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crimes em espécie

1. Conceitos gerais
O Código Penal (CP) divide-se em duas partes. A primeira parte é nomeada parte geral (artigo n. 1º até o
artigo n. 120), e traz disposições acerca da aplicação da lei penal no tempo e no espaço, sobre o conceito de
crime e de imputabilidade penal, e esclarece sobre o método de aplicação e os tipos de pena, bem como trata
sobre os efeitos da condenação e a extinção da punibilidade.
Já a segunda parte, a parte especial (artigo n. 121 até o artigo n. 361), trata sobre os crimes em espécie.
Segundo Vargas (1993), a parte especial é imprescindível para existência do Direito Penal, haja vista que,
ainda que o fato seja punível, antijurídico e culpável, é imperioso que ele também seja típico, ou seja, que a
conduta do agente se enquadre em uma das descrições contidas na parte especial.
Dessa forma, segundo Vargas (1993), é incumbência da parte especial do código definir, “a regulamentação
autônoma de cada um dos delitos”, evidenciando quais os bens jurídicos o Estado se propõe a prevenir e
reprimir através da cominação de sanção penal, ou seja, quais os valores sociais foram escolhidos, a partir de
uma política criminal estabelecida pelo legislador, para receber a tutela penal do Estado.
Nesse sentido, segundo Dotti (2016) “a Parte Especial de um Código Penal deve prever as condutas
consideradas mais reprováveis pela generalidade das pessoas”. Inclusive, por esse motivo, as contravenções
penais – condutas de menor potencialidade lesiva – foram tratadas em lei esparsa (BRASIL, 1941),
dedicando-se o código apenas a definir crimes (CAMPOS, 1940).
Abordaremos, então, os critérios de sistematização utilizados pelo Código Penal, os tipos penais previstos na
parte especial, e as classificações dos tipos penais.
1.1 Critérios de Sistematização
Segundo Maggiore (1972 apud VARGAS, 1993), a classificação dos crimes referidos na parte especial do
Código é um “problema de técnica legislativa, de comodidade e oportunidades prática”. Por isso, ao longo
da história, cada civilização adotou um tipo de sistematização dos crimes em espécie.
Atualmente, o critério mais utilizado para sistematizar os delitos em espécie é o do bem jurídico. Entretanto,
segundo Vargas, essa sistematização não é imune a problemas:
Embora prevalente o critério da objetividade jurídica, não estará ele
isento de dificuldades, e tampouco deixa definitivamente resolvido o
problema. Tenha-se em vista, por exemplo, os crimes pluriofensivos, em
que se tem de decidir qual dos bens atacados irá servir de base à
classificação, e bem assim os de perigo comum, que acarretam situação
de perigo a um indeterminado número de pessoas ou de coisas.
(MAGGIORE, 1972 apud VARGAS 1993)
Dessa forma, a parte especial do Código Penal é dividida em onze títulos. Cada um desses títulos reúne
condutas delitivas que ofendem um mesmo bem jurídico tutelado, assim se organizando os crimes contra a
pessoa (título I), os crimes contra o patrimônio (título II), os crimes contra a propriedade imaterial (título
III), os crimes contra a organização do trabalho (título IV), os crimes contra o sentimento religioso e os
sentimentos dos mortos (título V), os crimes contra a dignidade sexual (título VI), os crimes contra a família
(título VII), os crimes contra a incolumidade pública (título VIII), os crimes contra a paz pública (título IX),
os crimes contra a fé pública (título X) e os crimes contra a administração pública (título XI).
1.2 Tipos penais na parte especial
Como observado, a sistemática adotada pelo legislador, ao editar o Código Penal, foi dividir as condutas
típicas de acordo com o bem jurídico tutelado pelo Estado.
Assim, o título I, que se refere aos crimes contra a pessoa, propõe-se proteger a vida e a integridade física,
direito fundamental do ser humano, consagrado no art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988
(CF/88) (MASSON, 2016).
O título II abrange os delitos contra o patrimônio e todo e qualquer interesse de valor econômico
(MASSON, 2016), propondo-se a proteger o direito inviolável de propriedade assegurado
constitucionalmente no caput do art. 5º da CF/88.
Por sua vez, o título III compreende os delitos contra a propriedade imaterial. Segundo Masson (2016), os
delitos compreendidos neste título “encontram seu fundamento de validade em diversos dispositivos da
Constituição Federal”. Os bens imateriais, segundo o mesmo autor (2016):
São incorpóreos, mas têm valor econômico. Integram a propriedade
intelectual e são protegidos pelo Direito a partir do momento em que se
concretizam em obras científicas, literárias, artísticas e invenções em
geral. (MASSON, 2016)
O título IV, por sua vez, engloba os crimes contra a organização do trabalho, e tem por objetivo proteger os
direitos inerentes ao trabalho do ser humano (MASSON, 2016). Em seguida, o título V prevê os crimes
contra o sentimento religioso e o contra o respeito aos mortos. O Brasil, como Estado laico, tutela todas as
vocações religiosas, motivo pelo qual o ordenamento jurídico protege a lesão ao sentimento religioso,
definido, nas palavras de Masson (2016) como “a convicção, acentuada pelo sentimento, da existência de
uma ordem universal· que se eleva acima do homem”.
O título seguinte, o VI, compreende os delitos que atentam contra a dignidade sexual, protegendo a
liberdade sexual, direito fundamental de todo ser humano. O título VII detalha os delitos contra a família, e
possui fundamento no art. 226, caput, da Constituição Federal. A doutrina de Masson aponta que “a
instituição da família desponta como bem jurídico nitidamente comunitário e imprescindível ao
desenvolvimento humano” e, portanto, merece a tutela do Direito Penal.
Por outro lado, o título VIII, trata sobre os delitos contra a incolumidade pública, que compreendem
condutas que expõe a risco número indeterminado de pessoas, colocando em perigo sua vida, patrimônio e
saúde (MASSON, 2016). Trata-se de atuação preventiva do legislador que pune a conduta antes mesmo de
ocorrer qualquer dano. Os crimes contra a paz pública são contemplados no título IX. A paz pública é
definida como o “sentimento coletivo de paz assegurado pela ordem jurídica” (MASSON, 2016). Assim,
pretende-se proteger a tranquilidade de consciência da população em geral.
Os delitos contra a fé pública (título X), por sua vez, tutelam a confiabilidade dos documentos, atos, sinais e
símbolos, públicos e particulares, utilizados nas relações sociais (MASSON, 2016). Por fim, os crimes
contra a Administração Pública (título XI), asseguram a tutela do patrimônio público e a probidade
administrativa (MASSON, 2016).
1.3 Classificação dos tipos penais
Os tipos penais podem ser classificados de inúmeras formas. Dentre as mais importantes e relevantes na
doutrina, estão a classificação em tipos básicos, qualificados e privilegiados, tipos compostos e elementares,
tipos de dano e de perigo, tipos comissivos e omissivos, tipos simples e complexos e tipos formais e de
resultado (VARGAS, 1993).

Os tipos básicos, como definido por Vargas (1993), são “o ponto de


partida, a que se pode acrescentar uma variante qualificada ou
privilegiada”, referindo-se a uma conduta fundamental.
Os tipos qualificados, por sua vez, são aqueles que modificam os limites mínimos e máximos estabelecidos
para a figura básica, em razão da maior reprovabilidade da conduta como, por exemplo, devido à ocorrência
de resultado mais gravoso. Já os tipos privilegiados, são aqueles que recebem pena menor, em razão da
presença de circunstâncias que reduzem a censurabilidade de uma conduta.

Em outra classificação, os tipos elementares são aqueles que a conduta compreende uma única ação, como
ocorre, por exemplo, no delito de lesão (ofender a integridade física de alguém). Já os delitos compostos são
aqueles que o tipo penal descreve uma pluralidade de ações, em que cada uma delas consuma a figura típica
como ocorre, por exemplo, no delito de posse irregular de arma de fogo de uso permitido. De acordo com
Brasil (2003, art. 12):
Possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, acessório ou munição,
de uso permitido, em desacordo com determinação legal ou
regulamentar, no interior de sua residência ou dependência desta, ou,
ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável
legal do estabelecimento ou empresa. (BRASIL, 2003 apud VARGAS,
1993)
Já os tipos simples ofendem apenas um bem jurídico, enquanto os complexos protegem dois ou mais bens
jurídicos (Vargas, 1993).
Por outro lado, o que diferencia os delitos de dano e de perigo é o resultado. Nos primeiros, é exigível para a
consumação típica a efetiva lesão ao bem jurídico, enquanto nos outros se exige unicamente a probabilidade
de lesão (VARGAS, 1993).
Outra classificação importante é a que distingue os tipos penais em comissivos e omissivos e se baseia na
literalidade da lei penal. Se o preceito primário do tipo penal descrever uma conduta positiva como matar
alguém, o tipo será comissivo. Se, por outro lado, o tipo descreve um dever de abstenção, o tipo será
omissivo, como ocorre, por exemplo, no delito previsto no art. 135 do Código Penal (VARGAS, 1993).
Por fim, os tipos formais, são aqueles que não exigem a ocorrência de resultado naturalístico – modificação
no mundo exterior – se consumando quando o agente pratica a ação descrita no tipo penal. Os delitos de
resultado, também chamados de crimes materiais, são aqueles cujo resultado naturalístico é exigido
(VARGAS, 1993).

2. Homicídio
O tipo penal referente ao homicídio inaugura a parte especial do Código Penal. O homicídio e suas
subespécies estão previstos no capítulo I, que compreende os crimes contra a vida. Masson (2016) descreve
a conduta como sendo “a supressão da vida humana extrauterina praticada por outra pessoa”.
O bem jurídico tutelado pelo tipo penal é a vida humana, que é garantia fundamental assegurada tanto na
Constituição Federal (BRASIL, 1988)). Porém, considerando que nenhum direito fundamental é absoluto, o
direito à vida pode ser suprimido em algumas circunstâncias, como em tempos de guerra (BRASIL, 1988,
art. 5º, XLVII) e outras situações previstas em lei (NUCCI, 2012).
O tipo penal referente ao homicídio compreende:
• O homicídio simples (BRASIL, 1940, art. 121, caput).

•O homicídio privilegiado (CP, art. 121, § 1º).


•O homicídio qualificado (BRASIL, 1940, art. 121, § 2º).
•O homicídio culposo simples (BRASIL, 1940, art. 121, § 3º).
•O homicídio culposo agravado (BRASIL, 1940, art. 121, § 4º).
O parágrafo quinto do dispositivo legal traz a figura do perdão judicial, aplicável aos homicídios culposos.
Por fim, o parágrafo sexto e sétimo trazem as causas especiais de aumento de pena.
Estudaremos, a seguir, o homicídio em todas as suas modalidades, entendendo as circunstâncias que
majoram sua pena ou a diminuem.
2.1 Homicídio simples (CP, art. 121, caput)
O delito de homicídio simples é previsto no Código Penal, art. 121, caput, que desta forma descreve a
conduta típica: “art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos” (BRASIL, 1941).
Segundo Nucci (2012):
Trata-se de tipo meramente descritivo, que não traz nenhum elemento
normativo ou subjetivo, não contém componentes de ilicitude ou
culpabilidade. Portanto, eliminar a vida de qualquer outro ser humano,
sem qualquer circunstância especial, provoca a aplicação de uma pena
de 6 a 20 anos de reclusão.
Conforme explica Masson (2016, p. 613-614), o núcleo do tipo penal é o verbo “matar”, assim
classificando-o:
Trata-se de crime de forma livre. Pode ser praticado por ação ou por
omissão, desde que presente o dever de agir (hipóteses previstas no art.
13, § 2º, do CP), de forma direta (meio de execução manuseado
diretamente pelo agente) ou indireta (meio de execução manipulado
indiretamente pelo homicida). Os meios de execução podem ser
materiais. (os que assolam a integridade física do ofendido) ou morais (a
morte e produzida por um trauma psíquico na vítima como, por
exemplo, a depressão que acarreta a morte em face do uso excessivo de
medicamentos). O meio de execução pode caracterizar uma
qualificadora, como se dá no emprego de veneno, fogo, explosivo,
asfixia ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo
comum. (BRASIL, 1940, art. 121, § 2°, III apud MASSON, 2016, p.
613-614)
O autor (sujeito ativo) da conduta delitiva pode ser qualquer pessoa, não exigindo qualificação específica. A
vítima (sujeito passivo) também pode ser qualquer pessoa, desde que esteja viva. Nesse ponto Cleber
Masson (2016) destaca que não é necessário que a vida da vítima seja viável para que ela seja o sujeito
passivo do delito em análise, bastando que tenha nascido com vida. Deve-se ressaltar que se a vida for
intrauterina não se caracterizará o delito de homicídio, mas sim o delito de aborto, previsto no art. 124 e
seguintes, do Código Penal.
O delito do homicídio pode ser cometido de forma dolosa ou culposa.
Na modalidade dolosa, o agente tem intenção de causar o resultado
morte. Ocorre, por exemplo, quando o agente atira contra seu desafeto
para matá-lo.
Na modalidade culposa, o autor não deseja o resultado morte, mas o comete por imprudência, negligência
ou imperícia. Acontece, por exemplo, quando ao manusear uma faca, o agente, sem intenção de causar
qualquer resultado lesivo, acaba atingindo a vítima e retirando-lhe a vida.

Deve se destacar que o tipo penal não exige nenhuma finalidade específica e admite a chamada “culpa
consciente” (quando o agente, prevendo a ocorrência do resultado, acredita que este não irá ocorrer) e o
“dolo eventual” (quando o autor assume o risco de produzir o resultado).
O crime é consumado quando ocorre a morte, que acontece com o término da atividade encefálica, sendo,
portanto, um crime classificado como material, ou de resultado, haja vista que o resultado naturalístico
morte é imprescindível para sua configuração (BRASIL, 1997). Por sua vez, o delito admite a modalidade
tentada, referindo-se à hipótese em que iniciada a execução do delito, ele não se consuma por vontade alheia
a do agente (BRASIL, 1940, art. 121, c/c; art. 14, II).
Cleber Masson (2016) diferencia ainda duas possibilidades de tentativa:
A tentativa branca ou incruenta é aquela em que a vítima não é atingida,
enquanto a tentativa vermelha ou cruenta é aquela em que a vítima sofre
ferimentos. (MASSON, 2016, p. 614)
O delito de homicídio se processa mediante ação penal pública e incondicionada, ou seja, ocorrido o delito,
o Ministério Público ajuizará a ação independente de qualquer manifestação de vontade da vítima (em caso
de tentativa) ou de seus familiares. A competência para julgamento é do Tribunal do Júri, segundo previsão
constitucional (BRASIL, 1988, art. 5°, XXXVIII, “d”), exceto no caso de homicídio culposo, quando o
processamento ocorrerá perante a justiça comum.
Devemos ressaltar que a figura tipificada no caput do dispositivo penal em análise não configura crime
hediondo, exceto quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio (NUCCI, 2012).
Inclusive, se a ação for praticada por um grupo de extermínio, ainda incidirá a causa de aumento de pena
prevista no parágrafo sexto, que assim determina: “a pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o
crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo de
extermínio” (BRASIL, 1940).
2.2 Homicídio privilegiado (CP, art. 121, § 1º)
Diz-se o homicídio privilegiado quando, nos termos do art. 121, § 1º do Código Penal, “o agente comete o
crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo
em seguida a injusta provocação da vítima” (BRASIL, 1940). Neste caso, a pena da figura prevista
no caput é reduzida de um sexto a um terço.
Apesar da nomenclatura dada pela doutrina – que define a figura prevista no art. 121, § 1º do CP como
“homicídio privilegiado” – trata-se, na realidade, de uma causa especial de redução de pena (NUCCI, 2012).
No caso do homicídio privilegiado, deve estar presente a finalidade específica, qual seja, o agente ter
cometido o crime imbuído por motivo de relevante valor moral ou social, ou, ainda, sob domínio de violente
emoção, precedida de provocação injusta da vítima.
Segundo Nucci (2012) o relevante valor social pode ser definido como aquele que “é um valor importante
para a vida em sociedade, como patriotismo, lealdade, fidelidade, inviolabilidade da intimidade e domicílio
entre outros”. Já o relevante valor moral, como descreve Masson (2016) é aquele que “diz respeito a
interesse particular do autor do homicídio, aprovado pela moralidade média e considerado nobre e altruísta”.
Deve-se esclarecer que, tanto o relevante valor moral, quanto o valor social, devem ter impulsionado em
elevado grau a conduta do agente, pois, ao contrário, se configurar mera motivação delitiva, restará
caracterizada a atenuante prevista no art. 65, III, “a” do Código Penal (MASSON, 2016).

A eutanásia é o homicídio piedoso ou consensual, feito para “abreviar, sem dor ou sofrimento, a vida de um
doente reconhecidamente incurável” (HUNGRIA, 1954 apud NUCCI, 2012). Nesses casos, no entender da
doutrina majoritária, deve ser reconhecida a causa de diminuição de pena prevista no parágrafo primeiro do
art. 121, haja vista que o agente atuou imbuído por relevante valor moral (NUCCI, 2012).
Por sua vez, o fato do autor estar sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, refere-se ao estado anímico do sujeito ativo que, injustamente provocado pela vítima “está
dominado pela excitação dos seus sentimentos (ódio, desejo de vingança, amor exacerbado, ciúme intenso)”
(NUCCI, 2012). Novamente, faz-se necessário que o agente esteja dominado pela violenta emoção e não
somente influenciado, como requer a atenuante prevista no art. 65, III, “c” (MASSON, 2016).
Como leciona Nucci (2012) também é preciso que a atuação do agente ocorra “logo em seguida” à injusta
agressão da vítima, o que denota curto espaço de tempo. Por fim, esclareça-se que a premeditação do crime
é incompatível com a circunstância privilegiadora concernente à violenta emoção. De acordo com Nucci
(2012):
O agente que planeja cuidadosamente a prática do delito, não pode
alegar, em hipótese alguma, estar violentamente emocionado, até porque
a lei exige que o distúrbio emocional seja fruto da injusta provocação da
vítima. Obviamente, além disso, há uma relação de imediatidade entre o
ato da pessoa ofendida e a reação desencadeada no autor da agressão.
(NUCCI, 2012)
As circunstâncias privilegiadoras podem ocorrer de forma concomitante, situação em que o juiz deverá
reduzir a pena em patamares mais expressivos. Outro critério de mensuração do quantum a ser aplicável a
título de causa de diminuição de pena é a relevância do valor moral ou social e a intensidade da violenta
emoção (NUCCI, 2012).
No entendimento da doutrina majoritária, por serem as hipóteses de privilégio subjetivas, inerentes ao
agente, essas não se comunicam aos coautores ou partícipes (BRASIL, 1940, art. 30), caso o crime seja
praticado em concurso de pessoas (MASSON, 2016).
Por fim, na esteira de entendimento de Cleber Masson, o reconhecimento das causas de diminuição da
pena compete aos jurados, devendo a discricionariedade do juiz limitar-se a estabelecer o quantum da
diminuição (MASSON, 2016). Dessa forma, se os jurados entenderem que não é cabível o privilégio, não
poderá o juiz aplicá-lo, observado o princípio da soberania do veredito do plenário do júri, expresso na Carta
Constitucional de 1988 (BRASIL, 1988 apud NUCCI, 2012).
2.3 Homicídio qualificado (CP, art. 121, § 2º)
O homicídio qualificado é descrito no art. 121, 2º do Código Penal. Neste caso, a pena será de reclusão, de
doze a trinta anos. O legislador reuniu no art. 121, § 2º e incisos do Código Penal circunstâncias que
denotam a maior reprovabilidade da conduta do agente.
Dessa forma, configura-se o homicídio qualificado quando o delito é cometido, de acordo com Nucci
(2012):

• Mediante paga ou promessa de recompensa (forma específica de torpeza).


• Por motivação torpe (que causa repulsa social) e fútil (desproporcional ao resultado produzido).
• Com emprego de veneno – “substância que, introduzida no organismo altera momentaneamente ou
suprime definitivamente as manifestações vitais de toda matéria organizada” (MARANHÃO, 1984
apud NUCCI, 2012).
• Fogo, asfixia (supressão da respiração por processo mecânico ou tóxico).
• Tortura (mediante imposição de sofrimento de natureza física ou mental à vítima, com o intuito de se
obter dela confissão, confissão ou castigá-la).
• Outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum (expõe número indeterminado
de pessoas a risco).
• Traição (ação do agente que atua com a vítima desprevenida).
• Dissimulação (ocultação da verdadeira intenção).Emboscada (autor se oculta para poder atacar).
• Qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima.

O homicídio também será qualificado quando presente hipótese de dolo específico, que ocorre quando o
agente pretende, com sua conduta, assegurar execução, ocultação e impunidade de outro delito. Segundo
Nucci (2012), não deve ser aplicada a qualificadora se esse outro delito que motivou o homicídio é
putativo (somente existe na mente do sujeito) ou impossível (crime não se consuma em razão da
impropriedade absoluta do meio ou objeto), assim exemplificando:
Exemplo da primeira situação [crime putativo] seria o sujeito que mata
a testemunha que o viu mantendo relação sexual com uma prostituta.
Assim, age crendo que a prostituição é crime, o que não acontece, logo
é crime putativo. Exemplo da segunda situação [crime impossível] seria
o indivíduo que, pretendendo subtrair bens de uma empresa mata o
vigilante da rua, embora depois se constate que a empresa se mudara de
lugar, deixando para trás um galpão vazio e imprestável. É uma
tentativa impossível de furto, porque o objeto é absolutamente
impróprio. (NUCCI, 2012)
O crime também será considerado qualificado quando a vítima é autoridade ou agente. Como
descrito nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional
de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro
ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição. Os funcionários públicos devem estar
na ativa para incidir a qualificadora (MASSON, 2016). Masson (2016) destaca que, no caso dos guardas
municipais:
Tendo em vista que o Estatuto do Desarmamento autoriza o porte de
arma de fogo para seus integrantes, se o homicídio for cometido contra
guarda municipal, no exercício da função ou em decorrência dela,
deverá incidir a qualificadora em análise. (MASSON, 2016)
No caso de coexistiram mais de uma qualificadora, o aplicador do direito deve utilizar uma delas para
qualificar o crime e as demais como agravantes (BRASIL, 1941, art. 61, li, a, b, c e d; MASSON, 2016).
Na esteira do entendimento da doutrina (Masson, 2016), as qualificadoras podem realizadas com dolo direto
ou eventual, com exceção do motivo torpe, do motivo fútil, da traição e da emboscada, que só admitem dolo
direto.
No caso de concurso de agentes, as qualificadoras podem ou não se comunicar, dependendo de sua
natureza: se objetiva, se comunicam, se subjetiva, não se comunicam. Nesse sentido Masson (2016) explica
que:
As qualificadoras previstas nos incisos I, II, V, VI e VII, e também a
traição (inciso IV) são de índole subjetiva (pertencem ao agente, e não
ao fato), não se comunicando aos coautores ou partícipes em caso de
concurso de pessoas (art. 30 do CP). As qualificadoras descritas pelos
incisos UI e IV (meios e modos de execução), com exceção da traição,
são de natureza objetiva (relacionam-se ao fato praticado) e
comunicam-se no concurso de pessoas, desde que conhecidas por todos
os envolvidos, sob pena de responsabilidade penal objetiva.
Segundo Nucci (2012) “tem sido posição predominante na doutrina e na jurisprudência a admissão da forma
privilegiada-qualificada, desde que exista compatibilidade lógica entre as circunstâncias”. Em outros termos,
é possível que as qualificadoras de carácter objetivo (que dizem respeito ao modo e meios de execução do
crime) coexistam com as circunstâncias privilegiadoras (que sempre possuem caráter subjetivo), visto que,
nas palavras de Cleber Masson (2016) “o privilégio é de ordem subjetiva e afasta as qualificadoras de igual
índole”.
Nesse caso, o homicídio qualificado-privilegiado não será considerado hediondo, já que a Lei dos Crimes
Hediondos (Lei n. 8.072/90) só prevê como hediondo as figuras do caput (homicídio simples) e do parágrafo
segundo (homicídio qualificado) (MASSON, 2016).
2.4 Feminicídio (CP, art. 121, § 2º, VI)
O feminicídio foi tipo penal inserido pela Lei n. 13.104, de 2015. Trata-se de homicídio cometido na
modalidade dolosa contra a mulher, em razão da condição de sexo feminino.
Dessa forma, o sujeito passivo do delito deve ser mulher. Bitencourt (2017) entende que o substantivo
mulher compreende “lésbicas, transexuais e travestis, que se identifiquem como do sexo feminino”,
considerando possível também que a vítima seja transexual, desde que transformado cirurgicamente em
mulher. Ressalta-se que, sendo biologicamente mulher (naturalmente ou por meio de procedimento médico),
restará caracterizado o delito independentemente da sua idade (criança, adolescente, adulta ou idosa) e da
sua orientação sexual (Masson, 2016).
A previsão inserta no art. 121, § 2º-A do Código Penal demonstra a necessidade de dolo específico para
consumação delitiva. O mencionado dispositivo explica que será presente a elementar típica referente às
“razões de condição de sexo feminino” quando o crime envolver violência doméstica e familiar ou quando
envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Nesse caso, Bitencourt (2017) alerta sobre
a diferença entre a violência doméstica e a violência familiar:
Nem toda violência doméstica é familiar e vice-versa. Na verdade,
poderá haver violência doméstica que não se inclua na familiar, por
exemplo, alguém estranho a relação familiar que, por alguma razão,
esteja coabitando com o agressor, ou então, que a violência recaia sobre
um empregado ou empregada que presta serviços à família etc.
(BITENCOURT, 2017)
Bitencourt (2017) conclui que a melhor interpretação para o dispositivo é que o delito se configure nos casos
em que a violência for somente doméstica, somente familiar, ou quando ocorrerem ambas.
Vítima transexual pode ser vítima de Feminicídio? Não, pois a ofendida biologicamente não ostenta o sexo
feminino, ainda que tenha sido beneficiada pela alteração do registro civil, exceto nos casos em que houver
cirurgia para a modificação do sexo. Conforme explica Masson (2016): “entendimento diverso seria
prejudicial ao agente, constituindo-se em inquestionável analogia in malam partem".
Segundo Cleber Masson (2016), o tipo penal não admitiria o concurso de agentes, “exceto quando o coautor
ou partícipe igualmente atuar impulsionado por razões de condição de sexo feminino”. O art. 121, em seu
parágrafo sétimo, ainda prevê causas de aumento aplicáveis ao feminicídio, quando o crime for praticado
durante a gestação, ou nos três meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de 14 anos, contra pessoa
maior de 60 anos ou com deficiência, e na presença de descendente ou ascendente da vítima.
2.5 Homicídio Culposo (CP, art. 121, § 3º)
Diz-se o homicídio culposo quando, nos termos do art. 121, § 3º c/c art. 18, II, ambos do Código Penal “o
agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. Neste caso, a pena é será
de detenção, de um a três anos.
Masson (2016) assim caracteriza as modalidades de culpa:

A imprudência (culpa positiva) consiste na prática de um ato perigoso.


Negligência (culpa negativa) é deixar de fazer aquilo que a cautela
recomenda. A imperícia (culpa profissional) é a falta de aptidão o
exercício de arte, profissão ou ofício para a qual o agente, em que pese
autorizado a exercê-la, não possui conhecimentos teóricos ou práticos
para tanto.
Nos termos do art. 121, § 4°, no delito de homicídio culposo praticado por profissional, a pena é aumentada
de 1/3, se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício. Para Nucci (2012), a
causa de aumento “confunde-se, nitidamente com a imperícia (e até com algumas formas de imprudência ou
negligência)”, defendendo a inaplicabilidade da causa de aumento.
A causa de aumento também incide quando o agente deixa de prestar socorro quando possível fazê-lo, sem
risco pessoal, ou não procura diminuir as consequências do seu ato, ou, ainda, foge para evitar prisão em
flagrante. A referida causa de aumento somente se aplica se for exigível do agente que ele permaneça no
local do evento. Dessa forma, não incidirá a causa de aumento quando, por exemplo, o sujeito sofre risco de
linchamento, pois nesse caso não seria exigível outra conduta senão a de se afastar do local.

Incide a causa de aumento prevista no art. 121, § 4º do Código Penal, em razão da omissão de socorro,
quando ocorre a morte instantânea da vítima. Na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, o
agente não possui conhecimentos técnicos para auferir a morte instantânea da vítima, e o entendimento
levaria a inaplicabilidade da causa de aumento.
O parágrafo quinto, do mesmo dispositivo, traz a hipótese de perdão judicial. O perdão judicial é causa
extintiva da punibilidade (BRASIL, 1940, art. 107, IX), que se verifica em hipóteses taxativamente previstas
em lei. Nesses casos, em razão de política criminal, o juiz poderá deixar de aplicar pena quando evidenciado
que as consequências do delito atingiram o autor de forma tão grave que a sanção penal se torna
desnecessária.
Isso pode ocorrer, por exemplo, quando, uma mãe, ao manusear uma ferramenta elétrica, atingir seu próprio
filho, retirando-lhe a vida. Neste caso, como o sofrimento daquela mãe já a acompanhará para o resto de sua
vida, o Estado deixa de aplicar sanção.
Conforme entendimento dos tribunais superiores deve existir, entre a vítima e o autor, relação pretérita para
ensejar o reconhecimento do perdão judicial, relação essa que não se limita aos vínculos familiares
(BRASIL, 2014).
Adverte-se que o sofrimento necessário para a concessão do perdão judicial deve estar diretamente ligado à
prova de danos irreparáveis causados pela morte de pessoa próxima ao acusado. Não se mostra, assim,
suficiente a mera constatação de tristeza ou de abalo psicológico, visto que tal situação, em regra, é uma
consequência natural dos delitos culposos, notadamente por não existir intenção do agente no desvelar da
conduta.
Nos delitos de homicídio, o perdão judicial somente é aplicável aos crimes culposos. Nucci (2012) defende
que presente os requisitos que autorizam a concessão do perdão judicial, sua aplicação pelo magistrado não
constitui mera faculdade, mas, sim, dever, pois se trata de direito subjetivo do réu.

3. Induzimento, instigação ou auxílio a


suicídio ou a automutilação (CP, art. 122)
O crime descrito no art. 122 do Código Penal descreve a conduta de induzir ou instigar alguém a suicidar-se
ou a praticar automutilação ou prestar-lhe auxílio material para que o faça. Esse tipo penal sofreu alterações
recentes, inseridas pela Lei n. 13.968/19, publicada em 27 de dezembro de 2019.
Analisaremos, a seguir, o delito tipificado no art. 123 do Código Penal, entendendo as principais alterações
promovidas pela Lei n. 13.968/19 e os contornos gerais do tipo penal.
3.1 Contornos Gerais
Embora não se puna a tentativa de suicídio, o comportamento suicida é considerado ilícito pelo Código
Penal, motivo pelo qual se justifica a repressão a quem auxilia essa prática (GRECO, 2017). Nesse sentido,
explica Nucci (2012) que:
No Brasil, não se pune o autor da tentativa de suicídio, por motivos
humanitários: afinal, quem atentou contra a própria vida, por conta de
comoção social, religiosa, política, estado de miserabilidade,
desagregação familiar, doenças graves, causas tóxicas, efeitos
neurológicos, infecciosos ou psíquicos e até por conta de senilidade ou
imaturidade, não merece punição, mas compaixão, amparo e
atendimento médico.
Na redação anterior, o delito de induzimento ao suicídio somente era punível quando a vítima chegava a
consumar o suicídio, ou se da tentativa de suicídio resultava lesão de natureza grave. Em razão da exigência
de resultado naturalístico, a doutrina majoritária entendia não ser admissível a tentativa, pois o delito
somente existia quando havia morte ou lesão (CUNHA, 2020).
Porém, conforme a redação atual do dispositivo, o simples fato de induzir, instigar alguém, ou prestar
auxílio material para que alguém cometa suicídio ou automutilação basta para configurar a conduta
típica, sendo tal conduta sancionada com pena de reclusão seis meses a dois anos. A partir da inovação
legislativa o crime passa a admitir a modalidade tentada (PROCOPIO, 2020).
Outra alteração legislativa relevante foi a alteração no preceito primário do tipo penal para incluir a conduta
da participação em automutilação, passando a ser típica a conduta de instigar, induzir ou auxiliar alguém a
praticar a automutilação.
Segundo Procopio, a automutilação pode ser assim definida:
Automutilação é a conduta de causar lesões em si próprio. Vale
recordar, até mesmo pelo princípio da transcendentalidade ou da
alteridade, o qual veda a punição de condutas que não ultrapassem o
âmbito de disponibilidade do agente, que a autolesão, por si só, não é
punida. Assim como o suicídio não é punido, o que o legislador veda é o
induzimento, a instigação ou o auxílio material a que alguém suicide ou
que se mutile. (PROCOPIO, 2020)
Observa-se que as alterações promovidas pela Lei n. 13.968/19 são prejudiciais ao agente que comete o
delito. Assim, por se tratar de lei gravosa, ela não retroage, nos termos do art. 5º, XL, da Constituição da
República de 1988.
O sujeito ativo do delito pode ser qualquer pessoa, assim como também pode o sujeito passivo. Rogério
Greco (2017), porém, adverte que a vítima deve possuir “capacidade de discernimento, de
autodeterminação, pois, caso contrário, estaremos diante do delito de homicídio”.
Rogério Greco (2017) ainda destaca que para a ocorrência do delito a vítima deve ser determinada, assim
explicando:
Para a ocorrência do crime de participação em suicídio, exige-se, ainda,
que a conduta do agente seja dirigida a uma ou várias pessoas
determinadas, não bastando o mero induzimento genérico, dirigido a
pessoas incertas (ex.: espetáculos, obras literárias endereçadas ao
público em geral, discos etc.). [...] Caso se trate, por exemplo, de uma
página dedicada à apologia do suicídio, sem, contudo, se dirigir a
alguém para indução ou instigação concreta, não se perfaz o crime.
A contribuição para o suicídio ou automutilação pode ser prestada mediante auxílio moral ou material.
Nesse sentido, Greco (2017) diferencia as condutas de induzir, instigar e auxiliar materialmente:
Ocorre a participação moral nas hipóteses de induzimento ou instigação
ao suicídio. Induzir significa fazer nascer, criar a ideia suicida na vítima.
Instigar, a seu turno, demonstra que a ideia de eliminar a própria vida já
existia, sendo que o agente, dessa forma, reforça, estimula essa ideia já
preconcebida. Na participação material o agente auxilia materialmente a
vítima a conseguir o seu intento, fornecendo, por exemplo, o
instrumento que será utilizado na execução do autocídio (revólver, faca,
corda para a forca etc.), ou mesmo simplesmente esclarecendo como
usá-lo.
A doutrina e a jurisprudência dividem-se sobre a possibilidade de que seja prestado auxílio por omissão. De
um lado, entende-se que o auxílio por omissão não seria admissível, pois “prestar auxílio” implicaria
necessariamente em uma conduta comissiva. De outro lado, defende-se a possibilidade do auxílio omissivo,
nos termos do art. 13, § 2º (omissão imprópria), ou seja, é possível esse tipo de auxílio por quem tem o
dever de evitar o resultado (NUCCI, 2012).

Segundo Greco (2017), nos casos em que a transfusão de sangue é imprescindível e o paciente, Testemunha
de Jeová, recusa o tratamento, essa oposição deve ser considerada tentativa de suicídio, devendo o médico
intervir “uma vez que atuaria amparado pelo inc. I do § 3º do art. 146 do Código Penal, que diz não se
configurar constrangimento ilegal a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de
seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida".
Segundo Greco (2017), nos casos em que a transfusão de sangue é imprescindível e o paciente, Testemunha
de Jeová, recusa o tratamento, essa oposição deve ser considerada tentativa de suicídio, devendo o médico
intervir “uma vez que atuaria amparado pelo inc. I do § 3º do art. 146 do Código Penal, que diz não se
configurar constrangimento ilegal a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de
seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida
3.2 Resultado agravado pela ocorrência de morte, ou
lesão corporal de natureza grave ou gravíssima (CP, art.
122, § § 2º e 3º)
Os parágrafos segundo e terceiro do art. 122 do Código Penal trazem hipóteses em que a pena é agravada
pelo resultado. Dessa forma, quando do auxílio ao suicídio resulta lesão grave (BRASIL, 1940, art. 122, §
1º) a pena cominada é de reclusão, de um a três anos, e se resulta morte (BRASIL, 1940, art. 122, § 2º) a
pena cominada é de reclusão de dois a seis anos. Esses resultados já eram previstos na lei anterior, não
possuindo suas penas modificadas.
Sobre a ocorrência de lesão grave ou gravíssima, Procopio (2020) adverte que:
Vale recordar que, em pobre técnica legislativa, o dispositivo menciona
lesão corporal grave e gravíssima. Ocorre que o Código Penal não
menciona lesão gravíssima, chamando as hipóteses de lesão qualificada,
de forma genérica, como “lesão corporal de natureza grave”. Como há
duas gradações diferentes da pena, a doutrina passou a diferenciá-las
como lesão grave e lesão gravíssima, não havendo, entretanto, a última
denominação no texto legal.
Deve-se ressaltar que, segundo previsão contida nos parágrafos sexto e sétimo do mesmo dispositivo legal,
se a vítima é menor de 14 anos, ou, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário
discernimento para a prática do ato, ou ainda que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, a
conduta será desclassificada e o autor responderá pelo resultado. Assim, se da conduta sobrevir lesão de
natureza grave ou gravíssima, responderá como incurso no art. 129, § 2º do Código Penal (lesão corporal de
natureza grave); se resultar morte, o agente responderá nos termos do artigo 121 do mesmo Código
(homicídio).
3.3 Causas especiais de aumento de pena (CP, art. 122, §
§ 3º, 4º e 5º)
Segundo o art. 122, parágrafo terceiro, do Código Penal a pena será duplicada quando o crime for praticado
por motivo egoístico (aquele que evidencia desapego pela vida alheia), torpe (que causa repulsa social) ou
fútil (desproporcional ao resultado produzido), ou quando a vítima for menor (de 14 a 18 anos) ou possuir
capacidade de resistência reduzida (NUCCI, 2012).
Nos termos do parágrafo quarto, a pena é aumentada até o dobro se a conduta é realizada por meio de redes
sociais ou transmitida em tempo real. O parágrafo quinto prevê o aumento de pena até a metade se o agente
é líder ou coordenador de grupo de rede virtual. O aumento de pena evidencia a preocupação do legislador
com o número cada vez maior de casos de suicídio e automutilação ocorridos por meio da internet e entre
jovens, estimulados a participar de jogos que envolvem lesões aos seus próprios corpos e que não raro os
levam à morte (CUNHA, 2020).
4. Infanticídio (CP, art. 123)
O delito de infanticídio, previsto no artigo 123 do Código Penal, tipifica a conduta de matar, sob a influência
do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. A conduta é sancionada com pena de
detenção de dois a seis anos.
Neste tópico, estudaremos os contornos gerais da figura típica, entendendo seus aspectos mais relevantes a
partir da exata compreensão das elementares típicas.
4.1 Contornos gerais
Segundo Greco (2017), o infanticídio seria modalidade especial de homicídio que requer a presença de três
elementos:
• a) que o delito seja cometido sob a influência do estado puerperal;

• b) que tenha como objeto o próprio filho da parturiente;


• c) que seja cometido durante o parto ou, pelo menos, logo após.
O delito somente admite a modalidade dolosa, visto que inexiste previsão de culpa. Dessa forma, se a mãe,
por um descuido ou sem intenção, provoca a morte de filho recém-nascido, não haverá crime. Para a
configuração do delito de infanticídio, como já abordado, é necessário que o homicídio ocorra pela mãe
contra o próprio filho.
Trata-se, assim, de delito de mão própria, pois somente pode ser cometido pela mãe do ofendido. Apesar
disso, é possível o concurso de pessoas. Embora a condição de parturiente e a influência do estado puerperal
sejam condições de caráter pessoal, essas são elementares típicas sem as quais o crime não se configura e,
portanto, se comunicam ao coautor, desde que estes elementos sejam do seu conhecimento, nos termos do
art. 30 do Código Penal (GRECO, 2017).
O sujeito passivo também é determinado, pois somente poderá ser o filho daquela parturiente. No caso de a
parturiente tentar causar a morte de seu próprio filho e, por um equívoco quanto à pessoa, acabar ceifando a
vida de outro neonato, ela ainda assim responderá pelo delito de infanticídio, pois, nos termos do art. 20,
§ 3º do Código Penal, neste caso, consideram-se as condições ou qualidades da pessoa contra quem o agente
queria praticar o crime (GRECO, 2017).

Crime impossível: se o neonato é natimorto, estaremos diante de crime impossível por impropriedade
absoluta do objeto, uma vez que não se pode retirar a vida de quem já nasceu morto. Dessa forma, a prova
da vida do nascente é imprescindível (GRECO, 2017).
4.2 Estado puerperal
Segundo Greco (2017) o estado puerperal é “critério fisiopsíquico ou biopsíquico, no qual se exige a
conjugação do estado puerperal, com a influência por ele exercida na agente”. Nesse sentido, define Nucci
(2012):
Estado que envolve a parturiente durante a expulsão da criança do
ventre materno. Há profundas alterações psíquicas e físicas, que chegam
a transtornar a mãe, deixando-a sem plenas condições de entender o que
está fazendo. É uma hipótese de semi-imputabilidade que foi tratada
pelo legislador com a criação de um tipo especial. O puerpério é o
período que se estende do início do parto até a volta da mulher às
condições pré-gravidez.
Inclusive, segundo entendimento consolidado no âmbito dos tribunais superiores, a prova do estado
puerperal independe de perícia médica, haja vista que a alteração psicológica é comum a toda mãe que
passa pelo parto (NUCCI, 2012)
Deve-se destacar que o estado puerperal pode ainda levar a inimputabilidade da ré, quando comprovado que
a alteração psicológica ocorreu com intensidade suficiente a retirar da agente a capacidade de entender o
caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, nos termos do art. 26 do
Código Penal (GRECO, 2017).
Em outra vertente, a expressão “durante ou logo após o parto” restringe um limite temporal para que a
conduta seja realizada. Isto porque, como explicado, o estado puerperal também possui duração limitada no
tempo. Atente-se para o fato de que, se o delito for praticado antes do parto, ocorrerá o delito de
aborto e não de infanticídio (GRECO, 2017).

5. Aborto
Segundo Nucci (2012) o conceito de aborto pode ser definido como a “cessação da gravidez, cujo início se
dá com a nidação, antes do termo normal, causando a morte do feto ou embrião”.
Como leciona Greco (2017), o Código Penal rompe com a teoria monista ao estabelecer penas diversas para
o delito de autoaborto – aborto praticado pela gestante (BRASIL, 1940, art. 124), aborto praticado por
terceiro sem o consentimento da gestante (BRASIL, 1940, art. 125) e aborto praticado por terceiro com o
consentimento da gestante (BRASIL, 1940, art. 124).
Todos os tipos penais apenas admitem a modalidade dolosa, diante da inexistência da figura do aborto
culposo. Todos os delitos se consumam com a ocorrência da morte do feto ou do embrião, admitindo-se a
tentativa no caso o resultado não seja atingido. Por fim, os tipos penais preveem crimes comissivos, sendo
possível a conduta omissiva nos termos do art. 13, § 2º do Código Penal, caso o autor esteja na posição de
garantidor (GRECO, 2017).
A prática do delito de aborto pode ser consumada por diversos meios. Nesse sentido, Greco dispõe que (
MIRABETE, 2016 apud GRECO, 2017):
Os processos utilizados podem ser químicos, orgânicos, físicos ou
psíquicos. São 529 substâncias que provocam a intoxicação do
organismo da gestante e o consequente aborto: o fósforo, o chumbo, o
mercúrio, o arsênico (químicos), e a quinina, a estricnina, o ópio, a
beladona etc. (orgânicos). Os meios físicos são os mecânicos
(traumatismo do ovo com punção, dilatação do colo do útero, curetagem
do útero, microcesária), térmicos (bolsas de água quente, escalda-pés
etc.) ou elétricos (choque elétrico por máquina estática). Os meios
psíquicos ou morais são os que agem sobre o psiquismo da mulher
(sugestão, susto, terror, choque moral etc.).

Gravidez de gêmeos: se o agente ou a gestante conhecia o fato de que a gravidez era gemelar, ocorrendo o
óbito dos fetos, responderá na forma do art. 70, parte final, do Código Penal, pois, com sua conduta única, o
agente produziu dois resultados que faziam parte do seu dolo, agindo, com desígnios autônomos em relação
a eles. Se o agente desconhecia que a gravidez era gemelar, responderá por um único aborto (GRECO,
2017).
A seguir, conheceremos as modalidades de aborto previstas na legislação penal, entendendo suas
peculiaridades, qualificadoras e excludentes de ilicitude.
5.1 Aborto provocado pela gestante ou com seu
consentimento (CP, art. 124)
A figura tipificada no art. 124 criminaliza a conduta da gestante que provoca aborto em si mesma ou
consente que outrem o provoque, sancionando a ação com pena de detenção de um a três anos.
O art. 124, em sua primeira parte (autoaborto) trata-se de crime próprio, pois somente a gestante pode
cometê-lo. Em sua segunda parte, o crime é comum, pois a gestante pode consentir que qualquer um o faça.
Segundo Nucci é possível a participação nos seguintes termos:
O delito admite a participação, desde que na forma secundária,
consistente em induzimento, instigação ou auxílio [...] Se a pessoa atua
diretamente para causar a interrupção da gravidez não é partícipe, mas
autora do delito do art. 126. (NUCCI, 2012)
Segundo Nucci (2012), para configuração típica é necessária a prova da gestação, pois se essa não existe ou
se o feto ou embrião já estava morto ocorreria a hipótese de crime impossível por impropriedade absoluta do
objeto. Lado outro, o aborto também deve ser comprovado, a princípio por exame pericial, admitindo outros
meios de prova indiretos, nos termos do art. 167 do Código de Processo Penal.
Para que seja realizada a conduta típica é necessário estabelecer quando se considera iniciada a vida do
embrião ou feto. Nesse sentido, Greco leciona que:
A vida tem início a partir da concepção ou fecundação, isto é, desde o
momento em que o óvulo feminino é fecundado pelo espermatozoide
masculino. Contudo, para fins de proteção por intermédio da lei penal, a
vida só terá relevância após a nidação, que diz respeito à implantação do
óvulo já fecundado no útero materno, o que ocorre 14 (quatorze) dias
após a fecundação.
Dessa forma, não é considerada típica, segundo Greco (2017), a utilização de substâncias que não permitem
a implantação do óvulo já fecundado no útero materno e quando o óvulo fecundado não consegue chegar até
o útero, mas se desenvolve fora dele (gravidez tubária ou gravidez ectópica). Ultrapassado o momento do
parto, a conduta deixará de ser a tipificada no art. 124 e passará a caracterizar os delitos de infanticídio ou
homicídio.
5.2 Aborto provocado por terceiro (CP, art. 125 e art. 126)
O art. 125 do Código Penal tipifica a conduta de provocar aborto sem o consentimento da gestante, apenado
com reclusão de três a dez anos. O art. 126, por sua vez, descreve a conduta de praticar o aborto com o
consentimento da gestante, apenado com reclusão, de um a quatro anos.
Em qualquer que seja a modalidade, trata-se de delito comum, que pode ser cometido por qualquer pessoa.
Quanto ao sujeito passivo, no crime praticado sem o consentimento da gestante (BRASIL, 1940, art. 125),
há dupla subjetividade, sendo vítimas tanto o feto como a gestante (BITENCOURT, 2016 apud GRECO,
2017). Quando o delito conta com o consentimento da gestante (BRASIL, 1940, art. 126) o ofendido será
unicamente o feto. Porém, como ensina Rogério Greco (2017), se do aborto decorrer “lesão grave ou morte
da gestante, esta também figurará como sujeito passivo, mesmo que secundariamente”.
Nos termos do parágrafo único do art. 126 do Código Penal, Nucci (2012) ainda destaca que no caso de a
gestante ser pessoa menor de 14 (quatorze) anos ou não possuir discernimento para dar consentir
validamente com o aborto, será considerado que o aborto ocorreu na forma do art. 125, qual seja, sem o
consentimento da gestante, pois, nesse caso, seu dissentimento é presumido. Igualmente ocorrerá quando o
agente emprega violência, grave ameaça ou fraude para que a gestante consinta com o aborto. Disso
depreende-se que o consentimento da gestante necessário para atrair a figura típica prevista no art. 126 do
Código Penal é aquele feito de forma livre, hígida e válida.
5.3 Forma qualificada (CP, art. 127)
O art. 127 do Código Penal prevê a forma qualificada dos abortos provocados por terceiro, ao dispor que “as
penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou
dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas,
se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte”. (BRASIL, 1940)
Segundo Nucci (2012), o aborto qualificado pelo resultado somente é imputável quando é realizado por
terceiros, não sendo aplicável à gestante – na modalidade do autoaborto – porque no Direito brasileiro não
se pune a autolesão. Assim, no caso de o aborto ter sido praticado pela gestante com participação de
terceiros, e esses terceiros, ao auxiliá-la provoquem nela lesão ou morte, responderão pelo respectivo
resultado.
Nucci (2012) também esclarece que:
Entendem a doutrina e a jurisprudência majoritárias que as lesões e a
morte só podem decorrer de culpa do agente, constituindo-se pois, a
forma preterdolosa do crime (dolo na conduta antecedente e culpa na
subsequente). Entretanto, a despeito disso, não há restrição para que o
resultado mais grave possa ser envolvido pelo dolo eventual do agente.
Mas, se isso ocorrer, conforme posição predominante, costuma-se
dividir a infração em duas distintas (aborto + lesões corporais graves ou
aborto + homicídio doloso, conforme o caso).
5.4 Aborto necessário (CP, art. 128)
O art. 128 do Código Penal, nos seus incisos I e II, traz hipóteses de excludente de ilicitude previstas na
parte especial do Código. Dessa forma, não haverá crime quando o aborto é praticado por médico, quando
não há outro meio para salvar a vida da gestante ou quando a gravidez resulta de estupro, caso em que
deverá ser precedido de consentimento da gestante ou representante legal.
Segundo Nucci (2012), trata-se de escolha constitucional do legislador, tendo em vista que “nenhum direito
é absoluto, nem mesmo o direito à vida”. Assim, é possível preterir a vida do feto quando essa constitui
óbice à vida da gestante.
Não é possível ampliar as excludentes de ilicitude previstas no art. 128 do Código Penal para incluir
enfermeiras ou parturientes, pois, conforme leciona Nucci (2012) “o médico é o único profissional
habilitado a decidir [...] se a gestante pode ser salva, evitando o aborto ou não”. Quanto ao estupro, o médico
seria também o único profissional apto a realizar a interrupção da gravidez com segurança para gestante.
Porém, enfermeiras e parturientes podem alegar a excludente de ilicitude consistente no estado de
necessidade de terceiro, quando verificarem que a gestante corre risco de vida e não seria possível aguardar
atendimento médico. Destaca-se, ainda, que no caso de estupro, não é necessária a existência de processo
penal em curso ou condenação penal do agressor para que o aborto seja autorizado (NUCCI, 2012).

ADPF n. 54: Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 54 garantiu, no Brasil, a interrupção


terapêutica da gestação de feto anencefálico. O fundamento da decisão foi que o feto anencefálico não
constitui uma "vida em potencial" e, sendo assim, não deve receber proteção jurídica do ordenamento
jurídico penal. (ADPF n. 54. Distrito Federal/ DF. Relator: MIN. Marco Aurélio, Plenário, 12.04.2012).

6. Lesão Corporal
Os delitos de lesões corporais estão reunidos no Capítulo II, do Título I, do Código Penal que compreende
seis figuras delitivas: a lesão corporal de natureza leve (BRASIL, 1940, art. 129, caput), as lesões corporais
de natureza grave (BRASIL, 1940, art. 129, § 2º), as lesões corporais de natureza gravíssima (BRASIL,
1940, art. 129, § 2º), as lesões corporais seguidas de morte (BRASIL, 1940, art. 129, § 3º), a lesão corporal
culposa (BRASIL, 1940, art. 129, § 5º), e a lesão corporal cometida no âmbito da violência doméstica e
familiar (BRASIL, 1940, art. 129, § 9º). Este capítulo do Código Penal visa a tutelar a integridade física e
psíquica do ser humano, protegendo-a desde a nidação – que, como estudado, marca o início da vida
humana (GRECO, 2017).
O delito de lesão corporal, segundo Hungria “compreende toda e qualquer ofensa ocasionada à normalidade
funcional do corpo ou organismo humano, seja do ponto de vista anatômico, seja do ponto de vista
fisiológico ou psíquico” (HUNGRIA, 1954 apud GRECO, 2017). Dessa forma, o tipo penal exige a
ocorrência de resultado naturalístico para sua consumação, qual seja o dano ao corpo humano, interna ou
externamente, não se perfazendo com a simples ocorrência de ofensa moral (NUCCI, 2012).
No contexto dos delitos de lesão corporal, deve-se destacar que o exame pericial assume especial relevo
probante, sendo necessário para identificar a extensão do resultado da lesão corporal para melhor
enquadramento típico. Entretanto, nos termos do que prevê o art. 167 do Código de Processo Penal, nada
impede que, diante da impossibilidade de realização do exame outros meios de prova sejam utilizados para
auferir a materialidade delitiva (GRECO, 2017).
Nos termos do § 7° do art. 129 do Código Penal, aplicam-se aos delitos de lesão corporal as causas de
aumento de pena previstas para o delito de homicídio. No caso de lesão dolosa a pena é exasperada de 1/3,
se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 ou maior de 60 anos, ou aumentada de 1/3 até a metade se
o crime for praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo
de extermínio.
No mesmo sentido, o art. 129, prevê que se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito
nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de
Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou
parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição, a pena é aumentada de um a dois terços.
Conheceremos, a seguir, as modalidades de lesão previstas na legislação penal, entendendo suas
peculiaridades, qualificadoras e eventuais causas de aumento e diminuição.
6.1 Lesão corporal de natureza leve (CP, art. 129, caput)
A lesão corporal de natureza leve é a figura típica prevista no caput do art. 129 do Código Penal, punida
com pena de detenção de três meses a um ano. A conduta típica consiste em “ofender a integridade corporal
ou a saúde de outrem”.
Segundo Nucci (2012) ofender significa “lesar ou fazer mal a alguém ou alguma coisa”. A lesão corporal de
natureza leve ou simples é delito comum, por não exigir do sujeito passivo e ativo qualquer característica
especial. Também não se exige dolo específico (NUCCI, 2012).
O mesmo doutrinador defende a aplicabilidade da causa supralegal de exclusão da ilicitude consistente no
consentimento do ofendido à figura delitiva prevista no caput do art. 129 do Código Penal, nos seguintes
termos:
Não se pode mais conceber o corpo humano como bem absolutamente
indisponível, pois a realidade desmente a teoria. É verdade que o Estado
deve zelar pela vida humana, indisponível que é, além da integridade
física, embora sem jamais desconhecer a evolução dos costumes e da
própria ciência traz modificações importantes nesse cenário [...] não
deve o Estado se imiscuir na vida íntima das pessoas, resolvendo punir,
por exemplo, lesões corporais consentidas cometidas durante a pratica
de ato sexual desejado entre adultos. (NUCCI, 2012)
6.2 Lesão corporal de natureza grave (CP, art. 129, § 1º)
A lesão corporal de natureza grave é prevista no art. 129, § 1º do Código Penal, cuja sanção é de reclusão, de
um a cinco anos. Neste caso, a ofensa à integridade física de alguém é qualificada pelo resultado. Dessa
forma, considera-se ocorrida lesão de natureza grave quando resultar em:

• Incapacidade para as ocupações habituais por mais de trinta dias.


• Perigo de vida.
• Debilidade permanente de membro, sentido ou função.
• Aceleração de parto.

A incapacidade para as ocupações habituais deve ser entendida como a ineptidão da vítima para
desempenhar qualquer uma de suas ocupações habituais por mais de 30 dias, o que abrange tanto a rotina
laborativa, quanto às atividades domésticas, de lazer, e qualquer outra atividade lícita (NUCCI, 2012).
A lesão também será agravada pelo resultado quando dela resultar perigo de vida para o ofendido. Segundo
Nucci (2012), neste caso, “não bastam conjecturas, mas um fator real de risco inerente ao ferimento
causado”. Segundo a doutrina e jurisprudência majoritária o perigo de vida deve ser ocasionado a título de
culpa, pois, se causado a título de dolo estaríamos diante de uma tentativa de homicídio (NUCCI, 2012).
Se da lesão resulta debilidade permanente de membro (parte integrante do corpo humano), sentido (visão,
olfato, audição, paladar e tato) ou função (ação própria do ser humano), a lesão também será reputada grave.
Deve-se esclarecer que não é necessário que a debilidade seja eterna, mas tão somente de longa duração.
Por fim, quando da lesão resultar aceleração do parto (nascimento da criança antes do prazo natural) a pena
também será agravada. Trata-se, em verdade, de delito próprio nesta modalidade, pois é exigível que a
vítima seja gestante (GRECO, 2017). Neste caso, o sujeito ativo deve ter conhecimento da gravidez da
vítima. Nucci (2012) desenha três probabilidades de imputação a depender do caso concreto:
Se houve aceleração do parto e o feto nasceu com vida, morrendo em
face das lesões sofridas. Trata-se, pois, de lesão corporal grave
(aceleração de parto). Se a lesão corporal atingiu a mãe e também o
feto, mas não provocou nem a aceleração do parto, nem o aborto, vindo
a criança a morrer depois do nascimento com vida, algum tempo depois,
em virtude da lesão sofrida, não há como imputar-se ao agente lesão
grave ou gravíssima, pois sua conduta, neste prisma, não se molda aos
tipos penais do art. 129, § § 1º, IIV e 2º, V. Neste último caso, quanto à
lesão corporal, deverá ser ela tipificada como simples. Entretanto, ainda
dentro do mesmo quadro (sem haver aceleração de parto nem aborto),
caso o agente tenha visado ao feto (dolo direto ou indireto), quando
agrediu a mãe, poderá responder, concomitantemente, por lesão corporal
leve e tentativa de abroto, sem o consentimento da gestante, dias,
semanas ou meses depois, não há como se falar em lesão gravíssima, ou
seja, cujo resultado mais grave é o aborto, pois esse é um termo
específico que significa a morte do feto antes do nascimento.
6.3 Lesão corporal de natureza gravíssima (CP, art. 129, §
2º)
A lesão corporal de natureza gravíssima é outra espécie de lesão cuja pena é agravada pelo resultado. Neste
caso, se da lesão resulta incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável, perda ou
inutilização do membro, sentido ou função, deformidade permanente ou aborto, a conduta será apenada com
reclusão, de dois a oito anos.
Diferentemente do que ocorre com a lesão grave, a incapacidade resultado da lesão gravíssima, deve
ocasionar inaptidão laborativa, ocasionando prejuízo financeiro ao ofendido.
A enfermidade incurável, segundo Nucci (2012) refere-se a “doença irremediável, de acordo com os
recursos da medicina na época do resultado”. Deve-se, neste ponto, destacar que a vítima não pode recusar
imotivadamente tratamento disponível. Também não caberá revisão criminal caso a medicina encontre a
cura para a doença.
A perda ou inutilização de membro sentido ou função, refere-se à “destruição ou privação de algum
membro, sentido ou função” (NUCCI, 2012). Em outra vertente, a deformidade permanente indica a
alteração da forma original de parte do corpo humano. Segundo entendimento doutrinário majoritário, a
qualificadora relaciona-se ao dano estético permanente, motivo pelo qual somente será reputada gravíssima
a lesão se ela for visível (NUCCI, 2012).
Por fim, a lesão também se qualifica como gravíssima se dela decorre a morte do feto. Mais uma vez, trata-
se de delito próprio nesta modalidade, pois exige que a vítima seja gestante, sendo também necessário que o
resultado mais gravoso ocorra a título de culpa.
6.4 Lesão corporal seguida de morte (CP art. 129, § 3º)
A lesão corporal seguida de morte, prevista no art. 129, § 3º, trata-se de crime preterdoloso, em que o agente
tem o dolo de lesionar, mas, por culpa, acaba ocasionando a morte da vítima. Por se tratar de delito com
culpa no consequente o delito não admite tentativa, sendo apenado com reclusão, de quatro a doze anos
(NUCCI, 2012).
6.5 Lesão corporal privilegiada (art. 129, § § 4º e 5º)
O parágrafo quarto e quinto do art. 129 do Código Penal trazem hipóteses de causas de diminuição
específicas a serem aplicáveis aos delitos de lesão.
No caso de lesão grave, gravíssima, ou seguida de morte, a pena será reduzida de um sexto a um terço,
quando o agente comete o crime for impelido por motivo de relevante valor social (interesse da
coletividade) ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da
vítima.
No caso da lesão leve, nessas mesmas circunstâncias, o juiz poderá substituir a pena de detenção pela de
multa. Essa substituição também será possível quando as lesões leves forem recíprocas o que ocorre,
segundo Nucci (2012) “quando as duas partes entraram em luta injustamente”, não se aplicando aos casos
em que a vítima, na tentativa de repelir injusta agressão ofende a integridade física de seu agressor, pois,
nesse caso, ela estaria atuando em legítima defesa.
6.6 Lesão corporal culposa (CP, art. 129, § 6º)
A lesão corporal culposa, prevista no art. 129, § 6º do Código Penal tipifica a conduta daquele que, por
negligência, imprudência ou imperícia, ofende a integridade física da vítima, sendo cominada pena de
detenção, de dois meses a um ano.
Nos termos do art. 129, § 8º, aplica-se à lesão culposa a causa de extinção da punibilidade consistente no
perdão judicial, quando o juiz entender que as consequências do delito já atingiram a vida do autor de forma
grave, tornando desnecessária a sanção penal.
Por fim, aplica-se ao delito de lesão culposa a causa de aumento prevista no art. 121, § 6º, exasperando a
sanção em 1/3, se o crime resultar de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o
agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge
para evitar prisão em flagrante (BRASIL, 1940, art. 129, § 7º).
6.7 Violência doméstica (CP, art. 129, § 9º)
O art. 129, § 9º prevê a ocorrência de lesão praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou
companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações
domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. O crime é punido com pena de detenção, de três meses a três
anos.
A pena é ainda majorada em 1/3, se da ofensa resulta lesão grave, gravíssima, ou morte (BRASIL, 1940,
art. 129, § 10º), ou se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência (BRASIL, 1940, art. 129,
§ 11).

É ISSO AÍ!
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:
• entender a conceituação da parte especial do Código Penal, compreendendo sua sistematização e a
classificação dos tipos penais;
• estudar sobre os delitos de homicídio, em todas suas modalidades, identificando suas qualificadoras
e privilegiadoras;
• compreender os novos contornos dados ao delito de induzimento, instigação e auxílio material ao
suicídio e automutilação;
• conhecer os delitos de aborto e suas modalidades;
• aprender sobre os delitos de lesão corporal, suas modalidades, qualificadoras e causas de
diminuição de pena.

REFERÊNCIAS
BITENCOURT, C. Qualificadora do Feminicídio pode ser aplicada a transexual. Consultor Jurídico, 15
nov. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-nov-15/cezar-bitencourt-feminicidio-aplicado-
transexual. Acesso em: 24 fev. 2020.
CAMPOS, F. Exposição de Motivos da Parte Especial do Código Penal. Decreto-Lei n. 2.848. Código
Penal. Brasília, DF: Disponível em: https://www.diariodasleis.com.br/busca/exibelink.php?numlink=1-96-
15-1940-12-07-2848-CP. Acesso em: 24 fev. 2020.
BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Presidência da
República, 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm.
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______. Decreto-lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Brasília, DF:
Presidência da República, 1041. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/del3688.htm. Acesso em: 24 fev. 2020.
______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: 1988. Disponível
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______. Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003. Dispõe sobre o registro, posse e comercialização de
armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinam, define sobre crimes e dá outras
providências. Brasília, DF: Congresso Nacional, 2003. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.826.htm. Acesso em: 24 fev. 2020.
______. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1455178/DF. Relator: Ministro Rogério Schietti Cruz, julgado
em 5 jun. 2014, DJe, Brasília, DF, 6 jun. 2014. Disponível
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______. Lei n. 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro
de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio,
e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos.
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______. Lei n. 13.968, de 26 de dezembro de 2019. Altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940 (Código Penal), para modificar o crime de incitação ao suicídio e incluir as condutas de induzir ou
instigar a automutilação, bem como a de prestar auxílio a quem a pratique. Brasília, DF: Congresso
Nacional, 2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13968.htm.
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NUCCI, G de S. Código Penal Comentado. 11. ed. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 2012.
PROCOPIO, M. O crime de Induzimento, Instigação ou Auxílio ao Suicídio ou a Automutilação: a inovação
da Lei 13.968/2019. Estratégia, 2 jan. 2020. Disponível
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VARGAS, J. C. de. Introdução ao estudo dos crimes em espécie. Belo Horizonte, MG: Del Rey, 1993.

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