Você está na página 1de 8

Concurso de Pessoas

Entende-se que há concurso de pessoas, também denominado concurso de agentes,


concurso de delinquentes ou codelinquência, quando dois ou mais sujeitos concorrem
para a prática de uma mesma infração penal, conforme se infere do art. 29 do Código
Penal, senão vejamos:

Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime


incide nas penas a este cominadas, na medida de sua
culpabilidade.
§ 1º. Se a participação for de menor importância, a pena
pode ser diminuída de um sexto a um terço.
§ 2º. Se algum dos concorrentes quis participar de crime
menos grave, ser-lheá aplicada a pena deste; essa pena
será aumentada até metade, na hipótese de ter sido
previsível o resultado mais grave.

Dessume-se do dispositivo supramencionado, também, que no concurso de pessoas


cada um dos sujeitos ativos do crime deve ter sua conduta analisada individualmente,
sendo responsabilizado, para fins de tipificação e aplicação de pena, na medida de sua
culpabilidade. Inclusive, nos termos do § 2º, se um dos sujeitos ativos tiver concorrido
para o crime inicialmente planejado, menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste, a
qual será aumentada até a metade, todavia, se o resultado mais grave era previsível e
foi ignorado pelo sujeito.
Em regra, os crimes podem ser praticados por apenas um sujeito ou por vários – neste
caso, em coautoria ou participação, sendo tais delitos denominados unissubjetivos
(nomenclatura que considera a possibilidade de apenas um autor do crime) ou de
concurso eventual. Contudo, há infrações penais que exigem, para a configuração do
tipo, a presença de mais de um sujeito ativo ou até mesmo a reunião de várias pessoas
– como é o caso do delito de associação criminosa (art. 288 do CP), sendo tais crimes
denominados plurissubjetivos ou de concurso necessário. Neste último caso, não há
que se falar em coautoria ou participação, na medida em que todos aqueles que
concorrem para o crime são considerados autores.
Para que se caracterize o concurso de pessoas é preciso que estejam presentes os
seguintes requisitos:
a) pluralidade de agentes e de condutas;
b) relevância causal de cada conduta;
c) liame subjetivo entre os agentes; e
d) identidade de infração penal, isto é, se todos os agentes tinham o intuito de
praticar a mesma infração penal.

Teorias sobre o concurso de pessoas


De acordo com a doutrina penal pátria, três teorias se destacaram acerca do concurso
de pessoas, a saber:

1. Teoria monista, monística ou unitária: trata-se da teoria adotada pelo Código Penal
(art. 29, caput), nos termos da qual todos aqueles que concorrem para o crime incidem
nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade, ou seja, como regra
geral, será atribuído um mesmo crime a todos os sujeitos ativos. Embora o crime seja
praticado por diversas pessoas, ele permanece sendo único e indivisível. A título de
exemplificação, se dois sujeitos resolvem praticar, juntos, o crime de latrocínio (art.
157, § 3º, II, do CP), ambos serão responsabilizados pelo crime independentemente de
apenas um deles ter efetuado o disparo da arma contra a vítima, enquanto o outro se
limitou a dar-lhe cobertura.

2. Teoria dualista: entende haver uma distinção entre o crime praticado pelos autores
e aquele cometido pelos partícipes. Para os defensores desta teoria, deverá existir um
crime único para os autores, e outro crime único para os chamados cúmplices.
Seguindo esse raciocínio, teríamos, por exemplo, uma infração para aquele que induz
os agentes à prática de roubo, e outra para os agentes em si, que, de fato, subtraem a
coisa alheia. Não foi recepcionada pelo Código Penal, mas alguns doutrinadores
entendem que o art. 29, § 1º, do CP, que trata da possibilidade de redução da pena
para os agentes cuja participação é de menor importância, se assemelha à proposta
desta teoria.
3. Teoria pluralista: como o próprio nome já diz, segundo esta teoria haveria uma
pluralidade de crimes, isto é, seriam consideradas tantas infrações penais quantos
fossem os autores e partícipes, devendo-se atribuir a cada agente um delito diferente.
Em resumo, é como se cada autor ou partícipe praticasse a sua própria infração penal,
não importando a sua colaboração para com os demais agentes. O nosso Código Penal
adota exemplos excepcionais dessa teoria, tais como nos crimes de corrupção, em que
o corruptor comete corrupção ativa – art. 333 –, e a conduta do funcionário público
corrompido é tipificada como corrupção passiva – art. 317–; e de aborto, em que a
gestante incorre no tipo previsto no art. 124, e o terceiro incorre nos arts. 125 ou 126.
Autoria e coautoria
O Código Penal não traz em nenhum de seus dispositivos os conceitos de autor e
partícipe, razão pela qual tais definições foram elaboradas, ao longo do tempo, pela
doutrina pátria. No que concerne à autoria, três concepções distintas tomaram
destaque. A primeira delas apresenta um conceito amplo, ou extensivo, de autor,
assim considerado todo aquele que concorre para o crime, desde que a sua conduta se
mostre relevante para o resultado, e exista o vínculo psicológico, não se falando, pois,
em diferenciação entre autor e partícipe. Por outro lado, a segunda concepção
exprime um conceito restritivo de autor, que seria apenas aquele que realiza, de fato,
a conduta descrita no tipo penal.
Por fim, a terceira concepção, denominada teoria do domínio do fato, tem por
premissa que o autor é a figura central no acontecer típico, possuindo o controle
central sobre a configuração do fato criminoso. Para esta teoria, o autor poderá ser
imediato ou direto, quando executar diretamente a conduta descrita pelo tipo penal,
ou poderá ser também mediato ou indireto, nas hipóteses em que se vale de outra
pessoa, que lhe serve como instrumento para a prática da infração penal.
Como regra geral, o Código Penal adotou a teoria restritiva – que se mostra majoritária
na doutrina pátria – e, portanto, autor será somente aquele que praticar a ação
nuclear prevista no tipo penal. Todavia, admite-se também a aplicação da teoria do
domínio do fato nos delitos dolosos, em que o autor será o sujeito ativo que tem o
domínio finalista do fato criminoso.
No que concerne ainda à autoria, esta poderá ser classificada como colateral quando
duas pessoas concorrerem para um mesmo resultado, mas não existir qualquer vínculo
subjetivo entre elas, isto é, quando dois sujeitos ativos distintos decidem cometer o
mesmo crime, no mesmo momento, sem que um saiba da intenção do outro. Neste
caso, muito embora ambos os sujeitos concorram para o mesmo resultado criminoso,
não existe concurso de pessoas, pois falta-lhe um dos principais requisitos para a sua
caracterização, que é o vínculo subjetivo. E se, diante da hipótese de autoria colateral,
não for possível determinar quem foi o responsável pelo resultado, a autoria será
considerada incerta, e ambos os agentes responderão pelo crime na modalidade
tentada.
A coautoria, por sua vez, pressupõe, sempre, que uma pluralidade de agentes realize,
ainda que em parte, a ação ou a omissão previstas no tipo penal. Coautores serão,
portanto, todos aqueles que realizarem, total ou parcialmente, o comportamento
típico. Haverá coautoria total quando todos realizarem, conjuntamente, o mesmo
comportamento, ao passo que se falará em coautoria parcial ou funcional quando
existir uma “divisão de tarefas” entre os agentes, cada um realizando uma parcela do
mesmo tipo penal.

Participação
O termo partícipe é utilizado para caracterizar aqueles sujeitos que, embora
concorram para a prática da infração penal, desempenham uma atividade acessória,
isto é, dependente da conduta principal do autor. A participação é, portanto, a
contribuição ao injusto praticado por outrem.
Assim como na autoria, algumas teorias também se desenvolveram na doutrina pátria
acerca da participação. São elas:

1. Teoria da acessoriedade mínima: defende que a participação será punível a partir


do momento em que o autor realizar a primeira conduta tipificada como crime. Em
outras palavras, haverá participação se o autor praticar um fato típico.

2. Teoria da acessoriedade limitada: defende que a participação será punível somente


se o autor tiver levado a cabo uma conduta típica e ilícita – adotada pela maior parte
dos doutrinadores.

3. Teoria da acessoriedade máxima: defende que a participação será punível somente


se o autor tiver levado a cabo uma conduta típica, ilícita e culpável.

4. Teoria da hiperacessoriedade: defende que a participação será punível somente se


o autor tiver levado a cabo uma conduta típica, ilícita, culpável e punível.
Os partícipes são, pois, aqueles sujeitos que cooperam para a ocorrência e
consumação do delito, sem ostentar, todavia, as condições de autores ou coautores,
podendo ser considerados cúmplices quando auxiliam ou cooperam dolosamente para
o crime doloso de outrem, ou instigadores, quando, dolosamente, convencerem
outrem ao cometimento de um crime doloso.
Ressalte-se, por fim, que a participação não admite, nem é passível de punição, na
modalidade tentada, uma vez que o art. 31, do CP, prevê que “o ajuste, a
determinação ou a instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não
são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”. Sendo assim, se o
partícipe estimula alguém a cometer uma determinada infração penal ou lhe
disponibiliza os meios necessários para exercer a conduta, mas o agente não vem
sequer a iniciar a prática do comportamento típico, a conduta do partícipe não poderá
ser enquadrada em nenhum tipo penal, ainda que apenas como “tentativa”.
Punibilidade no concurso de pessoas
A punibilidade no concurso de pessoas deverá se dar de acordo com o que prevê o art.
29, caput, do Código Penal, segundo o qual “quem, de qualquer modo, concorre para o
crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.
Como estudamos no capítulo acerca da culpabilidade, esta é entendida como o juízo
de reprovação, de censura, que se realiza sobre o agente ao qual se tiver imputado
uma conduta típica e ilícita. Sendo assim, no que concerne ao concurso de pessoas,
admite-se a possibilidade de que cada um dos concorrentes, embora tenham
contribuído para a prática de um mesmo crime, sofram consequências (leia-se: penas)
distintas.
Tomemos emprestado o ótimo exemplo trazido pelo professor Rogério Greco, a fim de
elucidar o caso:
Suponhamos que A e B resolvam praticar um delito de furto. O primeiro, A, filho de
um rico fazendeiro, pretende cometer o delito por mero espírito de “aventura”; já o
segundo, desempregado há muito, pelo fato de não conseguir trazer, licitamente, o
sustento de sua família, resolve, numa demonstração de desespero, levar a efeito a
subtração, juntamente com A. Pergunta-se: as duas condutas merecem a mesma
censura, ou uma delas é mais reprovável do que a outra? (GRECO, 2017, p. 598)

Circunstâncias incomunicáveis
Nos termos do art. 30 do Código Penal, “não se comunicam as circunstâncias e as
condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”, ou seja, tanto as
circunstâncias agravantes (arts. 61 a 64 do Código Penal) e atenuantes (arts. 65 e 66 do
Código Penal), quanto as causas de aumento ou diminuição de pena, quando atinentes
a um dos sujeitos do crime (coautor ou partícipe), não serão estendidas aos demais,
ainda que se trate de uma circunstância benéfica, com exceção, todavia, de quando se
tratar de elementares do crime.
Por exemplo, suponhamos que A e B decidem, juntos, matar o pai de B – crime de
homicídio previsto no art. 121 do Código Penal. Neste caso, somente a pena de B será
aumentada em virtude da circunstância agravante prevista no art. 61, II, e, do CP, isto
é, ter cometido o crime contra o seu ascendente. Em outras palavras, a regra é a de
que as circunstâncias ou condições de um dos agentes – ou seja, as de caráter pessoal
– não se comunicarão aos demais.
Por outro lado, quando a circunstância é elementar ao crime, ela será estendida ao
coautor ou coparticipante, desde que este tenha tido conhecimento da circunstância.
Por exemplo, se A, na qualidade de funcionário público, e B, pessoa estranha à
Administração Pública, mas que tem conhecimento da profissão de A, decidem, juntos,
subtrair um item da repartição na qual A exerce suas funções, ambos serão
responsabilizados pelo crime de peculato-furto, previsto no art. 312, § 1º, do CP, muito
embora somente A seja funcionário público.

Você também pode gostar