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INJÚRIA – (Artigo 140, CP)

OBJETO JURÍDICO
Ao contrário dos delitos de calúnia e difamação, que tutelam a honra objetiva, o
bem protegido por essa norma penal é a honra subjetiva, que é constituída pelo
sentimento próprio de cada pessoa acerca de seus atributos morais (chamados
de honra-dignidade), intelectuais e físicos (chamados de honra-decoro).
Observe-se que no delito de injúria a honra objetiva, ou seja, o valor que o
indivíduo goza na sociedade, também pode ser afetada, contudo tal ofensa é
indiferente à configuração do crime; por exemplo: chamo alguém de ladrão e a
atribuição dessa qualidade negativa é presenciada por terceiros.
No tocante à injúria real, prevista no art. 140, § 2º, do Código Penal, por se tratar
de um crime complexo, tutela-se também a integridade ou incolumidade física
do indivíduo. No caso, contudo, a real intenção do agente é atingir a honra
pessoal da pessoa, sendo a violência ou vias de fato apenas um meio de se
concretizar tal desiderato.

ELEMENTOS DO TIPO
Ação nuclear
Consubstancia-se no verbo injuriar, que é, conforme a definição de Nélson
Hungria, “a manifestação, por qualquer meio, de um conceito ou pensamento
que importe ultraje, menoscabo ou vilipêndio contra alguém”. Trata-se de crime
de ação livre. Todos os meios hábeis à manifestação do pensamento podem
servir à injúria: a palavra oral ou escrita, a pintura, o gesto etc. Até mesmo por
omissão é possível cometer a injúria, por exemplo, na abstenção da prática de
algum ato, como o de não estender a mão a um cumprimento. Na jurisprudência
podemos colher alguns exemplos de atitudes que configuram o crime em tela:
despejar lixo na porta da residência da vítima, afixar papel com expressões
ofensivas na porta da loja da vítima, atirar conteúdo de bebida no rosto da vítima,
etc.
A injúria, ao contrário da difamação, não se consubstancia na imputação de fato
concreto, determinado, mas, sim, na atribuição de qualidades negativas ou de
defeitos. Consiste ela em uma opinião pessoal do agente sobre o sujeito passivo,
desacompanhada de qualquer dado concreto. São os insultos, xingamentos (p.
ex., ladrão, vagabundo, corcunda, estúpido, grosseiro, incompetente, caloteiro
etc.). Ressalve-se que, ainda que a qualidade negativa seja verdadeira, isso não
retira o cunho injurioso da manifestação. A injúria também pode constituir na
imputação de fatos desabonadores, desde que essa imputação seja vaga,
imprecisa. Nesse sentido é a lição de E. Magalhães Noronha: “pode a injúria
conter fatos, porém estes são enunciados de modo vago e genérico. Se se diz
que fulano não paga suas dívidas, injuria-se; mas falar que ele não pagou a
quantia de tanto a beltrano, emprestada em condições angustiosas, é difamar”.
Diferentemente da calúnia, a injúria não diz respeito a fato definido como crime.
O valor ofensivo da injúria deve ser aferido de acordo com o tempo, o lugar, as
circunstâncias em que é proferida, até mesmo o sexo do ofendido deve ser
levado em consideração. Assim, uma expressão usualmente empregada em
determinada época, e que constituía elogio, pode passar a ser considerada
injuriosa nos tempos atuais; por exemplo, chamar alguém de fascista

Sujeito ativo
Trata-se de crime comum. Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime em
análise, pois o tipo penal não exige qualquer condição especial do agente.
Assim, qualquer pessoa pode ofender outrem na sua dignidade ou decoro.
Conforme anota Julio Fabbrini Mirabete, “não existe autoinjúria como fato típico,
mas pode ela constituir crime se, ultrapassando da órbita da personalidade do
agente, vem ela a atingir terceiro. Há crime no afirmar alguém ser filho de uma
prostituta ou marido traído, sendo os sujeitos passivos a mãe e a esposa do
agente”60.

Sujeito passivo
Qualquer pessoa, desde que tenha capacidade de discernimento do conteúdo
da expressão ou atitude ultrajante.
Inimputáveis. A injúria constitui ofensa à honra subjetiva. Desse modo, para a
doutrina, conforme já estudado, quando a ofensa disser respeito à honra
subjetiva, a existência do crime deve ser condicionada à capacidade de o sujeito
ativo perceber a injúria. Assim, os doentes mentais podem ser injuriados, desde
que haja uma residual capacidade de compreender a expressão ofensiva. De
igual modo, os menores podem ser injuriados, dependendo da sua capacidade
de compreensão da expressão ou atitude ofensiva.
Pessoa jurídica. Predomina o entendimento na doutrina no sentido de que a
pessoa jurídica não possui honra subjetiva, de modo que a ofensa contra ela
poderá constituir ofensa contra os seus representantes legais.

Memória dos mortos. O morto não pode ser injuriado, por ausência de expressa
disposição legal; nada obsta, porém, que se injurie pessoa viva, denegrindo a
memória dos mortos.
ELEMENTO SUBJETIVO
É o dolo de dano, direto ou eventual, consistente na vontade livre e consciente
de injuriar alguém, atribuindo-lhe qualidade negativa. Segundo o entendimento
majoritário da doutrina, é necessário, além do dolo, um fim especial de agir,
consistente na vontade de ofender, denegrir a honra do ofendido — trata-se do
animus injuriandi. Inexiste o crime de injúria se o agente atua com animus
jocandi, narrandi, consulendi, defendendi, corrigendi vel disciplinandi, ou, ainda,
de acordo com a jurisprudência, se as expressões são proferidas em razão de
discussão ou exaltação emocional.

CONSUMAÇÃO
Trata-se de delito formal. O crime se consuma quando o sujeito passivo toma
ciência da imputação ofensiva, independentemente de o ofendido sentir-se ou
não atingido em sua honra subjetiva, sendo suficiente, tão só, que o ato seja
revestido de idoneidade ofensiva. Difere da calúnia e da difamação, uma vez que
para a consumação da injúria prescinde-se que terceiros tomem conhecimento
da imputação ofensiva. A injúria não precisa ser proferida na presença do
ofendido; basta que chegue ao seu conhecimento, por intermédio de terceiro,
correspondência ou qualquer outro meio.

TENTATIVA

É possível, no caso de meio escrito, pois há um iter criminis passível de ser


fracionado (crime plurissubsistente); contudo, se a hipótese for de injúria verbal
(crime unissubsistente), inadmissível será a tentativa; afinal, a palavra é ou não
proferida, tratando-se de único e incindível ato.

FORMAS
Simples
Está prevista no caput do art. 140.
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.

Majorada
Está prevista no art. 141 do Código Penal.
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se
qualquer dos crimes é cometido:
I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;
II - contra funcionário público, em razão de suas funções;
III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da
calúnia, da difamação ou da injúria.
IV - contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência,
exceto no caso de injúria. (Incluído pela Lei nº 10.741, de 2003)
Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de
recompensa, aplica-se a pena em dobro.

Perdão judicial. Provocação e retorsão


O Código Penal, em seu art. 140, § 1º, prevê duas hipóteses de perdão judicial.
Há, nesses casos, a configuração do crime de injúria, porém o juiz pode deixar
de aplicar a pena.
Provocação. Quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a
injúria (inciso I). Cuida-se de hipótese em que o provocador dá causa à injúria
que sofre. Há uma provocação que é retorquida com uma injúria. A provocação
pode consistir em um crime, como calúnia, difamação, ameaça, lesão corporal
(que não são alcançados pelo perdão judicial), como também pode
consubstanciar-se em qualquer outra conduta reprovável, inoportuna, que não
constitua crime. Não pode consistir em crime de injúria, do contrário estaremos
diante da retorsão. A provocação deve ser reprovável, o que significa dizer
censurável, injusta. Não se enquadram nesse conceito o exercício regular de
direito e o estrito cumprimento de dever legal, desde que preenchidos os
requisitos legais. Diante da provocação (que pode ser um crime contra a honra,
ameaça ou qualquer outra conduta reprovável), é perfeitamente aceitável que o
provocado se exalte emocionalmente, e a revide assacando uma injúria contra o
provocador. A injúria proferida é consequência direta da ira, cólera que se
apodera do agente ante a injusta, a censurável provocação. Nessas
circunstâncias, o Direito leva em conta o seu estado psicológico e o isenta de
pena, em que pese ter praticado um crime contra a honra. Frise-se que a
provocação deve ser direta, ou seja, deve ser realizada face a face,
pessoalmente, sem intermediários. Vejamos os seguintes exemplos de
provocação:
1º) “A” provoca de forma reprovável “B”, sem que essa conduta constitua crime,
e “B”, encolerizado, assaca-lhe uma injúria. “B” será contemplado pelo perdão
judicial, e “A” nada sofrerá, pois não praticou qualquer crime.
2º) “A” acusa “B” de ter matado o seu funcionário por vingança, ou seja, imputa-
lhe a prática de fato definido como crime.“B”, dominado pela cólera, xinga “A” de
ladrão e corrupto, ou seja, assaca-lhe uma injúria. Ambos são processados
criminalmente. “B”, apesar de ter praticado um crime contra a honra, será
beneficiado pelo perdão judicial, pois apenas revidou a provocação. Em tal
hipótese, contudo, a provocação também constituiu um crime contra a honra
(calúnia), e “A” deverá responder pelo crime imputado a “B”, não sendo
contemplado pelo perdão judicial.
Retorsão. No caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria (inciso II).
Há uma provocação consistente em uma injúria que é retorquida com outra
injúria. Perceba-se que, diferentemente da provocação, na retorsão há uma
injúria que é rebatida com outra injúria. Na provocação, apenas o revide deve
consistir em um crime de injúria. O retruque deve ser imediato, quer dizer, sem
intervalo de tempo, do contrário a retorsão estará excluída. Para que a retorsão
seja imediata, as partes devem necessariamente estar presentes, face a face.
Em decorrência disso, somente se admite a retorsão na hipótese de injúria verbal
Adverte Cezar Roberto Bitencourt que, “no caso de retorsão, mais que na
provocação reprovável, a proporcionalidade assume importância relevante, não
que se deva medir milimetricamente as ofensas, mas é inadmissível, por
exemplo, retorquir uma injúria comum com uma injúria real ou, principalmente,
com uma injúria preconceituosa. A desproporção e o abuso são flagrantes, e
esse ‘aproveitamento’ da situação é incompatível com os fins do Direito Penal.
Isso poderá representar, em outros termos, o excesso punível”.

Qualificada. Injúria real


Encontra-se prevista no § 2º do art. 140. Caracteriza-se pelo emprego de
violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, sejam
considerados aviltantes (pena — detenção, de 3 meses a 1 ano, e multa, além
da pena correspondente à violência).
Objeto jurídico. Dois são os bens ofendidos pelo crime em estudo — a honra
individual e a incolumidade física. O Código Penal, contudo, prima em proteger
a honra do indivíduo, já que a violência e as vias de fato são apenas meios de
atingir a honra pessoal da vítima.
Elemento subjetivo. A violência ou as vias de fato devem ser empregadas com
o nítido propósito de injuriar (animus injuriandi), pois, ausente tal propósito, outro
será o delito configurado (lesão corporal, contravenção de vias de fato, crimes
de perigo).

Qualificada por preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem ou


condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência
Está prevista no § 3º do art. 140. Foi inserida no Código Penal pelo art. 2º da Lei
n. 9.459, de 13-5-1997, que impôs penas de reclusão, de 1 a 3 anos, e multa, se
a injúria for cometida mediante “utilização de elementos referentes a raça, cor,
religião ou origem”. Desse modo, qualquer ofensa à dignidade ou decoro que
envolva algum elemento discriminatório, como, por exemplo, “preto”, “japa”,
“turco” ou “judeu”, configura o crime de injúria qualificada. Ressalva Christiano
Jorge Santos que “ser negro, baiano, judeu, ou branco não significa possuir
‘qualidade negativa”, de modo que, “faz-se mister que algo exista, na expressão
usada, que possa diminuir o conceito moral em que é tido o ofendido, atingindo-
lhe o decoro ou raspando-lhe a dignidade”.
Dessa forma, para a configuração da injúria qualificada não basta que o agente
profira as expressões com conteúdo discriminatório, ou seja, não basta o dolo,
sendo necessário um especial fim de agir consistente na vontade de discriminar
o ofendido em decorrência de sua cor, raça, religião etc. Em consonância com o
comentário acima exposto, não basta chamar alguém da raça negra de “negão”
para que o crime se configure, pois nem sempre o emprego desse termo
demonstra a intenção discriminatória. Basta considerar que entre amigos tal
expressão poderá ser utilizada como demonstração de proximidade, de
amizade, sem que haja a intenção de discriminar a pessoa da raça negra. Por
outro lado, se o termo é utilizado para humilhar, para denotar uma suposta
inferioridade do indivíduo em virtude da raça, o crime é de injúria qualificada.
O § 3º, contudo, sofreu acréscimos pelo art. 110 da Lei n.10.741, de 1º de
outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), tendo sido inseridas novas circunstâncias
qualificadoras ao crime de injúria, quais sejam: a condição de pessoa idosa ou
portadora de deficiência.
O tipo penal não fez qualquer referência à idade cronológica da pessoa ofendida,
mas como essa lei, ao tipificar os crimes, considerou como sendo idoso o
indivíduo maior de 60 anos, temos que essa é a idade a ser levada em
consideração quando da incidência da qualificadora. É preciso ressaltar que para
incidir a qualificadora não basta que o ofensor profira alguma palavra com
conteúdo injurioso contra a pessoa idosa ou portadora de deficiência; por
exemplo, afirmar a um cego que ele é um grande estelionatário. Ora, tal
qualidade negativa em nada se relaciona à deficiência visual do agente. É
necessário, assim, que o conteúdo da injúria diga respeito à condição de pessoa
idosa ou portadora de deficiência. Dessa forma, haverá a qualificadora em
estudo se o agente disser para um deficiente visual que ele é um zarolho
horripilante; ou para um ancião que ele, como todo velho, tem cheiro de cova de
defunto.
A presente qualificadora refere-se à injúria preconceituosa, não se confundindo
como delito de racismo previsto na Lei 7.716/8';1. Neste, pressupõe-se sempre
uma espécie de segregação (marginalizar, pôr à margem de uma sociedade) em
função da raça ou da cor.
No caso do § 3° do art. 140, o crime é praticado através de xingamentos
envolvendo a raça, cor, etnia, religião ou origem da vítima. A diferença tem
relevância e repercussão prática.
Vejamos.
Xingar alguém fazendo referências à sua cor é injúria, crime de ação penal
pública condicionada à representação da vítima, afiançável e prescritível; impedir
alguém de ingressar numa festa por causa da sua cor é racismo, cuja pena será
perseguida mediante ação penal pública incondicionada, inafiançável e
imprescritível
EXCEÇÃO DA VERDADE
É inadmissível no crime de injúria. Em primeiro lugar, não interessa ao Direito
comprovar a veracidade de opiniões pessoais que consistam em ultrajes contra
alguém, ou seja, não importa verificar se realmente fulano é “cornudo”,
“incompetente”, “bêbado”, “trapaceiro”. No crime de calúnia, pelo contrário, por
se tratar de imputação de fato definido como crime, interessa à Justiça Pública
investigar se tal fato é ou não verdadeiro. Em segundo lugar, não importa para a
configuração do crime de injúria a falsidade das ofensas, ao contrário do crime
de calúnia.

PENA E AÇÃO PENAL


Injúria Simples - Detenção de 1 a 6 meses, ou multa. A ação penal é de iniciativa
privada (art. 145 do CP) Cabe suspenção condicional do processo e a transação
penal prevista na lei 9.099/95
Injúria Real - Detenção de 3 meses a 1 ano, e multa, além da pena
correspondente à violência. A ação penal será de iniciativa privada; se da
violência resultar lesão corporal, a ação penal será pública incondicionada. Cabe
a suspensão condicional do processo e a transação penal prevista na lei
9.099/95
Injúria Preconceituosa - Reclusão de 1 a 3 anos e multa. A ação penal será
pública condicionada a representação do ofendido. Só tem cabimento da
suspensão condicional do processo, caso não incida a majorante.

EXCLUDENTES DO CRIME DE INJÚRIA (ART.142, CP)


São hipóteses de exclusão:
I – a ofensa irrogada em juízo;
II – a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando
inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;
III – o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou
informação que preste no cumprimento de dever do ofício.

Inobstante a tais previsões, na hipóteses do número I e III responderá pela injúria


aquele que lhe propagar, dando-lhe publicidade.
Não há retratação no delito de injúria, porém quem se julga ofendido pode pedir
explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as
dá satisfatoriamente, responde pela ofensa (art. 144, CP)
REFERÊNCIAS

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal, volume 2, Parte Especial: dos crimes
contra a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito
aos mortos – 12ª edição – São Paulo: Saraiva 2012.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Especial – 8ª edição


Edtora Juspodivm, 2016.

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