “não-demonstrativo”, que compreende a “indução
e a abdução”. Para González Lagier (Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit.,
p. 77) a indução se subdivide em: (i) indução generalizadora ou indução em sentido
estrito, (ii) indução probabilística e (iii) abdução ou retrodução. Também para Manoel
Atienza (Razonamiento jurídico. In: GONZÁLEZ LAGIER, Daniel (Coord.). Conceptos
básicos dei derecho, Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 20 7 ) o argumento abdutivo é uma
indução, que se caracteriza por sua função heurística, sendo utilizado para conjecturar
algo.
94 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

natureza indutiva ou abdutiva, a complexidade da atividade probatória se vale de


espécies dc raciocínio diversos, de acordo com os distintos contextos probatórios.40
De qualquer modo, reafirma-se que o objetivo da análise é mais restrito,
buscando uma espécie adequada para o raciocínio judicial,41 para a inferência42
probatória realizada no momento final do processo.43
Segundo González Lagier, o raciocínio probatório caracteriza-se como uma
inferência probatória, que é composta de três elementos: (i) uma hipótese sobre os
fatos que queremos provar; (ii) os elementos de prova que dão suporte a tal hipótese;
(iii) a ligação entre esses dois elementos, feita por uma proposição frequentemente
implícita, de caráter geral, que enuncia um princípio uma regra ou uma cadeia
de raciocínio.44 E essa proposição geral que permite a passagem da prova para a

40. Nesse sentido: Angelo Alessandro Sammarco (Métodoprobatorio e modelli di ragionamento


nel processo penale. Milano: Giuffrè, 2001. p. 163) entende que a fase investigativa-as-
sertativa dos fatos processualmente relevantes segue o esquema abdutivo: enquanto que
a fase “reconstrutiva" dos critérios, das regras gerais e dos princípios a serem utilizados
como premissa da demonstração, seguem uma esquema indutivo, enquanto a fase su­
cessiva, propriamente demonstrativa, adota uma lógica dedutiva.
41. Segundo Daniel González Lagier (Hechos y conceptos: sobre la relevância de los con­
ceptos para la prueba de los hechos. In: Qunestio fací i. Ensayos sobre prueba, causalidad
y acción, México D.F.: Fontamara, 2013. p. 77) o raciocínio probatório caracteriza-se
como urna inferencia probatoria, que pode ser uma inferência probatoria epistémica,
uma inferência probatoria normativa e uma inferência probatoria interpretativa. No
mesmo sentido, na doutrina nacional, essa trilogia é adotada por MAT1DA, Janaina:
HERDY, Rachel. As inferencias probatorias: compromissos epistémicos, normativos e
interpretativos. In: CUNHA, José Ricardo (Org.). Epistemología: Criticas do Direito. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2016. p. 219-232. Nesse ponto, interessa a análise apenas da
inferencia probatoria epistémica.
42. Inferir, explica Atienza (Razonamiento jurídico..., cit., p. 20 6 ), consiste em passar de
uns enunciados a outros, tratando-se de uma ação ou atividade. Uma inferencia é, por­
tanto, o resultado dessa atividade. E a relação de inferencia c a que se estabelece entre uns
enunciados, que são as premissas, e outro, que é a conclusão.
43. Esse raciocínio, por seu lado, c mais restrito que o conjunto de atividades valorativas
exercidas pelo juiz ao longo do processo. Por exemplo, para Michele Taruffo (Funzione
del la prova: la funzione dimostrativa. Sui confini. Scritti sulla giustizia civile. Bologna:
11 Mulino. 2002. p. 3 2 7 -3 2 8 ), o raciocinio probatorio se desenvolve em “um contexto
heterogéneo e complexo, em que entram vários fatores: desde a abdução que permite
a formulação de hipóteses novas até a constatação dialética de tais hipóteses, desde os
passos dedutivos até as inferencias probabilísticas, desde o recurso a noções do senso
comum até o uso de provas científicas, desde argumentações tópicas alé os cánones do
raciocinio jurídico”.
44. MAT1DA; HERDY, As inferências probatorias..., cit., p. 215. Dc modo semelhante, Hum­
berto Avila (Teoria da prova: standards de prova e os criterios de solidez da inferencia
probatoria. Revista de Processo, n. 282. ago. 2018. p. 114) afirma que: “A análise da
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 95

hipótese fática.4"5A “probabilidade inferencial” do raciocínio probatório ou o seu


“grau de credibilidade" dependerá do grau de suporte que as premissas prestam à
conclusão, sendo que tal grau depende das máximas de experiências empregada,
o que inclui as regras científicas.46 Por outro lado, a força da inferência probatória,
considerada como “a capacidade de resistência que cada tipo de inferência apre­
senta, de modo a evitar a sua substituição, refutação ou derrogação , reside na
cogência do argumento indutivo sobre o qual se assenta a regra geral (lei científica
ou máxima de experiência).47
Além de analisar as espécies de raciocínio lógico, como a atividade inferencial
se vale de premissas que constituem regras gerais,46 é importante analisar o papel
das leis científicas e das máximas de experiência, enquanto mecanismos aptos a
ocupar a posição de premissa geral, especialmente no método indutivo.44

2.4.1. Dedução e indução


É comum a afirmação de que a dedução é um raciocínio lógico que parte de
premissa geral para se obter uma conclusão particular, enquanto que a indução

robustez das provas depende do exame de três elementos: (1) a hipótese (aquilo que
deve ser provado); (2) os meios de prova (aquilo que serve para provar a hipótese); e (3)
o critério inferencial (aquilo que relaciona os meios de prova com a hipótese). Critérios
distintos são aplicados a cada um desses elementos. Assim, enquanto os meios de prova
devem atender aos critérios da admissibilidade e da suficiência, o critério inferencial
depende da suficiência da fundamentação lógica e da provabilidade causal, ao passo
que a hipótese deve observar os critérios de refutabilidade, derivação, singularidade,
coerência e simplicidade".
43. Nesse sentido: MAT1DA; HERDY, As inferências probatórias..., cit., p. 215; ÁVILA,
Teoria da prova..., cit., p. 122.
46. Nesse sentido: GONZÁLEZ LAGIER. Hechos y argum entos:... In: Quacstio facti..., cit..
p. 58; ÁVILA, Teoria da prova..., cit.. p. 122
47. MATIDA; HERDY, As inferências probatórias..., cit., p. 218.
48. Sobre o tema, cf., infra, item 3.5.5.
49. Para Ferrua (1/ libero convincimento dei giudicepenale..., cit., p. 7 1 ), o acertamento do
juízo de fato é realizado por um método indutivo, que se desenvolve a base de três
saberes, representando-os como três círculos concêntricos, em que no círculo interior se
tem as “regras lógicas”, no de raio médio, as “regras da ciência" e. por fim, o mais amplo
deles, ocupado pelas regras da experiência. No mesmo sentido, referindo-se a regras
lógicas, da ciência c do senso comum: STELLA, Federico. Ohre il ragionevole dubbio: il
libero convincimento dei giudice e le indicazioni vincolanti delia costituzione italiana.
Il libero convincimento dei giudice penale. Vecchic e nuove esperienze, Milano: Giuffrè,
2004. p. 101. Na doutrina brasileira, Magalhães Gomes Filho (A motivação das decisões
penais..., cit., p. 163) se refere às seguintes regras de inferência: “disposições legais, re­
gras técnicas e científicas, noções consagradas pela experiência comum ou mesmo regras
estabelecidas criativamente no próprio procedimento da abdução".
96 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

é o oposto, isto é, um raciocinio em que de premissas particulares se extrai uma


conclusão geral. Essa, contudo, é a característica menos relevante.
O raciocínio dedutivo é uma argumentação lógica perfeita, em que se obtém
uma conclusão a partir de duas premissas. Na dedução há uma premissa maior,
consistente em uma regra universal, uma premissa menor, consistente num enun­
ciado particular, e uma conclusão.’0 O exemplo clássico da dedução é o de Sócrates:
Todo Iwmem e mortal.
Sócrates é homem.

Logo, Sócrates é m ortal.5051


No raciocínio dedutivo, se as premissas forem verdadeiras, a conclusão será
verdadeira. Mas não é objetivo do raciocínio dedutivo, nem da lógica em geral, esta­
belecer a verdade das premissas. Quando se utiliza uma regra geral como premissa
maior (p. ex.: Todo homem c m ortal) e esta se relaciona com o caso em consideração,
isto é, o fato particular enunciado na premissa menor (no caso, Sócrates é homem),
a conclusão será invariável e necessária.52 Na dedução, há um automatismo lógi­
co, em que a passagem das premissas à conclusão se funda em uma "inderrogável
necessidade lógica”.53 A conclusão será necessariamente verdadeira, quando as

50. Um silogismo, explica Irving M. Copi (Introdução a lógico. Trad. de Álvaro Cabral. 2. ed.
São Paulo: Mestre Jou, 1978. p. 167) "é um argumento em que uma conclusão c inferida de
duas premissas. Um silogismo categórico c um argumento que consiste em três proposições
categóricas que contém exatamente três Lermos, cada um dos quais ocorre exatamente
em duas das proposições constituintes. Diz-se que um silogismo categórico ê uma forma
típica, quando suas premissas e conclusão são todas proposições categóricas de forma
típica e estão dispostas numa ordem específica”.
51. Esse é um silogismo positivo, em que há uma premissa maior afirmativa universal, uma
premissa menor afirmativa particular e uma conclusão afirmativa particular. Mas. como
aponta Sammarco (Método probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p 10. nota 2), o
silogismo probatório também pode ser negativo, constituído por causa de uma premissa
maior negativa universal, uma premissa menor afirmativa particular, e uma conclusão
negativa particular: "nenhum assassino é são; Jekyll é assassino: Jekyll não é são". É
possível, também, que as proposições sejam particular afirmativa (p. ex.: alguns políticos
são mentirosos) ou particular negativa (p. ex.: alguns políticos não são mentirosos).
52. Nesse sentido: AT1ENZA, Razonamiento jurídico..., cit., p. 210: SAMMARCO. Método
probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p. 13.
53. SAMMARCO, Método probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p 12. Como explica
Copi (Introdução á lógica..., cit., p. 135) "um raciocínio dedutivo é válido quando suas
premissas, se verdadeiras, fornecem provas convincentes para sua conclusão, isto é,
quando as premissas e a conclusão estão de tal modo relacionadas que é absolutamente
impossível as premissas serem verdadeiras se a conclusão tampouco for verdadeira”. De
modo semelhante, para Ávila (Teoria da prova..., cit., p. 116), “o argumento dedutivo
é “inderrolável”, sendo construído para “atingir segurança ihferenrial absoluta".
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 97

premissas também forem verdadeiras,54 porque a conclusão, a rigor, nada diz que
já não tenha sido enunciado nas premissas,55sendo impossível construir qualquer
raciocínio ampliativo.56 A dedução, portanto, é a forma de raciocínio adequada
quando é conhecida a regra geral e é conhecido caso particular que com ela se rela­
ciona, e se busca encontrar o resultado.'57Justamente por isso, o método dedutivo
é particularmente apropriado em disciplinas matemáticas, em que de postulados
ou definições, com natureza de afirmações gerais, se obtém conclusões particula­
res, sem criar nada de novo.5859O exemplo mais familiar é a Geometria Euclidiana
plana, em que os teoremas são demonstrados com base em axiomas e postulados.
A dedução somente permite que se obtenha a transferência da verdade parti­
cular de um enunciado para outro enunciado, sendo incapaz de estabelecer uma
verdade sintética quando não seja dada uma verdade desse tipo na sua premissa
geral.54 A verdade das premissas, por sua vez, será determinada a partir o domínio
dos conhecimentos disponíveis de quem formula as premissas.60Assim, se num caso
particular não for possível assegurar que as premissas são verdadeiras, nenhuma
garantia se terá quanto à verdade da conclusão. A dedução também é adequada para
se expor, de um modo claro, a justificativa de uma decisão, ou para demonstrar
porque se aplicam certas propriedades gerais a casos particulares.61
Do ponto de vista da possibilidade de se chegará descoberta de conhecimentos
novos, o que é fundamental no raciocínio judicial, o método dedutivo não acrescenta

54. Nesse sentido: COPI. Introdução à lógica..., cit., p. 139; CARNAP, Rudolph. An introduc­
tion to the philosophy o j Science. Ed. Por Martin Gardener. New York: Dover Ed., 1996.
p. 20; GONZÁLEZ LAG1ER, Heelios y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 46;
COMANDUCC1. Paolo. Razoncimientojurídico. Elementos para un modelo. Trad. Pablo
Larranaga, México DC: Fontamara, 1999. p. 64.
55. SALMON, Lógico..., cit., p. 8.
56. P1ZZ1, Diritto, abduzione e prove..., cit.,p. 55.
57. Nesse sentido: GONZÁLEZ LAGIER, Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti...,
cit., p. 46; FASSONE, Elvio. Dalla “certezza” all’“ipotesi preferi bile": un metodo per la
valutazione. Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penalc. Milano: Giuffrè, 1995. p. 1113.
58. Nesse sentido: FERRUA, II libero convincimento del giudicc penalc..., cit., p. 69; GAMB1-
RASIO. Giorgio. Ensaios sobre a causalidade. São Paulo: Plêiade, 2009. p. 40-41.
59. REICHENBACH, Hans. La nascita della filosofia scientifica. Trad. Dominico Parisi e Al­
berto Pasquinelli. Bologna: II Molino, 1961. p. 48-49. No mesmo sentido: 1ACOVIELLO.
I criteria di valutazione della prova..., cit., p. 391.
60. RAMIREZ, Juan Bonorino. Nidcducción ni inducción: abducción! In: AMADO, Juan Antonio
Garcia; BONORINO, Pablo Raul (Coords.) Pruebay razonamiento probatorio en el Derecho.
Debates sobre abducción. Granada: Cornares, 2014. p. 172. Que acrescenta: “o mesmo ocorre
com os argumentos indutivos. Quando se dão certas condições, possuem mais ou menos
força indutiva. Porem, para que isso possa ser afirmado em um caso concreto deve ocorrer
observância dessas condições, isto é, as premissas devem ser verdadeiras”.
61. GONZÁLEZ LAGIER. Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit.. p. 46.
98 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

nenhum dado queja não estivesse disponível nas premissas do silogismo, ao menos
implicitamente. No clássico exemplo acima utilizado, a conclusão de que Sócrates
era mortal já estava embutida nas premissas, tendo o argumento dedutivo apenas
explicitado a conclusão que já se sabia, não trazendo nada novo.62 Esse vazio de
conhecimento impede que o método dedutivo se preste a previsões sobre o futuro,
o que exige o emprego da lógica indutiva. O mesmo se diga com relação à valoração
da prova, em relação a qual não há se busca resultados de caso particulares, para os
quais não há uma regra de cobertura de caráter geral e universalmente válida, sendo
utilizadas generalizações baseadas em indução experimental de casos conhecidos.63
Num modelo de epistemología judiciária, não é correto caracterizar o raciocínio
probatório como sendo uma dedução.64 Não há uma premissa universal e verdadeira
à qual se aplica outra premissa concreta e particular, mas igualmente verdadeira, que
permi ta se obter uma conclusão também verdadeira. De um modo geral, as premissas
gerais utilizadas no raciocínio probatório não são leis universais, mas meramente
probabilísticas, o que já é suficiente para tornar inadequado o método dedutivo
como modelo de raciocínio probatório.65 O mesmo vale para as leis científicas, que
não estabelecem verdades gerais, mas somente probabilidades. Superada a visão
de mundo em que os fenômenos da natureza se reproduzem com base em uma
uniformidade absoluta, não é possível obter, em relação aos acontecimentos do dia
a dia, leis gerais que expressem verdades incontestáveis, e que possam servir como
premissas para um raciocínio dedutivo, gerando conclusões probatórias verdadeiras.
O grande fascínio que a dedução exerceu no mundo jurídico estava ligado ao
aspecto argumentativo por meio do qual se costuma expor, na fundamentação da
sentença, o processo de subsunçâo dos fatos à norma.66 Nesse contexto, a forma
de silogismo dedutivo era empregada com estilo de fundamentação: a premissa
maior era representada pela regra jurídica, a premissa menor, pelos fatos conside­
rados provados, e a conclusão a subsunçâo dos fatos à norma, com a disposição da
consequência jurídica nela prevista.67

62. Nesse sentido: SALMON. Lógica.... p. 8; GAMB1RASIO, Ensaios sobre a causalidade...,


cil., p. 40.
63. IACOVIELLO, I crilcrí di valutazione delia prova..., cit., p. 392.
64. Nesse sentido: TARUFFO. Funzione delia Prova: la funzione dimostrativa..., p. 3 0 9 ­
310: GASCÓN ABELLÁN. ¿Lógica del descubrimiento para la prueba?..., cit., p. 150:
ANDRÉS 1BÁÑEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 78.
65. GASCÓN ABELLÁN. ¿Lógico del descubrimiento para la prueba?..., cit., p. 150.
66. Por exemplo, para Cesare Beccaria (Dos delitos e das penas. Trad. José de Faria Costa.
4. ed. Lisboa: Fundação Calouse Gulbenlian, 2014. p. 68. § IV) "para qualquer delito deve
o juiz construir um silogismo perfeito: a premissa maior deve ser a lei geral; a menor, a
ação conforme ou não ã lei; a conclusão, a liberdade ou a pena '.
67. Para uma crítica do método silogístico de fundamentação da sentença, cf., infra, cap. 3,
item 3.7.
VERDADE. TROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 99

Outro método possível se ser considerado corno modelo adequado ao racio­


cínio probatório é a indução. É comum a afirmação de que, no raciocínio indutivo,
a partir de premissas sobre o caso particular se obtétn uma conclusão de caráter
geral. Embora isso seja uma característica da indução, seu aspecto mais relevante
é que o raciocínio indutivo acrescentará um conhecimento novo.1,8 A indução
generalizadora é adequada para as situações em que conhecemos uma série de
casos bem como uma série de resultados, e queremos extrair uma regra que cor­
relacione uns como os outros.686970Na indução, obtém-se uma premissa de caráter
geral, a partir do exame de uma série limitada de casos particulares, de modo que
a conclusão sempre vai além das premissas. Isto é, a conclusão indutiva contém
informação não presente, mesmo implicitamente, nas premissas,'0 havendo um
“salto” das premissas para a conclusão.71723A conclusão que resulta da indução será
mais abrangente que a premissa. Isso porque, na indução, se extrai uma regra, ou
uma lei geral, após repetida observação dos fenômenos, isto é, o caso concreto.
Por exemplo:
X, Y e Z s à o cisnes.
X, Y c Z s ã o brancos.

Todo cisne é branco.


Justam ente por isso, a indução é método das ciências experimentais, em
que se busca resolver um problema a partir de casos particulares, obtendo como
conclusão uma lei geral. O sucesso do método indutivo depende da confirmação
experimental, que fornecerá resultados comprobatorios da lei proposta. Todavia,
mesmo diante de tais confirmações, o método indutivo não garante que a conclu­
são seja verdadeira, mas apenas provável, em maior ou menor grau.'5Ainda que o

68. Ferrua (11 libero convincimenio dei giudice penale..., ciL, p. 6 9) se refere a um “enri­
quecimento do conhecimento”. Para Salmón ( Lógica.... cil., p. 8) o argumento indutivo
“destina-se a ampliar o alcance de nossos conhecimentos”.
69. GONZÁLEZ LAG1ER, Hechos y argumentos: ... In: Qitaestio Jacti..., cil., p. 46.
70. SALMON, Lógica..., cit., p. 8.
71. GONZÁLEZ LAG1ER, Hechos y argumentos: ... In: QiuteslioJacti..., cit., p. 46.
72. FASSONE, Dalla “certezza” all’“ipotesi preferibile”. . . , cit., p. 1 113.
73. Nesse sentido: HEMPEL, Filosofia da ciência natural..., cit., p. 22; CARNAP, An introduc-
tioti lo lhe philosophy ojScience.... cit., p. 20; GONZÁLEZ LAG1ER. Hechos y argumentos:
... In: Quaestio facti.... cit., p. 47. Essa é mais uma diferença do raciocínio dedutivo do
indutivo, enquanto a correção dedutiva, normalmente referida como validade, é uma
questão de "tudo ou nada”, inexistindo uma graduação de validade dedutiva, em con­
trapartida, “os argumentos indutivos corretos admitem graus de força, dependendo do
montante de sustentação que as premissas forneçam à conclusão” (SALMON, Lógica...,
100 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PRO VA PENAL

experimento produza diversos resultados favoráveis, não importa quantos sejam


os experimentos realizados, não haverá certeza de que se trata de um resultado
v e rd a d e iro .Trata-se, pois, de um argumento derrotável.73 Esse é o preço que se
paga pela obtenção da ampliação do conhecim ento.76 Inexiste uma quantidade
específica de resultados positivos dos experimentos, por maior que seja, que possa
ser considerada como prova conclusiva para a hipótese inferida, no sentido de ela
também ser verdadeira.
Isso não significa, contudo, que o raciocínio indutivo seja inadequado ou
insuficiente para uma atividade epistêmica. Há induções que nos permite chegar a
conclusões muito fiáveis e sólidas, enquanto há deduções cujas conclusões carecem
de força, pois se baseiam a em premissas falsas ou implausíveis.77 Além disso, é
exatamente porque se expressa em termos de “verdade provável” que a conclusão
fática do juiz, do mesmo modo que as hipóteses científicas e historiográficas, possui
um status de verdade controlável e refutável.78
Cabe retomar o exemplo dos cisnes brancos. Se lodos os cisnes observados
por um longo período, em lugares distintos, eram brancos, isso permitia inferir
que todos os cisnes do mundo - o que equivale a provavelmente - eram brancos.
Do ponto de vista prático, seria razoável acreditar que o próximo cisne que fosse
visto seria branco, embora não se pudesse excluir - pois essa é uma limitação do
raciocínio indutivo - que existisse um cisne de outra cor. Realmente, por muitos
séculos, todos os cisnes vistos por europeus eram brancos. Assim, a conclusão
da inferência de que provavelmente todos os cisnes que fossem vistos no futuro
seriam brancos era bem fundada do ponto de vista racional. Todavia, no ano de
1697, pouco mais de duas décadas depois da descoberta do continente australiano,
os europeus tiveram contato com um cisne negro. Bastou um único cisne negro na
Austrália para colocar por terraa conclusão probabilística obtida mediante indução

cit., p. 8). Ou seja, diferente dos raciocínios dedutivos, que são válidos ou inválidos, os
raciocínios indutivos, como explica Copi (Introdução à lógica..., cit., p. 35) podem “ser
avaliados como melhores ou piores, segundo o grau de verossimilhança, ou probabili­
dade que as premissas confiram às respectivas conclusões".
74. Nesse sentido: HEMPEL, Filosofia cia ciência natural..., cit., p. 22; CARNAP, An intro­
duction to lhe philosophy of Science..., cit., p. 2L.
75. ÁVILA, Teoria da prova..., cit., p. 117. Justamente por isso, nunca se poderá ter, do ponto
de vista racional, por mais amplo que seja o conjunto probatório e por mais forte que
seja o critério inferencial não é possível certeza absoluta, a partir de uma inferência
indutiva.
76. FERRUA, II libero convincimento dei giudice pcnale.... cit., p. 69.
77. ATIENZA. Razionamiento jurídico..., cit., p. 210.
78. COMANDUCCI, Razonamiento jurídico..., cit.. p. 111.
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 101

de que todos os cisnes eram brancos: existia cisne negro! uA conclusão foi refutada
porum só contraexcmplo (o cisne negro),80 em razão do argumento modus tollcns.
Por maior que seja o número de resultados positivos que confirmem a regra
geral inferida na indução, logicamente, ela sempre poderá não ser verdadeira.
Tudo o que a indução pode dar é probabilidades. Isso não significa, porém, que
obter certo número de verificações de um resultado favorável seja indiferente ou
mesmo equivalente a não ter feito qualquer verificação. Como a cada experimento
realizado o resultado da verificação poderia ter sido desfavorável - o que levaria
inexoravelmente à rejeição da hipótese - um conjunto de resultados favoráveis
mostra que a hipótese foi confirmada, no que diz respeito àqueles números de
experimentos particulares. Portanto, ainda que um conjunto de resultados favo­
ráveis não produza uma prova completa que confirme a hipótese, pelo menos lhe
dá algum suporte, alguma corroboração ou confirmação.81 Uma teoria sujeita a
um maior número de resultados favoráveis terá sido mais testada e, portanto, terá
um grau de suporte maior que uma com poucos experimentos de confirmação.

79. No campo das ciências, contudo, é preciso ter cuidado com o que se considera falsifica­
ção da hipótese ou sua refutação por resultados empíricos. Evidente que se a hipótese
é a única premissa que tenha possibilidade de ser lalsa. ela deve ser abandonada. Pode
ocorrer, por outro lado, que o erro não esteja na hipótese. Nesse caso, deverão ser alte­
radas as condições iniciais utilizadas: antes da descoberta do planeta Netuno, as órbitas
dos planetas, de Mercúrio até Urano, eram bem conhecidas. Entretanto, os cãlculos
matemáticos que aplicavam a teoria da gravitação universal e a mecânica newtoniana
não explicavam certas anomalias observadas na órbita de Urano. Os cientistas diante
de tais dados, poderiam ter rejeitado a hipótese, no caso, a teoria de Newton. Todavia,
dois cientistas, de forma independente, John Adams e jean-joseph Le Verrier postularam
que a justificativa para as mudanças da órbita de Urano poderia ser a existência de um
outro planeta. Baseado nos cálculos de Le Verrier o astrônomo alemão Johann Gottfried
Galle, no ano de 1846, apontou seu telescópio para a parte do céu indicada pelos dados
matemáticos. Com diferença de apenas um grau da posição prevista por Le Verrier, viu
um pequeno ponto brilhante e descobriu Netuno, o hipotético planeta. Sobre o tema,
cf. REICHENBACH, La nascila delia filosofia scientifica..., cit., p. 110.
80. Como observa Carnap (Alt introduetion to the philosophy of Science..., cit., p. 21), um
milhão de confirmações positivas são insuficientes para confirmar a lei indutiva; uma
negativa é suficiente para falsificá-la. E complementa: a situação é profundamente as­
simétrica. É fácil refutar a lei e exLremamente difícil obter confirmações fortes.
81. HEMPEL. Filosofia da ciência natural.... cit., p. 19. No mesmo sentido, embora restrito
às leis causais por indução simples, Copi (Introdução á lógica.... cit,, p. 3 3 5 ) afirma que
“quanto maior for o número de exemplos de cònfirmatórios, maior será a probabilidade
da lei causal, desde que as outras condições sejam idênticas”.
82. Um bom exemplo é a teoria de Newton, cuja lei sobre as forças gravitacionais entre
massas foi confirmada por um grande número de observações de planetas no sistema
solar e seus satélites. Também foi confirmada por um sem número de experimentos
sobre a ação da gravidade na queda livre de objetos. Há, também, estudos sobre as marés
102 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Transportando essas ideias do raciocínio lógico para o campo probatorio, o


problema do juiz não é estabelecer uma relação coerente entre as premissas e ob­
ter uma conclusão necessariamente válida, como assegura o método dedutivo.83
O verdadeiro problema do juiz não está em extrair das premissas a conclusão, mas,
como destacava Calogero, em encontrar e formularas premissas.8'1Mais do que isso:
o juiz aspira a verdade, não lhe bastando a coerência lógica, que é uma condição
necessária, mas não suficiente, da verdade. A verdade do juiz depende da verdade
das premissas, e são estas que ele busca para chegar ã conclusão verdadeira.85
No campo da prova judicial, o juiz se vale basicamente de um raciocínio indu­
tivo.80 E em se tratando de indução, por mais fortes que sejam as provas da culpa­
bilidade do acusado, de um ponto de vista puramente lógico, sempre será possível
negar a validade da conclusão, que nunca será verdadeira, mas somente provável.87
Na lógica indutiva do raciocínio judicial, nenhuma prova pode dar a certeza ao ju l­
gador. O juízo fundado sobre prova é incerto. As provas somente tornarão mais ou
menos provável o juízo de culpabilidade, mas não conseguirão implicá-lo como
absolutamente certo.88

oceânicas, que lhe dão confirmação adicional. Mesmo diante desses e de tantos outros
experimentos realizados e que constituíram novos casos de comprovação, não se podia
dizer que havia provas suficientes em seu favor, para que ela fosse considerada literal­
mente correta. E efetivamente não o era. como séculos depois viria a ser demonstrado.
A teoria gravitacional de Newton foi superada pela teoria geral da relatividade de Einstein.
Nesse sentido, em relação â prova judicial: FERRER BELTRÁN, La valoración racional
de la prueba.... cit.. p. 86.
83. Nesse sentido: IACOVIELLO, Francesco Mauro. Motivazione delia sentenza pénale.
Enciclopedia del Diritto. Aggionxamenio. Milano: Giuffrè, 2000. v. 4. p. 756, que acres­
centa: se o problema do juízo probatório fosse esse, se poderia muito bem substituir o
juiz por um computador, com economia de tempo e aborrecimentos: bastaria colocar na
máquina as premissas corretas e se teria a conclusão coerente. Negando que o raciocínio
do juiz seja dedutivo: UBERTIS, Pmfili di Epistemología Giudiziaria..., cit., p. 7.
84. CALOGERO, Guido. La lógica dei giudice e il suo contrallo in Cassazíone. 2. ed. Padova:
Cedam. 1964, p. 51. No mesmo sentido: IACOVIELLO, Motivazione delia sentenza
penóle.... cit., p. 756.
85. IACOVIELLO, Motivazione delia sentenza penale..., cit., p. 756.
86. Nesse sentido: FERRAJOLI, Diritto e ragione..., cit.,p. 21; ANDRÉS IBAÑEZ. Sobre a
motivação dos fatos na sentença penal..., cit.,p. 82; Idem, “Carpintaria" da sentença penal
(em materia de fato)..., cit., p. 147; IACOVIELLO, / criteri di valutazione delia prova...,
cit., p. 398.
87. Nesse sentido: IACOVIELLO, Motivazione delia sentenza pénale..., cit., p. 755; FERRUA.
II libero convincimento dei giudice penale.... cit.. p. 69; ANDRÉS IBÁÑEZ, Sobre a motivação
dos fatos na sentença penal..., cit., p. 78; COMANDUCCl, Razonamiento Jurídico..., cit.,
p. 114.
88. Nesse sentido: FERRUA, Paolo. Método scientifico e processo penale. Diritto Penale c
Processo - Dossier - La prova scientifico nel processo penale, 2008. p. 15; PÉRSIO, Porzia
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA 103

Some-se a isso que, no campo probatório, o que se tem como premissas do


silogismo indutivo são leis probabilísticas. Serão essas regras gerais fundadas em
regularidades empíricas decorrentes de nossas experiências passadas, que nos
permitirão concluir que, se as provas são verdadeiras, é provável que a hipótese
fálica também o seja.89

2.4.2. Abdução

A abdução é um processo inferencial que permite explicar a ocorrência de


um fato desconhecido, por meio da capacidade de conjecturar.90 É a inferência
que formula uma hipótese explicativa.91 Do ponto de vista cronológico, a abdução
se desenvolve do presente para o passado, indo dos fatos conhecidos para as suas
explicações. O raciocínio abdutivo permite “inferir para trás”.'12
A abdução exorta quem raciocina a inventar a segunda premissa que levará
à conclusão do raciocínio.113É uma inferência criativa de conhecimentos novos.94
Nem a indução nema dedução, levam à invenção de qualquer premissa. Enquanto
na dedução se conclui algo que tem que ser; e na indução algo que provavelm en­
te será, “a abdução simplesmente sugere algo que pode ser”.95 Ou, dito de outro

Teresa. Brevi considerazioni sul tema delia conoscenza nel processo penale: nolizie dei
reato e contesti investigativi complessi. In: GAROFOLI, Vincenzo; INCAMPO, Antonio.
Veritô e processo penale. Milano: Giuffrè, 2012. p. 124.
89. GASCÓN ABELLÁN, ¿Lógica del descubrimiento para la prueba?..., cit., p. 151.
90. Nesse sentido: RAMÍREZ. Ni deducción ni inducción: abducción!..., cit., p. 173; GAS­
CÓN ABOLLAN,¿Lógica del d escubrimiento para la prueba?..., p. 155: GONZÁLEZ
LAG1ER, Hechos y argumentos: ... ln: Quaestiofacti..., cit., p. 49. Embora seja particu­
larmente útil, no caso de fatos “surpreendentes”, sua aplicação não se restringe a tais casos,
de mais difícil ou quase inexplicável solução. Como explica PEÑA Y GONZALO, Lorenzo.
(Razonamiento abduetivo y método axiomático en la lógica deóntica. Pruebay razonamiento
probatorio en el Derecho. Debates sobre abducción. Granada: Cornares. 2014. p. 256. nota
31) o método abdutivo de Peirce não necessita, em absoluto, que a primeira premissa
seja surpreendente, bastando que ela necessite de explicação, de aclaração ou de fun­
damentação.
91. TUZET, Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?..., cit., p. 123.
92. MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 161.
93. PEÑA Y GONZALO, Razonamiento abductívoy método axiomático en la lógica deóntica....
cit., p. 257.
94. FASSONE, Dalla “certezza” all'“ipotesi preferíbile"..., cit.. p. 1114.
95. ANDRÉS IBÁÑEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit.. E 85. Ou, ñas
próprias palavras de Peirce (citado por Pizzi, Diritto, abduzione e prove ..., p. 61): “a
dedução diz que alguma coisa deve ser; a indução prova que alguma coisa é efetivamente
operante; a abdução sugere que alguma coisa pode ser".
104 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

modo: “a dedução implica algo, a indução infere algo, a hipótese [abdução] explica
o porqué de a lg o ”.*9697
Para distinguir esses três modos de raciocinio, Pcirce se vale de um procedi­
mento silogístico básico, alternando a ordem de seus termos. Assim, na dedução,
tem-se uma regra (premissa maior), o caso (premissa menor) e o resultado (con­
clusão), para o que lança o seguinte exemplo: um pesquisador está investigando
uma saca com feijões brancos, e pega como amostra um punhado de feijões, poderá
concluir, então, dedutivamente que:
Todos os feijões desta saca são brancos Regra
O meu punhado de feijõ es é desta saca Caso

Portanto, o meu punhado é de feijõ es brancos Resultado


O que o pesquisador fez foi apenas aplicar uma regra geral a um caso com ela
relacionado, e extrair o resultado. No caso, como as premissas são verdadeiras,
o resultado, além de dedutivamente válido, leva a uma conclusão igualmente
verdadeira.
Por outro lado, é possível trocar a ordem e imaginar o silogismo com a se­
guinte forma:
O meu punhado de feijões è desta saca Caso
O meu punhado é de feijõ es brancos Resultado

Portanto, todos os feijõ es desta saca são brancos Regra


Nesse segundo caso, o que se faz é, utilizar um caso e o resultado, para se
extrair uma regra geral, o que é um típico modo de raciocínio indutivo. A indução
não garante um resultado verdadeiro, mas é muito útil na pesquisa científica porque
normalmente a natureza se apresenta uniformemente.
Uma terceira possibilidade de troca dos termos do silogismo pode ser assim
explicada: “Suponha que eu entre numa sala e lá encontre um certo número de sacas
contendo diferentes tipos de feijões. Sobre a mesa há um punhado de feijões bran­
cos; e, após procurar, descubro que uma das sacas contém apenas feijões brancos.
De imediato, infiro, com uma probabilidade, ou como uma aposta justa, que esse
punhado foi tomado daquela determinada saca. Esse tipo de inferência é chamado
d e fa z e r uma hipótese. É a inferência do caso a partir da regra e do resultado. ”"'

96. K1NOUCHI, Renato Rodrigues. Introdução. In: PEIRCE, Charles Sanders. Ilustrações da
lógica da ciência. 2. ed. Trad. Renato Rodrigues Kinouchi. Aparecida: Ideia e Leiras, 2008.
p. 24.
97. PEIRCE, Ilustrações da lógica da ciência..., cit., p. 171-172.
VERDADE. PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 105

Tem-se, então, o seguinte silogismo:


Todos os feijões desta saca são brancos Regra
O meu punhado c de feijões brancos Resultado

Portanto, o meu punhado de feijõ es é desta saca Caso

A hipótese, diz Peirce, “é quando encontramos uma circunstância muito


curiosa que poderia ser explicada pela suposição de que se ira ta de um caso de certa
regra geral e, destarte, adotamos essa suposição”.98910Reconhece o autor, contudo,
que a hipótese “é um tipo de raciocínio fraco” não sendo possível dizer que seja
verdadeira, apenas podendo “conjecturar que isso pode ser assim". ’0
De qualquer modo, é por meio da abdução que os pesquisadores atingem as
hipóteses explicativas, indo do caso para a regra.'00 Porem, uma vez alcançadas
tais hipóteses, cabe ao cientista submetê-las a teste. Mais do que defender um tipo
específico de raciocínio, Peirce propõe um encadeamento sucessivo deles: ' Pri­
meiramente, devemos partir de uma hipótese, que é sempre falível, mas que é uma
aposta racional para a resolução do problema que se apresenta. Depois, devemos
deduzir as consequências da adoção daquela hipótese, por exemplo, fazendo de­
terminadas predições. Finalmente, devemos fazer o processo de indução, tomando
‘amostras’ justas e verificando se elas corroboram ou não as predições”.101
Em si ntese, na metodologia científica de Peirce, a abdução constitui a “primeira
inferência”: “a abdução formula as hipóteses, a dedução extrai as suas consequên­
cias e a indução as valora”. 102
A abdução é aplicada cm um amplo conjunto de campos, como das descober­
tas científicas e médicas, das investigações criminais, das reconstruções históricas

98. PEIRCE. Ilustrações da lógica da ciência.... cit.. p. 173.


99. PEIRCE, Ilustrações da lógica da ciência.... cit., p. 174.
100. ANDRÉS IBÁNEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal.... cit.. p. 85.
101. K1NOUCHI. Introdução, In: PEIRCE, Ilustrações da lógica da ciência.... cit.. p. 27. E,
especificamente a última etapa, ou processo de leste, denominado indução, é descrito
por Peirce em très etapas, consistindo em: “ t) avaliar os resultados que decorreriam
(sob certas condições), caso a hipótese fosse verdadeira; 2) tentar produzir essas condi­
ções, com o auxílio de técnicas experimentais; e, por fim, 3) verificar se os resultados
esperados de fato se manifestaram. Em caso afirmativo - isto é. manifestando-se os
resultados - pode-se ganhar certa confiança na hipótese" (MOTA. Octanny Silveira
da; HEGENBERG, Leonidas. Introdução. In: PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e
filosofia. Trad. Octanny Silveira da Mota e Leonidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix,
1972. p. 33)
102. TUZET, Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿ab d u cción ?..., cit.,
p. 123.
106 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

e ate mesmo das interpretações filológicas de textos literarios, por serem, todos,
casos de “pensamento conjectural".103
Com vistas à possibilidade de utilização da abdução como raciocínio proba­
tório, é de se considerar que há mais de um tipo de abdução. Umberto Eco, por
exemplo, faz a seguinte distinção: “o primeiro parte de um ou mais fatos particulares
surpreendentes e termina com a hipótese de uma lei geral (o que parece ser o caso
de todas as descobertas científicas), ao passo que o segundo parte de um ou mais
fatos particulares surpreenden tese termina com a hipó tese de outro fato particular
que se supõe seja a causa do primeiro ou dos primeiros (o que parece ser o caso da
investigação c rim in a l).104
Por sua vez, Bonorino Ramírez refere-se a abduções heurísticas, que são reali­
zadas antes de se formular o problema, e abduções substantivas, que resultam em
possíveis respostas para os problemas.105Refere-se, também, a abduções de primeiro
nível, que são aquelas realizadas para explicar dados ou observações, e abduções
de segundo nível, que se propõem a explicaras primeiras abduções já realizadas.106
Semelhante ao raciocínio indutivo, na abdução também não há como garantir
que a hipótese explicativa inferida seja verdadeira.107 Além disso, a abdução apre­
senta, nas palavras de Fassone, uma “insanável contradição epistemológica”: de
um lado, é o único tipo de inferência que aumenta o nosso conhecimento factual,
e portanto o único esquema argumentativo indispensável para obter o enunciado
final; de outro lado, é o instrumento inferencial dotado de menor necessidade
lógica e, por isso, de maior debilidade intrínseca.108
No campo probatório, quem investiga se vale inegavelmente de um raciocínio
abdutivo, criando hipóteses que expliquem fatos concretos, a partir das provas
disponíveis. Não há grande divergência sobre sera abdução o raciocínio utilizado
pelos investigadores, como se verá a seguir.109 O investigador diante de um crime,
por exemplo, encontrando o cadáver de quem foi morto com vários tiros, e mais
alguns indícios no local do crime, lerá que formular uma hipótese tática da causa
de tal delito. Aqui, a formulação de hipótese explicativa encaixa-se perfeitamente.

103. Nesse sentido, Umberto Eco (Chifres, cascos, sapatos: três tipos de abdução. In: Os limites
da interpretação. 2. Trad. Pérola de Carvalho. São Paulo: Perspectiva, 2004. p. 201) que
acresce: “acredito que a análise dos procedimentos conjecturais da investigação criminal
possa lançar nova luz sobre os procedimentos conjecturais das ciências”.
104. ECO, Umberto. Chifres, cascos, sapatos: três tipos de abdução. Os limites da interpre­
tação.... p. 200.
105. RAMIREZ, Ni deducción ni inducción: abducción!..., cit., p. 177.
106 RAMÍREZ, Ni deducción ni inducción: abducción!..., cit., p. 177.
107. TUZET, Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?..., cit., p. 133.
108. FASSONE, Dalla “certezza” alV'ipotesi preferibile"..., cit., p. 1114.
109. Sobre o tema, cf.. infra, cap. 3. Ítem 3.3.
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 107

A grande discussão é sobre se a abdução pode representar o raciocínio proba­


tório utilizado pelo juiz, ao final do processo, no momento da sentença. Antecipan­
do a conclusão que será justificada mais adiante, a resposta é negativa, ao menos
como critério geral de raciocínio judicial. Isso porque o juiz valora as provas para
verificar se uma hipótese já definida como objeto do processo é verdadeira ou não,
obviamente, entendido tal conceito de "verdade" em termos de uma probabilidade,
realizando uma atividade indutiva.110

2.5. As leis científicas


Superando a concepção medieval, em que a verdade deveria ser encontrada na
divindade,1" a razão moderna passa a conceber o mundo como um mecanismo
em que tudo tem o seu lugar e pode ser compreendido e explicado a partir de leis
da física e da matemática.112
Essa ideia mecânica dá à ciência uma concepção determinística, que foi aco­
lhida pela física, sem exceções. Em Galileo e Newton, a explicação mecânica se
dá por meio das leis causais.113 Para as ciências e as leis da natureza, a causalidade
desempenha um papel fundamental. Por meio da causalidade procura-se estabelecer

110. Sobre o tema, cf., infra, cap. 3. item 3.5.3. Em sentido contrário. Bonorino Ramírez
(Ni deducción ni inducción: abducción!..., p. cit., L80-18L) entende que a abdução
representa não só o raciocinio dos investigadores, mas, também, o juiz: "Considero
que a abdução, tal como mostramos no exemplo de Holmes, pode servir ao juiz de duas
maneiras (a) para valorar as pretensões das partes, lendo em conta também os aspectos que
os levaram a defendê-las, com fizeram, e (b) para controlar racionalmente certas atividades
que realiza, antes e durante o trabalho de justificar suas decisões na sentencia judicial".
111. A experiencia, para o homem greco-romano e para o medieval, como explica Guido
Branbilla (Itinerari deltagiustizia. Appumi per una antropologiagiuridica. ristampa. Milano:
Guerini e Associati. 2018. p. 4 6 ), era uma relação com o destino, que era uma conexão
entre o homem, seu corpo e o cosmos. Para esse homem do medievo, por outro lado,
como aponía Romano Guardini (OJim dos lempos modernos. Trad. M. S. Lourenço. Lisboa:
Liv. Moraes Editora. 1964 p. 45 -4 6 ) "a ciencia representa exclusivamente a procura do
que na autoridade das fontes é tido como verdade. Já na segunda parte do século XIV e
especialmente no século XV ocorre uma alteração. O conhecimento dirige-se diretamentc
par a realidade das coisas. Deseja ver com os próprios olhos, demonstrar com a própria
inteligencia, atingir uma opinião criticamente fundamentada, independentemente de
padrões anteriores. (...) a ciencia separa-se da unidade da vida e da obra até aqui deter­
minada pela religião e constitui-se a si própria como dominio autónomo da cultura".
112. Obviamente, há urna clara diferença das leis do mundo da ciencia para as leis do
mundo do direito. Enquanto no direito a lei tem uma função prescriliva, os enunciados
ou leis científicas têm por função explicar os fenômenos, formulando as hipóteses e
possibilitando predições (TUZET, Filosofia delia prova giuridica..., cit., p. 50).
113. ENRIQUES, Federico. Causalità e determinismo nella filosofia e nella storia delia
scienza. Napoli: Edizioni Immanenza, 2017. p. 4 4 e 46.
108 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

a conexão entre os fatos do mundo sensível, com base em uma visão empírica ou
naturalista, que possibilita constatar a origem ou etimologia de um acontecimen­
to. Entendia-se que a natureza era regida pela lei da causalidade, cuja expressão
mais evidente eram as leis naturais. Assim quando se constatava a existência de
uma lei natural, por exemplo, no campo da física ou da química, que explicasse a
relação entre uma ação e o seu resultado, que fosse aplicável em caráter necessário
à totalidade dos casos, considerava-se que se estava diante de uma lei causai, de
natureza universal. A constatação ou “descoberta” dessa lei se dava por método
indutivo. A reiteração de experimentos que permitissem, mediante observação dos
seus resultados concretos, afirmar que de uma determinada ação, ocorria sempre e
necessariamente um resultado, gerava um conhecimento nomológico, enunciado
nos seguintes termos “sempre que A, tem-se B”.
Todavia, no início do século passado, descobertas científicas no campo da
física e da matemática colocaram por terra o ideal de um modelo de conhecimento
fundado na causalidade. Embora ainda persista um mito sobre o caráter absoluta­
mente certo do conhecimento científico, essa certeza não existe mais nas ciências
naturais. Como diz Stella, as discussões sobre o método científico do século XX
demonstraram que a ciência “é um cemitério de erros”, e se desenvolve por meio
da formulação de hipóteses cuja verdade ou falsidade é um problema destinado a
sempre restar em aberto.114
A fórmula scientia est cognitio per causas perdeu sua força. A possibilidade de
se atingir as verdades absolutas e imutáveis já havia sido contestada. Na dinâmica
clássica e na física quântica "as leis fundam entais exprimem agora possibilidades e
não mais certezas. Temos não só leis, mas também eventos que não são dedutíveis
das leis, mas atualizam as suas possibilidades”.11S
Como explica Reichenback “o ideal de um universo cujo curso segue leis rigo­
rosas, de um cosmos predeterminado que procede como um relógio foi abandonado.
Juntamente foi abandonado o ideal do cientista considerado como o depositário
da verdade absoluta. Os eventos da natureza são assimiláveis a dados que caem
ao invés de astros que rodam no céu; são controlados por leis probabilísticas, não
pela causalidade, e os cientistas se assemelham mais a jogadores que a profetas.
Eles podem dizer quais são as melhores hipóteses, mas nunca sabem de antemão
se são verdadeiras”.116
A mecânica quântica, com a teoria dualística ondulatória-corpuscular da luz,
sepultou a objetividade. Como explica Bunge, “a representação habitual da teoria
dos quanta, tal como foi proposta porBohr e Heisenberg, elimina a causalidade e o

114. STELLA, Oltre il ragionevole dubbio.... cit.. p. 105.


115. PRIGOGINE, O fim das certezas..., cit., p. 13.
116. Lu nascila delia filosofia identifica..., cit., p. 136.
VERDADE. PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 109

que se refere aos resultados da observação, no sentido de que uma mesma' situação
física pode ocorre de forma não previsível por um grande número (usualmente
infinito) de estados diferentes”.117
Também podem ser citados como outros avanços científicos que igualmente
contribuíram para o enfraquecimento do princípio da causalidade e da certeza
determinística das leis cientificas. O princípio da indeterminação, formulado por
Heisenberg, segundo o qual não é possível determinar, ao mesmo tempo e com
precisão, a posição e a velocidade de uma partícula atômica,11819demonstrou que a
previsão da trajetória de uma partícula subatômica é caracterizada por uma espe­
cífica indeterminação, sendo impossível prevê-la de modo exato.
Por fim, a própria noção de espaço e tempo são questionadas, diante da teoria
da relatividade de Einstein.1w Nossos conceitos de tempo e de espaço podem ser
aplicados somente a fenômenos que envolvem pequenas velocidades em compara­
ção com a velocidade da luz, enquanto que fenômenos que envolvem velocidades
próximas à da luz não podem ser adequadamente interpretados de acordo com o
conceito normal de espaço e tempo.120
Assim, o paradigma da certeza científica, que vigorou porséctdos, entrou em
crise, sendo assumido pela epistemología contemporânea que a ciência também
está privada da certeza.121

117. BUNGE. Mario. Causalidad: el principio de causalidad en la ciência moderna. 3. ed. Buenos
Aires: EUDEBA, 1972. p. 26. Nesse sentido, na doutrina jurídica: IACOV1ELLO, La
motivazione delia sentenza penale e ¡1 suo controllo in Cassazione .... cit., p. 34; 1ACO-
VTELLO, I crileri di valutazione delia prova..., cit., p. 395.
118. Cabe lembrar que Einstein se opôs fortemente a tal princípio. Foi a razão da famosa
frase: “Deus não joga dados com o Universo", representando, enfaticamente, sua posição
contrária a um princípio da mecânica quântica. No âmbito jurídico, para uma explica­
ção: ROCHA. Ronan. A relação de causalidade no direito penal. Belo Horizonte: DPlácido,
2016. p. 34-36.
119. Sobre os reflexos da teoria da relatividade no direito penal: MAIWALD, Manlred. Cau-
salità c diritto penale: studio sul rapporto tra scienze naturali e scienza dei diritto. Trad.
de Francesca Brunctta d'Usseaux. Milano: Giuffrè, 1999. p. 91-96.
120. HEISEMBERG. Werner. A descoberta de Planck e os problemas filosóficos da física
atômica. In: BORN, Max et al. Problemas da física moderna. Trad. Gita K. Guinsburg, 3. ed.
São Paulo: Perspectiva, 2 0 1 1. p, 14.
121. NEUBURGER. Luisella de Cataldo. Gli sviluppi delia psicologia giuridica: la valu­
tazione delia qualità dei contributo delfesperto, In: NEUBURGER. Luisella de Cataldo
(Org.), La prova scientifica nel processo penale. Padova: Cedam, 2007. p. 503. Não obs­
tante, hã na doutrina processual penal, quem ainda faça referência a leis científicas de
caráter universal, que permitiria sua aplicação em um raciocínio dedutivo: FASSONE, La
valutazione delia prova..., cit., p. 322; GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la prueba...,
cit., p. 379.
110 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

Aliás, não só no campo científico relacionado às ciências naturais, mas na


própria matemática, o ideal de um conhecimento universal e absoluto foi questio­
nado. O Teorema da Incompletude de Gódel estabelece que: “Qualquer coisa em
que você pode desenhar um círculo ao redor não pode ser explicada por si mesma
sem se referir a algo fora do círculo - algo que você tem que assumir, mas não
pode provar"! Ou seja, nenhuma afirmação em si pode provar completamente a si
mesma como verdade. Qualquer afirmação depende de um observador externo.
A Prova de Gódel começou com o “Paradoxo do mentiroso”, a partir da seguinte
afirmação: “Eu estou mentido”. Trata-se de uma asserção autocontraditória. Pois,
se a afirmação é verdadeira, quem a declara não está mentindo; mas se ela é falsa,
quem se diz mentiroso está dizendo a verdade! A partir disso, tal paradoxo foi
desenvolvido em fórmula matemática.122
Logo. não seria exagero afirmar que, a partir dos avanços da física do início do
século XX, na investigação científica, tudo passou a ser apenas meramente provável.
Especial relevância dessa mudança de paradigma ocorre no campo da prova do
nexo causal. As leis causais que eram entendidas como generalizações sem exce­
ção. formuladas com relação “se, então sempre”, passaram a ser entendidas como
leis probabilísticas, que apontam para uma regularidade em termos percentuais
em um grupo de casos - e, consequentemente, admitem exceções - podendo ser
expressa na relação: “se, então, em um certo percentual”.123De modo mais simples,
a causalidade que antes poderia ser representada pela fórmula: “se A, então B”,
passou a significar, “se A, provavelmente B”.
A causalidade deixou de ter um caráter necessário, passando a significar apenas
a possibilidade de predizer fatos futuros, explicando como a partir de um aconteci­
mento, haverá a probabilidade de se seguir outro. Evidente que isso não significou a
derrocada do conhecimento científico nem a sua inaplicabilidade ao processo. Basta
ver que o conceito de causalidade ainda é central na teoria da imputação penal. E
mesmo que empregando uma teoria probabilística da causalidade, fundada numa
representação do mundo que contemple processos físicos intrinsecamente aleató­
rios, o problema do nexo de causalidade não desaparecerá da dogmática penal. O
operador do direito pode continuar trabalhando com o conceito tradicional de cau­
salidade, pois podemos cm nossa vida cotidiana confiar em leis causais “com certeza

122. A explicação e o argumento central de Gódel pode ser consultada na obra de NA­
GEL. Ernest: NEWMAN, James R. A prova cie Gõdel. São Paulo: Perspectiva, 2012. p. 82:
"Existe ao menos uma fórmula de aritmética para a qual nenhuma sequência de fórmulas
constitui uma prova". Na doutrina processual, fazendo referência à UBERT1S, La prova
penale..., cit.. p. 5; Idem, Profili di Epistemologia Giudiziaria..., cil., p. 6; IACOV1ELLO,
I criíerí di valutazione delia prova..., cit., p. 395.
123. REICHENBACH. La nascita delia filosofia scientifica..., cit., p. 136.
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 111

praticameme absoluta”.124 Isso porque a vigência de leis apenas probabilísticas, no


campo subatômico, de um lado; e a teoria da relatividade, que torna inaplicáveis as
tradicionais noções causais em dimensões cósmicas, de outro, não impedem que os
fenômenos do dia a dia sejam compreendidos pelo homem, a partir dos conceitos
tradicionais, baseados numa concepção newtoniana do universo, com leis aptas a
explicá-lo segundo padrões que se repetem de forma praticamente imutável.1' ’ O
tema. portanto, está longe de ter perdido o interesse para o direito penal, que tem
por objeto o homem e seu agir na realidade da vida cotidiana.12”
Diante de leis científicas de caráter probabilísticos, e não de validade universal,
as atenções se voltam para o critério explicativo em virtude do qual o fato subsequente
está ligado ao fato antecedente. Esse critério deverá ser ainda hoje oferecido por leis
científicas127que, não sendo absolutasou indefectíveis, serão consideradas leis quase
“universais", isto é, que tenham um fator de regularidade próximo a 100%, sem com
isso negar seu inevitável caráter probabilístico na explicação causal do evento.1' 4

124. Nesse sentido: MA1WALD. Causalità e diritto penale..;, cit., p. 93 s.; ROXIN, Claus.
Derecho Penal - Parte General, reimp. Madrid: Civitas, 2008. t. 1. p. 346-347. Na doutrina
nacional: ROCHA, A relação cie causalidade no direito penal..., cit., p. 38.
125. STELLA, Federico. Causalità c probabilità: il giudice corpuscolariano. II giudice corpus-
colariano. La cultura delle prove. Milano: Giuffrè, 2005. p. 50. Entre os penalistas. Roxin
(Derecho Penal... . cit., t. 1. p. 346) explica que "não altera o fato de que o jurista pode
seguir trabalhando com o conceito tradicional de causalidade, pois a vigência unicamente
de leis estatísticas no campo subatômico não obsta que, para o mundo da vida cotidiana,
que é aquele do qual deve cuidar o jurista, possamos seguir confiando nas leis causais
com certeza praticamente absoluta; e por outra parte, a teoria da relatividade apenas torna
inaplicáveis as tradicionais concepções causais em um pensamento de dimensões cósmicas,
enquanto que nos limitados terrenos do Direito não pode modificar mensuravelmente
as condições às quais conduz a lei causal”. No mesmo sentido, entre nós. Fábio Roberto
DÂvila (Crime culposo e teoria da imputação objetiva. São Paulo: Saraiva. 2001. p. 36-37)
observa que "a relação causa-efeito alcança profunda fragilização quando trabalhada em
padrões atômicos ou cósmicos, mas não quando o objeto é a vida cotidiana, cujas relações
formam a esfera de atuação do Direito Penal”.
126. Aliás, mesmo no campo das ciências. Hempel (Filosofia da ciência natural..., cit., p. 56)
explica que “para desalojar uma teoria bem estabelecida exigem-se razões ponderáveis:
exige-se sobretudo que os resultados experimentais adversos possam ser repetidos. E
mesmo quando ‘efeitos’ experimentalmente reproduzíveis entram em conflito com uma
teoria robusta e fecunda, esta poderá continuar a ser usada nos contextos em que não
crie dificuldades".
127. Nesse sentido: STELLA. Federico. Leggi scientifiche e spiegazione causale nel diritto
penale. Milano: Giuffrè. 1975. p. 88: BARTOLE, Roberto. II Problema delia causalitã
penale: dai modelli unitari al modello differenziato. Torino: Giappichelli, 2010. p. 13.
128. Para Hempel (Filosofia da ciência natural.... cit., p. 79) é possível a explicação científica
com base em leis probabilísticas. Isto c. em que o explanans seja uma lei probabilíslica:
“Enquanto uma explicação dedutiva mostra que pela informação contida no explanans o
112 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Além disso, a mudança de enfoque não será somente quantitativa, mas, também,
qualitativa. Como explica Stella, "quando se enfrenta o problema do fundamento do
juízo contrafactual realizado pelo juiz. a contraposição entre explicações causais
(dedutivas) e explicações estatísticas deve ser abandonada”.129 E prossegue Stella:
o juiz penal, por meio de um juízo contrafactual “deve estabelecer se a conduta é
uma condição contingentemente necessária; o resultado ao qual chegará não será
mais dedutivamente certo, posto que a incompletude das premissas explicativas
(a incompletude das leis e das condições empíricas enunciadas) e o uso de leis es­
tatísticas na explicação caracterizarão sua explicação sempre como probabilística,
ou seja, racionalmente crível”.130
De qualquer modo, as leis científicas, quando corretamente elaboradas, são
submetidas a processos de verificação, tanto prévios ao processo, por parte da
comunidade científica, quanto no curso do processo, por meio de peritos e assis­
tentes técnicos.
Uma lei científica, para ser aceita como tal, deve ser submetida à verificação
mediante testes repetidos e sucessivos, passando, assim, por um método de falsea-
bilidade. Mesmo depois de justificada a sua descoberta, a lei científica é objeto de
discussão e, não raro, de contestação na comunidade científica.
Não é tudo. As leis científicas ingressam, muitas vezes, no processo, por meio
de provas técnicas, o que permite uma maior segurança do julgador para avaliar o
grau de validade e de solidez da lei científica empregada.131 Mesmo nos sistemas
em que não há perito oficial, e os conhecimentos científicos são levados ao pro­
cesso pelos peritos das partes, a dialética processual será suficientemente forte,
permitindo que a posição de um perito seja verificada e sujeita a confronto com
apoio no conhecimento do perito da outra parte.

exptanandum deve ser esperado com ‘certeza dedutiva', uma explicação indutiva mostra
apenas que pela informação contida no explanans o explanandum deve ser esperado com
alia probabilidade, e talvez com certeza prática’; dessa maneira, é que o último argumento
satisfaz ao requisito da relevância explanatoria". Admitindo a possibilidade da explicação
causal com base em leis probabilísticas com probabilidade próxima de I: STELLA. Federico.
Leggiscientifíchce spiegazionecaúsale nelclirittopénale..., cit., p. 311 e ss.; STELLA, Fede­
rico. Giustizia e modernità. 3. ed. Milano: Giulfrè, 2003. p. 346. Posteriormente, contudo.
Stella (Causalitã e pmbabilità: il giudice corpuscolariano..., cit., p. 5) muda de posição e
passa a afirmar que no âmbito legal, bem como no da física clássica, não há lugar para
resultados probabilísimos. Uma ampla explicação da discussão teórica sobre o emprego
de leis estatísticas para explicação causal: STELLA. Causalitã c pmbabilità: ¡I giudice cor­
puscolariano..., cit.. p. 1-43: BARTOLE, Il problema delia causalitã pénale..., cit., p. 12.
129. STELLA, Federico. La nozione penalmente rilevante di causa: la condizione neces­
sária. Rtvista italiana di diritto e procedura pcnale, 1988, p. 1243.
130. STELLA. La nozione penalmente rilevante di causa..., cit., p. 1243.
131. MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 164.
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA 113

Em suma, do ponto de vista da necessidade de uma lei geral de cobertura para


justificar um raciocínio inferencial, as leis científicas que se fundam numa elevada
probabilidade podem ser utilizadas como fundamento do raciocínio judicial. Além
disso, comparativamente, são mais seguras que simples máximas de experiências
que nem sempre furam suficientemente testadas para integrar o conhecimento
comum e, em outros casos, de modo mais grave, não passam de generalizações
espúrias, que não passam de juízos preconceituosos.
O problema é que, dificilmente, haverá uma lei cientifica de caráter universal,
apta a explicar com uma conclusão absolutamente necessária, a proposição linal
que integra o juízo de fato no silogismo interno da sentença. Normalmente, as leis
cientificas apenas servem para justificar premissas intermediárias, ou que servirão
de premissas de outras premissas, na formação do juiz de fato.132 Portanto, mesmo
no caso em que se admita ou caráter necessário de uma lei científica, considerada
dotada de plena validade e ainda não falsificada por conhecimentos científicos
posteriores, com o enunciado Tático linal a ser provado em um processo penal c um
acontecimento singular, atribuído a um determinado indivíduo, inexistirá uma lei
científica específica a funcionar de regra de cobertura que poderá funcionar como
regra-ponte entre o dado probatório e o enunciado fálico principal.

2.6. As noções do senso comum e as máximas de experiência

No juízo probatório, além das leis científicas, é comum e inafastável o empre­


go de noções do senso comum que muitas vezes são referidas como máximas de
experiência. Uma ou outra funcionariam como premissas gerais de um silogismo.
Recorre-se às noções do “senso comum” ou de “máxima de experiência” como regra
geral, que se liga a outra premissa de caráter particular, chegando a uma conclusão
igualmente particular.
O tema das máximas de experiência tem como ponto de referência o traba­
lho de Stein, de 1893, que as concebeu como “definições ou juízos hipotéticos de
conteúdo geral desligados dos fatos concretos que são julgados no processo, pro­
cedentes da experiência, mas independentemente dos casos particulares de cuja
observação foram induzidos e que, por cima desses casos, pretendem ter validade
para outros novos”.133

132. FASSONE, La valutazione delia prova..., cit., p. 323.


133. STEIN, Friedrich. El conoçimiento privado dei jucz. Trad. A. de La Oliva, Bogolá:
Temis. 1988. p. 27. Há várias definições sobre máximas de experiência. Para Giuseppe
Chiovenda (Principii di dirilto processuale civile. Napoli: Jovene, 1965. p. 1027), máximas
de experiência são “juízos gerais, e não próprios de relação jurídica individual, fundados
sobre a observação do que normalmcnte acontece e que como tal podem formar-se cm
abstrato por cada pessoa sã da mente c de cultura média”. Para Calogero (La lógica dei
giudice e il suo conlivllo in Cassazione..., cit., p. 101) as máximas de experiência são
114 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PEN AL

Todavia, o conceito de máximas de experiência, tal qual formulado em finais


do século XIX, é de difíci 1aplicação e pouca uii liclade prática atualmente. Por outro
lado. tentativas de sua correção acabariam desnaturando completamente a ideia, que
na sua época era uma forma de definir,: wjuntamente com os "falos notorios", quais
conhecimentos privados do juiz poderiam ser utilizados no raciocinio probatorio.
Se a noção de máxima de experiencia, como racionalização do senso comum,
poderia ter sentido no final de século XIX, o mesmo não se pode dizer nos dias
atuais. Como destaca Taruffo, noções como experiência coletiva de uma comu­
nidade nacional são de pouca utilidade em tempos de multiculturalismo, como
consequência cultural de muitos fatores que se intercambian!, como a presença de
diversas etnias num mesmo ambiente social e político, a estratificação econômica
e fragmentação social, em que mais se tem desarticulação e sociedades não homo­
gêneas no plano cultural.135 Nesse contexto, invocar o “senso comum" parece ser
algo completamente vazio ou, o que seria pior, um argumento retórico para servir
de cobertura para escolhas subjetivas do juiz.136
As máximas de experiência extratveis do senso comum não são leis lógicas, de
validade universal, nem leis científicas, determinísticas ou não determinísticas.137
São generalizações plausíveis, fundadas na observação do id quod plcrumquc accidit.
Geram apenas um conhecimento probabilístico, é um ponto fraco de tais gene­
ralizações: o que habitualmente ocorre em situações ou hipóteses de um mesmo
gênero, não é algo que necessária e indefectivelmente ocorre em tal situação.138

“todas aquelas noções gerais, adquiridas através da experiência das coisas, das mais
elementares às mais científicas, mediante as quais é possível considerar um dado fato,
que aconteceu, ou que foi percebido ou de cuja certeza se está, no entanto, convencido,
como argumento ou como indício da realidade de um outro fato”.
134. TARUFFO, Michele. Senso comune. esperienza e scienza nel ragionamento dei giudice.
Sai confini, Scriiti sulla giusüzia civile. Bologna: 11 Mulino, 2002. p. 136.
135. TARUFFO, Senso comune, esperienza e scienza nel ragionamento dei giudice ..., cit.,
p. 136.
136. TARUFFO, Senso comune, esperienza e scienza nel ragionamento dei giudice ..., cit.,
p. 137.
137. Em sentido contrário, para Mannarino (Lr massime d’esperienzei nel giudizio penale
e ií loro contwllo in Cassazione..., cit.. p. 7 3) o conceito de máxima de experiência
deve compreender conjuntamente leis científicas e regras da experiência comum. Esse
sentido mais amplo também é empregado por González Lagier (Hechos y argumentos:
... In: Quaestiofacti..., cit., p. 43; Idem, Hechos y conceptos: ... ln: Quacstío facti..., cit.,
p. 76, nota 4) para quem as máximas de experiência podem ser: (i) de caráter científico
ou especializado, como as aportadas por peritos; (ii) de caráter jurídico, como as deri­
vadas do exercício profissional do juiz: ou (iii) de caráter privados, isto é, experiências
correntes do juiz obtidas a margem do seu exercício profissional.
138. O conceito de máxima de experiência foi construído, segundo Taruffo (Senso comune,
esperienza e scienza nel ragionamento dei giudice..., cit., p. 141), a partir da concepção
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA 115

Somente isso, contudo, não é suficiente para negar o emprego das máximas
de experiência do raciocínio probatório, mesmo porque, como já visto, muitas
leis científicas também se baseiam em uma inferência indutiva e, portanto, são
conclusões que geram um conhecimento provável, ainda que em determinados
casos, com probabilidade elevada, muito próximo da certeza. A diferença marcante
está em que as leis cientificas, são sujeitas a mecanismos de verificação a priori de
sua validade, além poderem ser submetidas ao contraditório de parles no curso
do processo. Por sua vez, as máximas de experiência não passam por esse efetivo
controle, justamente por serem conhecimentos obtidos a partir do conhecimento
ou cultura média da sociedade, em relação às quais não se exige prova nem testes
de verificação.139
Ainda assim, a vai idade do emprego da máxima de experiência é questionada.
Por exemplo, Slella não admite o seu emprego, fazendo referência à “pretensa ra­
cionalidade do senso comum, das máximas de experiência".HDTodavia, não parece
possível deixar de utilizar noções do senso comum no raciocínio probatório.1"
Embora seja muito mais seguro o emprego de regras lógicas de validade geral,
como os cânones da matemática, bem como a utilização de regras científicas que
forneçam um grau de probabilidade muito próximo da certeza, o conteúdo dos
fatos que precisam ser julgados no processo penal não é inteiramente coberto por
leis lógicas ou científicas.142 Mannarino chega mesmo a dizer que o questionamento
sobre a utilização das máximas de experiência pelo juiz é um falso problema, pois
não há como o juiz deixar de usá-las.143

tradicional no século XIX, da indução como instrumento para construir leis gerais par­
tindo de uma série de dados particulares. Todavia, como já visto supra, no 2.5, a ideia
da possibilidade de se atingir as verdades absolutas e imutáveis pela ciência, fundada na
causalidade, foi afastada, no inicio do século XX.
139. MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais.... cii., p. 165.
140. Ollre ¡I ragionevole dubbio..., cit., p. 106. Também cm tom crítico, Comanducci (Razo­
namiento jurídico . . ., cit., p. 114) afirma que "mediante o uso das máximas de experiência,
fundando-se no id quod plerumque accidit, o juiz pode passar na motivação-atividade
de alguns latos assumidos como conhecidos ã formulação de uma hipótese explicativa
do caso concreto. Tal hipótese resulta justificada por uma hipótese indutiva ou. ainda
pior, mediante o recurso a vagas e pouco confiáveis máximas de experiência”.
141. Mais enfático, Mannarino (Le massime d’esperienza nel giudizio pénale e il loro con­
trallo iit Cassazione. . . , cit,, p. 8 7 ) afirma que, no âmbito do processo penal italiano,
posições que negam aplicação às máximas de experiência, violam o art. 192. çomma 1,
que estabelece: "O juiz valora a prova, dando conta dos resultados obtidos e os critérios
adotado”.
142. FERRUA. II libero convincimento dei giudice penale..., p. 71.
143. Le massime d’esperienza nel giudizio penale e il loro contrallo in C assazione..., cit.,
p. 73.
1 16 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Admitida a utilização do senso comum, quer em sua forma racionalizada de


máxima de experiência, quer como próprio conhecimento comum da experiência,
essa proposição de caráter geral atuará como premissa-maior de uma ilação que
o juiz formula, a qual pode ser portadora da certeza lógica da dedução silogística,
precisamente fundada cm uma premissa (ática de natureza geral.H4 Essa “certeza
lóg ica', é de se esclarecer, refere-se à validade do raciocínio dedutivo que o em­
prego da máxima de experiência permite. Todavia, como não é possível assegurar
a veracidade da própria máxima de experiência, porque sua construção se dá por
método indutivo, não se pode concluir a natureza “verdadeira” ou absolutamente
certa de um raciocínio fundado em uma máxima de experiência.14145 Se a premissa,
ainda que de caráter geral, é somente provável, a sua conclusão, igualmente, será
apenas provável.146
Há quem afirme que poderia haver máximas de experiência de validade abso­
luta.1” Não é correto tal ponto de vista. Nem mesmo as leis científicas gozam desse
status cognitivo. Toda teoria científica tende a ser substituída por outra, mais correta
e que explique melhor os problemas a serem resolvidos. Há até mesmo casos de
verdadeira mudança de paradigma científico,148contra teorias tidas como verdades
inabaláveis. O que acontece, com alguma frequência, é a ampliação do conhecimento

144. TARUFFO, Senso comune, esperienza e scienza nel ragionamento dei giudice..., cit.,
p. 141.
145. O próprio Taruffo explica, em outro estudo, (Funzionc delia Prova..., cit., p. 3 1 2 ),
que “a ideia de que o senso comum produza máximas ou regras gerais idôneas a fundar
deduções doladas de validade lógica e atendibilidade cognoscitiva é sem lundamento”. Os
(atos, com observa Comanducci (RazonamientoJu r íd ic o ., cit., p. 6 7) "não são suscetíveis
de tratamento lógico: a lógica clássica e também a lógica deônüca tem a ver com enuncia­
dos interpretados e não com ’Tatos'". Sobre a utilização da máxima de experiência como
premissa do silogismo no juízo de lato: CALOGERO, La lógica dei giudice e il suo contrallo
in Cassazione..., cit., p. 96; CALAMANDRE1. Piero. La genesi lógica delia sentenza civile.
In: Opere Giuridiche. Napoli: Jovene, 1965. v. 1. p. 22.
146. UBERT1S, Profili di Epistemología Giudiziaria..., cit.. p. 88.
147. Para Erich Dòhring (La prueba. Su práctica y apreciación La investigación del estado
de los hechos del proceso. Trad. Tomás Banzhaf. Buenos Aires: El Foro, 1996. p. 333) um
exemplo seria a máxima de que ninguém pode estar em dois lugares ao mesmo tempo.
É possível concordar do ponto de vista prático, com o caráter absoluto de tal máxima.
Todavia, do ponto de vista científico, não se pode deixar de considerar que ela trabalha
com uma concepção de tempo e espaço que não são mais válidas, do ponto de vista da
teoria da relatividade.
148. Usa-se a expressão no sentido dado por Thomas S. Kuhn (A estrutura das revoluções
científicas. Trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2009.
p. 125), que destaca o caráter não cumulativo do conhecimento numa mudança de para­
digma. O autor considera "revoluções científicas aqueles episódios de desenvolvimento
não cumulativo, nos quais um paradigma antigo é total ou parcialmente substituído por
um novo, incompatível com o anterior”.
VERDADE. PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 117

comum que passa a incorporar conceitos científicos. Nesse caso, não se trata de
um “senso comum” no sentido vulgar, mas de uma aquisição de conhecimento
científico pelo cidadão comum. Um conhecimento que antes só era acessível a
um pequeno número de cientistas ou acadêmicos, com conhecimento altamente
especializado numa área, com o tempo, torna-se acessível porque será mais facil­
mente explicável e demonstrável, passando a lazer parte do conhecimento comum,
isto é, do patrimônio cognitivo dos membros de uma sociedade. Hoje, as Leis de
Newton são ensinadas nas escolas, e as pessoas conhecem o princípio da inércia, o
princípio fundamental da dinâmica e a lei e o princípio da ação e reação. 4' O juiz,
portanto, deve estar atento e ter familiaridade com todo o espectro da realidade
submetido ao seu exame, inclusive aqueles mais modernos e dinâmicos, e extrair
deste conhecimento as regras indutivas que justificam as “novas' inferências.1
Ainda assim, as máximas da experiência, como uma racionalização do senso
comum, são utilizadas e muitas vezes estão implícitas ou pressupostas no raciocí­
nio judicial, sendo o seu uso indicado por expressões como: "não é crível , “não é
verossímil”, “não pode ser aceita a hipótese que”, ou expressa em sentido inverso
“é lógico que” ou “é plausível que”, “é correto dessumir” etc.141 Uma vez utilizada,
a máxima da experiência deverá ser claramente indicada na fundamentação da de­
cisão, para que seja possível o seu controle posterior. Por outro lado, o juiz somente
poderá utilizar diretamente tais noções se efetivamente forem componentes do
patrimônio cognitivo comum ao nível da cultura média da população, sendo assim
considerada como pertencentes ao conhecimento geral.132 Caso sinta necessidade
de lançar mão de qualquer conhecimento especializado, deverá fazê-lo por meio de
prova pericial, e não sob o pretexto de estar se valendo do senso comum.1491502153

149. A escolha do exemplo não foi aleatória. Não deixa de ser curioso que. mesmo ten­
do restadas superadas pela teoria da relatividade, as Leis de Newton continuem sendo
estudadas e aplicadas pelas pessoas comuns. Isso porque, trata-se de um método que
fornece resultados muito próximos da realidade, com simplicidade e facilidade de apli­
cação, embora em um âmbito limitado, que é justamente o dos fenômenos do dia a dia.
Especificamente no campo jurídico, Stella (Causalitd c probabiliiá: il giudice corpus-
colariano..., cit., p. 51) sentencia: ‘‘A teoria da relatividade não tem consequência para
o jurista”.
150. FASSONE, La valuiazione delia prova..., cit., p. 328.
151. FASSONE, La valutazione delia prova..., cit., p. 327.
152. MANNARINO. Le massime desperienza nel g iiulizio penale e il loro controllo in Cas-
sazione..., cit., p. 77.
153. Muito menos poderá se valer de conhecim entos atualm ente obtidos, facilmente,
em mecanismos de busca de informações na rede mundial de computadores. Primeiro,
porque não há nada que garanta que esse é um conhecimento comum, no sentido de
que sua compreensão seja acessível e empregada pelo homem médio. Além disso, muitas
vezes, se procura dar ares de cientificidade e aceitabilidade geral, a posições minoritárias
ou meras posições individuais de quem defende tais conhecimentos.
118 h p is t e m o l o g i a j u d i c i A r u e p r o v a p e n a l

Para o controle da noção do senso comum, Taruffo sugere a realização de


duas etapas sucessivas: a primeira, com relação à sua atendibilidade em si, uma
vez identificado um conhecimento atendível do senso comum; a segunda etapa é
verificar se o seu emprego será con eto no caso concreto,134
Para verificação da atendibilidade do conhecimento, é necessário que ele
satisfaça três condições mínimas: primeiro, deve se tratar de uma noção de senso
comum aceita sem restrições no ambiente social e cultural em que a decisão será
proferida; segunda, que tais noções do senso comum não sejam contrariadas pelo
conhecimento científico; terceira, que a noção do senso comum não entre em
contradição com outra noção do senso comum.153
Quanto à primeira condição, exige que se trate de uma noção comumente
aceita nos ambientes social e cultural nos quais a decisão será tomada. O juiz deverá
se valer, segundo Taruffo. do “background knowledges da cultura média existente no
lugar no tempo em que se encontra”, não podendo ser aceitas noções já superadas,
demonstradas como infundadas ou que não sejam conminen te aceitas.1541156Além disso,
embora não se tratando de uma noção absolutamente definida, tem a utilidade de
afastar de tal conceito ideias aceitas ou comungadas apenas por um pequeno grupo
de pessoas.
A segunda condição de atendibilidade da noção do senso comum decorre de
uma “superioridade” do conhecimento científico em relação ao conhecimento
comum ou vulgar. Isso não se deve ao preconceito, mas a uma questão de método.
Os conhecimentos científicos são objetos de testes e experimentos com vistas à
sua comprovação, o que também possibilita a falsificação da hipótese científica.
Essa mesma técnica não é empregada no conhecimento comum. Há, pois, razões
epistêmicas para preferir o conhecimento científico ao comum.
Com relação à terceira condição, considerando que o denominado senso
comum não é um conjunto sistêmico e coerente de conhecim entos, é possível
que uma determinada noção do senso comum entre em conflito com outra noção
também comumente aceita. Não havendo um critério para definir qual delas deve
ter prevalência, seria arbitrário permitir que o juiz escolhesse uma em detrimento
da outra. Logo, nenhuma delas poderá ser empregada.
Satisfeitas as três condições mínimas, a noção do senso comum pode ser con­
siderada atendível, devendo passar por um juízo de adequação de seu emprego à

154. Funzione delia prova..., c it., p. 313. O posicionamento é expressamente acolhido


por MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 166.
155. Stella (Oltre il ragionevole dubbio..., cit.. p. 108) adota uma postura mais exigente,
somente admitindo a utilização no processo penal de máximas de experiência que sejam
"expressões em forma familiar e abreviada" de um enunciado científico que tenha um
elevado grau de confirmação e tenha superado repetidas tentativas de falsificação.
156. Funzione delia prova..., cit., p. 314.
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA 119

situação concreta. Nesse caso, noções muito vagas do senso comum, dificilmente
serão úteis para a decisão, pois tenderão a ter pouca adequação ao caso específico.
O conhecimento também não poderá ser empregado a um caso no qual não tenha
relação. Para tanto, será útil conhecer o con junto de casos semelhantes que gera­
ram aquele conhecimento comum, para verificar se há ou não similitude com a
situação específica em que se pretende aplicar a regra atendível do senso comum.
Por exemplo, admitindo que seja considerada atendível a noção do senso comum de
que, num acidente automobilístico “quem bate atrás é o culpado ’, essa regra é
extraível de casos em que, pela dinâmica da colisão, o veículo que trafegava
atrás de outro, não conseguiu evitar a colisão com o que ia à sua frente, após a
frenagem deste. Esse conhecimento, contudo, é inadequado para casos em que o
veículo que se posicionava à frente, estando ambos parados, tenha dado marcha à
ré e colidido com o que estava atrás.
Normalmente, é por meio de noções do senso comum que se valoram os
indícios.157 A partir de um fato conhecido e provado, que não constitui o tema
probatório; por meio do qual se infere o fato que é o objeto do thema pwbanclum.
A ligação entre ambos os fatos se dará por regras gerais, sendo utilizadas, muitas
vezes, as máximas de experiência. Por exemplo: a testemunha T diz que viu o
suspeito A andando pelo jardim da casa em que a vítima Vfoi morta a facadas, dias
antes. No caso, com base em tal elemento concreto, e utilizando uma máxima de
natureza geral - “todo criminoso volta ao local do crime” - se chega à conclusão
de que A é o criminoso que matou V.158
Também nas chamadas provas diretas, as máximas de experiência são utiliza­
das. Por exemplo, se uma testemunha presencial T narra ao juiz ter visto o acusado
A deferindo golpes de faca na vítima V. Ainda assim, haverá necessidade de um
raciocínio inferencial a ser utilizado pelo juiz, para que se chegue à conclusão de
que está provado que o acusado A foi o autor das lesões corporais causadas com

157. No sentido de que essa conexão lógica dos indícios se dá por meio das máximas de
experiência: STEIN, El conocimiento privado del ju ez.... cit., p. 44. E isso não decorre do
falo de os indicios serem considerados provas indiretas". Todo meio probatório envolve
um raciocínio inferencial e, nesse sentido, é indireto. Nos indicios, o que se tem é um
raciocínio inferencial mais complexo ou com inferências em cadeia.
158. De forma mais completa, embora pessoalmente sem acreditar na força indiciaria do
exemplo, tem-se: Premissa P l: A testemunhei T disse que viu A andando no local do crime,
dias depois de sua ocorrência. O juiz se vale, então, da máxima de experiência, como
premissa P2: As testemunhas falam a verdade em juízo. Conclusão C l: A estava andando
no local do crime, dias depois de sua ocorrência. Esse será o fato conhecido e provado que
será a base do indício. Então, na prova indiciaria, a Premissa li (Conclusão C): A estava
andado no local do crime, dias depois de sua ocorrência. Aplica-se, então, nova máxima
de experiência Premissa 2i: Todo criminoso volta ao local do crime. A conclusão C2 será:
Há indicio que A é o autor do crime.
120 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

emprego de arma branca na vítima V. O juiz apenas teve contato direto com o
depoimento da testemunha presencial T. Isso somente lite dará a certeza de que T
afirmou, em sua presença, que A esfaqueou V. O julgador empregará, então, uma
máxima de experiencia: "as pessoas, convocadas para depor em juízo, normalmente
dizem a verdade sobre o que sabem”. Essa premissa geral se liga à premissa particu­
lar de que testemunha presencial T, em seu depoimento, disse ter visto o acusado
A deferindo golpes de faca na vítima V. Disso se seguirá a conclusão, meramente
provável, de que o Acusado A foi o autor dos golpes de faca que causaram as lesões
corporais na vítima V.159
E necessário ter muito cuidado com generalizações espúrias, que não são
comprovadas e que, muitas vezes, sequer constituem verdadeiro "senso comum”,
mas que são utilizadas pelas partes, com fundamento retórico-persuasivo para
defesa de suas posições em juízo, ou mesmo pelo julgador, para buscar cobrir um
vazio probatório relevante. No julgamento de O. J. Simpson,16016para demonstrar
que o acusado tinha sido o autor do crime, aacusação utilizou a seguinte “máxima de
experiência” para afastara hipótese que o assassino seria um estranho: “um cachorro,
que de noite sente a aproximação de um estranho, late”!lhl No caso, como os vizinhos
não ouviram o cachorro latir, quem teria entrado na casa em que o crime ocorreu seria

159. No sentido dc que o emprego da máxima de experiência, nesse caso, leva a um ra­
ciocínio dedutivo: DOMINIONI, Oreste. La valutazione delle dichiarazioni dei pentiti.
Rh'ista di Dirilto Processuale, 1986. p. 748; MAGALHÃES GOMES FILHO, .4 motivação
das decisões penais..., cit.. p. 157. Discorda-se, justamente porque fundada em uma má­
xima de experiência, que é uma generalização de caráter probabilístico, não é possível
aplicá-la a um raciocínio dedutivo. A conclusão nunca será necessária, mas somente
provável.
160. No caso The people of the State o f California vs. O. G. Simpson, de 1994, Orenthal
James Simpson foi acusado do duplo homicídio, de Nicole Brown Simpson e Ronald
Goldman, tendo o júri, ao final, declarando-o “not guilty”, por falta de provas da autoria
delitiva beyond anv reasonable doubt. Aliás, nào deixa de ser curioso que a mesma máxi­
ma de experiência tenha sido utilizada em livro de Conan Doyle, cujo suspeito linha o
mesmo patronímico: Fitzroy Simpson. No livro “O estrela dc prata e outras aventuras de
Sherlock Holmes", o famoso detetive foi chamado para desvendar o desaparecimento do
cavalo "Estrela de Prata’ , que era o favorito da Taça Wessex, e o trágico assassinato
de seu treinador John Straker. O principal suspeito era o forasteiro Fitzroy Simpson.
Depois de realizar algumas diligências, Holmes explica, com base na mesma máxima
de experiência usada em seu raciocínio abdutivo, porque não lora Simpson o autor do
furto do cavalo retirado do estábulo durante a noite. "Antes de decidir essa questão,
concentrei-me no fato de o cão não ter ladrado, porque uma conclusão verdadeira sugere
sempre outras. O incidente de Simpson indicava que o cão não saíra dos estábulos e, no
entanto, não ladrara o suficiente para acordar os moços que dormiam no sótão, embora
alguém houvesse entrado e levado um dos cavalos. Torna-se assim claro que o visitante
daquela noite era uma pessoa que o animal conhecia muito bem”.
161. STELLA. Ohre ¡1 ragionevole dubbio..., cit.. p. 107.
VERDADE. PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 121

uma pessoa conhecida. Outra máxima de experiência comumente utilizada é a de


que “o criminoso sempre volta ao local do crime”. Trata-se, em verdade, de uma ju s­
tificativa para atribuir culpaa quemé encontrado, posteriormente, na cena do crime.
Em suma, é pouco seguro confiar no senso comum ou na “cultura média da
coletividade, não só porque é muito difícil saber exatamente no que ela consiste,
mas, também, porque, muitas vezes, ela contém um repertório muito amplo e va­
riado de generalizações erradas.162163 Quando for imprescindível ao juiz se valer dc
tais conhecimentos, ele deverá justificar qual a máxima de experiência ou noção
de senso comum empregada, porque a considera atendível e adequada para ser
aplicada ao caso concreto. Com isso, será possível, posteriormente, realizar um
controle intersubjetivo do raciocínio judicial empregado e verificar a sua correção
ou equívoco.

2.7. Verdade, conhecimento e prova no processo penal


Aceitar uma teoria da verdade como correspondência, em detrimento da verdade
como coerência, significa dar prevalência ao aspecto demonstrativo da prova sobre
sua vertente persuasiva.163 Não se nega que as partes do processo judicial possam
ter uma visão persuasiva da prova mas, sua função em relação ao juiz é demonstrar
como os fatos se passaram, permitindo-lhe conhecer a verdade empírica do que
julga.164
O processo compreende uma atividade cognitiva, e é com base na prova que
se verifica a veracidade ou falsidade dos enunciados fáticos formulados pelas

162. STELLA, Oltre ¡1 ragionevole dubbio..., cit., p. 107.


163. A defesa de uma função demonstrativa da prova, em detrimento de função persuasiva,
é um pomo central do modelo epistêmico defendido por Taruffo (La simplice veritá...,
cit., p. 76). Tal posição é criticada por Flora di Donato e Francesca Scamardella (Una
aproximación epistemológica-contextual a! conocimiento de los hechos en el proceso.
El modelo de Michelle Tarufffo, entre perspectivas analíticas y aperturas interdiscipli­
narias. ln: FERRER BELTRAN, Jordi; VÁZQUEZ; Carmen (Coords.). Debatiendo con
Taruffo. Madrid: Marcial Pons, 2016. p. 3 0 0 ), no sentido de que se trata de um modelo
que parece se situar em uma dimensão essencialmente teórica e “ideal” que se vincula
ao processo como “deveria ser", em vez do processo “tal como é”. Tendo cm conside­
ração não apenas o juízo de fato, mas uma concepção mais ampla de “valoração episte­
mológica" que além dos aspectos objetivos c dos criterios lógico-inferenciais. incluiria
“dimensões e práticas subjetivas relativas às atividades dos agentes processuais (juízes,
partes, advogados, testemunhas) seu baefegrotiml jurídico cultural, as estratégias utilizadas
com o fim de obter a vitória na causa, as interações que ocorrem entre eles, o tecido
social da comunidade onde ocorreu o fato e que adquire um sentido inclusive no interior
do processo, entendido como preordenação que antecede as eleições interpretativas e
argumentativas do juiz".
164. TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 284.
122 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

partes. Como diz Perfecto Ibáñes, “o ideal a que tende o processo penal no Estado
de direito é que cada vez que se faça uma afirmação do gênero: ‘Fulano fez isso’,
seja verdade porque, de fato, tenha sido assim”.165
E preciso, contudo, esclarecer de que “verdade” se está falando. Reconhecer a
importância de se buscar a verdade, entendida em um sentido correspondentista,
não significa que o conhecimento pleno e completo dessa verdade absoluta, ou com
V maiúsculo, seja atingível.166 Por outro lado, o fato de uma verdade não poder ser
conhecida com certeza “absoluta”, não deve levar à conclusão de que o conceito de
verdade deve ser relativizado,167 ou que inexistiriam verdades absolutas no sentido
de que um enunciado fático corresponda aos fatos objetivos, isto é, empiricamente
ocorridos. A premissa epistemológica adotada nesse livro aceita um conceito de
verdade como correspondência, mas com plena consciência de que o conhecimento
total e completo dessa identidade é inatingível.168
Isso não significa, por outro lado, que a “verdade objetiva” ou “verdade abso­
luta” não teria, função alguma. Embora se sabendo inatingível, no sentido de que
nunca será possível conhecer tal verdade, ela sempre deverá ser buscada, procu­
rando-se, na maior medida possível, dela se aproximar. Como explica Popper, “uma
grande vantagem da teoria da verdade objetiva ou absoluta é que ela nos permite
dizer que buscamos a verdade, mas podemos não saber quando a encontramos; que

165. “Carpintaria” da sentença penal (em matéria de fato)..., cit., p. 129.


166. Cabe lembrar a seguinte passagem, quase um depoimento, de Popper (Conjectura
e refutação .... cit., p. 257): “sempre que escrevia ou dizia alguma coisa a respeito da
ciência entendida com aproximação da verdade, achava que devia escrever ‘Verdade’,
com ‘V maiúsculo, a fim de deixar claro que se tratava de uma noção vaga e metafí­
sica, diferente da Verdade’ de Traslti, que podemos escrever da forma ordinária sem
problemas de consciência. Foi só há muito pouco tempo que me pus a considerar se a
ideia de verdade envolvida aqui era de fato tão perigosamente vaga e metafísica. Quase
imediatamente descobri que não: que não havia qualquer dificuldade especial em aplicar
a ideia básica de Tarski. De fato, não há qualquer motivo para deixar de dizer que uma
teoria corresponde aos fatos melhor do que outra. Este simples passo inicial facilita tudo:
não há realmente qualquer barreira - como parecia à primeira vista - entre verdade no
sentido de Tarski e ‘Verdade’”.
167. HAACK, Susan. La Justicia, la verdad y la prueba: no tan simple, después de todo,
ín: FERRER BELTRAN, Jordi; VÁZQUEZ, Carmen (Coorda.). Debatiendo con Taruffo.
Madrid: Marcial Pons, 2016. p. 314. Como destaca Paolo Ferrua (Contradditorio e veritá
nel processo penale. Studi sul processo pénale - Anamorfosi del processo accusatorio. Tori­
no: Giappichelli, 1992. v. 2. p. 59) destaca que “a impossibilidade de se aferir a verdade
objetiva não deve levar ao irracionalismo ou no ceticismo totalmente relativístico”.
168. Para Ferrajoli (Diritto e ragione..., cit., p. 23) a ideia de que se possa alcançar uma
verdade objetivamente e absolutamente certa é uma “ingenuidade epistemológica”.
Também para Iacoviello (I criteri di valutazione delia prova..., cit., p. 395) uma verdade
objetiva, única e indubitável “não é atingível nos acontecimentos humanos”.
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 123

não dispomos dc um critério para reconhecê-la, mas que somos orientados assim
mesmo pela ideia da verdade como um princípio regulador”.169170
No processo e no campo probatório, a noção de verdade como um princípio
regulador também é relevante. A verdade objetiva tem a função de ser um “ideal
regulativo", para o legislador, na individualização do método de acertamento, e para
o juiz, nas valorações e nas escolhas fáticas que tal método lhe imponha a realizar.1 0
Será, assim, um critério conceituai de fundo que explica e justifica a atividade
probatória.
De qualquer modo, como se defende a premissa de que a verdade é uma condi­
ção da decisão justa, é preciso esclarecerem que sentido se afirma tratar-se de uma
verdade não absoluta ou, o que seria o reverso da moeda, “relativa”. A verdade é
“relativa”, no sentido de que é impossível se atingir um conhecim ento que cor­
responda totalmente à realidade dos acontecimentos passados. Mas ela não é sub­
jetiva, no sentido ser fruto do mero convencimento pessoal do julgador ou mesmo
de sua persuasão independentemente de dados objetivos. Ainda que não absoluta,
se trata de uma verdade “objetiva”, no sentido em que o parâmetro da correspon­
dência do conhecimento é a realidade dos fatos empiricamente constatável.
Por tal motivo, a impossibilidade de se atingir o conhecimento total da ver­
dade não retira a importância de trabalhar com um modelo dc aplicação da teo­
ria do conhecimento ao campo do processo penal.171 A consciência da falibilidade
do acertamento judiciário - posto que baseado num método indutivo - não sig­
nifica que se deva renunciar a predispor meios para reduzir ao máximo o risco de

169. POPPER, Conjectura e refutação..., cit., p. 251. De modo semelhante, para Matida
e Herdy (As inferências probatórias.... cit., p. 21 1 ) “a verdade desempenha o papel de
um ideal regulativo no direito: nem sempre possível, mas sempre desejado". Há, porém,
diferença em ambos posicionamentos, no que diz respeito à possibilidade de se atingir um
conhecimento da verdade. Nossa posição é no sentido de impossibilidade de se atingir
um conhecimento da verdade. Do ponto de vista do conhecimento, nunca será possível,
como certeza racional, dizer que se conhece a verdade.
170. Nesse sentido: FERRUA, II giuslo processo..., cit., p. 7 2 ; TARUFFO, Os poderes
instrutórios das partes e do ju iz..., cit., p. 78, nota 9 9 ; TUZET, Filosofia delia prova
giuridica..., cit., p. 76-77; ADORNO. Rossano. Lammissione delia prova in dibattimento.
Torino: G. Giappichelli, 2012. p. 18. De modo semelhante, para González Lagier (He­
chos y argum entos:... In: Quaestio facti..., cit., p. 71) se a verdade absoluta inatingível
aos juízes, como para toda pessoa em geral, isso não autoriza a abandonar os esforços
para que nosso conhecimento da realidade se aproxime o máximo possível da verdade.
De modo semelhante, para Comanducci (RazonamientoJurídico. .., cit., p. 110) o conceito
semântico de verdade como correspondência só pode servir “como limite ideal” ou como
"pedra de toque”.
171. Até porque, para decidir com justiça, com observa Paolo Tonini (La prova pénale. 4. ed.
Padova: Cedam, 2000. p. 31) “non occorre che la ricostruzione dei falto storico sia
perfeita’; è sufficiente che sia ragionevole”.
124 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

erro.1' - Não será possível ao julgador afirmar, com absoluta certeza, do ponto de vista
racional, que um enunciado fático é verdadeiro, porque corresponde à realidade
dos acontecimentos.1' 5Sendo a conclusão da inferência probatória sempre apenas
provável-no sentido probabilístico-a certeza que se obtém por meio de tal infe­
rência probatória nunca será um certeza lógica, sempre havendo, uma margem -
maior o menor - para o erro.1H Mas é possível, com base em uma probabilidade
lógica,1,5 considerar racionalmente que um enunciado fático é preferível a outro
com ele incompatível ou mesmo apenas divergente, diante da maior corroboração
do primeiro.176
Para Taruffo, é possível estabelecer “um conceito bastante claro de verdade
judicial, como grau adequado de confirmação racional das afirmações sobre a ver­
dade dos fatos”, sendo estranho a tal conceito “qualquer conotação absolutizante,
mas, também, qualquer implicação cética sobre a possibilidade de obter um grau
adequado de certeza sobre os fatos da causa”.177 O conceito pode ser aceito com a

172. FERRUA, II libero convincimento dd giudice penale..., cit., p. 69. Para Tuzet (Filosofia
delia prova giurídica..., cit., p. 78) “a posição preferível é do falibilista, que admite uma
verdade objetiva, mas reconhece também a nossa falibilidade, convidando, portanto, à
prudência e ao controle escrupuloso das nossas crenças ou hipóteses”.
173. Usa-se a expressão “certeza” no sentido de convencimento subjetivo do julgador que,
portanto, está no homem e não no fato. Como já dizia Gaetano Filangieri (La scienza
delia legislazione. Con giunta degli opuscoli scelti. Milano: Società Tipogr. de Classici
Italiani, 1822, v. 3, p. 156), ao tratar do critério da “certeza moral”, “esta, como qualquer
outra certeza, não está na proposição, mas no ânimo. Um homem, assim, pode estar
certo da verdade de um fato que é falso; ele pode duvidar de um fato que é verdadeiro;
ele pode estar certo de um fato do qual outros duvidam; ele pode duvidar daquilo que
para um outro é certo”.
174. GONZÁLEZ LAG1ER, Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 70. No
mesmo seniido: FASSONE, La valutazione delia prova..., cit.. p. 333.
175. Sobre o contexto da valoração e os diferentes modelos de raciocinio judicial, cf.,
infra, cap. 3, item 3.5.3.
176. GAROFOLI, Vincenzo. Verità Storica e Verítà Processuale: Limponibile endiadi in
un processo virtualmente accusatorio. In: GAROFOLI, Vincenzo; INCAMPO, Antonio.
Verità e processo penale. Milano: Giuffrè, 2012. p. 50. No mesmo sentido: GASCÓN
ABELLÁN, Los hechos en le derecho..., cit., p. 45; FERRER BELTRÁN, La valoración
racional de ¡aprueba.... cit., p. 92. Para lacoviello (I criteri di valutazione della prova....
cit., p. 395) cabe substituir a ideía de certeza pela de probabilidade, “numa racionalidade
argumentativa que é típica de urna lógica do provável”.
177. Note per una riforma..., cit., p. 250. Essa mesma noção é adotada, no campo das cien­
cias, por KarI Popper (A lógica da pesquisa cientifica. Trad. Leónidas Hegenbert e Octanny
Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 2007. p. 309 - Adendo 1972) quando afirma que,
mesmo diante do problema lógico e metodológico da indução, com a impossibilidade
de justificar racionalmente uma teoria como verdadeira, complementa: “essa solução
negativa é compatível com a seguinte solução positiva, comida numa regra para preferir
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 125

ressalva que a noção de verdade, numa teoria correspondentista, é absoluto e não


relativo. O que é relativo, pois gradual - e jamais será racionalmente absoluto - e o
conhecimento sobre a verdade que se obtém no processo. Mas adequada, portanto,
a definição de Daniel González Lagier, que assim define a “verdade processual':
“Um enunciado X e uma verdade processual quando, através dos meios processuais
previsto no Direito, com suas exigências e limitações, um órgão judicial chegou
ao convencimento de que é altamente provável que esse enunciado descreva um
fato realmente ocorrido”. 178
A projeção desse conceito limitado de conhecimento sobre os juízos de fato
no processo faz com que a relação entre prova e verdade não seja uma relação
conceituai ou de identidade absoluta. Adotando a classificação proposta por Ferrer
Beltrán, o enunciado “Está provado que p” pode ser compreendido de três modos:
(i) É verdade que p; (ii) O juiz estabeleceu que p; (iii) Flá elementos de prova su­
ficientes a favor de p.179
No primeiro caso, considerar que “está provado que p e” equivale a “p é ver­
dadeiro” significa adotar uma relação conceituai, estar provado e ser verdadeiro.
Essa concepção, além de partir de uma crença ingênua na possibilidade plena de
o conhecim ento humano atingir um conhecim ento verdadeiro sobre os fatos,
é desmentida pelo próprio ordenamento jurídico. Toda vez que se admite, por
exemplo, a utilização de mecanismos de rescisão do julgado penal diante de uma
prova nova.180
No segundo caso, considerar que “está provado que p" é o mesmo que “p foi
estabelecido pelo ju iz” significa que a atividade probatória se destina ao conven­
cimento psicológico do ju iz .181 Ou seja, prova é convencer o juiz de que algo é

teoria mais bem corroboradas que outras. É possível, algumas vezes, justificai; de modo
racional, a preferência que manifestamos por uma teoria, lendo em conta a corroboração
que recebeu - isto é, lendo em conta, num dado momento, o ponto a que chegaram as
discussões críticas e torno de teorias rivais, sendo essas teorias criticamente examinadas
com o propósito de constatar o quanto se aproximam da verdade”.
178. GONZÁLEZ LAGIER. Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 70. De
modo semelhante, para Comanducci (RazonamientoJurídico..., cit., p. 110) afirmar que
um enunciado fático é verdadeiro só pode ser aceito “utilizando um sentido de Verdadeiro’
que só pode querer significar o mais provável no estado de conhecimento atual’”.
179. FERRER BELTRÁN. Prueba y verdad en el derecho..., cit., p. 29-38.
180. FERRER BELTRÁN. Prueba y verdad en el derecho..., cit., p. 30-31.
181. Nesse sentido, na doutrina nacional, é o posicionamento de Salah H. Khaled Jr. e
Gabriel Antinolfi Divani (A captura psíquica do juiz e o sentido da atividade probató­
ria no processo penal contemporâneo. Revista Brasileira de Ciencias Crimináis, v. 156.
jul. 2019. p. 4 2 0 ) que defendem que a finalidade da atividade probatoria é a “captura
psíquica do juiz”. E apoma que tal perspectiva “pode contribuir para atenuar os infeliz­
mente rotineiros voluntarismo e decisionismos nas práticas judiciais, assim como pode
126 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

verdadeiro, ainda que não o seja! Claro que o convencimento subjetivo do juiz
não é algo irrelevante.182 Ao contrário, é necessário e, muitas vezes, é o objetivo
das partes, ou melhor, do defensor e do Ministério Público. Mas o convencimento
psicológico do juiz é apenas uma condição necessária, mas não suficiente, à qual
se deve engajar critérios de racionalidade e regras da lógica.183 Além de convencer
o juiz, uma concepção racionalista da prova exige mais: é necessário que aquilo
que o juiz declarou provado no processo coincida com a verdade do ocorrido.184
Assim sendo, o enunciado “está provado que p" deve ser entendido como
sinônimo de “há elementos de prova suficientes a favor de p". Isso não quer dizer
que a proposição, porque está provada, seja verdadeira. Uma hipótese fática pode
resultar provada ainda que seja falsa.185Assim sendo, afirmar que “está provado que
p” denota que esse enunciado será verdadeiro quando se dispuser de elementos de
prova suficientes a favor de p, e falso quando não se dispuser de elementos de prova
a favor de p ou quando eles forem insuficientes. 186 Todavia, isso não exclui que o

conter a proliferação de espaços de subjetividade". Ora se o que prevalecerá é a crença


do julgador sobre o que ocorreu, segundo seu convencimento de uma ou outra versão
dos fatos, o modelo, ao contrário do que proposta, só aumenta o subjetivismo e impede
qualquer mecanismo de controle iniersubjetivo do juízo de falo. O juiz, ao final, ser
capturado em um sentido pelas provas: o réu é culpado. Como bem destaca GONZALEZ
LAGIER (Hechos y argumentos: ... In: Qmestiofacti..., cit., p. 65) dizer que finalidade
da prova não é obter a verdade , mas somente o convencimento do juiz é uma posição
que "tem conotações decisionislas e pouco garanlistas, posto que a decisão do juiz não
aparece como fundada em um intente de averiguação do que realmente ocorreu”. Além
disso, há outro efeito de tal posicionamento subjetivista: o tribunal, julgado a apelação,
não controlará se o juiz foi bem ou mal capturado, ou se seu convencimento foi certo
ou errado, até porque não terá como o fazer. No máximo, valorado as mesmas provas,
poderá o julgador de segundo grau ser capturado em sentido oposto (p. ex.: da inocência
do acusado). Logo o resultado da atividade probatória não será regido por um modelo
racional e controlável, mas apenas decorrerá, na hierarquia judiciária de um determinado
processo, de ser a decisão que foi ou poderia ser capturado.
182. Diversamente, aqueles que adotam uma posição de que a função da prova não é
demonstrativa, mas persuasiva, a importância do convencimento subjetivo do juiz
é colocada em outros termos, e em níveis muito mais relevantes.
183. FERRER BELTRÁN, Prueba y verdad en ei derecho__ cit., p. 34. Com razão afirma
Gascón Abellán (Lu valoración racional de la prueba..., cit., p. 375), que o cognitivismo
se separa da concepção persuasiva da prova, sendo que esta última é compatível com
qualquer concepção irracional sobre o juízo de fato, podendo a persuasão se basear
em qualquer coisa que tenha influenciado o estado psicológico do julgador, e não ne­
cessariamente nas provas produzidas.
184. FERRER BELTRÁN, Jordi. La prueba es libertad, pero no tanto: una teoria de la
prueba cuasibenthamiana. In: VÁZQUEZ, Carmen (Ed.), Estándares de pruebay prueba
científica. Ensayos de epistemología jurídica. Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 22.
185. FERRER BELTRÁN, Pruebay verdad en el derecho..., cit., p. 35.
186. FERRER BELTRÁN, Pruebay verdad en el derecho..., cit., p. 36.
VERDADE, PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 127

enunciado possa ser considerado verdadeiro, porque confirmado por suficientes


elementos de prova, embora não corresponda, efetivamente, à realidade dos fatos
afirmados no processo. Assim, a relação entre prova c verdade c uma relação lc-
leológica,187189em vez de conceituai.
Logo, é possível abandonar posições extremadas. Sc uma justiça penal “in­
teiramente ‘como verdade’ constitui uma utopia, uma justiça penal inteiramente
sem verdade' equivale a um sistema de arbítrio". “ Justiça e verdade são, portanto,
noções complementares ao exercício do poder.180 E a prova ou, mais precisamente,
o meio de prova, é o elemento para que o juiz chegue ao conhecimento verdadeiro
dos enunciados fáticos. Se a verdade fosse indiferente para a justiça, a atividade
probatória seria uma grande inutilidade.190
Com esses esclarecimentos, defende-se que a verdade importa ao processo
penal, dele não podendo ser defenestrada. É preciso definir, assim, se ela deve
continuar ocupando uma posição central. Isto é, se a verdade joga um papel muito
importante no processo penal, seria ela o seu escopo maior. O processo penal deve
ser estruturado como um instrumento voltado a descoberta da verdade como seu
objetivo maior? A resposta tem que ser negativa.
Mesmo diante de um conceito de verdade entre aspas, e com as limitações ex­
postas acima, não é correto afirmar que a busca dessa verdade seja o escopo magno
do processo. A verdade sobre os enunciados fáticos é apenas uma das condições
necessárias para a justiça da decisão, ao permitir um correio juízo de fato, esta­
belecendo qual a afirmativa fática deve ser considerada como verdadeira, e sobre
a qual irá haver a subsunção da hipótese legal aplicável ao caso concreto.191 Em
suma, a descoberta da verdade é uma condição necessária para a justiça da decisão,
mas não é o único fim do processo.192 A busca da verdade não deve ser realizada a

187. De modo semelhante, se referindo a um ;‘nexo instrumental entre prova e verdade":


TUZET, Filosofía della pravagiuridica..., d i., p. 9 3 - 118; PASTORE, Decisione, argomenti,
controlli..., cit., p. 103.
188. FERRAJOL1, Diritto e raggione.... cit., p. 18.
189. GÖSSEL, Karl Heinz. La verdead en el proceso penal ¿Es encontrada o construida?
El Derecha Procesal Penal en el Estado de Derecho. Obras completas. Dir. por Edgardo
Alberto Donna, Santa Fe: Rubinzal-Culzoni. 2007. p. 23.
190. DAMASKA, II diritto del le prove alia deriva..., cit.. p. 138.
191. UBERTIS, La prova pénale..., cit., p. 7.
192. Nesse sentido: LIEBMAN, Enrico Tulio. Manuale di diritto processuale civili. Milano:
Giuffré, 1939. v. 2. p. 68; DAMASKA, The Faces ofjustice and theState Authority..., cit.,
p. 160 e ss.; Idem, II diritto delle prove alia deriva..., cit., p. 175; TARLIFFO, Lu prova
dei fallí giuridici.... cit.. p. 3 3 6 -3 3 7 ; FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la
prueba.... cit.. p. 30 e 77; Idem. La prueba es libertad..., cit., p. 28; GASCÓN ABELLAN.
Los hechos en el derecho..., cit., p. 120.
128 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

qualquer custo ou qualquer preço.193 Não há que se adotar o “princípio de que os


fins justificam os meios, para assim legitimar-se a procura da verdade através de
qualquer fonte probatória”.194
O processo é um mecanismo cognitivo que, para seu melhor funcionamen­
to, necessita que as atividades voltadas para a investigação, admissão, produção,
valoração da prova e a própria decisão final, sejam na máxima medida possível,
voltadas para a descoberta da verdade. Em outras palavras, o processo terá que
ser moldado a partir de elementos estruturais que lhe permitam funcionar como
um instrumento epistêmico, com o escopo de reconstruir um fato histórico.195196
Todavia, não se pode excluir que, em determinadas condições, se a necessidade de
uma correta reconstrução histórica dos fatos ou, mais diretamente, a descoberta
da “verdade” entrar em rota de colisão com outros valores, que na situação concreta,
se mostrem de maior relevância, possa sofrer restrições legítimas, ainda que, com
isso, seja comprometida a reconstrução dos fatos.I9b
Sendo a correta reconstrução histórica dos fatos uma função institucional do
processo, numa tábua de valores, a busca da verdade deve ter uma posição com­
parativamente superior- o que não significa insuperável-s o b re os outros valores
não institucionais do processo penal.197 Os valores institucionais do processo
estão diretamente ligados às duas condições necessárias para a decisão justa: uma
correta atividade heurística e uma correta atividade hermenêutica, sendo ambas

193. CONDE, Francisco Munoz. La bítsqticda de la verdad en cl pwceso penal. 2. ed. Buenos
Aires: Hamurabi, 2003. p. 112.
194. MARQUES, Elementos..., cit.. v. 2. p. 293-294.
193. ILLUMINATI, La presunzione d'innocenza delVimputalo..., cit., p. 78. De forma se-
malhante, Piero Calamandrei (Processo e giustizia. Ri vista di dirítto processuale, 1950,
p. 284) já afirmava que “o processo é, antes de tudo, um método de cognição". Também
para Francesco Mauro lacoviello (Prova e accertamemo dei falto nel processo penale
riformato dalla Corte Costituzionale. Cassazione penale, 1992, p. 20 2 9 ) “o processo é
um método de conhecimento”.
196. Em sentido contrário, para Stein (Foundations of Evidence Law..., cit.. p. 118 e ss.)
em tais casos não há um conflito entre epistemologia e outros valores sociais ou morais
que o direiLo busque proteger, mas entre distintos valores que recebem proteção jurídica,
na medida em que a descoberta da verdade também é um valor tutelado pelo direito.
197 Para Ferrer Beltrán (La valoración racional de las pruebas..., cit.. p. 83; Idem, La prueba
es libcrtad__cit.. p. 31) ser a verdade um objetivo institucional do processo “não lhe
outorga um maior valor moral (...) mas mostra que no conflito entre esse objetivo do
direito e outros possíveis objetivos, o primeiro tem uma preferência estrutural que faz
com que não possa ceder sempre”. De forma semelhante, para Goldman (Knowledge
in a social world..., cit., p. 283) depois de afirmar que “a verdade é um valor primário
e central nos sistemas legais de adjudicação”, complementa, afirmando que ainda que
haja outros valores que devam ser considerados, “veritistic considerations do have pride
of place”.
VERDADE. PROVA E EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA 129

funções desenvolvidas respeitando todas as garantias do devido processo. Assim, a


averiguação da verdade, a correta interpretação da lei e respeito ao devido processo
legal, são valores institucionais preferenciais.198
Em suma, a verdade é muito importante para o processo. Mas não é tudo. E
preciso entender que retirara verdade do trono em que reinava absoluta no processo
penal não significa desterrá-la. Se a verdade não é o centro do processo penal, não há
como negar, por outro lado, que a verdade exerce um papel importante no processo,
sendo o seu acertamento um dos seus escopos institucionais. Não se trata, portanto,
de eliminá-la, mas de deslocá-la do lugar de centralidade, até então ocupado, para
um ponto diverso, o que não significa secundário ou de pouco relevância.

198. Por outro lado, nesta tríade de valores, não há uma posição institucionalmente pri­
vilegiada de um sobre o outro. Ao contrário, deve haver um funcionamento integrado.
Por exemplo, o direito material, no caso. o direito penal somente cumprirá sua função
de mecanismo de orientador e motivador das condutas em sociedade se as consequências
jurídicas previstas no preceito sancionador de cada um dos tipos penais somente forem
aplicadas nos casos em que aquela ação ou omissão tenha sido efetivamente praticada
pelo seu autor.
3
EPISTEM O LO G IA JU D ICIÁ RIA E
C O N TEX TO S PRO BA TO RIO S

3.1. O processo e a epistemología: rumo a urna epistemología judiciária.


S u m ário :
3.2. Contextos da investigação científica e da prova judiciária. 3.3. Contexto da
investigação. 3.4. Contexto da instrução judicial. 3.4.1. As regras legais de ad­
missibilidade probatória e seus reflexos epistêmicos. 3 .4.14. As regras legais de
exclusões probatórias fundadas em limites lógicos. 3.4.1.2. As regras legais de exclu­
sões probatórias fundadas em limites políticos. 3.4.1.3. As regras legais de exclusões
probatórias fundadas em limites epistemológicos. 3.4.2. As regras legais de pro­
dução da prova e seus reflexos epistêmicos. 3.4.2.1. O contraditório na produção
da prova: distinção entre provas pré-constituídas e constituendas. 3.5. Contexto da
valoração. 3.5.1. Da prova legal ao livre convencimento. 3.5.2. Exceções legais à
livre valoração da prova. 3.5.3. Métodos de valoração. 3.5.3.1. A probabilidade
estatística. 3.5.3.2. A probabilidade subjetiva. 3.5.3.3. A probabilidade indutiva
ou lógica. 3.5.4. A inferência probatória. 3 .5 .4 .1. A inferência probatória a partir
do esquema de argumentação de Toulmin. 3.5.4.2. A inferência para a melhor
explicação. 3.6. Contexto da decisão. 3.6.1. Diferença entre valorar e decidir.
3.6.2. O standard de prova como critério de decisão. 3.6.2.1. 0 standard de prova
e presunção de inocência. 3.6.2.2. Prova "além de qualquer dúvida razoável":
uma escolha axiológica. 3.6.2.3. As críticas ao standard de prova "além da dúvi­
da razoável". 3.6.2.4. Propostas alternativas ao standard de prova "além da dúvida
razoável". 3.6.3. O ônus da prova no processo penal. 3.6.4. Interação e influência
recíproca entre o standard de prova e o ônus da prova. 3.7. Contexto da justificação.
.3.7.1. Espécies de justificação: justificação interna e externa. 3.7.2. O conteúdo
da motivação do juízo de fato

3.1. O processo e a epistemología: rumo a uma epistemología judiciária

A primeira parte da obra teve por finalidade expor premissas, legais e epis­
temológicas, para que se pudesse desenvolver, nessa segunda parte, o coração do
trabalho. No capítulo l foram analisados aspectos legais e jurídicos fundamentais
para a compreensão do juízo de falo no processo penal. No capítulo II foram ex­
postos os fundamentos epistemológicos relevantes para a produção e, principal­
mente, para a valoração da prova penal, com vistas à possibilidade de se atingir um
conhecimento verdadeiro. É chegada a hora de estreitar o relacionamento entre
ambos, propondo para o processo penal um modelo de epistemología judiciária.
132 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

A epistemología judiciária se assenta em uma concepção racionalista1 que,


segundo Anderson. Schum e Twining, deve trabalhar com as seguintes premis­
sas: a epistemología é cognitivista em vez de cética; a teoria da verdade como
correspondência é preferível à teoria da verdade como coerência; o modelo de to­
mada de decisão deve ser racional; o modelo de raciocínio para tanto é o indutivo;
a busca da verdade é um meio para a decisão justa, tendo um valor elevado, ainda
que não insuperável.2
A produção de provas e a busca da verdade no processo penal são governadas
por noções e métodos próprios do “mundo ju rídico”. A disciplina da atividade
probatória depende, em muitos aspectos, de escolhas não somente técnicas como
também axiológicas, feitas pelo legislador.3 Masa existência e, mais do que isso, o

1. O racionalismo, nesse sentido, não é utilizado como corrente filosófica que. quanto à
origem do conhecimento, vê no pensamento a fonte principal do conhecimento humano,
que deve ser logicamente necessário e umversalmente válido. Não se trata de raciona­
lismo como corrente antagonista do empirismo. No sentido utilizado, o racionalismo
considera que a razão é a fonte do conhecimento relativo ao mundo físico, no sentido
em que é empregado no conhecimento científico como método racional que aplica a
razão aos dados sensíveis.
2. ANDERSON, Terence; SCHUM, David; TWINING, William. Análisis de la prueba. Trad.
Flávia Carbonell e Claudio Agüero. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 117. Essas pre­
missas também variam de autor para autor. Por exemplo, Susan Haack (Epistemology
and the lavv of evidence: problems and projecLs. Evidence malters. Science, prool, and
truth in the law. Nova York: Cambridge Un. Press, 2014. p. 12) afirma que sua teoria
é "evidencialista, experiencialisia, gradualista, funderentista, quase-holística e relativa
ao mundo". Já para Ferrar Beltrán ( Prolegómenos para una teoria sobre los estándares
de prueba..., cit., p. 4 0 2 ): "1) Há uma relação teleológiea entre a prova e a verdade, de
modo que a verdade se configura como um objetivo institucional a ser alcançado pela
prova no processo judicial. 2 ) O conceito de verdade em discussão, que resulta útil para
dar conta dessa relação teleológiea, é o de verdade como correspondencia, de maneira
que se pode dizer que um enunciado fático (formulado no marco de um processo judicial
e submetido à prova) é verdadeiro se, c somente se, corresponde ao que aconteceu no
mundo (externo ao processo). .3) Nunca um conjunto de elementos de juizo, por mais
rico e confiável que seja, permitirá alcançar certezas racionais - não psicológicas ou
subjetivas - a respeito da ocorrência de um fato, de forma que todo enunciado fático é
necessariamente verdadeiro ou falso, mas as naturais limitações epistêmicas colocam­
-nos sempre diante de decisões que devem ser adotadas em contextos de incerteza. 4) O
raciocinio probatorio é, portanto, necessariamente probabilístico. Ou seja, dizer que
um enunciado fático está provado é afirmar que ele é provavelmente verdadeiro (a um
nivel que deverá ser determinado), dadas as provas disponíveis?”.
3. Ferrer Beltrán (Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba..., cit.,
p. 4 0 6 , nota 12) destaca que: “A teoria geral da prova deve apontar seus esforços para
duas estratégias, para as quais dispomos de instrumentos distintos. A primeira é a redução
dos erros, para a qual, fundamentalmente, há que se conceber mecanismos processuais
que maximizem a incorporação do maior número possível de provas relevantes ao
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 133

predomínio de regras jurídicas sobre a prova a ser produzida no ámbito processual


não é suficiente para excluir, apriori, que também no processo se busque estabelecer
uma verdade controlável segundo os critérios lógicos e epistemológicos.4
Como diz Susan Haack, “o direito está mergulhado até o pescoço na episte­
mología”.3Assim, o processo não pode prescindir de métodos utilizados pela teoria
do conhecimento.'1Sendo o processo essencialmente uma atividade epistêmica, a
ele podem ser aplicados os princípios gerais de racionalidade do método cognitivo
elaborados no âmbito da epistemología geral.7 Evidente que a epistemología in­
gressa no processo, não como epistemología “pura”, entendida como estudo crítico
dos métodos e da validade do conhecimento, mas como epistemología aplicada
ao direito e, mais precisamente, ao processo, entendida assim como epistemolo­
gía judiciária.* O objeto da epistemología judiciária compreende os critérios e os
instrumentos usados pelo julgador tanto para a obtenção do material quanto para
sua valoração, com base no qual realizará a escolha decisória.9

acervo probatório do processo e a maior informação sobre sua confiabilidade. A segunda


estratégia é a distribuição do risco de erro entre as parles, que obedece a preferências
de tipo moral ou políLico sobre quem o deve suportar e em que medida. Nesse sentido,
os mecanismos processuais mais importantes são o ônus da prova, as presunções e,
precisamente, os standárds probatórios”.
4. TARUFFO, La prova dei fatti giuridid..., cit., p. 51. Não só inexistem razões para ex­
cluir que a verdade seja controlável, como é correio sustentar, com Ferrer Beltrán (La
valoración racional de la prueba..., cit., 53) que ‘‘o próprio sistema jurídico, através do
denominado 'direito à prova’ exige a aplicação das regras da epistemología e da racio­
nalidade em geral, para a valoração da prova". E, apresentado a sua (ibidem, p. 64 -6 5 )
‘‘concepção racionalista da prova”, destaca as seguintes características, coerentes entre
si: ”a) o recurso ao método da corroboração e refutação de hipóteses como forma de
valoração da prova; b) a defesa de uma versão débil ou limitada do princípio de ime­
diação; c) uma forte exigência de motivação da decisão sobre os fatos; d) a defesa de
um sistema de recursos que ofereça um campo amplo para o controle da decisão e sua
revisão em instâncias superiores”.
5. Episiemology legalized; or, truth, justice, and the American way. Evidence and inquiry:
a pragmatist reconstruction of epistemology. Nova York: Prometheus Books, 2009.
p. 362; HAACK, Susan. Evidence matters. Science, proof, and truth in the lavv. Nova
York: Cambridge Un. Press, 2014. p. 28.
6. UBERTIS, Giulio. Prove (in generale). Digestodelledisciplinepenalistiche. Torino: UTET,
1995. v. X. p. 297. Também para Frederick Schauer (ll ragiommentogiuridico. Una nuova
iniroduzione. Trad. Giovanna Bañista Ratti. Roma: Carocci, 2016. p. 210), “os métodos
jurídicos para o a ca tamento dos fatos não são totalmente exclusivos do direito”.
7. TARUFFO. Processo civil comparado: ensaios..., cit., p. 45.
8. LAUDAN, Verdad, error y proceso penal..., cit., p. 23. No mesmo sentido, referindo-se
à Epistemología Jurídica como um tipo de Epistemologia Aplicada: MAT1DA; HERDY,
As inferências probatórias..., cit., p. 209.
9. UBERT1S, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 28 -9 . Para Matida e Herdy
(As inferencias probatórias..., cit., p. 2 0 9 ) a Epistemológica Jurídica tem por objeto
134 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

A epistemología judiciária, porém, não é um gênero peculiar e especializado


da epistemología, enquanto teoria filosófica do conhecimento, mas simplesmente à
aplicação de conceitos desta no contexto judicial.10Ainda assim, sua contribuição
é importantíssima no que atine à prova judicial, uma vez que a preocupação central
da epistemología judiciária é compreender o que é prova, como ela é estruturada
e o que a faz melhor ou pior, mais forte ou mais fraca.
Há, contudo, propostas mais ousadas no relacionamento entre processo e
epistemología, que vão além de se limitar a enriquecer o processo com aportes
epistêmicos. Reconhecendo o processo penal como um instrumento epistêmico.
Laudan vai mais longe, pois considera que a epistemología jurídica envolve tanto
um projeto descritivo, para observar quais regras promovem ou frustram a busca
do conhecimento verdadeiro, quanto um projeto normativo, consistente na propo­
sição de possíveis mudanças nas regras existentes que obstaculizan! o atingimento
de tal conhecim ento.11
A proposta deste livro sobre Epistemológica Judiciária não é apenas descriti­
va, mas prescritiva, propondo soluções e eliminação de barreiras à descoberta da
verdade,1- quando essas não se justifiquem por necessidade legal.! 5Cabe esclarecer,
desde logo, que não se pretende buscar um “ótimo epistêmico”, transformando o
processo no melhor modelo de descoberta da verdade, como se ela fosse um fim
em si mesmo para o julgador.14 Processo judicial não é um experimento de labora­
tório. O juiz não é um cientista interessado somente em descobrira verdade, para
explicar fenômenos do mundo. Já dizia Taruffo que, no processo judicial, não há

"a justificação das proposições sobre os fatos que integram o raciocínio do julgador no
momento em que se lhe exige uma decisão sobre quem merece a tutela jurisdicional
no caso individual".
10. HAACK, Susan. Epistemology and the law of evidence: problems and projects. Evidence
matters: Science, proof, and truth in the law. Nova York: Cambridge University Press,
2014. p. 6.
11. LAUDAN, Verdaã, errory proceso pena!..., cit.. p. 23.
12. O labor do epistemólogo jurídico é, segundo Matida e Herdy (As inferências probató­
rias..., cit., p. 211) “ora se ocupar de descrever as regras e práticas jurídicas que promo­
vem e/ou frustram a busca pela verdade; ora prescrever a sua modificação de forma a
diminuir a distância entre o direito e a realidade externa".
13. Ferrer Beltrán (Prolegómenos para una teoria sobre los estándares de prueba..., cit.,
p. 408) esclarece que a epistemologia judiciária deve estar interessada na diminuição
dos erros, sendo que os instrumentos adequados para maximizar as probabilidade de
acerto da decisão probatória são os que buscam promover a formação de um conjunto
probatório o mais rico possível, quantitativa e qualitativamente.
14. Diversa parece ser a perspectiva de Laudan (Verdad, crm ry proceSÓ penal.... cit., p. 26)
que se propõe a elaborar um sistema hipotético que seja. “ótimo desde o ponto de vista
epistêmico".
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 135

espaço para o protagonismo do “conhecimento em estado puro ’.1 Julgar, como


destacava Saraceno, “no sentido de iusdicere, não é uma função puramente teórica
ou intelectiva, não é urna mera ocupação recreativa do intelecto; é uma função
tremendamente prática”.1516
A busca da verdade c um dos fins do processo, pois não poderá ser considera­
da justa uma decisão baseada em uma reconstrução fática equivocada. Porém, há
outros valores igualmente relevantes para o processo, especialmente aqueles que
compõem o devido processo legal ou processo équo, que, mesmo sendo antiepis-
têmicos, terão que ser respeitados. Em determinados casos de conflito de valores,
a busca da verdade poderá ser considerada menos relevante que outro valor digno
de maior proteção e que deverá prevalecer, ainda que comprometendo uma melhor
reconstrução histórica dos fatos.
Não se trata, portanto, de uma tese abolicionista, que procura refutar toda e
qualquer regra legal no campo probatório, deixando-o ao exclusivo governo da epis­
temología. O direito não pode deixar de regular os aspectos da prova no processo, na
medida em que há questões sobre o juízo de fato que não podem ser resobadas somente
por critérios epistemológicos.17 Mas é preciso ter consciência de que o direito neces­
sita enriquecer seus mecanismos de produção e valoração da prova com muito mais
aportes epistemológicos do que aqueles poucos pontos de contato que hoje existem.
O relacionamento entre prova e verdade se desenvolve, assim como no campo
das ciências, em um âmbito de explicações probabilísticas. A probabilidade implica
um campo de incertezas e, consequentemente, de liberdade de quem decide entre
escolhas possíveis. Quem decide entre hipóteses incertas tem um poder, que será
em algum grau discricionário e, portanto, não totalmente controlável.18 Assim,
para que essa margem de incerteza e, consequentemente, de discricionariedade,
seja reduzida na máxima medida possível, é fundamental que a inferência proba­
tória tenha sempre um referencial empírico identificável, que haja possibilidade
de comprovação e refutação dos enunciados fáticos por meio de provas e contra­
provas, e que a escolha da hipótese tida como provada seja fruto da aplicação de
regras e métodos que sejam lógica e racionalmente controláveis. Para tudo isso. a
epistemología se mostra fundamental no campo judicial.

15. TARUFFO, La prova deifatti giuridici..., cit.. p. 68. No mesmo sentido, na doutrina
nacional: MATIDA: HERDY, As inferências probatórias.... cit.. p. 210.
16. SARACENO, La decisione sulJatto incerto.... cit., p. 15. No mesmo sentido: PROCACCINO,
Angela. Non liquet, criteri di giudizio dibattimentale, e prognosi nelfudienza prelimi-
nare: 1' "oltre ¡1 ragionevole dubbio" e un ipotese di difíusività. In: GAROFOL1, Vicenzo
(Org.). Unità dei sapere giuridico ed etewgeneità dei saperi dei giudice. Milano: Giuflrè,
2005. p. 334; GASCÓN ABELLÁN, Los hcclios en el dereclw..., cit., p. 119.
17. FERRER BELTRÁN, La prueba es libertad..., cit., p. 34.
18. ANDRÉS IBÁNES, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit.. p. 97.
136 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA H PROVA PENAL

o que se pretende com um modelo processual concebido a partir de uma


epistemologia judiciária c propor um método racional de decisão sobre o juízo
de fato e, com isso, am pliaras possibilidades dc seu controle. Se a verdade fosse
indiferente para a justiça, a atividade probatória seria uma grande inutilidade.19
Por outro lado, admitido que a prova é um mecanismo para o conhecimento da
verdade, a liberdade em sua valoração deve seguir parâmetros racionais, que
permitam um controle intersubjetivo do ato decisório, apto a verificar o erro ou o
acerto quanto ao juízo de fato. É possível afirmar que, num modelo cognitivista de
exercício do poder, prova e valoração racional são termos inseparáveis. Se assim
não fosse, seria possível continuar a decidir os processos por meio de ordálias,20
duelos, juramentos judiciários,21 lançando dados, como fazia o juiz Bridoye,22 ou

19. DAMASKA, Mirjan. ll diritto delle prove alia deriva. Trad. Francesca Cuoma Ulloa e
Valentina Riva. Bologna: 11 Mulino, 2003. p. L38.
20. Como destaca Jordi Nieva Fenoll (La valoraciôn racional de la prueba. Madrid: Marcial
Pons. 2010. p. 41), as ordálias não eram um meio de prova nem um sistema de valora­
ção da prova, pressupondo, ao contrário, uma total ausência de valoração, inexistindo
qualquer atividade do julgador de análise dos resultados da atividade probatória. E
conclui: "simplesmente se realiza um ato similar a laçar uma moeda para o ar, para dar
razão a uma ou outra parte”. Também para Taruffo (Os poderes instrutórios das partes
e do juiz..., cit., p. 7 6), as ordálias tinham 'tão-somente uma função marginal e sim­
bólica: não seria outra coisa que uma espécie de representação ritual, que é celebrada
não porque se trata de um instrumento institucional orientado para administração da
justiça, mas porque serve para fa zer crer, às partes e à sociedade em geral, que a justiça
está sendo realizada, na esperança que desse modo as partes se convençam de terminar
com a controvérsia e a paz social seja reconstruída”.
21. O homem medieval vivia num contexto em que o seu corpo, os seus atos, os ciclos das
estações e das estrelas eram componentes da sua vida, razão pela qual se dava grande
importância para imaginação, o sonho, os gestos. Nesse contexto, explica Branbilla
(Itinerari deliagiustizia..., cit., p. 4 6 ), ”o pensamento não se distanciava da experiência,
mas a traduzia através de um sistema de signos e símbolos". Essa "racionalidade" da
época, se refletia no sistema probatório. Como explica Cario Furno ( Teoria de la prueba
legal. Trad. Sérgio Gonzalez Collado. Madrid: Ed. Revista de Derecho Privado, 1954.
p. 145-146): a antiga concepção germânica do processo era um reflexo do sentimento dc
superstição mística que governavam as mais importantes atividades daquele povo, sendo
compatível com essa visão de mundo, considerar que o poder de fazer justiça também
não era algo que pertencesse aos homens, mas um atributo da divindade, onipresente e
onisciente. A consequência disso é que “o julgamento, na sua integralidade, se configura
como uma invocação ou um convite para a divindade para que se dignasse manifestar,
por sinais tangíveis, seus inescrutáveis desígnios. Para facilitar a resposta divina (juízo
de Deus), a invocação era seguida por provas de força ou de destreza (duelo, prova do
fogo, etc.) ou pela afirmação solene do próprio direito (juramento com caráter sagrado,
prestado geralmente por terceiros, chamados conjuradores), cujo resultado simbolizava
a decisão, sem que tivesse modo de distinguir entre o fato e o direito. O juiz não tinha
outra função a não ser, com sua presença, a regularidade da prática das provas e de seu
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 137

aplicando qualquer outro meio irracional, masque propicia um resultado de modo


mais rápido e menos custoso.
A inter-relação entre o direito probatório, de um lado, e a epistemología, de
outro, ocorrerá tanto num plano estático, isto é, em relação a cada meio de prova
individualmente considerado, no momento em que é produzido, quanto do ponto
de vista dinâmico, como influência epistemológica ao longo de toda a atividade de
investigação e comprovação dos fatos da persecução penal.

3.2. Contextos da investigação científica e da prova judiciária

No âmbito do conhecimento científico, é bastante utilizada a distinção for­


mulada por Rcichenbach, entre comcxt o f discovery e context o f ju stificaron .21
O contexto da descoberta normalmente está relacionado com os problemas de
como se chega à formulação de uma hipótese que possa explicar um determinado
evento. O ato de descoberta, como explica Reichenbach, escapa da análise lógica,
não existindo regras lógicas com base nas quais se possa “construir uma máquina
descobridora’ que absorva a função criativa do gênio”.24
De outro lado, o contexto da justificação liga-se ao modo pelo qual será conva­
lidada tal hipótese.25 Cabe ao cientista explicara gênese das descobertas, analisando
a conexão entre os dados de fato obtidos com a observação e as teorias elaboradas

resultado, adaptando a ele sua decisão e garanündo seu acatamento por meio de sua
autoridade. Portanto, não se linha em conta a convicção do juiz, mas só o êxito ou o
fracasso daqueles atos ilógicos, cujo resultado casual dependia da distribuição da razão
ou do erro entre os contendores, como se se tratasse de una admoestação reveladora
da suprema justiça divina”. Para o que interessa ao objeto principal da presente obra, a
definição de um modelo racional e controlável de valoração das provas, é de se ressaltar
que as ordálias, os duelos e os juramentos, embora fossem adequados para o espirito da
sociedade da época, não representam verdadeiros mecanismos probatórios e não exigem
uma efetiva atividade valorativa do julgador.
22. RABELAIS. François. O terceiro livro dos fatos e ditos heróicos do Bom Pantagruel. Trad.
Élide Valarin Oliver. Cotia: Ateliê; Campinas: Editora da llnicamp, 2006. cap. 39. p. 2 3 1 ­
234. Em tal passagem, o magistrado chamado a explicar, perante a Corte Suprema, uma
sentença por ele proferida que foi considerada dúbia, contou que sempre decidia as
sentenças pela sorte, lançando os dados e, por mais de 4 0 anos, assim agiu sem jamais
ler qualquer sentença considerada equivocada, a não ser na última, que por isso mesmo
loi objeto de apelação. E, mesmo assim, o juiz Bidoyer, que já eslava velho, atribui o erro
não aos dados ou à sorte, mas ao fato de que já não enxergava bem e podia ter errado
ao tentar distinguir os números dos dados, tendo tomado um quatro por um cinco e,
por isso, ter sentenciado errado.
23. REICHENBACH. La nascita delia filosofia scientifica..., cit., p. 237.
24. REICHENBACH. La nascita delia filosofia scientifica..., cit., p. 235.
25. UBERTIS, Profili di epistemologia giudiziaria.... cit.. p. 29.
138 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

para os explicar.2'' Essa justificação de uma teoria com base nos dados observados
se faz por meio de inferencia indutiva, que confere a cada teoria investigada ou
cogitadas pelo cientista um grau de probabilidade, sendo a teoria considerada a
mais provável aceita como correta.27
Interessante observar, com vistas à utilização de aportes epistemológicos no
campo processual, que Reichenbach sustentava que a lógica indutiva utilizada no
context o f justificalion não é nada mais do que uma hipótese específica ou particular
do problema gcral da prova indi reta, ilustrando a situação com um problema de inves­
tigação criminal: "Como ilustração do problema gcral se pode recordaras inferencias
realizadas por um investigador que busca descobrir o responsável por um crime.
Há alguns dados, como um lenço sujo de sangue, um cinzel e o desaparecimento de
uma viúva rica. O investigador tema determinar a explicação mais provável. Suas
considerações seguem certas regras de probabilidade; utilizando todos as pistas do
fato e todo o seu próprio conhecimen to da psicologia humana, ele subsequentemente
controla, por meio de outras observações feitas precisamente para esse propósito.
Cada controle, baseado sobre novos dados, aumenta ou diminui a probabilidade da
explicação previamente escolhida, embora esta não possa ser considerada absoluta­
mente certa. Todos os elementos lógicos necessários para analisar o procedimento
diferencial do investigador podem ser encontrados no cálculo das probabilidades.
Ainda que no exemplo dado falte o material estatístico para um cômputo exato das
mesmas, seria possível aplicar ao menos as fórmulas de cálculo em sentido qualitativo.
Naturalmente, não se poderá atingir resultados numericamente precisos se o material
à disposição permite apenas valorações genéricas da probabilidade”.28
Essa dupla dimensão, do comexto da descoberta e do contexto da justificação,
comumente empregada no âmbito epistemológico-científico, tem sido transpor­
tada para o mundo jurídico e, em especial, para a atividade desenvolvida sobre os
juízos de fato no processo.MA disiinção, contudo, precisa de refinamentos e, mais

26. UBERTIS, Profili cii epistemología giudiziaria.... cil., p. 235.


27. UBERT1S. Profili di cpisianologia giudiziaria..., cit., p. 235.
28. UBERTIS, Profili di epistemología giudiziaria..., cit., p. 236.
29. Nesse sentido: TARUFFO, La motivazione delia sentenza ciyile..., p. 2 14 e 220; Idem, La
prova dei fatii giuridici..., cit., p. 4 1 7 -4 2 0 ; AMODIO, Ennio. Motivazione delia sentenza
pcnale. Enciclopedia del diritto. Milano: Giuffrè. 1977. v. XXVII. p. 216-218: IBERTIS,
Fatio e valore.... cit., p. 5 5 -5 6 ; TUZET. Filosofia delia prova gittridica..., cit.. p. 15:
IBÁÑEZ. Perfecto Andrés. "Carpintaria" da sentença penal (em matéria de fato). Trad.
Lédio Rosa de Andrade. Valoração da prova e sentença penal. Rio de Janeiro: Lumen Júris,
2006. p. 134-138; GASCÓN APELLAN, Marina. ¿Lógica del descubrimiento para la
prueba?. In: AMADO, Juan Antonio García; BONORINO, Pablo Raúl (Coords.). Prueba
y razonamiento probatorio en el derecho. Debates sobre abducción. Granada: Contares,
2014. p. 149; GASCÓN ABELLAN, Marina. La valoración de la prueba..., cit.. p. 384;
MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais... cit.. p. 113-114.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 139

do que isso, desdobramentos e acréscimos, para servir como modelo de análise do


conhecimento sobre os fatos a serem obtidos no âmbito processual.
Inicialm ente, há que se atentar para uma diferença fundamental entre a
prova em certos campos da ciencia e a prova no processo judiciário. Diferente­
mente das ciencias empíricas, o direito não dispõe de um método experimental
para testar o acerto ou erro da hipótese inicial. No caso de eventos passados,
de natureza histórica, não é possível realizar procedimentos de reprodução
experimental, como se faz com uma hipótese científica que é bem testada etn
laboratorio, podendo ser realizadas tantas verificações quantas sejam neces­
sárias.3031 Os fatos históricos são únicos, eventos singulares espacial e temporal­
mente determinados, enquanto que a ciência trabalha com certas categorias de
eventos, genéricos e repetíveis.32
No ambiente judiciário e com vistas a atingir os fins do processo, a dinâmica
probatória faz com que, nos diversos contextos em que se desenvolve, haja o in-
ter-relacionamento de regras jurídicas, de um lado, e regras epistêmicas, de outro,
a governar a reconstrução histórica sobre os fatos. E, mesmo no que diz respeito
exclusivamente ao regime legal da prova, há princípios profundamente diversos
de um para outro momento. Por exemplo, enquanto a investigação preliminar é
inquisitoria, a produção de prova deve ocorrer em contraditório judicial.
Outra diferença relevante é que, na atividade científica, tanto o contexto da
descoberta quanto o contexto da justificação normalmente são realizados por um
mesmo cientista ou equipe de pesquisa. No campo processual, diferentemente,
há o predomínio de atividades de sujeitos distintos em cada um dos contextos ou
momentos da reconstrução dos fatos: o investigador, as partes e o julgador.
A atividade inicial de investigação é atribuída a um delegado de polícia ou
mesmo a outros sujeitos, como o Ministério Público e, em menor grau, à própria
defesa, desde que lhe sejam conferidos poderes legais para realizara investigação.
Por outro lado, num processo predominantemente acusatorio, em que há um
efetivo direito à prova, o protagonismo da produção das provas deverá estar nas
mãos da acusação e da defesa. Mesmo assim, dificilmente o ju iz será, mesmo
em tal etapa, um espectador de pedra. Com maior ou menor grau, as leis pro­
cessuais penais concedem poderes instrutórios ao julgador, ainda que de modo
subsidiário e complementar à atividade das partes. Por fim, a atividade decisoria
é o momento máximo do juiz, que, com base nas provas produzidas pelas partes,

30. Nesse sentido: UBERT1S, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit., p. 26; TUZET, Filo­
sofia delia prova giuridica..., cit., p. 15; MAGALHÃES GOMES FILHO. A motivação das
decisões penais..., cit., p. 113-114.
31. TUZET, Filosofia delia prova giuridica..., cit., p. 37.
32. Ibidem, p. 38.
140 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

deverá analisar as alegações fálicas de ambas, verificando qual delas encontra


maior suporte nas provas produzidas.
Para representar a dinámica probatoria, Ubertis apresenta a sequência de
quatro contextos: (i) descoberta; (ii) pesquisa; (iii) decisão e (iv) justificação. Tra­
ta-se, por certo, de uma divisão formal, urna vez que há um liame dialético entre os
quatro contextos.33 No contexto da descoberta ocorre a descoberta propriamente
dita e a formulação da hipótese, com a realização da investigação primária, cujo
resultado será a formulação da hipótese pela parte acusadora, que fará a imputação
dando início ao processo. O contexto da pesquisa (contestodi ricerca) é o momento
da instrução propriamente dita, com a produção da prova pelas partes e perante o
juiz. Segue-se então o contexto da decisão, em que o juiz deverá valorar as provas
produzidas. No momento da decisão se fará o controle da veracidade do tema de
prova por meio de seu confronto com os enunciados fáticos. O objeto da prova deve
ser considerado “provado” quando verificada sua coincidência com o resultado da
prova, ou não provado, quando não houver tal coincidência.34
O modelo anteriormente descrito ainda não é completo, pois, com relação à
decisão, não distingue dois momentos fundamentais, que devem ser tratados se­
paradamente, por estarem sujeitos a estatutos distintos: o momento da valoração
e o momento da decisão.35 A atividade de valoração da prova é regida por regras

33. Ubertis (Pmfili di epistemologíagiucliziaria..., cit., p. 30) assim sintetiza seu pensamento:
“Em conclusão, e esquematicamente, enquanto a sequência científica (em que falta um
juiz' e é quem descobre’ que deve. portanto, justificar) é l ) contexto da descoberta e
formulação da hipótese; 2) contexto de justificação e eventual convalidação; a sequên­
cia judiciária é: 1) contexto de descoberta e formulação da hipótese (é o momento da
instrução primária, no que, portanto, se o seu resultado é hipótese’ para o juiz, para a
parte que a formula é já decisão': não é por acaso se sustentou que. para quem propõe
o processo, a ‘demanda’ equivale ao ‘modelo’ da desejável sentença); 2) contexto de
pesquisa (é o momento da instrução probatória ou secundária, que se desenvolve pe­
rante o juiz): 3) contexto de decisão; 4 ) contexto de justificação. E parece, em qualquer
caso, adequado reiterar que existe sempre uma ligação dialética entre os contextos de
descoberta, pesquisa, decisão e justificação”.
34. UBERTIS, Profil i di epistemología giudiziaria..., cit.. p. 83-84.
35. Essa distinção é feita por Ferrer Beltrán (La valoración racional de la prueba.... cit.,
p. 41; Idem. La prueba es libertad..., cit.. p. 2 4 ). que considera haver três momentos
fundamentais no direito probatório: (i) a formação do conjunto de elementos de jul­
gamento com base nos quais se proferirá a decisão; (ii) a valoração desses elementos;
(iii) propriamente a tomada da decisão. Também Gascón Abellán (La valoración de la
prueba..., cit., p. 3 8 9 -3 9 0 ) afirma que é importante distinguir duas atividades estreita­
mente relacionadas, mas distintas: (i) a valoração e a (ii) decisão. Valorar consiste em
avaliar o apoio, em termos probabilísticos, que os meios cie prova conferem à hipótese
fática em consideração, enquanto que decidir consiste em determinar se a probabilidade
alcançada por essa hipótese é suficiente para a considerar verdadeira.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 141

eminentemente epistemológicas, enquanto a decisão propriamente dita, em que


se conclui se a hipótese fálica posta em julgamento deve ou não ser considerada
provada, conforme tenha ou não atingido o standard de prova aplicado ao caso,
depende de um criterio normativo. O modelo de constatação, na atividade ju di­
ciária, não é definido por um padrão epistêmico. mas substancialmente por urna
escolha axiológica, feita pelo legislador, conforme queira ou não privilegiar um
determinado valor (p. ex.: a liberdade do indivíduo) diante da possibilidade de unta
decisão errada do ponto de vista fático. Por isso, é importante separaros métodos
racionais de valoração da prova, de um lado, da regra de decisão estabelecida pelo
standard de prova definido pelo legislador, de outro.
Com o desdobramento apresentado, a sequência probatoria processual penal
que se propõe é subdividida em cinco contextos: (i) investigação; (ii) instrução;
(iii) valoração; (iv) decisão; e (v) justificação. Apenas para que se tenha uma visão
de conjunto, antes do tratamento individualizado dos diversos contextos em si. é
possível assim sumariar seus principais aspectos.
No ambiente jurídico, também é correto afirmar que há urna etapa inicial
identificada com o contexto da descoberta,363789que mais adequadamente pode ser
denominado contexto da investigação. Trata-se do momento de formulação de unta
hipótese provisoria de explicação de um fato tido por criminoso, com a posterior
busca pelo máximo de dados disponíveis para verificação de tal hipótese.
Assim, diante de um conjunto de elementos E, E l , E2 e E3, formula-se a hi­
pótese H. Para verificar a probabilidade de tal hipótese ser verdadeira, é necessário
utilizar uma probabilidade indutiva, que pode ser assim formulada: P (H, K) = R.
Isto é: a probabilidade indutiva P da hipótese H tem um grau de confirmação ou de
resistenciaà falsificação R, que é proporcional à quantidade de informação coerente
com a hipótese mesma.57 Quanto mais aumenta K, torna-se mais difícil imaginar
uma outra hipótese que harmonize com todos os elementos que constituem K,
oferecendo a estes um predicado conectivo unitário.36
E para aumentar K, o único caminho é um acurado trabalho de investigação,
que parta da hipótese formulada e busque outros elementos que dela decorreriam.
Assim, se a hipótese fosse correta, dela também decorreriam os eventos E4, E5 etc.w
A investigação e a descoberta desses elementos é que incrementam K e tornam
a hipótese proporcionalmente aceitável.40 Também para isso poderá concorrer a

36. 1ACOV1ELLO, 1 criteri di valutazione delia prova..., cil., p. 399.


37. FASSONE, La valutazione delia prova..., cit.. p. 333-334. No mesmo sentido: 1ACO-
VIELLO, 7 criteri di valutazione delia prova..., cit., p. 398.
38. FASSONE, La valutazione delia prova..., cit., p. 333-334
39. FASSONE, La valutazione delia prova..., cit., p. 334
40. FASSONE, La valutazione delia prova..., cit.. p. 334
142 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

descoberta de outros elementos não cogitados, mas que igualmente também estariam
num desdobramento lógico de H. Por ou tro lado, podem ser descobertos elementos
R. RI ou R2, que refutem a hipótese H, por serem com cia logicamente incompatíveis.
Em suma, a partir dos elementos ou dados obtidos, a hipótese H preliminar
formulada poderá ser confirmada ou refutada. Neste último caso, haverá a ne­
cessidade de formulação de uma nova hipótese, com nova verificação, até que se
obtenha uma hipótese suficientemente corroborada.
Todavia, no processo penal, em que a persecução se divide em uma fase de
investigação prévia, que não se dá perante o julgador, e outra de produção de pro­
vas. que ocorre perante o juiz que vai decidir, é fundamental que tais momentos
sejam tratados de modo distinto. Essa distinção se justifica não só do ponto de vista
jurídico, por ser diversa a matriz principiológica de cada uma delas, mas também
por se desenvolverem com base em estruturas epistemológicas distintas.
Como já exposto, a atividade de investigação pressupõe a formulação de uma
hipótese inicial por quem investiga. Essa formulação se dá por critérios distintos,
não apenas racionais, mas também governados por processos intuitivos.41 Nesse
momento, o investigador se vale de um raciocínio ou método abdutivo. A hipótese
inicial formulada será testada pelo conjunto dos atos investigatórios posteriormente
desenvolvidos e, seja a hipótese inicial provisória, seja outra que se formule durante
a investigação, será apresentada ao final, como resultado da investigação.
Encerra-se, assim, o contexto da investigação, e terá início o contexto da instrução.
Com a conclusão da investigação propriamente dita, havendo concordância
do órgão acusador, a hipótese investigatória se transforma na hipótese acusatória.
No processo propriamente dito, também existe uma hipótese fática a ser verificada
ao longo da instrução, consistente nos fatos imputados na acusação. Mas, diferen­
temente do contexto da investigação, ela já está previamente definida.4243*O objeto
do processo é posto no ato inicial, de denúncia ou queixa, consistindo na afirma­
ção de um fato, penalmente relevante, atribuído ao acusado. Fica fora, portanto,
da atividade judicial, isto é, de quem vai decidir,/omudar a hipótese probatória.45

41. Analisando o processo de descoberta, Popper (A lógica da pesquisa cientifica..., cit.,


p. 32) observa que, "toda descoberta encerra ‘um elemento irracional' ou uma intuição
criadora’”. No mesmo sentido, Afonso Garcia Figueroa (Contexto e descubrimientoy con­
texto de justificación. In: GASCÓN ABELLÁN, Marina (Coord.). Argumentación jurídica.
Valencia: Tirant Lo Blanch, 2014. p. 149) refere-se à necessidade "de uma certa intuição
ou empatia", fora da "análise racional".
42. O art. 41 do Código de Processo Penal exige que a denúncia ou queixa contenha a ex­
posição do fato criminoso com todas as suas circunstâncias. Essa será, pois, do ponto
de vista fático, a hipótese acusatoria posta em juízo, por meio da denúncia ou queixa.
43. Essa diferença fundamental e destacada por GASCON ABELÁN, ¿Lógica del descubri­
miento para la prueba? .... d l , p. 149. No mesmo sentido, Comanducci (Razonamiento
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 143

Normalmente, os fatos afirmados na hipótese acusatória serão simplesmente


negados na resposta (p. ex.: negativa de autoria) ou, a eles se dará uma explicação,
com uma narrativa distinta em que se formula uma hipótese defensiva (p. ex.: ale­
gação de legítima delesa). A posterior instrução, mediante a produção de provas cm
contraditório, na presença do juiz, destina-se a formar o conjunto probatório que
servirá de suporte para uma ou outra narrativa. As provas servirão de suporte para
confirmar ou negar a afirmação contida na denúncia ou queixa, bem como os fatos
aduzidos na resposta defensiva. Em outras palavras, os meios de prova produzidos
darão ao julgador os elementos de probatórios a serem valorados racionalmente, e
considerar-se-ão provadas as alegações da acusação ou as da defesa, que integrarão
o conteúdo da decisão final sobre os fatos.
O contexto da instrução é regido tanto por regras jurídicas quanto epistêmicas.
A admissibilidade das provas ou, o que seria o reverso da moeda, a disciplina legal
das regras de exclusão probatórias, e a produção da prova são fortemente gover­
nados por critérios legais. Por outro lado, os limites lógicos de admissibilidade da
prova seguem critérios epistêmicos. Da mesma forma, a sua produção c muitas
vezes inspirada em razões epistêmicas para se obter o máximo rendimento de cada
meio de prova no sentido de demonstração do themapmbandum. Enquanto no contexto
da investigação se busca descobrir a hipótese, no contexto da instrução, uma vez
posta a hipótese pelo acusador, caberá “controlá-la”, pela produção de provas.44
Concluída a instrução, é preciso valorar a prova e decidir.
No ambiente jurídico, a dicotomia da filosofia das ciências, entre "contexto
da descoberta” e o “contexto da justificação”, acaba tendo em seu entremeio um
momento fundamental: o “contexto da decisão”.45 Isto é, entre descobrir a hipó­
tese, e depois a justificar - na concepção jurídica da atividade de fundamentação
da decisão enquanto mera justificação a posteriori das escolhas feitas pelo julga­
d o r - é fundamental a análise de toda a prova, que precisa ser valorada e, ao final,
proferida a decisão sobre o juízo de fato. Na atividade judiciária, a atenção se volta,
principalmente, para o momento em que é proferido o provimento final.46

Jurídico..., cit.. p. 112) observa que, no modelo teórico garantisla de processo penal
acusatório, “o juiz não tem que dar conta na motivação do procedimento mediante o qual
'descobriu' a conclusão fática, já que não a descobriu, mas somente a encontrou: sc trata,
de fato, das hipóteses da acusação e da defesa'. E complementa: “dada a presunção de
inocência, a hipótese que terá que ser demonstrada verdadeira ou falsa é a da acusação".
44. 1ACOV1ELLO, I criteri di valutazione delia prova..., cit.. p. 399.
45. Nesse sentido: TARUFFO. La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 4 2 0 : UBERT1S. Profili di
epistemologia giudiziaria..., cit., p. 26. Segundo a proposta da lese, trata-se de um con­
texto de "decisão" em sentido lato, como gênero, que envolve as atividades de valorar
e decidir, embora cada uma dessas espécies necessite de regime próprio.
46. UBERT1S, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit.. p. 29.
144 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

Para decidir, é preciso de um método para se chegar à decisão, no caso pro­


cessual, urna metodologia adequada para, com base nas provas, realizar os juízos
de Tato. No contexto cia valoraçâo é que se desenvolve a verificação de qual hipótese
fática encontra maior suporte na prova produzida que lhe corrobora, bem como
se resiste a hipóteses contrarias que tenham suporte etn elementos de prova mais
fracos. Cabe fundamentalmente à epistemología definir o melhor método para que
se possa considerarum conhecimento fundado em provas como verdadeiro. Não se
trata.assim.de um contexto em que o legislador deva ter primazia. A racionalidade
do método não é determinada pela lei positiva, mas pelas regras da epistemología.
Não é tudo. Além do método de valoraçâo, no processo judicial é necessário um
critério decisorio que estabeleça o nivel ou suporte probatorio que uma afirmação
sobre os fatos precisa obter, para que seja considerada provada e, portanto, tida por ver­
dadeira. Trata-se do problema do standard de prova ou dos níveis de convencimento.
A distinção das atividades de valoraçâo da prova, de um lado, e de decisão,
de outro, é necessária na medida em que ambas atividades devem ser governadas
por parâmetros distintos. A atividade de valoraçâo da prova é regida por criterios
epistemológicos. Já o ato de decisão, ou melhor, de quando se deve considerar
que a valoraçâo atingiu o pomo necessário para decidir, em sentido positivo ou
negativo, depende de uma escolha de valor feita pelo legislador. É a lei que define o
modelo de constatação ou do standard de prova para considerar que um enunciado
fático está provado. Além disso, como é possível que. mesmo ao final, o juiz não
considere atingido o standard de prova, nem pela hipótese acusatoria, nem pela
hipótese defensiva, é necessário que haja regras de julgamento, definindo como
deverá julgar em caso de dúvida. Trata-se, pois, urna vez mais, de uma escolha
legal de definição do ônus da prova. Por isso, é importante distinguir o contexto
da valoraçâo, regido por regras epistêmicas, do contexto da decisão, determinado
por escolhas políticas do legislador.
No campo processual, assim como nas ciencias em geral, também é necessário
que o julgador justifique a sua decisão. Importante, contudo, não se deixar levar
por confusões terminológicas. No ámbito científico, como já visto, o context o f
justification não é algo que ocorra depois de já definida ou aceita como correta a
teoria científica. Na filosofia da ciencia, a justificação tem a finalidade de permitir
a escolha da melhor hipótese. Portanto, é algo que precede à decisão. Mais do que
isso, nas ciências, a experimentação é um método de verificação que cumpre uma
função heurística, de guia para a escolha da hipótese correta. Já dizia Hempel que
uma das características notáveis das ciências naturais, e que constitui uma das suas
“grandes vantagens metodológicas”, é que “suas hipóteses admitem, em geral,
verificação experimental”.47

47. Filosofia da ciência natural..., cit.. p. 35. E complementa Hempel (op. cit., p. 33): “Quando
o controle experimental é impossível, quando as condições C mencionadas na implicação
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 145

Já no processo, quando se pensa no contexto da just ificação, em especial na


sentença, trata-se de atividade realizada após a valoração da prova e a tomada de
decisão pelo julgador. A fundamentação da sentençaéuma “operação dejustificação
‘póstuma’ da decisão".'*8 No ambiente judicial, o contexto da justificação não se
destina a permitira escolha da hipótese que melhor encontre suporte na prova pro­
duzida. Vluito menos envolve uma atividade heurística. A decisão já estará tomada
e a fundamentação será, apenas e tão somente, uma justificativa, a posteriori, das
escolhas racionais feitas previamente pelo ju iz.4gO juiz primeiro raciocina, depois
decide e, por fim, explica: julga-se para decidir, e então se justifica aquilo que se
decidiu.50A motivação da sentença apresenta-se, portanto, como uma justificação
das circunstâncias fálicas e jurídicas que determinaram as razões de decidir.51 O
que se tem é um “discurso justificativo da decisão ’.’2
Cabe, agora, analisar detalhadamente cada um desses contextos, sob o enfoque
jurídico e epistemológico, estabelecendo, assim, o tão necessário diálogo para a
construção de um modelo de epistemología judiciária.

3.3. Contexto da investigação


O contexto da descoberta é destinado, sinteticamente, à formulação de hipó­
teses prévias, com potencial explicativo de um determinado acontecimento, com
base em alguns dados disponíveis. É exatamente o que necessita o investigador,
diante da notícia da ocorrência de um fato que se lhe afigura criminoso e dos

não podem ser realizadas ou variadas pelos meios lecnológicos disponíveis, então a
hipótese deve ser verificada não experimentalmente, seja procurando, seja esperando
os casos em que as condições especificadas são verificadas pela natureza e observando
se E de fato ocorre". Foi o que ocorreu, por exemplo, com a teoria da relatividade geral
de Albert Einstein. que fora apresentada ao mundo em novembro de 1915, mas a efetiva
comprovação da teoria de Einstein somente ocorreu 4 anos depois, no dia 29 de maio
de 1919, quando astrônomos da Royal Astronomical Society, de Londres, na cidade de
Sobral, no Ceará, durante um eclipse solar, verificaram o desvio da luz emitida pelas
estrelas, que desenvolveu uma trajetória curva, em razão do campo gravitacional do sol.
Foi a comprovação de que a matéria e a energia distorcem a malha do espaço-tempo,
podendo desviar a trajetória da luz que viaja por ele a passar próxima de um grande
astro, no caso, o Sol.
48. SAMMARCO, Método probatorío c modelli di ragionamento..., cit., p. 17. De modo seme­
lhante, Pastorc. (Decisioni, argomenti, controlli..., cit., p. 101) se refere a uma "raciona­
lização a posteriori". Para Taruffo (Lu prova dei fattigiuridici..., cit., p. 4 0 8 ), trata-se de
uma “justificação racional elaborada ex post a respeito da decisão".
49. TARUFFO, Lu prova dei fatti giuridici..., cit., p. 421.
50. IACOV1ELLO, Motivazione delia sentenza penale..., cit., p. 750.
51. CRUZ E TUCC1, A motivação da sentença no processo civil..., cit., p. 15-16.
52. Nesse sentido: AMODIO, Motivazione delia sentenza penale..., cit., p. 184; PASTORE,
Decisioni, argomenti, controlli..., cit., p. 100.
146 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

elementos iniciais disponíveis, como o cadáver, os indícios deixados na cena do


crime, o depoimento de uma testemunha etc.
Muitas vezes, contudo, os fatos que se oferecem inicialmente, por exemplo, na
cena do crime, são insuficientes para uma hipótese explicativa definitiva, que será
posteriormente introduzida no processo ao se formular a acusação.53 A primeira
hipótese tem um caráter de generalidade e provisoriedade, sendo empregada para
produzir outros âmbitos de investigação, sendo posteriormente substituída por
uma hipótese mais específica.54
Principalmente para a formulação da hipótese inicial, mas também na ela­
boração de novas hipóteses, quando a anterior é afastada, a investigação criminal
envolve uma grande dose de atividade imaginativa.55 Há, também, grande liberdade
na seleção dos dados empíricos a serem considerados.56 Tal mister terá influência
da bagagem cultural do investigador,57 de seu conhecimento acumulado em expe­
riências anteriores,58até mesmo seus preconceitos, na acepção legítima da palavra
e, por que não, de alguma dose de sorte, entre outros fatores.w Não é por outra
razão que, ao se buscar exemplos sobre o método abdutivo, de grande utilidade na

53. FASSONE, Dalla “certezza” all’ “ipotesi preferibile"..., cit., p. 1121.


54. Ibidem, p. 1121. No mesmo sentido: TUZET. Filosofia delia prova giuridica..., cit., p. 12:
P1ZZ1, Diritto, abdu zione e prove..., cit.. p. 69.
55. Nesse sentido: HAACK. Epistemology legalized..., cit., p. 30: FERRER BELTRÁN, La
valoración racional dc la prueha.... p. 129.
56. ANDRÉS IBÁNEZ, ' Carpintaria” da sentença penal..., cit., p. 134. De modo semelhante,
Umberto Eco (Chifres, cascos, sapatos: três tipos de abdução. Os limites da interpreta­
ção..., cit., p. 203) elenca entre uma das espécies de abdução, a “abdução criativa”, em
que se tem que inventar a lei cx novo, o que não é tão difícil “desde que nossa mente
seja suficientemente criativa ”.
57. Por exemplo, Hcmpel (Filosofia da ciência natural..., cit., p. 28) destacava a diferença entre
uma liberdade bem informada e outra não, no processo dc descobrimento de conhecimen­
tos sobre um fenômeno, afirmando que os “palpites felizes requerem um grande engenho",
e não costumavam ocorrer coin os “principiantes”: “Naturalmente, esse esforço inventivo
só pode ser beneficiado por uma familiaridade completa com o conhecimento corrente no
campo em questão. Um principiante dificilmente fará uma descoberta científica importan­
te, pois o provável é que as ideias que venham a lhe ocorrer sejam simples duplicatas do
que já foi tentado antes ou entrem em conflito com teorias ou fatos bem estabelecidos
de que ele tem conhecimento”. Por sua vez. Tuzet ( Filosofia delia prova giuridica..., cit.,
p. 14) se refere ao conhecimento prévio do intérprete e ao contexto no qual ele se coloca.
58. IACOV1ELLO, 1 criteri di valutazione delia prova..., cit., p. 401.
59. O matemático Indiano Srinivlsa Aiyangãr Rãmãnujan (1 8 8 7 -1 9 2 0 ), cuja história foi
retratada no filme O homem que viu a infinito, atribuía seus descobrimentos ás sugestões
que a deusa Namakkal revelava em seus sonhos. Em diálogo com G. H. Hardy, narrou:
“Você queria saber de onde eu tirava minhas ideias. Minha Deusa Namagiri. Ela fala
comigo. Coloca as fórmulas na minha língua quando vou dormir, às vezes quando estou
rezando. Acredita em mim? Se for meu amigo saberá que estou falando a verdade".
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 147

formulação de hipóteses explicativas, sempre são lembradas passagens do célebre


investigador Sherlock Holmes.60
Diante desse conjunto de dados iniciais, é elaborada a hipótese preliminar que
explica o fato desconhecido. O investigador terá, então, que procurar elementos de
informação que confirmem tal hipótese. Com a recolha de tais elementos, a hipótese
poderá ser confirmada. Por outro lado, se encontrados elementos incompatíveis,
um investigador honesto lerá que descartar a hipótese preliminar e formular uma
nova hipótese alternativa.61
Na persecução penal, o “contexto da investigação" é semelhante ao “con­
texto da descoberta” da filosofia da ciência. Investigador e cientista se valem da
inferência abdutiva.62
Importante destacar, desde logo, que o contexto da investigação, com uma
metodologia abdutiva, é o modelo adequado para descreveras atividades do investi­
gador, durante o inquérito policial, mas não do juiz, no momento de sentenciar. Isso
porque o percurso do raciocínio abdulivo se caracteriza por operações seletivas, que
inicialmente condicionam o resultado.63 O juiz deve ser imparcial, como condição
necessária para valorar a prova e chegar ao conhecimento verdadeiro dos fatos. E
quem investiga, exatamente por formular a hipótese explicativa, compromete-se
com a mesma e deixa de ter uma posição neutra quanto à sua confirmação ou re­
futação. Não há prejuízo que, para o investigador, haja um “primado das hipóteses
sobre os fatos”. Vias isso não cabe ao julgador, que deve ser imparcial e, portanto,
não pode estar comprometido com uma hipótese por ele eleitaapnori.64 Por isso é

60. Referências nesse sentido são encontradas em: Eco, chifres, cascos, sapatos: três tipos
de abdução. Os limites do interpretação..., cit.. p. 203 e 211; RAMIREZ, Ni deducción
ni inducción: abducción!..., cit., p. 163-176; ANDRÉS 1BAÑEZ, Sobre a motivação dos
fatos na sentença penal..., cit.. p. 84; MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das
decisões penais..., cit., p. 160-161. Na literatura, também pode ser lembrado outro famoso
detetive, Auguste Dupin, criado por Adgar Alian Poe. no famoso The murders in the Rue
Morgue, explorado à luz do método abdutivo por TL'ZET, Razonamiento probatorio:
¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?..., cit., p. 129-132.
61. Nesse sentido: FASSONE, La valutazione della prova..., cit., p. 333. Para Haack (Episte­
mology legalized..., cit., p. 3 0), é obrigação do investigador procurar todas as provas que
puder e as avaliar com a máxima imparcialidade. E completa: "um investigador iscnio
e desinteressado’ é uma espécie de pleonasmo, c um ‘investigador isento e interessado’
um oxím oro’’.
62. No sentido de que, no context of discovery no processo, aplica-se um raciocínio abdutivo:
cf. TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit.. p. 41 7 -4 1 8 ; IACOV1ELLO, 1 criteri di
valutazione delia prova..., p. 399.
63. SAMMARCO, Método probatorio e model li di ragionamento..., cit., p. 170. No mesmo
sentido: ANDRÉS 1BÁÑEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 87.
64. Antes de Cordero, já Bellavista (11 processo come dubbio..., cit.. p. 4 2 ) tratando do
“processus judiei como processus dubii”, alertava que “contra o processus dubbi há ainda
148 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PRO VA PENAL

que há uma repartição de funções: quem julga não pode investigar, quem somente
investiga, sem julgar, não tem os mesmos obstáculos que o juiz.
O investigador, diante de um fato tido por criminoso, deve elaborar uma
hipótese explicativa para tal fato, mesmo que seja um acontecim ento insólito
ou invulgar. Ao formulá-la, por meio de raciocínio abdutivo, ele se compromete
psicologicamente com a hipótese por ele inventada. Isso porque, diante dos dados
disponíveis, somados a sua experiência e criatividade em os interpretar, aquela
foi considerada a melhor explicação dos fatos. Isso envolve sua própria pré-com­
preensão dos fatos, pois não se pode compreender sem pré-compreender, isto é,
orientar-se por uma hipótese inicia] é uma espécie de representação antecipada do
resultado/' Logo, quem formula a hipótese o faz propondo a explicação que lhe
considera a preferível. Posteriormente, terá que a confirmar, mediante indução.
Para tanto, sairá em busca de elementos que a corrobore, mostrando o acerto de
sua formulação. Em caso positivo, a hipótese explicativa estará corroborada em
algum grau. Todavia, se encontrar elementos que infirmem a hipótese inicial, o
investigador honesto deverá abandoná-la,66 formulando uma nova hipótese que
seja apta a explicar os fatos, diante dos novos elementos disponíveis.67
Um bom exemplo é a hipótese do estupro, seguido de assassinado, do famoso
conto “Dentro do bosque”, de Akutagawa,68 em que há uma sequência de depoi­
mentos, que assim podem ser resumidos:
Iniciada uma investigação, o comissário de polícia toma o depoimento de
um lenhador, que afirma ter encontrado o cadáver quando foi cortar lenha, pela
manhã, como de costume, dentro do bosque, no sopé da montanha, num lugar
ermo. E diz: “O cadáver estava deitado de costas, vestia um quimono de seda azul
c trazia um chapéu pregueado à moda da Capital. Via-se um só golpe de espada,
mas, como era muito profundo, e estava bem no meio do peito, as folhas secas de
bambu ao redor do cadáver pareciam tingidas de vermelho”.
Acrescentou que não viu a espada nem cavalo; “só um pedação de corda jogado
ao pé do cedro”; “além da corda havia um pente”. Por fim, ainda disse: “como as

aquela, afortunadamente pouco numerosa, tipológica de juízes, para os quais a investi­


gação é tudo, e a instrução é nada. Para estes, ojudicium, isto é, o posterius, se resolve
no pracjiidicium, isto é, no prius. É como dizer, o prejuízo que vence o juízo”!
65. TUZET, Filosofia delia prova giuridica..., cit., p. 12.
66. No campo das descobertas científicas, Hempel (Filosofia da ciência natural..., cit.. p. 56)
afirma que “a ciência não está interessada em defender suas concepções favoritas contra
as evidências que possam lhes ser contrárias. Em virtude mesmo do seu objetivo, está
sempre pronta a renunciar a uma hipótese já aceita ou pelo menos a modifica-la”.
67. TARUFFO. La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 4 17-418.
68. AKUTAGAWA, Ryunosuke. Dentro do bosque. Rashômun e outros contos. Trad. Madalena
Hashimoto Cordadro ejunko Ota. São Paulo: Hedra, 2008. p. 35-49.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 149

plantas e as folhas de bambu caídas ao redor do cadáver estavam muito pisadas,


não havia dúvida de que o homem antes de ser assassinado, resistiu bravamente".
Num segundo momento, presta depoimento um monge budista, que disse:
“Tenho certeza de que ontem vi este homem cujo cadáver os senhores encontraram
hoje. Ontem, por volta do meio-dia, creio eu. Foi a meio caminho entre Sekiyama
e Yamashina. Ele vinha a pé no rumo de Sekiyama, acompanhado de uma mulher a
cavalo. Não pude ver o resto dela, poisseu chapéu era provido de um longo véu. Tudo
que pude divisar foi a cor de suas vestes: púrpura sobre azul". Além disso, narrou
que o cavalo parecia ser um alazão, com crina aparada; o homem, além da espada,
também portava arco e flecha, “cerca de vinte flechasem sua aljava laqueada de preto".
Segue, então, um terceiro depoimento, do policial que prendeu o conhecido
ladrão Tajômaru, na ponte de pedra de Awataguchi, informando que achava que
ele tinha caído do cavalo, pois estava gemendo de dor no momento da prisão.
Ao Alto Comissário, indagado sobre o horário da prisão, o policial informou:
“foi logo no começo da noite. Dias atrás, quando tentei prendê-lo, mas não consegui,
ele vestia a mesma roupa azul-escuro e trazia a mesma espada ornada de detalhes
metálicos. Como o senhor agora bem pode ver, também portava arco e flechas.
É mesmo? Aquele homem também possuía arco e flechas antes de ser morto?
Então não há dúvidas de que o assassino é Tajômaru. Arco revestido de couro, al­
java laqueada de prelo, dezesseis flechas com penas de falcão... Tudo, então, deve
pertencer àquele homem!
Sim, como diz o senhor, o cavalo também é um alazão com a crina aparada.
O ladrão deve ter sido derrubado pelo animal por castigo divino. O cavalo pastava
pouco adiante da ponte, a rédea comprida arrastando no chão. Esse tal de Tajôma­
ru, de todos os ladrões que rondam a Capital, é o que mais persegue mulheres".
Analisando os três depoimentos, embora haja pontos não contraditórios, há
um aspecto não esclarecido: o paradeiro da mulher do samurai. Por outro lado, há uma
contradição irrelevante sobre o número de flechas, e, principalmente, sobre a espa­
da. Se o monge budista viu o samurai com sua espada, no dia anterior ao encontro de
seu cadáver, o policial não poderia ter visto o ladrão com a mesma espada “ornada
de detalhes metálicos", “dias atrás”, quando não consegui o prender. Talvez essa
divergência não fosse suficiente para abandonara hipótese de que Tajômaru losse
o assassino, mas certamente era necessário obter novas provas.
O novo dado probatório é o “depoimento de uma velha”, em verdade, a sogra
do samurai, que reconheceu seu corpo, dizendo: “aquele é o cadáver do homem com
quem casei a minha filha". Além disso, dá outras informações: o samurai Takehiro
tinha 26 anos e cra muito gentil. Sua filha, Masago, tinha 19 anos c “sua persona­
lidade é tão forte como a de qualquer homem; no entanto, até agora sempre foi liei
a Takehiro”. Por fim, lamentando a infelicidade do ocorrido, conta que “Takehiro
partiu ontem para Wakasa em companhia de minha filha".
150 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

O depoimento confirma, em parte, o depoimento do monge que vira o casal


na estrada.
Segue-se, então, a “confissão de Tajômaru”. O ladrão que confessa tanto prá­
tica sexual com a mulher quanto o assassinato do seu marido. Afirma, contudo,
que não o queria matar, mas apenas possuir a sua esposa, sendo que o assassinato
se dera em decorrência de um duelo entre ambos. Antes, porém, informou que
encontrou o casal na estrada de Yamashina. Desejando possuir a mulher, mas
não o podendo fazer na estrada, valeu-se de falsas histórias, convencendo o casal
a entrar no bosque. Longe da estrada, primeiro, derrubou e dominou Takehiro,
tomou-lhe a espada e o amarrou ao pé de um cedro. Depois de lutar contra a es­
posa Masago, que, inclusive, sacou de um punhal que trazia consigo, finalmeme
Takehiro “conseguiu possuir a mulher sem tirar a vida do homem”. Segue, então,
na sua narrativa: “quando cu já ia deixando o bosque, deixando atrás a mulher em
prantos, de repente ela agarrou-me o braço, desesperada. Com gritos entrecortados
de soluços, ela dizia: ‘Morra você ou o meu marido, morra um dos dois; expor a
própria desonra a dois homens é pior que a morte!' E dizia ainda, ofegante, que se
uniria àquele que sobrevivesse”.
Tajômaru disse que lhe tomou um violento desejo de matar Takehiro mas,
para não o fazer de forma injusta, o soltou e lutaram de igual para igual, sendo
que: “minha espada lhe atravessou o peito no vigésimo terceiro golpe”, matando­
-o. Sobre a mulher, informou que, ao fim da luta, ela tinha desaparecido por entre
os cedros, não tendo mais a visto. Por fim, diz que fora para a Capital, antes se
livrando da espada.
Analisando a última informação, surge outra contradição relevante sobre a
espada do samurai assassinado. Se Tajômaru se livrara da espada de Takehiro, não
seria possível que o policial o tivesse encontrado “com a mesma espada do samurai
e que teria visto dias antes com o próprio ladrão". Todavia, poderia ser que ambos
tivessem espadas semelhantes e isso levasse à confusão do policial.
Eis que, então, Masago, a esposa estuprada, é encontrada no Templo Kiyo-
mizu. Ela identifica Tajômaru como seu estuprador, dizendo que, depois de ser
possuída na presença de Takehiro, que tudo viu amarrado ao cedro, pode imagi­
nar como seu “marido deve ter se sentido humilhado!”. Acrescentou que, após o
estuprador partir, pôde perceber nos olhos do marido “um brilho muito estranho.
Realmente estranho [...] No lundo daquele desprezo gélido, havia também odio.
Vergonha? Tristeza? Raiva?" Procurando interpretar o significado dos olhares do
marido amarrado, ela compreendeu seus sentimentos e disse ao marido: “deixe-me
tomar agora a sua vida. E o acompanharei imediatamente". Então Takehiro, “com
a mesma expressão de desprezo, balbuciou apenas uma palavra: ‘Mate-me!’”. Ma­
sago cravou-lhe o punhal no peito, “atravessando o quimono de seda azul”. Vias
não conseguiu dar fim à própria vida. Então, foi encontrada no templo Kiyomizu.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 151

A informação de que a morte fora causada com um punhal, e não com uma
espada de samurai, seria suficiente para abandonar a hipótese inicial. Todavia,
seria necessário verificara compatibilidade do ferimento no corpo da vítima, com
um ou outro tipo de instrumento perfuro-cortante. Sc uma perícia comprovasse
a compatibilidade do ferimento com um punhal, estaria descartada a hipótese do
policial corroborada pela confissão de Tojâmuru. Caso contrário, se o ferimento
tivesse sido causado por uma espada, a confissão de Masago seria falsa.
Antes disso, porém, no conto de Akitagawa, surger uma nova e decisiva prova,
a afastar aquela hipótese. O morto, por meio de uma intervenção mediúnica, dá
sua versão dos fatos: “Após violentar minha mulher, o assaltante, sentando-se ali
mesmo, pôs-se a confortá-la de várias formas [...] Naturalmente, eu não podia falar
[...1 Entretanto, lancei lhe várias vezes uns sinais com os olhos. ‘Não acredite nas
palavras dele. Tudo que ele disser será mentira'. Era isso o que eu lhe queria trans­
mitir. |...| E não é que ela parecia estar absorvendo as palavras do ladrão? Eu me
contorcia de ciúmes. Mas o ladrão continuava a conversa, com muita habilidade,
passando de um argumento ao outro. Chegou até fazer essa proposta atrevida: (... 1
Em vez de continuar com seu marido, que tal ser minha esposa? Toda minha ousadia
nasceu do amor que você me inspirou.’ Ao ouvir aquelas palavras, minha esposa
ergueu a cabeça, extasiada. Nunca vi minha mulher tão bela como naquele instante!
Mas o que minha linda esposa respondeu ao ladrão, diante de mim ainda amarrado?
[...] Então leve-me para onde você for”.
E segue o espírito do samurai morto, a contar o ocorrido, informando que,
quando saíam do bosque, Masago apontou para o marido, ainda amarrado, e pediu
a Tajômaru que o matasse: “Mate este homem! Se ele continuar vivo, não poderei
viver como você!” Diante de tão inesperado pedido, o ladrão repeliu a mulher,
jogando-a ao chão; e dirigindo-se ao marido, perguntou: “O que quer que eu faça
com ela? Mato-a ou deixo-a ir?”. Diante da hesitação de Takehiro, Masago fugiu,
embrenhando-se pela floresta c não foi mais alcançada. O espirito do samurai ainda
informou que: “Depois da fuga de minha esposa, o ladrão apanhou minha espada,
arco e flechas e cortou um ponto apenas da corda que me amarrava”. Takehiro,
depois de se livrar da corda narrou, sempre por meio do espírito, o final da história:
“Levantei o corpo exausto, com dificuldade. À minha frente, brilhava o punhal
que minha esposa deixara cair. Tomando-o nas mãos, cravei-o de um só golpe no
peito. Não sentia, entretanto, doralguma [...] Senti-me tomado por um profundo
silêncio. Nesse momento, ouvi passos furtivos de alguém se aproximando. Tentei
ver quem era. Vias a escuridão já me envolvia. Alguém - esse alguém com uma
mão invisível, retirou cuidadosamente o punhal do meu peito. [...] Depois disso,
mergulhei na escuridão eterna do limbo [...]”.
Tomando as informações do espírito mediúnico como se fosse de uma in­
suspeita testemunha presencial, as hipóteses anteriores, tanto de que Takehiro
152 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

fora morto por um golpe da espada do ladrão Tajômaru, quanto de que fora as­
sassinado por sua esposa Masago, que lhe cravou o punhal no peito, deveriam
ser abandonadas.
Voltando ao tema do raciocínio empregado na persecução penal, conclui-se
que raciocínio abdutivo é adequado ao contexto do descobrimento69 e, no caso,
da fase de investigação preliminar. Há a formulação de hipóteses explicativas, até
que reste apenas uma hipótese ou. se restar mais de uma, será escolhida a mais
provável.70A abdução constitui a primeira parte do processo lógico e cognoscitivo,
de reconstrução dos fatos sobre os quais se realizará o julgamento, mas por outro
lado, não lhe corresponde um papel relevante no contexto da justificação, em que
a hipótese explicativa terá que ser colocada à prova, avaliada de modo a que possa
ser constatada a sua veracidade ou falsidade.71
Por outro lado, se é correto identificar o contexto da descoberta, oriundo da
filosofia da ciência, com o contexto da investigação, inserido na persecução penal,
é importante ressaltar que tal modelo é aceitável para o investigador, mas não para
o julgador, que para manter a sua imparcialidade, não pode raciocinar criando
hipótese. Seu papel é outro. Com a formulação da acusação, a "hipótese explica­
tiva” obtida no contexto da investigação se transforma, por ato do acusador, na
"tese a ser demonstrada”.72 Caberá ao juiz, no processo, controlar tese acusatória,
mediante a produção de provas, que depois serão valoradas, para que se verifique
se tal enunciado fático pode ser considerado provado.

3.4. Contexto da instrução judicial

O contexto da instrução judicial é o momento em que a tese acusatória, como


tese a ser demonstrada, será submetida ao controle judicial, mediante as provas
produzidas.
Como já exposto, essa tese poderá ser simplesmente negada pela defesa, caso
em que seu interesse será produzir provas no sentido da não ocorrência de tais
fatos. A defesa também poderá buscar apenas enfraquecer as provas produzidas
pela acusação, buscando "invalidá-las".
A tese acusatória também poderá ser aceita parcialmente pelo acusado que,
contudo, agrega novos fatos, p. ex.: que agira em legítima defesa. E tal situação a
defesa terá interesse em, ao menos, mostrar a plausibilidade concreta da ocorrência

69. TUZET, Giovanni. Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?. In:


AMADO. Juan Antonio García; BONOR1NO, Pablo Raúl (Coord.). Prueba y razonamiento
probatorio en el Derecho. Debates sobre abducción. Granada: Contares, 2014. p. 125.
70. IACOV1ELLO, 1 criteri di valutazione delta p rova..., cit., p. 401.
7 1. TUZET. Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?..., cit., p. 125.
72. 1ACOV1ELLO, 1 criteri di valutazione della prova.... p. 4 0 1.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 153

de tal fato. A defesa também poderá fornecer uma hipótese alternativa, por exem ­
plo, de que praticou uma infração penal diversa e menos grave.
Tudo esse enfrentamento de versões, com confrontação de hipóteses é viabi­
lizado no processo e, principalmente, na instrução, pelo contraditório.
O contraditório possui um inegável valor heurístico, possibilitando o funcio­
namento de uma estrutura dialética, em que há formulação de tese e verificação
de hipóteses contrárias, produção de prova e possibilidade de contraprova. 5Mais
do que uma escolha de política processual, o método dialético é uma garantia
epistemológica na busca da verdade.737475As opiniões contrapostas dos litigantes am­
pliam os limites do conhecimento do juiz sobre os fatos relevantes para a decisão
e diminuem a possibilidade de erros.73
Abandonada a crença epistemológicamente ingénua da possibilidade do
atingimento da verdade, não há qualquer justificativa para se defender poderes
probatórios ilimitados do juiz na atividade probatória. Como bem pontua Nappi,
o processo inquisitório se funda num pressuposto de autossuficiência metodoló­
gica do juiz-acusador, que pode pesquisar e atingir solipsisticamente a verdade
absoluta, a todos oponível.76 Num processo de partes, com direito à prova, e cuja
instrução se desenvolve em contraditório, a verdade deverá ser buscada com base
no ‘principio da divisão do conhecimento, que representa condição indispensável
para obtenção de uma verdade eticamente válida’’.'7
Embora o contraditório seja uma exigência legal para a produção de provas
a serem valoradas pelo juiz, trata-se, também, de um método com inegável im­
portância epistêmica. Segundo Popper “exatamente porque nosso objetivo é o
de formular teorias tão perfeitas quanto possível, devemos submetê-las a testes
tão severos quanto possível, ou seja, devemos tentar identificar erros que nelas
se contenham, devemos tentar falseá-las. [...] Com efeito, se não formos críticos,
sempre encontraremos aquilo que desejamos: buscaremos e encontraremos con­
firmações, e não procuraremos nem veremos o que possa mostrar-se ameaçador
para as teorias que nos agradam”.78

73. DE LUCA. Giuseppc. II sistema delle prove penali e i! principio dei libero convincimenio
nel nuovo rito. Rivisni Italiana cli Diritto e Procedura Penale, 1992. p. 1261.
74. Nesse sentido: UBERTIS. Principi di procedura penale europea..., cit., p. 36; MAGALHÃES
GOMES FILHO, Antonio Magalhães. A motivação tias decisões penais..., cit., p. 39.
75. ZAPPALÀ, Enzo. Processo penale ancora in bilico tra sistema accusalorio e sistema
inquisitório. Diritto penale c processo. 1998. p. 888.
76. NAPPI, Aniello. Cuida al codici di procedura penale. 8. ed. Milano: Giuffrè, 2001. p. 10.
77. MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito a prova no processo penal..., cit., p. 70.
78. POPPER, Karl A misíria do historicismo. Trad. Octany S. da Mota e Leônidas Hegenbert.
São Paulo: Cultrix/Ed. USP. 1980. p. 104-105.
154 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

O contexto da instrução, no campo processual, pode ser dividido, de acordo


com a dinâmica probatoria, em momentos de admissão e de produção da prova.

J.4 . /. As regras legais de admissibilidade probatoria e seus reflexos epistêmicos

Do ponto de vista epistémico, é um tanto quanto obvio afirmar que quando se


busca acertar a verdade de um enunciado fático, deve poder-se utilizar todas as in­
formações úteis para tal finalidade. Trata-se da aplicação do total cvidenceprincipie.70
Jeremy Bentham já advertia que a prova é a base da justiça e, “excluir a prova é
excluir a justiça" !*1 Portanto, nessa visão mais radical, a ideia de que possam existir
regras legais de exclusão probatorias é inaceitável do ponto de vista epistemoló­
gico. Em tempos não tão distantes. Sentís Melendo alertava que falar em "direito"
c "probatorio" c utilizar um substantivo e um adjetivo antagónicos.111Numa visão
benthamiana, defendia que “a prova c liberdade; c no momento em que o direito
pretende submetê-la a normas rígidas, deixa de ser prova, para se converter, senão
numa caricatura, em algo queja não c prova”.7980182
Portanto, um regime legal de prova que fosse guiado por um ideal puramente
epistémico, ou seja, que iivesse na descoberta da verdade o seu fim primeiro c ulti­
mo, deveria admitir a produção de todo e qualquer meio de prova. Quando muito,
poderia incorporar, como decorrência da regra lógica segundo a qual toda prova
relevante deve ser admitida, aquela que seria o seu reflexo negativo: somente são
inadmissíveis as provas irrelevantes.
Isso, contudo, não acontece na prática. Em maior ou menor medida, todos os
sistemas processuais admitem regi as legais de exclusão de provas, seja impedindo
a sua produção, seja determinando a sua inadmissibilidade, com a impossibili­
dade de valorar a prova, caso tenha sido produzida. Nenhum processo é apenas
um instrumento epistémico. Por mais que a descoberta da verdade seja relevante,
como condição necessária para a justiça da decisão, a verdade não c um valor que
deve ser perseguido a qualquer custo ou a qualquer preço. A lei, ao disciplinar a
atividade de admissão da prova, leva em conta outros valores que, em determinados
casos, justificam que a existência de limites de admissão, ou, no caso, regras de
inadmissibilidade probatórias.

79. TARUFFO, La prova deifatti giuridici..., cit., p. 337; ¡dem. La semplice veritá..., cit.,
p. 140. No mesmo sentido, considerando a regra de que toda prova relevante deve ser
admitida consiste em um filtro epistemológico: GASCÓN ABELLÁN. Los hechos en le
derecho__ cit., p. 113; FERRER BELTRAN. La valoración racional de la prueba..., cit..
p. 68; FERRER BELTRAN, La prueba es libertad..., cit.. p. 25.
80. BENT11AM. Jermías. Tratado de las pruebas judiciales. Trad. Manuel Osorio Florit. Buenos
Aires: Ejea, 1971. t. II. p. 87.
81. SENTÍS MELENDO. La prueba..., cit., p. 336.
82. lbidem. p. 336.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 155

Logo, o ‘'direito à prova”, que fundamenta os requerimentos de produção


de provas leitos pelas partes, não lhes assegura o “direito à admissão de todas as
provas”.83 Aceita-se, assim, que a lei estabeleça hipóteses de exclusão probatória,
tornando inadmissível a utilização de elementos de prova aptos a servir de funda­
mento para a reconstrução dos fatos.
O grande problema das regras de exclusão probatória é, como aponta Taruffo,
resolver o paradoxo de normas que parecem endereçadas a realizar uma finali­
dade epistêmica mas, em realidade, são contraproducentes para a busca da verdade,
impedindo a utilização de informações úteis.84 Por isso, muitos autores conside­
ram-nas limites antiepistêmicos, ao impedir o ingresso e valoração de elementos
relevantes para o convencimento judicial.85
Nos países de com m on law, é comum a distinção entre exclusionary rules
fundadas em extrinsic policies, e em intrinsic policies.8687As exclusionary rules o f ex­
trinsic policy são regras que afastam elementos dotados de valor probatório, para
salvaguardar outros valores não conexos com a busca da verdade; as exclusionaiy
rules o f intrinsic policy são entendidas como “as regras de exclusão de provas di­
tadas pelo interesse de uma correta apuração da verdade”. De forma semelhante,
na doutrina nacional. Antonio Magalhães Gomes Filho afirma que os limites à
admissibilidade da prova podem ter fundamentos extraprocessuais (políticos) ou
processuais (lógicos e epistem ológicos).8,
Esse conjunto de regras legais, que estabelecem limites lógicos, políticos e
epistemológicos serão analisados sob a ótica de sua repercussão epistêmica. Quais
regras de exclusão devem ser aceitas e quais não tem justificativa, à luz da episte­
mología judiciária, regras legais de exclusões probatórias fundadas nesta última
classificação.

3.4.1.1. As regras legais de exclusões probatórias fundadas em limites


lógicos
A regra de que toda prova relevante deve ser admitida é inegavelmente um
princípio epistemológico, na medida em que objetiva dotar o processo do conjunto
mais amplo de elementos para uma correta reconstrução histórica dos fatos.

83. UBERTIS. Diritto alia prova nel processo penale e Cone Europea dei Diritti dell Uorno. ..
cit., p. 91.
84. La semplice verità..., cit., p. 150.
85. Para Laudan ( Verdad, erro ry proceso penal..., cit., p. 4 6 ), toda regra que exclui provas
relevantes é suspeita do ponto de vista epistémico.
86. Nesse sentido, DAMASKA, II diritlo deite prove alia deriva..., cit., p. 24, citando J. H.
Wigmore. Evidence in Trials at Common Law, por P. Tillers, Boston, 1983. 1 ,11. p. 689.
87. Direita à prova no processo penal..., cit., p. 93; Idetn, A motivação das decisões penais..., cit.,
p. 150-151. No mesmo sentido, na doutrina italiana: UBERTIS, La prova penale.... cit., p. 55.
156 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAI

Porém, considerado sob um enfoque negativo, de exclusão de toda a prova


que não seja relevante, o princípio de exclusão pode ser tratado como um limite
lógico à admissibilidade da prova. Assim, as regras legais que determinam a não
admissão de provas impertinentes e irrelevantes representam um limite lógico da
produção da prova.88
O Código de Processo Penal, com a reforma de 2008, passou a ter uma regra
geral sobre limites lógicos, no § 1" do artigo 400: "As provas serão produzidas numa
só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes
ou protelatórias”.80 Todavia, não há consenso na interpretação das noções de per­
tinência e de relevância. Nem mesmo essa dicotomia é tranquila.00

88. A questão foi tratada, em maior profundidade, em BADARÓ, Gustavo. Direito à prova e
os limites lógicos de sua admissão: os conceitos de pertinência e relevância. In: BEDA-
QUE,José Roberto dos Santos; CINTRA, Lia Carolina Batista; EID, Elei Pierre (Coord.).
Garantismo processual. Brasília: Gazela Jurídica, 2016. p. 219-260.
89. Regra idêntica, para o procedimento tios crimes dolosos contra a vida está prevista no
§ 2° do artigo 411, incluído pela Lei 11.689/2008. Dispositivo semelhante já existia para
os Juizados Especiais Criminais, prevista no § Io do arligo 81 da Lei 9.09 9 /1 9 9 5 : "§ Io
Todas as provas serão produzidas na audiência de instrução e julgamento, podendo
q Juiz limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias".
Com clara inspiração no direito italiano, o PLS 1 56/2009, prevê, nas disposições gerais
sobre a prova que: “as provas serão propostas pelas partes” (art. 162). E, completando
a regra geral que assegura um verdadeiro direito à prova, prevê os critérios de exclusão
no art. 163, caput: “Art. 163. O juiz decidirá sobre a admissão das provas, indeferindo
as vedadas pela lei e os manifestamente impertinentes ou irrelevantes” (destaquei).
90. Na doutrina processual civil, a inadmissibilidade da prova que tivesse por objetos fatos
impertinentes e fatos irrelevantes foi feita, ao que se pode apurar, pela primeira vez, por
Lopes da Costa (COSTA, Alfredo Araújo Lopes da. Direito processual civil brasileiro. 2. ed.
Rio de Janeiro: José Konfino, 1947. v. II. n. 280. p. 22 2 ). nos seguintes lermos: “Fatos
impertinentes (in-pertinere - não pertencer) são os que não pertencem à causa, nenhu­
ma relação têm com ela. não lhe dizem respeito, lhe são estranhos”; “Fatos irrelevantes
ou inconcludentes são os que. embora se refiram à causa, não influem sobre a decisão,
não levam a conclusão alguma (inconcludentes), são indiferentes". Na doutrina mais
moderna, mais recentemente, o tema da relevância da prova foi tratado por Cândido
Rangel Dinamarco (Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2009. v. 111. p. 6 4 -6 5 ), que defende a inadmissibilidade de provas irrelevantes
pois “nenhuma utilidade o seu reconhecimento poderia ter para o julgamento da causa
ou dos pedidos ou requerimentos incidentes ao processo. O fato c irrelevante quando,
com ele ou sem ele, a decisão será a mesma". E. a partir do falo afirmado pela parte, co­
necta a noção de relevância como o fundamento jurídico posto em causa: “no plano do
direito material a relevância do fato depende sempre da eficácia que ele possa ter para
a constituição, impedimento, modificação ou extinção do direito alegado pelo autor”.
Por outro lado, nega utilidade na autonomia do conceito de pertinência, porque esta "é
aspecto da própria relevância e não merece tratamento autônomo". Para uma análise
da evolução do tema na doutrina, cf. BADARÓ, Direito à prova e os limites lógicos de
sua admissão.... cit., p. 233-239.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 157

Na douirina processual penal, o tema tetn sido praticamente ignorado. Frede­


rico Marques lhe dedicou três parágrafos: “objeto da prova in concreto são os fatos
relevantes para a decisão do litigio. Donde excluir-se, no procedimento instrutório,
toda prova impertinente ou irrelevante. Fatos que não pertençam ao litígio e que
relação alguma apresentem com o objeto da acusação, consideram-se fatos sem
pertinência, e que, portanto, devem ser excluídos do âmbito da prova in concreto.
Inadmissíveis também são, como objeto de prova, os fatos que não influírem sobre
a decisão da causa, embora a elas se refiram’’.91
O tema permaneceu esquecido, sendo retomado, sob outra perspectiva, por
Antonio Magalhães Gomes Filho que, com base na doutrina norte-americana,
propõe a distinção entre pertinência e relevância, a partir dos critérios de materiality
e relevancy: a prova é pertinente quando há conexão entre o meio de prova reque­
rido e os fatos controvertidos; é relevante quando tem a aptidão para estabelecer
a existência ou inexistência, a verdade ou falsidade, de um outro fato, através do
qual é possível realizar uma inferência lógica do fato principal.92
Indo à origem desta última distinção, nos países de common law , os critérios
lógicos de admissibilidade da prova estão ligados às noções de materiality e rele­
vancy. O conceito de m ateriality refere-se à relação ou conexão entre o que pode
ser demonstrado pelo meio de prova e o fato principal a ser provado.93 A noção de
materiality refere-se, no plano lógico e abstrato da pertinência entre o fato que se
pretende provar e o fato principal. Já o conceito de relevancy diz respeito à aptidão
do meio de prova para demonstrar a existência ou inexistência de um fato, atra­
vés do qual seja possível realizar uma inferência sobre o fato principal. Trata-se da
relação entre um fato secundário - em relação ao qual, por inferência se poderá
chegar ao fato principal - e aquilo que pode ser demonstrado pelo meio de prova.9495
Há, pois, uma relevância lógica do fato que se pretende provar, com vista à inferência
do fato principal.93 Nenhum dos dois conceitos têm qualquer relação com a maior
ou menor idoneidade ou aptidão probatória do meio requerido.

91. MARQUES, Elementos de direito processual penal..., cit., v. 11. p. 274.


92. Direito aprova no processo penal..., cie, p. 130.
93. Segundo Damaska (II diritto delle prove alia deriva..., cit., p. 8 3 ) o lermo relevância se
refere “à potencial idoneidade de um elemento de informação para suportar ou negar
a existência de um fato principal (factum probandum)”. No mesmo sentido, Michele
Taruffo (Slucli sulla rilevanza delia prova. Padova: CEDAM, 1970. p. 121) afirma que
“a evidence é material quando apta a provar um fact in issue", entendida essa expressão
como fato principal ou factum probandum.
94. MAGALHÃES GOMES FILHO, Antonio. Princípios gerais da prova no Projeto de
Código de Processo Penal. Projeto 156/2009 do Senado Federal. Revista de Informação
Legislativa, n. 183, jul.-set. 20Ò9. p. 40.
95. O núcleo do conceito de relevância, segundo Taruffo (Síudi sul/a rilevanza delia prova...,
cit., p. 120), é constituído da relação entre o falo sobre o qual verte a prova e o fato que
se precisa provar para proferir a decisão.
158 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENA!

Nos Estados Unidos, ñas Federal Rules o f Evidence, a rule 401 define o test fo r
relevance evidcncc, estabelecendo que urna prova é relevante: "(a) se tem alguma ten­
dência a tornar um fato mais ou menos provável do que seria sem a evidencia; e (b) o
fato é importante na determinação da ação". Por outro lado, segundo a rule 402, toda
prova relevante deve ser admitida, salvo se houver previsão em contrario na Consti­
tuição, em lei federal ou em outra regra estabelecida pela Suprema Corte dos EUA.96
Na doutrina italiana, o tema também é objeto de análise. Para Taruffo, o
critério para valorar a relevância se divide em dois aspectos: o jurídico e o lógico.
Um fato é juridicam ente relevante quando corresponde ao fato típico definido na
regra jurídica,1'7 sendo este o jacta probanda fundamental; por outro lado. o fato é
logicamente relevante quando, não constituindo o fato principal da causa, pode ser
usado como uma premissa, como um ponto de partida para uma inferência que
possa levar à conclusão sobre a verdade ou falsidade de um enunciado relativo ao
fato principal.98
Nessa linha, a relevância exige a formulação de juízos hipotéticos, sobre a
relação entre a prova e o fato: em relação à relevância ju rídica, ou a relação do fato
a ser provado com o fato jurídico objeto do processo, é necessário considerar a
eventualidade de a prova ter um êxito positivo; no caso de relevância lógica, quando
a prova verte não sobre o fato principal, mas sobre um secundário, é necessário,
ainda, formular um segundo juízo hipotético: considerar que, demonstrada a hipó­
tese de que o fato secundário seja considerado provado, ele constituirá a premissa
de uma possível inferência99 sobre o fato principal.100

96. De modo semelhante, no direito inglês. Richard May (Criminal eviclcnce..., cit., p. 8 )
explica que “a regra de ouro da admissibilidade é que toda prova que é relevante é
admissível e aquela que é irrelevante e inadmissível”.
97. Studi sulla rilevanza delia prova..., cit.. p. 85 -8 6 ; TARUFFO, La semplice veritá.. . , cit.,
p. 42. Esse conceito já era encontrado na doutrina clássica. Assim, por exemplo, Carne-
lutti (La prova civile. 2. cd. Roma: Ateneo, 1947. p. 156) afirmava: “se provam os fatos
jurídicos, no sentido de que os fatos se provam enquanto são jurídicos, isto é, enquanto
caracterizam os pressupostos da norma a ser aplicada (em substância, e com perfeita
equivalência, se diz que objeto da prova são somente os fatos relevantes)" (destaques
no original). E se mantém atual, por exemplo, em Salva to re Patti ( Le prove. Parte
generale. Milano: Giuffrè, 2010. p. 2), que afirma “é principal o fato constitutivo do
direito deduzido na ação; como também o falo impeditivo, modificativo ou extintivo
deduzido na exceção”. No mesmo sentido, ainda: PROTO PISANI, Andréa. Lezioni di
diritto processuale civile. 2. ed. Napoli: Jovene. 1996. p. 448.
98. TARUFFO, La semplice veritá..., cit., p. 42.
99. Segundo Patti (Le prove..., cit., p. 3), no caso de prova indireta, o fato alegado deve
determinar “uma probabilidade elevada" de existência do fato a ser provado (fato prin­
cipal).
100. TARUFFO, La prova dei Jaiti glridici..., cit.. p. 3 3 9 -3 4 0 . No mesmo sentido, sem,
contudo, fazer a distinção entre relevância jurídica e lógica: PROTO PISANI, Lezioni
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 159

No campo processual penal, os conceitos de pertinencia e relevancia têm


sido tratados pela doutrina italiana em conjunto com a noção de verossimilhança.
Não havendo plena concordância no emprego de tais termos, de um modo geral, a
relevancia diz respeito à enunciação de um fato que será objeto do meio de prova,
que deve ser dotado de verossimilhança e pertinencia. Esse fato enunciado, que se
pretende provar deve serum fato verossímil, isto é, verificável com base nos aparatos
de conhecimento disponíveis graças às leis da lógica ou da ciência.101Já a pertinência
significa que o fato objeto da prova, em caso de resultado positivo do meio de prova,
terá influência sobre a decisão. Nos casos em que, qualquer que seja o resultado
da operação probatória, ele não terá influência na decisão, a prova não deve ser
admitida. Em ambos os casos, isto é, tanto no juízo de verossimilhança quanto no
de pertinência, não é necessário um prognóstico concreto do êxito ou a efetividade
do meio de prova. Deve se considerar que, por hipótese, os meios de prova gerem o
resultado pretendido pela parte que o requereu e, a partir de tal premissa, concluir
se ele demonstraria positiva ou negativamente o fato principal (equivalente ao
conceito de materiality) ou o fato secundário (correspondente à ideia de relevancy).
Um elemento comum que se pode encontrar, em qualquer sistema que se
analise, e independentemente das variações terminológicas, é que o juízo de ad­
missibilidade da prova exige uma relação lógica entre o thema probandum e o tema
que o meio de prova poderá demonstrar. Isto é , o meio de prova deve ter a aptidão
de demonstrar um fato que se relaciona com o thema probandum, seja diretamente
(m ateriality, no conceito anglo-americano), ou mesmo indiretamente (relevancy, no
conceito de common law ),102mas de forma a influenciar decisivamente no resultado
do processo (pertinencia, na acepção dos países de civil law).103

di diritto processuale civi/e__cit.. p. 4 5 1 -4 5 2 . No mesmo sentido, restrito, porém, ao


que se qualifica como relevancia jurídica, cf. LIEBMAN, Manuale di diritto processuale
civile..., cit., v. II. p. 76.
101. Nesse sentido, é o conceito de Dominioni (Le prove..., cit., p. 2 1 9 ), que exempli­
fica: '‘não tem. por exemplo, esse requisito, o enunciado de que o imputado teve um
comportamento irracional porque agiu em uma noite de lua cheia”.
102. Procurando sintetizar tais conceitos, Taruffo (Stucít sulla rilevanza delia prova...,
cit., p. 123) explica que “se pode considerar coerente com o sistema da law of evidence
a teoria que liga a noção de materiality àquela d e/ací iri issue, enquanto pressuposto
necessário da relevancy, entendida como aptidão da evidence em fornecer a prova de um
fato principal”.
103. Acrescente-se que, embora a relevância normalmente seja considerada em relação
ao objeto do processo, isto é, a questão de direito material debatida, é possível também
uma relevância processual da prova. Isto é. quando a prova se destina a demonstrar a
fiabilidade ou a falsidade de outro meio de prova. Nesse sentido: FERRER BELTRAN,
La valoración racional de la prueba..., cit., 89. É o caso, por exemplo, da oitiva de uma
testemunha para comprovar uma contradita, ou de a produção de uma prova pericial,
no incidente de falsidade documental.
160 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Acresceme-se a observação de Damaska de que os conceitos de relevancia da


prova e o seu valar são duas noções distintas, ainda que interligadas: o primeiro
depende únicamente do potencial cognoscitivo que a informação poderá trazer e
o segundo depende da credibilidade do meio de prova, seja ele oral ou real.lCMO
juízo sobre a relevancia é realizado em abstrato e diz respeito somente à relação
entre o fato que se pretende provar e o fato alegado,105 prescindindo de qualquer
valoração prévia da prova.101'
Há quem inclua entre os limites lógicos a não produção de prova supérflua,
perante sua evidente inutilidade.107 Não é possível concordar com tal posiciona­
mento. A prova supérflua, assim como a prova irrelevante, é uma prova inútil,108
mas, a razão de sua vedação não é lógica.109 A vedação da produção de meio de
prova manifestamente supérflua decorre do princípio de economia processual,110

104. DAMASKA, II diritto clelle prove alia deriva.... cit., p. 83. No mesmo sentido: BARBOSA
MOREIRA, José Carlos. Prueba e motivación cie la sentencia. Temas de direito processual:
oitava série. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 1 12.
105. PATTI, Le prove..., cit., p. 3. De modo semelhante, para Giuseppe Bianchi (Lammis-
sione delia prova nel dibanimento pénale. Analisi deH’attivitá argomentativa delle parti.
Milano: Giuffrè, 2001. p. 128), o juízo de pertinência é um conceito essencialmente
lógico consistente na verificação da relação entre o objeto de meio de prova requerido
e a regiudicanda".
106. FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba..., cit., p. 71. nota 29.
107. Nesse sentido: BENTHAM, Tratado de las pruebas..., cit., t. II. p. 93-94: TARUFFO,
La semplice veritá..., cit., p. 143. No ordenamento jurídico brasileiro, representa uma
limitação por superfluidade ou superabundância da prova, o inciso I do art. 443 do
Código de Processo Civil, que prevê "O juiz indeferirá a inquirição de testemunhas
sobre fato: ... 1 - já provados por documento ou confissão da parte". Outro exemplo
é a limitação do número de testemunhas para cada fato a ser provado: “O número de
testemunhas arroladas não pode ser superior a 10 (dez), sendo 3 (três), no máximo,
para prova de cada fato" (art. 357, § 6o).
108. Por outro lado, não se pode confundir a prova supérflua com a prova de corrobora-
ção, esta sim. cu ja produção é epistemológicamente justificada. A indagação então seria:
“são supérfluas todas as provas redundantes"? Ferrer Beltran (La valoración racional de
la prueba .... cit., p. 75) responde, claramente, de forma negativa.
109. Porém, não se pode negar que a ideia de relevância não é estrita e exclusivamente
lógica, mas leva em conta, também, outros fatores, como os custos de tempo, pessoal
e mesmo econômico de produção da prova. Segundo Liebman (Manuale di diritto pro-
cessuale civile. Milano: Giuffré, 1959. v. II. p. 7 6 ), seria evidentemente desperdício o
tempo, o trabalho e o dinheiro empregado para provar fatos que, embora controvertidos
pelas partes, não seriam, se provados, concludenti, conferenti.
110. Do ponto de vista lógico e, especialmente, segundo a máxima de que tudo o que
é relevante deve ser admitido, é ilógico não admitir a produção de um meio de prova
porque outros meios já foram produzidos e geraram o mesmo resultado probatório que
se pretende atingir com o meio reputado supérfluo. Além disso, a vedação da prova
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 161

na medida em que tais provas levariam a um resultado cognoscitivo já produ­


zido, ou que poderia ser obtido por meio diverso.111 Nesse caso, a elaboração
da prova teria custos consideráveis e não serviria para nada além de produzir uma
prova cujo conteúdo já foi amplamente constatado por outros meios de prova
já produzidos.ni Não se trata de um critério originário de inadmissão da prova,
passível de ser aferido antes da realização de qualquer meio de prova, isto é, antes
mesmo do início da instrução.
A inadmissibilidade da prova supérflua é um critério duplamente subsidiário.
Primeiro, porque só deve ser considerado, depois de um juízo positivo de pertinên­
cia e relevância sobre o próprio meio de prova que se reputa supérfluo.113Segundo,
por se tratar de um fator de exclusão que operará já no curso da instrução, depois
de haver alguma atividade probatória já realizada.
Em suma. a prova supérflua não se confunde com a prova irrelevante lato
sensu, embora ambas sejam provas inúteis. A prova supérflua é aquela que tem o
mesmo objeto de outra prova já produzida no processo.114 A prova impertinente e
a irrelevante são provas que têm por objeto fatos que não integram o fato jurídico

supérflua como limite lógico incidiria no mesmo erro de confundir limites lógicos com
prognóstico concreto sobre o potencial resultado probatório do meio requerido.
111. B1ANCH1, Uammissione delia prova neí dibattimento pénale..., cit.. p. 128. No mesmo
sentido, em relação ao processo civil: GOMOGLIO, Luigi Paolo. II principio dl economia
processuale. 1. Padova: CEDAM, 1980. p. 200-203. Em sentido diverso, para UBERT1S,
La prova p enale..., cit., p. 64. o caráter supérfluo da prova liga-se ao conceito de “irre­
levância por redundância".
112. SIRACUSANO, Delfino. Lc prove. In: S1RACUSANO, Delfino; GALATI. Antonini;
TRANCH1NA, Giovanne; ZAPPALÀ, Enzo. Dl ria o processuale penale. 2. cd. Milano:
Giuffrè. 1996. v. I. p. 354.
1 13. GREVl. Prove. In: CONSO, Giovanni; GREVE Vittorio (Org.). Projili del nuovo Códice
di Procedían Penale. 4. cd. Padova: CEDAM, 1996. p. 243: B1ANCH1, Lammissione delia
prova nel dibattimento penale.... cit., p. 128.
I 14. SIRACUSANO, Le p ro v e..., cit., p. 345. Com razão, Ferrcr Beltrán (La valoración
racional de la prueba..., cit., p. 75) distingue a prova redundante da prova supérflua.
A prova redundante c simplesmente aquela que confirma o que já foi o resultado de
outra prova produzida. Uma segunda testemunha que diga a mesma coisa que uma
primeira já ouvida, será redundante. Isso não quer dizer que o segundo depoimento
será supérfluo, no sentido de inútil, por excesso. Uma segunda testemunha que diga
a mesma coisa que a primeira fornece um grau de corroboração ao que disse aquela.
Assim como a terceira testemunha vai corroborar o que disseram as duas anteriores.
Todavia, na medida em que aumentam as provas redundantes, o grau de corroboração
vai diminuindo, podendo se faiar em um rendimento decrescente a cada nova prova.
Assim, para evitar “perigo de iransbordamento". é aconselhável, epistemológicamente,
que a lei ponha um limite à produção de provas redundantes, a partir do ponto em que
sejam consideradas supérfluas.
162 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

imputado c que constitui a regiudicanda, nem fatos secundarios que permitam


inferir o fato imputado. No primeiro caso, há relação entre os objetos da prova, no
segundo, entre objeto da prova com objeto do processo.
Diante de todo o exposto, é possível concluir que os critérios de admis­
sibilidade da prova baseados em fundamentos lógicos devem se referir apenas as
situações que independam de qualquer verificação concretado resultado da prova.
Os limites lógicos estão ligados à relação abstrata entre o fato objeto da prova que
se requer, de um lado, e o fato objeto do processo, de outro. Os limites lógicos não
devem envolver juízos valorativos sobre o concreto convencimento judicial
E possível distinguir dois fenómenos ligados aos limites lógicos, podendo
denominá-los de pertinencia e de relevancia. Um meio de prova será pertinente,
quando o enunciado de fato, que por seu intermedio se pretende provar, corres­
ponder a uma hipótese fática que integra a imputação (fato jurídico ou principal)
ou a defesa do acusado. Haverá uma relação lógica de pertinencia entre ambos:
o factum probetas dirá respeito ao fato imputado pelo autor ou ao fato alegado na
defesa. Por outro lado, o meio de prova será relevante quando o fato que se quer
provar, na hipótese de ser demonstrado pelo resultado probatorio, permita infe­
rir, com base no que normalmente acontece, a ocorrência ou inocorréncia de um
aspecto fático da imputação. Ou seja, o fato relevante será um fato secundário ou
circunstancial. O indício é o clássico exemplo de um fato secundario. Por exemplo,
embora não demonstre quem foi o autor dos disparos mortais, é relevante a prova
de que alguém foi encontrado com a arma do crime logo após a sua ocorrência. O
fato caraclerizador do álibi é outro fato relevante. O factum probandum é a autoria
delitiva, mas será relevante um meio de prova que tenha por objeto demonstrar
que o acusado, no momento do crime, encontrava-se em outro local, distante do
crime, havendo uma impossibilidade lógica de ser o autor do crime. Esse fato, que
não tem por objeto direto a autoria delitiva, indiretamente, por inferência, permite
definir negativamente o fato principal.
De modo mais simples e sumário: fato pertinente é aquele, abstratamente,
que tem por objeto o fato principal ou jurídico; fato relevante é aquele que tem
por objeto um fato secundário ou circunstancial, que por inferência, se relaciona
com o fato principal.
A análise da relevância deve ser fundada em mero juízo hipotético, de relação
entre o fato que se pretende provar com o meio requerido e o fato que constitui a
imputação penal, ou a res in indicio deducía. É um julgamento exan te, para definir
a admissibilidade da prova combase nas aquisições probatórias que hipoteticamen­
te resultarão do meio requerido pela parte.115 O juiz não deve admitir ou excluir

115. S1RACUSANO, Le p rove..., cit., p. 345. Diversamente, para quem considera que o
juízo lógico deve envolver aspectos valorativos. o juízo de admissibilidade ficaria na
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 163

um meio de prova em razão de uma valoração prognóstica sobre a idoneidade ou


inidoneidade do meio a demonstrar a existencia ou inexistencia dos fatos que se
pretende provar.116 O meio de prova requerido pela parte será relevante quando
for potencialmente apto a introduzir fatos representativos que possam determinar
alguma escolha do juiz, quando futuramente tiver que. de modo racional, decidir
c justificar a escolha de uma afirmação sobre aspectos fáticos que integram o fato
principal ou fatos secundarios.
Expostos os aspectos gerais dos limites lógicos de admissibilidade da prova,
dois pontos específicos ainda precisam ser analisados. O primeiro: a diferenciação
de tais limites em relação às provas pré-constituídas, de um lado, e constituendas,
de outro. O segundo: se os limites lógicos devem funcionar, preferencialmente,
como regra de admissibilidade ou a inadmissibilidade da prova.
Os limites lógicos de admissão da prova têm influências distintas conforme se
trate de provas pré-constituídas e nas provas constituendas. As provas constituendas,
como aquelas decorrentes de fontes de provas pessoais (vítimas, testemunhas e
eventualmente o próprio acusado), têm sua produção no curso do próprio processo,
exigindo a realização de atividades processuais das partes e do juiz, bem como de­
mandando tempo para sua produção em contraditório. Já as provas pré-constituidas,
como os documentos, são simplesmente juntadas aos autos do processo, já tendo
sido criadas prévia e extra-autos. Justamente por isso, o juízo de relevância deve
ser mais intenso nas provas constituendas, pois eventual admissão de uma prova
irrelevante causará desperdicio de tempo e atividade processual em intensidade
muito maior. Já no que diz respeito à prova documental, elas não são sujeitas a
nenhuma seleção prévia, a partir de juízos lógicos, porque como explicita Taruffo,
“o critério de relevância serve apenas para evitar atividades processuais inúteis c,
portanto, não vale a pena aplicá-lo quando, sendo a prova pré-constituída, a sua
produção não implica atividade propriamente processual".117
Aliás, nesse ponto, o próprio ordenamento jurídico diferencia o regime legal
de admissão da prova documental, dos demais meios de prova.U8Justamente por

dependência da produção da prova a ser valorada, criando uma petição de principio.


E, por exemplo, o posicionamento de Chiavario (Appunti sul processo penale. recolli da
Barbara Giors e Serena Quattrocolo. Torino: G. Giappichelli, 2000. p. 324). que considera
muito arriscado um juízo negativo de admissibilidade, seja em relação à relevância, seja
em relação à superabundancia, sem que se tenha “um quadro completo”.
116. B1ANCH1, Uammissionc delia prova nel dibattimento penale, cit.. p. 130. No mesmo
sentido: LOZZ1, Gilberto. Lezioni di procediira penale. 2. ed. Torino: G. Giappichelli.
1995. p. 183.
117. TARUFFO, La prova dei Jatti giuridici..., cit., p. 346.
118. No processo penal, perante a sua evidente relevância, o legislador preestabelece a
necessidade de oiliva da vitima, que não se confunde com testemunha e, sequer, precisa
164 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

se tratar de prova pré-constituída, c desnecessário um previo juízo de admissibi­


lidade considerando os criterios lógicos. Não se perquire sobre a relevancia ou a
pertinencia do documento. A prova documental é diretamente produzida, isto é,
juntada aos autos no ato em que, impropriamente “se requer a juntada” de algo
queja está juntado aos mesmos. No máximo, há um juízo a posteriori, em razão de
alegações de inadmissibilidade da prova documental, mas por criterios jurídicos,
como tratar-se de urna carta obtida por meios ilícitos. No regime do Código de
Processo Penal, o art. 231 prevé que as partes poderão apresentar documentos em
qualquer fase do processo. Há, pois. ampla liberdade probatoria das partes para a
juntada de documentos no processo.
O segundo ponto, aplicável a qualquer meio de prova, diz respeito ao modo
como devem operar os critérios de pertinencia e relevancia. As provas relevantes
e pertinentes devem ser admitidas? Ou, ao contrario, só se deve inadmilir provas
impertinentes ou irrelevantes. As situações podem parecer equivalentes, mas não
são. Nos sistemas probatorios em que se assegure às partes um verdadeiro direito à
prova, os criterios de admissibilidade lógicos devem ser concebidos a partir de um
regime de inclusão: a regra é que os meios de prova requeridos pelas partes devem
ser admitidos. Somente haverá exclusão nos casos de manifesta irrelevância ou
impertinencia do meio probatório requerido pelas partes. Inverteros sinais dessa
premissa seria trabalhar com um regime de exclusão: em regra não se admite a prova,
salvo se a parte demonstrar que ela é pertinente e relevante. Em um sistema com
esse cariz, o direito á prova não passaria de uma falsa promessa.
Além disso, para que se possa obter um conjunto probatorio mais rico,
com a finalidade de conseguir a melhor reconstrução dos fatos, a regra deve ser
a admissão de tudo o que é relevante! Ou seja, quanto mais elementos, normal­
mente, melhor o acertamento dos fatos. Portanto, só deve ser excluído o que não
é relevante. Assim, não se exige que a parte demonstre que a prova é relevante
para ser admitida. As provas costumam ser relevantes. A lógica é ser admitida. A
exceção é ser irrelevante, esó quando não tenha relevância, não deve ser admitido
o meio de prova.
Para que o sistema funcione, com indicação de a quem incumbirá a lunção
argumentativa, ese ela deve ser positiva ou negativa quanto ao critério lógico, a regra
legal -q u e incorpore aos códigos a regra de ouro dos limites lógicos, que toda prova
relevante deve ser admitida—deve ser: “são inadmissíveis as provas manifestamente

ser arrolada. O art. 20 L, capul, do Código de Processo Penal prevê que: "Sempre que pos­
sível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem
seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as
suas declarações” (destacamos). Mesmo em se tratando de provas constituendas, diante
da sua inquestionável relevância, posto que a vítima sempre lerá algo a esclarecer sobre
o modo. o momento ou o autor do delito, o legislador determina sua oitiva.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA F. CONTEXTOS PROBATORIOS I 65

irrelevantes”.119120O emprego do adverbio “manifestamente” assegura que os motivos


lógicos de exclusão das provas somente justificarão o indeferimento de produção
do meio requerido em casos extremos, de evidente ausencia de conexão entre o
fato a ser demonstrado pelo meio de prova requerido e o thema probandum.Kl Os
códigos, explica Sentís Melendo, partem do pressuposto que, na dúvida, a prova
deve ser admitida. 21
A dúvida sobre a pertinencia ou a relevância da prova também poderá surgir
quando o juiz puder dar aos fatos uma qualificação jurídica diversa da que lhes
atribuíram as partes. Sendo cabível o iurci novit an ict. a manifesta irrelevância da
prova poderá variar conforme seja resolvido num ou noutro sentido a subsunção
dos fatos à norma. Por exemplo, para o crime de estelionato, a produção de um
meio destinado a demonstrara fraude para o desapossamento é pertinente. Já se os
fatos forem qualificados como apropriação indébita, a pertinência estará na com­
provação de que, previamente, quem se apropriou do bem, já tinha a posse dele. A
dúvida sobre a relevância ou pertinência, em razão da possibilidade de alteração da
qualificação jurídica dos fatos, deve ser resolvida em favor da admissão da prova.
Em suma, do ponto de vista dos limites lógicos de admissão da prova, não
cabe à parte que requereu o meio de prova demonstrar sua pertinência e relevân­
cia. O juiz é que poderá, constatando a manifesta impertinência ou irrelevância da
prova, indeferi-la. Repita-se, a regra é a admissão, a exceção é a não admissão. Ou
seja, somente na hipótese em que o juiz estiver convicto da irrelevância da prova
do fato, ou de que o tema de prova é impertinente, deverá indeferir a diligência
requerida pela parte.123124No caso de dúvida, a prova deve ser aceita, valorando-se
posteriormente sua atendibilidade ou nào no momento da sentença.12'*
Os limites lógicos de admissibilidade da prova cumprem funções jurídicas e
epistemológicas, permitindo a obtenção, na máxima medida possível, de material
útil para a realização do juízo de fato. Por outro lado, é preciso estar atento à má
prática judicial de inverter os sinais e, comodamente, inadmitir a produção de
provas porque a parte não demonstrou que o meio de prova requerido é relevante.

119. Desse modo, atende-se à preocupação de Ferrer Beltrán (La valoración racional de la
prueba..., cit., p. 55. nota 4 0 ) de que o respeito ao direito à prova exige que o juízo de
relevância sobre as provas requeridas nào seja utilizado como mecanismo indevidamente
restritivo que impeça o exercício de tal direito.
120. MAGALHÃES GOMES FILHO, Princípios gerais da prova..., cit.. p. 40.
121. SENTÍS MELENDO, La prueba.... cit.. p. 283.
122. BARBOSA MOREIRA, Prueba e motivacion de la sentencia..., cit., p. 11 3.
123. SANTOS, Moacyr Amaral. Prova judiciária no cível e comercial. São Paulo: Max Li-
monad, 1970. v, I. p. 227.
124. ECHANDIA. Hernando Devis. Teoria general de la prueba judicial. 2. ed. Buenos
Aires: Victor P de Zavalia Ed., 1972. v. I. p. 206.
166 EPISTEMOLOGIA JUDICIAR IA E PROVA PENAL

L‘m modelo dc direito à prova forte, deve ser “inclusionistâ”, em que a regra seja
admitir a prova, permitindo-se que ela seja produzida.125126Assim, somente quando
no meio de prova requerido for manifestamente impertinente ou irrelevante, a
prova deve ser indeferida.

3.4.1.2. As regras legais de exclusões probatórias fundadas em limites


políticos
Os limites extraprocessuais ou políticos de admissão da prova, que na dou­
trina norte-americana é considerada uma excliisionary ride by extrinsicpolicies, são
considerados, pela doutrina brasileira, como caso de prova ilícita.
No que diz respeito aos limites políticos e a inadmissibilidade de provas
ilícitas é, claramente, uma regra antiepistêmica. Se um meio de prova é relevante,
mas não é admitido por violar um direito constitucional ou liberdade pública, o
material probatório - lícito - a ser valorado será mais pobre do que aquele seria
epistemológicamente possível. Por exemplo, tendo sido realizado um “grampo
telefônico” não autorizado judicialmente, mas que tenha gravado uma conversa
dc dois investigados, essa prova pode ser decisiva para a descoberta da verdade,
mas não será aceita no processo.
Trata-se do difícil equilíbrio para se conseguir a realização simultânea das três
condições necessárias para uma decisão justa: um correto juízo de fato, um correto
juízo de direito e respeito ao devido processo legal. Bons fatos, boa norma e bom
processo. Consequentemente, três fins institucionais que devem ser respeitados,
embora possam ser colidentes: a descoberta da verdade dos fatos; a correta inter­
pretação da lei; e o respeito ao/ciir trail.
A exclusão de uma prova ilícita, com potencial cognitivo, cria uma grande
dificuldade ao atingimento do objetivo de uma correta reconstrução histórica dos
fatos. Não se está, contudo, inviabilizando tal escopo, na medida em que outras
provas poderão ser produzidas para demonstrar o mesmo lato que era o conteúdo
daquela prova inadmitida. Por outro lado, e continuando no exemplo anterior, uma
interceptação telefônica não autorizada afronta a regra que exige decisão judicial
para afastar a inviolabilidade das comunicações telefônicas. Essa prova será ilícita e
sua utilização pelo juiz comprometerá irremediavelmente o devido processo legal.121'
Se o objetivo do processo é uma decisão justa, assim não o será aquela proferida com
base em uma reconstrução histórica inverídica dos fatos, mas também haverá injus­
tiça se o processo não se desenvolver segundo os cânones constitucionais e legais.

125. FERRER BELTRÁN. La valoración racional de la prueba..., cil-, p. 42.


126. Com razão. Winfried Hassemer (Verdad e búsqueda de la verdad en el proceso penal.
La medida de la Constitución. México D.E: IBIJUS, 2009. p. 30) refere-se a um “conflito
estático” entre os direitos do acusado e a busca da verdade, sendo que aqueles podem
inibir esta.
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 167

Sob a ótica do direito constitucional, em um Estado de Direito, o conceito de


verdade buscada no processo penal encontra limites, o que não é algo a se lamentar,
mas, ao contrário, para comemorar, por significar que esse é um Estado legítimo,
que restringe o seu próprio instrumento do poder punitivo para reconhecer direi­
tos que são fundamentáis aos seus cidadãos.12' O que se deve buscar é estabelecer
uma relação equilibrada entre o interesse na obtenção da verdade e a dignidade
dos investigados e acusados.
O primeiro problema é definir o que deve ser considerado como prova ilícita.
Normalmente, os ordenamentos jurídicos não contêm um catálogo com fatos vio­
ladores de dispositivos legais que caracterizam essa prova vedada por fundamentos
políticos, e que não serão admissíveis nos processos. Há referências a categorias
jurídicas como “prova ilícita”, “prova ilegítima'’, “prova vetada ’,e em alguns casos,
a essa previsão se agrega como consequência uma sanção processual, no caso, a
nulidade de tais provas ou sua inadmissibilidade no processo.
Todavia, a definição de que espécies de violação à Constituição ou à lei carac­
terizarão uma “prova ilícita” é objeto de divergências. Nos casos concretos, mesmo
reconhecendo que houve um desrespeito à lei. muitas vezes há discussões sobre se
tal desconformidade legal caracteriza ou não uma “prova ilícita”. Evidente que há
graus distintos de ilegalidade, conforme o conteúdo e a natureza do preceito legal
violado. Além disso, não há uma concordância total sobre quais valores legalmente
tutelados, se forem violados, implicarão a exclusão da prova por razões políticas
ou externas ao acertamiento da verdade.
O primeiro passo é identificar se, embora não havendo uma definição uni­
tária de prova ilícita, haveria ao menos um denominador comum nos diferentes
conceitos, sobre o que caracteriza uma ilicitude probatória.
Em obra pioneira na doutrina nacional. Ada Pellegrini Grinover formulou o
conceito que se tornaria clássico, com ampla aceitação na jurisprudência pátria:
“Para evitar confusões terminológicas e conceituais, utilizaremos a linguagem de
Nuvolone: a prova será ilegal toda vez que caracterizar violação de normas legais
ou princípios gerais do ordenamento, de natureza processual ou material. Quando
a proibição for colocada por uma lei processual, a prova (reclius, o meio de prova)
será ilegítima (ou ilegitimamente produzida); quando, pelo contrário, a proibição
for de natureza material, a prova será ilíci ta (rectius à fonte de prova será ilicitamente
colhida). Será nesse sentido mais restrito que nos referiremos à provas ilícitas’”. 127128
E. a partir de tais premissas, formula o seguinte conceito: “Por prova ilícita,
em sentido estrito, indicaremos, portanto, a fonte de prova colhida infringindo-se

127. DE CONDE, Francisco Munoz; LANGE, Marcela. Presentacion. In: ROXIN, Claus. La
prohibition cle autoincriininacidn v dc las escuchas domiciliarias. Buenos Aires, Hammurabi.
2008. p. 15.
128. GRINOVER, Liberdades ptiblicas..., ciL., p. 98.
168 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

normas ou princípios colocados pela Constituição e pelas leis, frequentemente


para proteção de liberdades públicas e especialmente direitos da personalidade e
daquela sua manifestação que é o direito à intimidade”.129
A conceituação proposta parte da existência de um gênero, das provas ilegais,
que podem ser definidas como as provas contrárias à lei. Tal gênero, por sua vez,
divide-se em duas espécies: provas ilegítimas e provas ilícitas. As provas ilegítimas
são aquelas produzidas com a violação de normas processuais (p. ex.: oitiva de
uma testemunha, sem dar às partes o direito de repergumas). As provas ilícitas
são obtidas com a violação de normas de direito material ou de garantias consti­
tucionais, para proteção das liberdades públicas e dos direitos da personalidade.
Por exemplo, são provas ilícitas aquelas obtidas mediante tortura ou maus-tratos,
as colhidas com infringência à intimidade, ou com violação do domicílio ou da
liberdade de comunicações telefônicas ou postais, entre outras.130
A linba divisória parecia estar bem demarcada doulrinariamente. Contudo,
tal separação entre provas ilícitas, de um lado, e as provas ilegítimas, de outro,
deixou de ser clara. Com a Reforma de 2008 do Código de Processo Penal, a nova
redação do caput do art. 157 passou a prevê: '‘São inadmissíveis, devendo ser
desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em
violação a normas constitucionais ou legais". Ou seja, para a caracterização da prova
ilícita, não se fez qualquer distinção entre natureza da norma violada, se de direito
material ou processual.
A ausência de distinção poderá causar confusões,131 por exemplo, na defini­
ção da sanção processual aplicável pela violação da norma: cm caso de qualquer
violação à Constituição ou à lei, mesmo que processual, a prova será inadmis­
sível e. em caso de ingresso no processo, deverá ser desentranhada. Mas os vícios

129. GRINOVER, Uberdades públicas..., cit., p. 99.


130. Constituição, art. 5°, caput. incisos III, X. XI e XII, respectivamente. Justamente porque
lais bens jurídicos são cie alta relevância, o legislador define como crime sua violação.
Assim, a obtenção da prova ilícita, normalmenie, acarreta o cometimento de um delito,
como a prática de tortura (Lei 9.45 5 /1 9 9 7 . art. 1°) a violação de domicílio (CP, art. 150),
de correspondência (CP, art. 151). ou de segredo profissional (CP, art. 154) etc.
131. Comentando o dispositivo reformado, Antonio Magalhães Gomes Filho (Provas - Lei
1 1.690. de 09.06.20 0 8 . In: MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis (Coord.). As reformas
no processo penal. As novas leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Ed. RT.
2008. p. 266) conclui que: "Não parece ler sido a melhor, assim, a opção do legislador
nacional por uma definição legal de prova ilícita, que, longe de esclarecer o sentido da
previsão constitucional, pode levar a equívocos e confusões, fazendo crer, por exemplo,
que a violação de regras processuais implica ilicitude da prova e, em consequência, o seu
desentranhamento do processo”. No mesmo sentido, Grinover, Magalhães Gomes Filho
e Scarance Fernandes (As nulidades.... cit., p. 133) consideram que "a falta de distinção
entre a infringência da lei material ou processual pode levar a equívocos e confusões'.
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 169

processuais costumam gerar apenas nulidades e não a inadmissibilidade do ato.


Todavia, embora não se possa desprezar a distinção entre prova ilícita e ilegítima,
quer tanto ao momento de produção do meio, quer quanto à sanção aplicável, o
certo é que há muitas zonas de intersecção entre uma e outra e, do ponto de vista
do conjunto de meios de prova que poderão ser valorados pelo julgador, as dife­
renças serão mínimas.132
Quanto ao momento, afirma-se que, na prova ilícita, o vício ocorre quando de
sua obtenção (por exemplo, no momento em que se capta a conversa telefônica),
enquanto na prova ilegitima a ilegalidade ocorre na sua produção ( por exemplo, no
momento em que se indefere a pergunta à testemunha).133 Embora normalmente
a ilicitude se dê relativamente á obtenção de uma prova, isto é, durante a execução
de um meio de obtenção de prova (por exemplo, uma interceptação telefônica ou
busca e apreensão), é possível que a ilicitude ocorra no próprio processo, durante a
produção da prova. Basta pensarem um acusado que seja torturado, ou submetido
à hipnose, ou compelido a tomar o “soro da verdade”, durante seu interrogatório.
Nesse caso, haverá ilicitude na produção de um meio de prova durante a instrução
processual. Outrossim, exemplificativamente, de igual forma, se um padre prestar
depoimento sobre algo que teve conhecimento durante uma confissão, o vício que
acarretará a ilicitude da prova testemunhal se dará na própria produção do meio
de prova.
De outro lado, do ponto de vista do material que poderá ser valorado para a
formação do convencimento judicial, não terá maiores reflexos a distinção entre
prova ilícita e prova ilegítima, na medida cm que, tanto a prova obtida ilicitamente
quanto a prova produzida ilegitimamente não poderão ser valoradas pelo juiz. Não
se pode ignorar que as regras sobre admissão e produção da prova têm por escopo
último uma correta seleção do material que poderá ser valorado pelo juiz para a
formação de seu convencimento.
Quanto à sanção processual aplicável, a distinção tradicional é que, no caso
de prova ilícita, tem-se a sanção prévia, qual seja, a inadmissibilidade, que veda
seu ingresso no processo. Já a prova ilegítima será sancionada com a nulidade de
sua produção, uma sanção, portanto, expostfactum . Além disso, a prova ilícita não
pode ser renovada, enquanto em relação à ilegítima “impõe a necessidade de sua
renovação, nos lermos do que determina o art. 573 do CPP”. Não há como negar
que a inadmissibilidade impede o ingresso, no processo, de uma prova ilícita,
o que não ocorre em relação à teoria das nulidades. Porém, na maioria dos casos, o
reconhecimento da ilicitude da prova ocorre a posteriori, quando o meio proibido

132. A análise segue o conceito que já foi proposto em: BADARÓ, Gustavo Henrique.
Processo penal. 6. ed. São Paulo: Ed. RT, 2018. p. 411-416.
133. MAGALHÃES GOMES FILHO, Provas..., cil., p. 266.
170 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

já ingressou no processo. Por exemplo, reconhece-se a ilicitude de uma imercep-


tação telefônica, depois de já realizada a operação técnica e juntado aos autos o
laudo de gravação ou os registros das conversas. Nesse caso, a consequência do
reconhecimento da ilicitude da prova não será a inadmissibilidade (impedir o in­
gresso) . mas o seu desentranhamento (excluir do que não deveria ter ingressado).
Aliás, é o que está previsto no próprio caput do art. 157 do CPP: "São inadmissíveis,
devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, [...]". Assim, na dinâmica
procedimental, sob o aspecto cronológico da imposição da sanção, não haverá di­
ferença prática entre o desentranhamento (en ãoa inadmissibilidade) e a nulidade.
Mesmo a alegada impossibilidade de renovação da prova ilícita (sancionada
com a inadmissibilidade) e a necessidade de renovação da prova ilegítima (sancio­
nada com a nulidade) não é uma regra absoluta. A não repetição da prova ilícita não
decorre de uma característica ontológica de tais provas. Como o vício da ilicitude
costuma ocorrer na obtenção da fonte de prova, o fator surpresa desaparece após a
sua produção e, no caso, com o posterior reconhecimento judicial da ilicitude. Seria
de todo inútil, anos após a realização de uma interceptação telefônica ilícita, que o
juiz autorizasse uma nova interceptação para tentar captar o mesmo conteúdo de
conversa entre as mesmas partes, mas, não seria impossível. Por outro lado, o fator
surpresa geralmente é decisivo nos meios de obtenção de prova. De fato, dificilmente
teria qualquer êxito uma interceptação telefônica ou uma busca e apreensão em
que o investigado soubesse previamente da autorização judicial. Entretanto, na
quebra de sigilo bancário e fiscal, a surpresa não é fator determinante. Portanto,
uma vez reconhecida a ilicitude na obtenção de dados bancários ou fiscais de um
investigado (por exemplo, porque foi obtido sem ordem judicial), nada impediria
que houvesse, posteriormente, uma ordem judicial válida determinando o forne­
cimento tios mesmos elementos de prova.
De outro lado, embora os atos processuais nulos devam ser, em regra, repet idos,
para sua realização válida, tal regra não é indefectível. Basta pensar na nulidade
de uma sentença ultra petita. O ato é inegavelmente nulo, e não haverá qualquer
necessidade de renovação. Basta que o tribunal, ao reconhecer o vício, exclua do
julgado a parte em que se foi além do pedido (por exemplo, o reconhecimento de
uma causa de aumento de pena), mantendo, no mais, intacta e sem necessidade
de renovação, a sentença. Mesmo no campo probatório, não é desarrazoado con­
siderar que, em relação a determinados meios de prova, a violação de uma regra
processual poderá comprometer definitivamente a capacidade epistêmica de tal
meio. Por exemplo, um reconhecimento pessoal realizado sem a observância do rito
probatório do art. 226 do CPP. em que um único suspeito seja levado à presença da
vítima para que esta o reconheça - ou não - como autor do crime. Mesmo que tal
prova, com resultado positivo, seja anulada, é de se questionar a possibilidade de
repetição do ato posteriormente, segundo o rito adequado, em virtude do grande
potencial de sugestionabilidade que a prova ilegitimamente produzida causa. No
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 171

segundo ato de reconhecimento, a vítima provavelmente reconheceria o acusado


não porque se lembraria dele na cena delitiva. mas porque se recordaria dele no
reconhecimento ilegítimo anterior.
Em suma, mais relevante do que distinguir a prova ilícita, à qual se aplica a
inadmissibilidade, da prova ilegítima, para a qual haverá nulidade, é definir quais
casos de violação da Constituição ou da lei tornam a prova "ilícita , em sentido
amplo, e. consequentemente, estabelecer para tais hipóteses a inutiliz&bilidadc da
prova, impossibilitando a sua valoração.
Isso elimina a necessidade de distinção entre normas materiais e normas pio-
cessuais, que é insegura, na medida em há dispositivos constitucionais ou legais
que têm um aspecto bifronte, podendo ser lidos, de um lado, como uma garantia
constitucional cie proteção das liberdades públicas e , de outro, como um regl amento
processual delimitando os mecanismos para realização de um meio de prova ou de
obtenção de prova. Por exemplo: uma interceptação telefônica autorizada por juiz
incompetente será uma prova ilícita ou ilegítima? Violou-se uma regra constitu­
cional que assegura a liberdade das comunicações telefônicas, que somente pode
ser restringida mediante autorização judicial, sendo uma prova ilícita? Ou a regra
constitucional foi respeitada, na medida em que há autorização judicial, mas se
desrespeitou uma regra processual de repartição de competência, sendo a prova
ilegítima? Outro exemplo: uma busca e apreensão domiciliar, realizada fora das
exceções constitucionais, mas com uma ordem judicial não motivada, caracteri-
zar-se-á como prova ilícita ou ilegítima? Considerando-se que foi desrespeitada a
garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, ao qual se teve acesso sem
ordem judicial, a prova será ilícita. Por outro lado, caso se considere que há ordem
judicial, mas essa é nula, porque não decorrente de decisão motivada, o vício será
processual, sendo a prova ilegítima.
Nos dois exemplos anteriores, o que se têm são meios de obtenção de provas
produzidos violando regras constitucionais e legais, prejudicando seriamente
direitos do investigado ou acusado, acarretando a inadmissibilidade que o meio
obtido seja utilizado para a formação do convencimento judicial, que somente pode
se fundar em provas legalmente produzidas. Assim, entre os direitos constitucio­
nais cuja violação caracteriza uma prova ilícita, devem ser incluídos os direitos
processuais, em especíalas garantias constitucionais dos investigados e acusados,
que integram o devido processo legal: juiz natural, contraditório, ampla defesa,
presunção de inocência, motivação, publicidade etc.
Em suma, e embora o tema seja controvertido, para o direito brasileiro, podem
ser definidas como provas ilícitas as provas obtidas, admitidas ou produzidas com
violação das garantias constitucionais, sejam as que asseguram liberdades públi­
cas, sejam as que estabelecem garantias processuais. Os meios de provas obtidos
ilicitamente são inadmissíveis no processo e, se nele indevidamente ingressarem,
172 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

devem ser desentranhados. Em um ou em outro caso, jamais poderão ser valorados


pelo juiz. O desentranhamento da prova dos autos é apenas o mecanismo técnico
para assegurar uma proibição de valoração da prova ilícita.
A sistemática anteriormente proposta, como se verá, está em consonância
com o que se pode denominar um “núcleo duro" da prova ilícita que deve ser
excluída do processo.
No direito estrangeiro, embora não haja um posicionamento seguro sobre
o conceito de prova ilícita, não é comum a demarcação de uma cisão conceituai
entre a violação de regras de direito material, dc um lado, e de direito processual,
de outro. Por outro lado, um elemento comum ou constante na maioria dos or­
denamentos jurídicos, é a exclusão processual da prova obtida com violações de
garantias constitucionais, incluindo as garantias processuais dos acusados.
Semelhante ao direito brasileiro, na Italia também há uma regra geral de não
utilização de provas ilicitamente adquiridas. O art. 191 do Códice di Pmcedura
Penale, ' wsob a rubrica “Provas ilegitimamente adquiridas”, prevê, no cotnrna I o,
que: “As provas adquiridas com violação das vedações estabelecidas pela lei não
podem ser utilizadas”.ir> Há uma definição geral de provas vedadas no art. 188,1345

134. Segundo Marcello Daniele ( Rcgolc di esclusione e rcgole di valutazione delia prova.
Torino: G. Giappichelli Ed.. 2009. p. 3) irata-se de regra de exclusão probatória de ca­
ráter geral, pois veda ao juiz empregar em sua decisão elementos cognitivos que tenham
sido produzidos violando proibições previstas em lei. O direito italiano, por exemplo,
trabalha com graus de inutilizabilidade, havendo regras absolutas e regras relativas de
exclusão de prova (Ibidem, p. 8 -9 ). As hipóteses de regras de exclusão relativas ocor­
rem nos casos em que a lei declara que certos elementos probatórios são ineficazes
somente em face de um tema probatório, mas não diante de outro tema. São os casos,
por exemplo, de vedação de testemunho sobre a moralidade do acusado (CPP, art. 194,
comma 1); ou a utilização de documentos relativos a "voz corrente" da população ou a
moralidade de sujeitos que participam do processo (CPP, art. 234. comma 3) e a perícia
sobre a qualidade psíquica do acusado. (CPP, art. 220, comma 2.) Trata-se. portanto, de
regras de exclusão baseadas no objeto da prova: Cordero, II procedimento probatorío...,
cil., p. 61 e ss. No mesmo sentido: DANIELE, Rcgolc di esclusione e rcgole di valutazione
delia prova ..., cit.. p. 10; Elvira Nadia La Rocca (Le rcgolc di esclusione delia prova nel
processo penale. Roma: Aracne, 2013. p. 54-55).
135. Por outro lado, como explica Nadia La Rocca (Le regole di esclusione delia prova nel
processo penale..., cit.. p. 79-80) a vedação genérica da lei encontra sua especificação nas
normas que disciplinam cada meio de prova. E acrescenta: "Nesse aspecto, o caráter genérico
da fórmula vedações estabelecidas pela lei’ evidencia a amplitude concreta da mesma; para
a vedação da lei, com já evidenciado, deve entender-se não apenas aquela expressamente
prevista, mas também e sobretudo aquelas derivadas da constatação da lalta dc condição
ou pressupostos de operatividade da norma probatória e, mesmo na ausência de uma
expressa previsão de proibição, esta é sempre exlraível das respectivas previsões da norma
que, autorizado a produção e sucessiva valoração da prova na presença de determinados
pressuposto, consequentemente vendam sua utilização na ausência destes últimos”.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 173

que trata da “Liberdade moral da pessoa na produção da prova : “Não podem ser
utilizado, nem mesmo com o consentimento da pessoa interessada, métodos ou
técnicas idôneas a influir sobre a liberdade de autodeterminação ou a alterar a
capacidade de recordar e valorar os fatos".
Tem-se entendido, também, que existem vedações implícitas, sendo consi­
deradas inutilizáveis, embora não explicitamente sancionadas por uma vedação
legal, as provas obtidas com violações de princípios fundamentais.13'1 Se assim
não fosse, a adoção de um princípio rígido de taxatividade das vedações probató­
rias poderia levar a hipóteses de “perigosos vácuos de tu tela"."' Assim, a vedação
probatória pode decorrer de normas de direito penal material, bem como de direitos
fundamentais do cidadão previstos na constituição.13617138139
Na Espanha, o arl. 1 1 da Ley Orgânica dei Pocln Judicial Espanhola, que prevê:
“No surtirán efecto las pruebas obtenidas, di recia o indirectamente, violentando los
derechos o libertades fundamentales”. A denominação dada a tal violação de direiios
varia: há quem se refira á prova ilícita,13y enquanto outros usam a denominação
prova proibida.14014Substancialmenie, porém, a doutrina espanhola está de acordo em
incluir, entre os direitos constitucionais cuja violação caracteriza uma prova ilícita,
os direitos processuais e. cm especial as garantais constitucionais dos acusados,
que integram o devido processo legal, entre elas: ju iz natural, contraditório, ampla
defesa, presunção de inocência, motivação, publicidade etc.1" O problema, como

136. NADIA LA ROCCA, Le rególe di esclusione delia prova nel processo penale..., cit., p. 56.
137. GALANTINI, Novella. Inutilizzabilitá (dir. proc. p en.). Enciclopedia del Diritto.
Aggiornamenti, I. Milano, 1997. p. 698.
138. Para Andrea Planehadell Gargallo (La prueba prohibida: evolución jurisprudencial.
Navarra: Aranzadi, 2014. p. 3 5), as provas produzidas com violação de direitos fun­
damentais devem ser denominadas "provas proibidas”, já as expressões "prova ilícita”
ou “prova ilicitamente obtida" indicariam fenômenos de menor gravidade, de simples
infringência aos requisitos legalmente exigidos para produção de uma prova, não im­
plicando sua ineficácia.
139. MIRANDA ESTRAMPES, Manuel. El concepto de prueba ilícita y su tratamiento en el
proceso penal. 2. ed. Barcelona: Bosch, 2004. p. 31-32.
140. Andrea Planehadell Gargallo (La prueba prohibida: evolución jurisprudencial. Navarra:
Aranzadi, 2014. p. 35) prefere a terminologia “prova proibida”, por considerar que “con
la expresión prueba ilícita, ilícitamente obtenida o ilegal se hace en puridad referencia
a aquella prueba que se obtiene o práctica vulnerando o infringiendo los requisitos
legalmente exigidos para ella, de forma que, cuando dicha infracción no supone una
vulneración de los derechos fundamentales, ésta prueba si que puede, dentro de los
límites legales, ser tomada en consideración”.
141. Miranda Estrampes (El concepto de prueba ilícita y su tratamiento en el proceso penal....
cit., p. 52): explica que “A vulneração dos direitos fundamentais pode ter lugar não só
no momento da obtenção da Jante de prova, mas também no momento de sua incorporação
e produção no processo. Entre estas ultimas se encontram aquelas provas cuja prática não
174 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

aponta Lorena Bachmaier Winter, é a problemática a falta de urna clara distinção


entre lesão de direitos que causam somente uma nulidade processual e a lesão que
afeta direitos constitucionais e, portanto, torna a prova claramente inadmissível.142
Com variação terminológica, mas identidade de conteúdo, na Argentina, a
doutrina emprega a terminologia prueba ilegal no mesmo sentido que a doutrina
espanhola define prova ilícita. Carlos Edward explica que “a prova ilegal se rela­
ciona intimamente com as garantias que estabelece a Constituição Nacional a favor
do imputado no desenvolvimento do processo penal; definimos precisamente a
prova ilegal como a obtenção de elementos de prova em violação das garantias
constitucionais; quer dizer que o núcleo central da prova ilegal radica justamente
no quebramento dessas garantias”. 143
Em profundo estudo sobre o tema, Armenta Deu destaca a tendência geral
de restringir o conceito de prova ilícita aos casos de violações de direitos consti­
tucionais, “em atenção ao um critério utilitarista que permita, ao menos, garantir
o respeito a tais direitos”, ainda que para isso se tenha que remeter aos demais
casos de ilicitudes probatórias para outros tratamentos, como o das nulidades ou
irregularidades.144
Mais distinto é o tratamento do tema no direito alemão, em que as chamadas
proibições de provas não se baseiam na natureza processual ou material da norma
violada. Segundo Ambos, a teoria de proibição de provas, numa primeira grande
divisão, distingue as proibições cie produção de prova e as proibições de utilização de
prova. As primeiras regulam ou limitam o modo de obtenção das provas, enquanto
as segundas, restringem o uso judicial de provas já obtidas. Por sua vez, no que se
refere à proibição de praticas de provas, elas regulam ou limitam o modo de obten­
ção e se distinguem em: (1.1) proibição de temas probatórios, (1.2) proibição de
meios de prova e (1.3) proibição de métodos probatórios. Além disso, as proibições
de produção de prova podem se distinguir entre absolutas e relativas. As absolutas

respeitou as garantias constitucionais de contraditório, oralidade, publicidade e ime­


diação. impostas pelo art. 24.2 da Constituição espanhola, e conectadas com o direito
fundamental da presunção de inocência. Dentro da categoria dos direitos fundamentais
devemos incluir tanto os denominados substantivos, como os processuais, basicamente
contidos no art. 24 do texto constitucional". No mesmo sentido: WINTER, Lorena
Bachmaier. Spain: the constitutional courts move from categorical exclusion to limi­
ted balancing. In: THAMAN, Stephen C. (Ed.) Exclusionary rules in comparative law.
Springer, 2013. p. 213-214.
142. Spain: the constitutional court’s move from categorical exclusion to limited balan­
cin g .... cit., p. 232.
143. EDWARD, Carlos Enrique. La prueba ilegal en el proceso penal. Cordoba: Marcos
Lerner Ed., 2000. p. 17.
144. DEU, Tereza Armenia. La prueba ilícita (un estúdio com parado). Madrid: Marcial
Pons, 2009. p. 80.
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 175

têm aplicação geral, enquanto as relativas “limitam a obtenção de provas no sen-


lido de que somente determinadas pessoas tem poder para ordenar ou realizar
uma produção de prova, estabelecendo-se, em consequência, uma proibição para
qualquer outro sujeito”.Mí A necessidade de limitação da atividade é reconhecida
pelo Tribunal Supremo Federal alemão, o qual jã decidiu que: “no Estado de Direi­
to, existem limites intransponíveis à busca da verdade processual: não é nenhum
princípio da ordenação processual que a verdade tenha de ser investigada a todo
preço; o objetivo de esclarecimento e punição dos crimes é, seguramente, do mais
elevado significado; mas ele não pode representar sempre, nem sob todas as cir­
cunstâncias, o interesse prevalente do Estado”. H6
Em suma. desse rápido panorama do direito estrangeiro, percebe-se a tendência
em se caracterizar as provas ilícitas como sendo aquelas obtidas com a violação de
garantias constitucionais do acusado, sejam aquelas que lhe conferem liberdades
públicas, sejam as que lhe garantem direitos processuais configuradores de um
devido processo legal. Por outro lado, tanto na doutrina de common law quanto
entre os autores alemães, temas eminentemente processuais, como a vedação do
testemunho de ouvir dizer ou a proibição de obrigar o acusado a produzir prova
contra si mesmo, são tratados no conjunto das exclusionaiy rules e das proibições
de praticas de provas.
Sob o plano da epistemología judiciária, compreende-se a razão de ser de tais
regras legais de exclusão da prova por finalidades políticas ou extraprocessuais. O
direito à prova admite restrições legítimas à busca da verdade, nos casos em que
outros valores tutelados constitucionalmente devem prevalecer, como a dignidade1456

145. AMBOS, Kai. Las prohibiciones de utilización de pruebas en el proceso penal alemán.
In: COLOMER, Juan Luis Gómez (Coord.), Prueba y proceso penal. Análisis especial de
la prueba prohibida en el sistema español e en el derecho comparado. Valencia: Tirant
Lo Blanch, 2008. p. 32. No mesmo sentido: GÓSSEL, Karl Heinz. Las prohibiciones de
prueba como límites de la búsqueda de la verdead en el proceso penal. In: DONNA,
Edgardo Alberto (Dir.). El derecho procesal penal en el estado de derecho. Obras comple­
tas. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni, 2007. p. 151; ROXIN, Claus. Derecho procesal penal.
Trad. Gabriela E. Córdoba e Daniel R. Pastor. Buenos Aires: Del Puerto, 2000. p. 191.
Sobre o tema, podern ser consultados os profundos estudos: GÓSSEL, Karl Heinz. La
prueba ilícita en el proceso penal. In: DONNA, Edgardo Alberto (Dir.). El derecho pro­
cesal penal en el estado de derecho. Obras completas. Santa Fé: Rubinzal-Culzoni. 2007.
p. 169-258 e, mais recentemente: GLESS, Sabine. Germany: balancing truth against
protected interests. In: THAMAN, Stephen C. (Ed.) Exclusionary rules in comparativo
law. Springer, 201 3. p. 113-142; AMBOS. Kai. Las prohibiciones de utilización de pru­
ebas en el proceso penal alemán. In: COLOMER, Juan Luis Gómez (Coord.). Prueba
y proceso penal. Análisis especial de ia prueba prohibida en el sistema español y en el
derecho comparado. Valencia: Tirant Lo Blanch, 2008. p. 325-360.
146. BGHSt. 14, 358, 4 6 5 , citado por Góssel. Las prohibiciones de prueba como límites
de la búsqueda de la verdead en el proceso penal..., p. 148.
176 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

humana, a inviolabilidade do domicílio ou a intimidade. Não se trata de impedir


a descoberta da verdade, mas de não aceitar que possa ser buscada com quaisquer
métodos, a todo custo, como se fosse o único fim do processo. Como explica Nobili,
"a investigação e a luta contra a criminalidade devem ser conduzidas de uma certa
maneira, de acordo com um rito determinado, com observância de certas regras.
A dignidade e a moralidade do instrumento utilizado constituem, de per si, um
valor a ser perseguido e que se colocam como limite à liberdade do investigador”.147
Por fim, de se registrar que parece haver um movimento cada vez mais inten­
so no sentido de restringir o âmbito de aplicação da regras de exclusão de prova.
Nos Estados Unidos, berço das exclusionary m ies , a Suprema Corte tem cada vez
mais restringido a aplicação de lais regras de exclusão probatória,148 a ponto de
a doutrina afirmar ter ocorrido uma “completa desconstitucionalização da regra
de exclusão probatória”, e prognosticando que “a exclusão de provas obtidas
ilegalmente será inteiramente abolida como um meio de regular a conduta dos
agentes policiais”.149 Noutros países, o que se vê é a aplicação de uma regra de
balanceamento ou ponderação de bens, sendo que, em muitos casos, o que se tem
é um reconhecimento do caráter ilícito da prova, mas sem provocar o efeito de
sua exclusão do processo.150

147. II principio dei libero convincimento dei giudice, Milano: Giuffrè, 1974. p. 24. No
mesmo sentido: GRINOVER. Liberdades públicas..., cit., p. 58.
148. No caso Hudson v. Michigan (547 U.S. 586,591 (2 0 0 6 )), a Supreme Court reconheceu
a legalidade de busca e apreensão domiciliar realizada sem observância do chamado
Knock-and-announce, que era considerado uma parte necessária da razoabilidade da
busca. No caso Kansas v. Venetris (5 5 6 U.S. 5 8 6 ,1 2 9 S.Ct 1841 (2 0 0 9 )) foram admitidas
declarações do acusado obtidas com violação do decido em Masssiah v. United States -
que assegura o direito de assistência de um advogado para que a polícia obtivesse uma
declaração incriminadora do investigado, antes do processos - foi admitida para atacar
a credibilidade do acusado. Com relação ao caso Hudson vs. Michigan, afirma Manuel
Miranda Estrampes (Concepto de prueba ilicita y stt tratamiento en el proceso penal.
Especial referencia a la exclusionary rule estadounidense. México D.C.: Ubijus, 2013.
p. 310) que se tratou de uma verdadeira reformulação do lundamento das exclusionary
rules, na progressiva intenção de afastar o seu caráter de regra constitucional.
149. CAMMACK, Mark E. The United States: the rise and de fall of the constitutional
exclusionary rule. In: THAMAN. Stephen C. (Ed.) Exclusionary rules in comparativo
law. Springer, 2013. p. 31-32.
150. Por exemplo, na Bélgica, Marie-Aude Beernaert e Philip Traest (Belgium: from cate­
gorical nullities to ajudicially created balancing test, ln: THAMAN, Stephen C. (Ed.).
Exclusionary rules in comparativo Ictvv. Springer, 2013. p. 181) informam que, embora
por anos prevalecesse o entendimento de que os juízes não poderiam considerar, para
a condenação, provas obtidas por meios ilícitos, a Cour de Cassation. a partir do caso
Antigone, decidido em 14 de outubro de 2013. acabou por inverter a regra da proibição
prima facie da utilização de provas ilícitas, substituindo-a por uma autorização prima
Jacie de utilização das provas ilícitas, exceto em três casos bastante restritos: quando
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 177

Do ponto de vista exclusivo da descoberta da verdade, seria louvável a elimina­


ção de toda c qualquer regra de exclusão probatoria com vistas à proteção de dii eitos,
como a privacidade e outras liberdades públicas. Haveria a eliminação de barrei i as á
descoberta da verdade. Há, contudo, fundamentos relacionados à dignidade humana
que impedem tal solução.1’ 1 Mais do que isso, em muitos ordenamentos jurídicos
há óbices legais e até mesmo constitucionais para essa postura, que visaria apenas
um modelo processual penal que losse um puro mecanismo epistêmico.
Na prática, abolir a regra legal de exclusão das provas ilícitas somente é possível
nos ordenamentos jurídicos em que ela não seja constitucional ou constitucionali­
zada. Inexistindo previsão constitucional expressa de que as provas ilícitas devem
ser excluídas ou não admitidas no processo, o reconhecimento pela jurisprudência
de que tal regra de exclusão probatória não tem natureza constitucional, faz com
que a prova viciada possa, em lese, ser utilizada para a formação do convencimen­
to judicial. Normalmente, sem a barreira constitucional da inadmissibilidade, a
solução será aplicar a ponderação caso a caso e, em tese, não se pode excluir que,
em certas condições, dê-se prevalência à busca da verdade.
Por outro lado, a chamada “constitucionalização” do direito à exclusão da
prova ilícita, que se dá via jurisprudência perante a ausência de regra expressa,
pode ter duplo fundamento: um processual e outro constitucional. A justificativa
processual decorre da consideração de que é inerente ao due process o j law ou
ao processo équo, a garantia de que o acusado não pode ler a sua presunção de
inocência afastada e, consequentemente, ser condenado, com base em provas
ilícitas. Por outro lado, o fundamento constitucional decorre da necessidade de
proteção efetiva do próprio direito constitucional violado (como a privacidade
ou a liberdade de comunicação telefônica): se a violação da regra constitucional
que assegura uma liberdade individual perante o Estado não implicar a ilicitude
da prova e, consequentemente, a sua impossibilidade de utilização nos processos,
o direito constitucional não estará recebendo uma proteção efetiva pelo Estado.1
Nesses casos, em que o status constitucional da exclusionary rule terá sido dado
pela jurisprudência, c mais fácil haver câmbios interpretativos para restringir a

houver violação de formalidades estabelecidas sob pena de nulidade, se a confiabilidade


da prova foi atingida, ou quando o direito a um processo justo foi abalado.
151. Nas palavras de Ferrer Beltrán (Lu valoración racional de la prueba..., cit., p. 8 0 ), a
justificativa de tais regras de exclusão não é uma questão de racionalidade, mas valo­
ra tiva.
152. Nesse sentido: GÓMEZ COLOMER, Juan Luis. La evolución de las teorías sobre la
prueba prohibida aplicadas en el proceso penal español: del expansionismo sin limites
al más puro reduccionismo. Una meditación sobre su desarrollo futuro inmediato. In:
GÓMEZ COLOMER, Juan Luis (Coord.), Prueba y proceso penal. Análisis especial de
la prueba prohibida en el sistema español y en el derecho comparado. Valencia: Tirant
Lo Blanch, 2008. p. 111.
178 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

aplicação das regias de exclusão, ampliando a possibilidade de utilização pro­


cessual de provas ilícitas.
Ressalte-se que, no caso brasileiro, não é possível a aplicação das soluções
anteriormente aventadas, na medida que a exclusão da prova ilícita é prevista
constitucionalmente, pelo inciso LV1 do capul do art. 5o: “São inadmissíveis no
processo as provas obtidas por meios ilícitos”. Assim, reconhecida a violação de uma
norma material, de cunho constitucional ou material que configure prova ilícita, é
inafastãvel a conclusão de que a prova é inadmissível. Em outras palavras, não
é possível aplicar a teoria do inale captum, bene retentum. Essa solução somente é
viável nos ordenamentos em que a regra de exclusão da prova é infraconstitucional
ou simplesmente jurisprudencial, podendo ser afastada no caso concreto, por meio
de ponderação, quando houver outro valor de maior relevância a ser tutelado.

3.4.1.3. As regras legais de exclusões probatórias fundadas em limites


epistemológicos
Os limites epistem ológicos, ou regras de exclusão por motivos intrínsecos,
buscam previamente restringir o ingresso de elementos de provas que, embora
relevantes e dotados de elevado potencial persuasivo, poderiam gerar uma inexata
reconstrução histórica dos fatos.
É intuitivo que, do ponto de vista epistemológico, quanto mais elementos
disponíveis para realizar o julgamento sobre a veracidade de uma hipótese fática,
tanto melhor. Mesmo que esse elemento possa ser, ao final, considerado inidôneo,
terá servido para, num primeiro momento, justificar a realização de um teste de
uma hipótese diversa que, posteriormente, se mostrou prevalecente justamente
pela insuficiência dos elementos probatórios que lhe davam suporte.
Portanto, a aceitação dc restrições probatórias fundadas em finalidades
epistêmicas, pode soar até mesmo contraintuitiva. Isso porque se trata de regras
legais visando um resultado probatório de melhor qualidade, embora para tanto
restrinjam o conjunto de elementos valoráveis. Sendo possível a produção de
uma prova com melhor idoneidade e potencial cognitivo, não se pode aceitar
uma menos qualificada. Porém, a aceitação de tais regras, ditas epistemológicas,
é objeto de controvérsia. Isso porque, para muitos autores, tais limites legais são
antiepistêmicos, ao impedir o ingresso e valoração de elementos relevantes para o
convencimento judicial!
O grande problema é resolver o paradoxo de normas que parecem endereça­
das a realizar uma finalidade epistêmica mas, em realidade, são epistemicamente
contraproducentes, porque impedem a possibilidade de utilização dc informações
úteis.153 Para tanto, somente o recurso à epistemología judiciária poderá resolver

153. TARUFFO, La semplice verità.... cit.. p. 150.


EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 179

a questão. Se a justificativa é que se trata de normas nas quais o legislador acolite


visando um conhecimento de melhor qualidade para a descoberta da verdade, é
preciso verificar se essa matriz epistémica realmente existe. Se a epistemologia
justificar tal limite, haverá um fundamento comum, epistemológico e legal para a
exclusão. Caso contrário, se a regra de exclusão probatoria - que não está justifi­
cada por motivos lógicos ou p o lítico s- não encontra um fundamento aceitável do
ponto de vista de uma teoria do conhecimento, será um caso de indevida barreira
legal à produção de provas pertinentes que dificulta um juízo de fato correto no
processo. Uma das finalidades da epistemologia judiciária é identificar lais regras
e propor a sua exclusão.
O Código de Processo Penal traz alguns exemplos de regras legais que limitam
a atividade probatoria, que teriam uma finalidade epistemológica, mas a efetiva
preservação da verdade não parece tão clara.15'1 Isto é, não há forte justificativa
epistémica. Por exemplo, o parágrafo único do art. 155 estabelece que: “Somente
quanto ao estado das pessoas serão observadas as restrições estabelecidas na lei
civil”. Em outras palavras, quando a lei civil exigir, para prova do estado da pessoa,
instrumento específico, como a certidão de casamento, não será admitido qualquer
outro meio de prova no processo penal. De modo semelhante, o art. 62 estabelece
que: "no caso de morte do acusado, o juiz somente à vista da certidão de óbito, e
depois de ouvido o Ministério Público, declarará extinta a punibilidade”.
No processo civil, havia a vedação, no ab-rogado Código de Processo Civil de
1973, da produção de prova exclusivamente testemunhal, nas demandas em que
o valor excedia um determinado valor.154155

154. Para Magalhães Gomes Filho (Direito á prova no processo penal.... cil., p. 9 7 -9 8 ),
outro limite de admissão da prova, de natureza epistémica, seria a regra do art. 158 do
CPP dispondo que. nos crimes que deixam vestígio, não se admite a confissão para a
comprovação da materialidade delitiva, exigindo-sc o exame de corpo de delito: "tra­
ta-se de um exemplo claro de inadmissibilidade do meio de prova, com o objetivo de
evitar erros que poderiam resultar em indiscriminada admissão de qualquer prova para
demonstração da própria existência do fato que deixa rastros materiais". Discorda-se.
O dispositivo não estabelece um limite a admissão de outros meios de prova, mas sim a
valoração de meios de prova diversos do exame de corpo de delitos, para se considerar
provada a materialidade delitiva. Nesse sentido, Jacinto Nelson de Miranda Coulinho
(Glosas ao Verdade, Dúvida e Certeza, de Francesco Carnelutti ..., cil.. p. 8 9 ) explica
que tal regra e "um resquício da prova legal", que constitui ' uma garantia do cidadão,
expressão infraconstitucional do princípio do devido processo legal”. Sobre o tema, cf..
infra, item 3.5.2. De qualquer forma, como ressalva Nappi (Cuida al coiiici di pweedura
penale..., cit., p. 173) muitas vezes pode ser difícil estabelecer a diferença entre "rególe
desilusione e criteri di valutazione". No mesmo sentido, Nobili, Esiti, errori, arbitrii
dietro unillustre form ula..., cil., p. 53. nota 41.
155. O art. 401 do ab-rogado CPC de 1973 vedava a produção da prova exclusivamente
testemunhal, em relação aos contratos cujo valor excedia 10 salários-mínimos. Segundo
180 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

O Código Eleitoral, com as alterações promovidas pela Lei 12.165/2015,


teve acrescido o art. 368-A, segundo o qual, nos processos de perda ou cassação
do mandato eletivo: “A prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será
aceita nos processos que possam levará perda do mandato”. Diferentemente do que
possa parecer, não se trata de hipótese de prova legal negativa, reinserindo o tcslis
muís, tcstis m illas, como limite ao momento de valoração da prova. Em tal situação,
a prova testemunhal é admitida, mas se for produzido apenas um depoimento no
sentido do fato que se pretende provar, no momento da valoração, sua força será
insuficiente para considerá-lo provado. O que está previsto no novo art. 368-A
do Código Eleitoral é que não se admite a prova exclusivamente testemunhal. Ou
seja, a prova poderá ser indeferida pelo juiz se a parte não indicar outro meio de
prova de corroboraçào.
Outra hipótese, sempre lembrada como limite epistemológico, embora não
vigorante entre nós, é a hearsay rule, que veda a utilização do testemunho de ou­
vir dizer,131' por não possibilitar o exame cruzado da fonte de prova originária. O
hearsay rule já chegou a ser apontado como a regra mais característica do direito
probatório anglo-americano.1,7 Todavia, atualmente, a regra de exclusão de hearsay

Moacyr Amaral Santos (Comentários ao Código dc Processo Penai Rio de Janeiro: Forense,
1976. v. IV p. 269), o dispositivo era “genuíno preceito sobre admissibilidade de prova
testemunha. Esta é admissível, embora insulada, para a prova dos contratos de valor
igual ou inferior ao décuplo do maior salário mínimo”. Outro limite dessa natureza que
pode ser lembrado, é a regra do art. 55. § 3o, da Lei 8 .2 1 3 /9 1 . sobre a prova testemunhal
para benefícios previdenciários: “A comprovação do tempo de serviço para os efeitos
desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o dis­
posto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não
sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de
força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento”. No mesmo sentido,
inclusive, é a Súmula 149 do STJ: “A prova exclusivamente testemunhal é insuficiente
para comprovação da atividade rurícola para obtenção de benefícios previdenciários”.
156. De fato, o testemunho de ouvir dizer, ao menos em regra, não deve ser admitido.
Não pode ser aceito como verdadeira prova testemunhal, por se tratar de uma “prova
de segunda mão".
157. LEMPERT, R. O.; SALTZBLRG, S. A. A modem approach to evidence: text, problcms,
transcripts. St. Paul, Minnesota: West Publishing Co., 1982. p. 494. De modo semelhante,
para John Langbein ( The origins of adversan criminal trial. Nova York: Oxford University
Press, 2003. p. 233) trata-se da “iniciativa central do direito probatório anglo-americano
maduro”. O assim denominado “testemunho de ouvir dizer” é definido no artigo 8 0 1 (c) das
Federal Rules of Evidence: ' hearsay é uma declaração diversa daquela proferida pela teste­
munha enquanto depõe no julgamento, oferecida como meio de prova para comprovar a
veracidade da questão afirmada”. Para o conceito de hearsav, uma declaração (statemant)
c definida como “uma asserção oral ou escrita ou uma conduta não verbal de uma pessoa,
caso a pessoa a pratique com a intenção de fazer uma asserção” (artigo 8501 (a)) e declarante
é conceituado como “uma pessoa que presta uma declaração” (artigo 801 (b)).
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 181

admite um grande número de exceções, nas quais se considera que o testemunho


indireto é confiável o bastante para ser admitido. As Federal Rules o f Evidence
apresentam um complexo regramento, com quase três dezenas de exceções à
regra geral. As exceções justificam-se, em linhas gerais, por dois motivos. Lm
primeiro grupo de exceções, admite a hearsay witness mesmo estando disponível
a fonte originária, que poderia comparecer pessoalmente ao julgamento (regra
803 das Federal Rules o f E vidence).'* No segundo grupo, são previstas exceções
em casos nos quais a testemunha direta ou originária não está disponível (regra
804 do referido diploma legal).159 O mesmo fenômeno de flexibilização da hearsay
rule ocorre no direito inglês. O Criminal Justice Act de 2003 ampliou a margem de
discricionariedade judicial para admitir depoimentos de ouvir dizer, por exemplo,
quando o tribunal considerar que tal depoimento indireto ‘'atende aos interesses
da justiça” (artigo 1 1 4 (l)(d )).
Também pode ser lembrado, como uma regra de exclusão de admissão de
prova, por motivos epistemológicos ou intrínseco, o bes t evidence principie. Segundo
esse regramento, as partes processuais devem apresentar ao tribunal o melhor ou
mais confiável elemento de prova que seja razoavelmente obtenível sobre uma de­
terminada questão fálica controvertida.160O fundamento do postulado em apreço é
a necessidade de se garantir que o julgador do mérito tenha as melhores condições
possíveis de reconstruir com acurácia a verdade histórica dos fatos sob julgamento.
Para tanto, ele precisa ter acesso a elementos de prova ótimos, do ponto de vista
epistemológico, assim entendidos aqueles elementos de prova mais úteis para que
um julgador consiga decidir, de forma racional, uma questão fática controversa.161

3.4.1.3.1. O problema da prova científica

Um campo em que se tem sentido uma ampla e direta influência da epistemo­


logía, no juízo de admissibilidade probatória, é o da admissão da chamada “nova138

138. Como explica Diogo Malan ( Direito ao confronto no processo penal. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2008. p. 59): "Tais exceções, de uma forma geral, são justificadas por se
tratar de situações em que o legislador considera que o testemunho indireto é de boa
qualidade epistemológica, tão confiável quanto o depoimento direto. Assim, a questão
da disponibilidade da fonte informativa original não é considerada relevante, para fins
de admissibilidade do testemunho indireto”.
159. Novamente, invocando o ensinamento de Malan ( Direito ao confronto no processo pe­
nal.... cil., p. 59): "aqui o fundamento é diverso: embora se reconheça que o depoimento
indireto não tem a mesma qualidade epistemológica do direto, em certas circunstâncias
entende-se preferível a admissão do testemunho indireto, ante a impossibilidade material
de produção do depoimento direto”.
160. NANCE, Dela. The best evidence principie, lowa Law Rcview. lowa City, n. 73, 1987­
1988. p. 227-297.
161. NANCE, The best evidence principie..., cit.. p. 240 e ss.
182 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

prova científica”. Em outras palavras, como introduzir, no processo, os novos mé­


todos científicos? Evidente que o problema não é somente de admissão da prova,
mas também de produção e, posteriormente de valoração.162 Por outro lado, não
se pode subestimar o peso de uma decisão sobre admissibilidade ou não da prova
científica, pois podem determinar, e normalmente determinam, para um lado ou
para o outro, o êxito do processo.163
Nesse tópico, serão analisados somente os problemas de admissibilidade da
prova científica. Contudo, antes de resolver o problema de qual ciencia pode entrar
no processo, é preciso fazer alguns esclarecimentos sobre o complicado relaciona­
mento da ciencia com o direito.
O ritmo de evolução da ciencia é diverso do ritmo de evolução do proces­
so. As ciencias evoluem a passos lentos, enquanto o processo deve terminar em
prazos menores. Cientistas, de um lado, e juízes auxiliados por peritos, de outro,
trabalham com cronogramas muito distintos. Há descobertas científicas que le­
vam anos, às vezes décadas, até serem comprovadas e aceitas pela comunidade
acadêmica. Todavia, esse longo tempo se justifica porque a finalidade da ciência é
gerar conhecimento, evoluindo o saber a partir dos conhecimentos anteriores. Já no
caso do processo, sua finalidade é chegar a uma decisão justa, com a solução do caso
concreto. Do ponto de vista fático, o juiz precisa atingir uma correta reconstrução
histórica, para a qual a nova prova científica possa ser de grande significado. Mas
é evidente que, no processo, o escopo para o qual se emprega a ciência é diverso
do escopo do cientista. O cientista almeja descobrir ou revelar uma lei geral, capaz
de fornecer uma explicação correta dos fatos verificados ou objeto dc testes em
laboratório, e também possibilitara previsão de acontecimentos futuros do mesmo
gênero. Já o papel do perito em um processo judicial não é fazer previsão, a partir
de experimentos realizados, mas auxiliar o juiz na reconstrução histórica de um
fato específico e concreto, permitindo-o chegar a uma decisão, com base no grau
de atendibilidade que a prova pericial confira a um enunciado fático.164
Ainda assim, na relação entre ciência e processo, restam as hipóteses em que
os conhecimentos científicos disponíveis sejam insuficientes. Nesse caso, haverá
novo atrito, uma vez que o juiz não poderá proferir um non liquet ou deixar em

162. Para Tuzet (Filosofia delia prova giuridica..., cit.. p. 5 6 ), os dois grandes problemas
da prova científica são: (i) definir se deve ser o juiz ou a comunidade cientílica que es­
tabelece qual teoria ou metodologia científica é mais confiável e deve prevalecer; (ii) até
que ponto o juiz é vinculado à prova científica. Ressalte-se que esse segundo problema
é relevante nos modelos de decisão em que há motivação. Já nos modelos de júri, com
decisões imotivadas, esse problema embora muito relevante, torna-se incontrolável.
163. DOMINIONI, Oreste. La prova penale scientifica. Gli strum enti scientifico-tecnici
nuovi o controversi e di elevata specializzazione. Milano: Giuffrè, 2006. p. 147.
164. DOMINIONI, La prova penale scientifica..., cit., p. 124.
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 183

suspenso o processo, até que se chegue à conclusão de um estudo científico. Terá,


pois, que decidir. E, para tanto, outro caminho não restará senão o julgamento de
acordo com as regras do ônus da prova que, no processo penal, implicará a absol­
vição do acusado, com base no in dubio pro reo.
Portanto, a ciência ingressa no processo, por meio da chamada nova prova
científica, mas estará sujeita aos limites de produção de prova impostos pela lei.
Não existe discussão quanto ao instrumento pelo qual a “nova prova cien­
tífica" ingressará no processo. Toda vez que a realização do juízo de fato exija do
magistrado conhecim entos científicos, técnicos ou artísticos dos quais ele não
dispõe, por serem saberes especializados, não integrantes do patrimônio cultu­
ral médio, o meio de prova típico para tanto é a prova pericial.1(13 O problema,
portanto, não é de tipicidade de meios de prova, mas de um componente que
intervém na operação probatória e é estranho ao catálogo legal. A grande questão
é avaliar se os conhecim entos aparentemente científicos, novos e, geralmente,
com conteúdo de elevada especialização, podem ingressar no processo. Em ou­
tras palavras, a questão não é com o ingressar, mas o que pode ingressar por meio
da prova pericial.
As principais discussões sobre a chamada “nova prova científica' costumam
ser mais agudas no que diz respeito à aceitação de tais conhecimentos no processo.
Não é qualquer conhecimento científico, mas apenas os conhecimentos científicos
novos ou modernos, que exigem técnicas ou métodos de grande especialização, que
se enquadram na chamada “nova prova científica’.165166 Nem se trata de uma matéria
que possa vir a ser disciplinada pelo legislador, por exemplo, estabelecendo um
catálogo de novos conhecimentos científicos aceitáveis no processo. Primeiro,
porque o rol nunca estaria completo e seria necessária uma constante atualização
pelo legislador, o que nem sempre se verifica. Segundo, porque o tema efetiva­
mente pertence ao patrimônio da pesquisa científica e tecnológica exorbitando
da competência legislativa.167
A análise pode ser dividida em dois aspectos: (i) o conceito de prova científica;
(ii) qual ciência deve ser admitida em juízo. Neste último aspecto, a questão se
desdobra em duas partes: quais devem ser os critérios de admissibilidade e quem
fará esse controle. O primeiro problema a ser resolvido é o próprio conceito de prova
científica, para somente então tratar, de qual prova deve ser admitida em juízo.

165. DOMINIONI, Oreste, In tema di nuova prova scientifica, Diritto penale e processo,
n. 9. set. 2001, p. 1061.
166. Nesse sentido: DOMINIONI, In tema di nuova prova scientifica.... p. 1061: Idem.
La prova penale scientifica..., p. 13; Canzio, Prova scientifica, ragionamento probatório
e libero convincimento dei giudice nel processo penale, Diritto Penale e Processo, 2003,
p. 1193.
167. DOMINIONI. Lei prova penale scientifica.... p. 15.
184 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

O conceito de ciencia dos juristas, normalmente limitado às ciencias duras


ou naturais, é fruto de um preconceito cognitivo inspirado pelo positivismo do
século XIX. Nas ciencias tradicionais, isto é, as chamadas “ciencias duras”, em
especial as ciencias da natureza (como astronomia, física, química, biologia ou
geografia), predominava erroneamente uma concepção de mundo fundada em
certezas determ inísticas.168 Esse caráter “exato” ou “objetivo” de tais ciências
parecia colocá-las num patamar epistêmico superior ao de outros campos do sa­
ber, em especial, das chamadas soft Sciences, como as ciências sociais e humanas
(p. ex.: psicologia, sociologia, política, economia, história ou direito), em rela­
ção às quais os fatos nào seriam “certos”, mas meramente prováveis , no sentido
probabilístico do termo. Esse preconceito, contudo, não se justifica. Primeiro,
porque nem mesmo as ciências da natureza são governadas por leis universais,
de validade absoluta. Todo conhecimento científico tem sua margem de erro e,
portanto, não é absoluto.lt,y As ciências humanas também geram conhecimento
passível de verificação científica, embora normalmente por métodos estatísticos,
que podem demonstrar um elevado índice de acertos, fazendo com que sejam
reconhecidos pela própria comunidade científica de referência.17" De fato, tem
sido cada vez mais frequente a consulta a peritos em áreas como sociologia, his­
tória, história da arte, antropologia e psicologia.17- E mesmo que não haja um
cálculo estatístico, em termos de probabilidade quantitativa, isso não afasta a
possibilidade de utilização de tal ciência.172
Em suma, há uma grande transformação sobre a concepção das ciências
que deve ser incorporada à decisão judiciária: além das ciências da natureza,
também as ciências humanas, que antes não eram consideradas incluídas em
tal concepção, são aptas a fornecer conhecim entos científicos passíveis de
ingressar no processo.173 Um lado positivo dessa ampliação do conhecim ento
científico é a mudança do relacionamento entre conhecim ento científico e saber
privado do juiz. Cada vez mais o ju iz terá, em áreas diversas, conhecim entos
científicos especializados para o socorrer. Com isso, não necessitará ser uma

L68. Sobre o tema, cf., supra, cap. 2, item 2.5.


169. DOV1INIONI, La prova penale scientifica..., cit., p. 125.
170. Nesse sentido: ARAZ1, Roland. Pruebas ilícitas y prueba científica. Conceptos ge­
nerales. ln: ARAZI, Roland (Dir.), Prueba ilícita y prueba científica. Santa Fe: Rubinzal:
Culzoni Ed., 2008. p. 13-14.
171. Nesse sentido: TARUFFO. Michele. La aplicación de los estándares científicos a las
ciencias sociales. In: VÁZQUEZ, Carmen (Ed.). Estándares de prueba y prueba científica:
ensayos de epistemología jurídica. Madrid: Marcial Ports, 2013. p. 20 3 -2 1 3 ; idem. La
semplice ventó..., cit., p. 214.
172. TARUFFO, Michele. Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria: profili generali.
Decisione giudiziaria e ventó scientifica, Milano: Giuffré, 2005. p. 21.
173. TARUFFO, Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria..., p. 5.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 185

espécie de “aprendiz de feiticeiro” e poderá, cada vez mais, recorrer à ciência


dos cientistas.174
A abertura ao ingresso de novas ciên cias- incluindo as sofl Sciences-gera um
segundo problema no relacionamento entre processo e ciência: a avaliação da qua­
lidade da ciência, no que se refere à distinção entre as “ciências boas” e as “ciências
más ou sujas”. É preciso ter um critério para distingui-las,175em especial separando
a boa ciência da ciência má ou, na linguagem norte-americana, a j unk Science.1‘ '
O tema da “qualidade da ciência” que pode ser utilizada nos tribunais foi objeto
de intensa discussão na jurisprudência norte-americana, a partir do julgamento do
Caso D au bert,em 1993, em que a Suprema Corte fixou um conjunto de parâmetros
para a admissibilidade de um novo conhecimento técnico-científico. A questão
continuou a ser debatida na década subsequente, com dois outros importantes
julgados, dando origem ao que se denominou a trilogia Daubert-Joiner-Kunho.
Para entender os critérios de admissibilidade dos conhecimentos científicos,
é preciso conhecer o padrão anteriormente vigorante. No C asoFryev. Estados Uni­
d os,177julgado no ano de 1923, foi analisado o requerimento da defesa, para que se

174. TARUFFO, Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria.... p. 6. De modo menos


jocoso, Dominioni (Lo prova penale scientifica..., cit., p. 145) utiliza a expressão do juiz
Rehnquist, que integrou a minoria no Caso Frye, no sentido de que o juiz não pode se
transformar num “cientista diletante".
175. TARUFFO, Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria: profili generali..., p. 6; TA­
RUFFO. La semplice vcriià..., cit.. p. 213. Acrescentando que um bom critério e não
considerar a opinião de quem pratica o tipo de conhecimento considerado, pois “os
astrólogos consideram a astrologia uma forma válida de conhecimento; o mesmo fazem
os cartomantes com a cartomancia: o mesmo fazem os grafólogos com a grafologia, c o
mesmo fazem os leitores de borra de café sobre a sua ‘arte”’ (ibidem, p. 7).
176. Não se trata de uma preocupação m eram ente acadêm ica. TARUFFO, Michelle.
Luso probatorio delia scienza nel processo. In: CUCCI, Vlonica; GENNAR1, Giuseppe:
GENT1LOMO, Andrea. Luso delia prova scientifica nel processo penale. Maggioli, 2012.
p. 53) informa que, no ano de 2009, nos Estados Unidos, a Xalional Academy of Sciences
publicou um relatório denominado Strengthening Forensic Science in tbe United States.
A Path Forward, em que analisa os problemas relativos ao fundamento científico das
denominadas “ciências forenses” c conclui que das 12 técnicas utilizadas pelos tribunais
e que foram analisadas, somente o teste de DNA tem validade cientifica.
177. Para uma análise crítica dos critérios adotados no Caso Frye v. Estados Unidos, 293
R. (D.C.Cir.) 1 0 1 3 (1 9 2 3 ): FAIGMAN, David L ; KAYE, David H.; SAKS, Michael J.;
SANDERS, Joseph; CHENG. Edward K. Modem scientific cvidence. lhe lavv and Science
of expert testimony. 2. ed. St. Paul-Minn, 2006-2007. v. I. p. 7-14; DOMINIONI, La prova
penale scientifica..., cit., p. 1 1 7 -1 19: VAZQLIEZ ROJAS. Camión La prueba cientifica y la
prueba pericial. Madrid: Marcial Pons, 2015. p. 92-96. Na doutrina nacional: MANZANO,
Luís Fernando de Moraes. A prova pericial. Admissibilidade e assunção da prova cientíl ica
e técnica no processo brasileiro. São Paulo: Atlas: 2011. p. 189-196; KN1JN1K, Danilo.
Prova pericial e seu controle no direito processual brasileiro. São Paulo: Ed. RT, 2018. p. 52.
186 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PEN AL

admitisse em juízo, como cxculpatory cvidence, o testemunho de um perito que havia


submetido o acusado, James Alphonso Frye, enquanto este respondia às perguntas
sobre os fatos objetos da acusação por homicídio, a uma máquina que, medindo as
variações das pressão sanguínea das sístoles, teria a capacidade de assinalar quais
respostas eram verdadeiras e quais eram falsas. A questão, portanto, era o se havia
um fundamento científico nessa espécie de “máquina da verdade” - sistolic blood
pressure detection test. Até então, nunca havia sido solicitado o uso de tais meios
em um jú ri, a Corte de Apelações do Distrito de Columbia teve que avaliar a ad­
missibilidade de tal instrumento cuja validade científica era questionável.
Diante desse tipo de incerteza, a Corte entendeu que o critério para a aceita­
ção ou não da prova científica deveria ser a general acccptance. Isso é, a aceitação
daquele conhecimento científico no seio da própria comunidade científica. Como
se tratava de um conhecimento novo, e não de um método suficientemente aceito,
a prova não foi admitida.
Do ponto de vista dos critérios de admissibilidade da prova científica, o ponto
principal da decisão do Caso Frye foi estabelecer que o critério para admissão da
prova científica é a aceitação geral pela própria comunidade científica. Normal­
mente. o Frye test era empregado somente para as ha rd Sciences que se valem de
métodos experimentais.178179
Sete décadas depois, no caso Dauhert v. Merrel Dow Pharm aceuticals, Inc.,
decidido em 1993, a Suprema Corte discutiu o tema da prova científica, e fixou
alguns critérios para a aceitação do conhecimento científico.1“ O C aso Daubert
tratou-se de uma ação indenizatória na qual o casal Daubert buscava provar que os
danos congênitos observados em seus filhos haviam sido causados pelo Benedectin,
um medicamento para náuseas utilizado por mulheres grávidas, produzido pela
Merrell Dow Pharmaceuticals.
No processo, a Merrell Dow utilizou artigos científicos, submetidos ao peer
rcv icw -e, portanto, que satisfaziam a exigência da general a c c e p ta n c e -mostrando
que não existiam evidências de que o medicamento por ela produzido causasse
malformações nos fetos. Todavia, o casal Daubert, genitores das crianças nascidas
com malformações, para contestar os dados da Merrell Dow. pediram aos juízes

178. DOMINIONI. La prova penale scientifica... cit., p. 11 NI.


179. 509 U.S. 579 (1993 ). Sobre o caso Daubert, na literatura norte-americana, cf. FAIG-
MAN; KAYE; SAKS; SANDERS; CHENG. Modem scientific evidence.... cit., v. I. p. 69
ss. Sobre o tema, pode ser consultado, também: STELLA, Federico. Leggi scientifiche c
esplicazione causale nel diritto penale. 2. ed. Milano: Giuffré, 2000. p. 4 2 4 e ss.; Idem,
Ciustizia e modernitá..., cit.. p. 4 3 6 ess.; DOM1NTONI, La prova penale scientifica..., cit.,
p. 1 3 7 -177; VÁZQUEZ ROJAS, La prueba científica y la prueba pericial.... cit.. p. 96-128.
Na literatura nacional: MANZANO, A prova pericial..., cit., p. 196-205: KNIJNIK, Prova
pericial e seu controle no direito processual brasileiro..., cil., p. 55-60.
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 187

que admitissem o depoimento de outros especialistas, capazes de trazer evidencias


científicas em sentido contrário, sobre a relação causal entre a utilização pela mulher
grávida do fármaco Benedectin e as malformações de seus filhos no nascimento. Os
profissionais arrolados como peritos eram qualificados, mas suas opiniões esta­
vam fundadas em estudos epidemiológicos, ainda não publicados, nada obstante
reinterpretassem os resultados obtidos da empresa farmacéutica. A Merrell D ow,
baseada no Frye test, opôs-se à admissibilidade desse tipo de depoimento, sob o
fundamento de que tais provas, tendo sido produzidas com novas metodologias,
não atendiam, na época, ao critério da aceitação geral da comunidade científica. O
juiz não admitiu a prova e julgou o processo antecipadamente em favor da Merrel.
Posteriormente, a Corte de Apelações do 9o Circuito negou provimento à apelação
dos Daubert, negando novamente a produção da prova pericial.
A Suprema Corte concedeu o writ o j certiorari que levou ao julgamento da
demanda, e a superação do Caso Frye na jurisdição federal americana. As condições
mínimas para um conhecimento ser considerado científico segundo o que ficou
conhecido como Daubert test são: (1) testability (orfalsifiability), (2) error rate: (3)
peer review and publication; (4) general acceptance.180
A “testabilidade” ou, o falsificabilidade diz respeito à validade do conhecimento
cientifico, isto é, que o princípio científico a ser empregado em juízo seja suscetível
de verificação ou falsificação.
A taxa de erro significa que devem ser conhecidos os riscos de erro, havendo um
controle calculado ou potencial. Um ponto que restou em aberto é que não há como
se afirmar qual deve ser a taxa de erro aceitável e qual limite torna a ciência pouco
apropriada. Além disso, para situações como as do processo civil, que trabalha com
um standard de prova de mera preponderância, padrões de erros em níveis baixos
podem ser aceitos. Já para o processo penal, em que se exige um elevado standard
de prova, um baixo padrão de erro do conhecimento científico já poderá fazer com
que, mesmo sendo positivo o resultado do experimento probatório fundado nesse
saber, ainda assim se torne insuficiente para justificar uma condenação, pois não
se poderá dizer que tal pericia comprovou o crime “além da dúvida razoável”.181

180. Nesse sentido: FA1GMAN; KAYE; SAKS; SANDERS; CHENG, Modern scientific
evidence..., cit., v. 1. p. 38-39; JASANOFF, Sheila. La scienza davanti ai giudici. La re-
golazione giuridica della scienza in America. Trad. Marta Graziadei. Milano: Giuffrè,
2001., p. 114-115. Para Taruffo (Conoscenza scientifica edecisione giudiziaria: profili
generali..., cit., p. 8 ), alguns desses critérios, como a verificabilidade do conhecimento
científico, o conhecimento de sua taxa de erro, a sua aceitação por parte da comunidade
científica de referência, e a sua relevância direta e específica a respeito dos fatos da causa
“representam condições mínimas que qualquer conhecimento deve ter para poder ser
qualificado como científico, tanto em geral, como no âmbito do processo".
181. FERRER BELTRÂN, La valoración racional de la prueba..., cit.. p. 48-49.
188 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA IZ PROVA PENAL

A necessidade de revisão pelos pares e de que o conhecimento científico tenha


sido objeto de publicação em revistas especializadas assegura que o conhecimento
foi divulgado e, portanto, tornado passível de conhecimento, verificação e contes­
tação na comunidade cientifica de referencia.
Por fim, é necessário que o conhecimento científico goze de aceitação geral
na comunidade científica, isto é, que o resultado daquele conhecimento tenha
sido controlado, verificada sua margem de erro e aceito pela comunidade científica
como um conhecimento cientificamente correto, o que não quer dizer infalível.
Este último, contudo, não deixa de ser um critério débil, na medida em que não
há na literatura científica um conjunto de cientistas dedicados a uma constante
verificação de novos conhecimentos para aceitá-los ou refutá-los, de modo que a
ideia de aceitação geral acaba sendo de difícil aferição pelo ju iz .182 Por outro lado,
aceitação geral não significa aceitação unânime, que praticamente seria impos­
sível de ser obtida, acabando por afastar a prova científica dos tribunais.183 Assim,
a decisão deixou em aberto qual deve ser o percentual de acolhida de um princípio
ou descoberta científica para que possa ser considerado de “aceitação geral".184 E,
mesmo que se obtenha essa aceitação geral da comunidade científica, ela pode se
formar em uma técnica cientifica não confiável ou correta, de um lado, enquanto que
um conhecimento científico novo ou controvertido, que não tenha receptividade
ampla, até pelo seu caráter novidadeiro, pode consistir em uma prova confiável.
A jurisprudência anterior, com base no Fry test, exigia para a admissibilidade
da prova científica apenas que aquele conhecimento contasse com a aceitação geral
da comunidade científica. Após, com o Daubert test, o critério da general acceptance
continuou a possuir um papel significativo, mas deixou de ser exclusivo, tendo
sido acrescidos vários outros parâmetros, embora com o esclarecimento da Corte
de que não se tratava de um rol fechado, ou um check list para a aceitação da prova
científica. O Caso Daubert, além de fornecer esses parâmetros gerais, colocou nas
mãos do juiz a função de gatekeeper da prova científica: cabe ao julgador controlar
a admissibilidade da prova, considerando os padrões do Daubert test.
Ressalte-se que a decisão não fez qualquer distinção entre as chamadas hard
Sciences e as soft Sciences. Assim, também as ciências sociais devem seguir o Daubert
test. Todavia, parte da doutrina defende que esse conjunto único de critérios deve
sofrer, na prática, um processo de flexibilização, com vistas aos padrões específicos
de cada espécie de conhecim ento.185

182. KNIJN1K, A prova pericial e seu controle no direito processual brasileiro..., cit., p. 62.
183. JASANOFF, La scienza davanti ai giudici..., cit., p. 112.
184. Nesse sentido: DOM1NION1, In tema di nuova prova scien tifiea..., cit., p. 1064;
JASANOFF La scienza davanti ai giudici..., cit., p. 112.
185. DOMINION!, La prova penale scien tifiea ..., cit., p. 169. Embora sem referência
direta ao Daubert test. Taruffo (Conoscenza scientifiea e decisione giudiziaria: profili
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 189

Mais do que uma mudança jurisprudencial, o Cuso Daubcrt levou à alteração


das rules 701, 702 e 703 da Federal Rules o f Evidente, para incorporar os novos
criterios à disciplina da prova pericial.186
Posteriormente, a Suprema Corte dos Estados Unidos foi chamada a se ma­
nifestar novamente, no ano de 1997, no caso General Eletric Co. vs. Joiner,187 que
ficou conhecido como C aso Join er - em que se analisou qual standard a Corte de
Apelação deve aplicar ao reexaminar a decisão da Corte Distrital sobre a admissão
ou exclusão de um expert testimony com base no Daubert test.

generali..., cit., p. 10) observa que não há urna única ciencia, sendo impossível adotar
um conceito de "teoria global" do conhecimento científico. Há ciências, no plural, e,
por consequência, "provas científicas", também no plural.
186. Os pontos destacados foram acrescidos aos citados artigos, pela mudança das Federal
Rules of Evidence:
Rule 701 Opinion Testimony by Lay Witnesses.
If a witness is not testifying as an expert, testimony in the form of an opinion or infe­
rences is limited to those opinions or inferences which are: (a) rationally based on the
perception of the witness; (b) helpful to a clear understanding of die witness's testimony
or the determination a fact in issue; and (c) not based on scientific, technical, or other
specialized knowledge.
Rule 702. Testimony by Expert Witnesses
If scientific, technical, or other specialized knowledge will assist the trier of fact to
understand the evidence or to determine a fact in issue, a witness qualified as an expert
by knowledge, skill, experience, training, or education may testify thereto in the form
of an opinion or otherwise provided that:(l) the testimony is based upon sufficient facts or
data; (2) the testimony is the product of reliable principles and methods; and (3) the witness
has applied the principles and methods reliably to the facts of the case.
Rule 703. Bases of an Expert
The facts or data in the particular case upon which an expert bases an opinion or infe­
rence may be those perceived by or made known to the expert at or before the hearing.
If of a type reasonably relied upon by expert in the particular field in forming opinion
or inferences upon the subject, the facts or data need not be admissible in evidence in
order for the opinion or inference to be admitted Facts or data that are otherwise inadmis­
sible, shall not be disclosed to the jury by the proponent of the opinion or inference unless
the court determines that their probative value in assisting the jury to evaluate the expert's
opinion substantially outweighs their prejudicial effect.
Os pontos destacados foram acrescidos com as mudanças de 2000. Acrescente-se que
as mesmas regras foram posteriormente alteradas, em 2 0 1 1 , sem mudança substancial
de seu conteúdo.
187. 522 U.S. 136, 146 (1 9 9 7 ). Na doutrina: DOMINIONl. La prova penale scientifica....
cit.. p. 179-181; VÁZQUEZ ROJAS. La prueba cientifica y la prueba pericial.... c it.,
p. 96-128. Na literatura nacional: Manzano (Prova pericial..., cit., p. 2 0 6 -2 0 8 ), que as­
sim resumiu o caso: tratou-se de uma ação indenizalória, em que Joiner, de 37 anos de
idade, fumante compulsivo havia muitos anos, c com um histórico familiar de câncer
de pulmão, sustentou que a exposição ao bifenil policlorinato (PCBs) e seus derivados
havia provocado o desenvolvimento de câncer de pulmão.
190 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Mais específicamente, em primeiro grau, o juiz, excluindo a prova pericial reque­


rida pelo autor, e acolhendo o pedido da defesa, julgou sumariamente o processo. A
Corte de Apelação do 1 I o Circuito, ao julgar o recurso, afirmou que as Federal Rules
o f Evidence, que disciplinam o expert wilness, privilegiam a admissibilidade da prova
e. portanto, para justificar uma decisão de exclusão da prova da fase de julgamento,
é necessário aplicar um standard rigoroso quanto à discricionariedadc do juiz na fase
de admissão da prova. Diante dessa premissa, reverteria decisão de inadmissibilidade,
considerando-a errada, porque excluiu a prova dando grande importância para o
fato de que os peritos chegaram a conclusões diferentes das pesquisas conduzidas
por cada um deles, sendo que a Corte Distrital deveria se limitar a verificar a con­
fiabilidade judiciária produzida pelo expert testimony, deixando para o júri avaliar
a correção das opiniões divergentes entre os peritos.188 O caso chegou à Suprema
Corte que, reafirmando a posição de gatekeeper do juiz, considerou que o papel de
revisão das Cortes de Apelação, no reexame da pronúncia das Cortes Distritais sobre
admissibilidade da prova pericial, deve se limitar aos casos de abuse o j discretion, em
relação ao poder discricionário conferido aos juízes de primeiro grau para admitir
ou não a prova pericial. Somente um uso incorreto dos critérios Daubert e das FRE.
co m a admissão de um expert witness, baseado tão somente em informações fatuais
afirmadas pelo perito ou nasua convicção subjetivaou cm especulações caracterizaria
esse abuso. Concluindo que tal não havia ocorrido no caso, reformou a decisão da
Corte de Apelação e manteve a exclusão da prova.
Um ponto fundamental que foi decidido no caso Join cr loi que na admissi­
bilidade da prova científica, o juiz deve valorar o âmbito de analitical gap entre
as premissas (data) e as conclusões ( opinion) apresentadas pelos peritos, para
determinar se há entre eles uma correlação suficientemente estreita que permita
considerara perícia um elemento de prova confiável.189190Em outras palavras, o juiz
pode controlar a correção da argumentação do perito com as suas conclusões.1"0
Dois anos mais tarde, a Suprema Corte, no caso Kumho Tires Co vs. Carmi-
ch a el,m voltou a analisar a questão, confirmando a aplicação do Daubert test, e

188. DOMINIONI, La prova penale scientifica.... cit.. p. 180.


189. A Corte Suprema reconheceu, ainda, que estava dentro do poder discricionário da
Corte Distrital rechaçar as conclusões do perito do autor, por considerar uma questão
metodológica: não era possível ao perito extrapolar os resultados de suas pesquisas, que
foram realizadas com cobaias animais, que receberam maciças dozes de PCB. injetadas
diretamente no peritônio ou no estômago, para a situação de um humano adulto, cuja
presumida exposição era muito inferior ã sofrida pelas cobaias. Além disso, o câncer
desenvolvido pelos animais era o adenoma alveolar. enquanto Joincr havia desenvolvido
carcinoma em células pequenas. Por fim, foi considerado que um dos peritos admitiu que
nenhum estudo havia demonstrado que o PCB causa câncer em qualquer outra espécie.
190. DOMINIONI, Lu prova penale scientijica.... cit., p. 180
191. Kumho 526 U.S. 137 (1 999). Sobre o caso Kumho Tire, na literatura norteamericana,
cf. FAIGMAN; KAYE; SAKS; SANDERS: CHENG. Modem scientific evidence..., cit.. v. 1.
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 191

estendeu sua incidencia para prova não propriamente “científica”, mas também
para provas meramente técnicas ou baseadas em conhecimentos especializados.
Trata-se de um importante avanço epistemológico, porque o que importa é saber
se o testemunho é confiável, e não se é científico.192 Em tal oportunidade, decidiu­
-se que os fatores Daubert podem ser aplicados ao depoimento de engenheiros c
outros peritos que não sejam cientistas, até porque não existe uma linha divisoria
clara entre o que seja conhecimento científico, conhecimento técnico ou outro
conhecimento especializado, não havendo necessidade convincente para se lazer
tal distinção. Assim, deu-se importância não só para a qualidade do conhecimento,
como também para a adequação do conhecimento científico ou especializado para
a solução do problem a concreto posto em juízo. Trata-se. pois, de dar importância
não só para a qualidade da ciência, mas para a adequação da ciência ou, no caso,
do conhecimento técnico, com o problema a ser resolvido no caso concreto. Além
disso, decidiu-se que os fatores da Daubert list poderiam ou não ser pertinentes,
dependendo do tipo de perícia envolvido, de modo que os tribunais poderiam ou
não utilizar qualquer um dos fatores, usar todos, ou não usar nenhum, o que no
entender de Haack, foi muito sensato.193
Em suma, no C asoFrye ( 1923) prevaleceu o ponto de vista de que o juiz deveria
se limitar a colher a opinião geral da comunidade científica; no Caso Daubert ( 1993),

p. 67-89. Sobre o tema, pode ser consultado, também: DOMINION!. Lu prova penale
seientiftea...,cit., p. 190-197; VÁZQUEZ ROJAS, La prueba científicay lapruebapericial....
cit.. p. 128-133. Na literatura nacional: MANZANO. Prova pericial..., cit., p. 208-212;
KNIJN1K, Prova pericial e seu controle no direito processual brasileiro..., cit., p. 98, nota
191, que assim resume o caso: "O caso tratava de uma ação indenizatória proposta por
Patrick Carmichael, proprietário de uma minivan cujo pneu estourara, causando a morte
de um passageiro e várias lesões nos demais, afirmando-sc que um defeito da fornecedora
de pneus, Kumho Tire, seria responsável pelo dano. Para tanto, os autores ofereceram
como prova substancial o parecer de um especialista no assunto. Dennis Carlson Jr., se­
gundo o qual um defeito de fabricação ou design causara o estouro. A requerida, a sua vez,
instou pela exclusão dessa prova, susLentando que a metodologia utilizada por Carlson
não atendia aos critérios Daubert, tendo o magistrado acolhido a arguição, malgrado o
depoimento em questão não ser de um cientista, mas de um técnico. A decisão exami­
nou os (atores de “testabilidade”, revisão pelos pares, taxa de erro e grau de aceitação
na comunidade relevante, terminando por exclui-lo (Carmichael v. Samyange Tire. Inc.,
923 E Supp. 1514 (S.D. Ala. 1996). O 11“ Circuito deu provimento à apelação do autor,
reformando a decisão do juiz singular, porque, tratando-se de um depoimento baseado na
experiência e não propriamente na ciência, não estaria sujeito ao escrutínio segundo os
fatores Daubert (Carmichael v. Samyange Tire, Inc., 131 F. 3d 1433 (1 9 9 6 7 )). A Suprema
Corte, porém, afastou esse entendimento de 526 US. 137 (1 9 9 9 ), restaurando a decisão
singular, haja vista que os critérios também deveriam ser aplicados a um técnico”.
192. HAACK. Susan. Trial and error: two confusions in Daubert. Evidente matters: Science,
proof, and truth in lhe law. Nova York: Cambridge University Press, 2014. p. 115.
193. Epistemology legalized..., cit., p. 40.
192 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PRO VA PENAL

cm que se decidiu que o juiz eleve ler papel mais ativo e controlara admissibilidade da
nova prova científica, levando em contaa opinião geral da comunidade científica, mas
também devendo verificar outros critérios como a confiabilidade da teoria científica
ou da técnica, que deve ser passível de lestes, a revisão da teoria pela comunidade
cientifica, a existência de publicações da teoria, a existência de um percentual de
erros conhecidos ou potenciais e a aceitação geral da comunidade científica.
Tal modelo exige adaptações para o sistema brasileiro ou mesmo europeu
continental. Para além de questões terminológicas dos sistemase debates entre acu­
satorio ou inquisitorio, ou então entre adversarial system ou inquisitorial system, é
importante ressaltar algumas características concretas que diferenciam os processos.
A construção norte-americana tem por objetivo analisara decisão do juiz na
fase prévia do julgamento, para a admissão ou não dos esclarecimentos do expert
witness a ser feita posteriormente, perante os jurados. O problema se concentra na
admissão da prova. evitando que os jurados, que serão os triers o jfact, possam ser
induzidos a erro ou confusões, com base em uma prova derivada de uma pseudo-
ciência, mas que goze da mítica infalibilidade das ciências. Por isso, cabe ao juiz,
numa fase prévia ao julgamento pelo júri, controlara admissibilidade da prova antes
do julgamento. Com isso, os juízes de fato não terão contato com a “má ciência”,
caso essa não seja admitida.194
Um segundo aspecto relacionado à atividade judicial de admissibilidade da
nova prova científica em que há grande divergência entre o sistema adversarial e o
sistema não adversarial, é que naquele o perito é uma testemunha da parte. Cada
uma se valerá do seu expert witness,1951967não sendo incumbência do juiz nomear um
perito.1911Além disso, nem o juiz nem os jurados terão qualquer interferência na
escolha das partes sobre quem será o seu perito.
Muito diversas são as características do processo penal brasileiro.19, O procedi­
mento não é concentrado nem oral. A prova passa por uma formação gradual e, no caso

194. Nesse sentido: CANZIO, Prova scienlifica, ricerca delia ‘verilà' e decisione giudiziaria
nel processo penale..., cit., p. 59.
195. Além disso, como esclarece Suzan Haack (Irreconcilable differences? The troubled
marriage of Science and law. Evidence matiers: Science, proof, and truth in lhe law. Nova
York: Cambridge University Press, 2014. p. 9 5 ), devido ao seu caráter adversarial, o
sistema jurídico norte-americano tende a atrair como peritos cientistas de certa forma
marginal, isto é, mais dispostos que a maioria de seus colegas a emitir um parecer ba­
seado em provas não tão fortes, além de muitas vezes servir como testemunha pericial,
de um modo muito mais seguro de sua opinião do que estaria um cientista. No mesmo
sentido: HAACK. A respeito da verdade, na ciência e no direito..., cit., p. 338.
196. Nos Estados Unidos, embora a rule 706 da Federal Rides of Evidence permita ao juiz
nomear um perito qualificado e imparcial, esse poder não costuma ser exercido.
197. Mesmo nos casos de processos de competência do tribunal do júri. o juiz tem um
papel ativo na produção da prova; a oralidade é, infelizmente, reduzida, muitas vezes
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 193

da perícia, em muitos casos ela é realizada ainda na fase de investigação preliminar.


Ademais, uma diferença fundamental é que ojuizque terácontato como conhecimento
pretensamente científico, para controlara sua admissibilidade ou não no processo, será
o mesmo que, ao final, deverá decidir a questão de mérito.198Assim, uma vez vedado o
ingresso da prova, por considerar que tal espécie de conhecimento não tem natureza
científica, o julgador saberá que caberá a ele, ao final, decidira questão. E surge nesse
caso outro problema: sem um conhecimento técnico especializado, porque a prova
pericial foi indeferida, por ser negado aquele saber o status de “ciências”, o juiz terá
que lançar mão de seu “conhecimento privado”, decidindo com base em máximas
de experiência ou no “senso comum” vigorante naquela comunidade, naquele mo­
mento histórico.199 Isso poderá fazer com que o julgador prefira, na dúvida, aceitar
o conhecimento pretensamente científico a ficar sem qualquer auxilio para decidir a
questão com base em um conhecimento que, efetivamente, não possui.
Já nos modelos em que o perito é nomeado pelo juiz, admitida a prova fundada
em um novo conhecimento científico, soma-se ao problema muito importante de
qual perito ojuiz deve escolher. Não existem apenas as “ciências más”, mas também
os “maus peritos”.200 Por outro lado, sendo o perito nomeado pelo juiz e conside­
rado um imparcial auxiliar da justiça, as suas conclusões normalmente gozam de
prestígio e influência muito maiores no julgamento, do que a de um perito que
seja auxi Iiar da parte.201 Há mais a ser considerado. Não se tratando de julgamento
pelo júri, como oju iz terá que motivar a decisão, ainda que considerado o peritum
pcritorum , será muito incômodo discordar do perito e justificar o equívoco da
perícia. Parece contraditório nomear um perito para realizar uma tarefa que exige
conhecimentos científicos dos quais o juiz não dispõe e, depois, discordar dos
resultados dessa atividade! O paradoxo, contudo, é apenas aparente. O ju iz não
vai substituir o perito na realização do experimento pericial, mas deve estar em
condições de controlar a atendibilidade científica da atividade desenvolvida pelo
cxpert e dos resultados obtidos.202 Para tanto, no sistema em que o ju iz nomeia o

se limitando a parte a ler as declarações anteriores das testemunhas. Com relação aos
peritos e à perícia, ela é realizada por peritos nomeados pelo juízes e. muitas vezes, o
que se tem no plenário é a simples leitura do laudo escrito, não se tratando de uma
prova oral e, muito menos, havendo possibilidade de examinar os conhecimentos do
perito e o resultado da perícia, em contraditório de partes perante os jurados.
198. No mesmo sentido, com relação ao processo penal italiano: CANZIO, Prova scien-
tifica, ricerca delia vcrità’ e decisione giudiziaria nel processo pcnale..., cit., p. 63.
199. TARUFFO, Luso probatorio delia scienza nel processo..., cit., p. 47
200. TARUFFO, Conoscenza scientifica e decisione giudiziaria: profili generali..., cit.. p. 8-9.
201. Nesse sentido: MANZANO, A prova pericial..., cit., p. 73: ALMEIDA, A prova peri­
cial no processo civil..., cit., p. 76-77; KNIJN1K, A prova pericial c seu controle no direito
processual brasileiro..., cit., p. 69.
202. TARUFFO, La símplice verita.... cit., p. 217.
194 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

perito e decide o mérito da causa, é fundamental o papel dos assistentes técnicos


das parles, para submeter o resultado da pericia oficial a uma dialética, que abrirá
a possibilidade de, a partir de procedimento popperiano de conjectura e refutação,
ou de triol and error, fornecer elementos científicos favoráveis e contrários, para
que o juiz possa melhor avaliar o resultado do laudo oficial.
Depois da exposição da situação no direito norte-americano, é interessante
um confronto com o tratamento do tema do processo italiano, em especial, pela sua
semelhança com o sistema brasileiro. Na Itália, a questão da nova prova científica
já despertou um grande debate doutrinário sobre o ingresso das “novas ciencias".
Xo processo penal, o fundamento que tem sido utilizado é o art. 189 do Códice di
Procedían Penóle, que rege a admissibilidade de provas atípicas cm geral. Embora
a nova prova científica não seja produzida por um meio de prova atípico e. portan­
to, o problema não é de sua adequação ou não ao catálogo dos meios de prova. o
dispositivo vem sendo utilizado para a prova científica, sujeitando-a aos mesmos
critérios legais de admissibilidade de provas atípicas.203204Exige-se, portanto, que
o novo conhecimento científico seja “idôneo para o acertamento do fato”, e “não
lesivo à liberdade moral do acusado”. E, para sua produção, há um prévio juízo de
admissibilidade, em contraditório de partes e perante o juiz.
Segundo Dominioni, a idoneidade para o acertamento dos fatos, exigida no
art. 189, deve ser aferida a partir dos seguintes dados: (1) a validade teórica do
princípio científico, da metodologia ou da tecnologia; (2) a adequ ação do ins­
trumento técnico-científico para a reconstrução do fato que é objeto da prova;
(3) a controlabilidade do correto uso do conhecimento ou método, o que deverá
ocorrer na fase de produção e valoração da prova; (4) a qualificação do perito; (5) a
com preensibiliade do instrumento probatório científico ou técnico.-'“ Trata-se de
exigência que é corolário de um sistema racional da prova, que exige o domínio
da parte e do juiz sobre a fonte dos conhecimentos científicos. Se a compreensão
escapa ao padrão de conhecimento do homem médio, deve ser excluída tal prova.
Por outro lado, do ponto de vista negativo, não podem ser admitidos como
nova prova científica, aptos a gerarem conhecimentos válidos no processo, meios
que não possam ser justificados nem controlados racionalmente, até mesmo porque
não se fundam em padrões epistemológicos comumente aceitos, como a magia, a
revelação dos oráculos, a rabdomancia ou o espiritismo.205

203. No sentido de que se trata uma aplicação analógica: DOMINIONI. In tema di nuova
prova scientifica..., p. 1062: UBERTIS, Giulio. La prova scientifica c la nottola di mi­
nerva. In: NEUBURGER, Luisiella de Cataldo. La prova scientifica nel processo penale,
Padova: CEDAM. 2007. p. 91.
204. DOMINIONI. Lei prova penale scientifica..., cit.. p. 217-218.
205. UBERTIS, La prova scientifica e la nottola di m inerva..., cit., p. 89. De modo seme­
lhante: DOMINIONI, Lti prova penale scientifica..., cit.. p. 99.
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 195

Um aspecto importantíssimo da aplicação do art. 189 do códice italiano é a


previsão de um contraditório previo à admissão da prova atípica e, no caso, por
analogia, do novo conhecimento científico. Antes de deliberar sobre o deferimento
ou indeferimento do requerimento probatorio o juiz ouvirá as partes, que poderão
se manifestar sobre dois critérios legais, de não ser ele lesivo à liberdade moral
do acusado e, principalmente, de ser idóneo para o acertamento do falo. É preci­
samente quanto a esse segundo requisito que se colocarão os problemas de qua­
lidade da ciencia empregada, de scus métodos, sua taxa de erro c aceitação pela
comunidade científica, além de sua aptidão para demonstrar o factum probadiim.
Voltando para o direito patrio, não há regra semelhante ao dispositivo pe­
ninsular no Código de Processo Penal brasileiro. É possível, porém, a aplicação,
por analogia, do art. 396 do Código de Processo Civil que, tratando da admissão
de provas atípicas, dispõe: “As partes têm o direito de empregar todos os meios
legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste
Código, para provar a verdade dos fatos em que se funda o pedido ou a defesa e
influir eficazmente na convicção do ju iz“. A expressão meios moralmente legíti­
mos é suficiente para afastar o emprego de meios que violem a liberdade moral do
acusado, como drogas conhecidas como hipnose, “soro da verdade”, ou modernas
“máquinas da verdade”.206 De outro lado, embora não haja no dispositivo pátrio
uma expressão equivalente a ser o meio ou, no caso, o conhecimento científico
“idôneo para o acertamento do fato”, como o art. 396 admite o meio atípico para
“provar a verdade dos fatos” e com isso “influir eficazmente na convicção do ju iz",
é perfeitamente possível o julgador, no juízo de admissibilidade dessa prova que
envolva um conhecimento técnico de elevada especialização, verificar a natureza
verdadeiramente científica do conhecimento, pois pseudociências não têm aptidão
de provar a verdade ou de influenciar o julgador.
Ressalte-se, ainda, que embora não haja exigência de um contraditório prévio
ao juízo de admissibilidade da prova, nada impede que assim o juiz determine, por
aplicação direta da garantia do contraditório assegurada constitucionalmente. O
contraditório tem uma importantíssima função heurística. No caso, antes mesmo
de um contraditório na produção da prova, que ocorrerá se o meio de prova pe­
ricial for deferido, haveria um contraditório sobre a prova. Isto é, para analisar a
viabilidade c a potencialidade probatória do conhecimento científico novo que se
pretende utilizar no processo. Não havendo risco de ineficácia na oitiva das partes,
que possa comprometer a prova, não há por que aplicar o contraditório apenas de
modo diferido, depois de já deferida a produção prova.

206. O tema c atualíssimo, perante os avanços tecnológicos da neurociéncia e sua utilização


como conhecimentos científicos aptos a verificar, por meio de técnicas de mapeamento
de funções cerebrais, se o acusado ou a testemunha estariam ou não dizendo a verdade.
196 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Em suma, é fundamental que o processo esteja aberto aos novos conhecimen­


tos científicos, que tenham aptidão para fornecer aportes de elevada especialização
para enriquecer o material probatório produzido e permitir que o julgador tenha um
conjunto mais rico de elementos para valorar. Esses conhecimentos se fazem ainda
mais necessários no caso de delitos que envolvem fatos de alta complexidade, como
determinados tipos de crimes ambientais em que há necessidade de prova do nexo
de causalidade relativo a danos à saúde humana, na hipótese de lesões corporais
causadas em trabalhadores por possível exposição a produtos toxicos, entre outros.
A utilização do conhecimento científico é um importante fator para permitir
uma melhor reconstrução dos fatos e uma mais apropriada busca da verdade. A
necessidade de separar o bom e o mau conhecimento científico, bem como de
distinguir o perito capacitado daquele despreparado não podem ser obstáculos
para tanto.
Sem isso, restará ao juiz decidir desconsiderando um conhecimento de melhor
qualidade. Fará como de costume, nos casos em que não há uma regra científica
de cobertura, em que acabará se valendo de máximas de experiência ou conheci­
mentos do senso comum para realizaras inferências probatórias. A chance de erro
será muito maior.

3.4.2. As regras legais de produção da prova e seus reflexos epistêmicos


A produção da prova é um campo governado, tipicamente, por regras legais.
É o legislador quem determina os momentos processuais para o requerimento
probatório, quais são os meios de prova típicos, como será produzida a prova, qual
a forma de participação dos sujeitos parciais do processo etc.
Muitas vezes, as regras legais de produção de prova estabelecem uma disciplina
legislativa que, além de possibilitar o funcionamento de garantias institucionais do
processo, como o contraditório e a ampla defesa, também asseguram um adequado
conhecimento dos fatos, cumprindo assim também uma função epistêmica.
Xão sendo o caso de analisar quase uma centena de artigos que disciplinam a
produção da prova, cabe enfatizar a importância epistemológica do contraditório
na produção cia prova. Nesse sentido, aliás, é a regra geral do art. 155, caput, do Códi­
go de Processo Penal, que dispõe: “Ojuiz formará sua convicção pela livre apreciação
da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundam entar sua decisão
exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação [...]" (destaquei).
O critério que permite a diferenciação entre as provas e os elementos in­
formativos, como facilmente se percebe, é a observância ou não do contraditó­
rio na produção do ato.207 As provas são produzidas no processo, em contraditório,

207. Com entando lai regra, Antonio Magalhães Gomes Filho (Provas: Lei 1 1 .6 9 0 de
09.0 6 .2 0 0 8 . In: MOURA. Maria Thercza Rocha de Assis (Org.). As reformas no processo
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 197

enquanto que os “elementos de informativos”, são colhidos no inquérito policial,


que não se desenvolve em contraditório. Assim, a presença ou ausencia de contra­
ditório é o que distingue, respectivamente, o ato de prova do ato de investigação.
Se o contraditório é fundamental também do ponto de vista da busca da
verdade, inexiste problema em restringir a valoração dos meios de prova que não
foram produzidos em contraditório. A restrição está justificada tanto pelos fins
institucionais do de respeito ao devido processo legal, quando pela finalidade
também institucional de busca da verdade.
Todavia, o contraditório exerce funções distintas, tanto do ponto de vista legal
quanto epistemológico, em relação às fontes de provas reais, de um lado, e pessoais,
de outro. E, para que não se deixe de valorar uma prova, por não ter sido produzida
em contraditório, quando este efetivamente não era necessário à sua produção, do
ponto de vista da epistemología judiciária, é relevante a distinção entre a produção
de provas pré-constituídas e provas constituendas.

3.4.2.1. O contraditório na produção da prova: distinção entre provas


pré-constituídas e constituendas
Há diferença, no campo jurídico, entre as provas pré-constituídas e as consti­
tuendas, especificamente no que diz respeito à produção de tais provas, com níveis
de contraditório bastante distintos.208
A partir de tal critério, no que diz respeito à produção da prova, é possível
distinguiras provas pré-constituídas das provas constituendas. As provas pré-cons­
tituídas dizem respeito a fontes de conhecimento que existem fora do processo,
em procedimentos extraprocessuais.200Já as provas constituendas somente surgem
no processo, sendo produzidas na fase instrutória.210
Os distintos regimes de produção da prova, com claro reflexos no contraditó­
rio, são decorrência da diferença das fontes de provas que, segundo uma tradicional

penal: as novas leis de 2008 e os projetos de reforma. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2008. p. 249) destaca que: "A verdadeira pedra angular da nova disciplina da prova penal
trazida pela Lei 1 1.690/2008 é a vinculação do próprio conceito de prova à observância
do contraditório" (destaques no original).
208. O tema foi tratado por nós em dois trabalhos: sobre a possibilidade de utilização
de provas decorrentes de fontes pessoais, nos tribunais internacionais, cf. BADARÓ,
Gustavo. A utilização da hearsay witness na Corte Penal Internacional: estudo sobre sua
admissibilidade e valoração. Zeitschrift ftir Internationale Strafrechtsdogmatih. 4. 2014.
p. 179-180 [www.zis-online.coml; BADARÓ. Gustavo. Valor probatório do inquérito
policial. In: AMBOS, Kai; MALARINO, Ezequiel: VASCONCELOS, Enéas Romero de
(Coord.). Brasília: Gazeta Juridica/Cedpal, 2016. p. 262-266.
209. TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 352.
210. COMOGLIO, Luigi Paolo. Le prove civile. Torino: Utei. 1998. p. 8.
198 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA C PROVA PENAL

classificação, podem ser reais e pessoais.2" As fontes reais existem antes e fora
do processo, já estando constituídas. Assim, seu regime de produção implica tão
somente introduzir no processo tais elementos. O documento, por exemplo, não
é "produzido” no processo. Ele é criado previamente e extra-autos. O que se faz.
no curso da instrução, como modalidade de produção da “prova documental”, é
tão somente ajuntada de um documento já existente. Consequentemente, eles
não são produzidos em contraditório, mas apenas submetidos ao contraditório,21212213
cuja importância não será para a formação da prova,215 mas para a sua valoração.214
Por outro lado, as provas constituendas, como o depoimento de testemunhas
ou as declarações da vítima, têm sua produção no curso do próprio processo, em
contraditório.215 Quanto a este último aspecto, Comoglio assevera que a oralidade
da produção do depoimento, em contraditório de parte, na presença do juiz, “con­
figura um denominador mínimo de form a oral e de controle dialético”, que não
pode ser “substituído por uma equivalente form a dc depoimento escrito, realizado
fora do contraditório”.216
Aliás, a diferença de regime dc produção leva, também a uma diversidade
do próprio regime de admissão de tais provas. No caso dos documentos, justa­
mente por se tratar dc prova pré-constituída, é desnecessário um prévio juízo de

211. Usa-se aqui a distinção tal qual exposta por Taruffo (La prova dei faili giuridici..., cit.,
p. 4 4 1 ): prova real é aquela constituída de uma coisa, documental é aquela constituída
dc um documento (mas qualquer coisa pode ser um documento) e pessoal é aquela
fornecida por uma pessoa. Como explica Cordero (Trc studi sulla prova penale.... cit.,
p. 55) quanto a estrutura do ato aquisitivo, “há provas que preexistem na realidade
extraprocessual, se contrapõem aquelas formadas no processo".
212. Cario Taormina (II regime delia prova nel processo pénale. Torino: G. Giappichelli,
2007. p. 3 9 0 ) chega mesmo a dizer que ajuntada do documento aos autos é “a forma
típica de processualização da prova documental".
213. O documento, explica Carnelutti (La prova civilc..., cit., p. 29 1 ) “é uma prova que
não se faz sobre os olhos daqueles que a usam”.
214. TARUFFO, La prova deifatti giuridici..., cit., p. 403.
215. MAGALHÃES GOMES FILHO. Antonio. Notas sobre a terminologia da prova (re­
flexos no processo penal brasileiro). In: YARSHELL, Flávio Luiz; MORAES, Maurício
Zanoide (Coord.). Estudos em homenagem a Professora Ada Pellegrini Grinover. São Paulo:
DP], 2005. p. 316) afirma que, em relação à prova testemunhal, o contraditório para a
sua produção, mais do que uma simples questão de “modo" de produção representa o
“canal de informação" do meio de prova.
216. COMOGLIO. Le Prove civilc..., cit., p. 2 5 9 -2 6 0 . Tal posicionamento, contudo, não
se aplica integralmente ao processo penal brasileiro, que admite o depoimento escrito
nos casos previstos no parágrafo único do art. 221 do CPP. em que o Presidente e o
Vice-Presidente da Republica, os Presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Depu­
tados e do STF poderão optar pela prestação de depoimento por escrito. No sentido da
não recepção de tais normas: BADARÓ, Processo penal..., cit., p. 484. nota 241.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 199

admissibilidade, não havendo necessidade sequer de se perquirir sobre sua rele­


vância.217 A prova documental é diretamente produzida, isto é, juntada aos autos
na própria petição, na qual, impropriamente, “se requer a juntada” de algo que já
se está juntado aos autos. No máximo, há um juízo a posteriori, em razão de alega­
ções de inadmissibilidade da prova documental, mas por critérios jurídicos, como
tratar-se de uma carta obtida por meios ilícitos. Além disso, quanto ao momento
de produção da prova documental, há ampla liberdade probatória das partes para
ajuntada de documentos em qualquer fase do processo.218
A mesma liberdade, porém, não existe em relação às provas constituendas,
que são submetidas a limites legais de admissibilidade e produção bem mais rígi­
dos. Como exigem a realização de atividades processuais das partes c do juiz. bem
como demandando tempo para sua produção, com a necessidade de designação
de audiência, o regime de produção das provas constituendas é mais rigoroso. Há,
por exemplo, limitação quanto ao número de testemunhas que podem ser ouvidas,
além de restrição legal quanto ao momento de requerimento da prova oral.
Em suma, no que diz respeito ao regime legal de produção, enquanto as pro­
vas constituendas são “produzidas em contraditório”, as provas pré-constituídas
são apenas “submetidas ao contraditório”, o que equivale, respectivamente, a um
contraditório/oríe e a um contraditório/raco.219
A necessidade de um contraditório forte, na produção da prova decorrente
de/cmtes pessoais, decorre do valor heurístico do contraditório, como um eficien-
tíssimo mecanismo para a busca da verdade.220 Ademais, não se pode esquecer
que o contraditório também tem uma conotação garantista. Além da regra geral
do inciso LV do caput do artigo 5o da Constituição, que assegura o contraditório
a todos os acusados, de modo mais específico, em relação à produção da prova
oral em geral, a Convenção Americana de Direitos Humanos, no art. 8.2.f, prevê
o “direito da defesa de inquirir as testemunhas presentes no Tribunal e de obter

217. Somente quanto ao documento cuja juntada tenha sido determinada ex ojjicio pelo
juiz é que se exige o juízo lógico de relevância. O art. 234 do CPP prevê que “Se o juiz
tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da
defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para
sua juntada aos autos, se possível" (destaquei).
218. No regime do Código de Processo Penal, o art. 231 prevê que: “Salvo os casos ex­
pressos em lei, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo"
(destaquei).
219. Nesse sentido. Giulio Ubertis (Giusto processo e contraddittorio in âmbito penale.
Argumenti di procedura penale II. Vlilano: Giuffrè, 2006. p. 17-18), que distingue o con­
traddittorio per ¡'elemento di prova, num sentido forte, do contraddittorio suWelemento di
prova, no sentido fraco. No mesmo sentido: PASTORE, Decisioni, argomenti, controlli...,
cit., p. 107.
220. Sobre o tema. cf., supra, cap. 1, item 1.3.3.
200 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

o comparecimento, como testemunhas ou peritos, de outras pessoas que possam


lançar luz sobre os fatos”.221

3.5. Contexto da valoração

O contexto da valoração é o ponto culminante da atividade probatória. O


juiz deverá analisar todas as provas produzidas para verificar se a hipótese posta
em julgamento com a formulação da acusação foi ou não provada. Também de­
verá verificar se hipótese fáticas diversas ou contrárias, geralmente alegadas pela
defesa, encontram suporte na prova dos autos. Tal operação consiste em julgar o
apoio empírico que um conjunto de provas dá a uma hipótese fática, de acordo
com critérios gerais da lógica e da racionalidade.222Que a decisão deve ser racional,
isto é, fundada em um juízo da razão, é um princípio fundamental ético-jurídico
do processo penal moderno.223
Sendo o objeto da prova a afirmação sobre um fato, o enunciado fático deverá
ser considerado provado quando se verificar a coincidência entre seu conteúdo e
o resultado de prova.
Sob o enfoque da hipótese fática a ser provada, o procedimento de valoração
da prova pode ser dividido em três etapas que se sucedem em relação de prejudi-
cialidade: (i) confirmação; (ii) falsificação; (iii) definição comparativa.224
O enunciado fático a ser provado é aquele contido na imputação formulada
pela acusação, em que se atribui ao acusado a prática de um fato que se enquadra
em um tipo penal. Se nenhum dado probatório confirmar a tese acusatória ela será
uma hipótese não confirmada, que não passará de uma mera possibilidade lógica.
Nesse caso, sequer é preciso passar para a etapa sucessiva. Por outro lado, havendo
elementos de prova que confirmem a tese acusatória, é preciso passar ao segundo

221. O dispositivo convencional assegura o direito ao confronto, com inspiração da VI


Emenda da Constituição dos EUA, cuja ideia central, no dizer de Malan, "é a seguinte:
o right of confrontador! impõe que todo o saber testemunhal incriminador passível de
valoração pelo juiz seja produzido de forma pública, oral. na presença cio julgador e do
acusado e submetido à inquirição deste último. Logo, a declaração de uma determinada
testemunha não pode ser admitida como elemento de prova contra o acusado, a não ser
que ela tenha sido prestada nas sobreditas condições". Sobre o tema: MALAN, Direito
ao confronto ..., cit., p. 79-80.
222. Nesse sentido: TARUFFO, La prova dei Jatti giuridici..., cit., p. 4 2 9 ; TWIN1NG. Wil-
lian. Rethinking Evidence: Exploratory Essays. 2. ed. New York: Cambridge University
Press, 2006, p. 194: DAMASKA, The faces oj justice and lhe State authority.. . , cit., p. 55;
FERRER BELTRÀN, La prueba es libertad..., cit.. p. 26.
223. 1ACOV1ELLO, Francesco Mauro. Motivazione delia sentenza penale. Enciclopedia
dcl diritto. Aggiornamento. Milano: Giuffrè. v. IV p. 750-751.
224. IACOVIELLO, / criteri di valutazione delia prova..., cit., p. 405-406.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 201

momento, submetendo-a a falsificação. É possível que, embora preliminarmente


se tenha considerado confirma a tese acusatoria, haja provas que refutem. Por
exemplo, uma vez considerado no momento de confirmação, comprovada a autoria
delitiva, num segundo momento, haja provas que demonstrem o álibi invocado
pela defesa. Nesse caso, novamente, não será preciso passar a momento sucessivo.
Diversamente, sea tese acusatória tiver sido confirmada, no primeiro momento, e
não falsificada, num segundo momento, pode ser que surja uma hipótese alternati­
vas, normalmente alegada pela defesa. Nesse caso, caberá ao juiz verificar, entre as
hipóteses alternativas, qual é a mais provável, isto é, dotada de uma probabilidade
lógica prevalecente.225
Evidente que esse procedimento normalmente será muito mais complexo,
pois dificilmente o juiz estará diante de uma narrativa fática simples. Ao contrário,
mesmo se tratando de crime único, praticado imputado a um só acusado, ainda
assim a narrativa fática é decomponível em muitas parles: ação, resultado, nexo
causal, elemento subjetivo, causas de aumento de pena, qualificadora etc. Nesse
caso, pode ser que o mesmo procedimento tenha que ser realizado em relação a
cada um dos segmentos fáticos que compõem a tese acusatória.
Também é possível que o juiz considere que a hipótese reconstrutiva dos fa­
tos que se mostra mais convincente não foi alegada por nenhuma das partes. Por
exemplo, diante de uma acusação de tentativa de homicídio, e da negativa de autoria
pelo acusado, o juiz poderá considerar que há prova de que o acusado praticou
lesões corporais consumadas. De qualquer modo, em tal situação, o relevante para
a decisão será considerar que a tese acusatória posta em confronto, isto é, o fato
criminoso concreto imputado pela acusação que, não restou provado e, portanto,
o resultado deverá ser a absolvição do acusado.
Por outro lado, considerando o juízo de fato e a valoração da prova não sob
enfoque do enunciado fático a ser concretamente verificado, mas o conjunto de
provas produzidas, a atividade de valoração exige que o juiz analise todas as pro­
vas produzidas. Em relação a cada hipótese fática em que pode ser decomposta a
imputação, deverá valorar tanto as provas que lhe dão suporte, isto é, que confirma
a veracidade do fato afirmado, quanto as provas contrárias, que poderiam refutar
esse resultado.226 Se o juiz ignorar um segmento de prova, porque ele vai contra
uma hipótese já previamente escolhida como preferível, isso implicará uma grave

225. IACOVIELLO, I criteri di valutazione delia prova..., cit., p. 405-406.


226. Ávila (Teoria da prova..., cit., p. 135) refere-se como um dos critério para que uma
hipótese seja considerada prova, a refutabilidade, que “concerne a inexistência de provas
que contrariem ou refutem, direta ou indiretamente, a hipótese havida como provada" e
complementa: “sua função principal é a de avaliar se os meios de prova analisados não
fundamentariam outra conclusão ou, no mínimo, neutralizariam a conclusão havida
como comprovada”.
202 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

quebra da imparcialidade, indicando que o resultado do processo não foi fruto


de unia atividade de verificação desinteressada da prova. mas de um preconceito
cognitivo, em que se buscava apenas confirmar uma hipótese já eleita. Mesmo que
o faça sem pendores subjetivos, de ajudar ou prejudicar uma ou outra parte, ainda
assim se o juiz desconsiderar as provas contrárias a uma hipótese quejá tenha sido
considerada provada, incorrerá em um erro epistemológico. Isso porque estará
deixando e realizar a segunda etapa do procedimento valorativo, de tentativa de
falsificação da tese acusatoria que tenha sido considerada provada. E, para tanto,
evidente que nâo basta valorar só as provas que corroboram tal hipótese, como as
que lhe sào contrárias ou servem ao seu desmentido.
Além disso, a atividade de valoraçào da prova deve ser desenvolvida, com
vistas à obtenção de um resultado final que seja: (i) coerente internamente, não
adotando simultaneamente hipóteses fáticas incompatíveis entre si (p. ex., con­
siderar provado o álibi do acusado e, simultaneamente, que ele teria agido em
legítima defesa); (ii) externamente coerente, isto é, em que os fatos tidos como
provados, quer individualmente quer em seu conjunto, não contrastem com as
provas produzidas.227
Há discussões sobre se o juiz deve adotar uma concepção holística ou ato­
mística na valoraçào da prova. O método analítico ou atomístico consiste em con­
siderar isoladamente cada prova. Por outro lado, segundo a concepção holística,
a escolha deve recair nas provas valoradas em seu conjunto,2282930ainda que após as
valorações isoladas.2W
A principal crítica do emprego da concepção holística da valoraçào da prova
é que ao processo não interessa produzir narrativas coerentes e persuasivas, ainda
que falsas, mas sim basear a decisão em uma reconstrução verdadeira dos fatos,
ainda que narrativamente não coerente. A coerência da narrativa pode servir como
critério residual da escolha, mas somente entre versões do fato que tenham o mesmo
grau de suporte probatório para serem consideradas como verdadeiras.211’

227. Nesse senliclo: TARUFFO, Lu prova dei Jau i giuridici..., cit., p. 399; UBERT1S, Profili
di epistemologiagiudiziaria..., cit., p. 1 18.
228. Como explica Damaska (II dirillo delle prove alia deriva..., cit., p. 5 5 -5 6 ), a concep­
ção holística dos processos mentais considera que não é possível separar ou decompor
o valor dc cada elemento informativo da valoraçào global, não sendo possível atribuir
valores a cada um dos elementos isoladamente, para depois somá-los.
229. Taruffo (La semplice veritd... cit.. p. 6 5) destaca que pesquisas empíricas no campo
da psicologia mostram que os jurados tendem a decidir a partir de uma concepção ho-
líslica, chegando a sua conclusão sobre os fatos valorando a plausibilidade de “histórias
completas“ sobre os fatos, sem desenvolver raciocínios analíticos sobre as circunstâncias
específicas da história e sobre cada um dos elementos de prova.
230. TARUFFO, Elcmenti per unanalisi dei giudizio di falio.... p. 238. nota 5.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 203

De qualquer modo, o juiz profissional ou leigo tem o dever de realizar uma


valoração racional que pode ser dividida em dois momentos distintos: no primeiro,
analisando o valor de cada meio de prova em si; no segundo, analisando as provas
em seu conjunto, para verificar o suporte global que dão a cada uma das afirmações
fálicas penalmente relevantes, cuja comprovação seja objeto do processo.231 Res­
salte-se, contudo, que esse segundo momento, denominado holístico, deve estar
subordinado a narrativas que estejam comprovadas na primeira etapa. De acordo
com a proposta acima formulada das etapas de valoração, o método holístico pode
ser útil na terceira etapa valorativa, de definição comparativa de hipóteses, quando
concorrem hipótese alternativa foram, de um lado, confirmadas, e de outro, não
refutadas pelo conjunto provatório. Em tal contexto, no terceiro e último momento
se deverá buscar, entre as hipóteses alternativas ainda em disputa, qual delas é a
mais provável, de acordo com uma probabilidade lógica.
No contexto da valoração, as provas produzidas constituem o ponto funda­
mental para que o juiz defina qual hipótese fática é a mais atendível. Em relação a
cada afirmação de fato que necessita ser provada, o juiz poderá considerar que a
prova foi “encontrada", isto é, que “há prova”, daquele fato, tendo havido um êxito
positivo no experimento probatório. Por outro lado, na hipótese contrária, quer
dizer, de não haver coincidência entre o resultado de prova e a afirmação proba­
tória, dir-se-á que “não há prova” ou que “a prova falhou”. Essa segunda situação,
contudo, não significa que, diante da não coincidência entre a afirmação do lato
objeto da imputação ou defesa, de um lado, e o resultado probatório, de outro,
que a produção do meio de prova falhou, como ausência de produção da prova.
Ao contrário, o meio de prova foi produzido, enquanto experimento probatório,
mas o seu resultado, consubstanciado nos elementos probatórios obtidos, será
inservível para a reconstrução histórica do fato. Por exemplo, a testemunha com­
parece em juízo, presta depoimento, mas diz nada saber sobre os fatos, ou diz que
os presenciou, mas como já faz muito tempo, não mais se recorda dos mesmos.232
Quanto à escolha da hipótese fática tido por provada, como explica Taruffo,
“será racional a escolha a favor da hipótese dotada de um grau mais elevado dc
confirmação probatória, enquanto seria irracional considerar como ‘verdadeira’
uma afirmação fática não sustentada pelas provas, “falsificada" por provas contrá­
rias, ou contraditada por outra afirmação sustentada por provas prevalecentes.233

231. Nesse sentido: UBERT1S, La prova penale..., cit., p. 80; ldem. Profili di epistemologia
giudiziaria..., cit.. p. 114; ANDRÉS 1B.ÁNEZ. A argumentação probatória e sua expressão
na sentença..., cit.. p. 42-44. Na doutrina nacional: MAGALHÃES GOMES FILHO, A
motivação das decisões penais..., cit., p. 154.
232. UBERT1S, Profili di Epistemologia Cindi Ziaria..., cit., p. 83-84.
233. La prova dei fatti g iu rid ici... cit., p. 4 2 1 . No mesmo sentido: UBERTIS, Profili di
epistemologia giudiziaria..., cit., p. 119.
204 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

Tudo isso, porém, pressupõe a definição de um método racional de valoração


da prova. De maneira geral, nos diversos ordenamentos jurídicos, os códigos nada
dizem quanto ao conteúdo ou modo de se desenvolver a valoração da prova, limi­
tando-se a se utilizar a expressões como, “livre apreciação da prova”, no Código
de Processo Penal brasileiro, ou a “sana crítica” da legislação espanhola, ou ainda
a intime conviction francesa. São expressões equivalentes em sua vagueza. que em
comum tem uma "fundamental indeterminação de significado.234

d.5 . 1. Da p rov a leg al a o livre co n v en cim en to

O livre convencimento, que nas palavrasde Nobili, é um “axioma potente”,235


não é uma “descoberta moderna". Já era encontrado no processo acusatório da
Grécia clássica, com o predomínio da retórica e da tópica. Depois, foi aplicado
no processo da Roma Clássica e no da cultura medieval dos séculos IX ao X lll.236
Todavia, do ponto de vista da evolução histórica, é possível restringir a análise do
livre convencimento a partir de seu ressurgimento no final do século XVIII. Com
a superação do sistema da prova legal, o livre convencimento representou uma
conquista do pensamento iluminista. implementada pela Revolução Francesa.
Naquele período histórico, o “livre” qualificava o convencimento judicial,
em antagonismo com o sistema anterior, da “prova legal”. Assim, para entender o
que significa livre convencimento, é preciso compreender as amarras anteriores,
isto é, do que o juiz se livrou para, com liberdade, poder realizar a valoração da
prova e se convencer.
O sistema da prova legal,237238que foi aplicado do século XIII ao XVIII, repre­
sentou a expressão jurídica de uma metodologia do conhecimento que, do ponto
de vista filosófico, fundava-se em “apriorismos e abstrações formais típicas do
tardio pensamento escolástico e aristotélico-tomístico”.23* Ao contrário do que sua

234. TARUFFO, Michele. Libero convincimentó del giudice: 1) diritto processuale civile.
Enciclopedia giuridica treccani. Roma: Treccani, 1990. v. XVIII. p. 2.
235. Esiti, errori. arbitrii dietro un'illustre form ula.... cic, p. 34
236. FERRAJOL1. Diritto c ragione..., cit.. p. 1 16.
237. Sobre o sistema da prova legal: FURNO, Teoría de la prueba legal..., cit.. p. 160 ss.;
G1UL1AN!. II concetto di prova.... cit., p. 231 e ss.; NOB1LI. II principio del libero convin-
cimento del giudice..., cit., p. 8 1 -1 4 3 ; PALAZZOLO, Giorgia Alessi. Prova legale e pena.
Napoli: Jovene. 1979. p. 37 e s.; ESMEIN, A. History oj criminal procedure in F ranee.
Trad. John Simpson. Boston: Little. Browti 1913. p. 251-271.
238. CAPPELLETT1. Mauro. Principi fondamentali e tendenze evolutive del processo
civile nel diritto comparato, Giurisdizione italiana, 1968. v. IV. p. 79. No tnesmo sentido:
NOB1L1, II principio del libero convincimento.... cit., p. 92; TARUFFO, La prova de i fatti
giuridici...., cit., p. 363: Idem. Libero convincimento del giudice..., cit., p. 1; 1ACOBONI,
Alessandro. Prova legale e libero convincimento del giudice. Milano: Giuffré, 2006. p. 1.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 205

denominação sugere, o sistema da prova legal inicialmente foi fruto da elaboração


da doutrina dos juristas medievais, “de cultura jurídica formalística, analítica,
categorizante, amante das sutilezas e das complicações classificatórias”,23l) Depois
desse primeiro desenvolvimento, e com o acolhimento e desenvolvimento de tais
regras pela jurisprudência,239240 é que as leis passaram a adotar tais critérios, sistema­
tizando as regras que predeterminam o valor de cada prova.
No regime da prova legal havia uma rígida hierarquia entre os diversos meios
de prova, do ponto de vista da sua eficácia para o convencimento judicial, prees­
tabelecendo o peso ou valor que cada um deles teria no momento da decisão, divi­
dindo-as em prova plena, prova semiplena, quarto de prova etc. Em tal regime se
aplicava, como regra geral, a máxima testis uno, testis nullum. Quando aos indícios
havia uma intricada classificação em plenos, semiplenos, quarto de indícios etc. Por
fim, não se pode esquecer que a confissão era definida como a regina probaüonum,
uma prova plena, dotada de valor probatório máximo. Nesse contexto, o sistema
da prova legal era compatível com uma noção de “verdade formal”, na medida
que estabelecida previamente pela lei e sem conexão com o específico potencial
cognitivo e demonstrativo de cada meio de prova produzido no caso concreto.241
O sistema da prova legal era também fruto da desconfiança contra o arbítrio do
julgador,242 que era um juiz profissional, integrante de uma organização judiciária
centralizada e burocratizada.243 Considerava-se melhor definir previamente e de
modo abstrato o que seria necessário para que um fato fosse considerado verdadeiro,
do que deixar a cargo do julgador, em cada caso concreto, realizar tal valoração.
Por outro lado, era o fato de se tratar de um corpo de juízes permanentes, cultos
e conhecedores do direito, que tornava possível julgar de acordo com regras que
prefixavam, em abstrato, o valor de cada meio de prova. Por fim, mas não menos re­
levante, é de se ressaltar que a teoria da prova legal, com sua aritmética classificatória

239. TARUFFO, La prova dei Jatti giuridici...., cit., p. 362.


240. Para Jordi Nieva Fenoll (La valoración racional de la prueba, Madrid: Marcial Pons,
2010. p. 6 2 ), o “sistema de valoração probatória prévio às codificações do século XIX
não era predominantemente o legal, mas o libre, embora com mais regras de prova
legal que as existes atualmente. Somente os usos forenses fizeram com que ocorresse o
contrário e que o sistema se tornasse predominantemente legal, criando uma realidade
que, com efeito, contrariava claramente o ordenado pelas leis”.
241. TARUFFO. Studi sulla rilevanza delia p ro v a ..., c it., p. 9 2 , TARUFFO, Libero
convincimenio dei giudice.... cit., p. 1. Já Sammarco (Método probatorio e modelli di
ragionamento..., cit.. p. 33) refere-se a uma "verdade artificial", que afasta da verdade
determinável segundos os instrumentos ordinários da lógica probatória.
242. Como destaca lacoviello (I criteri di valutazione delia prova.... cit.. p. 3 9 3 ) enquan­
to o sistema da prova legal era íundado no arbítrio do legislador, o sistema da intime
conviction se baseia no arbítrio do julgador.
243. TARUFFO, Libero convincimenio dei giudice..., cit., p. I.
206 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA H PROVA PENAL

pretensamente cientifica, era bastante adequada a um modelo inquisitorio, no qual


o juiz decidia isoladamente, como senhor e dono da atividade probatoria.
Com a Revolução Francesa, o livre convencimento -ain d a que num primeiro
momento em sua forma mais radical da intime conviction—ressurge no final do século
XV111, como uma conquista do pensamento iluminista, substituindo o sistema da
prova legal. O sistema foi introduzido pela Lei de 16-24 de agosto de 17 9 0 -D écreí
sur l’organisationjudiciai) e , sendo posteriormente regulamentado pela Lei de 16 de
setembrode 1971. No que diz respeito específico à obrigação de motivar, o art. 15,
no Título V, previa que toda sentença civil ou penal deveria conter, a indicação do
nome das partes, das questões controvertidas de fato e de direto, do dispositivo de
lei, dos resultados de fato da instrução e os motivos da decisão.
A Lei de 16-24 de agosto de 1790 estabeleceu um conjunto de princípios pro­
fundamente inovadores não só no campo do processo e da organização judiciária,
mas também, da própria ideologia democrática que se afirmou com a Revolução.244
Mais do que simplesmente estabelecer o julgamento pelos jurados, houve uma
forte mudança para um modelo processual fortemente acusatorio inspirado no
julgamento do júri, e em todos seus corolários: oralidade, imediação e “conven­
cimento íntimo”.24’
Limitando o objeto de análise ao livre convencimento, com a mudança da
organização judiciária, e a substituição do juiz técnico pelo juiz leigo, não havia
como exigir do julgador a aplicação de complexos critérios desenvolvidos por sé­
culos, mediante regras de “aritmética probatória”.246 O leigo que passou a atuar na
administração da justiça por meio do jú ri popular desconhecia tais pesos métricos
de cada meio de prova, e sem tal saber, restava-lhe decidir somente de acordo com
a sua convicção íntima. No sistema do veredito imotivado do júri, abandona-se a
lógica dedutiva e a ideia de um controle ex post do raciocínio do julgador por meio
da motivação de suas escolhas.247Por outro lado, a liberdade de valoração se afinava

244. Nesse sentido: Taruffo (Lobbligo di molivazione delia sentenza..., cil., p. 2 7 0 ), que
acrescenta na nota 22, entre esse conjunto de princípios: a introdução dos árbitros e
juízes de paz como juízes de equidade, a eletividade dos juízes, a introdução do júri
popular em matéria penal, além da instituição da Corte de Cassação, pelo Decreto de 27
de novembro-1° de dezembro de 1790, como órgão que permitia o controle da legalidade
das decisões judiciais.
245. Como explica Nobili (Esiti, errori, arbitrii dietro un’illusire form ula..., cit., p. 3 8 ),
o livre convencimento foi trazido e trouxe o método acusatório mais avançado, com
colegialidade, júri e outras garantias. E, noutra obra (NOBILI, II libero convincimento
dei giudice..., cit., p. 9 4) destaca que o júri conduziu a introdução “da oralidade, da
imediatidade e do convencimento íntimo, entendidos como princípios entre si incin-
divelmente conexos".
246. TARUFFO, Libero convincimento dei giudice..., cit., p. 1.
247. IACOVTELLO, 1 criteri di valutazione delia prova..., cit., p. 393.
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 207

com uma “nova filosofia”, que entendia a razão como instrumento de verdade, que
era atingida com a observação direta e crítica dos fatos.24l<
De qualquer forma, a fé no júri também era compatível com uma concepção
que, para decidir bem, bastava adotar a filosofia do “senso comum . Beccaria,
por exemplo, asseverava que para julgar “não c necessário senão um simples c
vulgar bom senso”.250
O livre convencimento não era, portanto, um critério positivo de decisão sobre
a verdade, mas um critério alternativo à prova legal, que pré-estabelecia o que era
suficiente e necessário para determinar a condenação e a pena.21' Como explica
Taruffo, “o primeiro e principal significado do livre convencimento’ do juiz se
define por antítese ao conceito de prova legal".252 O juiz fica livre da apriorística
hierarquia de provas estabelecidas pelo legislador, devendo ele próprio realizar uma
“valoração complessiva e comparativa para o acertamento dos fatos da causa'V '
Como se sabe, contudo, esse modelo de livre convencimento ligado ao júri
durou poucos anos, sendo substituído pelo sistema misto do Code d ’instruction
Criminelle de 1808, que adotou o chamado sistema misto,254 influenciando toda

248. Nesse sentido: NOBILI, II principio dei libero convincimento.... cit., p. 92. No mesmo
sentido: Mauro Cappelletti (Ideologie nel diritto processuale. Processo e ideologie. Bo­
logna: 11 Mulino, 1969. p. 8 -1 0 ) acrescenta que segundo esse novo método, “as provas
se pesam, não se contam. Se pesam no seu concreto e individual valor e não mais com
base em prejulgamentos abstratos e computação mecanicamente predisposta".
249. NOBILI, II principio dei libero convincimento..., cit., p. 15 e 95. No mesmo sentido:
ANDRÉS 1BÁNEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 90.
250. Dos delitos c deis penas.... cit., p. 89, § XIV. E complementava: “A certeza que se re­
clama para declarar um homem réu é, portanto, aquela que determina lodo o homem
nos actos mais importantes da sua vida”.
251. Outra diferença, do ponto de vista do direito probatório, destacada por lacovicllo (I
criteri di valulazione delia prova..., cit., p. 394) é que no sistema da prova legal, as regras
probatórias intervinham no momento da valoração, diante de um material probatório
virtualmente ilimitado, no sistema da intima convicção, as regras probatórias intervi­
nham na seleção do material probatório, como regras de exclusão, sendo a valoração
do material produzido livre de vínculos legais.
252. TARUFFO, Libero convincimento dei giudice..., c i t , p. 1. Idem, La prova deifatti giuri-
dici.... cit., p. 369. No mesmo sentido: FERRAJOLI, Diritto e ragione..., cit., p. 117-118;
SAMMARCO. Métodoprobatorioe modelli di ragionamento..., cit., p. 1 5 5 :1ACOBONI, Prova
legalc e libero convincimento dei giudice..., cit., p. 6; DE LUCA. Giuseppe. 11 eontradittorio
nella formazione delia prova e la decisione sulla quaestio facti, II libero convincimento
dcl giudice penale. Vecchie e nuove esperienze. Milano: Giuffrè, 2004. p. 24; ANDRÉS
IBÁNEZ. ‘'Carpintaria" da sentença penal (em matéria de fato)..., cit.. p. 145; GASCÓN
ABELLÁN, La valoración de la prueba..., cit.. p. 391.
253. TARUFFO, Libero convincimento dei giudice..., cit., p. 2.
254. Como sintetiza Magalhães Gomes Filho (A motivação das decisões penais..., cit.,
p. 146, nota 4 7 ), no sistema misto, a persecução penal foi dividida cm duas fases: “a
208 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

legislação europeia e dos países de formação romano-germânica.255Embora o código


do Imperador Napoleão tivesse mantido, a ideia da “intimeconviction" no art. 342,236
com o júri na fase de juízo da causa,2" as cortes inferiores, que julgavam sem o
sistema dos jurados, tambe m passaram a aplicara intime conviction mesmo sendo
compostas de juízes de carreira e, a partir de então, a magistratura se apossou desse
novo e libertador critério."1'' Com essa mudança, o livre convencimento passou a
ser o modo de valoração da prova do juiz profissional. E os poderes probatórios do
juiz se tornaram cada vez mais intensos, não só para a valoração da prova, como
também para a sua produção. Afinal, se a valoração era livre e o juiz tudo poderia
valorar, ninguém melhor que ele para saber quais provas eram necessárias para a
descoberta da verdade, que era o objetivo final e maior do processo.
Assim, na cultura pós-iluminista, o livre convencimento, entendido como uma
livre valoração”, passou a ser entendido como uma “valoração livre”, um processo
intelectivo e particular de cada julgador e, portanto, intransferível e incontrolável
por outro sujeito, tornando-se uma porta aberta para a pura arbitrariedade ju di­
cial.-1- O juiz tornou-se, assim, um sujeito privilegiado, e o resultado do processo

primeira, secreta, escrita e sem participação da defesa na colheita do material probatório


pelo juiz da instrução, cujas funções ganharam importância com a supressão do júri
de acusação; na segunda fase, perante os jurados, eram discutidos em contraditório,
em debate público e oral, os elementos até então obtidos, eis que possível a leitura aos
jurados dos depoimentos colhidos na fase anterior”.
255. Aliás, no que diz respeito ã Itália, até mesmo antes disso, já influenciada pelas ideias
francesas, pois Napoleão foi coroado Rei da Itália, em Milão, no dia 26 de maio de 1805.
foi elaborado o Códice di Procedura Penale, promulgado também em Milão, no dia 8 de
setembro de L807, que sem adotar o sistema do Júri, conservou o princípio da íntima
convicção. Sobre o tema: NOB1L1, II principio dei libem convincimento..., cit., p. 200-203.
256. O art. 342, na parle em que descreve as instruções que o jurado chefe passava aos
demais jurados, esclarecia que a lei não exigia deles que computassem os meios pelos
quais estavam convencidos. Os jurados deveriam ”questionar-se em silêncio e reco­
lhimento, e buscar na sinceridade de sua consciência, que impressões que causaram
sobre sua razão, as provas produzidas contra o acusado, e os meios de sua defesa". E,
ao final, da instrução, os jurados eram informados que “A lei não lhe diz: Você terá
por verdade todo falo atestado por esse ou aquele número de testemunha; também não
lhes diz: você não considere como suficientemente estabelecido nenhuma prova que
não seja estabelecida qualquer prova que não seja formada por tais atas. tais peças, de
tantos testemunhos ou tantos indícios; a lei só lhes faz essa questão, que contém toda
a medida do seu dever: você tem uma convicção íntima?”.
257. Cordcro (Procedura Penale.... cit., p. 583) lembra que “os monossílabos do 'vere dieta'
substituíam duelos e ordálias, conservando o efeito trancham: o fundo alógico típico
dos juízos de Deus, passa para a figura francesa”.
258. NOBll.l, II principio dei libero convincimento.... cit., p. 179, nota 77. No mesmo sentido:
ANDRÉS 1BÁNEZ. “Carpintaria" da sentença penal (em matéria de fato)..., cit.. p. 145.
259. GASCÓN ABELLÁN. Los hechos en cl derecho..., cit., p. 159. Corno diz Nobili (Il
principio dei libero convincimento.... cit., p. 125), no momento em que se restituiu ao
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 209

quanto ao juízo de Tato era uma verdade intimamente atingida, “uma espécie de
momento místico e, enquanto tal, incontrolável”.260 Tinha-se, assim, um modo de
decidir que, nas palavras de Carrara, caracterizava uma “convicção autocrática”.261
Além disso, essa tendência ampliativa do livre convencimento identificada
com a total ausência de limites, acabou por levar a uma versão irracional do con­
vencimento judicial, uma espécie de “anarquia cognitiva”.262 O acusado poderia
ser condenado não em razão das provas, ou somente das provas, mas também em
decorrência de paixões, emoções, antipatias, simpatias, ideologias ou outros fatores
não controláveis que influenciassem o julgador. A sentença tornou-se, nas palavras
de Nobili, “um ato imperscrutável do ponto de vista lógico racional e arbitrário do
ponto de vista ideológico".263
Em seu desenvolvimento histórico, o livre convencimento sofreu uma grande
mutação, que o transformou de uma garantia de liberdade em um instrumento de
arbítrio. Aquele que era só um princípio negativo, acabou transformando-se em
um critério discricionário de valoração da prova, sendo o livre convencimento, nas
palavras de Ferrajoli, “uma das páginas politicamente mais amargas e intelectual­
mente mais deprimentes da história das instituições penais”.264Sistemas fundados
na íntima convicção ou na certeza moral do julgador,265 admitem, em última aná­
lise, que o ato de decidir é o resultado de meras crenças, intuições ou opiniões do
julgador, sendo a sentença incontrolável intersubjetivamente.266
Para corrigir esses abusos, a epistemología judiciária é de grande impor­
tância, por fornecer um método racional de valoração da prova, possibilitando

magistrado a liberdade da própria consciência e a liberdade do julgamento sobre o fato,


surgia, conscientemente, o problema de como impedir que essa liberdade degenerasse
em arbítrio.
260. A expressão é de ANDRÉS IB.4ÑEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal...,
cit., p. 91. A mesma crítica é formulada por GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la
prueba..., cit., p. 391.
261. CARRARA, Programa..., cit., v. 11. p. 233. Para Taruffo (Lct motivazione delia sentenza
civiíe..., cit., p. 2 9 8 -2 9 9 ) em tal concepção o livre convencimento se identifica com uma
"ideologia autoritária”. No mesmo sentido: MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação
das decisões penais..., cit., p. 1947.
262. DE LUCA, II comradittorio nella formazione delia prova..., cit., p. 24.
263. NOBILI, II principio dei libero convincimento..., cit., p. 10.
264. Diritto e ragione..., cit., p. 1 18.
265. A “certeza moral”, explica De Lúea ( ¡I contradictorio nella formazione delia prova...,
cit., p. 28), é um critério que consiste somente na “cessação da dúvida no ânimo do
juiz” sendo um mero limite interno, que opera no interior do homem.
266. Outra consequência dessa equivocada concepção do livre convencim ento, com o
bem aponta Gascón Abellán (La valoración de la prueba..., cit., p. 391) foi o descuido
da teoria da argumentação como tema de prova.
210 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

o controle e,267 consequentemente, limitando esse arbitrio judicial.268 É com o


aporte da epistemología que se poderá preencher o vazio negativo deixado pelo
livre convencimento, dando-lhe um conteúdo positivo.
Num modelo cognitivista de exercício do poder punitivo, a valoraçâo não
pode ser entendida como uma convicção íntima, livre e intransferível, com a
consequência de ser um momento irracional, incontrolável e arbitrário.269 O con­
vencimento é livre das regras legais da prova tarifada, mas não é livre para deixar
de adotar regras e critérios racionais de determinação da verdade dos fatos.270Uma
decisão racionalmente orientada permite que a escolha da hipótese fática tido
como verdadeira, por encontrar maior suporte nas provas dos autos, possa ser
intersubjetivamente controlável.271
Assim, no processo penal, o livre convencimento deve ser entendido, atual­
mente, como garantia inerente ao devido processo legal, que imponha uma racio­
nal e motivada valoraçâo das provas legitimamente produzidas, para verificar se a
hipótese fática da culpabilidade do acusado está provada.272

267. Como explica Vittorio Denti (Sdentificità delia prova e libera valutazione dei giu-
dice. Rivista di Dirilto Processuale, 1972. p. 4 3 1 ), uma decisão proferida com base em
critérios objetivos de valoraçâo poderá ser repelida mentalmente e, portanto, passível
de ser controlada na via recursal. No mesmo sentido: MAGALHÃES GOMES FILHO,
A motivação das decisões penais..., cit., p. 147.
268. Como razão, Taruffo (Libero convincimento dei giudice..., cil., p. 2) adverte que “o
primeiro e essencial problema que se coloca a propósito do livre convencimento é o da
garantia contra o arbítrio subjetivo do juiz. em consonância com a exigência de que a
decisão se funde - ainda que nos limites inevitáveis do processo - em um acertamento
verdadeiro dos fatos controvertidos". Para isso, completa Magalhães Gomes Filho (A
motivação das decisões penais..., cit., p. 158) ‘a exigência de racionalidade deve impedir
que no processo mental da decisão sejam sopesados elementos de ordem psicológica,
suspeitas, impressões, avaliações pessoais do juiz etc." Ressalte-se que, com condição
para o efetivo controle desse indevido subjetivismo será necessário exigir uma funda­
mentação completa, como mecanismo de justificação das escolhas judiciais. Sobre a
fundamentação e o contexto da justificação, cf., infra, item 3.7.
269. Nesse sentido: ECHANDÍA, Devis. Teoria general de la prueba judicial..., cit.. p. 109;
GASCÓN ABELLÁN, Los hechos cn cl derecho..., cit.. p. 160; MAGALHÃES GOV1ES
FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 147.
270. Nesse sentido: TARUFFO. Libero convincimento dei giudice..., cit., p. 2; GASCÓN
ABELLÁN, Los hechos cn el derecho..., cit., p. 161. Como explica Magalhães Gomes Filho
(Princípios gerais da prova..., cit., p. 4 1 ), “Como antítese do método da prova legal.
em que o valor de cada prova era previamente estabelecido pelo legislador, o livre con­
vencimento não pode ser confundido, no entanto, com permissão para uma valoraçâo
subjetiva e isenta de critérios e controles".
271. FERRER BELTRÁN, Prolegúmenos para una teoria sobre los estándares de p rueba...,
cit., p. 405.
272. CANZIO, Prova scientifica, ricerca delia ‘verità’ e decisione giudiziaria nel processo
penale..., cit., p. 67. No mesmo sentido: FERRUA, II libero convincimento dei giudice
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 211

A definição de que convencim ento judicial será livre não fecha, mas, ao
contrario, abre o critério de valoração da prova.271 Não tendo o legislador indicar
o método a ser seguido - e nem deveria assim o fazer cabera à epistemología
fornecer os mecanismos de valoração racional da prova.274 O livre convencimento
judicial, enquanto princípio processual, necessita, nas palavras de Taruffo, de uma
heterointegração, que se dará por meio do "emprego de princípios da teoria geral
do conhecimento elaborados no plano filosófico".271 Com isso, além de se saber que
o juiz decidirá livre do tarifamento da prova legal, também se poderá saber com o o
juiz decidirá. O problema é identificar essas regras epistemológicas de valoração,
que se encontram fora c além da disciplina dos códigos de processo penal.276
Todavia, no processo penal, ainda por resquícios da desconfiança com o
arbítrio provocado pela deturpação autoritária do livre convencimento, excep­
cionalmente o legislador intervém, estabelecendo regras legais de valoração da
prova, em especial, com vista ao fortalecimento da presunção de inocência. Sem o
“requisito mínimo” exigido pelo legislador, o juiz não poderá, abusando do livre
convencimento, condenar o acusado com base em uma valoração da prova de fundo
irracional ou emotiva.277 A investigação judiciária não é uma pesquisa puramente
intelectual, mas o pressuposto de uma decisão sobre a liberdade do cidadão, na qual.
se não houver limites normativos, tenderá a prevalecer o poder sobre o saber.2 ”

3 .5 .2 . E x ceções legais à livre v a lo ra çã o d a p rov a

Um exemplo de tal interferência legislativa no livre convencim ento é o


art. 158 do Código de Processo Penal, que impõe o exame de corpo de delito, nas
infrações que deixam vestígios, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
Não se trata, propriamente, de uma proibição de produção de prova. O réu não é
proibido de confessar o crime. A proibição legal está em que o juiz, na valoração
da prova, não poderá considerar provada a materialidade delitiva, com base na
confissão ou mesmo em outro meio de prova que não seja a perícia consistente
no exame de corpo de delito. Tal vedação funda-se na premissa de que, sendo

penale..., cit., p. 61. acrescentando, ainda, que integra o livre convencimento a neces­
sidade de que a imputação esteja provada “oltre ogni ragionevole dubbio”.
273. Nesse sentido: TARUFFO, Michele. Modelli di prova e di procedimento probatório.
Rivista di Diritto Processuale. 1990. p. 4 3 8 : GASCÓN ABELLAN, La valoración de la
prueba..., cit., p. 392.
274. FERRER BELTRAN, La valoración racional de la prueba.... cit.. p. 68.
275. Libero convincimento dei giudice..., cit., p. 2.
276. Antecipando a conclusão que se seguirá, cf., infra, item 3.5.3.3, mediante um racio­
cínio lundado na probabilidade indutiva, de tipo baconiano, como proposto por Cohen.
277. SAMMARCO, Método probatorio e modelli di ragionamento..., cit.. p. 36.
278. FERRAJOLl, Diritto e ragione..., cit.. p. 18-20.
212 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

possível a produção de uma prova com melhor idoneidade e potencial cognitivo


(a perícia), não se pode aceitar uma prova menos qualificada (a confissão). Há,
porém, quem conteste o dispositivo que, para Frederico Marques, é uma ‘'babo­
seira" que somente se justificaria no sistema da prova legal, sendo incompatível
com o processo penal moderno, no qual 'tudo o que lícito for, idôneo será para
projetar a verdade real".27y
Outra exceção encontrada no direito brasileiro é a previsão de que, para a
prova do estado das pessoas,279280 somente será válido o documento exigido pela
lei civil (CPP, art. 155, caput), como é o caso do estado de casado, que somente
poderá ser provado mediante a certidão de casamento,281 ou do estado de filiação,
mediante a certidão de nascimento.282 Pode ser lembrada, também, a necessidade de
atestado de óbito para a comprovação da morte do acusado, com vistas à extinção
da punibilidade (CPP, art. 6 2 ).283284
Mais recentemente, outra regra legal que limitou a liberdade de valoração do
julgador, foi prevista em relação à colaboração premiada: o § 16 do art. 4° da Lei
12.850/2013, que estabelece: “nenhuma sentença condenatória será proferida com
fundamento apenas nas declarações de agente colaborador".28' Trata-se, assim de

279. Elementos de direito processual penal..., cit., v. II. p. 364.


280. O “estado da pessoa”, explica Clóvis Beviláqua (Código Civil comentado. 11. ed. Rio
de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1956. v. 1. p. 780), “[...] é o seu modo particular de
existir. Pode ser físico, de família e político. O estado físico c o modo de ser da pessoa
em relação à integridade mental (sãos de espírito e alienados), à idade (menores e maio­
res), ao sexo (homem e mulher). O estado de família distingue as pessoas em: casadas,
solteiras, parentes e afins. O estado político transcende a ordem privada. É o direito
constitucional que determina quem é cidadão quem é estrangeiro”.
281. O caput do art. 1543 do Código Civil, estabelece que: “O casamento celebrado no
Brasil prova-se pela certidão do registro”.
282. Prevê o art. 1.603 do Código Civil que: “A filiação prova-se pela certidão do termo
de nascimento registrada no Registro Civil”.
283. MAGALHÃES GOMES FILHO. A motivação das decisões penais..., cit.. p. 163.
284. Sobre a interpretação de tal regra: BADARÓ, Gustavo. O valor probatório da delação
premiada: sobre o § 16 do art. 4" da Lei 12.850/13. Consulex, n 4 4 3 , fev. 2015. p. 26-29;
MENDONÇA. Andrey Borges de. A colaboração premiada c a criminalidade organizada:
a confiabilidade das declarações do colaborador e seu valor probatório. In: SALGADO,
Daniel de Resende; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de (Org.). A prova no enfrentamento à
macrocriminalidade. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2017. p. 231-278. Regra semelhante,
embora de caráter mais geral, é prevista no comma 3o do art. 192 do CPP italiano: “Le
dichiarazioni rese dal coimputato dei medesimo reato o da persona imputata in un
procedimento connesso a norma delLarticolo 12 sono valutate unitamente agli altri
elementi di prova che ne confermano Fatendibilità”. Para uma crítica do dispositivo que,
embora exigindo uma prova de Corroboraçâo, não delimita a natureza ou espécies dos
elementos que são aptos a ta! mister: DEGANELLO. Mario. I criteri di valutazione delia
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 213

uma regra de corroboração, exigindo que o conteúdo da colaboração processual


seja confirmado por outros elementos de prova.285 A presença e o potencial corro­
borativo desse outro elemento probatorio é conditio sine qua non para o emprego
da delação premiada para fins condenatorios.286
Outro exemplo que poderia ser lembrado é o da disciplina legal de valora-
çâo da prova no art. 192 do C ódice di Procedura Pénale italiano que, no comma
estabelece que: “A existencia de uní falo não pode ser inferida de indicios, salvo
quando forem graves, precisos e concordantes”.287 A necessidade de concordan­
cia dos indicios indica a necessidade de mais de um indício, apontando para o
mesmo factum probandum .188 Em outras palavras, houve uma intervenção do
legislador para estabelecer a insuficiência probatória de um único indício como
fundamento para a condenação.289
Tais dispositivos excepcionais não sinalizam para um retorno ao sistema da
prova legal, emseus moldes medievais, “com uma minuciosa predeterminação das
características e do valor de toda a prova (e de todo o indício) e na sua classificação
num sistema preciso de prevalências e hierarquias”.190O que a lei estabelece, em tal
dispositivo, não é determinar qual meio de prova ou quantos meios de prova são
necessários para que um fato seja considerado verdade. Ao contrário, num regime
de prova legal negativa,291 a lei determina que somente uma situação na qual o

prova pénale. Senari di diriuo giurisprudenziale. Torino G. Giappichelli, 2005. p. 178


ss. Também crítico, Cordero (Procedura penale..., cit., p. 9 5 1 ) refere-se a tal regra como
“supérflua” não sendo útil, nem mesmo como "sinal didático”.
285. SE1ÇA, Antonio Alberto Medina de. O conhecimento probatório do co-arguido. Coim­
bra: Coimbra Ed., 1999. p. 205.
286. GREV1, Vittorio. Le ‘dichiarazioni rese dal coimputato’ nel nuovo Códice di Procedura
Penale. R/vistci Italiana di Diritto e Procedura Penale, 1991. p. 1174.
287. Para Sammarco (Método probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p. 154), trata-se
“de regra de ‘limite mínimo’ do valor probatório”, lacobini (Prova legale e libero con-
vincim ento.... p. 11) refere-se a prova legal negativa.
288. MAGALHÃES GOMES FILHO, Princípios gerais da prova..., cit., p. 43.
289. Cabe lembrar o posicionamento de Ferrajoli (Diritto e ragione..., cit., p. 134) que,
de um lado. critica o ab-rogado Código Rocco, com base no qual se estabeleceu 'tabu”
da prova legal e o equivocado dogma do livre convencimento, que desqualificaram
qualquer tentativa de disciplina legal da prova; e de outro, enaltece a nova regra do
art. 192 do CPP italiano, que legalizou uma necessidade epistemológica de pluralidade
de confirmações segundo o esquema do modas pones.
290. NOBILl, II principio dei libero convincimento..., cit., p. 105-106.
291. O sistema da prova legal negativa, com o destaca Nobili (II libero convincimento
dei giudice..., cit., p 9 5 ), representa uma adesão que não era total ao sistema do livre
convencimento, pois o juiz poderia ser obrigado, por lei, a absolver um acusado que
ele pessoalmente acreditasse ser, com base na prova produzida e valorada, culpado.
Por outro lado, o sistema da prova legal negativa, pressupunha o modelo geral do livre
214 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

juiz não pode, diante de um resultado probatório, condenar o acusado ainda que,
segundo as regras lógicas do procedimento inferencial normalmente empregado,
considerasse que há prova suficiente da culpabilidade.292 O legislador não esta­
belece abstratamente o que é necessário para condenar, mas apenas, em reforço à
presunção de inocência, o que é insuficiente para superar a “dúvida razoável”.293
Há, ainda, casos em que o limite ao livre convencimento não é absoluto. São
situações em que o legislador estabelece proibição de valoração relativas, isto é,
determinando que um meio de prova pode ser valorado apenas para uma determi­
nada finalidade, mas não para outra.
Em suma, o livre convencimento não fecha, mas abre o problema da iden­
tificação das condições probatórias que permitem que um conhecim ento seja
considerado verdadeiro, cabendo à epistemológica fornecer ao profissional do
direito os instrumentos adequados para definição do raciocínio probatório a ser
utilizado pelo juiz.294

3.5.3. Métodos de valoração


Tendo o legislador adotado o livre convencimento, simplesmente estabeleceu
que não há vínculos legais prévios determinados ao juiz de como valorar. O vazio
deixado pelo livre convencimento deve ser preenchido pela epistemología, na qual
se deve buscar o método adequado de valoração racional da prova, seja com vistas
a assegurar melhores condições de obter um conhecimento verdadeiro, seja para
permitir um controle intersubjetivo dos seus resultados.
Nesse ponto, a tese não é apenas descritiva. O objetivo é ir além de verificar e
descrever como os juízes decidem. Ao final dos itens que se seguem será proposta
a metodologia de valoração da prova a ser empregada pelos julgadores, com vistas
ao atingimento do objetivo epistêmico de conhecimento da verdade, a partir dos
elementos de provas produzidos no processo.

convencimento, na medida em que num sistema da prova legal - em caráter positivo - era
o legislador que estabelecia o que era necessário, como resultado probatório, para que o
juiz considerasse um fato como verdadeiro. Ou seja, nesse modelo, a lei determinava,
positivamente, o que era necessário para que um falo fosse considerado verdadeiro, para
condenar ou absolver. Já no modelo da prova legal negativa, a lei apenas estabelecia
limites ao livre convencimento, determinando o que era insuficiente para que um fato
pudesse ser considerado verdadeiro e, assim, levasse à condenação do acusado. Era. em
última análise, um limite garantista para evitar condenações duvidosas.
292. SAMMARCO, Método probatorio e modelli di ragionamento..., cit.. p. 34.
293. AMODIO, Liberta e legalità..., cit., p. 232. No mesmo sentido: DAMASKA, II diritto
delle prove alia deriva.... cit., p. 32, nota 28; MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito à
prova no processo penal.... cit.. p. 27.
294. FERRAJOL1, Dirítto e rugtonc.... cit.. p. 119-120.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 215

Afastada a possibilidade de se atingir um conhecimento racional absoluto sobre


a verdade dos enunciados fáticos. também no campo da valoração da prova tem se
entendido que tal se dá por meio de um juízo de probabilidade.2'” Não há, porém,
consenso sobre qual modelo probabilístico deve ser utilizado para tal empreitada.
Na sequência, serão analisadas as principais propostas de métodos probabilísticos
de valoração da prova:2Uh(i) a probabilidade estatística; (ii) a probabilidade subje­
tiva; (iii) a probabilidade indutiva ou lógica.
É preciso analisar, previamente, qual o modelo probabilístico utilizado, para
se definir que tipo de inferência probatória é a mais adequada para a valoração da
prova no ambiente processual.

295. Nesse sentido: LIEBMAN, Manuale di diritto processuale civile..., cit., v. II. p. 71;
ILLUMINATI, La presunzionc .... cit., p. 78; CHIARLON1, Sérgio. Riflessioni sui limiti
dei giudizio di falto nel processo civile. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile,
1986. p. 828: VERDE, Giovanni. Prova (teoria generale e diritto processuale civile).
Enciclopédia dei dirilio. Milano: Giuffrè. 1988. v. XXXVII. p. 585: FERRUA. Conlraddit-
torio e verità..., cit.. p. 49-50; TARUFFO, Modelli di prova..., cit.. p. 43 0 -4 3 1 ; FASSONE.
Dalla “certezza" all' "ipotesi preferibile".... p. 1109; LOMBARDO, Ricerca delia verità...,
cit., p. 752; FERRER BELTRÁN, Prolegómenos para una teoria sobre los estándares de
prueba..., cit., p. 403; GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la prueba..., cit.. p. 377.
296. Sobre Evidentiary value model ( “teoria do valor probatório"), uma vertente da proba­
bilidade quantitativa proposta por Per Olof Ekelõf, e desenvolvida por Sõren Halldén e
Martin Edman (que jã analisamos em BADARÓ, Onus da prova no processo penal.... cit.,
p. 4 5 -5 0 ). nào será incluída na análise das possibilidades de raciocínio judicial para
valoração da prova, pois a elas se aplicam as mesmas críticas que serão feitas à teoria da
probabilidade quantitativa. Muito sinteticamente, a Evidentiary Value Model compartilha
das premissas fundamentais da teoria bayesiana: 1) o objeto de nossas crenças são pro­
posições que exprimem hipóteses e informações sobre a verdade das hipóteses; 2) a nossa
fé na verdade das proposições é quantificável por meio de cálculos de probabilidade;
3) o cálculo de probabilidade é um sistema de lógica no qual podemos demonstrar
dedulivamente que o crer com um certo grau de probabilidade na verdade de certas
preposições implica que possamos crer com um certo grau em certas outras proposições;
4) o teorema de Bayes é a regra para calcular a probabilidade de que uma certa proposição
A seja verdadeira, dado que se conhece que é verdadeira uma outra proposição B. que
contém informações relevantes para a verdade de A. A diferença da EVM em relação à
teoria clássica bayesiana consiste na observação de que, sendo a preposição A um fa c­
tum probandum c B um factum probans, o que é relevante e interessa ao juiz não é tanto
estabelecer a verdade da preposição A, mas estabelecer a existência de uma apropriada
relação probatória entre A e B. O raciocínio probatório, segundo a EVM, é composto de
três elementos: o primeiro é o tema de prova que deve ser demonstrado; o segundo são
os fatos probatórios; o terceiro e último elemento é um mecanismo probatório, que diz
que um fato probatório é causado pelo tema de prova. Uma análise mais profunda do
tema pode ser encontrada em: EKELÕF. Olof. La libera valutazione delle prove. Siudi
in onore di Antonio Segni. Milano: Giuffrè, 1967. v. II. p. 93 e ss.; GARDENFORS. Peter:
HASSON, Bengt; SAHLIN, Nils-Eric Sahlin (Org.). La teoria del valore probatório. Aspetti
filosofici, giuridici e psicologici. Trad. Paolo Garbolino. Milano: Giuffrè, 1997.
216 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

3 .5 .3 .1. A p r o b a b ilid a d e estatística

A probabilidade estatística ou bayesiana mede o número de possibilidade de


que um evento ocorra, comparado com o número de possibilidade de que não ocor­
ra. '■ É, por exemplo, a probabilidade dc que, ao lançarmos uma moeda ao ar, caia
cara. No caso, uma probabilidade dc 1/2. Ou a probabilidade de que, lançando um
dado, caia a face superior que tenha o número I ; neste caso, a probabilidade de 1/6.
A teoria da probabilidade estatística fundamenta-se em aplicações do teorema
de Bayes,297298 que é uma regra relativamente simples, descoberta pelo Reverendo
Bayes, em 1763, segundo a qual a probabilidade P, do produto de dois eventos £ e
H é dada pela P (H) x P (E/H) ou. simetricamente, de P (E) x P (H/E).
Há um largo campo de aplicação da probabilidade estatística especialmente
nos casos em que a aceitação ou rejeição da hipótese serve de base para ações
práticas.299 Nesse caso. a doutrina bayesiana c um método de cálculo com base no
qual, diante da necessidade de valorara atendibilidade da hipótese sobre o fato X,
estabelece-se a provável frequência de X em uma determinada classe de eventos,
tendo cm conta a distribuição de precedentes de X naquela classe.300 Trata-se da
aplicação da probabilidade clássica, entendida como a relação entre o número de
casos favoráveis e o número de todos os casos possíveis: a partir de uma análise
estatística dos fenômenos de massa, busca-se a frequência com a qual um certo tipo
de evento se verifica na totalidade de uma classe geral de eventos.301

297. Uma análise da teoria da probabilidade estatística no direito, cf. TILLERS, Peter;
GREEN, Eric. Linferenza probabilistica nel diritto delle prova. Usi i limiti dei bayesiane-
simo. Trad. Alberto Mura, Milano: Giuffrè, 2003.
298. A análise bayesiana dos problemas relacionados à probabilidade tem origem na obra
póstuma do Reverendo Thomas Bayes ( 1701-1761), denominada An essay torvarás solving
a problem in the doctrine of chances, em 1763.
299. A questão, porém, muitas vezes, vai além da mera questão estatística, envolvendo
variáveis axiológicas, como se verifica no seguinte exemplo de Hempel (Filosofia da
ciência natural..., cit., p. 8 6 -8 7 ): "se a hipótese se refere à provável eficácia e seguran­
ça de uma nova vacina, a decisão sobre sua aceitação terá que levar em conta o grau
de concordância dos resultados estatísticos com as probabilidades especificadas pela
hipótese, mas também quão séria seria a consequência de aceitar a hipótese e agir em
conformidade (v.g., inoculando as crianças com a vacina) quando de fato ela é falsa ou
de rejeitar a hipótese e agir em consequência (e.g., destruindo a vacina e modificando
ou interrompendo o processo de manufatura) quando de fato a hipótese é verdadeira”.
300. Sobre a probabilidade quantitativa, cf. MARQUEIS, Probabilità e prova .... cit., p. 1120
e ss.; TARUFFO, La prova ..., cit.. p. 166 e ss.: e MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito
ci prova..., cit.. p. 47 e ss. Específicamente sobre a teoria de Bayes e suas aplicações no
campo probatório: TARUFFO, La prova defatti giuridici..., cit.. p. 171 e ss.
301. Nesse sentido: MARQUEIS, Probabilità e prova..., cit., p. 1121; 1ACOVIELLO, La
motivazione delia sentenza penale e iI suo contrallo in Cassazione..., cit., p. 120.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 217

Na probabilidade estatística se aplica o “princípio da indiferença”, segundo


o qual há uma possibilidade de ocorrência de qualquer das hipóteses, razão pela
qual não há qualquer motivo para preferir uma à outra.502 Ou seja, ao lançar um
dado, equilibrado e não adulterado, não há razão para preferir ou acreditar que há
mais chance de sair o número 2 em vez do 3 ou de qualquer um dos seis números
estampados em suas faces.
Essa natureza generalista da probabilidade estatística a torna inadequada para
ser considerada o método de valoração do raciocínio probatório, pois no processo
penal não se busca apenas definir a probabilidade abstrata da repetição de uma
hipótese, num determinado contexto. Julga-se a alegação de ocorrência de um
acontecimento concreto, único e irrepetível, e a probabilidade estatística nada diz
sobre eventos individuais.302303
Para demonstrar o caráter abstrato da probabilidade esiatística, é sempre
lembrado o exemplo formulado por Tribe, a partir de um caso real,304 conhecido
como “caso dos ônibus azuis”. Numa noite, a Sra. Smith conduzia seu carro por
uma autoestrada solitária e foi atingida por um ônibus, que fugiu após o acidente.
A Sra. Smith somente conseguiu ver que o ônibus envolvido no acidente era azul.
No processo, a Sra. Smith conseguiu provar que somente duas empresas de ônibus
operavam na cidade, sendo que 80% dos ônibus pertenciam à Companhia dos Ôni­
bus Azuis, e os 20% restantes eram da Companhia dos Ônibus Vermelhos. Desse
modo, na falta de quaisquer outros elementos que identificassem especificamente
o ônibus que produziu o acidente, deveria a Companhia dos Ônibus Azuis ser
condenada a indenizar os danos causados à Sra. Smith?305
No caso, considerando que nas demandas cíveis se aplica o standard de prova
da mera preponderância, ou “mais provável que não", e considerando que 80% era
a base rates informalion, a aplicação de uma probabilidade estatística com raciocínio
probatório implicaria a condenação da Companhia dos Ônibus Azuis. Mais do
que isso, a Companhia seria condenada por todo e qualquer acidente envolvendo
ônibus naquela cidade!

302. COHEN, Laurence Jonathan. Filosofia dell’induzione e della probability Trad. Paolo
Garbolino. Milano: Giuffrè, 1998. p. 52.
303. Nesse sentido: TARUFFO. La prova de fatti giuridici.... cit., p. 199: STEIN, Foundations
of evidence law.... cit., p. 67 e 76; COHEN, Filosofia dell'induzione e della probabilità...,
cit., p. 57; FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba..., cit., p. 98;
304. O caso real foi Smith v: Rapid Transit Inc. 58.N .e 2d 7 5 4 (1 9 5 4 ). julgado pela Corte
Suprema de Massachussetts.
305. TRIBE, Laurence, Trial by m athem atics: precision and ritual in the legal process.
Haivard Law Review, 8 4 .1 9 7 1 . p. 1340-1341. Uma análise crítica do caso, sob o enfoque
do emprego das generalizações, é feita por SCHAUER. Frederick. Di ogni erba tun fascia.
Generalizzazioni, profili, stereotipi nel mondo della giustizia. Trad. Anna Margherita
Taruffo, Bologna: 11 Mulino, 2008. p. 79-84.
218 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Outro exemplo de resultados insatisfatórios da probabilidade estatística é o


paradoxo do intruso (the pam dox o f thc gatecrasher) , formulado por Cohén: su­
ponha que numa cidade foi realizado um rodeio para o qual 499 pessoas pagaram
pela entrada, mas foram contadas 1000 pessoas no local, sendo uma delas o indi­
víduo A. Suponha que não foram emitidos ingressos e que não há testemunhas de
que A tenha pago para entrar ou tenha pulado a cerca. Assim, segundo os critérios
matemáticos de probabilidade, há 0,501 chance de que ¿4 não tenha pagado o in­
gresso. Nesse caso, a teoria matemática implicaria que os organizadores do rodeio
seriam vencedores em uma ação indenizatória contra A, uma vez que o balanço de
probabilidades estava a seu favor.306
Não é tudo. Paradoxalmente, o mesmo raciocínio seria aplicável em relação a
todos os 1.000 espectadores que estavam no rodeio, e os organizadores do evento
poderiam ganhar ações contra todos, se fossem movidas independentemente e,
assim, obteriam a condenação de 1.000 espectadores, embora já tivessem recebido
o valor da entrada de 499 deles!307
O problema da aplicação da probabilidade estatística no contexto processual
é que, ao se basear na “frequência” ou na quantidade de vezes que um evento
específico ocorre em urn universo de possibilidades, a probabilidade estatística
despreza os elementos concretos do caso e, principalmente, as provas produzidas.
Em outras palavras, a probabilidade estatística permite determinar a frequência com
que um tipo de fenômeno se verifica, num total dc uma classe mais geral, mas não
se consegue estabelecer a probabilidade de ocorrência de uma hipótese concreta
que se pretende verificar.308309
A aplicação da probabilidade bayesiana como “métodos de cálculo” no pro­
cesso também é criticável por não considerar que, concretamente, é impossível
realizar um computo absolutamente com pleto de inform ações, conhecido o
conjunto completo de todas as possibilidades. Além disso, na grande maioria dos
casos não há critérios “objetivos” de quantificação das premissas do cálculo (prior
probabilities), devendo o juiz estimar de modo subjetivo o valor a ser atribuído aos
dados inseridos no cálculo.3®
No processo judicial, não se busca saber, em abstrato, a probabilidade de
ocorrência de um evento, de acordo com o número de eventos semelhantes já

306. COHEN, L. Jonathan. The probable and thc provable. Oxford: Clarendon Press, 1977,
p. 75.
307. Ibidem, p. 75. Para Schauer (Di ogni erba um fastio..., cit., p. 8 7 -8 8 ), tal distorção
decorre do faLo de o direito utilizar a ideia do "tudo ou nada”.
308. MARQUEIS. Probabilità e prova..., cit., p. 1L23.
309. Nesse sentido: UBERT1S, Giulio. Falto, prova e veritã (alia luce dei principio dell’olire
ogni ragionevole dubbio). Argomenti di procedura pcnale. Milano: Giuffrè, 2011. v. 111.
p. 180-181; MAZZA, 11 ragionevole dubbio nella teoria delia decisione..., cit., p. 360.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 219

ocorridos no passado. O que o juiz precisa, na sentença, é de um método de valo-


ração das provas produzidas que lhe permita verificar a efetiva ocorrência de um
determinado fato, único e irrepetível.
Some-se a isso que, no processo penal, o standard de prova aplicável é muito
mais elevado do que a mera preponderancia, exigindo frequências de base muito
altas para que a probabilidade estatística pudesse ter algum valor.
Ainda assim, o tema da probabilidade quantitativa ganhou grande destaque
num caso criminal, em que se apresentou como prova, para os jurados, um wiíness
testemony baseado em probabilidade estatística. Trata-se do famoso caso Peoplc
v. Colííns,3l0em que a probabilidade estatística foi efetivamente empregada e, num
primeiro momento, levou à condenação dos acusados, gerando grande controvérsia
doutrinária.311 O caso Collins pode ser assim resumido: uma senhora idosa cami­
nhava para casa em uma estrada de Los Angeles, quando foi roubada e derrubada
ao solo. A vítima declarou que somente conseguiu ver uma mulher loira fugindo;
uma testemunha afirmou ter visto uma jovem branca, com cabelos loiros e “rabo
de cavalo” correr, e depois deixar o local em um automóvel amarelo, guiado por um
jovem negro com barba e bigode. Poucos dias depois, um policial que investigava
o caso prendeu um casal com estas características. Durante o processo, a acusação
valeu-se de um perito em estatística na tentativa de demonstrar que, partindo das
premissas de que o roubo foi cometido por uma mulher branca com cabelos loiros
e “rabo de cavalo” que tinha deixado o local em um veículo amarelo guiado por um
negro com barba e bigode, havia uma probabilidade altíssima de que os acusados
fossem culpados, por possuírem aquelas características incomuns. Individua­
lizadas as características relevantes e multiplicando-se o valor de cada uma das
possibilidades,312 obteve-se o resultado de uma possibilidade em doze milhões de

310. People v. Collins, 4 3 8 R 2d, 1068, p. 33.


3 1 L. O caso Collins suscitou um amplo debate na doutrina norte-americana. Para uma
leitura mais completa, cf.; F1NKELSTE1N, Michael O.; GAIRE, William B. A Bayesian
approach to identification evidence. Harvard Law Review, v. 83, jan. 1970. p. 4 9 0 -4 9 6 ;
FINKELSTEIN, Michael O.; GAIRE, William B. A comment on ‘trial by mathematics’.
Harvard Law Review, v. 84. jun. 1971. p. 1081 e ss.; TRIBE, Laurence H. Trial by ma­
thematics: precision and ritual in the legal process. Harvard Law Review, v. 84, 1971.
p. 1368 e ss.; HAACK, Susan. El probabilismo jurídico: una dimensión epistemológica.
In: VÁZQUEZ, Carmen (Ed.). Estándares de prueba y prueba científica. Ensayos de epis­
temología jurídica, Madrid: Marcial Pons. 2013. p. 89-94. O tema também foi objeto
de análise em outros países: MARQUEIS. Probabililà e prova..., cit., p. 1150-1151. Na
doutrina brasileira: MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito á prova no processo penal. ..
cit., p. 49-50; BADARÓ, Ônus da prova no processo penal..., cit., p. 42 -4 3 .
312. Havendo eventos independentes entre si, a probabilidade do acontecimento conju­
gado desses eventos é igual ao produto das probabilidades individuais de que ocorra
cada um dos eventos.
220 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

que um casal escolhido aleatoriamente tivesse tais características. Com base em


tais argumentos, o júri condenou o casal.313
A Suprema Corte da California, contudo, reformou a decisão porque, além
de questionar aspectos técnicos dos cálculos probabilísimos empregados, também
entendeu que, quanto ao mérito da condenação, a utilização da estatística tinha
desviado’ o jú ri de sua verdadeira função, que é valorar a prova. Assim, não se
analisou se a dupla que foi declarada culpada possuía efetivamente as características
expostas pelas testemunhas, ou ainda se havia possibilidade de existir na região de
Los Angeles outra dupla com as mesmas características.314
Como facilmente se percebe, a probabilidade estatística despreza os elemen­
tos concretos do caso e, principalmente, as provas produzidas. Sua preocupação
não é verificar a possibilidade da ocorrência de um determinado fato concreto
(que o casal preso tenha efetivamente roubado a senhora), mas a probabilidade
abstrata da repetição de uma hipótese (um casal formado por uma jovem loira com
"rabo de cavalo” e um negro de barba e bigode que dirige um carro amarelo), em um
determinado conjunto (os casais da região de Los Angeles que possuem carros).
Através da probabilidade quantitativa, determina-se a frequência com que um tipo
de fenômeno se verifica no total de uma classe mais geral, mas não se estabelece a
probabilidade de ocorrência de uma hipótese concreta que se pretende verificar.315
Pode-se concluir, portanto, que a teoriabayesiana do cálculo de probabilidade
não fornece uma racionalização eficiente para servir como modelo adequado de
valoração da prova, para avaliar se os elementos produzidos no processo confirmam
ou não a hipótese concreta sobre o fato.316
Para Taruffo, trata-se de teoria contraproducente e perigosa no campo probató­
rio, implicando elevados riscos de erro.317 Esse risco é ainda mais relevante no caso
penal, em que o standard de prova é elevado e, se não for atingido, na dúvida deve ser
aplicado o in dublo pro reo. Tudo isso pode ser facilmente eliminado pela aplicação da
probabilidade estatística, levando à condenação do acusado mesmo quando haja a
possibilidade de inocência, ainda que esta seja pequena em termos probabilísticos.318

313. Finkelscein e William B. Fairley (A Bayesian approach to identification evidente...,


p. 489-490).
314. Nesse sentido: MARQUEIS, Probabilità c prova..., c it., p. 1 1 5 1 ; e MAGALHÃES
GOMES FILHO, Direito à prova no processo penal..., cit., p. 49-50.
315. MARQUEIS, Probabilitã e prova..., cit., p. 1123.
316. Como bem lembra Oliviero Mazza (II ragionevole dubbio nella teoria delia decisione.
Criminaba, 2012. p. 359) “em alguns casos, mesmo que pudesse diminuir os erros de
julgamento, não atenderia à necessidade de justiça do caso concreto’, que exige que se
vincule a decisão com as provas concretamente disponíveis”.
317. TARUFFO, La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 181.
318. Magalhães Gomes Filho (Direito á prova no processo penal..., cit., p. 5 0 ) lembra a
conclusão de Tribe de que há “algo de basicamente imoral em punir alguém assumindo
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 221

Ressalte-se, por fim, que não se deve confundir a inadequação do emprego


da probabilidade quantitativa, como modelo de valoração das provas, com a
utilização da estatística enquanto fundamento para utilização de um determi­
nado meio de prova. Por exemplo, os exames de DN A, ou mesmo a identificação
datiloscópica, se valem do emprego da probabilidade estatística. Outro campo
em que tem sido largamente utilizada a prova estatística é na análise de dados
epidemiológicos, para estabelecer a relação de causalidade, considerando cate­
gorias gerais de eventos.319

3 .5 .3 .2 . A p r o b a b ilid a d e subjetiva

A probabilidade subjetiva não é uma probabilidade de eventos, mas de propo­


sições. De urna forma geral, a probabilidade subjetiva mede o nosso conhecimento
sobre o mundo, sendo uma noção epistemológica de probabilidade, que gradua
as possibilidades de urna determinada proposição ser verdadeira.320 Indica o grau
de crença pessoal de um juízo de fato racional sobre a ocorrência de um aconteci­
mento incerto.321 Ela pressupõe a estimativa, por tal indivíduo, da probabilidade
inicial ou a priori, associada a uma determinada alegação de fato, e permite a sua
reavaliação, consoante uma informação adicional sobre a medida da incerteza de
verificação desse fato.
A probabilidade subjetiva busca estabelecer que “grau de crença”322 é racio­
nal ter em uma hipótese, dado um elemento de julgamento, se antes de conhecer
esse elemento de julgamento, tínhamos um grau de crença x na hipótese, dadas

o risco de que existe uma possibilidade em vinte (em cem, mil, ou mais) de que essa
pessoa é inocente; qualquer que seja sua medida, a dúvida deve favorecer o acusado".
Além disso, Tribe (Trial by mathematics .... cit., p. 1375-L 376) refere-se, também à
“dehumanization of Justice” provocada pelo emprego da estatística na valoração da
prova. Porém, como observa Taruffo (La prova deifatti giuridici..., cit., p. 199), negar
que o modelo do cálculo de probabilidade estatística represente o esquema lógico de
valoração da prova não significa negar que, em certos casos e de acordo com as condi­
ções dadas, a probabilidade estatística possa ser utilizada para o acertamento do fato,
lendo em conta o grau de confirmação dos elementos de prova obtidos sobre a hipótese.
319. Nesse sentido: FROSINI. Benito V. Lc prove statistichc nel processo civile e ncl processo
penale. Milano: Giuffrè, 2002. p. 146; BLAIOTTA, Rocco. Causalità giuriclica. Torino:
G. Giappichelli, 2010. p. 336.
320. FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba..., cit.. p. 94.
321. Nesse sentido: FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba..., cit.. p. 95;
GASCÓN ABELLÁN, Sobre la posibilidad de formular estándares de prueba..., cit.,
p. 132, nota 5.
322. Para Richard Eggleslon (Prova, conclusione probatória e probabilitá. Trad. Donata Ro-
mizi, Milano: Giuffrè, 2004. p. 13), a probabilidade subjetiva é o tipo de probabilidade
utilizada pelos juristas, embora prefira fala em “grau de verossimilhança” ou “grau de
persuasão”, em vez de “grau de crença”.
222 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA H PROVA PENAL

as probabilidades inversas de que esteja presente o elemento de julgamento se a


hipótese for verdadeira ese não for.323
A utilidade da aplicação de tal modelo no processo penal reside-segundo os
bayesianistas - em que a probabilidade subjetiva permite combinar a informação
estatísticas sobre um certo evento (expressa mediante unta likelihood ratio), com
uma informação estatística inicial (a prior probability), sendo o resultado de tal
combinação a probabilidade a posteriore (posterior probability), que expressa a
valoração final da prova.324
O primeiro grande problema da utilização da probabilidade subjetiva bayesia-
na, como método racional de valoração da prova no processo, é que ela pressupõe
uma crença inicial que deverá ser simplesmente escolhida pelo juiz. Com isso. dois
juízes aplicando o mesmo método de valoração, sobre o mesmo conjunto de provas,
podem facilmente chegar a resultados diversos, posto que há grande liberdade na
escolha da medida da crença inicial na hipótese.
Além disso, do ponto de vista probabilístico, se o valor atribuído à prior pro­
bability for muito baixo, também será muito baixo o resultado da valoração final,
independentemente de a probabilidade indicada pelo novo elemento probatório
ser muito alta, o que resulta contraintuitivo e contrário ao modo e atuação dos
tribunais.325
Além disso, a probabilidade subjetiva, baseada em cálculos bayesianos, se vale
de um cálculo relativamente simples no caso haver somente uma provaque tenha
por objeto o próprio thema probandum. Mas a complexidade do cálculo aumenta
muitíssimo quando se busca resolver situações complexas, mas que são as mais
usuais nos tribunais, com quando há e pl uralidade de elementos de prova sobre um
mesmo falo, ou há utilização de provas mediatas, que exigem inferências sobre
inferências, ou é necessário provar um fato complexo.326

323. Ferrer Beltrán (La valoración racional de la prueba..., cii., p. 110) explica que a pro­
babilidade subjetiva utiliza o esquema da probabilidade inversa, que também se vale do
teorema de Bayes, tendo a seguinte fórmula: P(H/E) = P(E/H) x P (H) / PE/->H), que se
lê: a probabilidade condicional de que seja verdadeira a hipótese H dado o elemento de
prova E é igual à probabilidade de que se dê E se é verdadeira H multiplicado pela proba­
bilidade de H (sem levar em conta E), dividido pela probabilidade de que se dê E se não
for verdadeiro H. O referido cálculo permite medir o impacto do elemento de prova E na
probabilidade de H. Quer dizer, a passagem da probabilidade de H, antes de considerar
o novo elemento de prova E (que é a príor probability de H), para a probabilidade condi­
cional de que H seja verdadeira, dado que se conhece o elemento E (Ibidem, p. 109) Um
explicação detalhada sobre tal formula probabilística pode ser encontrada, também, em
GASCÓN ABELLÁN, La valoracióndela prueba..., cit., p.393-394.
324. GASCÓN ABELLÁN, La valoracióndela prueba..., cit., p. 394.
325. GASCÓN ABELLÁN, La valoracióndeIa prueba..., cit., p.394.
326. GASCÓN ABELLÁN, La valoracióndeIa prueba..., cit., p. 394.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 223

Como utiliza valores matemáticos,327 a probabilidade subjetiva também leva a


resultados insatisfatórios no caso de conjunção de hipóteses independentes, em razão
da necessidade de multiplicação da probabilidade de cada uma das hipóteses, o
que gera sempre um resultado inferior à probabilidade isolada de cada uma delas.
Com isso, é pralicamente impossível, no processo penal, atingir o standard de prova
beyond any reasonable doubt.3283290
Outro problema é que a probabilidade subjetiva deve obedecer ao princípio
da complementariedade, segundo o qual “a probabilidade de p e a probabilidade
de não-p devem somar 1”.JW Todavia, no processo judicial, é possível que a prova
indique que tanto a hipótese acusatoria, quanto a hipótese defensiva, não contam
com provas suficientes de corroboração. Por exemplo, a imputação é de homicídio,
tendo o acusado atirado na vítima de inopino; a defesa, por sua vez, afirma que
o acusado não foi o autor dos disparos; enquanto a prova dos autos indica como
razoável a hipótese de ter o acusado efetuado os disparos em legítima defesa.530
Por fim, mas não menos relevante, a aplicação da probabilidade subjetiva
enfrenta sérios obstáculos no processo penal, perante a garantia da presunção de
inocência e seus reflexos probatórios. Não havendo elementos iniciais de julga­
mento, a teoria da probabilidade assinala que se deve adotar uma posição neutra, de
0,5, entre a hipótese e sua negação. Essa posição, contudo, poderia ser questionada
perante a presunção de inocência.331
Não se trata da questão da regra de julgamento, identificada com o in dubio
pro reo , pois esta somente deve ser aplicada ao final do processo, em caso de dúvida
sobre fato penalmente relevante. A questão também não é relativa ao reflexo da
presunção de inocência sobre o standard de prova, que no processo penal deve ser

327. Eggleston (Prova, conclusione probatória e probabilità..., c it., p. 3 5 ) reconhece que,


no mundo real, muitas vezes não se dispõe de valores numéricos de probabilidade
para estabelecer as crenças iniciais, e, no procedimento judicial, em especial, não há
esse standard numérico para medir ou valorar a probabilidade. Ressalta, contudo, que
'“em muitos casos, o teorema de Bayes permite raciocinar sobre a prova mesmo se não
estivermos em condições de atribuir valores numéricos à probabilidade envolvida”. Ou
seja, propõe uma teoria subjetiva da probabilidade não matemática.
328. Nesse sentido: FERRER BELTRÁN. La valoración racional de Ia p ru e b a ..., c it.,
p. 115-116.
329. Nesse sentido: FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba..., cit., p. 1 18.
330. Evidente que. nesse caso, não tendo sido atingido o standard de prova exigido para
a hipótese acusatória ser considerada provada, por força do in dubio pro reo, a sentença
deverá ser absolutória.
331. A crítica c formulada, uma vez mais, por FERRER BELTRÁN, La valoración racional
de la prueba..., cit., p. 118-119. No mesmo sentido: GASCÓN ABELLÁN, La valoración de
la prueba..., cit., p. 396. Também para Tribe (Trial by mathematics..., cit., p. 1368), no
processo penal, o enfoque bayesiano pode fomentar uma "presunção de culpabilidade”.
224 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

bastante elevado, pois esse somente opera ao final do processo de valoração da


prova. O que se afirma é que a presunção de inocência assegura um status a todo
e qualquer cidadão: ser considerado inocente até a prova plena de sua culpa. Se
assim o é, a igualdade de chances iniciais colide com essa garantia, na medida em
que o acusado não está sendo tratado como inocente, mas indistintamente como
inocente ou culpado.
Toda essa dificuldade da aplicação da probabilidade subjetiva ao processo
penal decore do fato de que tal espécie de probabilidade não se presta a justificar
qual a melhor proposição diante de um dado conjunto de elementos de julgamen­
to. Como bem conclui Gascón Abellán, “o uso do Teorema de Bayes produz uma
sob revalorização da probabilidade inicial e uma subvalorização do peso que tem
as novas provas no cálculo probabilidade final”, o que a torna inadequada para ser
o modelo de valoração da prova no âmbito processual.332
Evidente que o erro não está na probabilidade subjetiva em si, mas na tentativa
de seu transporte para o campo probatório. A finalidade da probabilidade subjetiva
é outra: visa apenas demonstrar a racionalidade da mudança de crença, dado um
determinado elemento novo, que não fora considerado anteriormente.333Ela apenas
ensina extrair conclusões coerentes a respeito do juízo a priori (da crença inicial)
qualquer que seja ela.334 Vias, no contexto processual, a conclusão sobre haver um
conhecimento verdadeiro e justificado de um enunciado não deve depender da
crença inicial do julgador em tal proposição, mas sim da aceitabilidade do enun­
ciado, com base nos elementos de julgamento disponíveis e de se ter atingido o
standard de prova aplicável ao caso.
Todas essas impropriedades fazem com que a probabilidade subjetiva não seja
a melhor opção para ser o método adequado de raciocínio judicial na valoração
da prova penal.

3.5.3.3. A probabilidade indutiva ou lógica


A probabilidade indutiva ou lógica, de tipo baconiano, isto é, não matemática,
nos moldes expostos por Jonathan Cohén,335 é método defendido pela maioria dos

332. La valoración de la prueba..., cit., p. 394.


333. Nesse sentido: TRIBE, Trial by mathematics .... cit., p. 1348; FERRER BELTRÂN.
La valoración racional de la prueba.... cit., 111.
334. Como explicam FINETT1, Bruno De; SAVAGE. L. J. Sul modo di scegliere le pro-
babilità iniziali. Sui fondamenti delia statistica. Roma: Biblioteca dei Metron: Universilà
degli studi di Roma, 1962. p. 88. apud FERRER BELTRÁN. La valoración racional de
la prueba..., cit., p. 112): “a rigor, a teoria subjetivista [...] ensina somente a extrair
conclusões coerentes a respeito dos juízos iniciais, qualquer que seja este (por isso,
sequer tem sentido perguntar se estes são em si mesmos mais ou menos sensato' ou.
ainda pior, ‘corretos ou equivocados’)”.
333. COHEN, The probable and the provable......cit., p. 5 8 s s ..8 7 ss. 93 ss, 166 ss.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 225

juristas como sendo o adequado para um modelo racional de valoração da prova


no processo.336
A probabilidade indutiva, em regra, parle de premissas gerais da noção de
probabilidade: (i) a probabilidade é constituída de números que vão de zero (im ­
possibilidade) a um (certeza); (ii) se há dois eventos que não podem acontecer no
mesmo momento, a soma das probabilidades separada de cada um deles será igual
a um; (iii) se dois eventos podem ocorrer no mesmo momento, a probabilidade de
seus acontecimentos contemporâneos é dada pela multiplicação da probabilidade
dos dois eventos separados.337
Por outro lado, no caso da probabilidade indutiva ou lógica, considerada
por Cohén como sendo de tipo “baconiana”, não se aplica o princípio da com-
plementariedade,338 fazendo com que a soma de todas as probabilidades não seja
necessariamente um, bem como não se aplica a regra da multiplicação no caso de
eventos independentes, válida para a probabilidade de tipo pascalino. No racio­
cínio baconiano, de tipo indutivo, uma conjugação de eventos tem sempre uma
probabilidade tão elevada quanto aquela menos provável dos outros conjuntos.
A probabilidade indutiva do tipo “baconiana” é determinada através da apli­
cação do method o f elim inaiive reasoning. A probabilidade indutiva não tem por
fundamento a frequência de ocorrência de um evento, em uma classe mais geral,
mas sim os elementos de provas que dão sustentação às diversas inferências.33'1
Com isso, a probabilidade indutiva de tipo baconiano elimina a principal crítica
formulada contra o emprego da probabilidade bayesiana como método de valoração
da prova, no contexto processual. A prova constitui a base do raciocínio judicial e
determina o tipo de conclusão que se pode validamente extrair.340 Com base nos
elementos de prova disponíveis, o magistrado deve valorar o grau de fundamen­
to, isto é, de suporte que o meio de prova dá para uma hipótese sobre um evento
particular, irrepetível e desconhecido.341

336. Nesse sentido: FERRER BELTRÁN, La valoraciòn racional de la prueba..., cil., p. 97,
nota 67; TARUFFO, II libero convincimento dei giudice..., cit.. p. 3; idem. Processo civil
comparado: ensaios..., cit., p. 4 8 ; STELLA, Oltre ¡1 ragionevole dubbio..., cit., p. 101;
MAZZA, II ragionevole dubbio nella teoria delia decisione..., cil., p. 359-360; GASCÓN
ABELLÁN, La valoración de la prueba..., cit., p. 397-402.
337. MARQUEIS, Probabilità c prova..., cit., p. 1 125.
338. FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba.... cit., p. 122.
339. Hetnpel (Filosofia da ciência natural..., cit., p. 8 3) já afirmava que o conceito de pro­
babilidade estatística "deve ser cuidadosamente distinguido do conceito de probabilidade
lógica ou indutiva” entendida como "uma relação lógica dentre enunciados precisos”.
340. TARUFFO, La prova dei fatli giuridici..., cit., p. 2 0 1.
341. IACOV1ELLO, La motivazione delia sentenza penale e il suo conirollo in cassazione...,
cit., p. 121.
226 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

O fato de a probabilidade indutiva de tipo baconiano não admitir cálculos


matemáticos, nao implica que nào se possa graduar ou comparar o nivel de suporte
indutivo com que conta cada hipótese e, como explica Ferrer Beltrán. '‘o grau de
corroboraçào ou de suporte indutivo das distintas hipóteses em conflito pode ser
comparado, o que permite fazer uma ordenação das hipóteses, embora não se possa
quantificar numericamente a probabilidade de cada uma delas”.342
A probabilidade para Cohén coincide com o grau de solidez de uma inferência,
consistente na passagem do fato A ao fato B que, por sua vez, depende da solidez da
regra geral que fundamenta tal inferencia.343 Para se determinar o grau de suporte
indutivo da regra geral é necessário realizar uma série de induções eliminativas,
por meio das quais se verifica a capacidade de resistência daquela regra geral à
interferência de outros fatores que poderiam conduzira resultados diversos.344 A
força da inferência vai aumentando à medida que a hipótese vai superando con­
troles probatórios elaborados para falseá-la, o que aumenta a sua probabilidade.345346
Por outro lado, no caso de elementos probatórios convergentes, no sentido de
confirmação de uma mesma hipótese, isso aumenta a probabilidade de tal hipó­
tese. Podendo acontecer que, diante do acúmulo de provas convergentes, embora
cada uma delas seja, por si só, insuficiente para considerar o fato como provado,
em conjunto, representem um suporte bastante para o atingimento do grau de
probabilidade exigido, de acordo com o standard de prova aplicado ao caso, para
o acertamento do fato.34h
A probabilidade indutiva de uma hipótese depende do apoio ou suporte que
lhe prestam as provas com as quais está ligada por uma regra causai, sendo medida
nâo em termos frequentistas, mas em "graus de confirmação” ou de apoio indutivo
de uma hipótese relativamente a uma informação (no caso, de um elemento de
prova).347A hipótese será aceita como verdadeira, se for confirmada por uma prova
com a qual tenha um nexo causai ou lógico, fazendo com que a existência de tal
prova constitua uma razão para aceitar tal hipótese. Como explica Taruffo, “quanto
mais seguro e preciso for o tipo de conexão entre a hipótese e as provas, maior
será o grau de confirmação (ou dc probabilidade) da hipótese que, ao contrário,

342. FERRER BELTRÂN. La valoración racional de la p ru eb a .... p. 122. Idem, Prolegó­


menos para una teoría sobre los estándares de prueba..., p. 403.
343. MARQUEIS, Probabilitá e prova .... cit., p. 1 1 2 5 -1 126.
344. Para lacoviello (I criteri di valutazione del la p ro v a..., cit.. p. 4 0 7 ) o momento da
falsificação da hipótese, isto é, da tentativa de sua refutação é a "linfa vital” do atual
direito probatório”.
345. FERRER BELTRÁN, La valoración racional dc la prueba. .. cit.. p. 123.
346. TARUFFO, II libero convincimento del giudice..., cit., p. 3.
347. GASCÓN ABELLÁN. Marina. La prueba judicial: valoración racional y motivación,
España: Universidad de Castilla la Mancha, [s.d.]. p. 11.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 227

somente obterá confirmações ‘débeis’, quando as conexões forem genéricas, vagas


e tenham um fundamento cognitivo incerto.”348
Por outro lado, no caso de provas contrastantes, os problemas serão da valo-
ração comparativa entre as provas que apoiam uma determinada afirmação fáticae
as provas que apoiam outra asserção fática diversa, em confronto com a primeira.
Nesse caso, o problema será de uma valoração comparativa, devendo prevalecer
a hipótese fática que, complessivamente, tenha a maior probabilidade de ser ver­
dadeira.349 Todavia, no processo penal, tendo em vista a adoção de um elevado
standard de prova e pesando o ônus da prova sobre a acusação, se a hipótese que
apresentar um maior grau de probabilidade indutiva for a acusatória, mas houver
uma probabilidade, embora menor, de uma versão fática defensiva, essa prova de
refutação será suficiente para que a hipótese acusatória, embora mais provável,
não seja, ao final, considerada provada. A resolução do problema, contudo, não se
dará no contexto da valoração, por meio do resultado racionalmente aceitável em
termos de simples probabilidade indutiva, mas no atingimento ou não do standard
de prova necessário para a condenação, no contexto da decisão.
Em outras palavras, exige-se um suporte probatório menor da prova de um
fato defensivo, do que se exige para a prova que dá suporte ao fato imputado pela
acusação. Embora no modelo cognitivo a verdade seja obtida através de provas
e desmentidos,350351a hipótese acusatoria deve ser confirmada por uma pluralidade
de provas ou dados probatórios, enquanto que “uma só contraprova, ou prova de
desmentido, seja suficiente para justificar uma convicção contrária”, isto, é pela
absolvição.331

3.5.4. A inferência probatória


Como exposto, o raciocínio probatório deve se desenvolver com vista ao
atingimento de um conhecimento graduado em termos probabilístico, mas não a
partir de um conceito de probabilidade frequentista ou mesmo da probabilidade
subjetiva, ambos estabelecidos matematicamente a partir de quantificadores ex­
pressos numericamente.
O raciocínio probatório indicará, como conclusão, qual enunciado fático
que, com base numa probabilidade lógica ou indutiva, é o mais provável, em com­
paração com outros enunciados que com ele disputem a prevalência. Para tanto,
prevalecerá a hipótese fática que resista aos testes visando falseá-la, pois apresenta

348. La prova dei Jatti giuridici..., cit., p. 247.


349. La prova dei Jatti giuridici..., cit., p. 3.
350. MAGALHÃES GOMES FILHO, Direito á prova no processo penal.... cit.. p. 55.
351. FERRAJOL1, Diritto e ragionc..., cit., p. 130. No mesmo sentido: IACOV1ELLO, I
criteri di valutazione delia prova..., p. 407.
228 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

maior capacidade de resistência maior, vez que está fundada em uma regra geral
de maior solidez.
Resta definir qual o modelo de inferência adequado para um melhorcontrole
da racionalidade da decisão sobre o juízo de fato no processo penal. Para tanto,
serão analisadas duas propostas: (i) a inferência probatória baseada no modelo
argumentativo de Toulmin; (ii) a “inferência para a melhor explicação”.

3.5.4.1. A inferência probatória a partir do esquema de argumentação


de Toulmin
Stephen Toulmin considerava que o estudo tradicional dos argumentos, de um
ponto de vista puramente formal, somente se presta a explicar os argumentos em
determinados setores da matemática. Embora sem negar a importância da lógica
tradicional, ela não seria suficiente para julgar a força e as debilidades dos argu­
mentos não analíticos.352354Diante disso, procurou uma lógica operativa, a partir de
um enfoque procedimental e dialético, e que se baseava no modelo dos argumentos
jurídicos: Logic (we may say) is generalized jurisprudente.
Toulmin trabalha com as noções fundamentais de proponente e oponente,
numa estrutura dialética, em que o raciocínio se desenvolve a partir de interações
nas quais se apresentam pretensões (clains), razões (grounds), garantias (warrants)
e apoio (backings). A partir desses quatro elementos fundamentais, formula o seu
layout da argumentação. Além disso, são acrescidos os quali ficadores modais (qua­
lifiers) e as condições de refutação (rebuUals).35'*Alógica, nesse modelo, determina
as regras segundo as quais se fundamentam e rebatem asserções.355356
Analisando os argumentos utilizados em vários campos, como na física, no
direito e na ética, Toulmin conclui que eles têm a mesma estrutura. Sumariamente,
o esquema argumentativo pode ser assim exposto, reproduzindo o próprio exemplo
dado pelo autor. Alguém formula uma asserção, com a pretensão (claim ) de que seja
aceitas.35'’ P. ex.: “Harry é um cidadão britânico". Essa pretensão é também chamada

352. TOULMIN, Stephen E. The uses of argument. Update Edition. Nova York: Cambridg
Press, 2003. p. 173. O próprio Toulmin afirmou que, para ele, a questão central é saber
até que ponto a lógica pode esperar ser uma ciência formal e, ainda assim, conservar
a possibilidade de ser aplicada na avaliação crítica de argumentos que efetivamente
usamos (op. cit., p. 3)
353. TOULMIN, The uses of argument..., ciu, p. 7.
354. TOULMIN, The uses of argument..., cit.. p. 93 -9 4 . Para uma descrição simplificado
do modelo argumentativo de Toulmin, cf.: ATIENZA, Razonamiento Jurídico..., cit.,
p. 215-216; ALEXY. Roben. Teoría de la argumentación jurídica. La teoria dei discurso
racional como teoria de Ia fundamentación jurídica. Trad. Manuel Atienza. Madrid:
Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2008, p. 94-103.
355. ALEXY, Teoria de la argumentación jurídica..., cit., p. 95.
356. TOULMIN, The uses of argument..., cit., p. 1 1 e 97.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 229

conclusão. Se essa pretensão for posta em dúvida pelo oponente, o proponente tem
que fundamentar a sua pretensão. Para o fazer, deverá aduzir fatos como razões (data
ougw und) de sua pretensão. Assim, a asserção de que “Harryé um cidadão britânico ’
(C = claim ou conclusión), poderá ser justificada acrescentando como razão de tal
afirmativa o fato de que “Harry nasceu nas Bermudas” (D = data). Se o oponente não
aceitar tal argumento, poderá o atacar de dois modos: Pode questionar a verdade dos
dado (data) apresentado como razão da pretensão; ou poderá questionar a relação
de tal fato com a pretensão, isto é, questionar se tal dado D é adequado para funda­
mentar a conclusão ou pretensão C. Nesse segundo caso, o proponente não poderá
continuar seu raciocínio, aduzindo um novo fato, mas deverá justificar o passo (step)
que lhe permitir ir de D para C. Para tanto, é necessário se valer de um novo elemento
lógico: uma regra de inferência (m/erence-íicence).357Toulmin denomina essas regras
de “garantia” (warrants), que têm a seguinte forma: “Dados como D nos autorizam
a extrair conclusões ou a realizar pretensões como C”.358 Voltando ao exemplo, a
regra de inferência ou a “garantia” do argumento seria: “Quem nasce das Bermudas
é cidadão britânico”. Essa garantia pode ser aceita, o que normalmente ocorre quan­
do a regra de inferência é conhecida ou forte. Porém, é possível que também essa
regra de inferência seja posta em dúvida pelo oponente. Será necessário, então, que
o proponente ofereça um “apoio” (backíng, representado pela letra B).359 No nosso
exemplo, o fundamento é suficiente forte, porque decorre de uma lei que assegura a
quem nasce no território britânico a cidadania britânica.
Assim, esquematicamente, segundo a construção de Toulmin, a forma mais
simplificada da estrutura do argumento é a seguinte:

D -------- 1------ *»C

B
Esse é, porém, um modelo simplificado, a ser utilizado para que se tenha um
argumento válido ou correto.360 Porém, quando se pretende analisar a “força” de
um argumento, Toulmin acrescenta dois outros conceitos fundamentais: o deno­
minado “qualificador modal” (modal qualifier = Q) e a “condição de refutação”
(condition o f rebutall = R).361
O qualificador fixa a modalidade de relação com que a conclusão C pode ser
afirmada com base no fato D e na garantia W. A conclusão pode ser afirmada com

357. TOULMIN, The uses of argument..., cit., p. 98.


358. TOULMIN, The uses o f argument..., cit., p. 98.
359. TOULMIN, The uses of argument..., cit.. p. 103.
360. ATIENZA. Razonamiento jurídico..., cit., p. 216.
361. TOULMIN, The uses of argument..., cit., p. 9 3 -9 4 . No mesmo sentido: ATIENZA.
Razonamiento Jurídico..., cit., p. 216.
230 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

um maior ou menor grau de segurança. Enquanto que na matemática ou na lógica


dedutiva as conclusões são necessárias, na vida ordinária isso dificilmente ocorre e
temosapenas conclusões mais “fracas”, que são expressas por qualificadores modais
como: ‘presumivelmente”, “com muita probabilidade”, “plausivelmente” etc.362
Por outro lado, a condição de refutação indica quando a garantia W não
permite a passagem do fato D para a conclusão C.363 Ou seja, embora essa não seja
uma conclusão absoluta, mas apenas aceitável no grau indicado pelo qualificador
modal (p. ex.: plausivelmente), ainda assim, podem existir determinadas condições
extraordinárias ou excepcionais em que a conclusão C não se aplica.364 Essas con­
dições se denominam “condições de refutação” e eliminam a força do argumento,
sendo expressas em termos como: “salvo se”, “exceto”, “desde que não ocorra” etc.
Os qualificadores modais (Q) e as condições de refutação (R) são diferentes
das garantias (W ), já que fornecem atributos à garantia e ao passo entre os dados
(D) e a conclusão (C). Os qualificadores indicam a força conferida pela garantia
para esse passo, enquanto que as condições de refutação indicam as circunstâncias
nas quais resta afastada aautoridade geral da garantia.365367A estrutura mais complexa
do argumento é a seguinte:
D ------- 1--------► assim, Q, C
.I I
já que a menos que
W R

por conta de
B 3«6

Há uma importância fundamental dos qualificadores modais do esquema


argumentativo de Toulmin, em termos de sua adaptabilidade para a inferência pro­
batória: possibilitar a flexibilização do caráter absoluto da conclusão, o que é fun­
damental quando se trabalha com raciocínio inferencial. O “todo” do lógico denota
expectativas inadequadas que, na prática, estão condenadas ao desapontamento.
Mesmo as garantias mais gerais estão sujeitas, ainda que em situações incomuns,
a sofrer exceções, de modo que só podem autorizar conclusões probabilísticas.i!'‘

362. ATIENZA, Razonamiento jurídico..., cil., p. 216. Nesse ponto, contudo, é de se des­
tacar que, no caso de aplicação do modelo argumentativo de Toulmin para a valoração
da prova em processo penal, essa função do qualificador modal será exercida pelos
standards de prova. Sobre o tema. cf.. infra, item 3.6.2.
363. TOULMIN, The uses of argument..., cit., p. 94.
364. ATIENZA, Razonamiento jurídico..., cit., p. 216.
365. TOULMIN, The uses of argument..., cit., p. 94.
366. TOULMIN, The uses of argument..., cit., p. 97.
367. TOULMIN, The uses of argument..., cit., p. 97.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 231

Transportando esses conceitos para o campo probatório,368 é praticamente


impossível que haja um único aspecto fático a ser esclarecido no processo. Normal­
mente, há vários pontos de fato a serem provados para caracterizar todo o perímetro
dos fatos imputados. Portanto, haverá uma série de argumentos probatórios que
se somarão, cada um tendo um thema probandum distinto, como, p. ex.: sobre a
ação delitiva, sobre o resultado, sobre o nexo causal, sobre a autoria delitiva. sobre
a qualificadora etc.
Por outro lado, muitas vezes, haverá inferências probatórias de segundo nível,
nos casos em que uma inferência probatória permita uma conclusão sobre um juízo
de fato que, por sua vez, será a base para uma outra inferência probatória. E o caso
típico da prova indiciaria. Por exemplo, uma asserção acusatória, de que “Antonio
matou Maria” (claim ) pode ser aceita pelo juiz como um conclusão correta desde
que o acusador apresente como razões (data ou grou nd) de sua pretensão elementos
de prova compatíveis com tal fato: "A perícia de exame de confronto balístico de­
monstrou que o revolver apreendido na casa de Antonio foi o mesmo que proferiu
o disparo que atingiu Maria” (D = data). A defesa poderá não aceitar tal argumento,
atacando-o. Pode questionar a verdade dos dados (data) apresentados como razão
da pretensão. Por exemplo, questionando que a arma submetida a perícia tenha
sido efetivamente encontrada na casa de Antonio. Nesse caso, coloca-se uma nova
questão fálica, que deverá ser submetida a uma outra atividade probatória. Surge
a pretensão C de que a arma periciada foi a arma efetivameme apreendida na casa
de Antonio. Deverão ser fornecidos novos dados, como, v.g., a documentação da
cadeia de custódia. Por outro lado, a defesa poderá questionar a relação de tal
dado inicial D (prova pericial), como apto a permitir o passo para a conclusão ou
pretensão C. de que Antonio atirou em Maria. Nesse segundo caso, o acusador não
poderá continuar seu raciocínio, aduzindo um novo fato, mas deverá justificar
o seu passo de D para C valendo-se de uma regra de inferência que valerá como
“garantia” (warrants), que têm a seguinte forma: “Dados como D nos autorizam
a extrair conclusões ou a realizar pretensões como C”.369 Voltando ao exemplo,
a regra de inferência ou a “garantia” do argumento seria: “Quando dois projeteis
apresentam as mesmas ranhuras deixas pelo cano da arma de foto é possível afirmar

368. Invocando o modelo de Toulmin. para o raciocínio probatório: FASSOXE. La valu -


tazione delia prova..., cit., p. 328-329. O próprio Toulmin, em obra posterior, aplica
o seu modelo argumentativo ao campo jurídico, no que denonina “Legal reasoning”:
TOULMIN, Stephen; RIEKE, Richard: JANtK, Allan. An introduction to reasoning. 2. ed.
Nova York, Macmillan Publishing Co., 1984. cap. 26. p. 281-313. Para os autores, os
processos existem, fundamentalmente, para tomar em consideração e valorar histórias
opostas, lendo o juiz ou o júri que determinar qual delas é “fato", isto é, qual versão da
história será considerada correta, para fins legais (op. cit., p. 284).
369. TOULMIN. The uses of argument.... cit., p. 98.
232 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

que ambos foram disparados pela mesma arma”. Essa garantia pode ser aceita, o que
normalmente ocorre quando a regra de inferência é conhecida ou forte, como nesse
caso. Porém, é possível que também essa regra de inferência seja posta em dúvida
pela defesa. Será necessário, então, que o acusador ou o próprio perito ofereça um
"apoio indicando os padrões e critérios científicos utilizados no exame pericial,
que permitem afirmar com determinada probabilidade (se conhecida a taxa de erro)
que o projétil examinado pelos testes em laboratório provem da mesma arma que
efetuou o disparo do projétil que foi encontrado no corpo da vítima.
Essa, contudo, será apenas uma das inferências probatórias. Num caso con­
creto, muitas outras poderão ter que ser feitas, para cada segmento da alegação de
fato que integre a imputação. Também poderá ser necessário realizar inferências
probatórias de fatos alegados pelo acusado, como ter agido em legítima defesa, em
que será necessário verificar se havia uma agressão, se tal ato agressivo era atual
ou iminente, qual o meio utilizado na reação, se havia outros meios à disposição
do acusado, como o meio foi utilizado etc.
Em suma, a inferência probatória a ser realizada no processo judicial deve
seguir o modelo de argumentação de Toulmin, adaptado para a atividade probatória.

3.5.4.2. A inferência para a melhor explicação


Outro modelo inferencial aplicável ao campo probatório, que tem sido elabo­
rado nas últimas décadas, tanto no campo científico, como no plano jurídico, é a
chamada “inferência para a melhor explicação” (lnferencetothe Best Explanation).370
Trata-se de um processo inferencial complexo, que consiste em elencar, entre
diferentes hipóteses explicativas em disputa, qual delas explica os fatos de melhor
modo. Não há um parâmetro único para definir como considerar uma hipótese “a
melhor”. O procedimento se baseia num raciocínio abdutivo que busca a hipótese
mais plausível.371 Uma hipótese poderá ser a melhor porser a mais plausível, por ser
a mais simples, ou porque tem “maior poder explicativo”, ou, ainda, a que abarca um
conjunto maior de fenômenos a serem explicados.372 Embora os critérios possam
variar, o que não muda é que a hipótese nunca é avaliada por si só ou isoladamente,
mas em relação a outras hipóteses concorrentes, naquele contexto.373

370. HARTMAN, Gilbert H. The inference to the best explanation. The Philosophical Review.
74. 1965. p. 88-95; L1PTPON, Peter. Inference to the best explanation. 2. ed. London &
New York: Routledge. 1991: JOSEPHSON. John R. On the proof dynamics of inference
to the best explanation. Cardoso Law Review, 22, 2001. p. 1621-1643.
371. FERRER BELTRAN, La prueba es libertad.... eil., p. 36. nota 21.
372. TLIZET, Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿abducción?..., cit., p. 142.
373. TUZET, Razonamiento probatorio: ¿deducción? ¿inducción? ¿ab d u cció n ?..., cit.,
p. 142.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 233

Ronald Alien e Michael Pardo sustentam que a melhor forma de explicar a


prova judicial consiste em utilizar “a inferencia para a melhor aplicação do principio
ao fim".374 Isto é, tanto num nivel micro, relativo à confiabilidade que se atribui a
cada um dos meios de prova individualmente considerados, quanto também em
nível macro, ou seja, da valoração global das provas para o julgamento final sobre
culpa ou inocência.
O esquema geral da inferência para a melhor explicação é o seguinte:1'5
e l , e 2 , ... en são os fato s proeminentes que elevem ser explicados,
h l, h 2 ,... hn cada uma explica c l, e 2 ,... cn.
explicações rivais para c l , e 2 , ... en foram minuciosamente buscadas, mas
a pesquisa somente produziu h l, h2......h3.
hi, é a m elhor explicação p ara o conjunto (hl, h 2 ,... hn).
Então, conclui-se que Iii éprovavelm ente verdadeira.
Um primeiro problema para a aplicação da inferência para a melhor explicação
no processo penal, como modelo explicativo do raciocínio judicial na valoração da
prova, é que ela se vale do raciocínio abdutivo, que implica a criação e escolha de
uma hipótese para submetê-la a testes. E, como já visto, quem formula a hipótese
se compromete psicologicamente com a hipótese a ser investigada. Por isso, quem
formula hipótese na fase processual não é o juiz, mas o acusador. Se o juiz, ainda
que como etapa do raciocínio probatório, formular hipóteses para a reconstrução
histórica dos fatos, comprometerá sua imparcialidade. Trata-se, sem dúvida, de
raciocínio muito útil e adequado para o investigador, mas inaplicável o ju iz.376
No âmbito processual, o que se busca é verificar quais das hipóteses alegadas
pelas partes explica melhor os fatos que realmente aconteceram, de acordo com
as provas produzidas. Não se trata, porém, de uma mera questão de escolhera hi­
pótese que se aprésenla como a mais provável, no sentido de maior probabilidade,

374. Judicial proof and the best explanation. Latv tmei Philosophy. 27. 2 0 0 8 . p. 230. No
mesmo sentido, na doutrina nacional: DALLAGNOL, Deltan Martinazzo. As lógicas das
provas no processo. Prova direta, indícios e presunções. Curitiba: Livraria do Advogado.
2015. p. 124.
375. LAUDAN, Larry. Strange bedfellows: interference to the best explanation and the
criminal standard of proof. International Journal of Evidence & Proof. v. 11, Issued, 2007.
p. 295-297.
376. Em profundo estudo sobre a abdução como modelo de raciocínio judicial, conclui
Besso Marcheis (Probabilità e prova.... cit., p. 1138) que o raciocínio abdutivo pode
ser proposto como um modelo útil de descrição de momentos diversos e anteriores
ao da valoração das provas e resulta, assim, de utilidade bastante limitada para os fins
de descrever o raciocínio judicial na valoração da prova. O referido ponto de vista é
acolhido, expressamente, por Andres Ibãnez (Sobre a motivação dos fatos na sentença
penal..., cit.. 87).
234 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

na medida em que mesmo hipóteses bastante improváveis podem ser as melhores


à luz dos elementos probatorios produzidos.
Do ponto de vista do raciocinio judicial, e sem corretivos que agreguem um
standard de prova elevado, a inferencia para a melhor explicação não pode ser
aceita no processo penal.
A “Inferencia para a Melhor Explicação” parte, claramente, de um juízo com­
parativo: a melhor explicação exige que baja pelo menos duas possíveis explicações
cm cogitação, com graus de plausibilidade distintos. Mais do que isso, “melhor” é
um adjetivo que qualifica algo como sendo superior a outro do mesmo gênero, com
o qual é comparado. Implicitamente, traz a ideia de bondade ou boa qualidade de
ambas explicações, sendo que uma é boa em nível superior ou mais alto. Ocorre
que, em muitas situações, a melhor explicação disponível para o caso, de acordo
com as provas existentes, será, ainda assim, uma má explicação. A solução, então,
não estará na adoção da “melhor” explicação, mas na “menos má” explicação. Ou
seja, no confronto entre duas explicações ruins, restará apenas não adotar a “pior”
explicação! Nesse caso, adotar a inferência para a melhor explicação seria aceitar,
como conclusão, que a causa fosse decidida de acordo com um standard probatório
muito rebaixado.377
O segundo problema, e que ocorre com mais frequência como resultado
das provas penais, surge quando as hipóteses em conflito, tanto a acusatória,
quanto a defensiva, são boas. Nesse caso, mesmo que a hipótese da acusação
seja a melhor, não seria correto aceitá-la como explicação para o juízo de fato.
na medida em que há também hipóteses plausíveis da defesa.37* Ainda que ela
seja a melhor explicação, ela não será a única explicação razoável. Haverá uma
outra hipótese corroborada por provas, ainda que não tão forte quanto a “me­
lhor”. É o que basta para a existência de dúvida sobre a imputação e, portanto,
a aplicação do in dubio pro reo. Nesse contexto, se for adotada a "inferência
para a melhor explicação”, a hipótese condenatoria teria que ser "escolhida” e,
portanto, considerados os fatos provados, o acusado seria condenado, em clara
violação à presunção de inocência.
Para Laudan, a inferencia para a melhor explicação é muito fraca, para funcio­
nar como standard probatorio para o processo penal, c muito forte, para o processo
civil.379 Não sendo o objetivo analisar a valoração da prova no processo civil, mas

377. FERRER BELTRÁN, La prueba es libertad..., cit., p. 36, nota 21.


378. Nesse sentido: FERRER BELTRÁN, La prueba es libertad.... cit., p. 36. nota 21.
379. LAUDAN, Strange bedfellows: interference to the best explanation and the criminal
standard of proof..., cit., p. 295. nota 9. E complementa: ‘Se alguém está desesperado
para encontrar um papel para a “Inferência para a Melhor Explicação”, ela pode capturar
o significado do standard de prova clara e convincente dos processos civis dos EUA ou
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 235

propor um modelo racional de valoração da prova para o processo penal, para que
a Inference to the Best Explanation fosse adotada no campo criminal, ela tena que
ser integrada como um corretivo de reforço a ser adotado no plano do standard de
prova. Não deveria ser escolhida a explicação que fosse somente a 'm elh o r', mas,
para usar um trocadilho, “a melhor [...] além de qualquer dúvida razoável". Isso,
contudo, desnatura a essência da teoria.

3.6. Contexto da decisão

3 .6 . 7. Diferença entre valorar e decidir


No que toca ao contexto da valoração, defendeu-se que o melhor modelo
fornecido pela epistemología, para ser utilizado pelo juiz na valoração da prova, é
o da probabilidade indutiva, também denominada lógica ou baconiana, nos moldes
desenvolvidos por Cohén.
Depois de realizada a valoração de todo o conjunto probatório validamente
produzido, por meio dc um modelo racional de valoração, ao final, tem-se o re­
sultado probatório. O juiz terá que decidir se uma hipótese fática, afirmada por
uma das partes, pode ou não ser considerada provada, de acordo com o grau de
confirmação que tal hipótese tenha atingido com base nas provas produzidas. Em
outras palavras, a probabilidade lógica não diz nada sobre o grau de confirmação
necessário para se considerar provada a hipótese fática no processo penal, sendo
necessária uma regra legal que estabeleça esse grau dc confirmação que deve ser
atingido para a decisão.380
Todo ato de decisão envolve um aspecto volitivo que não é completamente ra-
cionalizável.381 Isso, contudo, não pode levará aceitação de que sedeve assumir uma
orientação voluntarista, considerando a decisão como um “evento autofundado,
arbitrário, irrepetível e cujas razões restam seladas na subjetividade incognoscível
e incomunicável de quem decide".382 O que se deve fazer é procurar, na medida do
possível, reduzir ao mínimo essa dose de subjetividade, adotando mecanismos de
controle, que empreguem métodos racionais dc decisão e justificação das razões
que levaram às escolhas feitas por quem decidiu.
A adoção de critérios claros e objetivos de decisão é necessária para que o ato
final dc exercício do poder decisório não seja arbitrário ou incontrolável. O juiz
precisa de um modelo de constatação claro, que defina a partir de qual umbral o

pode modelar as micro-decisões sobre o peso apropriado para dar a cada um dos meios
dc prova específicos ou testemunhos".
380. STELLA, Oltre ¡1ragionevole dubbio..., cil., p. 103.
381. PASTORE, Decisioni, cvgomeiui, coturolli.... cil., p. 33.
382. Ibidetn. p. 34.
236 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

resultado da valoração, que apontou uma hipótese fática como prevalecente, a


ponto de poder ser considerada provada. Em outras palavras, para decidir é preciso
verificar se a valoração aponta um resultado cujo suporte probatório atingiu ou
não o standard de prova aplicável ao caso.383 L ma proposição fática estará provada,
e consequentemente o conhecimento de tais fatos será considerado verdadeiro,
caso existam elementos de prova que lhe deem suporte, permitindo atingir o
standard probatório aplicável ao caso. Isso, evidentemente, não significa que essa
afirmação sobre o fato é necessariamente verdadeira, mas que, no processo, ela
pode “ser considerada verdadeira".384385Com efeito, standards de prova são critérios
que estabelecem o grau de confirmação probatória necessário para que o julgador
considere um enunciado fático como provado.
Justam ente por isso, o Standard de prova, qualquer que seja ele, não é in­
compatível com a regra do livre convencimento do ju iz.383 O juiz tem liberdade
para valorar, embora deva seguir um modelo racional de valoração da prova. A
valoração racional indicará que uma hipótese fática é a preferível, por ter sido
aquela que dá explicação para todas as provas, bem como resiste a possíveis
hipóteses diversas. O juiz, livre para valorar, valendo-se de uma probabilidade
lógica, saberá qual grau de suporte que as provas dão a tal hipótese, ainda que não
mensurável numericamente. É só até esse ponto que vai o livre convencimento.
Porém, é preciso que o ju iz, que valorou livremente a prova, segundo os cânones
da razão, conclua se tal hipótese fática poderá ser considerada provada. Nesse
ponto, deixa-se o contexto da valoração e passa-se ao contexto da decisão. A tarefa
judicial, que no contexto da valoraçao está regida por critérios epistemológicos,
passa a ser vinculada, no contexto da decisão, por critérios legais que definem
o standard de prova.

383. FERRER BELTRAN, La prueba es libertad..., cit., p. 27.


384. FERRER BELTRÁN, La valoración racional..., cit., p. 6 8 -7 8 . Até porque, como le­
ciona Susan Haack (Epistemology and lhe law of evidcnce..., cit.. p. 17), a prova deve ser
compreendida como algo gradual, ou seja, que pode apresentar mais ou menos suporte
para uma hipótese.
385. Nesse sentido: UBERT1S, Profili di epistemología giudiziaria..., cit., p. 166. nota 154.
Por outro lado, para quem inclui na valoração da prova a própria decisão final, sem
distinguir o contexto da valoração do contexto da decisão, é inegável que uma regra
legal definindo um standard de prova implicará restrição ao livre convencimento. Não
quanto ao método de valoração, mas quanto ao nível de suporte probatório para que se
possa decidir que uma hipótese fática está provada. Assim, se o juiz fosse absolutamente
livre, poderia, depois de valorar, decidir adotando, ao seu critério, um standard de prova
rebaixado, como o da mera preponderância, ou mais elevado, como o da prova além de
qualquer dúvida razoável. Neste último sentido, considerando que o standard de prova
limita o livre convencimento: 1ACOVIELLO, Motivazione delia sentenza penale..., cit.,
p. 766; NOB1L1, Esiti, errori. arbitrii dietro un'illustre form ula..., cit., p. 47; STELLA,
Ohre ¡I ragionevole dubbio..., cit., p. 90.
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 237

3.6.2. O standard de prova como criterio de decisão


A definição do standard de prova é um problema central da epistemología
judiciária.
Desde que se adote as premissas epistémicas de que a justiça só é possível com
uma verdade fática, que essa verdade é objetiva, e não uma questão de que alguém
assim o creia, e admitindo que, com suficiente frequência, é possível obter um co­
nhecimento verdadeiro de uma questão sobre os fatos em litígio, é necessário que
haja standards de prova objetivos que façam com que uma prova seja considerada
melhor que a outra, e o fato de que as provas que sustentam uma afirmação sejam
boas, segundo lais standards, seja uma indicação, embora falível, de que a afirmação
em questão provavelmente é verdadeira.386387Entre os objetivos da epistemología está
a definição do “critério de verdade”, isto é. de quando um conhecimento pode ser
considerado verdadeiro. Cabe à epistemología fornecer as ferramentas necessá­
rias, formulando standards de prova variados, que sejam objetivos ou, ao menos,
intersubjetivamente controláveis.
U ma vez que a epistemología forneça um leque de opções de variados standards
de prova passíveis de serem adotados em diversos tipos de processo, ou mesmo
em fases diversa de um mesmo processo, caberá ao direito definir qual será esse
modelo de constatação. Essa definição do standard de prova para estabelecer em que
condições uma proposição fática poderá ser considerada provada poderá ser feita
por meio de parâmetros jurisprudenciais (como no caso do processo penal norte
americano), ou mediante aplicação de critérios definidos em regras de direito posto
(como adotado no Código de Processo Penal italiano).587A adoção de um standard
probatório mais rebaixado ou, ao contrário, mais elevado, afetará o resultado do
julgamento c, no processo penal, em ultima análise, aumentará as chances de que
a sentença seja absolutória ou condenatoria.
Pela relevância que a opção por um ou outro standard de prova acarreta no
processo penal - e o mesmo se diga sobre a definição de sobre quem pesará o ônus
da prova - , mais do que uma questão de mera técnica processual, ou mesmo de
simples racionalidade, o que se tem é uma escolha axiologicamente orientada.588
A decisão do standard de prova no processo é substancialmente uma escolha de
valores, considerando preferências sociais para o atingi mento de objetivos ao quais
se pretende dar primazia, como reduzir os riscosdas decisões errôneas, distribuindo

386. HAACK, La Justicia, la verdade y la prueba..., cit., p. 312.


387. Nesse sentido: STEIN, Loundations of evidence Imv..., cit., p. 121-122: FERRER BEL­
TRAN, La valoración racional de 1aprueba.... cit., p. 80-81.
388. Nesse sentido: FERRER BELTRAN, La valoración racional de la prueba..., cit., p. 142;
Idem, La prueba es libertad..., cit., p. 32; GASCÓN ABELLÁN, Sobre la posibilidad de
formular estándares de prueba..., cit.. p 130.
238 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

equitativamente, ou evitar condenações equivocadas, dando prevalência à proteção


da liberdade dos acusados.3iW
Porém, antes de definir qual o standard de prova aplicado ao processo penal,
é preciso analisar a relação entre standard probatorio e ônus da prova.
Além do standard de prova, é importante lembrar que, para o atingimento
dessas finalidades extraepistémicas, o legislador ainda conta com outro instrumento
técnico: as regi as sobre ônus da prova. Ao definir na lei como deverá decidir o juiz
se, ao final do processo, estiver em dúvida sobre um fato juridicamente relevante -
exatamente porque quanto a ele não se atingiu o standard de prova necessário - a
definição de regras sobre a quem incumbe oonus probandi igualmente influenciará,
fortemente, no resultado do processo. Mais cspccificamente. ao definir, por exem­
plo, que cabe ao acusador demonstrar a ocorrência do fato criminoso, e estabelecer
que para considerar esse fato “provado”, exige-se um standard probatório elevado,
como de prova “além da dúvida razoável”, opta-se por um sistema que dificulta as
condenações ou, o que seria o reverso da moeda, favorece a preservação da liberdade
dos acusados. Por outro lado, caso se considere que cabe ao acusado demonstrar
a excludente de ilicitude por ele alegada, dificulta-se a absolvição caso se alegue,
por exemplo, a ocorrência de legítima defesa. Além disso, em se estabelecendo um
standard de prova elevado para que tal alegação se considere provada, aumenta-se
a dificuldade de que o acusado se desincumba de tal ônus c. consequentemente,
incrementa-se a possibilidade de condenação. Por outro lado, rebaixando tal
standard, e facilitando o cumprimento do encargo probatório defensivo, torna-se
menos difícil a absolvição.
O standard probatório está, portanto, intimamente ligado à distribuição do
ônus da provaque, sob seu viés objetivo, é representado por uma regra de julgamento
para o caso de não superação do grau de prova exigido pelo standard probatório.
Assim, caso ao final do processo um fato relevante para o julgamento do feito não
tenha sido comprovado suficientemente, o chamado “ônus da prova objetivo'' ’903890

389. No sentido de que a função dos standards de prova é realizar uma distribuição dos
erros judiciais no juízo de fato: STEIX. Foundations o j evidence law..., cit., p. 133-134;
FERRER BELTRÁN, La valoradón racional de la prueba..., p. 143; Idem, Prolegómenos
para una teoria sobre los estándarcs de prueba..., cit., p. 406. Já para Laudan (Verdade,
error y processo penal..., cit.. p. 6 0), a função do standard de prova no processo penal
não é distribuir igualmente o risco de erro, mas diminuir o risco de condenações lalsas.
390. Como bem destaca Vlichelc Taruffo (Casi una introducción. In: FERRER BELTRÁN,
Jorcli; LEANDROJ., Giannini. Contra la carga de la prueba. Madrid: Marcial Pons. 2019.
p. 19) um “ônus objetivo” é um oximoro. Realmente, como já tivemos oportunidade
de destacar (BADARÓ. ônus da prova no processo penal .... cit., p. 2 3 8 ): “do ponto de
vista terminológico, não parece correto denominar a regra de julgamento, estabelecida
para o caso de dúvida, de ónus. Não há em tal situação um enfoque subjetivo, essencial
para a utilização técnica da palavra ônus, que é definida como imperativo do próprio
EPISTEMOLOGIA JUDIC1ÂRLA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 239

determinará ao julgador como ele deverá ju lgar.5' 1 No processo penal, o ônus


objetivo da prova é regido pelo principio in dubio pro reo, como manifestação da
presunção da inocência.392
Embora inter-relacionados, não se pode confundir “standard de prova’ com
“ônus da prova”. O standard probatorio estabelece o grau de suporte que os meios
de prova devem fornecem às alegações fáticas, para que elas possam ser conside­
radas verdadeiras.393 Já o ônus da prova define uma regra de julgamento, isto é,
como deverá decidir o juiz, se no momento do julgamento de uma alegação fática
relevante, esta não tiver sido considerada provada. Na dinâmica das sequências
probatórias, primeiro se apresenta a questão do standard de prova, e somente se
este não for atingido, se aplica a regra do ônus da prova.
Quando se acreditava na possibilidade de se atingir um conhecimento total
dos fatos, sendo a verdade plenamente acessível ao julgador, o problema do stan­
dard de prova não se colocava. Ele deveria julgar de acordo com o que as provas
demonstravam “ser verdadeiro”, e não de acordo com o que a provas demonstravam
ser racionalmente preferível e, portanto, deveria “ser considerado verdadeiro’ . Por
outro lado, no momento em que se tem a consciência de que o juízo fático deve ser
resolvido mediante um raciocínio inferencial que não levará a um conhecimento
verdadeiro absoluto, mas a um resultado meramente probabilístico, a questão do
standard probatório ou do modelo de constatação exigido para o julgamento se
coloca como essencial.394
Apesar de se ter essa consciência, há uma enorme dificuldade para estabelecer
um standard de prova objetivo - o que não significa quantificável numericamente,
como se v erá -, que seja apto a instrumentalizar um juízo axiológico, sem equivo-
cidades no texto normativo ou no critério jurisprudencial ou doutrinariamente
defendido.395Normalmente, os códigos de processo não estabelecem qual o standard

interesse. A regra cie julgamento tem com destinatário o juiz e não as partes, e inexiste
um interesse do juiz no processo, exceto o interesse de fazer justiça, de forma imparcial.
No ônus objetivo inexiste interesse direto das partes, mas uma solução para o juiz que.
somente de forma indireta irá produzir reflexos negativos sobre as partes. Ao máximo,
poderia ser um ônus remoto ou mediato”.
391. Para uma explicação da dicotom ia entre “ônus subjetivo” e “ônus objetivo”, cf.:
BADARÓ, Ônus da prova no processo penal..., cit., p. 178-183.
392. Nesse sentido: BADARÓ, Ônus da prova no processo penal..., cit., p. 2 3 7 -2 4 1 . No
mesmo sentido: SAMMARCO, Método pwbaiorio e modelli di racionamento..., cit., p. 74.
393. LAUDAN, Verdad, errory proceso penal..., cit., p. 104-105.
394. DEI VECCHI, Diego. La prueba judicial como conocim ienlo: una caracterización
poco persuasiva. In: FERRER BELTRÁNJordi: VÁZQUEZ, Carmen (Coord.). Debatiendo
con Taruffo. Madrid: Marcial Pons. 2016. p. 286.
395. Nesse sentido, mas manifestando seu ceticism o quanto à possibilidade de atingir
tais exigências: DEI VECCHI, La prueba judicial como conocimienlo.... cit.. p. 290.
240 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

de prova a ser observado pelo juiz para considerar um fato provado. Evidente que
não se trata de uma omissão por mero esquecimento ou falta de vontade de estabe­
lecer legalmente um regime legal para um tema tão sensível, que pode definir- c
muitas vezes define - o resultado do processo.31'6
O art. 155 do Código de Processo Penal brasileiro apenas estabelece que “O
ju izjotm arásu a convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório
judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos
informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repe-
ttveis e antecipadas". O mesmo vazio ocorre no direito estrangeiro. Por exemplo,
na Alemanha, o § 261 da StPO prevê que: o “tribunal decide, segundo a sua livre
convicção, sobre o resultado das provas produzidas ou examinadas em audiência”.
Em Portugal, o art. 127 Código de Processo Penal estabelece que “a provaé apreciada
segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”. Na
Espanha, a Ley de Enjuiciamiento Criminal, no art. 741, limita-se a prever que “O
tribunal, apreciando scgtino sua consciencia as provas praticadas sem definir
um standard de prova específico. Todavia, tanto o Tribunal Constitucional,397

396. No presente estudo, cabe apenas analisar a questão com vista ao julgamento final
da causa, isto é, a decisão de mérito de condenação ou absolvição no processo penal,
embora o problema dos siandards de prova não seja exclusivo da sentença, lendo lugar
ao longo de toda a persecução penal. Nesse sentido: TWIN1NG, Rethinking evidente....
cit., p. 219; FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba..., cit., p. 141; Idem,
Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de prueba..., cit.. p. 414; LAUDAN,
Verdad, error e proceso p e n a l...,a i., p. 133-134. Na doutrina nacional: KNIJN1K, Dando.
A prova nos juizos cível, penal e tributario. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 48. Apenas
a titulo exemplificativo, elencam-se alguns standards ou "modelos de constatação”,
diversos da “prova alctn da dúvida razoável”, diariamente utilizados no processo pe­
nal brasileiro: para a prisão temporaria bastam “fundadas razões [...] de autoria” (Lei
7.960/89, art. Io, inc. III), enquanto que para a prisão preventiva é necessário “indicio
suficiente de autoria” (CPP, art. 3 1 2 ); já para a pronuncia não basta —no singular - in­
dicio suficiente, sendo exigidos ”indicios suficientes de autoria" (CPP, art. 413, caput)\
por outro lado, para o sequestro, “indicios veementes de proveniencia ilícita dos bens”
(CPP art. 126). No incidente de insanidade mental, basta a "dúvida sobre a integridade
mental do acusado” (CPP, art. 149. caput). Assim, varia o grau de probabilidade exigida,
seja urna simples preponderância de uma hipótese sobre a outra, seja uma probabilidade
reforçada ou qualificada. Além das medidas cautelares, é necessário observar que, ao
longo da própria persecução penal, há uma formulação progressiva de juízos sobre o
mesmo tema - por exemplo, a autoria delitiva ou a materialidade delitiva - que será
objeto da investigação, da admissibilidade da denúncia até se chegar à sentença. Passa-se
de um juízo de simples possibilidade, para uma probabilidade, até se chegar à certeza.
397. O Tribunal Constitucional decidiu que o “direito à presunção de inocência compreen­
de o direito a não ser condenado sem provas válidas, o que implica que toda sentença
condenatoria deve apontar as provas que sustentam a declaração de responsabilidade;
ademais, as provas devem ter sido obtidas com respeito às garantias constitucionais,
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 241

quanto a doutrina também utiliza a expressão equivalente: “másallá de toda duda


razonable”.308 Com razão, Paulo de Souza Mendes afirma que, “entre nós, é, pois,
urgente começar um debate sobre a conveniência e a legitimidade da incorporação
das diferentes medidas da prova nos processos civil e penal romano-germânicos . 11
A ausência de um standard de prova representa, nas palavras de Ferrer Beltrán, o
calcanhar de Aquiles de um sistema processual que pretenda limitar a arbitrariedade
e fomentar o controle das decisões probatórias.400
Regime explícito sobre o standard de prova é previsto no Códice di Procedura
Penale italiano que, embora em sua redação originária não disciplinasse a questão,
posteriormente, por meio da Lei 46, de 20 de fevereiro de 2006, alterou a redação
do art. 533, com m a I o, incorporando a regra da prova "al di Ia di ogni ragionevole
dubbio” no processo penal.401
No processo penal brasileiro, o tema dos Standards de prova era, até muito
pouco tempo, raramente explorado pela doutrina, que geralmcntc se limita a tratar
do tema sob o enfoque do in dubio pro reo. Ou seja, como se bastasse considerar
que, na dúvida, o réu deve ser absolvido, independentemente de qualquer análise
sobre os diversos graus necessários para que a prova permita que se considere um
faio “provado” ou mesmo para que se tenha como satisfeito um requisito legal de
mera probabilidade e não de “certeza”.402

ter sido praticadas normalmente em juízo oral e haver-se valorado e motivado pelos
tribunais com respeito às regras da lógica e da experiência, de modo que se possa afir­
mar que a declaração dc culpabilidade foi estabelecida acima de toda duvida razoável"
(STC 4 3/2003, § 4o).
398. Nesse sentido: GASCÓN ABELLÁN, La prueba judicial: valoración racional y mo­
tivación..., cit., p. 15.
399. Da intensidade probatória: medida da prova, ónus da prova e presunções judiciais,
inédito, item 3.3. p. 6.
400. Prolegómenos para una teoria sobre los estándares de prueba..., cit.. p. 402.
401. Antes mesmo de sua previsão legal, Ferrua (11 libero convincimento del giudice pe­
nale..., cit., p. 73) já se posicionava no sentido de que o princípio de que a culpabilidade
fosse provada "oltre ogni ragionevole dubbio” , embora não expresso, era considerado
implícito no ordenamento italiano. Quanto a outros países europeus, Knud Waaben
(Criminal responsabilily and thequantum ojproof. Uppsala: The Facully of Law/Stockholm
University, 1965. p. 246) informa que ordenamentos escandinavos se baseiam na regra
de que a culpa do acusado deve ser provada “beyond a reasonable doubt”.
402. Uma profunda análise da questão na doutrina nacional pode ser encontrada no
excelente trabalho de KNIJN1K, Danilo, A prova nos juízos eivei, penal e tributário. Rio
de Janeiro: Forense. 2007. p. 15-19; p. 37-45. Cf., também: BALTAZAR JÚNIOR, losé
Paulo. Sumdards probatórios no processo penal. Revista AJUFERGS. Porto Alegre, n. 4,
nov. 2007. p. 161-185. No processo civil, o tema é analisado por: MARINON1, Luiz Gui­
lherme; ARENHART. Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Ed. RT, 2009. p. 85-90. Já Humberto
Avila (Teoria da prova..., cit., p. 1 17-118) propõe quatro sumdards de prova: (i) prova
242 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Nos tribunais norte-americanos é comum o emprego de. pelo menos, três


“standards de prova" definidos a partir de parámetros jurisprudenciais: (i) simples
“preponderancia de provas” (preponderance evidence), (ii) “prova clara e convincen­
te" (decir and convincingevidence), (iii) e prova “além da dúvida razoável” (beyond
a reasonable doubt). A preponderancia de provas. também conhecida como “mais
provável que não”, significa simplesmente a probabilidade de um fato ter ocorrido.
A “prova clara e convincente" pode ser identificada como um standard probatório
intermediário, em que se exige uma probabilidade mais elevada ou reforçada, não
bastando ser mais provável do que não. Finalmente, a “prova “além da dúvida
razoável", do ponto de vista comparativo, pode ser considerada como sendo uma
probabilidade elevadíssima de que um conhecimento seja verdadeiro.
Embora seja relativamente fácil, em termos abstratos de uma escala de con­
vencimento. referir-se à probabilidade simples, probabilidade elevada e probabilidade
elevadíssim a ,403 do ponto de vista de uma epistemología judiciária, as questões não
se colocam de modo tão simples, principalmente quando se pretende uma maior
“objetivação" dos standards de prova.
Há muitas divergências sobre os standards de prova. Uma primeira pode ser
o enfoque a ser utilizado: o standard de prova deve ser “subjetivado” e encarado
a partir do convencimento provocado no julgador, ou buscado a partir da relação
entre a prova e o enunciado fático? Uma segunda questão relevante é: o standard
probatório deve ser considerado como algo quantificável numericamente.
Como será melhor esclarecido no ao se trata das propostas alternativas ao
“beyond a reasonable doubt”,40“ o standard de prova deve ser estabelecido a partir
do grau de suporte que a provas conferem a uma determinada proposição fática.
Um standard de prova concebido em termos subjetivos, de convencimento do
julgador, torna o sistema incontrolável. O juiz nunca terá errado, na medida em
que “se convenceu" que o nível de prova era aquele. O julgamento e provimento
de um eventual recurso, apenas indicará que os julgadores em segundo grau “se
convenceram" em sentido diversos. Ambos estarão, contudo, subjetivamente cor­
retos. Logo, o recurso deixara de ser um mecanismo de controle, para ser apenas
a possibilidade de um segundo convencimento, igualmente correto, em sentido
oposto. E o juízo de prova se resumirá a convencer o julgador que, na hierarquia
judiciária, seja o último a poder realizar uma decisão sobre o juízo de fato.
Para encerrar, cabe transcrever a advertência de Laudan, um espistemólogo
dedicado ao tema da prova no processo penal: “em qualquer área fora do direito

irrefutável; (ii) prova acima de qualquer duvida razoável; (iii) prova clara e convincente;
(iv) prova convincente ou de verossimilhança razoável (balanço de probabilidades).
403. IACOV1ELLO, Motivazione delia sentenza p e n a le ..., cit.. p. 7 6 6 . também usa a
expressão “probabilidade elevadíssima”.
404. cf., infra, item 3.6.2.4.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 243

em que se valorem provas para tomar certas determinações (incluindo as ciências


naturais, as provas clínicas em medicina, a matemática, os estudos epidemiológicos,
etc.), o standard de prova está concebido para informarão investigador em questão
quando tem o direito de considerar algo como provado; quer dizer, quando a relação
que existe entre as provas ou as premissas e a conclusão que se busca justifica a
aceitação de tal conclusão como provada no contexto específico. Ao contrário, no
direito processual penal, esta função é completamente ignorada e vergonhosamente
ocultada. No lugar de especificar que a confiança que os membros do jú ri podem
ler na culpabilidade do acusado depende de que tenham sido oferecidas ou não
provas robustas, o direito processual penal faz com que o standard de prova seja
parasitário do nível de confiança que o investigador ou o julgador dos fatos (neste
caso, o jurado) tenha na culpabilidade do acusado.405
Quanto ao segundo ponto, nos Estados U nidos há pesquisas de campo analisan­
do como os juízes consideram, em termos probabilísticos, a aplicação de tais standards
de prova, aplicando-os em termos de percentuais. Ajurisprudência norte-americana
mostra uma tendência de procurar definir os diversos níveis de atendimento do bur-
dcn ojevidence de acordo com critérios matemáticos.4® Não é a melhor solução. Até
porque, diante de uma proposta de delimitar ou expor um modelo de epistemologia
judiciária que, no contexto da valoração, trabalha com a probabilidade indutiva não
matemática, recorrer a critérios numericamente quantificáveis de graus de conven­
cimento seria acrescentar uma complicação inadequada e desnecessária.
Não se deve quantificar, matemática ou numericamente, os graus de proba­
bilidade distintos que caracterizam os diversos standards de prova ou modelos de
constatação, tendo fracassado as tentativas de atribuir valores numéricos, em deci­
mais ou percentuais, ao grau de confirmação que as provas atribuem aos enunciados
fáticos.407 Mas, ainda que a lei nào defina um percentual de convencimento, como
estabelecendo como “prova clara e convincente” de autoria quando se atinge um
percentual probabilístico elevado, de 75% de chance de que o acusado seja o autor
do delito, isso não invalida a utilidade teórica e prática dos standards de prova.
Isso não significa que os standards de prova não possam ser graduados. Podem
e devem, mas a ordenação entre os diversos níveis de prova exigido para que um
fato seja considerado como provado será graduada por outros parâmetros.
Levarem conta a relevância dos bens tutelados,408com a consequente diferen­
ciação entre processos de naturezas distintas (p. ex\. processos penais, de um lado,

405. LAUDAN, Ventad, error y proceso penal..., cit.. p. 124.


406. A doutrina, contudo, posiciona-se contrariamente, por entender que o grau de prova
e subjetivo: EGGLESTON, Prova, conclusione probatoria e probabilítá.. . , cit., p. 62.
407. Nesse sentido: TARUFFO. La semplice veritá..., cit., p. 220.
408. Na doutrina alemã. Gerhard W alter (Libre apreciación de la prueba: investigación
acerca del significado, las condiciones y limites del libre convencimiento judicial. Bogotá:
244 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

e não penais, de outro),409 a graduação dos standands de prova não se estabelece


em termos como: para julgar procedente urna demanda cível é necessário que a
prova indique que os fatos que fundamentam o direito o autor estão provados com
"51% de chance de ser verdadeiro”. Também não se afirma que, numa demanda
sancionatória não penal, o ato ilícito e sua autoria devem estar provados com "75%
de chance de serem verdadeiros”; e, num processo penal, com "99% de chance de
serem verdadeira”. Diversamente, são utilizadas expressões, que embora vagas,
não se expressam em termos numéricos: "preponderance of evidence”, "clear and
convince evidence” e prova "beyond a reasonable doubt”.
Além disso, cabe ressaltar que a relevancia do bem tutelado não é o único
criterio para diferenciar os stcmdards de prova. Mesmo no processo penal, nada
impede que a técnica dos stcmdards de prova seja utilizada em níveis distintos,
com vista às decisões distintas a serem proferidas ao longo da persecução penal.
Por exemplo, o grau de convencimento sobre a autoria delitiva que se exige para
iniciar uma ação penal, identificado com a expressão “indício de autoria”, pode
ser considerado como de mera preponderancia de prova, entendida com urna
probabilidade simples. Já no procedimento bifásico do júri, para a pronuncia, é
necessário que haja “indicios suficientes de autoria”, o que pode ser considerado
como uma probabilidade elevada, que na jurisprudencia norte-americana é iden­
tificado com o parámetro da “prova clara e convincente”. Também nas decisões
cautelares, basta um mero juízo de probabilidade, não se exigindo o mesmo nível
elevadíssimo requerido para se proferir uma das sentenças de mérito condenatoria.
O exemplo, contudo, é importante para deixar claro o caráter gradual do
suporte que as provas dão a uma determinada alegação de fato. Se num modelo

Temis, 1985. p. 172 -173). depois de assinalar que "se entende sem dificuldade que o
método que deve existir para condenar um acusado no processo penal não pode ser o
mesmo que no caso em que uma pessoa solicita uma pensão em razão de um suposto
acidente de trabalho”, conclui: “é óbvio, pois. que quando se determina o módulo da
prova, deve se ter cm conta a matéria subjacente ao direito processual em questão, sob
pena de desvirtuar os fins que inspiram o direito maLerial”.
409. É nesse sentido que o tema é trabalhado por Knijnik (.4 prova nos juízos cível, penal
e tributário..., cit., p. 18): “A título de exemplo, em demanda indenizatória por aciden­
te de trânsito, deve se raciocinar com base numa 'preponderância de provas', para que
se dê por demonstrado o fato ‘.v’: por esse critério guiar-se-ão o juiz e as partes. Já em
ação de improbidade, o modelo de constatação é outro, mais rigoroso, exigindo-se uma
prova clara e convincente': e outro deveria ser, portanto, o critério empregado pelo juiz.
pelo tribunal e pelas partes na formação do juízo de fato e sua discussão. Numa ação
penal, enfim, será necessário observar outro modelo de constatação: a prova além da
dúvida razoável', e diversamente estará orientada a construção do juízo fálico. Como se
vê, esses 'modelos de constatação’ são critérios, pautas objetivas, sujeitas ao controle
e à discussão das partes, na constatação de fatos, e auxiliam na evitação do erro ou do
arbítrio" (destaques no original).
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 245

racional o raciocinio probatorio é probabilístico, é necessário então adotar regras


que determinem o grau de probabilidade - que não precisa ser expresso em va­
lores numéricos - a partir do qual estamos dispostos a considerar uma hipótese
fática como provada, quer dizer, há necessidade de existir critérios legais que
determinem o grau de suporte que a prova deve dar a uma hipótese fática para
que ela possa ser considerada verdadeira e tomada como hipótese de trabalho
pelo ju iz .410

3.6.2.1. O Standard de prova e presunção de inocência


Já se analisou a presunção de inocência como regra de julgamento no processo
penal, bem como seu corolário do in d u biopm reo.411 Em outras palavras, no pro­
cesso penal, a dúvida sobre qualquer fato penalmente relevante deve ser resolvida
em favor do acusado.
Todavia, se o juiz lançou mão da presunção de inocência como regra de ju l­
gamento foi porque, no momento final do processo, estava em dúvida quanto ao
juízo fático. Ou seja, uma hipótese fálica que integrava o thema probandum não foi
considerada provada. Portanto, quanto a essa proposição, “p não está provado”. E
não o foi, porque o suporte probatório que dava aval a tal proposição não permitiu
atingir o standead de prova elevadíssimo aplicável ao processo penal, que normal­
mente costuma ser identificado como a prova “além da dúvida razoável”.
Simplificando, como o standard de prova-q u e normalmente é definido em lei
ou na jurisprudência - não foi atingido, aplica-se a regra constitucional da presunção
de inocência, com a resolução da dúvida em favor do acusado. Justamente por isso,
afirma Ferrer Beltrán que, não é possível fazer operativa a garantia da presunção
de inocência, como regra de julgamento, se for indeterminado qual grau de provas
que se exige para que a hipótese acusatória supere tal “presunção”.412
Não havendo, na maioria dos ordenamentosjurídicos, uma definição legal do
standard de prova aplicável para considerar um fato provado para fins de condena­
ção penal, é de se indagar se a presunção de inocência implicaria algum standard de
prova. A posição que nega tal repercussão considera que a presunção de inocência
seria somente como regra de julgamento, isto é, a disciplina do ônus da prova, ou
in dubio pro reo. Outros, porém, vão além e entendem que a presunção de inocência
também implica a necessidade de se adotar o standard de prova “além de qualquer
dúvida razoável”.

410. FERRER BELTRÁX. Prolegómenos poní una teoría sobre los estándares de prueba....
cit., p. 403.
411. Sobre o tema, cf., supra, cap. 1, Item 1.3.6.
412. FERRER BELTRÁN, Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de p ru eb a ....
cit., p. 443.
246 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

Por exemplo, Ferrua afirma que a função prioritária do standard de prova “além
de qualquer dúvida razoável” é “garantir o acusado do risco de uma condenação
injusta”.'’1’ Exatamente essa mesma finalidade foi apontada como a razão de ser
da adoção do in dubio pro rco, o que indica uma aparente convergência de escopos.
Na mesma linha, a Corte Europeia de Direitos Humanos, no caso Barberá,
Vlessegué e Jabardo vs. Espanha, ao analisar o art. 6.2 da Convenção Europeia de
Direitos Humanos, que assegura que qualquer acusado de uma infração penal
“presume-se inocente”, implica que “o ônus da prova está todo sobre a acusação e
qualquer dúvida (ctny doubt) deve beneficiar o acusado”.413414
Aliás, essa mesma conclusão foi adota pela Suprema Corte dos EDA no famoso
caso in re Winship, no ano de 1970, quando afirmou que a prova beyond a reaso­
nable doubt é o standard aplicável ao processo penal, que pode ser extraído da XIV
Emenda da Constituição norte-americana, que assegura o devido processo legal.415
Importante, contudo, atentar para a diferença de tal sistema quanto ao juízo de fato.
No processo penal estadunidense, o standard de prova beyond a rcasonablc doubt
constitui uma instrução que é dadaaos jurados, sobre o nível de prova exigido para
que possam proferir um veredicto condcnatório. Trata-se, por óbvio, de veredicto
não motivado. Poroutro lado, no citado julgamento, a Suprema Corte não definiu
em que consiste a “dúvida razoável”, deixando livre para que cada estado defina
no que consiste tal standard.416

413. FERRUA, II libero convincimento del giudice pénale..., cit.. p. 73. Para Stella (Oltre
il ragionevole dubbio..., cit., p. 85) o standard de prova “oltre il ragionevole dubbio"
encontra seu fundamento constitucional no art. 27 da Constituição italiana, que asse­
gura a presunção de inocência. No mesmo sentido: UBERTIS, Profit i di Epistemología
Giudiziaria..., cit., p. 175-176.
414. CoEDH, Caso Barberá, Messegué e Jabardo v. Espanha, sentença de 0 6 .1 2 .1 9 8 8 . § 77.
415. In re Winship, 397 U.S. 3 5 8 (1 9 7 0 ): “The due process clause of the Fourteenth
Amendment to the U.S. Constitution requires proof Beyond a Reasonable Doubt before
a juvenile may be adjudicated delinquent for an act that would constitute a crime were
the child an adult”. A XIV Amendment da Constituição, por sua vez, estabelece a ga­
rantia do due process of law que: “All persons born or naturalized in the United States,
and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of the United States and of the State
wherein they reside. No State shall make or enforce any law which shall abridge the
privileges or immunities of citizens ol the United Stales nor shall any State deprive any
person of life, liberty or property; without due process of law. nor deny to any person
within its jurisdiction the equal protection of the law".
416. Por exemplo, o Californian Penal Code, na Section 1096 estabelece que: “A defendant
in a criminal action is presumed to be innocent until the contrary is proved, and in
case of a reasonable doubt whether his or her guilt is satisfactorily shown, he or she is
entitled to an acquittal, but the effect of this presumption is only to place upon the stale
the burden of proving him or her guilty beyond a reasonable doubt. Reasonable doubt
is defined as follows: ‘It is not a mere possible doubt: because everything relating to
EPISTEMOLOGIA |UD1CIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 247

Há, também, posicionamento diverso, que negaavinculaçãoentre presunção de


inocencia e o standard de prova “além de qualquer dúvida razoável”. Segundo Ferrer
Beltrán, a presunção de inocencia, enquanto regra de julgamento, apenas estabelece
que, em caso de dúvida, se aplica o in dubio pro reo, mas não implica a adoção de
nenhum standard de prova específico. Isto é, a garantia da presunção de inocencia
seria compatível com standards de prova distintos, que expressam níveis diversos
de exigencia probatória.417 De modo semelhante, para Laudan, o standard da “prova
clara e convincente” é totalmente compatível com a presunção de inocência”.41“
Realmente, a presunção de inocencia, do ponto de vista do standard probatorio
adotado no processo penal, não exige que se adote a fórmula “além de qualquer
dúvida razoável". Diante da vagueza da expressão “dúvida razoável”, e visando
reduzir os espaços de discricionariedade do juiz na valoração da prova e decisão
sobre o juízo de fato no processo penal, seria perfeitamente possível - e até desejá­
vel -q u e o standard de prova fosse identificado com outra fórmula, com conteúdo
mais objetivo. Todavia, embora a presunção de inocência não implique, em si, a
adoção do standard de prova “além de qualquer dúvida razoável”, ela exige que o
modelo de constatação adotado no processo penal represente o mais elevado nível
de confirmação probatória que seja racionalmente exigível, para que a proposição
seja considerada provada, isto é, verdadeira.419
Por outro lado, não é admissível que o processo penal, quanto à decisão final
que realizará o juízo de mérito sobre a imputação, adote um standard de prova
rebaixado. Em se aceitando a premissa de que a garantia da presunção de inocên­
cia implica o in dubio pro reo, a adoção de standards probatórios que representam
inegavelmente estados de “dúvida”, como é o caso da “mera preponderância” ou
mesmo a “prova clara e convincente”, implicaria clara violação à presunção de
inocência.420 Seria uma burla à Constituição e uma fraude às Convenções Inter­
nacionais que garantem a que o acusado seja presumido inocente, isto é, que no
caso de dúvidas seja absolvido.

human affairs is open to some possible or imaginary doubt. It is that state of the case,
which, after the entire comparison and consideration of all the evidence, leaves the
minds of jurors in that condition that they cannot say they feel an abiding conviction
of the truth of the charge”'.
417. FERRER BELTRAN, Let valoración racional de la prueba ... c il., p. 145. nota 128:
Idem, La prueba es libertad..., cit., p. 35, nota 18.
418. LAUDAN, Verdad, error e proceso penal..., cil., p. 95.
419. Com razão, afirma Stella (Oltrc il ragionevole dubbio..., cil., p. 9 3) que “o standard
probatorio exigido pelo processo penal deve ser tal que elimine qualquer dúvida”.
420. Na doutrina alemã, Gerhard Walter (Ubre apreciación de la prueba..., cit., p. 172-173)
afirma que “se entiende sin dificultad que el módulo que hay que exigir para condenar a
un acusado en proceso penal, no puede ser el mismo que en el caso en que una persona
solicita una pensión por razón de un supuesto accidente de trabajo”.
248 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

3.6.2.2. Prova "além de qualquer dúvida razoável": uma escolha


axiológica
Ura modelo de conhecimento infalível ou não passível de erros é inconce­
bível. O erro sobre o juízo de fato é ineliminável. No campo processual penal, a
existência da revisão criminal é justificada exatamente pelo reconhecimento da
possibilidade de erro. Do ponto de vista puramente epistêmico, é correto considerar
que o mecanismo de reconstrução dos fatos e de decisão de acordo com a verdade
almejada deve procurar reduzir as chances de erros. Tanto melhor será o sistema,
quanto menos erros tendcncialmente ele possa causar.
Embora sem tratar da questão sob o enfoque dos stcindards de prova, a mesma
posição já era encontrada na obra de Bentham, que defendia o princípio: the more
atrocious the ojjcncc, the greater the force o f evidence requisite to prove ií.421 De modo
semelhante, afirmava Camignani: “Quanto piü atroce sia un delitto, tanto maggior
forza acquista siffatta presunzione deH’innocenza”.422 Mais modernamente, para
Stella, a regra da prova da culpa além de qualquer dúvida razoável serve para reduzir
a possibilidade de arbítrio e injustiça do julgamento, e “per orientare ¡1 ‘sentimento
del giudice’ in modo tale che venga garamita la protezione dell’innocente”.423
Essas posições, normalmente encontradas na doutrina, começam a enfren­
tar contestações. Poder-se-ia objetar que essa incompreensão decorre do fato de
uma diferença de escopos. Mais claramente: o olhar de um filósofo, que aplica a
teoria do conhecimento ao processo penal, é voltado primordialmente a resolver
o problema das decisões erradas, buscando minimizar sua ocorrência. Seu valor
magno, portanto, é puramente epistêmico. Já o processualista que traz os aportes
da epistemología para o processo, embora preocupado em formular propostas para
aprimorar o processo enquanto um mecanismo epistêmico, aceita mais facilmen­
te que, em determinadas situações, garantais constitucionais exijam que regras
antiepistêmicas - ou que, ao menos, sejam barreiras a uma melhor reconstrução
dos fatos - terão que ser adotadas, não por questões heurísticas, mas por escolhas
prévias do legislador, fundadas em posturas axiológicas.
Todavia, o fato de se tratar de uma escolha política, não significa que seja um
tema alheio ou estranho à epistemología judiciária. Ao contrário. A epistemologia

421. Tratado de las pruebas judiciales..., cit., v. II, p. 361. De modo semelhante, embora
restrito ã análise do testemunho. Beccaria (Dos delilos e das penas..., cit., p. 86. nota 2.
§ Xitl) criticava duramente a posição contraria, então aplicada: "para os criminalistas a
credibilidade de um testemunho torna-se tanto maior quanto mais grave é o delito. Eis
o duro axioma ditado pela mais cruel imbecilidade: Tn atrocissimis leviores coniecturae
sufficiunt, et licet iudicis iura trasgredí'.
422. CARM1GNAN1, Giovanni. Elementi di diritto crimínale. Milano: Francesco Sanvilo,
1863. p. 184. § 516.
423. Oltre il ragionevole dubbio..., cit.. p. 89.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 249

pode contribuir para definir como entender e como interpretar os significados


dos simulareis de prova. '24 Víais do que uma questão epistêmica, a definição de um
standard de prova é uma questão axiológica, cuja definição não precisa levar era
conta, necessariamente, a busca pelo critério melhor para maximizar os acertos do
juízo de fato ou, o que seria o reverso da medalha, reduzir o erro.424
Ao contrario, no processo penal, a adoção de um elevado standard de prova,
normalmente identificado com a expressão "além de qualquer dúvida razoável",
é claramente uma escolha política. Isso porque, opta-se, conscientemente, por
privilegiar a manutenção do estado de inocência e, em última análise, a liberdade.
Se, de um lado, o standard de prova é elevado e, de outro, todo o ônus da prova
incide sobre a acusação, é de se concluir que haverá, na distribuição de erros, muito
mais culpados absolvidos do que inocentes condenados.426

3 .6 .2 3 . As críticas ao standard de prova "além da dúvida razoável"


O standard de prova "além da dúvida razoável”, embora largamente utilizado
no processo penal, não é isento de críticas. Nos últimos anos, Laudan tem sido
um dos principais detratores do standard de prova beyond a reasonable doubt,42;

424. Essa contribuição, além de epistemológica, é também política, pois, como observa
Laudan (La elemental aritmética epistêmica del derecho II: los inapropiados recurso de
la teoría moral para abordar el derecho penal. In: VÁZQUEZ. Carmen (Ed.). Estándares
de pruebay prueba científica. Ensayos de epistemología jurídica. Madrid: Marcial Pons.
2013. p. 121), setn um standard de prova que sirva como critério de decisão para o juiz
proferir sua decisão, nenhum julgamento estará justificado e qualquer declaração de
culpabilidade será injusta.
425. Como bem destaca Haack (Epistem ology legalized..., cit.. p. 3 2 ) "minha episte­
mología, ao menos, tem muito a dizer sobre o que torna uma prova melhor ou pior
e uma afirmação mais ou menos justificada, mas relativamente muito pouco sobre os
graus de prova que interessam particularmente ao direito". No mesmo sentido, Ferrer
Beltrán (Prefacio a la edición em castellano, de Larry Laudan, Verdad, error y proceso
penal: un ensayo sobre epistemología jurídica (liad. Carmen Vázquez e Edgard Aguilera.
Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 2 0 )) afirma que "a decisão sobre o nivel de exigencia
do standard é nitidamente política, mas urna vez tomada, a epistemológica jurídica deve
proporcionar os instrumentos para que possamos formulá-lo de modo preciso". Em
outro estudo (FERRER BELTRÁN, Prolegómenos para una teoría sobre los estándares
de prueba.... cit., p. 4 0 8 ), complementa "a razão principal para determinar o grau de
exigencia probatória em que situaremos o standard de prova tem a ver com a distribuição
do risco de erros (falsas condenações e falsas absolvições) que estimamos aceitáveis, o
que pressupõe, claramente, uma decisão político-moral". No mesmo sentido posiciona-se
STEIN, Foundations of Evidence Lew..., cit., p. 121-122.
426. E assim o é porque, como bem observa Haack (El probabilismo jurídico: una dimen­
sión epistemológica..., cit., p. 6 9 ), há um fundamento político para o ônus da prova e
para o standard de prova.
427. LAUDAN, Larry. Por qué un estándar de prueba subjetivo y ambiguo no es un están­
dar. El estándar de prueba y las garantías en el proceso penal. Buenos Aires: Hammurabi.
250 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

asseverando: “atualmente, trata-se de uma noção penosamente inadequada, deli­


beradamente pouco clara e totalmente subjetiva”.428
Realmente, a principal crítica é que tal expressão não fornece um critério
epistemológicamente claro e objetivo do que se exige para que uma hipótese fática
posta em julgam ento seja considerada provada. A expressão “além de qualquer
dúvida razoável” é, nas palavras de Ferrua, uma “fórmula bela e sugestiva, mas
que não resolve nenhum problema”.429 O razoável, como elemento integrante
da definição do standard de prova, não pode ser entendido em sentido lógico,
pois sempre será razoável a possibilidade contrária, na medida em que o método
indutivo nunca fornece resultados necessários.430Logicamente, portanto, sempre
se poderá cogitar de uma dúvida. O que seria, então, uma dúvida “não razoá­
vel”? A vagueza do conceito não permite estabelecer contornos minimamente
controláveis para a discricionariedade do juiz nesse momento fundamental do
juízo de fato.
Interessante observar que, em finais do século XVIII, se exigia dos jurados
que. para condenar, deveriam estar absolutamente seguros da culpa do acusado, o
que era um nível muito exigente, na medida em que sobre acontecimentos passados
não é possível ter certeza. O caráter absoluto que qualificava a segurança foi subs­
tituído, então, pela “certeza moral”, justamente para se contrapor, em assuntos da
vida comum, à “certeza matemática”. O que caracterizava a crença acompanhada
da certeza moral, como explica Laudan, “era que, ainda que teoricamente sempre
estivesse aberta à duvida do cético, na prática, não havia bases reais ou racionais
que justificavam duvidar delas. Nesse marco surgiu a noção de que um veredito
de culpabilidade requeria que o jurado cresse na culpabilidade do acusado ‘além de
toda dúvida razoável’”.431
Ainda assim, até o julgamento do caso In rc Winship, em 1970, a instrução
mais comum que se dava aos jurados era que tal prova além da dúvida razoável era
equivalente à “crença que se alcança para produzir uma certeza moral”.432
A crítica é correta quando se considera que a fórmula “além da dúvida razoável”
não satisfaz a necessidade de padrões objetivos ou, ao menos intersubjetivamente
controláveis, não impedindo que a decisão seja resultado de mera subjetividade
do julgador. Se não há um critério que seja conhecido ci priori e que indique as

2011. p. 57-86; Idem, ¿Es razonable la duda razonable?. El estándar de prueba y las
garantías en el proceso penal, Buenos Aires: Hammurabi, 2011. p. 119-195.
428. Para LAUDAN, Verdad, error y proceso penal..., cit.. p. 61.
429. II ‘giusto processo’.... cit.. p. 42.
430. FERRUA, II 'giusto processo'.... cit., p. 42.
431. Verdad, error y proceso penal..., cit., p. 64.
432. LAUDAN, Verdad, error y proceso penal.... cit., p. 67.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 251

condições nas quais a dúvida será razoável, não se tem um standard de decisão que
seja objetivo ou, ao menos controlável intersubjetivamente.433
Para demonstrar a inconsistência da expressão, cabe sumariar as cinco prin­
cipais explicações que são dadas aos jurados norte-americanos, para os esclarecer
sobre o que seria a prova da culpa “além da dúvida razoável.434 Como se verá,
todas elas são fundadas na crença do julgador c não numa relação entre prova e o
enunciado de fato a ser demonstrado.
A primeira explicação é que “além da dúvida razoável” deve ser entendida
como “aquela segurança em crenças que consideramos apropriada para a tomada de
decisões importantes na vida". A analogia é infeliz. Há decisões muito importantes
em nossas vidas que são tomadas no contexto de grandes incertezas. Por exemplo,
na noite anterior ao casamento, a dúvida se realmente devemos comparecer à ce­
rimônia ou se é melhor desistir do matrimônio; ou quando o casal decide se lhes
trará alegria ter ou não mais um filho.
A segunda explicação é que “além da dúvida razoável” deve ser compreendida
como “o tipo de dúvida que faria uma pessoa prudente vacilar em atuar". Nova­
mente, tenta-se traduzir uma crença subjetiva por outro atributo subjetivo. Não
mais a dúvida sobre questões importantes, mas a dúvida de uma pessoa prudente.
As objeções que podem ser formuladas são as mesmas. Além disso, prudência ou
imprudência não se relacionam com ter mais ou menos dúvida, e sim com assumir
a posição de correr mais ou menos risco.
A terceira linha expositiva é que “além da dúvida razoável” deve ser equiva­
lente a “uma convicção estável da culpabilidade do acusado”. Mesmo no âmbito
subjetivo, novamente se confunde um atributo da crença ser mais ou menos forte,
com outros fatores. Agora, trata-se da “durabilidade”da crença, isto é. a persistência
temporal da convicção. Pede-se aos jurados que façam um prognóstico de, se por
um longo tempo, se manterão convictos da culpabilidade. Evidente que se trata de
uma explicação inapropriada. Se não surgirem elementos novos, não há por que
cada jurado alterar sua crença. Caso surja uma nova prova favorável ao acusado,
parece óbvio que a crença poderá e deverá mudar após isso.
A quarta explicação é praticamente tautológica: a “dúvida razoável” é “aquela
dúvida para a qual se pode oferecer uma razão’'. Em outras palavras, uma dúvida
razoável é uma dúvida que tem uma razão de ser. Uma dúvida razoável é uma
dúvida razoável!
Por fim, a quinta e última explicação é que a convicção da culpa “além da
dúvida razoável” significa “uma crença altam ente provável". A explicação significa.

433. FERRER BELTRÁN, La prueba es libertad..., cil., p. 33.


434. Segue-se, nesse ponto, a sistem atizado feita por LAUDAN, Verdad, error e proceso
penal..., cil., p. 68-83.
252 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

em outras palavras, que a “dúvida razoável” é traduzida como sendo uma dúvida
muito pouco provável, no sentido probabilístico do termo. A explicação se baseia,
claramente, em uma analogia com o standard de prova do processo civil, de mera
preponderância ou “probabilidade prevalecente”. Se basta ser mais provável que
não, isso significa que uma “baixa probabilidade” para os litígios civis. Por outro
lado, no caso da chamada “prova clara e convincente" haveria uma probabilidade
média. Finalmente, no caso da prova “além da dúvida razoável”, haveria uma
elevadíssima probabilidade.
O que se percebe é a dificuldade de trocar o adjetivo “razoável”, enquanto
qualificador da dúvida, por uma outra expressão que não seja vaga. Resumindo, cada
uma das cinco expl icações anteriores, em uma palavra-chave, tem-se que o razoável
foi trocadopor “importante”, “prudente”, “estável”, “razão” e “pro habilíssimo”. E
isto, sempre com vistas ao convencimento subjetivo dos jurados. A dúvida razoável
foi substituída por uma crença ou certeza “importante”, “estável”, que tem uma
“razão” ou “probabilíssima”. Ou que quem crê deve ser “prudente”. Em suma, as
tentativas de mudança em nada beneficiam a adoção de um standard de prova que
seja um critério de decisão objetivo ou, ao menos, intersubjetivamente controlável.
Por outro lado, também não parece correta a crítica que centra a preocupação
em estabelecer um patamar aceitável de dúvida a partir da gravidade dos fatos e da
relação entre quantos culpados absolvidos é aceitável em relação à proporção de
inocentes condenados. Laudan elenca seis relações distintas: é melhor dois culpados
absolvidos que um inocente condenado (Voltaire);é melhor cinco culpados absolvi­
dos que um inocente condenado à morte (Hale); é melhor dez culpados absolvidos
que um inocente condenado (Blackstone); é melhor 20 culpados absolvidos que um
inocente condenado à morte (Fortescue); é melhor 100 culpados absolvidos que
um inocente condenado (Benjamin Franklin) e é melhor 1.000 culpados absolvidos
que um inocente condenado à morte (Maimonides)!'135
Essa obsessão em identificar a proporção correta traz em si a dificuldade de
quem busca a fórmula mágica para se livrar da vagueza da “dúvida razoável” subs­
tituindo à por uma probabilidade em termos numéricos e, o que é pior, fundada
numa frequência de base. Utilizando a “fórmula de Blackstone”, a explicação é
dada nos termos de que, “se é melhor que dez pessoas culpadas se livrem do castigo
que um inocente sofra”, isso implica reconhecer que, a cada 100 julgamentos, dez
pessoas serão condenadas injustamente, admitindo-se de modo explícito que o
sistema gera casos de condenações falsas.
O equívoco de tal raciocínio não está em definir o número de condenações
falsas aceitáveis, mas em que o problema é falso, porque mal colocado. A questão
não é de probabilidade estatística nem de qualquer outro tipo de probabilidade.435

435. Verdad, error y proceso penal..., cit., p. 103.


EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 253

Trata-se de uma escolha de valor. Para superar o estado de inocência c preciso que
a hipótese acusatória tenha recebido um suporte em níveis elevados de standard
probatório e, se este umbral não for atingido, a presunção de inocência impõe a
absolvição do acusado.
Há uma deliberada escolha de resolver a dúvida não para minimizar os erros,
mas para minimizar as condenações errôneas! É resolver a dúvida cm lavor do
acusado. Para tanto, pouco importa se isso é expressado, metaforicamente, com
relaçãode 1 .0 0 0 ,ou 1 0 0 ,2 0 ,1 0 ,5 ,2 o u 1 inocente condenado a um culpado absol­
vido. Repita-se, a questão não é quantitativa, mas valorativa. Prefere-se distribuir
o erro privilegiando a inocência à culpabilidade. Proteger a liberdade, mesmo que
para isso se deixe de punir quem merecia. Para ver que não se trata de uma questão
quantificável, basta pensar na proporção de iguais possibilidades. Como explica
Stella, “o princípio segundo o qual c muito pior condenar um inocente que deixar
livre um culpado deve constituir a base garanlista do edifício do processo penal em
uma ‘cidade de homens livres’”.436

3.6.2.4. Propostas alternativas ao standard cie prova "além da dúvida


razoável"
O equívoco na posição que defende o standard probatório sob a fórmula da
prova - no sentido de resultado probatório positivo - “além da dúvida razoável”,
está na concepção da finalidade da prova: de que ela se destina a gerar uma crença
no julgador.437438
Todavia, partindo de uma premissa diversa, de uma concepção racionalista,
de que a decisão deve se fundar num método de corroboração de hipóteses fáticas,
com base na prova produzida, e não na crença do julgador, o que importa é se a
proposição fática está suficien temen te corrobo rada - e não falsificada por hipó teses
contrárias ou diversas - para ser tida por provada.436 Logo, o processo de valoração
serve para verificar se as hipóteses fáticas que constituem o thema probandum estão
ou não confirmadas pelas provas, c não para gerar uma crença no julgador.439
O que deve ser valorado é o grau de confirmação - e, conjuntamente, de não
refutação - que o standard exige para que a hipótese seja considerada provada e não
como um grau de crença do julgador. Assim, o problema principal não é quanto o

436. Olire il ragionevole dubbio..., cit.. p. 92.


437. FERRER BELTRÁN, Prolegómenos para una teoría sobre los estándares de p ru eb a ...,
cit., p. 404.
438. FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la prueba..., cit., p. 65.
439. FERRER BELTRÁN, La valoración racional de la p ru eb a .... cit., p. 6 5 . Laudan ( Ver­
dad, error e proceso penal..., cit.. p. 101) apresenta a mesma preocupação, criticando a
obsessão consistente em definir o beyond a reasonable doubt concentrando-se em estados
mentáis subjetivos dos membros do júri.
254 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

juiz está convencido, ou quanto de dúvida - razoável, séria, fundada, permanen­


te - resta em seu espirito.4'' O que o standard de prova deve definir é quanto de
suporte ou aval a prova confere à proposição fática, para lhe dar corroboração.440441
Assim é fora dos domínios jurídicos, assim deve ser no campo do processo
judicial. 4- Um standard de prova deve ser formulado em termos do vínculo infc-
rencial que deve existir entre as provas disponíveis e a hipótese de que se trate, para
o fim de considerar tal hipótese como uma proposição provada.443
Laudan, ferrenho crítico d o beyond a reasonable doubt, sugere o seguinte stan­
dard de prova para uma condenação: “«) a hipótese da culpabilidade pode explicar
a maior parte dos fatos mais importantes do caso; e b) a hipótese da inocência não
pode dar conta de nenhuma prova importante que seja inexplicável de acordo com
a hipótese da culpabilidade”.444
A proposta não pode ser aceita. Os fatos afirmados pela acusação não podem
ser valorados como uma stoiy. Se assim o for, buracos ou vazios probatórios, in­
clusive sobre elementos do crime, poderão ser preenchidos por provas de outros
fatos interligados. Além disso, a proposta não se esclarece qual o critério para
distinguir os “fatos importantes” dos fatos sem importância. E, mesmo entre os
“fatos importantes", independentemente do critério que se adote, não se esclarece
como distinguira “maior parte”, em relação à qual se necessita de prova, da “menor

440. Nesse sentido, para Haack (El probabilismo jurídico: una dimensión epistemológi­
c a ..., cit., p. 71), a crença do julgador nas provas é algo secundário, o que importa c o
peso das provas.
441. Como bem destaca Ferrer Beltrán (Lu valoración racional de la prueba..., cit., p. 146),
para que um standard de prova cumpra a função de funcionar como um critério racional
de decisão sobre a prova “deve, em primeiro lugar evitar vincular a prova com as crenças,
convicções ou dúvidas do sujeito que decide sobre os fatos. O grau de corroboração de
uma hipótese não depende do julgador possuir determinadas crenças, mas das predições
verdadeiras que se podem formular a partir das hipóteses e das dificuldades para dar conta
das mesmas predições a partir de hipóteses rivais". Nesse ponto, embora a premissa de
Laudan (Verdad, a r a r e proceso penal.... cit., p. 9 1) seja voltada para o sistema de jurados,
o autor refere que: “O assunto principal não é se os membros do júri, individualmente
e em conjunto, estão convencidos pela teoria do caso da acusação. A questão é se as
provas que viram e ouviram devem ser consideradas convincentes em termos de quanto
respaldam ou corroboram a hipótese da acusação sobre a culpabilidade do acusado".
442. Para Ferrer Beltrán (Prolegómenos para una teoria sobre los estándares de prueba...,
cit., p. 4 0 5 -4 0 6 ), a formulação de um standard de prova exige a observância de dois
tipos de exigencias: primeiro, deve ser adequada do ponto de vista epistémico ou me­
todológico e, em segundo lugar, deve apontar qual o fundamento do nivel de exigencia
probatória estabelecida no standard.
443. LAUDAN, Verdad, error e proceso penal..., cit., p. 126.
444. LAUDAN, Larry. Is it finallv time lo pul proof beyond a reasonable doubt’ out lo
pasture?. University oj Texas Law, Public Law Research Paper, n. 194, 2011. p. 7-8.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 255

parte", que não necessita estar corroborada por provas. Sequer há indicação se o
critério seria quantitativo ou qualitativo. Para que um standard de prova seja com­
pleto, deve exigir provas que suportem todos os fatos alegados pela acusação e que
sejam penal e processualmente relevantes. Na forma como proposta, satisfeita a
condição negativa b, seria possível a condenação sem que houvesse provas de fatos
que constituem a imputação penal, quer porque considerados não importantes,
quer porque seriam a minoria ou poucos os fatos acusatorios que não encontra­
ram confirmação nas provas. Por outro lado, com relação às alegações defensivas,
basta haver prova de “hipótese fálica” que leve à inocência, sendo compatível com
a “hipótese da culpabilidade".Uma segunda formulação de standard de prova,
alternativo ao “além da dúvida razoável”, é Ronald Alien, que propõe: “Se a teoria
do caso apresentada pela acusação é plausível e você não pode conceber alguma
história plausível na qual o acusado resulte inocente”.44’
A primeira crítica a ser feita é que a acusação é tratada, novamente, com uma
história do caso. Ou seja. uma versão única dos fatos que, ou é aceita in totum, por­
que plausível, ou é rechaçada, porque há outra história plausível de inocência que
a ela se opõe. Todavia, a imputação penal não é uma história única. Ao contrário,
trata-se de um conjunto de proposições fáticas teleologicamente interligadas, de
modo a preencher concretamente os elementos abstratos de um tipo penal. Admitir
que, para a condenação, baste uma história da acusação plausível, permite que o
acusador fique dispensado, indevidamente, de se desincumbirde parte de seu ónus
de demonstrar todos e cada um dos elementos do crime.
Por outro lado, em uma certa medida, a característica exigida para que a história
seja aceita é pouco precisa. Basta que seja “plausível”. Mas o adjetivo plausível tem
como um de seus significados, exatamente, ser “razoável". Em última análise, se
está trocando a “dúvida razoável” pela “história razoável”, com todas as sabidas
dificuldades inerentes à falta de referencial semântico mais objetivo e concreto
para tais adjetivos.
Em terceiro lugar, e essa é a crítica mais relevante, o grau de aval ou suporte
que se exige da prova de acusação é o mesmo da prova de defesa. Ou seja, acusa­
ção plausível que não seja desmentida por defesa igualmente plausível. Com isso,
na prática, a presunção de inocência, enquanto regra de julgamento, está sendo
claramente violada. O standard proposto equivale a atribuir, a cada uma das par­
les, o ônus da prova, em iguais intensidades. O acusador deve provar sua história
plausível para obter a condenação e a defesa deve provar que uma versão defensiva
é plausível, para que haja absolvição. Com isso, tem-se no processo penal algo
semelhante a um standard de prova de mera preponderância. Isso é adequado para
situações em que se busca somente minimizar os efeitos de sentenças erradas, mas45

445. ALLEN, Ronald. J. Factual ambiguity and a theory of evidence. Northwestern L-'ni-
xersity Law Review . 8 8 . 1994. p. 604.
256 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

não para o processo penal em que, por uma escolha ele valor, se eleve elesequilibrar
as chances ele erro judiciário, preferinelo-se uma absolvição equivocada a uma
condenação injusta.
Para Ferrer Beltrán, o standard dc prova adequado para o processo penal, para
que se possa considerar provada a hipeítese de culpabilidade,446exige que se deem,
conjuntamente, as seguintes condições: ( I) a hipótese deve ser capaz de explicar
os dados disponíveis, integrando-os dc forma coerente, e as predições de novos
dados que a hipótese permita formular devem ter seus resultados confirmados;
(2) devem ter sido refutadas todas as demais hipóteses plausíveis explicativas dos

446. Em estudo posterior, Ferrer Beltrán (Prolegómenos para una teoria sobre los están­
dares de prueba..., cit., p. 41 6 ) afirma não ser adequado para o processo penal adotar
um único standard de prova para a decisão final sobre a hipótese acusatória” e, partindo
de tal premissa, apresenta a proposta de seis distintos standards de prova, com graus
variados de suporte probatorio: Standard de prova 1 - "Para se considerar provada
uma hipótese sobre os fatos, devem ocorrer, conjuntamente, as seguintes condições:
a) A hipótese deve ser capaz de explicar os dados disponíveis, integrando-os de forma
coerente, e as previsões de novos dados que a hipótese permite formular devem ler
sido confirmadas e aportadas como prova no processo, b) Devem ter sido rechaçadas
todas as demais hipóteses plausíveis explicativas dos mesmos dados que sejam com­
patíveis com a inocência do acusado, excluídas as meras hipóteses ad Iwc": Standard
de prova 2 - “Para se considerar provada uma hipótese sobre os fatos, devem ocorrer,
conjuntamente, as seguintes condições: a) A hipótese deve ser capaz de explicar os
dados disponíveis, integrando-os de forma coerente, e as previsões de novos dados
que a hipótese permite formular devem ter sido confirmadas e aportadas como prova
no processo, b) Deve ter sido rechaçada a hipótese alternativa formulada pela defesa,
caso seja plausível, explicativa dos mesmos dados e compatível com a inocência do
acusado, salvo quando se tratar de mera hipótese ad hoc"; Standard de prova 3 - “Uma
hipótese sobre os fatos considerar-se-á provada quando ocorrerem, conjuntamente,
as seguintes condições: a) Que a hipótese seja a menor explicação disponível sobre
os fatos cuja ocorrência se trata de provar, á luz dos elementos de prova existentes no
expediente processual, b) Que o peso probatório do conjunto de elementos de prova
relevantes incorporados ao processo seja completo (excluídas as provas redundantes)”;
Standard de prova 4 - “Uma hipótese sobre os fatos considerar-se-á provada quando
ocorrerem, conjuntamente, as seguintes condições: a) Que a hipótese ofereça uma
melhor explicação sobre os fatos que se deve provar do que a hipótese da parte contrá­
ria, à luz dos elementos de prova existentes no expediente processual, b) Que o peso
probatório do conjunto de elementos de prova relevantes incorporados ao processo seja
completo (excluídas as provas redundantes)"; Standard de prova 5 - “Uma hipótese
sobre os fatos se considerará provada em um processo quando: A hipótese seja a melhor
explicação sobre os fatos cuja ocorrência se deve provar à luz dos elementos de prova
existentes no expediente processual"; Standard de prova 6 — “Uma hipótese sobre os
fatos se considerará provada em um processo quando: A hipótese ofereça uma melhor
explicação sobre os latos cuja ocorrência se deve provar do que a hipótese da parte
contrária, à luz dos elementos de prova existentes no expediente processual" (op. cit.,
p. 4 1 7 -4 1 8 ).
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 257

mesmos ciados que sejam compatíveis com a inocência do acusado, excluídas as


meras hipóteses ad lute.447
A proposta tem o mérito de considerar a relação entre prova e enunciado fálico,
e não entre prova e convencimento do julgador. A despeito desse ponto positivo,
não pode ser acolhida.
Com relação à primeira parte do standard proposto, não tem sentido exigir que
as provas, além de darem suporte ou corroboração para a hipótese fática posta em
julgamento, também autorizem fazer predições de novos fatos. O processo penal,
como mecanismo epistèmico, é destinado à verificação de proposições sobre fatos
passados, acontecimentos que já ocorreram. Não há que se cogitar da necessidade
de que as provas permitam fazer predições ou juízos futuros. Isso pode ter sentido na
fase inicial, de investigação, que envolve atividade abdutiva, com formulação de
hipótese inicial, colheita de elementos de informação e, se necessário, abandono
da proposição primeira e formulação de nova hipótese. Esse, contudo, é o papel
do investigador, mas não do juiz, no momento da sentença. Ao julgador cabe
verificar se as provas permitem explicar as hipóteses fáticas postas pela acusação
ao formulara imputação. Se comprovadas, condena-se. Caso contrário, indepen­
dentemente de como ou quão diversos possam ler se passado os fatos, segundo o
que demonstrou a prova, o resultado somente pode ser absolutório.
O segundo enunciado que compõe o standard de prova apresentada trata do
grau exigido para as provas que dão suporte aos fatos alegados pela defesa. Uma
hipótese defensiva que encontre confirmação em um segmento da prova, ainda que
em menor intensidade que o aval dado pelas provas diversas em favor da hipótese
da acusação, deve ser suficiente para levar ao reconhecimento de que a imputação
não está provada e, havendo dúvida, o acusado será absolvido. Todavia, esse juízo
deve ser realizado com relação às provas existentes e às hipóteses fáticas efetiva­
mente aduzidas pela defesa (p. ex.: tendo invocado um álibi ou alegado estado de
necessidade). Novamente, não há sentido em exigir que não existam provas que
excluam "hipóteses plausíveis explicativas dos mesmos dados”. O que pode levar
à absolvição são provas efetivamente existentes, que confirmam uma hipótese for­
mulada pela defesa, ainda que em menor intensidade. É inviável exigir que o juiz,
diante de todas as teses passíveis de serem alegadas pelo defensor, fique especulando
se alguma delas poderia ter ocorrido no caso. Por outro lado, limitaras explicações
probatórias às alegações defensivas efetivamente formuladas torna desnecessária
a ressalva de “hipóteses ad hoc”. Ou se trata dc uma tese concretamente posta pela
defesa, cabendo avaliar se restou confirmada em algum grau, ou não é preciso que
o juiz fique fazendo lucubrações fantásticas ou formulando hipóteses cerebrinas.

447. FERRER BELTRÁN, La valoración racional dc la prueba..., cit., p. 147 e segs.; Idem,
La prueba es libertad..., cit., p. 36: Idem. Prolegómenos para una teoría sobre los están­
dares de prueba..., cit., p. 417.
258 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

Antes de formularmos uma proposta alternativa ao standard de prova "além


de qualquer duvida razoável', é de se atentar para unía exigencia constitucional:
adotada a presunção de inocencia como opção política do legislador, independen-
teniente da "fórmula verbal" em que se consubstancie o standard de prova, não
se pode exigir da hipótese defensiva, o mesmo grau de confirmação da hipótese
acusatoria." s Em outras palavras, para que unia hipótese defensiva seja apta a
levar à absolvição, basta que ela seja meramente afirmada mas, por outro lado,
dela também não se pode exigir o mesmo grau de confirmação ou corroboraçâo
probatória que se exige da hipótese acusatória.
Além disso, é preciso estabelecer duas premissas diferentes das que foram
adotadas nas sugestões já examinadas. A primeira: há somente uma hipótese a ser
verificada no processo penal, que é a hipótese acusatória. A segunda: a hipótese
acusatória deve ser provada em relação a cada um dos segmentos fáticos que a
compõem, c não como um todo incindível.
Quanto à primeira premissa, no processo penal há apenas uma hipótese
fática concreta a ser verificada: a imputação formulada pelo acusador. Se a impu­
tação restar provada, o acusado será condenado. Se ficar demonstrado que a im­
putação não é verdadeira, será absolvido. Também será absolvido no caso de haver
dúvida sobre a imputação. E, nesse caso. o acusado continuará tão inocente como
antes. O processo penal não c um processo de adjudicação de um direito controver­
tido entre duas partes que se dizem titulares dele. Não se disputa um bem da vida.
Num litígio civil, para usar a expressão chiovendiana, o ideal de efetividade c que
o processo possa dar "a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que
tem o direito de obter”.-M9 É um processo para atribuir o direito a quem tem razão.
Não é essa, por outro lado, a finalidade do processo penal. Como instrumento para
o exercício do poder punitivo estatal, o processo penal tem só um objeto a ser veri­
ficado: a imputação fática formulada pela acusação. Se, ao final do procedimento
e depois da instrução, ela não restar provada, nos níveis exigidos pelo standard de
prova estabelecido, a pretensão é jugada improcedente. Estará mantido o status
quo ante, isto é, o status innocentiae do acusado.
Passa-se à justificação da segunda premissa. A imputação penal, embora seja
o único objeto do processo a ser verificado, é composta de um conjunto de afir­
mações fáticas que precisam ser provadas individual e unitariamente. A finalidade
da instrução processual não é verificar se há provas que permitam considerar de­
monstrada ou não a "história acusatória” como um lodo e de modo incindível. Ê

448. Com explica laeoviello (1 criteri di valutazione delia prova..., cit., p. 4 0 9 ) para pre­
valecer, a hipótese da acusação deve infligir destaque notável em relação às hipóteses
rivais.
449. CHIOVENDA, Giuseppe. Saggi di diritta procesuale civile. Romo Foro Italiano, 1930.
v. I. p. 110.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 259

perfeitamente possível que haja elementos que dão suporte a urna parte dos fatos
afirmados pela acusação, restando outros aspectos fálicos não demonstrados. Não
vigora, pois, uma lógica do tudo ou nada. Se todas proposições fáticas em que se
decompõe a imputação restarem provadas, o acusado será condenado. Se o acusado
demonstrar que algum aspecto fático da imputação é falso, será absolvido. Mas
também será absolvido, no caso de haver dúvida sobre qualquer elemento fático
que integre a imputação.
Diante de tudo o que foi exposto, a hipótese acusatoria deve ser confirmada
por um conjunto concordante de elementos de confirmação, bem como deverá tcr
resistido às hipóteses defensivas. E, para que essas tenham força para derrubar a
hipótese acusatoria com ela incompatível, basta a prova dos fatos afirmados pela
defesa, ainda que em intensidade menor. Expressando de modo mais simples,
enquanto que para confirmar a acusação é exigível uma pluralidade de provas
concordantes, para confirmar uma hipótese defensiva, hasta uma prova da hipótese
defensiva e a tese acusatória estará derrubada.430
Assim, o standard de prova no processo penal, para que haja uma condenação
deve ser: a) há elementos de prova que confirmam, com elevadíssima probabilidade,
todas as proposições fáticas que integram a imputação formulada pela acusação; e,
b) não há elementos de prova que tornem viável ter ocorrido fato concreto diverso
de qualquer proposição fálica que integre a imputação.
Além de lhe ser oponível as objeções feitas em relação às pro postas anteriores,
o modelo de standard de prova que sugerimos tem algumas vantagens.
A primeira vantagem é deixar claro que o processo de valoração consiste
em verificar provas que confirmem os fatos. Isto é, parte-se das provas para os
fatos já imputados. Portanto, o standard é formulado em lermos de provas que450

450. Nesse sentido: 1ACOVIELLO, I critcri di valutazione delia prova..., cit., p. 407; AN­
DRÉS IBÁÑEZ, Sobre a motivação dos fatos na sentença penal..., cit., p. 97. Antes da
reforma legislativa italiana de 2 0 0 6 , que incorporou ao art. 530 a expressão “al di lã di
ogni ragionevole dubbio”, Ferrua (II libero convincimento dei giudicc penale..., cit.,
p. 75) defendia a aplicação do standard de prova da culpabilidade "oltre ogni ragionevole
dubbio". Mas, explicando no que ele consistia, afirmava ser necessário “que todos dados
probatórios fossem acuradamente examinados no contexto, procurando elementos de
confirmação, mas sobretudo verificando a sua resistência a toda possível falsificação". E
resumia “nada fora do contexto”. Jã Perfecto Andrés Ibáñez (A argumentação probatoria
e sua expressão na sentença..., cit., p. 5 1) parece ser um pouco menos exigente, como
se verifica do seguinte passo: “uma hipótese pode ser considerada verdadeira quando
se mostra compatível com os dados probatórios, porque os integra e explica em sua
totalidade, harmónicamente; e não resulta desmentida por nenhum deles. Isso não
quer dizer que uma boa hipótese não possa deixar algum ‘cabo solto', algum dado sem
explicar. Mas este, para tc-la por válida, nunca pode ser fundamental na economia da
mesma".
260 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PRO VA PENAL

justifiquem, a partir da inferencia probatoria, os fatos afirmados. As formulações


anteriormente analisadas partiam das hipóteses para sugerir em que medida elas
estariam justificadas por pro vas.
O segundo aspecto positivo é quanto ao criterio de gradação do suporte que
as provas dão às hipóteses fálicas. Sugere-se expressão que. de modo mais simples
e direto, remete a um significado mensurável: “elevadíssima probabilidade”, em
vez de expressões que não são unívocas e, mais conmínente se referem a proprie­
dades não escalonáveis, como razoabilidade ou plausibilidade. Esclareça-se que,
de acordo com as premissas do trabalho, trata-se de probabilidade não matemática
ou quantificável em números. Exige-se uma elevadíssima probabilidade lógica
(baconiana). a partir da força de confirmação da hipótese imputada e da eliminação
de hipóteses rivais.
O terceiro ponto positivo diz respeito à delimitação mais clara da espécie
de hipótese fática defensiva (ou favorável ao acusado) que permitirá, mesmo
com um grau menor ou mesmo baixo de suporte probatório, desde que encontre
confirmação em algum segmento probatório e não tenha sido refutada, concorrer
com a hipótese acusatória, ainda que com menor força ou probabilidade lógica,
mas mesmo assim, conduzirá à absolvição,451 É necessário que seja uma hipótese
sobre fatos concretos efetivamente suscitados pela defesa, ou mesmo que tenha
surgir ao longo do processo (p. ex.: a partir na narrativa de algumas testemunhas,
ou segundo um documento juntado nos autos), como uma hipótese viável, isto é,
apta a explicar os fatos.
Nos termos apresentados, trata-se de um standard de prova adequado ao méto­
do de valoração de prova fundado na probabilidade indutiva lógica ou “baconiana”,
que não se estabelece em termos numéricos ou quantitativos.452 O próprio Cohén
afirma que o standard de prova beyonda reasonable doubt não pode ser expresso em
termos matemáticos: “aquilo que parece necessário na prática para a valoração da
prova em um processo penal é uma lista dos vários pontos que devem ser todos
comprovados, e das várias alternativas que devem ser excluídas, relativamente a cada

451. Evidente que essa não será uma escolha explicada apenas por critérios racionais.
Entre uma hipótese com maior probabilidade e outra com menor probabilidade, a ra­
zão determina que se opte pela de maior probabilidade. Como já exposto, a questão é
justificada por razões axiológicas, impostas pelo legislador e não por razoes puramente
lógicas. Sobre o tema. ef.. supra, item 3.6.2.2.
452. HAACK, El probabilismo jurídico: una dimensión epistem ológica..., cil.. p. 77. Tam­
bém Ferrcr Beltrán (Prolegómenos para una teoria sobre los estándares de prueba.... cil.,
p. 403) afirma que se o raciocínio probatório se desenvolve por meio de uma probabi­
lidade indutiva, não matemática, “os standards de prova, portanto, não poderão indicar
numericamente o grau de suficiência probabilística necessária para dar por provada
uma hipótese".
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 261

um dos elementos do crime, se a culpa deva ser provada além da dúvida razoável.
Toda vez que dispomos de tal lista, oua supomos, uma graduação de probabilidades
matemática parece de todo supérflua. A força da conclusão probatoria depende só
da medida em que a lista está confirmada”.4”
Além de adequado ao método de probabilidade indutiva ou lógica, busca-se
substituir a vaga e incerta expressão alcm da dúvida razoável, que é relativa à crença
do julgador, por outra, no caso, “elevadíssima probabilidade' que mais claramente
qualifica o que efetivamente importa, em termos epistemológicos: o grau de suporte
que a prova dá às hipóteses fáticas, e permite realizar, a partir de urna lei científica
ou regra geral de cobertura, a inferencia probatoria. O que se deve mensurar não é
o convencimento do julgador sobre a hipótese fálica,4” mas o grau de suporte que
as provas dão à hipótese fática posta em julgamento.

3.6.3. O ônus da prova no processo penal


Um aspecto relevante da presunção de inocência, enquanto regra de julga­
mento no processo penal, é que, diversamente do que ocorre no campo civil, não
há verdadeira repartição do ônus da prova.4534455 O ônus da prova não supõe que exista.

453. COHEN, The probable and lhe provable..., cit., p. 83. Embora sem tratar cia questão
sob o enfoque do standard de prova, para Ferrajoli (Diritto e ragionc..., cit., p. 131), “a
hipótese acusatória para ser aceita corno verdadeira, deve não só ser confirmada por
mais provas e não desmentida por nenhuma contraprova, mas também prevalecer sobre
todas as possíveis hipóteses com ela em conflito, que devem ser falsificadas por modus
tollens, segundo o esquema (r). Se não foram falsificadas nem a hipótese acusatória nem
a hipótese com ele concorrente, a dúvida é resolvida, com base no princípio in dubio
pro rco, em desfavor da primeira".
454. HAACK. El probabilismo jurídico: una dimensión epistemológica..., cit.. p. 66.
455. Nesse sentido: BETTIOL, Giuserppe. La regola in dubio pro reo nel diritto e nel
processo penale. Scritti Giuridici. Padova: CEDAM, 1666. t. 1. p. 315; BETTIOL, Giu­
serppe. Sulle presunzioni nel diritto e nel processo penale. Scritti Giuridici. Padova:
CEDAM, 1966. t. 1. p. 355; e M1CHEL1, Gian Antonio. L'onere delia prova, reimp.
Padova: CEDAM, 1966. p. 272. Segundo Magalhães Gomes Filho (Direito à prova no
processo penal..., cit.. p. 4 7 ) “a regra de repartição do ônus da prova não se aplica ao
juízo criminal, pois neste, em virtude da presunção de inocência do réu. o encargo de
prova incumbe exclusivamente à acusação” (destaques no original). Em sentido con ­
trário. para ALLEX. Ronald. Los estándares de prueba y los limites dei análisis jurídico.
In. VÁZQUEZ. Carmen (E d .). Estándares de prueba y prueba cientifica. Ensayos de
epistemología jurídica. Madrid: Marcial Pons, 2013. p. 47, as cargas de persuasão são
recíprocas: “mesmo no processo penal, em que se diz, erroneamente, que os acusados
não tém ônus de persuasão sobre os elementos do delito, na realidade ele os tem. Uma
vez mais, a afirmação de que a acusação deve provar os elementos do delito mais além
de toda dúvida razoável e a afirmação de que o acusado deve mostrar que há uma
dúvida razoável são equivalentes".
262 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

necessariamente, uma repartição de tal ônus.45hMesmo que não haja repartição do


ônus da prova, é necessário que haja regra de julgamento,4,7 determinando que em
qualquer caso, a dúvida sobre fato relevante será decidida sempre contra o autor,
ou então contra o réu. No caso do processo penal, o in dubio pro reo é uma regra de
julgamento unidirecional.458O ônus da prova incumbe inteiramente ao Ministério
Público, que deverá provar a presença de todos os elementos necessários para o
acolhimento da pretensão punitiva.459
Para usar a regra do processo civil, ao Ministério Público caberá não só o ônus
da prova da existência do falo constitutivo do direito de punir, como também da
inexistência dos fatos impeditivos de tal direito.

3.6.4. Interação e influência recíproca entre o standard de prova e o ônus


da prova
Na dinâmica probatória, é no momento da decisão que o julgador terá que
considerar se uma determinada afirmação fática foi ou não provada.

456. Nesse sentido: SARACENO, La decisione sul falto incerto..., cit., p. 129; e 1LLUMINAT1,
La presunzione d’innocenza dell’imputaio..., cit., p. 107. Observa Dinamarco (A instru-
mentalidade do processo..., cit.. p. 303. nota 8 3 ) que “são coisas diferentes a distribuição
do ônus da prova (v.g., art. 333 CPC) e o próprio ônus, ou seja, o seu peso"' (destaques
no original).
457. Nesse sentido: M1CHEL1, L’onere delia prova..., cit., p. 124, nota 187; ILLUM1NATI.
La presunzione d’innocenza dell'imputaio..., cit., p. 107.
458. Segundo Micheli (L’onere delia prova..., cit.. p. 270), no processo penal, incumbe à acu­
sação tanto o acertamento positivo dos fatos constitutivos como o acertamento negativo
dos fatos impeditivos, razão pela qual não há verdadeira e propriamente uma repartição
do ônus da prova. Diante de tal situação, segundo Illuminali (La presunzione d’innocenza
dellhnpuiato..., cit., p. 107) o conceito de ônus da prova torna-se redundante, porque define
uma situação que se reduz à vedação de condenar o acusado se a sua culpa não estiver com­
pletamente provada. Justamente por isso. não é cabível se cogitar de aplicação do chamado
“ônus da prova dinâmico" no processo penal. Permitir ao juiz que, de acordo com qualquer
critério, altere a regra de julgamento e atribua ao acusado o ónus da prova implicará violar
a presunção de inocência em seu corolário do in dubio pro reo. Para uma crítica da chama
teoria do “ônus dinaminco da prova", cf.: FENOLL, Jordi Nieva; BELTRAN. Jordi Ferrer; e
GIANNIN1, Leandro J. Contra la angu de la prueba. Madrid: Marcial Pons, 2019.
459. Nesse sentido: BETTIOL, La regola in dubio pro reo nel diritto e nel processo pena-
te..., cit., p. 3 1 6 :1LLUM1NATI, La presunzione d’innocenza dell’imputato..., cit.. p. 105:
DELITALA, Giacomo. II fallo nella teoria genérale dei reato. Padova, 1930. p. 140. nota
2; SABATINI. Guglielmo. Principi di diritto processuale penale. 3. ed. Catania: Casa dcl
Libro, 1948. v. I. p. 473; GAITO, Alfredo. Onere delia prova e processo penale. Pros-
pettive di indagine. La giustizia penale 111/513-526. 1975. p. 513 e 522; FERRAJOL1.
Diritto c ragione..., cit., p. 626; Presunzione di non colpevolezza. Digesto delle discipline
penalistiche..., cit., v. IX. p. 688: e SILVA JARDIM, Afrânio. Ônus da prova na ação penal
condenatoria. Direito processual penal 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 214.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 263

Um enunciado fático será considerado provado se, depois de um processo


racional de valoração, com base na probabilidade indutiva, tiver obtido o grau
de suporte probatório necessário para satisfazer o standard de prova aplicável à
espécie: mera preponderância, ou prova clara e convincente, ou prova “além de
qualquer dúvida razoável”.
Por outro lado, considerando o ônus da prova em seu aspecto de regra de ju l­
gamento, a ser utilizada pelo juiz somente quando não tiver certeza sobre a verdade
de uma afirmação fálica necessária para a formação do raciocínio judicial, uma vez
atingido o standard probatório, o juiz não precisará utilizar a regra de julgamento
consubstanciada no ônus da prova. Dizendo o óbvio: somente se aplica o in dúbio
pro rco, se houver dúvida. Porém, se foi atingido previamente o standard de prova
para que o fato seja considerado comporovado, isto é, demonstrado é porque dúvida
não há. Assim, um juízo positivo, de atingimento do standard probatório, torna
desnecessária a utilização da regra de ônus da prova. Por outro lado, se o juízo é
negativo, e não se atingiu o standard de prova, por exemplo, da prova “além de
qualquer dúvida razoável", não se lendo chegado a um juízo de certeza, é necessário
que o juiz lance mão das regras de julgamento para decidir o caso: in dúbio pro reo.
Portanto, na dinâmica probatória, primeiro se coloca a questão do standard
de prova e, depois, do ônus da prova. Havendo prova suficiente para atingir o
elevadíssimo standard exigido para o processo penal, o juiz decidirá sem que se
coloque o problema do ônus da prova. A hipótese fática será considerada provada
e, com ela, deverá se trabalhar no processo de subsunção da lei penal. Por outro
lado, não atingido o standard probatório, diante da dúvida, o juiz se valerá do ônus
da prova como regra de julgamento e decidirá em favor do réu.
Há, contudo, uma segunda forma de analisara interação recíproca entrestandard
de prova e ônus da prova, em que a relação é invertida: somente porque no processo
penal todo ônus probatório é da acusação, não havendo distribuição do ônus da prova,
mas uma regra unidirecional, fazendo-o pesar inteiramente sobre os ombros do acu­
sador, é que se justifica, do ponto de vista axiológico, para preservação da liberdade, a
adoção de um standard de prova bastante elevado quanto aos fatos imputados. Se assim
não fosse, num sistema em que pesasse sobre o acusado o ônus da prova sobre determi-
nadasafirmaçõesdefensivas (p. ex.: a legítima defesa), manter um standard probatório
elevado significaria, em tais situações, dificultar sobremaneira a posição defensiva:
somente se todos os requisitos da excludente de ilicitude estivessem demonstrados,
por exemplo, “além de qualquer dúvida razoável”, o acusado seria absolvido.
Ou seja, para se definir o ponto de convencimento ou o nível de prova neces­
sário para que um fato seja considerado provado, é importante saber, previamente,
como terá que decidir o juiz em caso de dúvida sobre tal fato.460

460. Essa relação de interação entre ônus da prova e standard de prova, para a distribuição
do risco de erro também é destacada por FERRER BELTRÁN, Prolegómenos para una
teoria sobre los estándares de prueba..., cit., p. 412.
264 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

Nesse ponto, é fundamental perceber que, apesar da denominação tradicional


de presunção de inocência, tal garantia não é uma “presunção" em sentido técnico­
-probatório do termo. Não se trata de presunção judicial ou simples, (praesumptiones
hominls) nem de presunção relativa (inris tantiun). Nas presunções judiciais, o ma­
gistrado passa de um fato provado a outro não provado, por meio de uma inferência.
Com base na prova de um determinado fato x, que não constitui o theinaprobandum,
o juiz, por meio de um processo mental;461 conclui pela ocorrência do fato v. este
sim, objeto da prova. Provada a ocorrência do fatox, o juiz presume a ocorrência do
fatoy. Na presunção legal relativa, provado o fatox, o legislador considera provado
o fato_y, admitindo, contudo, que a outra parte prove a sua inocorrência.
Na chamada “presunção" de inocência, não há um fato provado do qual se
infere um outro fato. Não há alteração da regra de julgamento normalmente aplicá­
vel, juntamente com a modificação do objeto da prova. Como afirma Bettiol, com
razão, a presunção de inocência, “de presunção só tem o nome”.462 O que se tem é
um estado de inocência de todo e qualquer cidadão, assegurado pela Constituição.
Há, assim, uma hipótese inicial de inocência decorrente de uma plausibilidade
legal, sendo a partir de tal status que se justifica, ao final do processo, a aplicação
da regra probatória do in dubiopro reo.463

3.7. Contexto da justificação


Motivar significa justificar, ejustificar significa justificar-se, dando as razões de
sua própria operação c admitindo, em linha de princípio, a legitimidade das críticas
potenciaise, consequentemente, a legitimidade de umcontrole.464 Por outro lado. ter
que dar razões é o que permite distinguir a argumentação de outros procedimentos
de resolução de problemas, como o uso da força.465 No processo penal, para usar
uma dicotomia formulada por Ferrajoli, um modelo cogniti vista se baseia no saber e

461. Vicente Greco Filho (Direito processual civil brasileiro. 11. ed. São Paulo: Saraiva,
1996. v. 2. p. 208) explica que a presunção não é um meio de prova, “mas sim uma for­
ma de raciocínio do juiz, o qual. de um fato provado, conclui a existência de outro que
é o relevante para produzir a consequência jurídica". No mesmo sentido posiciona-se,
também, DINAMARCO, Cândido Rangel. Ônus dc contestar e efeito da revelia. Revista
cie Processo, n. 41, jan.-mar. 1986. p. 192.
462. BETTIOL, La regola in dubio pro reo nel diritto e nel processo penale..., cit., p. 313:
Idem, Sulle presunzioni nel diritto e nel processo penale..., cit.. p. 344.
463. IACOV1ELLO, Motivazione delia sentenza p en ale..., cit.. p. 7 6 3 . De modo sem e­
lhante. Alfredo Vclez Mariconde (Derecho procesal penal. Córdoba: Imprenta de la
Universidad, 1956. v. 11. p. 27) afirma que o princípio da presunção de inocência "não
consagra uma presunção, mas um estado jurídico do imputado, o qual é inocente alé que
seja declarado culpado por uma sentença firme".
464. G1ANFORMAGGIO, Letizia. Filosofia del diritto e racionamento giltriduo. Torino:
G.Giappichelli, 2018. p. 93.
465. AT1ENZA, El derecho como argumentación..., cit., p. 73.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 265

suas decisões devem vir acompanhada de razões, enquanto um modelo decisionista


se funda no poder, que não exige explicações para o ato de decidir.
A Constituição estabelece, entre os princípios do Poderjudiciário, que todas as
decisões serão “fundamentadas” (art. 93, caput, IX ).466Nem poderia ser diferente. Um
sistema de julgamento penal em que se adote uma decisão semjustificação não pode ser
considerado como compatível com uma epistemología judiciária que se funde numa
concepção racional da prova e, portanto, um modelo garantista de processo penal.
Sob o enfoque dos momentos da dinâmica probatória, embora o contexto da
justificação ocorra depois de já terem sido valoradas as provas, isso não faz com que
não exista relação entre ambas atividades .467 Quem tem que valorar a prova e, de
decidir, age de modo potencialmente diverso quando sabe que sua opção terá que
ser justificada.468Sem a necessidade de justificar suas escolhas, o ato de julgamento
torna-se incontrolável,469 podendo ser determinado pelos mais variados fatores,
como condenar alguém por ter uma aparência feia.470

466. Mesmo no caso do Tribunal do Júri, não há qualquer vedação constitucional para que a
decisão dos jurados seja fundamentada. O sigilo das votações, assegurados constitucional­
mente (art. 5o, caput, XXXVIII, a alinea b), equivale ao voto secreto, ou seja, que ninguém
sabia o conteúdo do voto de cada jurado. Isto é, se o jurado votou "sim" ou "não". Evidente
que se cada jurado tiver que fundamentar os seus votos, indiretamente estará sendo revelado
o conteúdo do mesmo, e quebrado o sigilo das votações. Mas isso não impede que haja uma
motivação única, que expresse as razões de decidir pelas quais os jurados, em seu conjunto,
consideraram que a hipótese fática posta em votação por meio de quesito estava ou não
provada. Já houve razões históricas que justificavam a decisão imotivada dos jurados. O
júri que decidia por meio de veredito imperscrutável fruto da intima convicção de cada
jurado, era aceito por representar uma forma de vuv populi que, por definição, pronuncia
decisões justas. Voxpopuli, voxDei representava que o assentimento do povo era o critério
de verdade. Aliás, não é por acaso que os Tribunas do Júri eram compostos normalmente
por doze jurados, em clara alusão aos doze apóstolos a expressar a palavra de Deus. Nesse
contexto, Taruffo (La semplice verità..., cit..p. 25) explica que a noção de “verdade segundo
a consciência” do jurado era "suficientemente ampla para cobrir inclusive erros de inter­
pretação das provas", sendo estabelecida “independentemente da correspondência ou não
do veredito com as provas relativas à realidade dos fatos".
467. Iacoviello (I criteri di valutazione delia prova..., cit., p. 39 6 ) afirma que o livre con­
vencimento e a motivação devem ser vistos “em uma interação recíproca".
468. UBERT1S, Pro/ili di cpistemologia giudiziaria..., cit., p. 27. Não é sem razão que.
para Canzio (Prova scientifica, ricerca delia ‘verità" e decisione giudiziaria nel processo
penale..., cit., p. 69) o arquétipo do raciocínio probatório é prefigurado com clareza nos
artigos 192, corama 1°, e 546, comma 1o, letra c. do CPP italiano, que tratam justamente
do conteúdo da motivação da sentença.
469. Perfecto Andrés lbánez (Sobre a Motivação dos Fatos na Sentença Penal..., cit.. p. 63)
destaca que o dever de motivar é "uma exigência de caráter político: busca-se, com ele,
uma garantia contra o arbítrio".
470. O exemplo foi extraído de um estudo realizado, com o objetivo de considerar a
influência da atratividade física c da etnia dos réus sobre a decisão dos jurados, em
266 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

De outro lado, ao saber que terá que motivar, quem decide procura escolher a
hipótese de acordo com um método que possibilite uma posterior justificação de
suas escolhas." 1Por isso, Ferrajoli destaca corno valor fundamental da motivação
ser uma garantia cognitiva do julgamento penal, que quanto ao juízo de fato asse­
gura a vinculação do julgamento à prova.'1'- A motivação é um verdadeiro limite à
liberdade do juiz c uma verdadeira garantia contra o arbítrio,473Os métodos racionais
de decisão, enquanto acessíveis aos concidadãos, posto que fundados em padrões

júris simulados, apresentado na Conferência Anual British Psychological Society, no


ano de 2007. O estudo consistiu em dar a cada um dos 9 6 voluntários a transcrição
de um roubo fictício, com uma foto do suposto réu. A descrição do crime era sempre
a mesma, mas fotos diferentes foram anexadas. Metade recebeu a foto de um suspeito
atraente e a outra metade de um suspeito feio. Os jurados voluntários tinham que de­
cidir se o suspeito era inocente ou culpado e, neste último caso, também tinham que
decidir sobre o grau da culpa. Os resultados revelaram a maior propensão a absolver
os suspeitos atraentes, apesar de não haver qualquer outra prova a seu favor ([www.
dailym ail.co.uk/news/article-443754/Ugly-defendants-likely-guilty-attractive-ones.
himl]. Acesso em 0 9 .0 6 .2 0 1 8 ). Por outro lado, há quem sustente haver um fundamento
para que pessoas feias cometam mais crimes que individuos bonitos. Não se trata de
recorrer aos antigos estudos lombrosianos. Recentemente, Nanei Mocan e Erdal Tekin
(Ugly Criminais, Rcview oj Economics and Statistics, n. 93. feb. 2010. p. 15-30) susten­
taram que, ser muito atraente, reduz a propensão de um jovem adulto para atividades
criminosas; e ser pouco atraente, aumenta-o. Como premissas, afirmam que ser muito
atraente também c positivamente associado aos salários e aos resultados dos testes de
vocabulário em adultos, o que implicaria que a beleza pode ter um impacto na formação
de capital humano. Os resultados da pesquisa sugerem que uma penalização no mercado
de trabalho gera um incentivo direto para que indivíduos pouco atraentes se envolvam
em atividade criminosa. O nível de beleza no ensino médio está associado, segundo os
Autores, a uma propensão criminal que se manifesta de sete a oito anos depois, o que
parece ser devido ao impacto da beleza no ensino médio sobre a formação de capital
humano, embora esse caminho pareça ser efetivo apenas para mulheres.
471. Partindo da distinção entre "m otivação-atividade", realizada pelo juiz no processo
psicológico de decisão, e “motivação-produto” (ou “motivação-documento"), consistente
na justificação externada na sentença, Comanducei (RazonamientoJurídico..., cit., p. 89)
afirma que na primeira fase. num processo penal garantista, o juiz deve adotar critérios
internos no descobrimento dos fatos e, sobretudo, na justificação das escolhas sobre os
fatos; e de modo análogo, esses critérios refletirão na etapa do discurso justificativo da
“motivação-documento”. No mesmo sentido: GASCÓN ABELLÁN, La valoración de la
prueba..., cit., p. 385.
472. FERRAJOLI. Diritio e ragione..., cit., p. 6 4 0 . No mesmo sentido: MAGALHÃES
GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 97. De modo semelhante
Leonardo Greco (Limitações probatórias no processo civil Revista Eletrônica de Direito
Processual - REDP. p. 6) afirma que “o discurso justificativo das decisões sobre os fatos
deve ter por função a demonstração lógico-racional da correspondência das afirmações
aos fatos do mundo real".
473. IACOV1ELLO, I criteri di valutazione delia prova..., cit., p. 396.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 267

de conhecimento compartilhados em uma sociedade, num determinado periodo


histórico, são os mais aptos a tal mister.4, 4 Assim, a motivação tem uma função de
controle que se projeta na etapa anterior, de valoração da prova, evitando que seja
contaminada por “certezas subjetivas” do juiz, pois essas não poderão ser. poste­
riormente, justificadas no contexto seguinte.4'’ Em outras palavras,a necessidade
de apresentar uma argumentação racional parajustificara sua decisão obriga o juiz
a decidir segundo métodos racionais.474547647
Os critérios de solidez da inferência probatória têm, assim, dupla função: de
um lado, depois da tomada a decisão sobre os fatos, serve para justificá-la; de outro,
servem previamente como um guia do raciocínio judicial dirigido para a prova da
verdade do enunciado fálico e, consequentemente, a tomada de decisão.“"
Por outro lado como valorar consistir em, diante dos elementos de prova dis­
poníveis, verificarse há razões para considerar como verdadeiras certas afirmações
em confronto com outras em sentidos diversos, a motivação é não apenas possível,
como necessária para possibilitar um controle dc tal atividade de convencimento.
Além disso, permite um controle intersubjetivo, na atividade recursal, para veri­
ficar o erro ou o acerto das inferências probatórias realizadas na fase anterior. Em
suma, a exigência racional de que o juiz justifique as suas decisões, que se traduz
no dever constitucional de fundamentar todas as decisões judiciais, é fundamental
para reduzir a discricionariedade judicial em matéria de valoração das provas.
Ressalte-se, por outro lado, que nada disso tem sentido se o processo de va­
loração da prova for baseado em uma convicção interna do julgador. Como em tal

474. Sammarco (Método probatório e modelli di ragionamento..., cit., p. 15) observa que,
como a lógica permite a comunicação entre os seres humanos, as razões que justificam
os provimentos judiciais devem ser de natureza lógico-jurídica, ele modo a tornar com ­
preensível a todos os cidadãos. Se as decisões forem fundadas em razões objetiváveis,
serão suscetíveis, como afirma Perfecto Ibánez (A argumentação probatória e sua ex­
pressão na sentença..., cit., p. 4 7 ) de “verbalização e dignas de serem tidas como inter­
subjetivamente válidas”. Aliás. Piero Calamandrei (Proceso y democracia. Trad. H. Fix
Zamundio. Buenos Aires: EJEA. 1960. p. 115) já destacava que “a motivação constitui
o signo mais importante e típico da ‘racionalização’ da função judicial".
475. MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 148. No
mesmo sentido: TUZET, Filosofia delia prova giuridiea..., cit., p. 16. O juiz, explica
Iacoviello (1 criteri di valutazione delia prova..., cit., p. 3 9 6 ), escolhe e decide no âm­
bito do motivável, decidindo aquilo que ele pode motivar. Por isso, a motivação é um
verdadeiro limite à liberdade do juiz e uma verdadeira garantia contra o arbítrio.
476. MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais..., cit., p. 11 4 -1 1 5 .
No mesmo sentido: LiBERTIS, Profili di epistemologia giudiziaria..., cit.. p. 27.
477. GONZÃLES LAGIER, Hechos y argumentos: ... In: Quaestio facti..., cit., p. 71. Como
bem destaca Gascón Abcllán (La valoración de la prueba..., cit., p. 385) a tomada de de­
cisão c guiada pela expectativa de sua justificação, e quem decide não se refere seriamente
a uma hipótese como sendo verdadeira, se não tiver passado por suficientes controles.
268 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

sistema a decisão será incontrolável imersubjetivamente, a justificação decorre da


autoridade de quem decide e na crença das partes e da população como um todo
no seu "bom senso". Além disso, a posterior atividade recursal não terá por obje­
tivo verificar os erros ou acertos da sentença. O recorrente apenas buscará obter a
convicção dos membros do tribunal—já que não o conseguiu em relação ao ju iz -,
que na arquitetura judiciária apenas terão o privilégio de se convencer por ultimo,
sendo essa a decisão prevalecente.

3.7.1. Espécies de justificação: justificação interna e externa


O objeto da prova não é o fato em sim, mas um enunciado sobre fatos. Essa
natureza linguística do “fato” também se projeta sobre a justificação do juízo de fato
feita na sentença, que não tem por objeto os fatos brutos, mas sim uma entidade
linguística, isto é, um enunciado sobre fato que o juiz considerou racionalmente
provado.
A justificação é, portanto, um procedimento argumentativo que visa asseve­
rar que uma entidade linguística está dotada de valor.478*480No caso de enunciados
descritivos de fatos, o valor que a justificação atribui ao enunciado linguístico é
o valor de verdade ou de probabilidade das descrições.470 Uma decisão racional é
uma decisão justificada e uma decisão jurídica estará justificada considerando as
suas premissas e as regras de inferência utilizadas.4811
Sobre as espécies de justificação, utiliza-se com frequênciaa dicotomia propos­
ta por Wóblewski, entre justificação interna c justificação externa.481 A justificação
interna diz respeito à validade das inferências feitas, a partir das premissas, para se
chegará decisão judicial, tomada como conclusão daquelas. O esquema teórico
da justificação interna de uma decisão judicial se configura como um silogismo
decisório, em que a premissa maior é constituída pela norma que o juiz considera
aplicável ao fatos do caso; a premissa menor é constituída por um enunciado sobre
os fatos que tem por objeto uma ação que pertence à classe das ações prevista na
norma; e a conclusão adscreve a consequência jurídica prevista na norma para a
ação objeto do juízo.482 O silogismo jurídico, como justificação interna de uma
sentença, se apresenta na forma dedutiva, em que a premissa maior é uma norma
jurídica válida, geral e abstrata; a premissa menor é a descrição de um caso concreto

478. COMANDUCC1. Razonamiento jurídico..., cit., p. 50.


470. COMANDUCC1, Razonamiento Jurídico.... cit., p. 53.
480. WRÓBLEWSKI, Jerzy. Legal decision and its justifications. Logique et Analyse, nou­
velle série, v. 14. n. 53/54. Le Raisonnement Juridique: Actes du Congrès Mondial de
Philosophie du Droit et de Philosophie Sociale, mar.-jun. 1971. p. 412.
481. WRÓBLEWSKI. Legal decision and its justifications..., cit., p. 412.
482. COMANDUCC1, Razonamiento Jurídico..., cit.. p. 72-73.
EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 269

e, como conclusão, tem-se unía norma individual e concreta que constitui o disposto
na sentença.4834856Trata-se de silogismo subsuntivo por modo tolla is: se ocorrem as
circunstancias X, então deve ocorrer a consequência jurídica ). 81
A justificação interna exige coerência entre as premissas da decisão e a própt ia
decisão,48 ’ mas se trata apenas de uma justificação formal, que não envolve a verifi­
cação da solidez das premissas, sendo inadequada para representar a complexidade
da decisão judicial e permitir o scu controle institucional. ’8:'
Já a justificação externa tem um escopo muito mais amplo e diz respeito a so­
lidez das próprias premissas487 utilizadas da justificação interna.488No que importa
para o presente trabalho, a justificação externada envolve a verdade ou, se preferir,
o grau de probabilidade de ser verdadeira que se atribui à premissa menor sobre
os fatos.48'1A inferência probatória realizada pelo julgador consistirá na premissa
menor do silogismo da sentença penal.490
Segundo Wóblewski, as decisões sobre os fatos são expressa em proposições
como, p. ex., “o fato F ocorreu no tempo í no local que é a forma elementar de
uma proposição existencial.491Já a demonstração da verdade ou da falsidade desse
enunciado depende da relação dele com outros enunciados a partir dos quais ele é
inferido. Esses enunciados serão “provados". A forma mais simples da decisão sobre
um enunciado estar provado é: “F ocorreu em í nol.de acordo com as provas Pl...Pn".
Ainda assim, para ligar as provas da veracidade do enunciado sobre o fato, é neces­
sária uma inferência por meio de leis científicas, máximas de experiência ou mesmo
experiências comuns. Nesse caso, a fórmula da decisão será: “F ocorreu e t no I, de
acordo com as provas Pl...Pn, baseado na máxima de experiência M E 1... MEn’’.492

483. C0MANDUCC1, Razonamiento Jurídico.... cit.. p. 84.


484. ATIENZA, Razonamiento Jurídico.... cit., p. 207.
485. COMANDUCC1. Razonamiento Jurídico..., cit., p. 72.
486. WRÓBLEWSK1, Legal decisión and ils justifications..., cit., p. 412.
487. Para uma análise da justificação externa, quanto às premissas jurídicas: VVRÓBLE-
WSK1, Legal decisión and its justifications..., cit., p. 4 1 3 -4 1 4 ; COMANDUCC1, Razo­
namiento Jurídico..., cit., p. 94-105.
488. WRÓBLEWSK1, Legal decisión and its justifications, p. 412.
489. Como destaca Comanducci ( Razonamiento Jurídico..., cit.. p. 109) “no modelo teórico
garantista, a premissa menor está constituída por um enunciado (factual) verdadeiro.
Neste modelo, verdadeiro' significa ‘mais provável que qualquer outra hipótese alter­
nativa que explique os falos do caso”’. Cabe ressaltar que, com relação ao conteúdo
do que significa verdadeiro, a questão se liga à definição do standard de prova, que foi
analisado, supra, cap. 3, itens 3.6.2 e 3.6.4.
490. Nesse sentido: MAT1DA; HERDY, As inferências probatórias..., cit., p. 232.
491. WRÓBLEWSK1, Legal decisión and its justifications ..., cit., p. 414.
492. WRÓBLEWSKI, Legal decisión and its justifications..., cit.. p. 415. Esse esquema pode
se tornar mais complexo, no caso em que a máxima de experiência seja substituída por
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

3.7.2. O conteúdo da motivação do juízo de tato

Resta definir, em termos concretos, o conteúdo do juízo de fato que se con­


substanciará na justificação externa na sentença e integrará, sinteticamente, a
premissa menor da justificação interna.
E comumente aceita a tese de que a motivação não é uma descrição do itcr
psicológico seguido pelo juiz para chegar à decisão, prevalecendo a posição de que
se trata de uma exposição das justificativas das escolhas do juiz, demonstrando
que estas estão fundadas cm bases racionais para as tornar aceitáveis.49' Realmente,
o processo psicológico do juiz para chegar a uma decisão judicial pode ser bastante
independentemente da justificação dada expost factum para tal decisão.494
Por outro lado, é possível distinguir a motivação enquanto “escolha” ou “ado­
ção ’ de motivos, realizada ao longo da atividade de valoração da prova, com vistas
a tomada de decisão pelo juiz, de um lado; e a motivação enquanto justificação
externada na sentença, de um processo de decisão já concluído e realizado, de outro.
Trata-se do que Comanducci denomina, respectivamente, de “motivação-atividade”
e de “motivação-produto” (ou “motivação-documento").495
A chamada “motivação-atividade”, realizada pelo julgador, no processo de
valoração da prova e tomada de decisão, foi analisa no contexto da valoração.
Um modelo cognitivista e racional de valoração da prova adotado na tese tem um
caráter propositivo quanto tal espécie de atividade: o juiz deve seguir para tanto
os cânones epistemológicos, valendo-se de uma probabilidade lógica ou indutiva.
Resta analisara chamada motivação-produto ou a atividade de justificação
que o juiz deve expor na sentença, quando aos juízos de fato realizados e que serão
a premissa menor da decisão.
Muito além da vazia fórmula do livre convencimento, a justificação do juízo de
fato no processo penal exige que, na fundamentação da sentença, o juiz argumente

uma regra legal de valoração de prova. No caso de uma regra positiva, por exemplo, a
morte de alguém está provada pelo atestado de óbito, a fórmula seria: “A morte de A
ocorreu e i no I. de acordo com o atestado de óbito, baseado na regra legal sobre prova
do art. 155, par. un., c.c. art. 62, ambos do CPP'\ Também poderá ser uma conclusão
baseada em uma regra de prova legal negativa, que veda a consideração de que um fato
está provado, exclusivamente, com base em uma determinada prova. Assim, por exemplo:
“Não está provado o oferecimento de vantagem ilícita feita por A ao funcionário públi­
co F, que ocorreu e ( no I, tendo sido produzida apenas a prova consistente na delação
premiada de D, baseado na regra legal sobre prova do art. 4°, § 16, da Lei 12.850/2013 .
403. Nesse sentido: TARUFFO, La motivazione delia senlenza civile..., cit., p. 107 e segs.:
idem, La prova dei jatti giuridici.... cit., p. 4 0 8 : ANDRÉS 1BÁÑEZ, A argumentação
probatória e sua expressão na sentença..., cit., 47.
404. WRÓBLEWSKI, Legal decisión and ilsjustificaiions..., cit., p. 412.
405. Razonamiento jurídico.... cit., p. 80.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATÓRIOS 271

dando as razões de uma decisão epistemológicamente correta, com inferencias ló­


gicas que expliquem as questões de fato, de acordo com todas as pro vas produzidas,
indicando as opções e escolhas sobre o grau de resistencia da hipótese acusatoria
em relação às outras hipóteses diversas ou antagônicas, à luz do s(cuulanl de prova
de alta probabilidade lógica, necessário para que possa concluir como provada uma
afirmação de fato. sendo, dessa forma, considerada verdadeira.496
Nesse esquema argumentativo da justificação externa, quanto ao juízo de
fato, o magistrado ser valerá de um método indutivo, no qual exporá, como uma
das premissa, os dados fáticos constantes dos elementos de prova obtidos com os
meios produzido (testemunhos, documentos, perícias etc.), que se ligarão a outra
premissa que será regra geral consistente em uma lei científica, ou numa máxima
de experiência ou ainda em generalizações do conhecimento comum, para se obter
uma conclusão, que será apenas provável, no sentido de que os fatos ocorrerem
como demonstram as provas.497
Motivar o juízo de fato, como explica Taruffo, significa “explicitar, sob a forma
de argumentação justificativa, o raciocínio que permite atribuir uma determi­
nada eficácia a cada meio de prova, e que sobre esta base se funda a escolha a favor
da hipótese sobre o fato que, de acordo com as provas disponíveis, encontra
um grau mais elevado de confirmação lógica. Isso implica que a motivação deva
dar conta dos dados empíricos assumidos como elementos de prova, das inferências
que partindo destes foram formuladas, e dos critérios empregados para extrair as
conclusões probatórias; também a motivação deve dar conta dos critérios com os
quais se justifica a valoração conjunta e complessiva dos diversos elementos de
prova, e das razões que fundam a escolha final quanto à validade das hipóteses
sobre o fato”.49849
Na motivação o juiz deve explicitaras razões de seu convencimento, com base
em todo o material probatório utilizado no contexto da valoração.49“ A motivação.

496. CANZIO, Prova scientifica, ricerca delia 'veriià' e decisione giudiziaria nel processo
penale..., cit., p. 79.
497. ATIENZA, Razonamiento jurídico..., cit., p 210.
498. La prova dei fatti giuridici..., cit., p. 409.
499. Como bem observa Magalhães Gomes Filho (Princípios gerais da prova.... cit.. p. 4 3 ),
“O Código de 1 9 4 1 , ao prever que na sentença o juiz indique singelamente ‘os motivos
de fato (art. 381.111), não atende completamente ao sentido daquela garantia essencial
ao exercício da função jurisdicional, deixando pouco claro o cometido da exigência de
justificação em relação ao juízo sobre os fatos". E, noutra obra (MAGALHÃES GOMES
FILHO, A motivação das decisões peitais..., cit., p. 2 4 2 ), complementa explicando que a
motivação “não objetiva simplesmente indicar os motivos - no sentido de antecedentes
causais —para explicara decisão, mas dar razões que justifiquem a solução encontrada
num contexto intersubjetivo" (destaques no original). Por sua vez, Ávila (Teoria da
prova..., cit.. p. 126-127) refere-se ao criterio da abrangência ou completado dos meios
272 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

nesse sentido, deve ser completa, indicando todos os meios de prova que foram
\alorados. E insuficiente indicar apenas aqueles que, nesse conjunto total, foram
considerados como suporte ou aval das afirmações fáticas que foram consideradas
provadas.' O juiz também deverá explicitaras razões pelas quais considerou que
os elementos que davam suporte para afirmações fáticas antagônicas ou diversas
não foram suficientes para que tais hipóteses fossem consideradas provadas. Em
outras palavras, deve indicar os elementos de provas que foram a base do seu con­
vencimento, bem como a razão pela qual os elementos em sentido diverso não o
convenceram.’01 Esse aspecto, inclusive, é fundamental na segunda etapa da valora-
ção da prova, consistente no juízo de falsificação da tese acusatória, em que se deve

de prova, que serve para "determinar se iodos os dados relevantes foram devidamente
selecionados, apresentados e interpretados. [...] O referido critério, pois, não apenas
investiga o que foi considerado e como foi considerado; indaga também o que não foi
considerado. Sua função precipua é a de avaliar como se situam os meios de prova
considerados perante outros meios de prova que deixaram de ser considerados, mas
que. se tivessem sido devidamente considerados, poderiam alterar ou mesmo infirmar
a conclusão havida como comprovada. Por isso se afirma: Assim, uma investigação
factual intensa não pode ser limitada à questão de saber se um dado falo é correto ou
se em razão dele a decisão parece ser coerente. Em vez disso, é preciso determinar se
a decisão que produz consequências legais é suportada pela totalidade dos fatos. Isso
inevitavelmente implica examinar não apenas os fatos em que tal decisão se baseia ou
que tenham sido por ela apresentados, mas também considerar a relevância dos fatos
que podem ter sido omitidos ou que não lhe tenham servido de base, o modo como
os latos utilizados foram selecionados, apresentados e interpretados e como seu valor
probatório pode ser comparado com o de outros fatos".
500. Evidente que não é suficiente o juiz dizer que da análise da prova se convenceu num
ou noutro sentido. Motivar é indicar o porque! Como bem explica José Carlos Barbosa
Moreira (O que deve e o que não deve figurar na sentença. Temas de direito processual:
oitava sírie. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 121) quanto à profundidade da valoração do
juízo de fato. "devem ser evitadas referência genéricas e não justificadas do tipo: "'a
prova produzida pelo autor não convence'. Com isso o juiz de maneira alguma se desin-
cumbiu do dever de motivar: ele tem de explicar por que não lhe pareceu convincente
a prova produzia pelo autor. Analogamente, quando o juiz afirma: as alegações do réu
não ficaram comprovadas’, ele precisa demonstrar que isso realmente aconteceu; se as
provas produzidas pelo réu não o convenceram, que ele exponha os motivos pelos quais
não ficou convencido”.
501. SAMMARCO, Método probatorio e modelli di ragionamento..., cit., p. 253. O CPP ita­
liano, em seu art. 546, letra e elenca, entre os requisitos da sentença Tindicazione delle
prove poste a base delia dccisione stessa e Tenundazione delle razioneper lc quali il giudice
ritiene non attendibili le prove contrario'. No mesmo sentido, considerando ser essa uma
decorrência do direito à prova: FERRER BELTRAN, La valoración racional de la prueba. . .,
cit., p. 57. Na doutrina nacional, considerando que a mesma exigência decorre do art. 93,
inc. IX, da Constituição: MAGALHÃES GOMES FILHO, A motivação das decisões penais....
cit., p. 149, Idem, Princípios gerais da prova..., cit., p. 43.
EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E CONTEXTOS PROBATORIOS 273

verificarse não há outra hipótese compatível com conjunto probatório explicativa


dos falos. Em outras palavras, ao analisar somente os elementos de prova que con­
firmam a hipótese acusatória, a motivação dará conta apenas da primeira etapa da
atividade de valoração do conjunto probatório, sendo insuficiente e incompleta.,l -
Aliás, com vistas à impugnação da decisão pela parte prejudicada pelo resul­
tado, muitas vezes é mais importante a justificativa negativa do porquê as provas
por ela invocadas como aptas a dar suporte para os fatos por ela alegados não foram
consideradas atendíveis, do que saber os motivos pelos quais as hipóteses contrárias
foram consideradas provadas.
O dever de motivar exige do juiz não apenas que forneça uma justificação
logicamente correta e coerente de sua decisão, mas também que demonstre a efe­
tiva subsistência de uma plena correspondência entre os elementos probatórios
existentes nos autos e o conteúdo do que foi por ele decidido na sentença.’"3 Daí
por que, além da obrigação mais elementar de apresentar um discurso justificativo
para sua decisão, deve o magistrado apresentar uma fundamentação completa, em
que se apresentem as razões de cada uma das escolhas parciais que conduzem à
decisão final; ademais, cumpre-lhe demonstrar que foram levados em consideração
todos os elementos potencialmente úteis à decisão.
Todas essas exigências de justificação da decisão judicial impõem um esforço
argumentativo demasiado intenso para o juiz. A motivação sobre os juízos de fato,
em que há grande margem de discricionariedade para o julgador, tem uma impor­
tância que vai além da simples constatação se a decisão está bem ou mal motivada. O
que está em jogo, como diz Perfecto Ibáñes “é o ser ou não ser racional do exercício
da jurisdição, ou ser ou não ser da jurisdição mesma”.50253504

502. Sobre as três etapas que se sucedem na atividade de valoração da prova: (i) confir­
mação; (ii) falsificação; (iii) definição comparativa, cf.. supra, item 3.5.
503. SANTORIELLO, Ciro. Motivazione (controlli sulla). Digesto delle discipline penalis-
tiche. Torino: Litet, aggiornamcnto , 2008. t. II. p. 700.
504. “Carpintaria" da sentença penal (em matéria de fato)..., cit.. p. 151.
C O N C LU S Õ ES

Ao longo do trabalho, para permitir um melhor encadeamento lógico, fo­


ram formuladas conclusões parciais ao final dos diversos tópicos. Não é o caso
de reproduzi-las nesse momento. Assim, no encerramento da pesquisa, e a título
de síntese, serão sumariadas e enunciadas apenas as conclusões que nos parecem
fundamentais para que o leitor compreenda a proposta de epistemología judiciária
formulada para o processo penal:
1 - 0 processo penal é o instrumento legal para a verificação de uma impu­
tação, na qual se atribui a alguém a prática de um fato definido como crime e, em
caso de conclusão positiva, de imposição de uma sanção, legitimando o exercício
do poder punitivo.
2 - 0 resultado do processo penal somente será justo e legítimo se respeitadas
três condições necessárias, cada uma seja insuficiente por si só: um correto juízo
sobre os fatos, com uma reconstrução dos fatos conforme ocorreram;um correto
juízo de direito, com uma acertada interpretação da lei e aplicação da norma aos
latos; e, por fim, o funcionamento do instrumento processual, respeitando direitos
e garantias das partes, com estrita observância do rito legal.
3 - A imparcialidade do juiz é uma condição essencial para o exercício da
função jurisdicional e também para um correto juízo de valor sobre as provas. As
partes são as titulares do direito à prova e os sujeitos principais da sua produção. O
juiz pode ter poderes instrutórios supletivos e complementares ao direito à prova
das partes, não perdendo a sua imparcialidade se, no curso do processo, se limitar
a determinar a produção do meio de prova correspondente a uma fonte de prova
relevante já existente, para esclarecer alegações dos fatos imputados pelo acusador
ou alegados pela defesa. A imparcialidade do juiz é uma garantia processual epis­
temológicamente positiva, e a existência de poderes instrutórios do juiz fortalece
a busca da verdade em caso de insuficiência da atividade das partes.
4 - 0 contraditório é uma garantia constitucional fundamental, que integra
o próprio conceito de processo. Permitindo o funcionamento de uma estrutura
dialética no desenvolvimento da atividade das partes, o contraditório tem uma
relevantíssima função heurística. É necessário jurídica e epistemológicamente.
5— A presunção de inocência é uma escolha política, orientada pela preservação
da liberdade como valor fundamental do ser humano. A presunção de inocência
define como o juiz deve decidir em caso de dúvida sobre fato relevante: aplicando
o in àubio pro reo. Trata-se, portanto, de garantia epistemológicamente neutra, pois
276 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAI

o problema epistémico já estará superado, em sentido negativo. Por outro lado, ao


implicar um standard de prova elevado, a presunção de inocencia interfere no tema
epistemológico da definição do que é necessário para considerar um fato verdadeiro.
6 - A motivação das decisões judiciais c uma garantia processual que legiti­
ma a atividade jurisdicional, bem como um potente instrumento de controle da
valoração da prova. O dever de motivar exige que o juiz adote criterios racionais
de valoração da prova. pois. desse modo, a posterior justificação de suas escolhas
poderá ser explicada de maneira acessível a todos. É uma garantia processual e
epistemológicamente positiva.
7 - 0 duplo grau de jurisdição, ao possibilitar o controle intersubjetivo do
juízo de fato e, em especial, da valoração da prova, favorece a justiça da decisão c
a sua correção. Além de ser uma garantia processual do acusado, o duplo grau de
jurisdição é de um potente mecanismo epistémico.
8 - A duração razoável do processo, desde que se aceite a premissa de que a
verdade é uma condição necessária para a decisão justa, e que ela deve estar fundada
em provas, é uma garantia processual que protege a verdade. Garantir uma razoá­
vel duração do processo é dar tempo para obtenção do conhecimento verdadeiro,
impedindo que, sob a justificativa da necessidade de soluções imediatistas e de
urgencia, haja um julgamento sem a adequada c correta reconstrução dos fatos.
9 - A busca da verdade é compatível com o processo penal acusatorio, desde
que seja entendida como uma verdade cujo conhecimento estará inevitavelmente
condicionado à falibilidade dos meios de reconstrução histórica, e que deve ser
obtida respeitando as regras e as garantias processuais.
10- 0 fato que integra o objeto do processo penal é um acontecim ento
histórico, um trecho da realidade que será recortado a partir de sua repercussão,
considerando um específico tipo penal e os seus elementos. O seu ingresso no
processo penal se dará por meio da imputação penal.
11- 0 objeto da prova não é o fato concreto em si, mas uma afirmação sobre
os fatos. O que será provado como verdadeiro ou falso será a afirmação do fato e
não o fato em si.
12 - No processo penal, a verdade deve ser concebida segundo a teoria da cor­
respondência. A realidade deve ser o critério de verdade. É necessário que haja uma
relação de correspondência entre uma entidade linguística (o enunciado que contém o
fato a ser provado) e uma entidade extralinguística (o fato real objeto do julgamento).
13 - Partindo de um conceito de verdade como correspondência, não há que
se cogitar de uma verdade aproximativa ou “graus” de verdade. O que é relativo ou
limitado é o conhecimento sobre a verdade do enunciado, mas não a verdade em si.
14 - Na epistemología judiciária, não é correto caracterizar o raciocínio pro­
batório do juiz, na sentença, como sendo dedutivo. Não há uma premissa geral.
CONCLUSÕES 277

de caráter universal e verdadeira, à qual se possa aplicar outra premissa concreta e


particular, que permita se obter uma conclusão também verdadeira sobre os fatos.
15 - No campo da prova judicial, o juiz se vale basicamente dc um raciocínio
indutivo. O juízo fundado sobre prova é logicamente incerto. Nenhuma prova
poderá dar a certeza ao julgador, somente tornando mais ou menos provável o
juízo de culpabilidade, sem implicá-lo como absoluto ou necessariamente certo.
1 6 -N a ciência atual, não há conhecimento universal e absoluto, mas apenas
probabilidades. Uma lei científica deve ser submetida à verificação, mediante testes
repetidos e sucessivos, passando assim por um método de falsificabilidade. As leis
científicas que se fundam numa elevada probabilidade podem ser utilizadas como
lei geral de cobertura para justificar um raciocínio infercncial.
17 - As máximas de experiência extraíveis do senso comum e os próprios
conhecimentos do senso comum são fundados em generalizações plausíveis, com
base em observação do ulquod plerum queaccidit. Podem ser utilizadas no raciocínio
probatório inferencial, desde que gerem conhecimentos atendíveise adequados ao
caso concreto, devendo ser claramente indicadas na fundamentação da decisão,
pois constituirá uma das premissas da justificação externa da sentença
18 - O processo compreende uma atividade cognitiva, realizada com base nas
provas produzidas, para a verificação da veracidade ou falsidade dos enunciados
fáticos formulados pelas partes. A impossibilidade de se atingir o conhecimento
total da verdade não retira a importância de trabalhar com um modelo de aplicação
da teoria do conhecimento ao campo do processo penal.
19 - A verdade sobre os enunciados fáticos é uma das condições necessárias
para a justiça da decisão, ao permitir um correto juízo de fato, estabelecendo qual
afirmativa fática deve ser considerada como verdadeira, e sobre qual haverá a sub-
sunção da hipótese legal aplicável ao caso concreto.
20 - A Epistemología Judiciária se assenta em uma concepção racionalista,
fundada nas seguintes premissas: a epistemología é cognitivista ao invés de cética;
a teoria da verdade como correspondência é preferível à teoria da verdade como
coerência; o modelo de tomada de decisão deve ser racional; o modelo de raciocínio
para tanto é o indutivo; e a busca da verdade é um meio para a decisão justa, tendo
um valor elevado, ainda que não insuperável.
21 - A Epistemología Judiciária tem a finalidade de aplicar conceitos e ins­
trumentos epistemológicos no contexto judicial, para que o processo seja um
instrumento cognitivo. Com isso, os instrumentos utilizados para a produção da
prova, sua valoração e a decisão final terão padrões lógicos e racionais que permi­
tirão um controle intersubjetivo, limitando a discricionariedade do juízo de fato
e, consequentemente, o abuso do poder punitivo estatal.
2 2 - A Epistemología Judiciária não almeja que o processo seja caracterizado
como um “ótimo epistêmico", transformando-o no melhor modelo de descoberta
278 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

da verdade. As regras e os critérios epistêmicos devem ser aplicados respeitando


outros valores igualmente relevantes para o processo, especialmente aqueles que
compõem o devido processo legal, ainda que em alguma medida sejam, até mesmo,
antiepistêmicos.
23- A distinção comum no âmbito do conhecimento científico entre o contex­
to da descoberta e o contexto da justificação é útil para a Epistemologiajudiciária,
mas precisa de adaptações para servir como modelo de análise do conhecimento
sobre os fatos a serem obtidos no âmbito processual.
24- 0 modelo proposto de Epistemologiajudiciária apresenta uma sequên­
cia subdividida em cinco contextos: (i) contexto da investigação; (ii) contexto
da instrução; (iii) contexto da valoração; (iv) contexto da decisão; e (v) contexto da
justificação.
2 5 - No contexto da investigação, prevalece um raciocinio abdutivo, por meio
do qual o investigador deverá, diante dos elementos iniciais disponíveis, elaborar
uma hipótese explicativa para o fato, e depois submetê-la a testes ante a descoberta
de novos elementos, que poderão confirmá-la ou, caso não resista a esses novos
dados, levar à elaboração de urna nova hipótese de trabalho.
26- 0 contexto da instrução envolve a produção dos elementos de prova que
serão posteriormente valorados para a decisão. Trata-se de momento em que há
forte presença de regras legais de admissão c produção de prova. A exigencia legal
de que as provas sejam produzidas em contraditório constitui uma importante ga­
rantia epistemológica, por permitir o funcionamento de um mecanismo dialético.
27 - Do ponto de vista epistêmico, quando se busca acertar a verdade de um
enunciado fãtico, deve se poder utilizar todas as informações úteis para tal fina­
lidade, segundo o princípio bemhamiano da tolal cvidence principie. O processo,
contudo, se sujeita a limites legais de adm issibilidade da prova de naturezas lógica,
política e epistemológica.
28 - Os limites lógicos de admissibilidade da prova cumprem funções ló­
gicas e epistemológicas. Do ponto de vista lógico, a não admissão de provas ma­
nifestamente impertinentes ou irrelevantes evita ingresso de material inútil. São
epistemológicamente positivos, ao defender a admissão de toda prova pertinente
e relevante, assegura-se potencialmente o ingresso de tudo o que possa colaborar
para a reconstrução dos fatos.
29 - Os limites políticos extraprocessuais, ou regras de inadmissão da prova,
justificam a exclusão de provas ilícitas, com a eliminação de material probatório
que ostente potencial cognitivo, dificultando o atingimento do objetivo de uma
correta reconstrução histórica dos fatos.
30 - A regra de exclusão da prova ilícita é antiepistêmica, mas atende a outras
finalidades do ordenamento jurídico, como de preservação de liberdades públicas
CONCLUSÕES 279

asseguradas constitucionalmente, normalmente ligadas ¿t proteção da privacidade


e da intimidade, bem como de respeito de garantias do devido processo legal.
31 - Os limites epistemológicos de admissibilidade da prova visam assegurar
que não ingressem no processo elementos de provas que, embora relevantes e do­
tados de elevado potencial persuasivo, poderiam gerar uma inexata reconstrução
histórica dos fatos. Porém, sem uma definição clara de tais limites, o legislador
muitas vezes pode criar regras epistemicamente contraproducentes. Sob a justifi­
cativa de melhorar a qualidade do material probatório a ser valorado, impede-se,
equivocadamente, a utilização de informações úteis que, além de não comprometer
a busca da verdade, poderiam favorecê-la.
3 2 - 0 contexto da valoração é o ponto culminante da atividade probatória.
Com a adoção do princípio do livre convencimento, o legislador não estabelece qual
modelo de valoração da prova deve ser utilizado pelo juiz. Esse é o campo em que
a Epistemología Judiciária mais tem a colaborar com o processo, fornecendo um
método racional de valoração da prova, que possibilite um controle intersubjetivo
do juízo de falo e, consequentemente, limite o arbítrio judicial.
33 —Sob o enfoque da hipótese fálica a ser provada, o procedimento de va­
loração da prova pode ser dividido em três etapas que se sucedem em relação de
prejudicialidade: (i) confirmação; (ii) falsificação; e (iii) definição comparativa.
3 4 - 0 resultado da atividade de valoração da prova probatória, baseado em
um raciocínio indutivo, somente permitirá um conhecimento probabilístico, mas
nunca uma certeza lógica.
35 - Os métodos probabilísimos, de natureza bayesiana, tanto na modalidade
de probabilidade estatística quanto como probabilidade subjetiva, são inadequados
para o raciocínio judicial.
36 - A probabilidade estatística é uma probabilidade de eventos que des­
preza os elementos concretos do caso e, principalmente, as provas produzidas.
Além disso, a probabilidade estatística permite determinar a frequência com que
um tipo de fenômeno se verifica, num total de uma classe mais geral, mas não se
consegue estabelecer a probabilidade de ocorrência de uma hipótese concreta que
se pretende verificar.
37 - A probabilidade subjetiva é uma probabilidade de proposições que busca
estabelecer qual “grau de crença” é racional ter em uma hipótese, dado um elemento
de julgamento. Sua inadequação ao raciocínio judicial decorre do fato de que uma
crença inicial deverá ser arbitrariamente escolhida pelo juiz, fazendo com que
julgadores distintos cheguem a resultados diversos. Isso porque a probabilidade
subjetiva visa apenas demonstrara racionalidade da mudança de crença, em razão
de um determinado elemento novo, que não fora considerado anteriormente. Ela
permite extrair conclusões coerentes a respeito do juízo de partida (da crença
inicial), qualquer que seja ela. Não é isso que faz um juiz.
280 EPISTEMOLOGIA JUDICIÁRIA E PROVA PENAL

38- 0 melhor método para a valoração da prova judicial é o da probabili­


dade indutiva ou lógica, de tipo baconiano, nos moldes expostos por Jonathan
Cohen. Trata-se de uma probabilidade não matemática, baseada no método de
induções eliminativas. Com base nos elementos disponíveis, o ju iz valora o grau
de suporte que o meio de prova dá para uma hipótese sobre um evento particular
e desconhecido. A força da inferência vai aumentando à medida que a hipótese
vai superando os controles probatórios elaborados para falseá-la, o que aumenta
a sua probabilidade.
39- A inferência probatória a ser realizada na valoração da prova deve seguir,
com adaptações, o modelo de argumentação de Toulmin, aplicando-se as noções
fundamentais de proponente e oponente, atuando numa estrutura dialética, em que
o raciocínio se desenvolve a partir de interações nas quais se apresentam pretensões
(clains), razões (grounds'), garantias (warrants) e apoio (backings). Além disso, a
força da conclusão dependerá dos qualificadores modais (qualifiers) aplicáveis,
bem como será possível excluir a própria conclusão, se estiverem presentes as
condições de refutação (rebuttals).
40 - A “Inferência para a Melhor Explicação” (Inference to the Best Explana­
tion) não é adequada como modelo de inferência probatória para o processo penal.
Trata-se de um processo inferencial complexo, que consiste em elencar, entre
diferentes hipóteses explicativas em disputa, qual delas explica os fatos de melhor
modo. O procedimento se baseia num raciocínio abdutivo para buscar a hipótese
mais plausível. Não há um parâmetro único para definir como considerar uma hi­
pótese “a melhor”. O método é inadequado para representar o modelo de raciocínio
ao processo penal, em que não basta escolher a melhor e mais plausível hipótese,
tendo em vista o standard probatório bastante elevado que não se contente apenas
com a melhor hipótese, mas com a hipótese que seja probabilissimamente correta.
4 1 - 0 contexto da decisão envolve, depois de valorado o material probató­
rio. definir se o grau de probabilidade atingido satisfaz ou não o standard de prova
necessário para que se considere provada a proposição fática em questão. Caso
não tenha sido atingido o standard de prova, o fato será considerado não provado,
devendo ser aplicada a regra do ônus da prova, no processo penal identificada
como o in dubio pro reo.
42 - A Epistemología Judiciária deve fornecer standards de prova para que
um conhecimento baseado em provas seja considerado verdadeiro. O standard de
prova deve ser objetivo ou, ao menos, intersubjetivamente controlável. No caso do
processo penal, o standard de prova deve verificar quanto de suporte que a prova
confere à proposição fática. para lhe dar corroboração. É epistemológicamente ina­
ceitável um standard de prova que se baseie no grau de crença subjetiva do julgador.
4 3 - 0 standard de prova de convicção da culpabilidade “além da dúvida ra­
zoável” é inaceitável, por ser fundado na crença subjetiva do juiz e não no grau de
CONCLUSÕES 281

corroboração que a prova confere à hipótese. Além disso, é vago e incontrolável,


por se valer cia noção de razoabilidade da convicção.
44- 0 standard de prova deve ser compatível com o método de valoração
utilizado. A probabilidade indutiva, do tipo baconiana, não trabalha com valores
quantificáveis, mas com o grau de suporte que a prova conferiu à hipótese fática
prevalecente, fazendo com que o standard de prova também não se expresse em
termos numéricos.
4 5 - Em substituição ao bey and a reasonable doubt, e de acordo com o modelo
de valoração defendido na obra, propõe-se o seguinte standard de prova para a
condenação no processo penal: a) há elementos de prova que confirmam, com
elevadíssima probabilidade, todas as proposições fálicas que integram a imputação
formulada pela acusação; e b) não há elementos de prova que tornem viável ter ocor­
rido fato concreto diverso de qualquer proposição fática que integra a imputação.
46 - O standard de prova não se confunde com o ônus da prova, embora sejam
temas interligados. Na dinâmica probatória, o problema do standard de prova antecede
e condiciona o emprego do ônus da prova. O standard de prova deline o que é neces­
sário para que uma proposição fática seja considerada provada. Uma vez não atingido
esse nível probatório, haverá dúvida e, portanto, deverá ser aplicado o ônus da prova
como regra de julgamento, que define como o juiz deve julgar no caso de dúvida.
4 7 —Como decorrência da garantia constitucional da presunção de inocência,
no processo penal, todo o ônus da prova incumbe â acusação, razão pela qual, ha­
vendo dúvida sobre qualquer fato penalmente relevante, que integre a imputação,
o acusado deverá ser absolvido, com base no in dúbio pro reo.
48 - Sob o enfoque da Epistemología Judiciária, a motivação das decisões
judiciais é fundamental, não só por permitir identificar c controlar as etapas do
processo de valoração da prova realizada pelo juiz, mas também porque o deverde
motivar impõe ao julgador, já no contexto da valoração, a adoção de um método
racional, que lhe possibilitará, posteriormente, a justificação de suas escolhas.
4 9 - É correto distinguir a justificação interna da justificação externa.
50— Ajustificação interna diz respeito à validade das inferências feitas, a partir
das premissas, para se chegar à decisão judicial, tomada como conclusão daquelas.
O esquema teórico da justificação interna de uma decisão judicial se configura
como um silogismo decisorio, que apresenta a forma dedutiva, em que a premissa
maior é constituída pela norma que o juiz considera aplicável aos fatos do caso; a
premissa menor é constituída por um enunciado sobre os fatos que têm por objeto
uma ação que pertence à classe das ações previstas na norma; e a conclusão adscreve
a consequência jurídica prevista na norma para a ação objeto do juízo.
51 - A ju stificação externa tem por finalidade estabelecer a solidez das
premissas utilizadas da justificação interna. A premissa menor trata do grau de
282 EPISTEMOLOGIA JUDICIARIA E PROVA PENAL

probabilidade de que seja verdadeira a premissa menor sobre os fatos. A inferên­


cia probatória realizada pelo julgador consistirá na premissa menor do silogismo
interno da sentença penal.
52 - A justificação interna deve considerar todas as hipóteses fáticas e os
elementos de confirmação c de falsificação das hipóteses em disputa. O juiz deve
fundamentar as escolhas realizadas durante a valoração da prova, indicando
o método empregado e as razões de seu convencimento, levando em conta todo o
material probatório utilizado no contexto da valoração. O juiz deverá indicar com
base em quais meios de prova considerou comprovadas as alegações fáticas em que
se baseou sua decisão, expondo as inferências que foram formuladas e os critérios
empregados para extrair as conclusões probatórias. Deverá, também, justificar as
razões pelas quais considerou que os c lementos que davam suporte para afirmações
fáticas antagônicas ou diversas não foram suficientes para que tais hipóteses fos­
sem consideradas provadas. E caso restem hipóteses diversas alternativas, deverá
justificar porque a hipótese acusatória atingiu o standard de prova necessário para
a condenação. Caso contrário, deverá absolver o acusado.
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