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Apresentação.
Programa:
Aula 17/03
Relembrar:
Que elementos têm de estar preenchidos para que se possa verificar um crime? Quais os
elementos de facto punível?
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
Tipicidade, ilicitude, culpa e punibilidade (tem de ter praticado uma ação típica, ilícita, culposa
e punível).
Estas três finalidades conflituam entre si, não sendo integralmente harmonizáveis. O Doutor
FIGUEIREDO DIAS refere que ‘’nós somos obrigados a concluir pelo seu caracter
irremediavelmente antinómico e antitético’’.
Por exemplo, nos métodos proibidos de prova verificamos que a finalidade da realização da
justiça e descoberta da verdade material conflitua com a finalidade da proteção perante o Estado
dos direitos fundamentais dos cidadãos. Meios de obtenção de prova como as buscas
domiciliárias e as escutas telefónicas, por exemplo, colocam em causa direitos fundamentais das
pessoas - podem ser postos em causa não só do arguido, mas também de terceiros.
Por outro lado, a finalidade de realização da justiça e da descoberta da verdade material pode
conflituar também com a finalidade do restabelecimento da paz jurídica comunitária. Esta
última é muito importante no processo penal, tanto no interesse do arguido (querendo-se julgado
no mais curto prazo possível), como no interesse da própria comunidade jurídica (através da
aplicação da sanção vemos reforçada a validade da norma). Todavia, não se afirma sem
limitações, pois a segurança eminente à paz jurídica é, por vezes, posta em causa em obediência
à justiça ou à verdade material (mesmo em casos em que já obtivemos uma decisão por meios
válidos), por exemplo, nos casos do recurso de revisão (recurso extraordinário; art. 449.º, do
CPP), que se interpõe após o trânsito em julgado da condenação por razões de injustiça (ver
artigo). Outro exemplo é a reabertura da fase de inquérito, depois do arquivamento (art.279.º, do
CPP) - quando há uma arquivamento, e depois de esgotado o prazo para requerimento de
abertura de fase de instrução ou para intervenção hierárquica, em que circunstâncias é que o
inquérito pode ser reaberto? Ver arts. 277.º 278.º e 279.º, do CPP.
c) Proteção perante o Estado dos direitos fundamentais dos cidadãos vs. realização
da justiça e da descoberta da verdade material
A proteção dos direitos fundamentais das pessoas também pode conflituar com a finalidade da
realização da justiça e da descoberta da verdade material nos casos em que a proteção dos
direitos se afirma perante a necessidade de realização da justiça (ou seja, é a situação inversa do
parágrafo anterior). Ex.: proibição de certos meios de prova e da valoração das provas obtidas
por esses meios (art. 126.º, do CPP - métodos proibidos de prova).
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Ano Letivo 2020/2021
d) Restabelecimento da paz jurídica vs. realização da justiça e de descoberta da
verdade material
Além disso, a finalidade do restabelecimento da paz jurídica também pode conflituar com a
finalidade da realização da justiça e de descoberta da verdade material. Quando temos uma
decisão do tribunal - condenatória ou absolutório - transitada em julgada, liga-se à ideia
irrecorribilidade da decisão (já não é recorrível). Aqui temos a finalidade do restabelecimento
da paz jurídica a sobrepor-se (exceto nos casos de recurso de revisão).
Por exemplo: uma das razões que fundamenta a aplicação da prisão preventiva (exigências
processuais de natureza cautelar) é haver perigo de que o agente perturbe gravemente a ordem e
a tranquilidade públicas (art. 204.º, do CPP).
Não sendo possível a realização integral das diversas finalidades, qual é o modo para
resolver os conflitos?
A concordância prática
Devemos operar uma concordância prática das finalidade em conflito, de modo a salvar, em
cada situação, o máximo conteúdo possível de cada uma das finalidades. Tal é notório, por
exemplo, em todo o regime das medidas de coação (arts. 191.º e ss, do CPP), e no regime de
todos os meios de obtenção de prova (arts. 171.º e ss, do CPP), regimes que revelam uma
concordância prática entre a proteção dos direitos dos cidadãos e da tutela da realização da
justiça.
Contudo, (só) não enveredamos por este caminho quando está em causa a dignidade da pessoa
(em regra, do arguido) - nenhuma transação será possível, na medida em que se trata de um
valor absoluto, que não cede perante qualquer outro direito ou interesse. Quando as finalidades
estão em conflitos, devemos operar a sua operância prática, sempre com o limite intocável das
finalidades da pessoa humana. Assim, devemos dar prevalência à finalidade do processo que
deve total cumprimento à garantia constitucional da dignidade da pessoa. Ex.: Estando em causa
métodos proibidos de prova (art. 126.º, do CPP), não é possível realizar uma mútua compressão
das finalidades em conflito, prevalecendo a finalidade que garantir a dignidade da pessoa
humana, nomeadamente, a finalidade da proteção dos direitos fundamentais.
Um sujeito estava acusado de abusos sexuais de crianças; foram feitas buscas domiciliárias
consentidas e devidamente autorizadas pelo juiz de instrução, nas quais se encontraram diários.
Colocou-se a questão de saber se esses diários poderiam ser utilizados como meio de prova para
efeitos de fundamentar a aplicação medida de coação de prisão preventiva (isto é, os seus
pressupostos - art. 202.º e art. 204.º, al. c), do CPP). Estariam em conflito o direito à privacidade
do arguido e a realização da justiça e descoberta da verdade material. TC admitiu não ser
admissível esta intromissão na privacidade sem que faça uma ponderação à luz dos princípios
da necessidade e da proporcionalidade sobre o conteúdo, em concreto, dos diários em causa 1. A
intromissão do direito à privacidade é admissível em casos raros, depois de feita esta
ponderação.
Entre nós, a circunstância do legislador atual (1987) ter optado por criar um corpo normativo
tendencialmente unitário (ou seja, um livro autónomo), onde se reúnem todas as disposições
fundamentais em matéria de prova, não radica na simples razão de uma ‘’arrumação
sistemática’’, numa razão de organização. Esta opção do legislador expressa, efetivamente, a
centralidade do direito probatório na dinâmica do processo penal - a prova é o problema central
do processo penal.
Para além das normas relativas à prova que se encontram no CPP, a matéria da prova está
também regulada em legislação extravagante, nomeadamente:
Objeto da prova
A prova começa a ser recolhida na fase de inquérito: adquirida a notícia do crime, e aberto o
inquérito, tem lugar o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime,
determinar os seus agentes e a sua responsabilidade, e descobrir e recolher as provas em ordem
à decisão sobre a acusação (art. 262.º, n.º1, do CPP). Tal acusação poderá depois ser (ou não)
comprovada na fase de instrução. Com a produção da acusação ou com a prolação do despacho
de pronúncia (ou com ambos), chegamos à fase de julgamento, onde valem todas as provas que
tiverem sido produzidas ou examinadas na audiência (princípio da imediação, previsto no art.
355.º, do CPP).
O art. 124.º, do CPP, refere expressamente qual é o objeto da prova: «1 - Constituem objeto da
prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime , a
punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de
segurança aplicáveis.2 - Se tiver lugar pedido civil, constituem igualmente objeto da prova os
factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil.». Assim, têm de ser provados,
no processo penal, todos os factos referentes, por exemplo, ao tipo de ilícito (objetivo ou
subjetivo) e ao tipo de culpa. Ex.: se estiver em causa uma causa de justificação ou de exclusão
da culpa, os pressupostos de funcionamento dessa causa também têm de ser provados no
processo penal; também são objeto de prova todos os factos que digam respeito à punibilidade,
designadamente, por exemplo, tudo o que diz respeito às condições objetivas de punibilidade.
b) Factos processuais
2
Dr. COSTA ANDRADE, in «Bruscamente no Verão passado», defende que se reconhecem as
dificuldades práticas que estariam envolvidas numa tentativa de inserir no CPP todas as normas relativas
à obtenção de prova, mas seria importante que essa tentativa fosse feita, pois assegurava-se a esses meios
guarida no CPP, e enquadravam-se num sistema equilibrado do ponto de vista normativo, axiológico, e
político-criminal.
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Note-se que, na verdade, este elenco constante do art. 124.º, do CPP, é meramente
exemplificativo. Significa isto que não são objeto de prova apenas os factos referidos no artigo,
mas também todos os enunciados factuais de que depende a aplicação de normas
processuais - os designados «factos processuais».
O art. 19.º, do CPP, é o artigo que se refere às regras gerais em matéria de competência
territorial: «É competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver
verificado a consumação.» Logo, o local da prática do facto (consumação) tem de ser provado
para efeitos de competência territorial do próprio tribunal, por razões processuais.
Outro exemplo é o art. 134.º, do CPP, que refere «Podem recusar-se a depor como testemunhas:
(…)»: é importante fazer prova dos factos processuais, de forma a saber quem tem direito a
recusar-se a depor como testemunha (no caso, o vínculo familiar).
Por sua vez, o art. 204.º, do CPP, refere «Nenhuma medida de coação, à exceção da prevista no
artigo 196.º, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação da
medida: a) Fuga ou perigo de fuga;»: o perigo de fuga é objeto de prova para aferir se pode ser
aplicada uma medida de coação.
Além disso, ainda são objeto de prova os chamados «enunciados factuais subsidiários (ou
auxiliares)», ou seja, aqueles que se destinam à verificação da fiabilidade de um meio de prova.
Por exemplo, factos relacionados com a credibilidade de uma determinada testemunha; factos
relacionados com a autenticidade de um documento apresentado no processo penal; etc.
O CPP distingue entre meios de prova e meios de obtenção de prova. Como distinguir?
Os meios de prova caracterizam-se pela sua aptidão para serem, por si mesmos, fontes
do convencimento do juiz. Ou seja, estes são elementos de que o juiz pode lançar mão
de modo imediato para fundamentar a sua decisão.
Os meios de obtenção de prova instrumentos de que se servem as autoridades
judiciárias (e, em alguns casos, os órgãos de polícia criminal) para investigar e recolher
os meios de prova.
1. Exames das pessoas, dos lugares e das coisas (arts. 171.º e ss, do CPP);
2. Revistas e buscas (arts. 174.º e ss, do CPP)3;
3
Diferença: a revista é feita às pessoas, as buscas aos locais.
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3. Apreensões (arts. 178.º e ss, do CPP);
4. Buscas telefónicas (arts. 187.º e ss, do CPP).
Note-se que esta distinção nem sempre é assim tão simples. O próprio legislador veio baralhar
os conceitos quando em 2007 alterou a redação da norma relativa às escutas telefónicas. Atente-
se no art. 188.º, do CPP, que se refere às formalidades das operações: depois de se ouvirem as
escutas, faz-se a transcrição das conversações, e esta é considerada meio de prova, mas a
verdade é que esta transcrição devia continuar a valer como meio de obtenção de prova, pois as
escutas são um meio de prova. Assim, depois da reforma de 2007, as escutas telefónicas, que
sempre foram vistas como meio de obtenção de prova, passaram a transformar-se, de certo
modo, num meio de prova, porque as transcrições das escutas passaram a poder ser usadas como
meio de prova no processo penal. Ora, este entendimento é criticável. A Doutora considera que
o meio de prova são as informações que se conseguem ‘’retirar’’ das escutas - e não as escutas 4.
Por outro lado, na distinção entre exames e perícias também a dicotomia entre meios de prova e
meios de obtenção de prova se torna difícil. isto porque nem sempre é claro. Ver art. 171.º, n.º1,
do CPP e art. 172.º, n.º 1, do CPP O que quer dizem «compelida»? Tem-se entendido que
não é o recurso à força, mas sim que, se esta não aceitar submeter-se ao exame, poderá incorrer
na prática de um crime de desobediência (art. 348.º, do CP) 5. Ver também art. 174.º, n.º1, do
CPP.
Aula 24/03/2021
É um princípio que caracteriza a estrutura do nosso processo penal, sendo que a estrutura do
nosso processo penal é acusatória, integrado por um princípio de investigação. É orientador da
prossecução ou desenvolvimento do processo penal.
De acordo com este, o tribunal investiga o facto sujeito a julgamento, independentemente, dos
contributos da acusação e da defesa, construindo autonomamente as bases da sua decisão. Ele
pode, oficiosamente, requerer diligências de prova, investigar autonomamente.
O princípio que se opõe a este é o princípio do dispositivo (ou da verdade formal) de acordo
com o qual a acusação e a defesa são partes do processo, e estas dispõem do processo, cabendo-
lhes somente a elas carrear para ele os factos e as provas correspondentes - vale aqui o princípio
da autorresponsabilidade probatória das partes. É, assim, às partes, que compete a adução do
material de facto, que vai servir de base à decisão. Neste contexto, contrariamente ao nosso juiz,
que é interventivo/ativo (vigora o princípio da investigação), o juiz assume aqui um papel
passivo.
Esta ideia do p. do dispositivo está na base da construção do processo civil. Porém, mesmo no
âmbito do processo civil, este princípio tem vindo a sofrer grandes limitações.
Está manifestado de modo claro no art. 340.º, do CPP, onde se refere «O tribunal ordena,
oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se
lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa». Este artigo aparece
no código na parte relativa ao julgamento (arts. 311.º e ss, do CPP), porém, sendo relativo à
prossecução processual, vale tanto para o juiz de julgamento, como para o juiz de instrução. Sito
decorre dos arts. 288.º, n.º 4 («O juiz investiga autonomamente o caso submetido a instrução»),
289.º, n.º 1 e 290.º, n.º 1 do CPP.
Encontra-se ainda referido a propósito de outros pontos concretos do regime processual penal e
designadamente nos arts. 154.º, n.º 1; 164.º, n.º 2; 174.º, n.º 3; 348.º, n.º 5 do CPP, etc.
Destas normas decorre também a natureza subsidiária deste enquanto princípio que integra a
estrutura acusatória do processo penal português. A norma que mostra, de modo claro, a
estrutura acusatória do processo penal português com a natureza subsidiária do princípio é a do
art. 348.º, do CPP, referindo-se às regras de inquirição de testemunhas.
estrutura acusatória: n.º 4, pois as perguntas são feitas diretamente pelos sujeitos
processuais, não se exigindo a mediação do juiz (ao contrário do que acontece num
processo penal de estrutura inquisitória).
natureza subsidiária do princípio da investigação : n.º 5. Quem começa por fazer as
perguntas são os restantes sujeitos processuais, mas se dúvidas subsistirem, podem,
ainda, os juízes e jurados fazerem as perguntas que considerem necessárias.
Está consagrado no art. 125.º, do CPP: «São admissíveis as provas que não forem proibidas por
lei.»6.
Da leitura desta norma depreendemos, desde logo, que o legislador quis definir um núcleo de
provas proibidas e impedido a sua utilização no processo penal. Neste sentido, este princípio vai
apresentar-se como um limite ao princípio da investigação.
Por outro lado, quando se afirma que «são admissíveis as provas que não forem proibidas por
lei.», a ideia que orientou o legislador foi favorecer a descoberta da verdade material, admitindo
todos os meios de prova e todos os meios de obtenção de prova, ainda que não estejam previstos
na lei (desde que não sejam meios proibidos). No fundo, limita a investigação, mas favorece a
descoberta da verdade material.
Note-se, ainda, que se denota uma abertura do sistema por via da liberdade de prova; tal
relaciona-se com a consciência que o legislador de que é incapaz de acompanhar os
desenvolvimentos técnico-científicos em relação aos meios que podem ser utilizados na
descoberta da verdade, não podendo prever tudo. Na prova digital, por exemplo, mesmo antes
de existir a lei que agora a regula, já era utilizada como meio de prova, precisamente ao abrigo
desta abertura.
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Atenção: Não significa que são admitidas as provas previstas na lei! São admitidas todas as que não
forem proibidas por lei.
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Esta liberdade dos meios de prova pode afirmar-se numa dupla vertente, ou de uma dupla
perspetiva. Por um lado, o legislador não definiu um sistema fechado ou taxativo quanto aos
meios de prova admissíveis; por outro lado, o legislador não pré-determinou os meios de prova
a utilizar em razão do tipo de facto a provar, ou seja, todos os meios de prova são igualmente
aptos e admissíveis para comprovar qualquer facto. Deste modo, para obter prova de um
determinado facto, as autoridades judiciárias podem socorrer-se dos meios tipificados na lei (as
chamadas «provas típicas», com testemunhas, prova documental, pericial, etc.). Além disso, é
reconhecida às Autoridades Judiciárias7, em princípio, a liberdade de escolher,
indiferentemente, qualquer uma dessas fontes tipificadas que estão previstas na lei (seja qual for
a natureza do facto a provar). Em certos casos excecionais, é ainda possível recorrer a meios de
prova não constantes do catálogo legal, desde que eles sejam idóneos à prova do facto em causa,
e não sejam proibidos pelo legislador - estaremos perante meios de prova inominados ou
provas atípicas.
Mas será que há liberdade total? A AJ ou o julgador pode lançar mão de qualquer meio
de prova, desde que não esteja expressamente proibido? Quais são os limites à
admissibilidade das provas atípicas?
É preciso ter em conta que para lograr obter a prova dos factos, o nosso legislador processual
penal desenhou e regulou um conjunto de procedimentos previstos nos arts. 128.º a 190.º, do
CPP, e também noutros regulados em lei extravagante (ex.: lei do cibercrime). Mas porquê
estes, e não outros? Obviamente que se ele selecionou estes, teve em conta o enraizamento
legal (histórico e prático) de tais meios de prova na nossa cultura jurídica nacional (ou outras
que nos são familiares). Por outro lado, terá partido da presunção de que estes meios de prova
(previstos no CPP), se forem seguidos com o rigor pressuposto, se mostram
epistemologicamente fiáveis (pois permitem-nos ter um conhecimento fiável dos factos) e, ao
mesmo tempo, são respeitadores do núcleo essencial das garantias de defesa. Por essa razão, o
catálogo legal dos meios de prova e de obtenção de prova, não deve ser visto como um mero
exemplo dos meios probatórios disponíveis - não é mera lista exemplificativa -, dando-se às AJ
uma total liberdade para escolher qualquer um destes, ou qualquer um meio atípico.
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Art. 1.º, al. b), do CPP
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Como é que, afinal, devemos entender o art. 125.º do CPP? Esta liberdade dos meios de
prova? São admissíveis meios atípicos em que circunstâncias?
Ora, da correta interpretação do art. 125.º, do CPP resultam os corolários seguintes (ideias que
nos ajudam a interpretá-lo corretamente):
1º corolário:
Ex.: durante muitos anos, foi pacificamente aceite pela nossa jurisprudências os
‘’reconhecimentos atípicos’’ ou ‘’informais’’, ou seja, os reconhecimentos realizados na própria
audiência de julgamento. A prova por reconhecimento é um meio previsto no art. 147.º do CPP,
mas é sujeito a um formalismo especial. Quando se procede a uma prova por reconhecimento,
exige-se que se chamem pelo menos duas pessoas e essas devem apresentar certas semelhanças
com a pessoa a identificar; inclusivamente, deve procurar-se que tenham peças de vestuário
semelhantes. No seu n.º 7, estipula-se concretamente que «O reconhecimento que não obedecer
ao disposto neste artigo não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em
que ocorrer.».
NOTA: Aquilo que dissemos para os reconhecimentos informais também é válido a propósito
de outras formas de aquisição de prova.
2º corolário
Radica na seguinte ideia: liberdade de meios de prova não deve confundir-se com uma completa
fungibilidade dos meios de prova. Isto é, embora por regra a lei não imponha, para a prova de
determinados factos, a utilização de meios de prova específicos, tal não significa que as AJ
sejam totalmente livres na escolha dos meios de prova a utilizar. Há casos excecionais em que a
prova de certos factos / enunciados factuais tem de ser feita por meio de prova específicos. Ex.:
prova pericial - estando em causa um facto que requeira para cabal esclarecimento o domínio de
especiais saberes de natureza técnica, científica ou artística, então deve recorrer-se à prova
pericial (art. 151.º do CPP). Por exemplo, na determinação da imputabilidade ou
inimputabilidade do arguido, recorre-se à perícia psiquiátrica. O legislador não está somente a
delimitar os casos em que a prova pericial tem lugar (em que é admissível): mais do que isso,
esta norma impõe, simultaneamente, que sempre que estiverem em causa aqueles
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conhecimentos especiais, é a prova pericial que tem de ser produzida (é obrigatório lançar-se
mão da mesma). Quando o legislador escreveu o art. 151º, ele não está somente a delimitar os
casos em que é admissível a prova pericial, mas também a impor que seja essa prova a ser
utilizada quando estejam em causa estes tipos de conhecimentos especiais.
3º corolário
Há meios de prova que são proibidos, precisamente porque não estão previstos nem
disciplinados na lei. É o que acontece, em geral, com os meios de prova cujo uso implique uma
restrição direta e sensível dos Direitos Fundamentais - tem de haver uma lei que, de forma
expressa e clara, refira qual é o direito que está a ser restringido, e que de forma minuciosa
regule o grau de agressão tolerado e quais os métodos admissíveis para a admissão de restrição
desse direito. A restrição de Direitos Fundamentais tem sempre de ser respeitando exigências
constitucionais de caráter geral, nomeadamente, tem feita por via de lei (art. 18.º, n.º 2, da CRP)
e exigências constitucionais de caráter específico (34.º, n.º 2 e 4, da CRP).
É precisamente neste contexto que se insere o “malware” como meio de obtenção de prova.
tratando-se de um meio de obtenção de prova que contende com os direitos fundamentais, a sua
utilização está dependente da insuprível atuação do legislador. Falaremos nisto com mais
cuidado no final do semestre – prova digital. Há outros casos em que se discute muito se é ou
não admissível. A circunstância de a lei não proibir expressamente um meio probatório que
restringe direitos fundamentais, não equivale a tê-lo como não legítimo por recurso à analogia,
porque a legitimidade constitucional tem de ser sempre complementada com a legitimidade que
só o legislador ordinário pode outorgar (confirmar isto).
É uma matéria que contende, por um lado, com a dignidade da pessoa e, por outro, com as
instituições basilares do Estado de Direito democrático - questiona-se se as Autoridades
Judiciárias podem recorrer a meios de prova proibidos e, se sim, em que contexto.
Vamos atentar no art. 32.º, n.º 8 da CRP: «são nulas todas as provas obtidas mediante tortura,
coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada,
no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações». Para além deste, devemos também
atentar no art. 126.º, do CPP: «1 - São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas
mediante tortura, coação ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas; 3 -
Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as
provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas
8
matéria mais complexa, insegura e muito sujeita a controvérsia. Note-se que não há, em Portugal, uma
doutrina geral das proibições de prova, nem um grande consenso doutrinário (‘’as respostas nesta
matéria são tantas quantas as vozes que as sopram!’’ - Dr. Costa Andrade).
9
A propósito dos meios proibitivos de prova, há um acórdão TC nº 607/2003, relativamente à
conflitualidade das diversas finalidades do processo penal – fala no recurso a diários. Faz parte da nossa
bibliografia obrigatória. É o acórdão que mais se dedicou às proibições de prova
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Nestas matérias há uma questão muito interessante que é: saber se as proibições de prova têm ou não
um caráter absoluto - há um texto sobre isto de F. DIAS que a prof vai colocar nos sumários e invoca a
possibilidade de ponderação. Quando há uma proibição de produção de prova, isto tem de corresponder a
uma proibição de valoração da prova ou se subsistirá facto para uma ponderação de valores conflituantes.
O texto de F. DIAS é de leitura obrigatória para o exame.
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telecomunicações sem o consentimento do respetivo titular.». Por exemplo, se não tivessem
expressamente previstas na lei, as escutas telefónicas seriam proibidas, por serem intromissivas
da vida privada.
Ora, quando se produz uma prova proibida, traduz-se imediatamente numa valoração
proibida, ou sobrará espaço para uma ponderação de valoração conflituante? As proibições de
prova têm ou não caráter absoluto?
Vejamos:
A questão é a de determinar se, fora do processo probatório válido, deve ficar unicamente a
prova ilicitamente obtida, ou se também deve ficar fora desse processo válido a prova
consequencial (isto é, aquela que só tenha sido alcançada através da prova proibida). Ex.: A,
acusado de homicídio, é coagido à confissão do crime através de tortura. A confessa o crime, e
a confissão do arguido permite localizar o cadáver e a arma do crime. Sendo a confissão
proibida, pode utilizar-se como meio de prova localização do cadáver e a própria arma do
crime? [a tratar na próxima semana] Ler Acórdão do TC n.º 198/200411.
Problema da analogia
A este propósito, é importante referir que a circunstância de a lei, em geral, não proibir um certo
meio probatório restritivo de direitos fundamentais, não equivale a ter esse meio por legítimo,
porventura, com recurso à analogia, porque neste âmbito a legitimidade constitucional tem de
ser sempre complementada com a legitimidade que só o legislador ordinário pode outorgar
(palavras do Dr. COSTA ANDRADE).
Questão a analisar na próxima aula: Há admissibilidade de prova através de GPS, que permite
saber a localização de uma pessoa, ou de uma viatura, por exemplo? É possível colocar um
dispositivo de localização para seguir a pessoa? A doutrina e a jurisprudência divergem - ler
Acórdãos da Relação de Évora, de 7/10/2008, da Relação do Porto, de 21/03/2013 e Acórdão da
Relação de Lisboa de 13/04/2016.
Aula 7/04
De acordo com o art. 125.º, do CPP, são admitidas todas as provas que não forem proibidas por
lei. Neste sentido, em rigor, não está aqui uma inteira e verdadeira liberdade de produção de
provas - meios de prova. Assim, referimos um conjunto de corolários que são os corolários de
uma correta interpretação do art. 125.º, do CPP. Dissemos, desde logo, que só é possível
recorrer-se a um meio atípico quando não houver tipificado que permita alcançar o mesmo
resultado probatório. Dissemos, por outro lado, que liberdade dos meios de prova não é o
mesmo que fungibilidade dos meios de prova - é certo que, em alguns casos, é possível fazer-se
11
No exame, pode a professora meter uma parte de um acórdão e nós devemos comentá-lo com base no
que lemos no acórdão. Portanto temos de os ler todos – é melhor imprimi-los para não perder.
Para o exame é importante ir relembrar os princípios relativos à prova que não dermos aqui!
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prova dos factos através de qualquer um dos meios de prova, mas outros casos existem em que a
prova tem de ser feita através dos métodos previstos na lei.
Terminamos dizendo que, de qualquer modo, há certos meios de obtenção de prova que só
podem ser utilizados se estiverem expressamente previstos na lei. Sempre que esses meios
contenderem de modo direto, imediato, com os direitos fundamentais das pessoas, não é pelo
facto de não estarem proibidos no Código, nem na Constituição, que são por si só admissíveis.
Não podemos lançar mão dos argumentos da analogia para utilizar um meio de obtenção
de prova não previsto na lei, mas que contenda com os direitos fundamentais das pessoas,
máxime do arguido. E, por isso, certos meios atípicos são inadmissíveis por não estarem
previstos na lei; tratando-se de restrições de direitos fundamentais, tem sempre de existir uma
lei que preveja esse meio de prova atípico, que identifique o direito que vai ser restringido e os
modos pelos quais se pode dar essa restrição.
Sumário: não carece de prévia autorização judicial o uso pelos órgãos de polícia criminal de
localizadores de GPS colocados em veículos utilizados por pessoas investigadas em inquérito
(e pelo tempo tido por necessário pelo órgão de polícia criminal encarregue do mesmo).
No tocante à 2.ª das questões postas, a de se também deve ser autorizada a colocação de
localizadores, nomeadamente com sistema GPS, nos veículos utilizados pelo suspeito por forma
a controlar os seus movimentos, pelo prazo de 60 dias:
O senhor Juiz "a quo" indeferiu esta pretensão por ter entendido não se vislumbrar qualquer
base legal que legitime a vigilância por recurso a instrumentos de localização GPS - tão pouco
vindo indicada -
O M.º P.º rebateu, afirmando que existem normas legais a prever essa utilização, que as
indicou, e que são os art. 187.º, n.º 1 al.ª b), 189.º, n.º 2 e 252.º-A, aplicáveis por analogia com
a localização celular dos telemóveis, permitida pelo art. 4.º, todos do Código de Processo
Penal (diploma ao qual pertencerão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de
origem).
Artigo 189.º «Extensão» - 2 — A obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização
celular ou de registos da realização de conversações ou comunicações só podem ser
ordenadas ou autorizadas, em qualquer fase do processo, por despacho do juiz, quanto a
crimes previstos no n.º 1 do artigo 187.º e em relação às pessoas referidas no n.º 4 do
mesmo artigo.
Artigo 252.º-A «Localização celular» - 1 — As autoridades judiciárias e as autoridades de
polícia criminal podem obter dados sobre a localização celular quando eles forem
necessários para afastar perigo para a vida ou de ofensa à integridade física grave.
Artigo 4.º «Integração de lacunas» - Nos casos omissos, quando as disposições deste
Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que
se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do
processo penal.
Entendemos que localização por GPS não tem coisa alguma a ver com localização celular. A
localização celular funciona quando num telemóvel é activado o IMEI, ou seja, quando é feita
ou recebida uma chamada ou uma mensagem; só indica a “antena” que está a transmitir para
o IMEI alvo, ou seja, se é S. ou T. e não o local exacto onde está o telemóvel alvo.
[Permite saber se um determinado telemóvel esteve na área que é abrangida pela antena em
causa; está prevista no CPP, através da extensão do art. 189.º]
A localização por GPS é activada por um aparelho sintonizado com pelo menos dois satélites,
dos quais recebe a informação das coordenadas da longitude e da latitude a que o aparelho se
encontra, fornecendo-lhe assim a localização do sítio exacto por reporte ao mapa das estradas
dessa região, informação que é transmitida e reproduzida num receptor na posse, neste caso,
da autoridade policial.
Ora o legislador, que bem recentemente, em Agosto de 2007, através da Lei n.º 48/2007, de
29-8, [REFORMA DO CPP] se preocupou a aperfeiçoar a individualização e o acautelamento
do uso de diversos mecanismos electrónicos tais como o telefone e o telemóvel (art.º 187.º), o
correio electrónico ou outras formas de transmissão de dados por via telemática, bem como os
sofisticados e ainda raros aparelhos de escuta à distância de conversas a ocorrerem entre
pessoas presentes num local (art.º 189.º), a localização celular e os registos da realização de
conversas ou comunicações (art.º 190.º) – não podia desconhecer a existência de localizadores
GPS e as virtudes da sua utilização na investigação criminal. Não obstante, nada
regulamentou sobre a sua utilização, nem os proibiu.
Assim, aplica-se o art.º 125.º: «São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei».
[Ignorou-se a aplicação analógica da localização celular, e seguiu-se a via da «porta aberta» que
era o art. 125.º]
Sendo que a utilização de localizadores GPS não consubstancia qualquer dos métodos
proibidos de prova a que se refere o art.º 126.º.
Certo que no n.º 3 deste último preceito legal se estabelece que são nulas, não podendo ser
utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada. Mas o ter a autoridade
policial no decurso de um inquérito criminal acesso à informação de onde está a cada
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Ano Letivo 2020/2021
momento um determinado veículo automóvel, não pode ser visto como uma intromissão na
vida privada de quem vai nesse veículo, pois que o GPS é um aparelho surdo e cego no sentido
de que não escuta as conversas dos ocupantes do carro, nem identifica quem lá vai e o que
estão a fazer, apenas informa aonde está o veículo, circunstância que é visível a olho nu para
quem olhe para o carro e lhe vê a matrícula. Daí que expressões ou divulgações como: «estava
lá o carro de Fulano», «vi passar o carro de Sicrano» ou «o carro de Beltrano fica todas as
noites estacionado à porta da Maria», não constituam qualquer comportamento tipificado
como crime de devassa da vida privada, p. e p. pelo art.º 192.º do Código Penal.
Situação bem diferente seria – como está bom de ver – a de utilizar localizadores GPS em
pessoas individuais ou grupos de pessoas individuais. Mas não é esse, de forma alguma, o caso
dos autos.
[Argumento: não consubstancia intrusão na vida privada, logo, não há violação do art. 126.º, do
CPP.]
(…)
De resto, digamos que a localização por GPS é o «irmão gémeo electrónico» do clássico
seguimento do alvo por pessoas a bordo de um carro. E que tem vantagens e desvantagens em
relação a este seguimento personalizado. A principal vantagem será o permanente acesso à
localização em que se encontra o carro-alvo. A desvantagem mais evidente será a de que,
apesar de em qualquer momento se saber aonde está o carro, se desconhecer por completo o
que é que o seu ocupante ou os seus ocupantes estão a fazer de concreto. Nesse aspecto, o
seguimento clássico, por permitir, além do mais, escrutinar quem vai no carro e o que fazem os
ocupantes pelo menos quando o carro pára, para onde vão quando saem dele e com quem
falam, é um método muito mais intrusivo e abrangente do que o mero conhecimento da
localização do carro, pelo que o GPS servirá sobretudo como meio coadjuvante do seguimento
clássico – o qual, aliás, também pode ocorrer 24 sobre 24 horas. E não é por isso que as
autoridades policiais precisam de obter uma autorização judicial prévia para fazerem o
seguimento de uma pessoa que vai num veículo automóvel.
[Argumento: entenderam estes juízos de que a localização GPS é menos intrusiva do que a
‘’perseguição clássica’’.]
(…)
III
A)...; e
B) A colocação de localizadores GPS nos veículos utilizados pelo suspeito por forma a
controlar os seus movimentos e pelo tempo tido por necessário pelo orgão de polícia criminal
encarregue do inquérito.
Sumário: A localização através da tecnologia GPS (Global Positioning System) está sujeita a
autorização judicial, aplicando-se, por interpretação analógica, o disposto no artigo 187.° do
Código de Processo Penal.
1.º) (…) quem se dedica ao furto em residências e estabelecimentos alheios, com arrombamento
e escalamento, a coberto da noite, tem o cuidado de verificar com cuidado, permanentemente,
com a colaboração de coautores “vigilantes”, se estão ou não, a ser vigiados, pelo que
qualquer seguimento policial à distância se revela infrutífero, bem assim a consequente recolha
de prova; [não valia a pena segui-los, porque eles iriam dar-se conta do seguimento pelos OPC]
2.º) O método de colocação em veículo utilizado por suspeito da prática de furtos qualificados,
de localizador GPS, não sendo meio proibido de prova nos termos do artigo 126.º do C. P.
Penal e 32.º, n.º 8 da C. Rep., é admissível nos termos do artigo 125.º do C. P. Penal, desde que
devidamente autorizado e controlado judicialmente, por aplicação analógica do preceituado
nas disposições conjugadas dos artigos 4.º e 189.º, n.º 2 do C. P. Penal.
[não é um meio proibido de prova, porque seria possível fazer uma analogia com o art. 189.º,
nº2, respeitante à localização celular; havendo autorização, era permitido.]
Porém, o Tribunal da Relação, analisados os autos, decidiu «no sentido de que o recurso não
merece provimento.»
II. Fundamentação
- Art. 32.º, n.os 1 e 8, da CRP: “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa,
(…)”, (…) e no seu n.º 8, (…) “São nulas todas as provas obtidas mediante (…) abusiva
intromissão na vida privada, (…)”.
- Arts. 34.º e 35.º, n.º5 + art. 25.º, da CRP: “O domicílio e o sigilo da correspondência e dos
outros meios de comunicação privada são invioláveis (n.º 1), sendo “[É] proibida toda a
ingerência das autoridades públicas na correspondência, nas telecomunicações e nos demais
meios de comunicação, salvo nos casos previstos na lei em matéria de processo criminal”.
Para o efeito e no que concerne à utilização da informática, estabelece no artigo 35.º, n.º 5 que
“É proibido o acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excecionais previstos na
lei”. Este bloco constitucional normativo, em conjugação com o disposto no artigo 25.º da
constituição, que estabelece o direito fundamental à integridade pessoal e física, é a afirmação
plena do princípio à integridade pessoal das pessoas, designadamente na dimensão de
preservação da reserva da sua vida privada e contra a obtenção e utilização abusiva da
informação em relação a essas mesmas pessoas.
13
http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/d1d5ce625d24df5380257583004ee7d7/
b0fa2aa7d8fa4ce780257b4900518387?OpenDocument
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Arts. 18.º, n.º 2, da CRP: “A Lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos
expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para
salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”, veio dirigir um
princípio de intervenção mínima na contrição dos direitos fundamentais e nas liberdades
públicas, assim como nos respectivos mecanismos jurídicos que os asseguram. Mas também
daqui resulta um nítido princípio da proporcionalidade, nas suas três variantes: da idoneidade
ou adequação (i), da necessidade ou exigibilidade (ii), ambos respeitantes à optimização
relativa do que é factualmente possível, e da proporcionalidade em sentido estrito ou da justa
medida (iii), o qual se reporta à optimização normativa.»
- Prova proibida: (…) o Código Processo Penal estabelece um catálogo de métodos proibidos
de prova no subsequente artigo 126.º, preceituando-se que “(…) são igualmente nulas, não
podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio,
na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular” (n.º
3).
(…)
- Não cremos no entanto que a clássica vigilância convencional de seguimento seja equivalente
à localização através do localizador GPS e à sua monitorização, através do registo dos
respectivos dados, porquanto esta última permite traçar o perfil detalhado da vida pública e
privada de uma pessoa, como ainda recentemente foi sublinhado (…). - Por outro, lado não
faria sentido que apenas fosse sujeita a autorização judicial a localização celular através dos
dados telefónicos e já não o fosse o acesso a dados de localização através do mecanismo GPS,
uma vez que se tratam de dados sensíveis, que dizem respeito à vida íntima e encontram-se no
âmbito do direito fundamental à autodeterminação informativa.
- Nesta conformidade e sempre que esteja em causa a localização através da tecnologia GPS
(…) a mesma deve ser sujeita a autorização judicial, aplicando-se, por interpretação
analógica, o disposto no artigo 187.º do Código de Processo Penal.
No caso em apreço (…) este quadro factual é muito incipiente para que, de modo proporcional
e razoável, se possa determinar a pretendida autorização para se colocar uma localização GPS
em veículos automóveis, os quais até estão indeterminados.
CONCLUSÃO: Verificamos aqui uma posição oposta ao Acórdão anterior, na medida em que
se lança mão da analogia com a localização celular (do art. 189.º, do CPP), dizendo que esta é
admissível em última ratio, havendo sempre necessidade de autorização judicial. Diz-se ainda
que o GPS é um método ainda mais intrusivo do que o seguimento clássico (contrariamente ao
acórdão anterior), por se tratar de um método oculto de obter prova - a pessoa não sabe que lá
está o localizador -, consubstanciando-se uma intrusão na vida privada - pois conseguem-se
dados muito concretos da vida privada da pessoa, como em que dia, hora, onde e durante quanto
tempo esteve o suspeito em certo sítio.
Sumário: (…)
XVIII–A questão que se coloca é a de saber se um meio de obtenção de prova com estas
características, que não se confunde nem se equipara à intercepção das comunicações, é, entre
nós, permitido, dada a ausência de lei que legitime a sua utilização, delimite os crimes que a
admitem, estabeleça o procedimento a adoptar e fixe a competência para autorizar o seu uso
e controlar todo o procedimento que tiver lugar.
XIX–A resposta a esta questão deve ser negativa, em primeiro lugar porque um aparelho de
geolocalização, no caso, um “GPS tracker”, é um meio oculto de investigação que, por isso
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mesmo, só poderia ser admitido se existisse lei que o consagrasse como um meio de obtenção
de prova legítimo e regulasse todos os referidos aspectos do seu regime.
[tratando-se de um método oculto de obtenção de prova, tem sempre de ser regulado por lei.]
[Ou seja, entendeu-se que é diferente da localização celular; não podemos lançar mão do art.
189.º, do CPP]
XXI–A utilização destes aparelhos, pelo sistemático e permanente registo de dados que
propicia, cujo tratamento permite, e pela natureza dos mesmos, é susceptível de violar a vida
privada dos utilizadores dos veículos em que se encontrem instalados.(…)
XXIV–Por tudo isto, e não obstante o facto de a prova assim obtida não ter resultado da
actividade dos órgãos de polícia criminal, deve entender-se que é proibida a valoração dos
registos obtidos através dos dois geolocalizadores instalados pela assistente nos seus veículos
sem consentimento os utilizadores dos mesmos, nem autorização da CNPD. É o que resulta do
artigo 32.º, n.º 8, da Constituição e do artigo 126.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
XXV–A utilização dos dois geolocalizadores nas indicadas condições determina, como se disse,
a proibição de valoração dos registos através deles obtidos, podendo também «contaminar a
restante prova se houver um nexo de dependência cronológica, lógica e valorativa entre a
prova proibida e a restante prova. (…)
Discussão da questão:
GPS, meio oculto de investigação, não regulado a lei. 1.º É admissível? 2.º Sendo
admissível, tem ou não tem de haver autorização judicial?
A Doutora considera que, efetivamente, o grande problema é ainda não estar no direito
positivado a admissão de utilização de GPS. E porquê? Porque são restringidos direitos,
liberdades e garantias, sem uma lei que suporte essa restrição. Nos termos do art. 18.º, n.º 2, da
CRP, os direitos fundamentais só podem ser restringidos por via de lei / reserva de lei. Assim,
este meio de obtenção de prova, por ser altamente intrusivo na vida privada, tem de estar
regulado. Por exemplo, as escutas telefónicas ou a localização celular só são admissíveis dentro
dos requisitos apertados do art. 187.º, do CPP (estipula-se um catálogo de crimes em relação aos
quais são admissíveis as escutas telefónicas, e há um conjunto de pressupostos como: quem é
que pode ser escutado, em que circunstâncias estas podem ser feitas, como é que são transcritas,
com que periodicidade são levadas ao juiz de instrução, etc. - e mesmo assim muitos problemas
colocam-se em relação a estas). Por outro lado, apesar de o legislador vir fazer uma extensão
das escutas telefónicas à localização celular, já vimos que são coisas diferentes. COSTA
ANDRADE «Nem tudo o que é tecnologicamente possível, é processualmente admissível».
Trata-se de um meio intrusivo, que põe em causa a privacidade das pessoas, e não pode ser
utilizado lançando-se mão do argumento da analogia.
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E se, mesmo assim, for utilizado o meio na investigação? Correm o risco se a prova ser
proibida, e todo o material que foi levado para o processo será nulo, não podendo ser utilizado.
A partir daí, deixamos de ter prova. Métodos de obtenção de prova proibidos, levam a provas
proibidas, nulas, que não podem ser utilizadas.
1. Projeta-se no regime jurídico das proibições de prova a tutela da inviolabilidade dos direitos
fundamentais em face do interesse da investigação e da perseguição penal.
- doutrina e jurisprudência: porém, além destes, há também outros tutelados por via das
proibições de prova, e que vêm sendo autonomizados a partir de um labor doutrinal e
jurisprudencial, partindo da ideia da dignidade da pessoa. Ex.: direito à imagem, à palavra, à
autodeterminação informacional, e o direito à integridade e confidencialidade dos sistemas
informáticos14 Logo, os direitos fundamentais não são apenas que estão descritos como tal na
Constituição, não havendo numerus clausus deles na CRP.
Por tudo isto se afirma que o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, da CRP) e
o direito à integridade pessoal (art. 24.º, da CRP), configuram afinal a verdadeira matriz
axiológica e material de todo o regime das proibições de prova.
Neste contexto, na tutela conferida aos direitos fundamentais enquanto limitação à produção de
prova, radica a posição do arguido enquanto sujeito processual. Podemos, aliás, dizer que o
étimo comum de muitos meios de prova proibidos pelo legislador reconduz-se à ideia
fundamental de que a participação ativa do arguido na descoberta da verdade tem de estar
sempre sujeita ao integral respeito pela sua decisão de vontade. Ex.: é por isso que se recusa o
recurso à hipnose, tortura, etc.
2. Por outro lado, o substrato da proibição de determinados meios de prova, pode ainda
encontrar-se numa ideia da preservação da integridade moral ou axiológica do Estado. Emerard
14
mais à frente iremos ver a diferença entre estes dois últimos.
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Smith diz que se trata de ‘’preservar a própria superioridade ética do Estado’’. Então, a
justificação para que determinados meios de prova sejam proibidos, radica também numa ideia
de preservação da integridade moral ou axiológica do estado, na sua veste de administrador da
justiça penal.
Embora a obtenção de prova e o esclarecimento dos crimes assumam, no Estado de Direito, uma
grande importância, a verdade é que as instâncias de perseguição criminal não podem responder
à criminalidade com as mesma armas de que se servem os delinquentes na prossecução dos seus
objetivos (na prática dos crimes). Por isso, não podem admitir-se como válidos na perseguição
criminal todos os mecanismos que se comprovem eficazes nessa perseguição; a confiança
comunitária nas normas implica que a máxima eficácia na administração da justiça não
comprometa uma ideia de lealdade na realização do ius puniendi. É por isso que se
compreendem todas as cautelas e pressupostos associados (ou seja, o seu ‘’aperto’’) à
admissibilidade de métodos ocultos de investigação, como por exemplo, o caso das escutas
telefónicas. Desta perspetiva, e resumidamente, podemos dizer então que o regime das
proibições de prova, não protege apenas o titular dos direitos fundamentais atingidos, mas
também a própria credibilidade, reputação e imagem de um processo penal de um verdadeiro
Estado de Direito.
3. Por último, não são também estranhas à disciplina dos métodos proibidos de prova,
considerações epistemológicas de veracidade do processo de determinação dos factos. Estas tais
razões relacionadas com as considerações epistemológicas de veracidade do processo de
determinação dos factos, leva a que se deva afastar ex ante do horizonte do tribunal todas as
provas marcadas com o estigma da dúvida, assegurando-se a fiabilidade ou a validade racional
das informações obtidas e circunscrevendo, deste modo, preventivamente o eventual risco de
erro em sede de valoração das provas.
Ex.: é isto que sucede com as regras relativas ao reconhecimento de pessoas, onde a produção
de prova segue um determinado processo relacionado com a própria veracidade /fiabilidade
epistemológica da prova obtida. Outro exemplo é a exclusão do valor probatória das declarações
de um coarguido em prejuízo de outro, nos casos em que o declarante se exima à prestação de
esclarecimentos ou ao contraditório (art. 345.º, n.º 4, do CPP) - pois no caso de haver
coarguidos, não podem valer como meio de prova as declarações prestadas por um, em prejuízo
de outro, se o declarante não quiser ele mesmo responder às perguntas sobre os factos que lhe
são imputados [senão isto seria muito simples! No caso de haver vários arguidos, um deles
recuava-se a responder sobre os factos que lhe são imputados, e a dar eventuais esclarecimentos
sobre esses factos, mas ao mesmo tempo prestava declarações prejudicando o outro arguido; a
ideia é afastar, à priori, provas que possa ser duvidosa].
Por outro lado, temos sempre a finalidade da realização da justiça e da descoberta da verdade
material, que vai ao encontro da ideia da eficácia da investigação criminal, que é obviamente
interesse fundamental da comunidade.
[ou seja, por um lado temos as 3 ideias que referimos, e do outro lado, a ideia da eficácia da
investigação criminal como interesse fundamental da comunidade].
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Proibições de prova
Entre nós, como vimos anteriormente, tem-se entendido que estas constituem não só
instrumentos de proteção de direitos individuais, mas também instrumentos de proteção de
interesses de caráter supraindividual, representados pelo Estado e que ultrapassam a esfera
jurídica do arguido. Por isso, como acentuam alguns autores alemães (Ghoshal), as proibições
de prova são barreiras colocadas à determinação dos factos que constituem o objeto do
processo. No fundo, uma proibição de prova é uma prescrição de um limite à descoberta da
verdade.
1. O caráter proibido da prova pode advir de uma proibição de obter prova sobre determinado
acontecimento, isto é, pode tratar-se de uma proibição de obter prova sobre um certo
acontecimento. É o que o habitualmente se designa como «proibição do tema de prova». É o
que acontece, por exemplo, sob factos que são objeto do segredo de estado (art. 137.º, n.º1, do
CPP).
2. Pode advir ainda da proibição de utilização de um certo meio de prova. Ex.: é aproveitado
um testemunho de um descendente, quando este expressamente se recuse a prestá-lo (art. 134.º,
n.º 2, do CPP) - aqui, se a pessoa não tiver sido advertida dessa possibilidade de recusa de
prestação de depoimento, o depoimento tratar-se-á de um meio de prova proibido e,
consequentemente, a prova é proibida. Não se pode utilizar como meio de prova as declarações
de pessoa que poderia ter recusado ou que se recusou a prestar declarações.
3. A prova proibida pode advir também da proibição de um certo método de prova. Estão os
casos do art. 126.º, do CPP, designadamente, por exemplo, um interrogatório que é feito com
utilização de tortura. Neste caso, está em causa um método proibido de obtenção da prova, que
torna a prova também ela proibida.
Ora, a violação de qualquer uma destas fontes de prova, isto é, desta proibição de obter prova
sob determinados factos, ou a violação da proibição de utilização de um certo meio de prova, ou
a violação da proibição de um certo método de obtenção de prova, leva, em princípio, à
proibição da valoração processual da prova alcançada.
Por isso, a violação das regras de produção de prova não acarreta, em regra, a proibição da
valoração da prova produzida; pode acarretar eventual responsabilidade disciplinar civil ou até
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criminal do autor da infração, ou a invalidade do ato processual correspondente – se as
irregularidades não forem arguidas, consideram-se sanadas (art. 123º CPP).
a) no caso de o arguido não ser previamente informado do seu direito ao silêncio (pois
há um dever de informação e advertência sobre o direito ao silêncio, que assiste ao arguido
quanto aos factos que lhe são imputados e que conforma o seu estatuto processual penal),
estamos perante uma verdadeira proibição de prova, ou apenas perante uma violação de uma
regra de produção de prova?
R.: Tem-se entendido (COSTA ANDRADE e SÓNIA FIDALGO) que esta omissão de
esclarecimento e advertência põe em causa o próprio estatuto do arguido enquanto sujeito
processual, frustrando a ideia fundamental de que a participação ativa do arguido na descoberta
da verdade deve passar sempre pela sua liberdade. Atentemos no art. 58.º, n.º 5, do CPP, o qual
diz expressamente que «A omissão ou violação das formalidades previstas nos números
anteriores [relativas à constituição de arguido] implica que as declarações prestadas pela
pessoa visada não podem ser utilizadas como prova» (mas não diz expressamente que são
nulas! Não é clara). Concluindo, deve ser integrado nas proibições de prova.
Como vimos, a lei não é clara quanto à violação deste princípio: por vezes estipula só a
nulidade, noutras vezes estabelece que essa prova não pode ser utilizada e noutros casos declara
que é nula e não pode ser utilizada.
Ora, por força do art. 32.º, n.º 8, da CRP, e também no art. 126.º, n.os 1 e 3 do CPP, o
desrespeito pelo princípio da legalidade da prova tem como consequência a nulidade das provas
obtidas através de métodos proibidos, não podendo as mesmas ser utilizadas.
Uma correta interpretação do art. 32.º, n.º 8, da CRP, permite autonomizar duas espécies
diferenciadas de provas proibidas, consoante a natureza dos direitos fundamentais em causa:
«são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou
moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou
nas telecomunicações».
15
Por regra, estas violações não constituem verdadeiras nulidades, mas sim meras irregularidades. Se não
forem arguidas, são consideradas sanadas nos termos do art. 123.º, do CPP. As nulidades são as
expressamente previstas, sendo que todas as irregularidades não previstas, são apenas irregularidades.
Não iremos explorar esta matéria (invalidades, irregularidades).
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Na primeira parte da norma, estabelece-se, sem mais, a nulidade de todas as provas obtidas
mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa; na segunda parte da
norma, alude-se às provas obtidas com intromissão na vida privada, no domicílio, na
correspondência ou nas telecomunicações.
Deste modo, as proibições que se reportam à violação do direito à integridade pessoal são
proibições absolutas, não há forma de as contornar. Nestes casos, a proibição constitucional não
abre espaço para qualquer conformação por parte do legislador ordinário.
Nos outros casos (da segunda parte) as proibições são relativas, ou seja, só já verdadeira
proibição se a restrição dos direitos for abusiva. E será ao legislador ordinário que competirá a
demarcação das formas de intromissão não abusivas e consequentemente é a este legislador que
compete a definição do estatuto jurídico, nomeadamente do estatuto processual penal, destas
formas de intromissão não abusivas nos direitos fundamentais. Desta diferenciação
constitucional resulta uma dualidade de regimes. Esta dualidade exprime-se desde logo na
autorização constitucional concedida ao legislador ordinário para tipificar como válidos certos
meios de aquisição de prova que prima facie são conflituantes com alguns daqueles direitos. É o
que acontece entre nós se pensarmos, por exemplo, nas buscas domiciliárias e nas escutas
telefónicas. Para além disso, a referida diferenciação de regimes repercute-se também na
relevância ou não do consentimento prévio do visado como clausula dirimente da ilicitude do
método de obtenção de prova.
Nos casos referidos no artigo 126.º, n.º2, do CPP, os métodos são proibidos mesmo quando
obtidos com consentimento do titular. Já nos casos previstos no artigo 126.º, n.º3, do CPP os
métodos apenas são proibidos se obtidos sem o consentimento do titular.
Esta dualidade não se repercute, porém, numa diferenciação das consequências ao nível do
regime da invalidade dos tipos de proibição de prova. De acordo com a lei, as provas obtidas de
acordo com os métodos proibidos, quer sejam através do 1 e 2 … estas provas são nulas, não
podendo ser utilizadas. À sanção da nulidade acresce a proibição da valoração da prova obtida
através dos métodos proibidos: A lei diz “são nulas não podendo ser utilizadas”. Há casos,
porém, em que são identificáveis proibições de valoração da prova sem que a lei comine
também a sanção da nulidade (Ex.: art. 58.º, n.º6). E, por outro lado, o art. 118.º/3, do CPP,
estabelece expressamente que as disposições sob nulidades não prejudicam as normas do código
relativamente a proibições de prova. Como interpretar este artigo? Ora, a expressão «tais
normas não prejudicam outras» indica um problema de interpretação. Isto significa o quê? Que
as regras das nulidades prevalecem sobre as outras? Que afinal as outras é que prevalecem sobre
as das nulidades? Ou que os dois regimes devem compatibilizar-se, harmonizando-se os dois
regimes?
Aula 14/04
Direito Processual Penal II
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Todo este regime das nulidades no âmbito das proibições de prova não iremos analisar a fundo
e, como tal, não sairá em exame qualquer questão para explicar este regime. Temos de saber que
a consequência de uma violação de prova é a nulidade, e que não podem ser utilizadas.
Podemos encontrar uma espécie de dualidade de regimes no domínio das proibições de prova:
quando há proibição absoluta ou quando a proibição é relativa.
Qual é a consequência da violação de uma proibição de prova? O próprio artigo 126º estabelece
que as provas são nulas e que não podem ser utilizadas. Há certos casos em que o legislador
define uma proibição de valoração sem que comine a sanção da nulidade – como quando no ato
de constituição do arguido não é acompanhado da comunicação do direito de silêncio.
O art. 118.º, n.º 3 do CPP estabelece que «As disposições do presente título [sobre as nulidades]
não prejudicam as normas deste Código relativas a proibições de prova». Como interpretar
esta norma? Quando uma determinada norma diz que não prejudica o outro regime, sabemos
que vai dar azo a dificuldades de interpretação. Vamos então ver qual é a interpretação que tem
dominado.
A. Há uma corrente que entende que, desta norma, resulta uma total independência do regime
das proibições de prova em relação ao regime geral da invalidade dos atos processuais (regulado
nos art. 118.º e ss, do CPP).16
Assim, para estes autores, os arts. 118.º e ss, do CPP, não serão aplicáveis em matéria de
proibições de prova. A nulidade referida no art. 32.º, n.º 8, da CRP e no art. 126.º, do CPP, não
consubstancia uma nulidade em sentido técnico-processual, gerando antes uma consequência
jurídica específica que é a impossibilidade total de utilização das provas obtidas. Deste
entendimento resulta que, havendo uma proibição de prova, tal prova não pode ser utilizada
(oura e simplesmente) independentemente de qualquer tomada de posição do arguido. O
tribunal tem o poder-dever de oficiosamente declarar a verificação de proibição de prova, e dela
extrair a consequência da proibição da respetiva valoração.
Temos estado a dizer os artigos 32.º, n.º 8, da CRP e 126.º, do CPP preveem os métodos
proibidos de prova, mas este elenco não é taxativo.
16
Vide TERESA BELEZA, JOÃO CORREIA, HELENA MORÃO
17
De onde se destacam COSTA ANDRADE, GERMANO MARQUES DA SILVA, PAULO DE SOUSA
MENDES
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
O artigo 126.º, do CPP não se apresenta como um catálogo fechado, que tipifique um numerus
clausus de provas proibidas. O reconhecimento de uma proibição de prova não depende da sua
previsão legal expressa. Para alem dos métodos proibidos elencados no art. 126.º, do CPP e de
outros que se encontram ao longo do CPP (por exemplo, art. 58.º, n.º5; art. 129.º, art. 147º, n.º7;
art. 190.º; art. 345.º, n.º4 e art. 355.º, n.º1, todos do CPP), a doutrina e a jurisprudência poderão
reconhecer outras proibições de prova. Tal deve ser feito sempre que o método utilizado
implicar uma intromissão injustificada nos direitos fundamentais do arguido ou de outras
pessoas, designadamente, nos casos em que há uma afronta (injustificada) à dignidade humana
ou à integridade pessoal.
A regra é a de que a prova ilicitamente produzida ou recolhida não pode ser valorada , ou seja,
de uma proibição de prova, por regra, decorre a proibição de valoração da prova. Contudo, a
própria lei consagra uma exceção a proibição da valoração prescrita nos números 1, 2 e 3 do art.
126.º, do CPP. Vejamos o n.º 4: «Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste
artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os
agentes do mesmo.». Exemplo: a polícia lança mão da tortura para obter provas; as provas
obtidas podem ser utilizadas no processo-crime em que o objeto seja o crime da própria tortura.
Assim, nos termos deste artigo, as provas obtidas mediante os métodos proibidos, podem ser
valoradas para proceder contra os agentes que praticaram crimes ao utilizar tais métodos. Esta
exceção à proibição de valoração em por isso uma intenção dissuasora e preventiva, e vale quer
quando os métodos proibidos são realizados por particulares, quer quando são utilizados pelas
autoridades públicas de investigação e julgamento (estes não têm qualquer estatuto especial,
nem qualquer imunidade quando se trata de ilícitos criminais no exercício das suas funções).
Exemplos de provas obtidas através dos métodos do art. 126.º, por regra, implicam a prática de
crimes de coação, ou de ameaça, de ofensa à integridade física, etc. o n.º 4 indica que as
provas obtidas mediante estes métodos proibidos (ou seja, praticando-se estes crimes) podem
ser valorada, no âmbito de um processo-crime relacionado com a utilização dos próprios
métodos proibidos, pois o agente pode vir a ser punido pela prática de um daqueles crimes. Esta
é a exceção à regra de que à proibição de prova corresponde uma proibição de valoração.
Para além desta exceção do art. 126.º, n.º 4, do CPP, por regra, a uma proibição produção de
obtenção prova, corresponde a proibição de valoração. Porém, esta ligação é apenas tendencial,
ou seja, é possível identificar casos em que não há uma absoluta consonância entre um
momento e outro, no sentido de podermos afirmar que uma prova licitamente obtida é sempre
licitamente valoravel - ou inversamente, que uma prova ilicitamente obtida nunca é suscetível
de valoração.
- Licitamente obtida mas não pode ser, sem mais, licitamente valoravel
18
Vide pág. 4
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
Tratava-se de saber se podíamos valorar o conteúdo do diário para efeito de saber se estavam
reunidos os pressupostos para aplicação de uma medida de coação de prisão preventiva (isto é,
fortes indícios da prática do crime, art. 202.º, e se poderiam fundamentar as alíneas do art.
204.º, do CPP). Este diário foi apreendido licitamente, no decurso de uma busca válida, tendo
sido devidamente autorizada pelo juiz de instrução; logo, a sua forma de obtenção não foi
nenhuma das tipificadas nas diversas alíneas do n.º 2 do artigo 126.º, do CPP. Colocou-se a
questão de saber se poderia ser utilizado o diário, mesmo sendo validamente produzida a prova.
O TC admitiu não ser admissível esta intromissão na privacidade sem que faça uma ponderação
à luz dos princípios da necessidade e da proporcionalidade sobre o conteúdo, em concreto, dos
diários em causa. A intromissão do direito à privacidade é admissível em casos raros, depois de
feita esta ponderação. Não é pelo facto de o diário ter sido validamente obtido que significa,
necessariamente, que o seu conteúdo possa ser valorado sem mais.
Há casos em que se tem entendido que uma prova proibida pode ser valorada, quando ela for
favorável ao arguido. Porquê? Porque a valoração desta prova pode / poderá implicar uma
absolvição do arguido ou um aligeiramento da sanção.
Certos autores defendem uma geral valoração das provas proibidas favoráveis ao
arguido.
Um aparte: temos no art. 135.º, do CPP, regras especiais que se aplicam a testemunhas que estão
vinculadas às testemunhas vinculadas ao dever de segredo. Nos casos deste artigo, é o próprio
19
COSTA ANDRADE: defende que a prova proibida pode ser valorada quando essa valoração
representar a única possibilidade de absolvição de um inocente. A Doutora SÓNIA concorda.
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
tribunal superior, ponderando valores, que determina a quebra de segredo. Ora, é importante
fazer esta ressalva porque é diferente do que referimos, ou seja, casos em que a própria pessoa
decide quebrar o segredo.
DR. FIGUEIREDO DIAS20: questiona a ideia quase unânime na doutrina portuguese de que,
por regra, a uma proibição de prova corresponde uma proibição de valoração. No fundo,
questiona se tem sempre de ser assim. Pergunta se, no domínio das proibições de valoração, não
se pode admitir que se faça uma ponderação de valores conflituantes. Este autor recusa o caráter
absoluto das proibições de prova, questionando se não deverá ser feita uma ponderação com
base na ideia da «concordância prática dos interesses em conflito»: por um lado, a realização da
justiça e a descoberta da verdade material, por outro, a proteção dos direitos fundamentais das
pessoas21. O Doutor não oferece uma resposta, mas apenas levanta a questão.
EM SUMA: há várias posições diferentes, e não existe uma teoria geral em matéria de
proibições de prova.
Foi nos EUA que a questão foi, primeiramente, identificada, e foi aí que esta questão conheceu
maiores desenvolvimentos através da denominada «Teoria dos frutos da árvore venenosa».
Em PT, por regra, tanto na doutrina, como na jurisprudência nacionais, reconhece-se que, por
princípio, uma prova que só foi conseguida à custa de uma anterior violação de uma proibição
de prova, fica também ela contaminada por essa mácula anterior e, por isso, não poderá ser
valorada como prova para fundamentar a decisão do tribunal em matéria de facto. Porquê?
Porque só deste modo as proibições de prova podem aspirar a um mínimo de eficiência e de
poder de persuasão sobre quem conduz a investigação criminal.
Exemplos:
o através de tortura a polícia consegue obter do arguido, suspeita da prática de um
crime de homicídio, a confissão sobre a localização do cadáver. Encontrado o
cadáver, descobrem-se vestígios que provam que o arguido daquele processo
esteve envolvido no crime de homicídio em mãos. Os vestígios podem ser
20
Ver artigo disponibilizado no inforestudante (revista de legislação de jurisprudência).
21
Esta ponderação tem sido feita, nos últimos anos, pelos próprios tribunais alemães, mesmo quando se
trata de provas proibidas. A valoração da prova em casos muito amplos pode pôr em causa os DF’s dos
arguidos.
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Ano Letivo 2020/2021
valorados, tendo sido encontrados na sequência de utilização de tortura? tortura
indicou o cadáver no cadáver encontram-se os vestígios de sangue do
arguido. O mesmo se poderia dizer quanto à arma do crime (meio de prova).
o Por intermédio de escutas telefónicas ilegais tomou conhecimento de que os
arguidos estavam a transportar estupefacientes. São intercetados, descobre-se a
droga, e apreendida. Será que a droga pide valer como meio de prova no âmbito
de um crime de tráfico de estupefacientes? Ver Ac. TC n.º 192/2004.
DOUTRINA:
- Dominante: o efeito à distância (proibição de valoração das provas sequenciais) encontra a sua
justificação legal no art. 32.º, n.º 8, da CRP, pois não faz qualquer distinção entre provas
mediatas ou imediatas / provas obtidas de modo imediato ou provas obtidas indiretamente
através dos meios proibidos.
Também o art. 126.º, n.os 1 e 3, do CPP, não se faz distinção entre provas obtidas de modo
imediato ou provas obtidas indiretamente através dos meios proibidos.
Além disso, o art. 122.º, n.º 1, do CPP «as nulidades tornam inválido o acto em que se
verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar.». Esta norma, de
modo claro, justifica o efeito à distância, sendo inválida a prova obtida de forma imediato, bem
como a prova sequencial.
Para os autores que defendem que há certos segmentos do regime das nulidades que também
se aplicam às proibições de prova, esta norma do regime das nulidades justifica o efeito à
distância.
Para aqueles autores que o regime das nulidades é um regime independente das proibições de
prova, e que não têm aplicação as normas do art. 118.º e ss, fundamentam o efeito à distâncias
apenas nas normas que referimos em cima (na própria ideia da Constituição que declara nulas
todas as provas obtidas mediante métodos proibidos).
EM SUMA [REGRA]: Ora, estes são os fundamentos legais que sustentam a doutrina do efeito
à distância e, de facto, daqui se retira que são nulas e não podem ser valoradas todas aquelas
provas obtidas à custa de uma anterior violação de uma proibição de prova.
Exceções
Critério para averiguar se podemos ou não valorar a prova sequencial: tudo está em
saber se entre a prova proibida e a subsequente há uma relação de natureza causal, ou seja, se
esta pode ser objetivamente imputada aquela (prova proibida). Se pudermos imputar uma à
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Ano Letivo 2020/2021
outra, vale o efeito à distância; se, pelo contrário, não houver relação ou pudermos interromper,
já não vale. A regra é valer.
Vamos analisar 3 tipos de casos em que se vem entendo que há um limite ao efeito à distância,
isto é, em que a prova sequencial pode ser valorada, apesar de ter havido uma violação da regras
de proibição de prova imediata. Não vale, aqui, o efeito à distância.
Não há ED quando a prova sequencial (prova em causa) tem uma fonte de obtenção
independente, claramente autonomizável da prova inquinada. Isto é, nestes casos, há um outro
processo probatório percorrido, do qual resulta o apuramento dos factos que resultavam
igualmente da valoração da prova proibida. Aqui, não há um nexo de causalidade entre uma
prova e outra e, como tal, a prova obtida ou produzida de modo lícito pode ser validamente
utilizada e valorada. Ainda que ambas as provas sirvam para provar o mesmo facto, a prova
obtida por modo lícito, não é proibida. Ex.: faz-se uma escuta ilegal onde se identifica uma
pessoa que terá assistido a um crime de tráfico de estupefacientes. Chamada ao processo penal
para depor como testemunha, será prova proibida, pois o método de obtenção era ilegal; a
identificação da testemunha e depoimento é prova proibida. Ora, mas paralelamente a esta
escuta foi possível capturar imagens relativa ao tráfico (licitamente). Há uma relação causal
entra a prova primária - escutas ilegais - e a derivada - testemunha -, mas não há uma relação
causal entre as escutas e a captação de imagens, logo, pode usar-se as imagens para provar que
existiu tráfico. A questão suscita-se porque poderiam lançar mão do depoimento da testemunha
e também das imagens mas não há qualquer relação entre elas. São somente duas provas
possíveis de um mesmo facto, ou seja, ambas visam provar o mesmo facto.
A delimitação que se opera através desta ideia da dissipação da mácula / limpeza da nódoa,
refere-se às hipóteses em que uma prova secundária a que as autoridades não teriam chegado
sem o método proibido (ou seja, sem a utilização da prova primária), pode, contudo, ser
valorada por o nexo entre aquela e esta se ter tornada débil, ao ponto de se poder dizer-se já que
ele é inexistente. Ao contrário do que sucede com o critério anterior, este pressupõe que a prova
limpa seja posterior à prova maculada/manchada - daí a designação ‘’critério’’. Também ao
contrário do critério anterior, nestes casos de mácula dissipada, não se pode afirmar uma
rigorosa independência entre a prova primária e a prova derivada, havendo ainda uma certa
relação causal entre elas. Porém, esta relação causal apresenta uma debilidade tal que já não se
pode afirmar um verdadeiro nexo de ilicitude entre ambas. Por isso, a prova secundária é
autónoma da prova proibida (é autónoma, mas não é totalmente independente / independente em
sentido estrito).
A doutrina alemã tem convocado uma projeção processual da teoria do direito penal substantivo
da imputação subjetiva, e entende que nestes casos se pode convocar uma ideia de interrupção
de nexo de causalidade.
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Há duas situações paradigmáticas em que pode ocorrer a tal dissipação da mácula.
1.º ‘’limpeza da nódoa’’ pelos próprios responsáveis pela ação penal, mediante a
prossecução da investigação com recurso a meios lícitos e alternativos de indagação
continuando a recolher prova de modo autónomo e ‘’não manchado’’. A partir da prova
proibida inicial, podem as entidades de investigação enveredar por caminhos autónomos e
encontrar provas lícitas.
2.º casos em que, na sequência da recolha de uma prova primária proibida, ocorrem
depois atos de vontade livres e esclarecidos de arguido ou de terceiro, por exemplo, uma
testemunha, suscetíveis de ‘’limparem a norma’’. Exemplo: uma testemunha, que presta um
depoimento que havia sido invalidado por via de proibição de prova, mais à frente no processo,
presta declarações de livre vontade e depois de ter sido devidamente informada e esclarecida.
Tem-se entendido que tem de existir esta informação qualificada, isto é, de que as provas
previamente obtidas não vão ser valoradas. Obviamente, não havendo a informação, o efeito à
distância, abrange o depoimento.
Contrariamente aos critérios anteriores, neste caso, não há um consenso: há quem aceite como
limite ao efeito à distância; há quem recuse como limite ao efeito à distância 22.
De acordo com este critério, não haverá efeito à distância sempre que se puder afirmar que os
factos teriam sido apurados através da valoração de outras hipotéticas provas limpas. Ou seja,
também não haverá efeito à distância quando se possa afirmar que um meio secundário de prova
seria, com toda a segurança, ou pelo menos com altíssima probabilidade, obtido mesmo que
não tivesse havido uma prova originária atingida pela proibição de valoração. Não bastará, por
isso, a mera possibilidade de os OPC acederem aos factos com recurso a outros meios de prova
lícitos; para a aplicação deste critério tem de se assegurar que a descoberta da verdade seria
inevitável através de outros meios lícitos que seriam, efetivamente, utilizados. Estes meios são
hipotéticos.
Exemplo: recorre à tortura, e a partir desta o arguido diz onde está o cadáver. Vamos ao
local, e o cadáver lá se encontra. Mas, independentemente deste recurso à tortura, já
estavam a ser feitas escavações num local muitíssimo próximo, e numa questão de 1 ou
2 dias, certamente se iria encontrar o cadáver, ainda que o local exato não tivesse sido
indicado pelo arguido.
A nulidade das escutas for invocada pelo arguido logo na fase de instrução. Porém, o juiz de
instrução não atendeu a essa alegação das escutas. Assim, só no momento da deliberação da
sentença é que os juízes de 1ª instância consideraram que as escutas eram inválidas, de facto.
Ou seja, já depois de os arguidos terem prestado declarações. O que o TC disse é que o arguido,
22
A doutora não indicou a sua posição.
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
entretanto em recurso, invocou que nunca tinha sido informado de que as escutas eram ilegais, e
que a prova obtida diretamente através dessas escutas não poderia ser contra eles valorada;
porém, o TC refuta, afirmando que esta invocação não faz sentido, porque já desde o início do
processo que os arguidos vinham invocando a nulidade das escutas, estavam acompanhados por
advogado e, por isso, não faz sentido invocarem que deveriam ter sido informados de que a
prova já obtida não poderia contra eles ser utilizada.
Das teorias que referimos anteriormente, concluímos que o TC seguiu a teoria da mácula
dissipada. O domínio, por excelência, em que esta teoria é aplicada é quando, após uma prova
obtida por um modo ilícito, através de uma declaração de vontade livre e esclarecido do
arguido, ele presta declarações em relação ao caso.
Mas, para dizermos que o tribunal lançou mão desta teoria, parece que falta a nota fundamental
da informação qualificada e é isso que invoca o arguido nos seus recursos. O arguido não foi
informado de que as provas já obtidas através das escutas ilegais não poderiam contra ele serem
invocadas. O Tribunal não levou em conta esta exigência e, por isso, pode ser duvidosa esta sua
decisão.
A Doutora Sónia afirma ainda que se o caso tivesse sido suscitado depois de 2008 (isto é, depois
do Acórdão do TEDH), em que ficou muito claro que, para que funcionasse o critério da mácula
dissipada, tinha de haver esta informação qualificada ao declarante, no sentido de as provas
proibidas que já constam do processo não podem contra ele ser valoradas, a decisão do TC
poderia ser outra. Se pretendiam seguir esta teoria, deveria ter havido informação qualificada.
[uma coisa é confessarmos um crime, pensando ‘’a prova já está no processo, já não há nada
que me valha, então eu confesso’’ - o facto de ele assumir, pode contribuir para a diminuição da
medida da pena; outra coisa é confessar mesmo sabendo que as provas que estavam no processo
não poderiam contra ele serem utilizadas.]
Aula 21/04
Art. 127.º, do CPP - de acordo com esta norma, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a
prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Outrora
Ora, deste modo, não vale entre nós o sistema da prova legal, segundo o qual é o próprio
legislador que estabelece o valor a atribuir a cada meio de prova, ou seja, há regras legais que
pré-determinam o valor a atribuir à prova. Este sistema / princípio, acontecia muito nas
legislações do passado, pois havia receio de que o juiz incorresse em erro na valoração da prova
e, por isso, afirmava-se na lei um conjunto de regras de apreciação da prova. Por exemplo, nas
Ordenações dizia-se o seguinte: «um testemunho é o mesmo que nenhum testemunha», no
sentido de que ninguém poderia ser condenado com base apenas num testemunho.
Hodiernamente
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
Porém, tomou-se consciência de que o valor e a força dos meios de prova não podem ser
corretamente aferidos à priori, pelo legislador. Só na audiência de julgamento, na presença do
caso concreto, é o que o juiz se apercebe, verdadeiramente, das especificidades do caso; só
através de uma imediação com a prova é que o juiz se apercebe adequadamente do valor dessa
prova.
É verdade que o princípio da livre apreciação da prova tem especial relevo na fase de
julgamento, precisamente porque não valem para a formação da convicção do julgador
quaisquer provas que não forem produzidas ou examinadas em audiência - art. 355.º, n.º1, do
CPP. Contudo, este princípio vale também para outras entidades, nomeadamente, para o juiz da
instrução e para o MP, que apreciam livremente a prova. É, por isso, um princípio geral do
processo penal, com incidência no decurso de todo o processo.
a) Dimensão negativa: pela negativa, este princípio significa a ausência de critérios legais pré-
determinados do valor a atribuir à prova - a lei não estabelece critérios, sendo que o juiz aprecia
livremente.
b) Dimensão positiva: pela positiva, a apreciação de prova de acordo com a livre convicção do
julgador não significa que a sua apreciação seja incontrolável ou imotivável, pois não é
puramente subjetiva. A apreciação tem de ser racionalizável, motivável e motivada, para se
impor à generalidade das pessoas e, designadamente, ao arguido. Este último tem de
compreender o sentida das várias decisões que o afetam, sobretudo quando se trata de uma
decisão de condenação. Liberdade não
Costumamos dizer que esta liberdade na apreciação da prova é uma liberdade de acordo com
um dever, nomeadamente, o dever de perseguir a realização da justiça e a descoberta da verdade
material - liberdade não é discricionariedade. A decisão tem de ser sempre fundamentada, tendo
de dizer-se sempre quais foram as provas que conduziram aquela decisão, como resulta do art.
365.º, n.º3, do CPP, que nos fala da deliberação e votação da sentença. Resulta também do art.
374.º, n.º2 e do art. 375.º, n.º1 e ainda o art. 379.º, n.º1, al. a), do CPP. Deste modo, o princípio
da livre apreciação da prova vale, em geral, no nosso processo penal, para todo o domínio
da prova produzida.
Limites
Vamos analisar vários meios de prova, para apreciar se, em relação a eles, vale ou não este
princípio:
1. prova testemunhal - regulada nos art. 128.º e ss, do CPP. Em relação a esta, vale
inteiramente o princípio da livre apreciação da prova. Entre nós, porém, só vale o testemunho
direto (testemunho de quem tem conhecimento direto dos factos), ou seja, para que estejamos
perante uma testemunha, é necessário que essa pessoa tenha conhecimento direto dos factos (art.
128.º, n.º 1, do CPP); por isso, o testemunho de ‘’ouvir dizer’’ não pode ser valorado pelo juiz
(há uma proibição de valoração de prova23). Nos termos do art. 129.º, n.º1, do CPP, o juiz já
poderá valorar o testemunho de ‘’ouvir dizer’’ quando não for possível a inquirição das outras
pessoas por morte, por anomalia psíquica superveniente ou por impossibilidade de serem
23
O juiz deve chamar ao processo quem disse, ou seja, a testemunha direta.
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encontradas. Note-se, todavia, que haverá uma proibição de valoração absoluta se quem
estiver a depor se recusar ou não estiver em condições de indicar a pessoa ou a fonte através
das quais tomou conhecimento dos factos.
- No caso de haver testemunhos contraditórios, o que faz o juiz? Extrai certidão e inicia-se um
processo penal por eventual crime de prestação de falsas declarações, para se apurar quem está a
mentir - num outro processo, obviamente. As testemunhas têm o dever de falar a verdade, art.
132.º, n.º, al.b), prestando juramento (ao contrário do arguido).
Como sabemos, o arguido tem o estatuto de sujeito processual penal. É titular de um conjunto
de direitos e deveres (arts. 60.º e 61.º, do CPP), e pode ser sujeito a diligências de prova (art.
61.º, n.º 6, al.d), do CPP). As próprias declarações do arguido constituem um meio de prova
(arts. 140.º e ss, do CPP); estas distinguem-se em declarações sobre a sua identidade e
declarações quanto aos factos, sendo que constituem prova estas últimas.
Quanto aos factos, o arguido pode ter um de três comportamentos: negar, confessar ou remeter-
se ao silêncio:
se negar os factos, dizendo que não praticou nenhum deles, vale inteiramente o princípio da
livre apreciação da prova. Se a negação dos factos for uma mentira, não haverá nenhuma
responsabilização, pois não tem o dever de responder com verdade sobre as questões que
lhe são colocadas sobre os factos (art. 140.º, n.º 3, do CPP); trata-se de um direito a mentir?
Não, ele apenas não tem o dever de colaborar com a administração da justiça 24.
se confessar o factos, dizendo a verdade:
o No CPP de 1929, a confissão, por si só, não serviria para condenar o arguido («não vale
como corpo do delito») / não vale como fundamento de condenação, por si só. Receava-
se, por um lado, que se utilizassem métodos abusivos/proibidos para a obtenção de uma
confissão e, por outro lado, que a autoincriminação se pudesse dever a anomalia psíquica.
o Atualmente, a confissão tem um valor diferente conforme a gravidade do crime em causa
(art. 344.º, do CPP). Tratando-se de pequena ou média criminalidade (ou seja, um crime
punível com pena de prisão não superior a 5 anos), e sendo a confissão integral, livre e
sem reservas, tal confissão vale, por si só, como meio de prova, e tem os seus efeitos
previstos no art. 344.º, n.º 2, do CPP25. Estando reunidos estes pressupostos, há uma
limitação ao princípio da livre apreciação da prova, dando-se os factos como provados.
Porém, o valor que a lei atribui às declarações do arguido neste contexto abrange somente
os casos em que a confissão é livre, valendo o princípio da livre apreciação da prova
quando o juiz aprecia o caráter livre da confissão. Por essa razão, só aparentemente há
uma limitação a este princípio26.
se se remeter ao silêncio: art. 41.º, n.º 1, al. d), do CPP. Este direito é novamente afirmado
nas regras que se referem ao julgamento, ou seja, os arts. 343.º, n.º 1 e 345.º, do CPP, de
24
Note-se que também os seus familiares beneficiam deste ‘’não-dever’’ de colaborar, não sendo
obrigados a testemunhar contra o arguido (art. 134.º, do CPP).
25
Ou seja, não se produz mais prova, os factos dão-se como provados, passa-se de imediato para a fase
das alegações orais, e a taxa de justiça é reduzida a metade.
26
Isto é, só aparentemente há uma limitação, tendo em conta que o juiz tem de avaliar se a confissão é,
efetivamente, livre - é ele a decidir se se aplicam os efeitos do art. 344.º, do CPP, porque é ele que
aprecia. Desta maneira, acautelam-se os receios que referimos relativamente ao CPP de 1929.
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acordo com os quais o silêncio pode ser parcial ou total. Assim sendo, não vale, em relação
ao silêncio, não vale o princípio da livre apreciação da prova, pois este nunca pode ser
valorado (art. 343.º, n.º 1 e 345.º, n.º 1, do CPP). A partir do silêncio, não pode o juiz
concluir que o arguido é culpado. Se através de outras provas este concluir que o arguido é
culpado, não pode agravar a medida da pena pelo facto deste último ter permanecido em
silêncio.
2. prova pericial
Regulada nos arts. 151.º e ss, do CPP. Esta tem lugar quando a perceção ou apreciação dos
factos exigirem especiais conhecimentos técnicos, artísticos ou científicos (art. 151.º, do CPP).
nos termos do art. 163.º, do CPP, o juízo técnico, científico, inerente à prova pericial, presume-
se subtraído à livre convicção do julgador, valendo o que o perito disser na sua perícia. Por isso,
esta prova constituiu um limite ao princípio da livre apreciação da prova. Ex.: o cirurgião atuou
com diligência? Utilizou uma técnica que um outro cirurgião, geralmente, utilizaria?
Todavia, o art. 163.º, n.º2, do CPP, estabelece que o juiz pode divergir do juízo apresentado pelo
perito, desde que fundamente essa divergência. Em que casos pode acontecer? Por exemplo, em
caso de erro óbvio. Imaginemos que o perito começa por dizer que A=B, e termina afirmando
que A=C, por engano. Pode chamar o perito para esclarecer, ou pode o juiz afirmar que se trata
de um erro óbvio, de puro lapso de escrita ou falta de atenção. Pode dar-se o caso também de o
juiz ser especializado na área, como por exemplo, tendo conhecimentos em arte, ou ser ele
próprio médico.
3. prova documental
Quanto aos factos constantes de documentos, vale inteiramente o princípio da livre apreciação
da prova, ainda que se trate de um documento autêntico ou autenticado. Isto porque a
autenticidade de um documento ou a veracidade do seu conteúdo podem ser fundadamente
postas em causa (art. 169.º, do CPP). O tribunal pode, ele mesmo e em qualquer caso, declarar
que um documento junto aos autos é falso (art. 170.º, do CPP).
D. Princípio in dúbio pro reu
Princípio de acordo com o qual o tribunal deve dar como provados os fatos favoráveis ao
arguido, quando apesar de toda a prova produzida o tribunal ficar aquém da dúvida razoável.
Por força do princípio da investigação, o tribunal tem o poder-dever de investigar o facto sujeito
a julgamento, independentemente dos contributos da acusação e da defesa, construindo
autonomamente as bases da sua decisão. Deste modo, a dúvida que fique aquém da dúvida
razoável, deverá ser valorada de forma favorável ao arguido, até porque este se presume
inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Produzida a prova nos termos do
art. 340.º e 341.º, do CPP, o tribunal vai apreciar essa prova segundo as regras da experiência e
a sua livre convicção - convicção essa que deve ser sempre objetivável e motivável, nos termos
do art. 127.º, do CPP.
1. se o tribunal concluir que foi produzida prova dos factos imputados ao arguido, então
estes devem ser dados como provados.
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
2. se o tribunal concluir que não foi produzida prova dos factos imputados ao arguido,
estes devem ser dados como não provados.
3. se o tribunal concluir que, apesar da prova produzida, ficou aquém da dúvida
razoável, então deve dar como provados os factos favoráveis ao arguido.
Tem fundamento constitucional no art. 32.º, n.º 2, da CRP, na parte em que se refere que «o
arguido presume-se inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória». Da
presunção de inocência o arguido, só pode decorrer que se deem como provados os factos
favoráveis ao arguido, decidindo o tribunal como se tivesse sido feita prova desses factos, nos
casos em que ficar aquém da dúvida razoável.
Este vale para toda a matéria de facto, quer relativa ao crime, quer atinente à sanção que
lhe corresponde, mas já não vale quanto à matéria de direito (se o juiz tiver dúvidas quanto
à interpretação jurídica de uma norma, não vale a interpretação mais favorável ao arguido). Tal
não obsta, porém, a que um tribunal de recurso possa conhecer da violação do princípio in
dúbio pro reu, quando o recurso interposto seja um recurso de revista, pois esta violação integra
matéria de direito, como qualquer outra violação de um princípio jurídico (porque o princípio
diz respeito a matéria de facto, mas a violação desse princípio é a violação de um princípio
jurídico).
São princípios relativos à forma, mas relacionam-se claramente também com a matéria da
prova.
O princípio da oralidade tem a ver com a forma de alcançar a decisão, isto é, os atos
processais devem decorrer sob a forma oral, devendo a decisão ser proferida tendo por base uma
audiência oral. Está consagrado de modo direto e imediato no art.96.º, do CPP - a prestação de
declarações processa-se, por regra, de modo oral, não sendo autorizados também (e por regra), a
leitura de documentos escritos elaborados para aquele efeito.
Este princípio relaciona-se com o princípio da imediação que, por sua vez, se traduz na
relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal
que o tribunal possa obter uma perceção própria do material que haverá de ter como base na sua
decisão (expressão de Figueiredo Dias). De modo mais breve, este princípio significa que o juiz
deve ter um contacto direto e imediato com os elementos de prova. Está consagrado no art.
355.º, do CPP.
Limitações - exemplos:
- Em certos casos, é admitido o julgamento na ausência do arguido (art. 333.º e ss., do CPP);
- em determinadas situações, é permitida a declaração ou leitura de autos ou declarações, e até a
leitura de declarações do arguido (art.355.º, n.º2, art.356.º e art.357.º, do CPP). O art. 357.º,
al.b), prevê que «1-A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido
no processo só é permitida: b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com
assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do
disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º». Durante muitos anos discutiu-se se era possível
ler em julgamento declarações prestadas pelo arguido no inquérito (e estando estas presentes no
auto), caso ele, em sede de julgamento, se remetesse ao silêncio ou prestasse declarações
diferentes. Antes, era possível se tivessem sido prestadas perante um juiz e se denotassem
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Ano Letivo 2020/2021
contradições que não pudessem ser corrigidas de outra forma. Em 2007, já não se exigiam as
contradições ou discrepâncias sensíveis, nem a parte final em que se dizia ‘’se não puderem ser
esclarecidas de outra maneira’’. Assim, desde sempre, entre nós, só podiam ser lidas se tivessem
sido proferidas perante um juiz + se este tivesse confessado o facto e depois disser que não. Já
se se remetesse ao silêncio, não haveria contradição e, então, não podiam ser lidas.
Posteriormente, desde a última revisão de 2013, as suas declarações podem sempre ser lidas em
doc. se tiverem sido prestadas perante autoridade judiciarias (alargamento), desde que tivesse
estado presente um defensor e desde que este tivesse sido advertido de que, não exercendo o seu
direito ao silêncio, as declarações que ele prestar naquele momento podem depois ser utilizadas,
mesmo que este não esteja presente no julgamento e sob a tutela da livre apreciação de prova.
F. O princípio do contraditório
De acordo com este, toda a prossecução processual deve cumprir-se de forma a fazer ressaltar as
declarações da acusação e defesa, e há o dever de ouvir qualquer sujeito do processo ou mero
participante processual, quando se deva tomar qualquer decisão que o afete.
Há um verdadeiro direito de audiência, consubstanciando-se numa efetiva forma de participação
constitutiva na declaração de direitos, quando o declarante tenha o estatuto de sujeito
processual.
- Para o sujeito processual arguido este princípio é de extrema importância, na medida em que o
direito ao contraditório é uma das suas garantias de defesa que o processo penal deve,
obrigatoriamente, lhe assegurar (art. 32.º, da CRP). Está integrado no seu estatuto processual,
que lhe confere alguns direitos:
direito a estar presente nos atos processuais que diretamente lhe digam respeito,
art.61º/1/a), do CPP;
direito de ser ouvido pelo tribunal ou juiz de instrução sempre que estes tenham que
tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete, art.61º/1/b), do CPP;
direito de intervir no inquérito e instrução, oferecendo provas e requerendo as
diligências que lhe afigurem necessárias, alínea g), do CPP.
- Já quando perspetivado de um modo geral, ele surge enquanto um princípio característico do
processo penal de estrutura acusatória, intimamente relacionada com a finalidade de proteção
das direitos das pessoas.
art. 32.º, n.º 5, in fine, da CRP: a audiência de julgamento (art. 327.º, n.º2, do CPP) e os
atos instrutórios que a lei determinar estão subordinados a este princípio (fase de
instrução - art.289.º e art.298.º -, fase de inquérito, podendo surgir de uma forma mais
limitada, na medida em que, certos casos, podem estar sujeitos a segredo de justiça nos
termos no art.86.º/2 e 3 CPP)
- Por fim, este princípio integra também o estatuto processual do assistente competindo-lhe,
igualmente, intervir no inquérito e instrução, oferecendo provas e requerendo as diligencias
necessárias (art.62.º, al. a), do CPP).
2ª parte da matéria:
A PROVA DIGITAL
O uso da informática invadiu e invade progressivamente todos os setores da vida em sociedade,
melhorando muito a qualidade de vida. Contudo, simultaneamente, abriu uma porta a novas
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
formas de pôr em causa bens jurídicos de caráter individual ou coletivo e, por isso, começou-se
a falar em criminalidade informática.
Entre nós, até setembro de 2009, não existiam regras específicas adaptadas à recolha de prova
em suporte eletrónico. A sua investigação fazia-se de acordo com as regras gerais do CPP
relativas à investigação e obtenção de prova, art.171.º e ss, do CPP.
Aula 28/04
Criminalidade informática ou cibercriminalidade: do que se trata?
São expressões diferentes porque, quando falamos de cibercrime, é necessário que ‘’aquela’’
conduta criminosa envolva a utilização de redes informáticas, enquanto a expressão «crime
informático» pode estar relacionada com computadores isolados, sendo esta última mais ampla
(pois abrange a cibercriminalidade e a criminalidade praticada no âmbito de um computador
isoladamente considerado).
Atentando no art. 11.º da Lei do Cibercrime «1 - Com excepção do disposto nos artigos 18.º e
19.º, as disposições processuais previstas no presente capítulo aplicam-se a processos relativos
a crimes: a) Previstos na presente lei; b) Cometidos por meio de um sistema informático; ou c)
Em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte electrónico»,
verificamos que a própria lei distingue entre os crimes previstos na lei (sentido estrito) e os
cometidos por meio de sistema informático (sentido amplo).
NOTA: esta evolução relaciona-se com a estudada na semana passada, da preocupação dos
Estados em relação à informática.
NOTA2: seja em sentido estrito, seja em sentido amplo, toda (esta) criminalidade é nova.
Mesmo quando estamos a falar da criminalidade em sentido amplo, isto é, de tipos de crime
tradicionais, mas que agora são cometidos através de meios informáticos, eles adquirem novas
características.
1. Transnacionalidade;
2. Anonimato;
3. Tecnologia;
4. Organização;
5. Impacto financeiro.
1. Transnacionalidade
O cibercrime não requer proximidade física entre o ofendido e o agente do crime, ou seja, estes
podem estar em cidades diferentes ou até mesmo em países diferentes; o cibercriminoso só
necessita de um computador com ligação à internet, tendo capacidade para cometer crimes
contra pessoas, negócios ou até governos em qualquer parte do mundo. Ex.: pornografia infantil,
tráfico de pessoas, tráfico de órgãos, etc.
2. Anonimato
30
Ver texto Dr. Rui Natário (cuidado: há uma certa de rigor no conceitos de processo penal).
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Ano Letivo 2020/2021
quando o país a partir do qual foi realizado o crime se recusa a colaborar (cooperação
internacional). Há ainda uma grande facilidade na criação de falsas identidades.
O cibercrime nem sempre tem apenas um agente e uma vítima, sendo um crime automatizado.
esta característica permite que os criminosos cometam vários (até milhares!) crimes de forma
expedita e sem grande esforço. Dificultam, assim, a investigação da prática dos crimes,
aumentar os lucros e o afetar um número maior de vítimas.
4. Organização
Há muitos grupos organizados, que cometem crimes informáticos. Estas organizações recrutam,
cada vez mais, adolescentes que deixam ‘’a criminalidade de rua’’ e ingressam no crime online,
pois podem realizá-los a partir de sua casa.
5. Impacto financeiro
Não há estudos, as cifras negras são imensas, sobre o impacto económico, mas é, obviamente,
um impacto que estende a vários milhões de euros.
EM SUMA: todas estas características distinguem este setor dos cibercrimes, da restante
criminalidade.
Nesta decisão quadro prevê-se o crime de acesso ilegal aos sistemas de informação,
interferência ilegal no sistema e interferência ilegal nos dados, vindo outra Diretiva
(2013/40/EU de 12.08.2012) a acrescentar o ilícito de interceção ilegal.
A opção do legislador português foi uma opção de transpor estes diplomas não fazendo a sua
introdução no CP, mas criando um diploma autónomo. Ao invés de introduzir as normas no CP,
ter optado por criar um diploma autónomo. É um domínio específico de criminalidade que exige
normas específicas e a ideia foi congregar num só diploma todas as normas relativas a esta
criminalidade. Mas também é uma matéria muito dinâmica, pelo que será mais aceitável alterar
a Lei do Cibercrime do que o CP e o CPP – tal argumento continua a cair um pouco por terra,
pois os códigos têm sido mais alterados do que a Lei do Cibercrime. As desvantagens são
claras: com a criação de legislação extravagante, há a dificuldade de concordar o regime dessa
legislação com a geral. É um argumento falso, pois o cibercrime não são só os crimes que estão
na LC – A combina com B por mail matar C, esta é um crime de homicídio, mas em que na
instigação daquele crime é necessário recolher prova em meio eletrónico. Durante muitos anos,
os profissionais forenses não se aperceberam que tínhamos uma lei que ia muito para além do
próprio cibercrime, pois aquela diz respeito à parte processual, bem como da cooperação
internacional. A parte processual aplica-se em todos os casos em que seja necessário recolher
prova em ambiente digital. Esta ideia de que é um domínio muito específico e que, por isso,
justificava uma legislação extravagante é um argumento falacioso.
31
Ver texto do Dr. Oliveira de Ascensão
32
Ainda não transposta em Portugal
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
- Código Penal
- Lei 67/2008, de 26 de outubro (Lei que assegura a execução do regime geral de proteção
de dados)
A lei do cibercrime estabelece expressamente, no seu art. 30.º, que «O tratamento de dados
pessoais ao abrigo da presente lei efectua-se de acordo com o disposto na Lei n.º 67/98, de 26
de Outubro, sendo aplicável, em caso de violação, o disposto no respectivo capítulo vi». Ora,
desde 98, tínhamos uma lei da proteção de dados pessoais. A novidade foi que, em 2016, foi
aprovado o regulamento geral de proteção de dados pessoais na UE, que entrou em vigor em
toda a EU no dia 25/05/2018 (não carece de transposição).
Acontece que este regulamento tinha muitas incompatibilidade com a nossa lei de proteção de
dados pessoais; a lei de proteção de dados pessoais não foi logo revogada, e colocou-se a
questão de saber se, sendo incompatível com um regulamento, como interpretar as nossas
normas e como fazer relativamente ao capítulo VI, que previa um conjunto de comportamentos
considerados crimes (tipos legais de crimes). Estes tipos legais de crime mantiveram-se em
vigor até 2019, data em que, com a Lei 58/2019, passou a prever um conjunto de crimes que
podem ser praticados pelas pessoas que violem as regras relativas à proteção de dados pessoais,
mas que na verdade vão ao encontro dos tipos legais de crime que tínhamos na Lei 67/98.
Como vimos pelo art. 1.º, que a presente lei estabelece as disposições penais materiais e
processuais, bem como as disposições relativas à cooperação internacional em matéria
penal.
«Quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar
ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento
informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que
estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o
fossem, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias.»
Tem duas intenções / dupla intenção: provocar engano + de que estes sejam considerados ou
utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem A Doutora considera
que é um pouco redundante, no sentido que a segunda intenção acaba por ser uma repetição da
primeira.
! Sentido estrito: A informática faz parte do próprio tipo legal de crime, é um elemento deste.
NOTA: o n.º 2, na referência «Quando as ações descritas no número anterior incidirem sobre os
dados registados ou incorporados (…) em qualquer outro dispositivo que permita o acesso (…)
a serviço de acesso condicionado, a pena é de 1 a 5 anos de prisão», permite-nos responder à
questão de saber se a difusão ilegítima do canal TV Cabo é ou não punível entre nós, e se
podemos punir quer a pessoa que difunde, quer a que recebe o canal em sua casa. [ver próxima
aula]
2. Do ponto de vista subjetivo, o tipo legal supõe o dolo, sob qualquer das formas previstas no
artigo 14º do Código Penal, exigindo, enquanto elemento subjetivo especial do tipo, a intenção
de provocar engano nas relações jurídicas, bem como, relativamente à produção de dados ou
documentos não genuínos, a particular intenção do agente de que tais dados ou documentos
sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se fossem
genuínos.
No âmbito de uma luta partidária, os arguidos neste processo criaram uma conta de correio
eletrónico, utilizando os dados de identidade de uma determinada pessoa (A) e, através dessa
conta, enviaram e-mails para os filiados do partido levando-os a crer que tais mensagens tinham
sido escritas por A. Estava em causa saber se «a criação e utilização de uma conta de correio
eletrónico, com utilização do nome e/ou parte do nome de alguém no endereço eletrónico e no
nome de utilizador que lhes estão associados, traduz, no plano objetivo, a produção de dados
ou documentos não genuínos, mediante a introdução de dados informáticos, que a al. b) do nº2
da Lei 109/2009 define como, “…qualquer representação de factos, informações ou conceitos
numa forma adequada para o processamento informático, incluindo um programa que permita
a um sistema informático executar uma função”.». O tribunal concluiu que sim, pelo que «a
utilização do nome ou de parte do nome de outrem no nome de utilizador e/ou endereço
eletrónico, por parte de quem criou conta de correio eletrónico, é idóneo a fazer crer que foi a
pessoa a quem respeita o nome ou parte de nome quem efetivamente abriu e utilizou a conta de
correio eletrónico em causa, pelo que, quando tal não corresponda à verdade, configura-se
uma situação de fraude na identificação em termos similares ao que sucede quando alguém
assina com o nome de outrem documento por si elaborado (vd P. Albuquerque, Comentário do
C.Penal, 2008, anotação ao art. 256º, p. 673.), dando origem a dados ou documentos não
genuínos para efeitos da previsão do nº1 do art. 3º da citada Lei do Cibercrime. (…) da
factualidade provada configura, assim, uma falsa representação da realidade quanto à
identificação do criador e utilizador da conta eletrónica que, deste modo, constitui dado ou
documento não genuíno para efeitos do preenchimento dos elementos típicos do crime de
Falsidade informática, sendo certo que, contrariamente ao que parece entender o recorrente,
não é determinante que o nome ou parte do nome usado possam ser relativamente comuns.
Desde que no contexto em que foi criada e utilizada a conta de correio eletrónico em causa, o
33
Citando, no Acórdão, Pedro Dias Venância, Crimes de Falsidade Informática in JusNet 120/2010,
acedido em abril de 2015.
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
nome de utilizador e o endereço eletrónico sejam adequados, em concreto, a fazer crer que
aquela conta pertence a pessoa determinada diferente daquele que, dolosamente, a criou e
utilizou com o intenção de provocar, desse modo, engano nas relações jurídicas, o tipo legal
pode ser preenchido.».
NOTA: é importante reter que deste acórdão resulta que o bem jurídico protegido é a segurança
das reações jurídicas, e não a confidencialidade. Isto é, não é necessário que haja violação da
confidencialidade para se verificar a prática de um crime de falsidade informática.
Corresponde: art. 212.º, do CPenal. Porque é que o legislador sentiu necessidade de criar este
crime? O software não é considerado uma coisa para efeitos do crime de dano. Não se encontra
muita jurisprudência quanto a este crime e isto não implica que ele não exista, mas que seja sim
muito difícil proceder à sua prova. é um crime informático em sentido estrito porque a
informática surge no próprio tipo legal.
É um crime cometido por alguém que difunde um vírus, e são eliminados os dados que o
destinatário tem no computador. O dano traduz-se na conduta daquele que «apagar, destruir
(…)», todavia, é difícil encontrar o autor destas práticas.
A sabotagem diz respeito ao sistema informático; o dano (art. 4.º) diz respeito aos dados.
Sobreposição com o art. 329.º, do CPenal: se o crime de sabotagem foi praticado por meios
informáticos, e disser respeito a sistema informáticos que «que apoie uma actividade destinada
a assegurar funções sociais críticas, nomeadamente as cadeias de abastecimento, a saúde, a
segurança e o bem-estar económico das pessoas, ou o funcionamento regular dos serviços
públicos» podemos ter aqui um conjunto de condutas que caia no âmbito de ambos os artigos.
Portanto, para saber por qual crime condenar o agente, temos de atentar nos elementos dos
diferentes tipos legais de crimes [problema de concurso - não vamos aprofundar na nossa
disciplina].
! Bem jurídico protegido: segurança dos sistemas informáticos (dimensão da confiança que os
utilizadores têm no próprio sistema); privacidade da pessoa (confidencialidade dos dados
armazenados no sistema informático).
Sumário:
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
I - É autor material de um crime de acesso ilegítimo, previsto no art. 6.º, n.ºs 1 e 4, al. a), da
Lei n.º 109/2009, de 15-09, quem, sendo inspector tributário - não obstante deter, para
exercício da sua função, instrumentos de segurança “username” e “PIN” -, por motivos
estritamente pessoais, acedendo ao sistema informático da autoridade tributária, consulta
declarações de IRS de outrem.
II - O tipo subjectivo daquele ilícito penal não exige qualquer intenção específica, como seja a
provação de prejuízo ou a de obtenção de benefício ilegítimo; fica preenchido com o dolo
genérico.
Um inspetor tributário foi condenado como autor material de um crime consumado de acesso
ilegítimo, nos termos do art. 6.º, n.º1 e n.º4, al.a), pelo facto de ter acedido às declarações de
IRS de B, sem que para tal tivesse qualquer justificação de trabalho ou de serviço, e sem para tal
estar autorizado. Ao aceder aos «dados pessoais de contribuintes contidos em sistema
informático de uso exclusivo da Direção-Geral dos Impostos, fê-lo por motivos pessoais ou
particulares bem sabendo que não o podia fazer e que acedia a dados confidencias protegidos
por lei.».
Ora, o arguido alegou que «Não houve qualquer prejuízo material», contudo, não é necessário,
para preenchimento do elemento subjetivo do tipo, um «dolo agravado», mas apenas um «dolo
genérico», sendo que o art. 6.º não exige que haja intenção de alcançar um benefício ou
vantagem ilegítima (contrariamente à legislação anterior, de 1991) 34 - como resulta da expressão
(do artigo) « sem permissão legal ou sem para tanto estar autorizado pelo proprietário, por
outro titular do direito do sistema ou de parte dele».
NOTA: Não vamos estudar cada um, até porque são, em regra, muito extensos com
especificidades. Mas a ideia da prof é que percebamos o que são os crimes informáticos e o que
temos na lei do cibercrime, quais as principais controvérsias doutrinais e jurisprudenciais.
Aula 5/05
34
NOTA: «No entanto, se ocorrer efetivo benefício ou vantagem patrimonial do agente, e eles forem de
valor consideravelmente elevado, tal circunstância modificativa agravante determinará a aplicação do
tipo agravado do seu nº 4º, b); mas são coisas distintas.»
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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, 30-10-2013 [análise]
Sumário:
MAS: o gerente utilizava software todos os dias, tinha conhecimentos, logo, «no que respeita
ao elemento subjectivo do crime, interessa referir que nos factos dados como provados consta
que os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo o arguido
agido de forma livre e voluntária, em representação e no interesse da empresa arguida, pelo
que entendemos estar, inequivocamente, preenchido o elemento subjectivo do crime em
referência».
Recorrentes: «Alegam, ainda os recorrentes, que a sentença recorrida não fez uma correcta
aplicação do direito à matéria de facto provada e não provada, não se encontrando preenchido
o tipo legal do crime pelo qual foram condenados, ou seja, o crime de reprodução ilegítima de
programa protegido, p. e p. pelo art. 9º da Lei n.º 109/91, de 17.8, aplicável aos programas de
computador por força do art. 14º do DL. n.° 252/94, de 20/10» (…) «Desta forma os
recorrentes dão a entender que, para que se considere verificado o crime em questão, a
reprodução do programa informático implica uma comunicação ao público, daí defenderem
que deveria ter sido dado como provado que os computadores e programas reproduzidos eram
apenas para uso profissional/interno da sociedade arguida, o que não foi.»
MAS: não podemos interpretar este artigo como se os requisitos da letra da lei fossem
cumulativos, pois ‘’reproduzir’’, ‘’divulgar’’ e ‘’comunicar ao público’’ são requisitos legais
alternativos (e não cumulativos). Logo, «Será, então, punível nos termos do art. 9º, n.º 1 da Lei
n.º 109/91 de 17/08, o acto de "reproduzir", independentemente da intenção com que essa
reprodução tenha sido efectuada. Ou seja, tanto é punível o acto de reproduzir um determinado
programa informático, como é punível o acto de o divulgar ou comunicar ao público.». Assim,
mesmo a reprodução privada já integra os elementos típicos.
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Ano Letivo 2020/2021
Código penal
Fazendo uma comparação com o crime de burla, previsto no art. 217.º, do CP, o crime de burla
informática não exige que se provoque erro ou engano na outra pessoa; os elementos típicos são
diferentes.
Sumário: «Integra uma das modalidades da acção típica do crime de burla informática, a
apropriação de dinheiro através da introdução e utilização no sistema informático das ATM de
dados sem autorização (introdução do cartão e digitação do código de acesso), com intenção
de obter enriquecimento ilegítimo, causando a outra pessoa prejuízo patrimonial.»
A pessoa A (não identificada) furtou um cartão bancário, juntamente com o respetivo código, e
entregou ao arguido B, em troca de dinheiro. O arguido C aceitou também uma playstation,
pagou uma dívida que tinha num stand, etc. - utilizaram o dinheiro desse cartão.
Pergunta: qual o tipo legal de crime em causa? Não seria o furto, mas sim a utilização posterior
deste mesmo cartão.
O Tribunal acabou por definir que se tratou de um crime de burla informática, pois estes
utilizaram o cartão e os seus dados sem autorização, (introdução do cartão e digitação do código
de acesso), com intenção de obter enriquecimento ilegítimo, causando a outra pessoa prejuízo
patrimonial. Mais uma vez, apura-se que não exige erro ou engano, bastando a utilização
abusiva do sistema informática e do enriquecimento ilícito, para se tratar de um crime de
burla informática nos termos do art. 221.º, do CPenal.
A extensão das redes informáticas dificulta a perseguição das condutas ilícitas, propiciam
anonimato ao consumidor destes tipo de materiais informáticas, e há ainda vantagens inerentes à
própria rede informática, tendo em conta que é muito fácil aceder a estes materiais, e sem
qualquer custo - maior oferta, maior facilidade em aceder. Assim, a prática deste crime esteja,
por regra, associada à utilização de meios informáticos.
Qual a natureza do bem jurídico protegido / em causa? Ora, atentemos na al. a) « Quem:
a) Utilizar menor em espetáculo pornográfico ou o aliciar para esse fim;» e al. c) «Produzir,
distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por
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qualquer meio, os materiais previstos na alínea anterior;»; n.º 4 «Quem praticar os actos
descritos nas alíneas c) e d) do n.º 1 utilizando material pornográfico com representação
realista de menor é punido com pena de prisão até dois anos.» e n.º 5 «Quem,
intencionalmente, adquirir, detiver, aceder, obtiver ou facilitar o acesso, através de sistema
informático ou qualquer outro meio aos materiais referidos na alínea b) do n.º 1 é punido com
pena de prisão até 2 anos»; n.º 8 «Para efeitos do presente artigo, considera-se pornográfico
todo o material que, com fins sexuais, represente menores envolvidos em comportamentos
sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou contenha qualquer representação dos seus
órgãos sexuais ou de outra parte do seu corpo.».
Considera-se que estas condutas (das als. c) e d), n.os 4 e 5) deveriam estar tipificadas no
âmbito dos «crimes contra a família, sentimentos religiosos e o respeito devido aos mortos»,
arts. 247.º e ss, criando-se aí um novo tipo legal de crime.
Divergência doutrinal: N.º 4 «com representação realista do menor» - o que significa isto?
Há muita divergência doutrinal, pois é diferente filmar uma criança real ou através de um
programa informático, criar uma ‘’criança’’ virtual.
Por outro lado, tem sido muito discutido se deve ser punida e em que termos a conduta do
agente que se limita a ir à internet, e fazer o download dos materiais pornográficos.
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Foi sobre esta questão que se debruçou o Ac. TR Porto, de 7/12/2018 - análise:
As entidades alemãs investigaram este tipo de criminalidade, e durante estas, detetaram várias
visitas a um site, em Portugal, por parte de um indivíduo. Através do IP do computador
conseguiram observar que fizera várias visitas a sites de pornografia, dos quais fez download
dos filmes, e colocava em discos rígidos, DVD’s, e ainda colocava os vídeos numa pasta
partilhada na internet, para que outras pessoas também pudessem ver.
O TB entendeu que deveria condenar o crime na prática de pornografia infantil, nos termos da
al. c), do n.º1, do art. 176.º, do CPenal. A defesa alegou, porém, que a « o download não pode
ser considerado "importação de pornografia de menores", para os efeitos do artigo 176°, n. ° 1
alínea c) do CP. 45ª Importação é um ato integrante da comercialização de pornografia de
menores, que equivale ao transporte de pornografia de menores de um país para Portugal.
46ª O ato de “importar” a que se refere esta norma implica, necessariamente, uma intenção de
lucro e de negócio entre cidadãos de diferentes Estados, o que não se verifica no caso dos
presentes autos.». Contudo, a Relação contrariou, dizendo que está preenchendo o tipo legal de
crime, pois efetivamente a importação verifica-se: «download significa literalmente “descer
carga”, descarregar, transferir, portanto, importar dados de um servidor para o seu
dispositivo informático, pelo que conclui que fazer download de dados de pornografia de
menores, de um servidor para o dispositivo informático pessoal, relativos a ficheiros de
imagens, integra o conceito de importar previsto na al. c) do nº 1 do art.º 176º Código Penal
(…) Mas mesmo que se admitisse que a “importação” tinha que se restringir ao ato de trazer
um produto de território exterior para Portugal, no caso foram as autoridades policiais alemãs
que detetaram a situação, não fazendo o arguido evidentemente download de sítios na internet
sedeados em Portugal.
De todo o modo (…) resulta claramente a exibição e cedência por parte do arguido dos
materiais previstos na al. b) do nº 1 do art.º 176º do Código Penal (como prevê a al. c) do
mesmo nº 1 do art.º 176º do Código Penal), ou seja, a conduta do arguido não se traduz em
mera detenção, antes servindo de veículo difusor, pelo que é claro o preenchimento do tipo
legal em causa. Note-se que o legislador refere a qualquer título, sendo por isso indiferente
que o agente aja a título gratuito ou oneroso, não se reportando a al. c) em causa apenas a
situações de “negócio”. Note-se também que a al. c) do nº 1 do art.º 176º do Código Penal
atribui relevância jurídico-penal a um vasto leque de condutas: produção, distribuição,
importação, exportação, divulgação, exibição e cedência de material pornográfico onde figure
menor.»
Phishing
É utilizada de forma ampla como referência à criação e utilização de meios online para ??
fraudulenta. através deste pretende-se obter dados ou informações confidenciais dos utilizadores
da internet, para posterior benefício ilegítimo, através desses dados ou informações. O phishing
é principalmente efetuado através de mensagens de correio eletrónico e da criação de websites
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Ano Letivo 2020/2021
fraudulentos, que se servem da réplica de imagens de entidades fidedignas, como por exemplo,
de bancos ou de comércio. Ex.: Em PT, replica-se a página da Autoridade Tributária, dos CTT,
dos nossos bancos, etc.
Não existe um crime de phishing, um tipo legal. Então como é que vai ser punido o
phisher? A pessoa que leva a cabo estas práticas? Por quais crimes pode ser punido?
1.º Envia uma mensagem de correio eletrónico ou apresenta um website aparentemente legítimo
quanto à sua origem e ao seu conteúdo, usando imagens e linguagens referentes a uma entidades
fidedigna crime de falsidade informática, art. 3.º, da LC; BJ: segurança das relações
jurídicas.
2.º Utilização de malware (técnica de phishing mais sofisticada), no momento em que acede ao
computador da vítima para lá instalar o software malicioso crime de acesso ilegítimo, art. 6.º,
da LC; BJ: segredo do titular + integridade do sistema informático.
4.º Fazer com que o browser redirecione para um site falso a nossa pesquisa, ou seja, permite
afetar a capacidade do acesso à internet crime de dano relativo a programas informáticos, art.
4.º da LC; BJ a tutelar: património;
5.º utilização dos dados da vítima para benefício próprio ou de terceiro (códigos, palavras-
passe) utilização de dados sem autorização crime da burla informática, art. 221.º, CPenal.
Como o vamos punir? Por concurso, ou apenas pela conduta que preenche o último tipo
legal de crime?
Só pela burla? Não. Os BJ são diferentes, pode acontecer que leve a cabo todas as condutas, e
não se verificar, contudo, o crime de burla (por exemplo, se o vítima mudar as credenciais).
Há, entre nós, quem entenda que quando o agente chega ao fim, deve ser punido apenas pelo
crime de burla informática, no sentido de que este consome todos os outros – PAULO PINTO
ALBUQUERQUE. Há quem entenda que assim não é (como a doutora FIDALGO) porque os
bens jurídicos protegidos são diferentes e, além disso, pode acontecer que o agente até leve a
cabo todas as condutas anteriores, mas não consiga depois aceder às contas bancárias. A doutora
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Ano Letivo 2020/2021
diz que deve, no mínimo, punir-se em concurso entre a burla informática e a falsidade
informática.
De facto, em PT, não temos ainda jurisprudência de tribunais superiores de agentes pela prática
de phishing. Os acórdãos de tribunais superiores são acórdãos de natureza civil em que aquilo
que se discute se é o próprio banco que é responsável pela conduta do criminoso.
A utilização de homebanking através da internet, não se provando que o cliente agiu com
negligencia grave, recai sobre o banco a responsabilidade pela movimentação fraudulenta da sua
conta bancária se terceiros vierem a aceder à conta de que é titular. Em caso de fraude
informática, não age com culpa o cliente que introduziu numa página de web falta, clonada da
página o banco, as suas credenciais de acesso, na convicção que estava a fazê-lo na autêntica
página online do banco. Não tem havido processos penais relativamente a esta matéria, desde
logo porque é muito difícil apurar identidade do agente.
Na questão de concurso entre crimes, não encontrou acórdão especifico de uma situação de
phishing, mas há entre nos vários acórdãos que se dedicam à questão de saber se quando o
agente se dedica ???. Concurso de falsificação de documento e de burla. Muitas vezes, o que
verificamos é que o agente, para burlar, apresentou um documento falso. Aqui havíamos de
condenar só pelo crime de burla, pois consumia o crime de falsificação, ou se se tratava de um
caso de concurso de crimes. houve um acórdão de uniformização de jurisprudência que
determinou: se a conduta do agente preencher o tipo legal de falsificação e o crime de burla
(217º), deve entender-se que há concurso real ou efetivo de crimes. isto foi muito discutido.
Os bens jurídicos violados pela burla e pela falsificação são, respetivamente, o património do
burlado e a fé pública dos documentos necessária à normalização das relações sociais –
portanto, diversos e autónomos. Por isso, entre os crimes de burla informática (Artigo 221º do
Código Penal) e o crime de falsidade informática (Artigo 3º da Lei Cibercrime), existe concurso
real de infrações.
Através da falsificação de dispositivos recetores, ilícitos, que não são comercializados nem
autorizados, recebe-se o sinal sem que haja um contrato, e difundem esse sinal para ‘’clientes’’.
A conduta de quem tem o dispositivo ilícito para aceder ao sinal da TV Cabo, e a conduta
daquele que recebe o sinal (o ‘’consumidor final’’), constituem crime? Durante muitos anos
discutiu-se entre nós. nos termos desta lei, certas condutas, nomeadamente de quem utiliza o
dispositivo ilícito, já é considerado ilícito por esta lei. A conduta que recebia o sinal era
considerado ilícito, mas um ilícito contraordenacional – teria de pagar uma coima. O que é que
acontece? Com a entrada em vigor da LC, o que se tem considerado é que a conduta quer da
pessoa que falsifica os dispositivos e distribui o sinal, quer da pessoa que recebe o sinal, estas
condutas são ambas consideradas crime. E que crime é que se considera que cometem? O crime
35
Ver artigo de Pedro Verdelho.
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
de falsidade informática (art. 3º LC): “nº2: incidirem sobre os dados registados ou
incorporados em cartão bancário de pagamento ou em qualquer outro dispositivo que permita
o acesso a sistema ou meio de pagamento, a sistema de comunicações ou a serviço de acesso
condicionado, a pena é de 1 a 5 anos de prisão.”. a conduta do recetor do sinal ilegítimo
também é crime: nº3: foram objeto dos atos referidos no nº1 ou cartão ou outro dispositivo no
qual se encontrem registados ou incorporados …”. Estas condutas, com a LC, são ambas crime
– ao invés do que acontecia antes, em que quem recebia o sinal era somente punido como
contraordenacional.
Evolução
As alterações tecnológicas são parte integrante da nossa vida, da nossa experiência individual e
coletiva, e influenciam todas as áreas sociais. Por isso, o Direito Processual Penal e o direito
Penal não são imunes a esta influência.
Tradicionalmente, os tribunais hesitavam em aceitar que a prova dos factos submetidos a juízo
fosse feita através de meios tecnológicos. Contudo, verifica-se uma mudança no sistema de
administração da justiça penal, devido ao uso continuado e o avanço tecnológico.
A verdade é que, atualmente, a grande parte da vida de cada um de nós deixa um rasto digital,
que se encontra armazenada em sistemas informáticos de diversa natureza. Além disso, há uma
ampla quantidade de informação que circula nas redes informáticas e essas redes informáticas
são também locais privilegiados para a prática de crimes. Então, por um lado, a vida diária cada
um de nós vai deixando um rasto digital armazenado em sistemas informáticos de diversa
natureza e por outro lado, as próprias redes informáticas são redes onde circula uma ampla
quantidade de informação e são também as próprias redes locais privilegiados para a prática de
crimes.
Estes dois fatores fazem compreender o interesse a que temos assistido nos últimos anos em
aceder a esses sistemas informáticos para recolher a prova da prática dos crimes, e determinar
quem foram os seus agentes. Não surpreende, por isso, que a prova digita tenho entrado nos
tribunais e que esteja hoje presente na generalidade dos processos de natureza criminal.
Numa fase inicial, enquanto a novidade foi apenas em relação ao formato de armazenamento
dos meios de prova, os participantes no processo penal adaptaram-se sem dificuldade
significativa. Por exemplo, juntávamos ao processo penal um e-mail, em vez de uma carta
escrita; juntávamos um ficheiro JPEG, em vez de uma fotografia impressa.
Porém, a tecnologia foi-se desenvolvendo, e a prova digital tornou-se cada vez mais complexa.
Atualmente discute-se, inclusivamente, a aplicação de técnicas de inteligência artificial no
domínio da prova digital
O conceito de prova eletrónica é um conceito mais abrangente que o de prova digital pois o
primeiro engloba não apenas a prova obtida através de dados em formato digital, como também
a prova alcançada por meios de dados em formato analógico.
Podemos encontrar conceitos de prova digital em textos de caráter internacional: a prova digital
é a prova produzida a partir de dados em formato digital, ou seja, dados na forma binária, que
são manipulados, armazenados ou comunicados através de qualquer dispositivo, computador ou
sistema informático, ou que são transmitidos através de um sistema de comunicação.
A prova digital pode encontrar-se em fontes diversificadas como, por exemplo, computadores,
smarphones, smartwatches, tablets, câmaras fotográficas ou câmaras de vídeo digitais,
impressoras, scanners, armazenamento USB, videojogos, sistemas de videovigilância ou em
redes de comunicações eletrónicas; em qualquer um destes elementos podemos encontrar prova
digital. Eles estão referidos guia do Conselho da Europa, atualizado em 6/03/2020.
1. Desde logo para uma digital tem as características de imaterialidade ou invisibilidade: a prova
digital é composta por uma sequência de bits, e existe independentemente do suporte material
no qual se encontre incorporada. Por isso, tal prova só é encontrada em locais acessíveis através
de ferramentas específicas e onde apenas especialistas conseguiram pesquisar. É, assim,
imaterial e invisível aos olhos do cidadão.
2. A esta ideia de uma materialidade associa-se ainda que de caráter frágil e volátil da prova
digital: a prova digital pode ser destruída, apagada, quer por influência do utilizador (e mesmo
que de forma remota), quer através de forma automática, pelo próprio sistema operativo. Pode
acontecer ainda que, entre o momento em que se procede à obtenção da prova, e o momento em
que ela vem a ser valorada, ocorram chamadas influências externas, por parte dos agentes do
crime, dos ofendidos, dos investigadores em geral e até mesmo por parte de quem procede à
recolha da prova. Estas influências externas podem alterar a prova, contaminando-a,
inutilizando-o ou ainda pondo em causa a autenticidade e a fidedignidade da mesma. Uma
prova contaminada pode deixar de ser utilizada em julgamento ou então pode ser posta em
causa a sua autenticidade e a sua fidedignidade.
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
Atendendo a estas características da prova digital, faz com que se compreenda a importância de
um método científico de identificação, recolha e análise de provas em ambiente digital - e essa
ciência é de ciência forense digital, cujo papel é evitar que a prova se perca, se contamine, etc.,
para que seja validamente apresentada em tribunal.
Em Portugal, até setembro de 2009, não existiam regras específicas adaptadas à investigação em
ambiente eletrónico ou digital, ou seja, quer na investigação relacionada aos crimes
informáticos, quer na investigação relacionada com outros crimes mas em que fosse necessário
proceder à recolha de provas, recorria-se aos meios de obtenção de prova previstos no Código
de Processo Penal (artigos 171 e seguintes). Assim, até 2009, não tínhamos regras especiais
relativamente a meios de obtenção de provas.
Acontece que a Lei do Cibercrime, nº 109/2009, trouxe novidades nesta matéria. Esta lei, logo
no art. 1º, determina que é a competente para estabelecer as disposições penais materiais e
processuais relativas ao domínio do cibercrime e da recolha de prova em suporte eletrónico. De
facto, esta lei tem três capítulos distintos:Cap. I - Objeto e definições;
a) Cap. II - Disposições penais materiais, onde tem os diverso tipos legais de crime;
b) Cap. III - Disposições processuais. dimensão verdadeiramente inovadora
c) Normas respeitantes à cooperação penal internacional - que complementam as
disposições da Lei da Cooperação Judiciária Internacional em Matéria Penal – Lei nº
144/99, de 31/08
- Art. 11.º - 1 - Com exceção do disposto nos artigos 18.º e 19.º *, as disposições processuais
previstas no presente capítulo aplicam-se a processos relativos a crimes:
b) Cometidos por meio de um sistema informático; ou - são aqueles que fazem parte da noção
de criminalidade informática em sentido amplo (ex.: injúria através de Facebook)
c) Em relação aos quais seja necessário proceder à recolha de prova em suporte eletrónico. -
todos, mesmo os ‘’tradicionais’’, em que seja necessário recolher prova em suporte eletrónico.
CRÍTICA (à al.c): a lei do cibercrime compreendo, afinal, um regime geral sobre a recolha de
prova em suporte eletrónico, aplicável ao processo por qualquer crime. Ou seja, as regras
probatórias previstas na lei do cibercrime, correspondem assim a um regime sobre prova
eletrónica; elas não são apenas regras processuais específicas para o setor da cibercriminalidade,
ou sequer apenas relativas a crimes praticados em sistemas informáticos. Aliás, o próprio art. 1.º
da LC diz que se estabelecem regras relativas ao domínio do cibercrime e na recolha de prova
em suporte eletrónico, por isso temos estes 2 domínios.
Neste sentido, tem-se dito (e com razão, da perspetiva da doutora) que não se compreende por
que motivo estas regras não foram inseridas no próprio código de processo penal. Esta inserção
destas normas no código de processo que não teria sido por isso a opção mais correta tendo em
conta a inconveniência de ver dispersas em leis extravagantes regras gerais carecidas de
integração no CPP, e que são de aplicação no processo de investigação qualquer crime. Sendo
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
um diploma extravagante, por vezes, traz a dificuldade de compatibilização com normas
do próprio CPP, e também com normas de outros diplomas. Por exemplo. compatibilização
com o art. 189.º, do CP.
Atentemos no n.º 2 do art. 11.º: «As disposições processuais previstas no presente capítulo não
prejudicam o regime da Lei n.º 32/2008, de 17 de Julho». Esta é a chamada Lei Da Conservação
De Dados Gerados Ou Tratados No Contexto Oferta De Serviços De Comunicações Eletrónicas.
Art. 1.º : regula a conservação e a transmissão dos dados de tráfego e de localização relativos
a pessoas singulares e a pessoas colectivas, bem como dos dados conexos necessários para
identificar o assinante ou o utilizador registado, para fins de investigação, detecção e
repressão de crimes graves por parte das autoridades competentes, transpondo para a ordem
jurídica interna a Directiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de
Março, relativa à conservação de dados gerados ou tratados no contexto da oferta de serviços
de comunicações electrónicas publicamente disponíveis ou de redes públicas de comunicações,
e que altera a Directiva n.º 2002/58/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de
Junho, relativa ao tratamento de dados pessoais e à protecção da privacidade no sector das
comunicações electrónicas. Assim, esta lei impõe aos fornecedores de serviços de
telecomunicações (como MEO, NOS, etc.) que conservem / retenham os dados de tráfego e de
localização relativas às comunicações eletrónicas com a finalidade ali descrita, dos seus
clientes, durante 1 ano.
Note-se que não se trata do conteúdo das próprias conversações, mas sim quando é que a
chamada foi efetuada, o momento em que se iniciou a conversação e em que terminou.
ATENÇÃO: na Lei 41/2004 temos uma noção de «dados de tráfego», porém, no art. 2.º, al.c),
da Lei do Cibercrime, também dá uma noção de «dados de tráfego» - e não são propriamente
coincidentes. A Doutora considera isto ‘’uma trapalhada’’.
O art.6.º da Lei 32/2008 dita que «As entidades referidas no n.º 1 do artigo 4.º devem conservar
os dados previstos no mesmo artigo pelo período de um ano a contar da data da conclusão da
comunicação.» para a eventualidade de ser necessário aceder aos dados no âmbito de uma
investigação - rem. p/ art. 9.º: « A transmissão dos dados referentes às categorias previstas no
artigo 4.º só pode ser autorizada, por despacho fundamentado do juiz de instrução, se houver
razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova
seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter no âmbito da investigação, detecção
e repressão de crimes graves ». rem. p/ art. 2.º, n.º1, al.g), da presente lei.
NOTA: Esta Lei 32/2008 tem suscitado questões sobre se é ou não válida, tendo em conta que a
Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março, foi
considerada inválida.
12/05/2021
A lei estabelece que esses dados têm de estar preservados pelo período de um ano a contar da
data da conclusão da comunicação. Diz também esses dados só poderão ser transmitidos pelas
operadoras de comunicação se houver um despacho fundamentado do juiz de instrução nesse
sentido (art. 9º). Toda a lei diz que os dados de tráfegos são conservados para a eventualidade
de ser necessário recorrer a eles no âmbito da investigação de crimes graves – cuja definição
está prevista no art. 2º, n.º1, al.g) [fazer remissão do art. 2º para os códigos do CP respetivos -
“terrorismo” art. 1º, al.i), “criminalidade violenta art. 1º/j) e “criminalidade altamente
organizada” art. 1º/m) do CPP].
NOTA: não confundir! Não são as conversas que temos por telefone ou online que ficam
registadas e guardadas; é, por exemplo, para quem ligamos, em que momento se iniciou
essa conversação, quando cessou, etc. Excetuam-se os casos em que damos autorização
para a gravação.
As coisas estão muito complicadas em relação a esta Lei. Ora, esta nossa lei, como dito,
transpõe para a ordem jurídica interna uma Diretiva de 2006. Contudo, esta diretiva, entretanto,
foi declarada inválida pelo TJUE – Ac. TJUE 8 de abril de 2014 (Ireland Digital Rights). Esta
declaração de invalidade foi proferida na sequência de questões prejudiciais, que foram
colocadas pelo Supremo Tribunal Irlandês e pelo Tribunal Constitucional austríaco. Como a
declaração de invalidade foi proferida na sequência de questões prejudiciais, tem-se entendido
que esta declaração de invalidade tem eficácia jurídica limitada aos casos em que foi suscitada,
embora haja quem entenda que essa declaração tem uma eficácia geral. É uma questão de
direito europeu que não vai ser aqui tratada. A doutora tende a considerar que tem eficácia
jurídica limitada.
A questão é: de qualquer modo, temos uma Lei nº 32/2008, em vigor no nosso OJ, resultado que
da transposição de uma diretiva que foi considerada inválida pelo TJUE.
Direito Processual Penal II
Ano Letivo 2020/2021
O que é que o TJUE invocou neste acórdão? O tribunal começou por entender que os dados
conservados ao abrigo desta diretiva permitem, do seu todo, retirar conclusões precisas sobre
a vida privada dos titulares dos dados retidos, tal como os hábitos quotidianos, os locais
permanentes ou temporários de residência, os seus movimentos diários, atividades
desenvolvidas, relações sociais, bem como locais frequentados. Assim, concluiu pela
invalidade por violação dos direitos à reserva da intimidade da vida privada e à proteção de
dados pessoais e ao princípio da proporcionalidade. Uma diretiva que impõe que os serviços de
comunicações guardem os dados de tráfego de todos os seus clientes violaria todos estes
direitos.
Entre nós a questão ano está anda clara. O que acontece é que A Comissão Nacional De
Proteção De Dados, entre nós, é a entidade responsável pela tramitação dos processos
contraordenacionais decorrentes de violações da Lei n.º 32/2008 e esta comissão já anunciou,
desde 2017, que deixaria de aplicar a lei por a considerar que esta viola a CDUE e a própria
CRP.
Por sua vez, o Gabinete do Cibercrime (Da Procuradoria-Geral Da República), emitiu uma nota
prática36 - Nota nº7/2015 de 30 de dezembro - referindo que a Lei nº32/2008 mantinha-se válida
porque o legislador nacional foi muito para além das exigências da Diretiva, e o legislador
português acautelou a maior parte das cautelas alertadas pelo TJUE. O legislador português já
acautelou a generalidade dos direitos (reserva da intimidade da vida privada e a ideia de
proporcionalidade). Assim, a comissão diz que não aplica a lei porque viola a CEDH, o
Gabinete do Cibercrime diz que a lei se encontra em vigor.
36
Obs.: notas práticas são orientações que devem ser seguidas pela generalidade dos procuradores, e não
vinculativas.
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Ano Letivo 2020/2021
Em 26 agosto de 2019, a Provedora De Justiça requereu ao TC a fiscalização abstrata da
constitucionalidade da Lei n.º 32/2008, por violação do princípio da proporcionalidade na
restrição aos direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar (26.º, n.º1 CRP), ao
sigilo das comunicações (34.º) e, ainda, ao direito a uma tutela jurisdicional efetiva. A verdade,
porém, é que até hoje o TC ainda não se pronunciou relativamente a este requerimento.
Já houve, porém, outros casos em que, não sendo diretamente posta em causa a
constitucionalidade desta lei, o TC já teve de lateralmente apreciar a constitucionalidade de
certas normas desta Lei n.º 32/2008. Vejamos:
A declaração de invalidade de uma diretiva não tem uma consequência automática sobre a
validade de um ato nacional que o transponha. No caso, queria-se acesso ao IP. O tribunal a quo
considerou que não se podia aplicar o art. 6. º porque essa norma era inconstitucional, na
sequência da invalidade da diretiva. O TC entendeu que a invalidade da Diretiva não interfere
com a validade da Lei n.º 32/2008, uma vez que esta última tem autonomia relativamente à
primeira. O TC decidiu “Não julgar inconstitucional a norma que estabelece o dever de os
fornecedores de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis ou de uma
rede pública de comunicações conservarem pelo período de um ano a contar da data da
conclusão da comunicação, os dados relativos ao nome e o endereço do assinante ou do
utilizador registado, a quem o endereço do protocolo IP estava atribuído no momento da
comunicação, constante do disposto no artigo 6.º e do artigo 4.º, n.º 1, alínea a), 2.ª parte, e
n.º 2, alínea b), subalínea iii), ambos da Lei n.º 32/2008 de 17 de julho”
Neste caso, estava apenas em causa os dados relativos ao nome e endereço do assinante. No
fundo, na investigação já estava a informação relativamente ao IP, o que se pretendia era saber o
nome da pessoa que usava esse IP. Como vimos, considerou que a norma não era
inconstitucional.
Feito este percurso, as nossas dúvidas mantêm-se: nossa Lei n.º 109/2009 diz, no seu art. 11.º,
n.º2 «que as disposições processuais não prejudicam o regime da Lei n. º32/2008» – que está
em vigor -, mas nalguns aspetos do regime entra em contradição com o que é disposto na Lei do
Cibercrime.
O problema é que a lei do cibercrime veio a simplificar o regime de acesso aos dados
informáticos em geral (não implicando os requisitos exigidos pela Lei nº32/2008), podendo, em
certos casos, a transmissão desses dados ao processo ser ordenada também pelo próprio MP e,
além disso, a LC prevê o acesso a dados no âmbito de processos por crimes que não são crimes
graves na aceção da Lei n. º32/2008. Como é que vamos harmonizar o regime das duas leis?
Há duas posições fundamentais:
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Minoritária – diz que a LC revogou tacitamente o disposto na Lei n.º 32/2008 no que diz
respeito ao regime de acesso aos dados e esta lei subsiste, sobretudo, no que diz respeito ao
estabelecimento dos deveres dos fornecedores de serviços e à prestação dos dados. No
fundo, este entendimento defende que a Lei n.º 32/2008 só deve vigorar nas dimensões que
não foram expressamente reguladas pela LC. A doutora não concorda com esta posição.
Maioritária – a relação entre estas duas leis é de complementaridade. Não é pelo facto de
LC ser posterior que se verifica uma revogação tácita. Cabe ao intérprete determinar o
âmbito de aplicação de cada lei e justifica-se o regime mais rigoroso que decorre da Lei
n.º32/2008, pois quanto maior for o acervo de informação sensível existente, maior deverá
ser, também, o cuidado no seu acesso. Já que o legislador impõe uma conservação
preventiva dos dados, então compreende-se que, concomitantemente, ele restrinja a
possibilidade da sua utilização apenas aos casos em que um juiz, independente e imparcial,
considere que o acesso a tais dados é indispensável.
Então, é preciso harmonizar as duas leis. Porém, como está nas mãos do intérprete decidir
qual a norma aplicável, a confusão é imensa. Os acórdãos são tão diversos e as fundamentações
que a doutora não os vai disponibilizar, mas vai antes fazer uma síntese relativa a esta matéria.
O que exige uma análise das disposições processuais da LC. É no capitulo III da LC que
encontramos as disposições processuais onde esta lei foi mais inovadora. A dimensão
processual é a mais importante na LC.
Quando falamos nestas disposições costumamos fazer uma distinção entre (1) disposições
processuais que eram totalmente desconhecidas do ordenamento jurídico-português (foram uma
total novidade) e, depois, (2) outras disposições processuais que, não sendo verdadeiras
inovações, foram adaptações ao ambiente informático ou digital de institutos que já eram
conhecidos do nosso direito processual penal.
A doutora diz que, para efeitos de conservação da prova, o MP não se deve precipitar, de forma
a evitar que a prova seja considerada proibida. Quem tudo quer tudo perde. O MP deve pedir ao
JI um despacho e, munido deste despacho, já poderá ultrapassar estas dificuldades. Em relação a
isto não há grandes duvidas, podendo ser pedidos mesmo fora do âmbito da lei n32/2008, mas
mesmo isto é duvidoso. A jurisprudência tem ido no sentido de admitir o acesso a esses dados.
Por via das dúvidas, mais vale o MP munir-se de tal despacho, pois caso seja invocada a
violação de regras de produção de prova, estaremos no âmbito do 126º.
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