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CONCURSO DE PESSOAS

Conceito, natureza e características

O concurso de pessoas pode ser conceituado como a colaboração de dois ou mais


agentes para a prática de um delito ou contravenção penal.

O concurso de pessoas é regulado pelos arts. 29 a 31 do CP:

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a
este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de
um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á
aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter
sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
Circunstâncias incomunicáveis
Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal,
salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
Casos de impunibilidade
Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição
expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser
tentado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Mas como compreender a natureza jurídico-penal de uma conduta criminosa praticada


por diversas pessoas? Três teorias surgiram:

● Pluralista (ou pluralística) - Para esta teoria cada pessoa responderia por um crime
próprio, existindo tantos crimes quantos forem os participantes da conduta
delituosa, já que a cada um corresponde uma conduta própria, um elemento
psicológico próprio e um resultado igualmente particular1.
● Dualista (ou dualística) – Segundo esta teoria, há um crime para os autores, que
realizam a conduta típica emoldurada no ordenamento positivo, e outro crime para
os partícipes, que desenvolvem uma atividade secundária.
● Monista (ou monística ou unitária) – A codelinquência (concurso de agentes) deve
ser entendida, para esta teoria, como CRIME ÚNICO, devendo todos responderem

1
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal – Parte Geral. Ed. Saraiva, São Paulo, 2015, p. 548
pelo mesmo crime. É a adotada pelo CP. Isso não significa que todos que
respondem pelo delito terão a mesma pena. A pena de cada um irá corresponder à
valoração de cada uma das condutas (cada um responde “na medida de sua
culpabilidade). Em razão desta diferenciação na pena de cada um dos infratores,
diz-se que o CP adotou uma espécie de teoria monista temperada (ou mitigada).

O concurso de pessoas pode ser, basicamente, de duas espécies:

● EVENTUAL – Neste caso, o tipo penal não exige que o fato seja praticado por mais
de uma pessoa. Isso não impede, contudo, que eventual ele venha a ser praticado
por mais de uma pessoa (Ex.: Furto, roubo, homicídio).
● NECESSÁRIO – Nesta hipótese o tipo penal exige que a conduta seja praticada por
mais de uma pessoa. Divide-se em: a) condutas paralelas (crimes de conduta
unilateral): Aqui os agentes praticam condutas dirigidas à obtenção da mesma
finalidade criminosa (associação criminosa, art. 288 do CPP); b) condutas
convergentes (crimes de conduta bilateral ou de encontro): Nesta modalidade os
agentes praticam condutas que se encontram e produzem, juntas, o resultado
pretendido (ex. Bigamia); c) condutas contrapostas: Neste caso os agentes praticam
condutas uns contra os outros (ex. Crime de rixa)

Requisitos

Mas quais são os requisitos para que se possa falar em concurso de pessoas? Cinco são os
requisitos para que seja caracterizado o concurso de pessoas. Vejamos:

Pluralidade de agentes

Para que possamos falar em concurso de pessoas, é necessário que tenhamos mais de uma
pessoa a colaborar para o ato criminoso. É necessário que sejam agentes culpáveis? A doutrina
se divide, mas prevalece o entendimento de que todos os comparsas devem ter discernimento,
de maneira que a ausência de culpabilidade por doença mental, por exemplo, afastaria o
concurso de agentes, devendo ser reconhecida a autoria mediata.

Assim, se uma pessoa, perfeitamente mental e maior de 18 anos (penalmente imputável)


determina a um doente mental (sem qualquer discernimento) que realize um homicídio, não há
concurso de pessoas, mas autoria mediata, pois o autor do crime foi o mandante, que se valeu
de uma pessoa sem vontade como mero instrumento2 para praticar o crime. Não há concurso,
pois um dos agentes não era culpável.

Todavia, é bom ressaltar que, nos crimes plurissubjetivos3, se um dos colaboradores não é
culpável por qualquer razão, mesmo assim permanece o crime. Nos crimes eventualmente
plurissubjetivos (crime de furto, por exemplo, que eventualmente pode ser um crime qualificado
pelo concurso de pessoas, embora seja, em regra, unissubjetivo) também não é necessário que

2
WELZEL, Hans. Derecho Penal, parte general. Ed. Roque Depalma. Buenos Aires, 1956, p. 106
3
Aqueles em que necessariamente deve haver mais de um agente, como no crime de associação criminosa,
por exemplo – art. 288 do CP
todos os agentes sejam culpáveis, bastando que apenas um o seja para que reste configurado o
delito em sua forma qualificada.

EXEMPLO: José, maior e capaz, perfeitamente imputável, combina de realizar um


roubo juntamente com Paulo, adolescente de 17 anos de idade e, portanto,
inimputável. O roubo se realiza. Neste caso, não podemos falar em autoria
mediata entre José e Paulo, eis que Paulo não foi mero instrumento nas mãos de
José. Paulo quis participar da empreitada criminosa, e responderá por isso, de
acordo com as regras próprias do ECA4. Neste caso, como não houve autoria
mediata, José deverá responder pelo crime roubo com a majorante de ter sido o
crime praticado em concurso de pessoas5, ainda que Paulo responda de acordo
com o ECA, e não de acordo com a Lei Penal.

Nessas duas últimas hipóteses, no entanto, não há propriamente concurso de pessoas, mas
o que a Doutrina chama de concurso impróprio, ou concurso aparente de pessoas. Contudo,
essa ressalva só se aplica ao caso de concurso entre culpável e “não culpável que possui
discernimento”. Assim, se o agente culpável se vale de alguém sem culpabilidade como mero
instrumento, sem que ele possua qualquer discernimento, teremos sempre autoria mediata.

Autoria mediata

A autoria mediata ocorre quando o agente (autor mediato) se vale de uma pessoa como
instrumento (autor imediato) para a prática do delito.

EXEMPLO: José, maior e capaz, entrega uma arma de fogo a uma criança de 05
anos, dizendo que ela deve colocar a arma na cabeça de Maria e fazer uma
brincadeira, pois ao apertar o gatilho, sairá água da arma. A criança aperta o
gatilho e Maria morre. Neste caso, temos autoria mediata, pois José (autor
mediato) se valeu da criança (executor) como mero instrumento para a prática do
delito.

Todavia, não basta que o executor seja um inimputável, ele deve ser um verdadeiro
INSTRUMENTO do mandante, ou seja, ele não deve ter qualquer discernimento no caso
concreto.

Ex.: José e Pedro (este menor de idade, com 17 anos) combinam de matar Maria.
José arma o plano e entrega a arma a Pedro, que a executa. Neste caso, Pedro é

4
Estatuto da Criança e do Adolescente.
5
Art. 157, §2º, II do CP.
inimputável por ser menor de 18 anos, mas possui discernimento, não se pode
dizer que foi um mero “instrumento” de José. Assim, aqui não teremos autoria
mediata, mas concurso aparente de pessoas.
Ex.2: José, maior e capaz, entrega a Mauro (um doente mental sem nenhum
discernimento) uma arma e diz para ele atirar em Maria, que vem a óbito. Neste
caso há autoria mediata, pois Mauro (o inimputável) foi mero instrumento nas
mãos de José.

⇒ Mas esta é a única hipótese de autoria mediata? A resposta é negativa. A melhor Doutrina
divide a autoria mediata em três hipóteses, basicamente6:

1 – Autoria mediata por erro do executor – Neste caso, aquele que pratica a conduta foi induzido
a erro pelo mandante (erro de tipo ou erro de proibição). Ex.: Médico que entrega à enfermeira
uma injeção contendo determinada substância tóxica, e determina que esta aplique no paciente,
alegando que se trata de morfina, para aliviar a dor7. A enfermeira, aqui, não atua dolosamente
(do ponto de vista “finalístico”), pois apesar de dar causa à morte do paciente (causalidade física,
pois foi ela quem injetou a substância), não dirigiu sua conduta a este resultado. O domínio do
fato pertencia ao médico, o real infrator.

2 – Autoria mediata por coação do executor – Aqui o infrator coage uma terceira pessoa a
praticar um delito. Em se tratando de coação MORAL irresistível, teremos um agente não
culpável (a coação moral irresistível afasta a culpabilidade). Desta forma, aquele que executa o
faz em situação de não culpabilidade. A culpabilidade recai apenas sobre o coator, não sobre o
coagido. Ex.: Médico que determina à enfermeira que aplique sobre o paciente uma dose cavalar
de veneno. O médico, porém, não esconde da enfermeira que se trata de veneno, ao contrário
deixa isso bem claro. Porém, diz à enfermeira que se ela não fizer o que foi determinado, irá
matar sua filha. Vejam que, neste caso, a enfermeira sabe que está injetando o veneno, de forma
que age dolosamente, mas ainda assim sem culpabilidade, por inexigibilidade de conduta
diversa.

3 – Autoria mediata por inimputabilidade do agente – Nesta hipótese o infrator se vale de uma
pessoa inimputável para a prática do delito. A inimputabilidade, aqui, pressupõe que o executor
(inimputável) não tenha discernimento necessário8. Caso o executor, mesmo inimputável, possua
discernimento, não haverá autoria mediata. Ex.: José, 20 anos, organiza um plano para furtar uma
loja de eletrônicos, e combina com Marcelo, de 17, a execução do plano. Neste caso, não há
autoria mediata, pois Marcelo, a despeito de sua inimputabilidade legal, tem discernimento para
não ser considerado como “objeto”. Por outro lado, no mesmo exemplo, imaginemos que
Marcelo tenha 30 anos, mas seja absolutamente incapaz de entender o que se passa (doente
mental completo). Neste caso, a inimputabilidade de Marcelo afasta o reconhecimento do
concurso de pessoas com José, que responderá como autor mediato do crime.

6
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. Cit.___, p. 560
7
O exemplo é de Hans Welzel. (cf. WELZEL, Hans. Op. Cit.___, p. 106)
8
WELZEL, Hans. Op. Cit.___, p. 107-108
É cabível autoria mediata nos crimes próprios e de mão própria? Em relação aos crimes
próprios se admite a autoria mediata, desde que o autor MEDIATO reúna as condições especiais
exigidas pelo tipo penal.

EXEMPLO: Paulo, servidor público, coage moralmente Maria (coação irresistível),


obrigando-a a subtrair 10 notebooks da repartição em que ele, Paulo, exerce
suas funções. Paulo, para a execução do delito, se valeu de sua função para
facilitar a subtração. Neste caso, Paulo poderá responder por peculato-furto na
qualidade de autor mediato.

Mas, e se Maria é quem fosse a servidora e Paulo fosse um particular? Poderia haver autoria
mediata? Não, neste caso não poderíamos falar em autoria mediata.

Contudo, se não há autoria mediata e não há concurso de pessoas (pois não há concurso
de pessoas entre coator e coagido), Paulo ficará impune? Não, a Doutrina desenvolveu, para tais
casos, a figura da AUTORIA POR DETERMINAÇÃO. Consiste, basicamente, em punir aquele
que, embora não sendo autor nem partícipe, exerce sobre a conduta domínio EQUIPARADO à
figura da autoria.9

Não se pode considerar o agente como autor por não reunir os elementos necessários para
tanto. Também não se pode considerá-lo como partícipe, eis que a participação pressupõe o
crime praticado por outro autor (e não há). Ele será punido, portanto, por ser o autor da
determinação para a conduta (ter sido o responsável por sua ocorrência).

Em relação aos crimes de mão própria, contudo, não se admite a figura da autoria mediata,
eis que o crime não pode ser realizado por interposta pessoa (Ex.: A testemunha, no crime de
falso testemunho, não pode coagir alguém a depor em seu lugar, prestando testemunho falso).

Neste caso, porém, exemplificativamente, se a testemunha for coagida por terceira pessoa,
esta terceira pessoa poderá ser considerada AUTOR por determinação, conforme explicado
anteriormente.

Relevância causal da colaboração

A participação do agente deve ser relevante para a produção do resultado, de forma que a
colaboração que em nada contribui para o resultado é um indiferente penal.

Além disso, a colaboração deve ser prévia ou concomitante à execução, ou seja, anterior à
consumação do delito. Se a colaboração for posterior à consumação do delito, como o fato já
ocorreu, não há concurso de pessoas, podendo haver, no entanto, outro crime (favorecimento
real, receptação, etc.).

Porém, se a colaboração for posterior à consumação, mas combinada previamente, há


concurso de pessoas. Ex: Imagine que Poliana decide matar seus pais, e combina com seu
namorado para que ele esteja às 20h em ponto na porta de sua casa para lhe ajudar na fuga.

9
PIERANGELI, José Henrique. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro. Ed. RT. São
Paulo, 2008, p. 580/581
Assim, a conduta do namorado (auxiliar na fuga) é posterior à consumação, mas fora combinada
anteriormente, havendo, portanto, concurso de pessoas. Diversa seria a hipótese, no entanto, se
o namorado tivesse ido à casa da namorada sem saber que deveria lhe ajudar na fuga. Lá
chegando, a namorada conta o ocorrido e ele, a partir daí, concorda em auxiliá-la na fuga. Nessa
hipótese, o namorado comete o crime de favorecimento pessoal (nos termos do art. 348 do CP).
Cuidado com isso!

Vínculo subjetivo (ou liame subjetivo)

Também é conhecido como concurso de vontades. Assim, para que haja concurso de
pessoas, é necessário que a colaboração dos agentes tenha sido ajustada entre eles, ou pelo
menos tenha havido adesão de um à conduta do outro.

Deste modo, a colaboração meramente causal, sem que tenha havido combinação entre os
agentes, não caracteriza o concurso de pessoas. Trata-se do princípio da convergência. Caso haja
colaboração dos agentes para a conduta criminosa, mas sem vínculo subjetivo entre eles,
estaremos diante da autoria colateral, e não da coautoria.

Identidade de infração penal

Também conhecido como unidade de infração penal para todos os agentes, está
fundamentado no art. 29 do CP:

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a
este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984).

Daí podemos perceber que, se 20 pessoas colaboram para a prática de um delito


(homicídio, por exemplo), todas elas respondem pelo homicídio, independentemente da conduta
que tenham praticado (um apenas conseguiu a arma, o outro dirigiu o veículo da fuga, outro
atraiu a vítima, etc.). As condutas dos agentes, portanto, devem constituir algo juridicamente
unitário10.

Existência de fato punível

Trata-se do princípio da exterioridade. Assim, é necessário que o fato praticado pelos


agentes seja punível, o que de um modo geral exige pelo menos que este fato represente uma
tentativa de crime, ou crime tentado.

Para a caracterização do crime tentado, é necessário que seja dado início à execução do
crime. Se o fato ficar meramente no plano abstrato, no plano da cogitação, não há fato punível,
nos termos do art. 14, II do CP.

O art. 31 do CP determina, ainda, de modo específico para a hipótese de concurso de


pessoas, que a colaboração só é punível se o crime for, ao menos, tentado:

10
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. Cit.___, p. 553
Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição
expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser
tentado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).

Importante ressaltar que, em alguns casos, os atos preparatórios já configuram fato punível,
seja porque a lei assim expressamente determina, seja porque eles constituem tipo penal
autônomo.

Modalidades

Coautoria

Para entendermos o fenômeno da coautoria, devemos, primeiramente, estudar o que seria


a autoria do delito.

Várias teorias, ao longo do tempo, procuraram definir o conceito de AUTOR.

O conceito extensivo de autor não diferencia autor e partícipe, considerando que todos
aqueles que concorrem para o crime são autores do delito. Esse conceito é baseado numa
premissa “causal-naturalista” de que todo aquele que dá causa ao delito (por qualquer forma),
deve ser considerado autor do crime.

Contudo, como pelo conceito extensivo de autor não era possível definir quem era autor e
quem era partícipe, surgiu a teoria subjetiva da participação, que considerava como autor aquele
que pratica o fato como próprio, que quer o crime “como próprio”, como seu, e partícipe aquele
que quer o fato como alheio, pratica uma conduta acessória ao “crime de outra pessoa”.11 Isso
era fundamental para a fixação da pena de cada um, já que aos autores deveriam ser aplicadas
penas, em tese, mais severas.

Como o conceito extensivo apresentou mais problemas que soluções, surgiu o conceito
restritivo de autor12. Para esta teoria restritiva13, autor e partícipe não se confundem. Autor será
aquele que praticar a conduta descrita no núcleo do tipo penal (subtrair, matar, roubar, etc.).
Todos os demais, que de alguma forma prestarem colaboração (material ou moral), serão
considerados partícipes. Esta foi a teoria adotada pelo CP.

Agora que já sabemos que o CP diferencia autor e partícipe, precisamos saber qual é o
critério para se diferenciar um do outro. Três teorias surgiram.

A primeira teoria, a teoria objetivo-formal, estabelece que autor é quem realiza a conduta
prevista no núcleo do tipo, sendo partícipes todos os outros que colaboraram para isso, mas não
realizaram a conduta descrita no núcleo do tipo. Para esta teoria, por exemplo, no crime de
homicídio, somente seria autor aquele que efetivamente praticasse a conduta de “matar”

11
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. Cit.___, p. 555
12
PIERANGELI, José Henrique. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de Direito Penal Brasileiro. Ed. RT. São
Paulo, 2008, p. 572.
13
Também chamada por alguns de teoria dualista ou objetiva.
alguém. Todos os outros colaboradores seriam partícipes. O grande problema desta teoria é
considerar o autor intelectual (mandante) como partícipe, e não como autor. Mais que isso: Essa
teoria não explica o fenômeno da autoria mediata (quando alguém se vale de um inimputável
para cometer um crime).

A segunda teoria, a teoria objetivo-material, entende que autor é quem colabora com
participação de maior importância para o crime, e partícipe é quem colabora com participação
reduzida, independentemente de quem pratica o núcleo do tipo (verbo que descreve a conduta
criminosa – matar, subtrair, etc.).

A terceira e última teoria, a teoria do domínio do fato, criada pelo pai do finalismo, Hans
Welzel14, e posteriormente desenvolvida por Claus Roxin, defende que autor é todo aquele que
possui o domínio da conduta criminosa, seja ele o executor (quem pratica a conduta prevista no
núcleo do tipo) ou não15. Para esta teoria, o autor seria aquele que decide o trâmite do crime, sua
prática ou não, etc. Essa teoria explica, satisfatoriamente, o caso do mandante, por exemplo, que
mesmo sem praticar o núcleo do tipo (“matar alguém”), possui o domínio do fato, pois tem o
poder de decidir sobre o rumo da prática delituosa.

Para esta teoria, o partícipe existe, e é aquele que contribui para a prática do delito16,
embora não tenha poder de direção sobre a conduta delituosa. O partícipe só controla a própria
vontade, mas a não a conduta criminosa em si, pois esta não lhe pertence.

A teoria do domínio do fato tem por finalidade estabelecer uma diferenciação entre autor e
partícipe a partir da noção de “controle da situação”. Aquele que, mesmo não executando a
conduta descrita no núcleo do tipo, possui todo o controle da situação, inclusive com a
possibilidade de intervir a qualquer momento para fazer cessar a conduta, deve ser considerado
autor, e não partícipe.

O controle (ou domínio) da situação pode se dar mediante17:

1 - Domínio da ação - O agente realiza diretamente a conduta prevista no tipo penal

14
WELZEL, Hans. Op. Cit.___, p. 105
15
MUÑOZ CONDE, Francisco. Teoría general del delito. Ed. Temis Editorial. Bogotá, 1999, p. 155-156
16
WELZEL, Hans. Op. Cit.___, p.117-119
17
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. Cit.___, p. 557-558
2 - Domínio da vontade - O agente não realiza a conduta diretamente, mas é o "senhor do
crime", controlando a vontade do executor, que é um mero instrumento do delito (hipótese de
autoria mediata).

3 - Domínio funcional do fato - O agente desempenha uma função essencial e


indispensável ao sucesso da empreitada criminosa, que é dividida entre os comparsas, cabendo a
cada um uma parcela significativa, essencial e imprescindível.

Em todos estes casos, o agente será considerado autor do delito.

A teoria do domínio do fato, porém, não se aplica aos crimes culposos, pois neste não há
domínio final do fato, pois o fato final (resultado) não é buscado pelos agentes, que pretendiam
outro resultado18.

A teoria adotada pelo CP é a teoria objetivo-formal, considerando autor aquele que


realiza a conduta descrita no núcleo do tipo, já que denota sua “vontade de autor” (animus
auctoris), em contraposição à “vontade de colaboração” do partícipe (animus socii). Entretanto,
considera-se adotada a teoria do domínio do fato para os crimes em que há autoria mediata,
autoria intelectual, etc., de forma a complementar a teoria adotada.

Esta é, portanto, a posição doutrinária a respeito da posição do CP sobre a diferença entre


autor e partícipe.

Desta maneira, após entendermos quem seria considerado autor do delito para o CP,
podemos definir a coautoria como a espécie de concurso de pessoas na qual duas ou mais
pessoas praticam a conduta descrita no núcleo do tipo penal. Assim, no crime de roubo, se duas
ou mais pessoas entram num banco, portando armas, e anunciam um assalto, todas elas
praticaram a conduta descrita no núcleo do tipo do art. 157, § 2°, I e II do CP (subtrair para si ou
para outrem, mediante violência ou grave ameaça...). Logo, todas são coautoras do delito. No
mesmo exemplo, porém, o dono do carro, que emprestou o veículo para a fuga, é mero
partícipe.

Não confundam coautoria com autoria colateral. Na coautoria, deve haver vínculo subjetivo
ligando as condutas de ambos os autores. Na autoria colateral, ambos praticam o núcleo do tipo,
mas um não age em acordo de vontades com o outro. Imaginem que A e B, desafetos de C, sem
que um saiba da existência do outro, escondem-se atrás de árvores esperando a passagem de C,
a fim de matá-lo. Quando C passa, ambos atiram, e C vem a óbito. Nesse caso, não houve
coautoria, mas autoria colateral. Entretanto, aí vai mais uma informação: Imaginem que o laudo
identifique que apenas uma bala atingiu C, direto na cabeça, levando-o a óbito. Nesse caso, o

18
Idem, p. 558
laudo não conseguiu apontar de qual arma saiu a bala que matou C. Nesse caso, como não se
pode definir quem efetuou o disparo fatal, ambos respondem pelo crime de homicídio
TENTADO, pois não se pode atribuir a nenhum deles o homicídio consumado, já que o laudo é
inconclusivo quanto a isto. Este é o fenômeno da autoria incerta. No entanto, se ambos
estivessem agindo em conluio, com vínculo subjetivo, ou seja, se houvesse concurso de pessoas,
ambos responderiam por crime de homicídio CONSUMADO, pois nesse caso seria irrelevante
saber de qual arma partiu a bala que levou C a óbito.

A coautoria pode ser funcional (ou parcial), que é aquela na qual a conduta dos agentes
são diversas e se somam, de forma a produzir o resultado. Assim, se Ricardo segura a vítima para
que Poliana a espanque, ambos são coautores do crime de lesão corporal, mediante coautoria
funcional.

Porém, a coautoria pode ser, ainda, material (direta), que é a hipótese em que ambos os
coautores realizam a mesma conduta. Assim, no exemplo acima, se Ricardo e Poliana
espancassem a vítima, ambos seriam coautores mediante coautoria material.

Abaixo vou mostrar para vocês algumas hipóteses polêmicas de aplicação do instituto da
coautoria:

฀ Admite-se a coautoria nos crimes próprios, desde que ambos os agentes possuam a
qualidade exigida pela lei, ou que, aqueles que não a possuem, ao menos tenham ciência
de que o outro agente age nessa qualidade.
฀ Não se admite a coautoria nos crimes de mão-própria, pois são considerados de conduta
infungível, só podendo ser praticados pelo sujeito especificamente descrito pela lei.
฀ A Doutrina se divide quanto à possibilidade de coautoria em crimes omissivos, da
seguinte forma:

1 – Parte entende que NÃO HÁ POSSIBILIDADE DE COAUTORIA OU


PARTICIPAÇÃO (Concurso de agentes), pois TODAS AS PESSOAS PRATICAM O
NÚCLEO DO TIPO, DE MANEIRA AUTÔNOMA;

2 – Outra parte da Doutrina entende poderia haver concurso de pessoas, na


modalidade de coautoria, mas é minoritário;

3 – A Doutrina ligeiramente majoritária entende que é possível PARTICIPAÇÃO, mas


NÃO COAUTORIA.
฀ Na autoria mediata não há concurso de pessoas entre autor mediato autor imediato,
respondendo apenas o autor mediato, que se valeu de alguém sem culpabilidade para a
execução do delito.
฀ Entretanto, é possível coautoria e também participação na autoria mediata, desde que
haja colaboração entre os agentes mediatos. NUNCA HAVERÁ CONCURSO DE PESSOAS
ENTRE AUTOR MEDIATO E AUTOR IMEDIATO.
฀ CUIDADO! Na coação física irresistível, não há autoria mediata, mas autoria direta, pois o
agente que realiza a ação não possui conduta, já que não há vontade. Nesse caso, aquele
que pratica a coação física irresistível é autor direto, não mediato;
฀ Admite-se a autoria mediata nos crimes próprios, mas não nos crimes de mão própria (há
alguns doutrinadores que entendem ser possível).

Participação

Conforme estudamos, no Brasil adotou-se o conceito restritivo de autor, distinguindo-se


autor e partícipe. Adotou-se, ainda, a teoria objetivo-formal, de forma que podemos definir a
participação como a modalidade de concurso de pessoas na qual o agente colabora para a
prática delituosa, mas não pratica a conduta descrita no núcleo do tipo penal.

A participação pode ser:

⇒ Moral – É aquela na qual o agente não ajuda materialmente na prática do crime, mas
instiga ou induz alguém a praticar o crime. A instigação ocorre quando o partícipe age no
psicológico do autor do crime, reforçando a ideia criminosa, que já existe na mente deste.
O induzimento, por sua vez, ocorre quando o partícipe faz surgir a vontade criminosa na
mente do autor, que não tinha pensado no delito;
⇒ Material – A participação material é aquela na qual o partícipe presta auxílio ao autor, seja
fornecendo objeto para a prática do crime, seja fornecendo auxílio para a fuga, etc. É
também chamada de cumplicidade. Este auxílio não pode ser prestado após a
consumação, salvo se o auxílio foi previamente ajustado.
⇒ Já que o partícipe não pratica a conduta descrita no núcleo do tipo penal, como puni-lo?

A punibilidade do partícipe não pode ser realizada diretamente pela descrição do fato
típico. De fato, aquele que empresta uma arma para que alguém mate outra pessoa, não poderia
responder por homicídio, pois o art. 121 do CP diz: “matar alguém”. Aquele que empresta a
arma não está “matando”, por isso se diz que não há, aqui, adequação típica imediata.

Contudo, a punibilidade do partícipe é possível porque há normas de extensão da


adequação típica (no caso, o art. 29 do CP), que permitem a extensão do raio de aplicação do
tipo penal para aqueles que, de alguma forma, tenham contribuído para o delito. Trata-se da
chamada adequação típica mediata.
Como a conduta do partícipe é considerada acessória em relação à conduta do autor (que
é principal), o partícipe é punido em razão da teoria da acessoriedade19. Porém, existem quatro
teorias da acessoriedade:

● Teoria da acessoriedade mínima – Entende que a conduta principal deva ser um


fato típico, não importando se é ou não um fato ilícito. EXEMPLO: Imagine que
Marcio e João combinam de matar Paulo. Na data combinada para a execução,
Marcio guia o carro até o local e fica esperando do lado de fora. João se dirige até
Paulo e, após uma discussão, Paulo começa a agredir João, que na verdade mata
Paulo em legítima defesa. João matou Paulo em legítima defesa e não em razão do
ajuste com Marcio (não tendo praticado fato ilícito, mas apenas típico), mas por esta
teoria, mesmo assim Marcio responderia como partícipe do crime. Veja que João,
de fato, matou Paulo. Contudo, o fato não é ilícito, pois João agiu em legítima
defesa. Porém, para esta teoria, ainda que a conduta de João seja considerada
apenas típica, mas não ilícita, Marcio deveria ser punido. O pior de tudo é que,
neste caso, Márcio, que não praticou a conduta seria punido, mas João seria
absolvido pela legítima defesa.
● Teoria da acessoriedade limitada – Exige que o fato praticado (conduta principal)
seja pelo menos uma conduta típica e ilícita. Assim, no exemplo dado acima, a
conduta do partícipe Marcio não é punível, pois a conduta principal, apesar de
típica, não é ilícita. Veja que, para esta corrente Doutrinária, se o fato praticado
pelo autor NÃO FOR ILÍCITO (Ainda que seja um fato típico), em razão de legítima
defesa, etc., o partícipe não deve ser punido.
● Teoria da acessoriedade máxima – Para esta teoria, o partícipe só será punido se o
fato for típico, ilícito e praticado por agente culpável. Essa teoria faz exigência
irrazoável, pois a culpabilidade é uma questão pessoal do agente, não guardando
relação com o fato. Assim, imagine que Carlos, maior de idade, seja partícipe de um
roubo praticado por Lucas, menor de idade. Para esta corrente, Carlos não poderia
responder pelo roubo praticado (na qualidade de partícipe), pois Lucas (o autor
principal) é inimputável (não tem culpabilidade), sendo o fato apenas típico e ilícito,
sem o complemento da culpabilidade.
● Teoria da hiperacessoriedade – Exige que, além de o fato ser típico e ilícito e o
agente culpável, o autor tenha sido efetivamente punido para que o partícipe
responda pelo crime. É ainda mais irrazoável que a última. Imagine que José seja
partícipe de um roubo praticado por Marcelo. No decorrer do processo, Marcelo
vem a falecer (o que gera a extinção da punibilidade de Marcelo, nos termos do
CP). Para esta corrente, como houve extinção da punibilidade em relação a Marcelo
(o autor do delito), o partícipe (José) não poderá mais ser punido.

O Nosso CP não adotou expressamente nenhuma das quatro teorias, mas com certeza
não adotou a teoria da acessoriedade mínima nem a teoria da hiperacessoriedade (as extremas).

19
A teoria da acessoriedade deriva de uma das teorias dos FUNDAMENTOS da punibilidade do partícipe, que
é a TEORIA DO FAVORECIMENTO (ou da CAUSAÇÃO), que diz que o partícipe deve ser punido por ter
coloborado para que o delito fosse realizado. Em contraposição a esta, havia a teoria da participação na
culpabilidade, que defendia que o partícipe deveria ser punido apenas por exercer “influência negativa” sobre
o autor. Esta última foi abandonada pela Doutrina há algumas décadas.
A Doutrina entende que a teoria que mais se amolda ao nosso sistema é a teoria da
acessoriedade limitada20, exigindo que o fato seja somente típico e ilícito para que o partícipe
responda pelo crime.

Questões interessantes acerca da participação:

฀ A lei admite a redução da pena de 1/6 a 1/3 se a participação é de menor importância (art.
29, § 1° do CP). Isto não se aplica às hipóteses de coautoria, mas apenas à participação;
฀ A Doutrina admite a participação nos crimes comissivos por omissão, quando o partícipe
devia e podia evitar o resultado (art. 13, § 2° do CP).
฀ A participação inócua não se pune. Assim, se A empresta uma faca a B, de forma a
auxiliá-lo a matar C, e B mata C usando seu revólver, a participação de A foi
absolutamente inócua, pois em nada auxiliou no resultado. Da mesma forma, se A instiga
B a matar C, e B realiza a conduta porque já estava determinado a isso, a instigação
promovida por A não teve qualquer eficácia, pois B já mataria C de qualquer forma.
฀ Participação em cadeia é possível: Assim, se A empresta uma arma a B, para que este a
empreste a C, a fim de que este último mate D, tanto A quanto B são partícipes do crime,
por prestarem auxílio material em cadeia.
฀ A participação em ação alheia ocorre quando o partícipe, sem qualquer liame subjetivo
com o autor, contribui de maneira culposa para a prática do delito. Assim, o funcionário
público que não tranca a porta da repartição ao final do expediente, e esta vem a ser
furtada por um particular na madrugada, responde por peculato culposo (art. 312, § 2° do
CP), enquanto o particular responde por furto. Não há concurso de pessoas pois falta o
liame subjetivo entre ambos (coerência de vontades).

Comunicabilidade das circunstâncias

O art. 30 do CP estabelece que:

Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal,


salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)

Antes de estudarmos a comunicabilidade ou não das circunstâncias, devemos diferenciar a


mera circunstância da circunstância elementar do crime.

20
BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. Cit.___, p. 565
A circunstância elementar é aquela que se refere a algo indispensável para a
caracterização do crime. Assim, a circunstância “alguém” no crime de homicídio, é uma
elementar, pois se o fato for praticado contra um animal, por exemplo, não haverá homicídio.

Por sua vez, a mera circunstância não é indispensável à caracterização do crime, pois
apenas agregam um fato que, se presente, aumenta ou diminui a pena. Assim, o “motivo torpe”
é uma circunstância não-elementar, ou mera circunstância, pois caso o fato seja praticado sem
essa circunstância, continua a existir homicídio, no entanto, sem a qualificadora.

Espécies de elementares e de circunstâncias

Podem ser subjetivas (de caráter pessoal), quando relativas à pessoa do agente. É o caso
da condição de funcionário público, que é pessoal, pois se refere ao agente.

Podem ser, ainda, objetivas (ou de caráter real), quando se referem ao fato criminoso em
si, seu modus operandi, etc. Assim, o emprego de violência, no crime de roubo (art. 157 do CP) é
uma elementar objetiva.

As condições pessoais não se confundem com as circunstâncias ou elementares de caráter


pessoal. As primeiras são fatores pessoais do agente, que independem da prática da infração
penal. Assim, o fato de o agente ser menor de 21 anos é uma condição pessoal, e não uma
circunstância de caráter pessoal, tampouco uma elementar.

Com base nesses três institutos (elementares, circunstâncias e condições pessoais),


podemos extrair três regras do CP:

✔ As circunstâncias e condições de caráter pessoal não se comunicam – Se A contrata


B, para que este mate C, em razão deste último ter estuprado sua filha, A comete o
crime de homicídio privilegiado, em razão do relevante valor moral (art. 121, § 1° do
CP). Entretanto, B não comete o crime de homicídio privilegiado, pois a
circunstância “relevante valor moral” é pessoal, não se estendendo ao coautor;
✔ As circunstâncias de caráter real, ou objetivas, se comunicam – Porém, é necessário
que a circunstância tenha entrado na esfera de conhecimento dos demais agentes.
Imagine que A contrata B para matar C. B informa a A que usará de emboscada
(portanto, homicídio qualificado, nos termos do art. 121, § 2° do CP), e A concorda
com isto. Nesse caso, a circunstância objetiva “emboscada” (relativa ao meio
utilizado), se comunica, pois embora A não tenha usado de emboscada, concordou
com esta prática por B. Diversamente, se B praticasse o crime mediante emboscada
sem nada comunicar ao mandante, A, esta circunstância não se comunicaria, por
não ter entrado na esfera de conhecimento de A;
✔ As elementares sempre se comunicam, sejam objetivas ou subjetivas – No entanto,
mais uma vez se exige que estas elementares tenham entrado no âmbito de
conhecimento dos demais agentes. Imaginem que Júlio, servidor público, convida
Marcelo a entrar na repartição onde trabalham, valendo-se da condição de Júlio,
para subtrair alguns computadores. Caso Marcelo conheça a condição de
funcionário público de Júlio, ambos respondem pelo crime de peculato-furto (art.
312, § 1° do CP). Caso Marcelo desconheça essa circunstância elementar, responde
ele apenas pelo crime de furto, pois a ausência dessa circunstância faz desaparecer
o crime de peculato-furto, mas a conduta ainda é punível como furto comum.

Cooperação dolosamente distinta

A cooperação dolosamente distinta, também chamada de “participação em crime menos


grave” ou “desvio subjetivo de conduta”, ocorre quando ambos os agentes decidem praticar
determinado crime, mas durante a execução, um deles decide praticar outro crime, mais grave.
Nesse caso, aplica-se o art. 29, § 2° do CP:

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a
este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)
(...) § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave,
ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na
hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)

EXEMPLO: Imaginem que Camila e Herval combinam de realizar um furto a uma


casa que imaginam estar vazia. Camila espera no carro enquanto Herval adentra à
residência. Entretanto, ao chegar à residência, Herval se depara com dois
seguranças, e troca tiros com ambos, levando-os a óbito (sinistro esse cara).
Após, entra na casa e subtrai diversos bens. Volta ao carro e ambos fogem.

Camila não quis participar de um latrocínio (que foi o que efetivamente ocorreu), mas
apenas de um furto. Assim, segundo a primeira parte do § 2° do art. 29 do CP, responderá
somente pelo furto.

Entretanto, se ficar comprovado que Camila podia prever que o latrocínio era provável (se
soubesse, por exemplo, que Herval estava armado e que havia a possibilidade de ter seguranças
na casa), a pena do crime de furto (não a do latrocínio!!) será aumentada até a metade.

A lei diz “até a metade”, logo, o aumento pode não chegar a esse patamar. O aumento de
pena irá variar conforme o grau de previsibilidade do crime mais grave para o qual Camila não se
predispôs, mas era previsível.

CUIDADO MASTER! Existe uma questão muito controvertida no que se refere ao concurso de
pessoas. É a possibilidade (ou não) de concurso de pessoas em crimes CULPOSOS.
São muitas, MUITAS ideias diferentes. Cada autor inventa alguma coisa para vender seu livro,
certo? Bom, resumidamente, podemos definir a Doutrina majoritária da seguinte forma:

COAUTORIA EM CRIMES CULPOSO – É possível, pois é possível que duas pessoas, de comum
acordo, resolvam praticar uma conduta imprudente, por exemplo. Ex.: Dois rapazes resolvem
atirar um móvel do 10º andar de um prédio, sem intenção de atingir ninguém, mas acabam
lesionando uma pessoa.

PARTICIPAÇÃO EM CRIME CULPOSO – Depende. Podemos estar falando de participação


DOLOSA ou participação CULPOSA.

DOLOSA – Não cabe participação dolosa em crime culposo, pois a Doutrina entende que não há
“unidade de vontades” entre os agentes (um quer o resultado a título de dolo, e o outro,
executor, é apenas um descuidado). Assim, não há “vínculo subjetivo” entre eles no que tange ao
resultado. Logo, cada um responde por sua conduta.

CULPOSA – É possível, pois é possível que alguém, por culpa, induza, instigue ou preste auxílio
ao executor de uma conduta também culposa, e haveria “unidade de vontades”.

CUIDADO: O STJ entende que NÃO cabe nenhum tipo de participação em crime culposo. Parte
da Doutrina também segue este entendimento.

Multidão delinquente

Também chamada de “multidão criminosa”21, são considerados pela doutrina como


aqueles atos em que inúmeras (incontáveis, uma multidão) pessoas praticam o mesmo delito,
agindo em concurso de pessoas, muitas vezes sem um acordo prévio, mas cada uma aderindo
tacitamente à conduta da outra. Ex.: Linchamentos, brigas de torcidas organizadas, saques a lojas
ou a carretas tombadas, etc.

A Doutrina sustenta que, mesmo nestes casos, têm-se CONCURSO DE PESSOAS, pois há
vínculo subjetivo entre estas pessoas, ainda que tácito (não explícito). O agente que praticar o
delito nestas condições, porém, deverá ter sua pena atenuada, nos termos do art. 65, e do CP, já
que se trata de situação em que há maior vulnerabilidade psicológica para que uma pessoa
venha a aderir a uma conduta criminosa. Por outro lado, os que promoverem, organizarem ou
liderarem a conduta criminosa terão suas penas agravadas (art. 62, I do CP).

21
O termo “multidão criminosa” é utilizado, dentre outros, por René Ariel Dotti (cf. DOTTI, René Ariel. Curso
de Direito Penal, Parte Geral. Ed. Revista dos Tribunais. 4º ed. São Paulo. 2012, p. 459)
DISPOSITIVOS LEGAIS IMPORTANTES

CÓDIGO PENAL

฀ Arts. 29 a 31 do CP – Regulamentam o concurso de agentes no Código Penal:

Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a
este cominadas, na medida de sua culpabilidade. (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)
§ 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de
um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
§ 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á
aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter
sido previsível o resultado mais grave. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
Circunstâncias incomunicáveis
Art. 30 - Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal,
salvo quando elementares do crime. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984)
Casos de impunibilidade
Art. 31 - O ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição
expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser
tentado. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

JURISPRUDÊNCIA CORRELATA
฀ STJ - RESP 1306731/RJ – O STJ firmou entendimento no sentido de que não se pode condenar
um dos comparsas por homicídio culposo e outro por homicídio doloso, quando reconhecida a
ocorrência de concurso de agentes. Isso porque o concurso de pessoas, dada a adoção da teoria
monista, pressupõe a unidade de infrações penais, objetiva e subjetivamente, ou seja, todos
devem responder pelo mesmo delito, e sob o mesmo elemento subjetivo (dolo ou culpa):

(...) 3. Tratando-se de crime praticado em concurso de pessoas, o nosso Código


Penal, inspirado na legislação italiana, adotou, como regra, a Teoria Monista ou
Unitária, ou seja, havendo pluralidade de agentes, com diversidade de condutas,
mas provocando um só resultado, existe um só delito.
4. Assim, denunciados em coautoria delitiva, e não sendo as hipóteses de
participação de menor importância ou cooperação dolosamente distinta, ambos
os réus teriam que receber rigorosamente a mesma condenação, objetiva e
subjetivamente, seja por crime doloso, seja por crime culposo, não sendo
possível cindir o delito no tocante à homogeneidade do elemento subjetivo,
requisito do concurso de pessoas, sob pena de violação à teoria monista, razão
pela qual mostra-se evidente o constrangimento ilegal perpetrado.
5. Diante da formação da coisa julgada em relação ao corréu e considerando a
necessidade de aplicação da mesma solução jurídica para o recorrente, em
obediência à teoria monista, o princípio da soberania dos veredictos deve, no
caso concreto, ser aplicado justamente para preservar a decisão do Tribunal do
Júri já transitada em julgado, não havendo, portanto, a necessidade de
submissão do recorrente a novo julgamento.
(...)
(REsp 1306731/RJ, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA,
julgado em 22/10/2013, DJe 04/11/2013)

฀ STJ - HC 235.827/SP – O STJ firmou entendimento no sentido de é cabível a coautoria em


crimes culposos, embora não seja cabível a participação:

(...) 2. A doutrina majoritária admite a coautoria em crime culposo. Para tanto,


devem ser preenchidos os requisitos do concurso de agentes: a) pluralidade de
agentes, b) relevância causal das várias condutas, c) liame subjetivo entre os
agentes e d) identidade de infração penal. In casu, a conduta do pai não teve
relevância causal direta para o homicídio culposo na direção de veículo
automotor.
Outrossim, não ficou demonstrado o liame subjetivo entre pai e filho no que
concerne à imprudência na direção do automóvel, não podendo, por
conseguinte, atribuir-se a pai e filho a mesma infração penal praticada pelo filho.
3. Não há qualquer elemento nos autos que demonstre que o pai efetivamente
autorizou o filho a pegar as chaves do carro na data dos fatos, ou seja, tem-se
apenas ilações e presunções, destituídas de lastro fático e probatório. Ademais, o
crime culposo, ainda que praticado em coautoria, exige dos agentes a
previsibilidade do resultado. Portanto, não sendo possível, de plano, atestar a
conduta do pai de autorizar a saída do filho com o carro, muito menos se pode a
ele atribuir a previsibilidade do acidente de trânsito causado.
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, ratificando-se em
parte a liminar, apenas para restabelecer a sentença absolutória, no que concerne
ao delito do art. 302, c/c o art. 298, inciso I, do Código de Trânsito Brasileiro.
(HC 235.827/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA,
julgado em 03/09/2013, DJe 18/09/2013)

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