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Da autoria à cumplicidade no Código Penal

de 1886
Benja Satula*

1. Introdução
Neste gesto que nunca substituirá tudo o que o Professor Adérito
Correia fez por mim e pela FDUCAN e pelo ensino do Direito em
Angola, rendo a minha homenagem refletindo sobre a comparticipação
criminosa e todos os «institutos» relevantes a ela inerente, com maior
realce em relação à instigação.
A instigação à instigação tem sido controversamente debatida na
doutrina e na jurisprudência diversa, daí revestir-se de grande interesse.
Porque começa a ganhar maior acuidade e grande interesse teórico-prático
na nossa ordem jurídica, justificou a minha abordagem.
A fim de darmos maior consistência ao trabalho, percorremos os
diversos autores portugueses que, tendo convivido com o CP de 1886,
assistiram à reforma e discutiram a teoria da comparticipação à luz
do Código Penal Português (Código Penal de 1982) e assim faremos
uma abordagem dos traços comuns da Teoria Geral da Comparticipa-
ção Criminosa, com realce para as diferentes conceções de autor e as
consequências da sua adoção nos ordenamentos jurídicos. Na fase final
analisaremos, opinando, a problemática da existência ou não de uma
instigação à instigação.

*  Docente da Faculdade de Direito da UCAN e Diretor do Centro de Investigação


de Direito da UCAN.
12 BENJA SATULA

2. Teoria da comparticipação
É múltipla e plurissignificativa a terminologia utilizada, quer na dou-
trina quer nas legislações1 quanto aos agentes do crime. O Código Penal
de 1886 estratifica-os em participação principal (autores), participação
secundária (cúmplices) e participação por aderência (encobridores), artigos
19.º, 20.º, 22.º e 23.º O Código Penal Português desde 1982 utiliza por
sua vez a terminologia «comparticipação», englobando quer os autores
quer os cúmplices.
São agentes aqueles que participam no facto criminoso punível, assim
os agentes podem ser ou autores ou cúmplices. Sendo que a figura do
encobridor autonomizou-se desta epígrafe. Os casos de encobrimento, real
ou pessoal são, agora, tratados na maioria dos ordenamentos jurídicos,
autonomamente, constituindo desta feita o crime de recetação.
A pluralidade de agentes no crime não se verifica apenas como forma
do crime; tal só sucede quando o crime é incriminado como monossub-
jetivo e pode acidentalmente ser realizado com a participação de vários
agentes2/3.
A propósito distingue-se os crimes de participação facultativa e os
crimes de participação necessária.
Os primeiros, também conhecidos como «monossubjetivos», podem
ser cometidos por vários agentes a título de mera participação facultativa.
Em geral, os crimes são previstos nas normas incriminadoras da
Parte Especial do Código Penal, como monossubjetivos; mas os crimes
monossubjetivos são suscetíveis de realização por uma pluralidade de
agentes. Sendo que a técnica utilizada é a de a incriminação da Parte
Especial confinar à definição do autor singular do crime, e mediante uma
norma da parte geral se procede à extensão da incriminação à realização
do crime por uma pluralidade de agentes.
Os crimes plurissubjetivos são aqueles que só podem ser realizados
com a participação de vários agentes e em que a pluralidade de agentes
é essencial.

1  Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral I, Editorial

Verbo, 1988, p. 315. O Código Penal Italiano fala de «concurso de pessoas no crime»
ao passo que o Código Penal Brasileiro designa por «concurso e agentes».
2  Idem.
3  No mesmo sentido cfr. Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte

Geral II, Teoria Do Crime, Editorial Verbo, 2.ª  Edição Revista e Atualizada, Lisboa,
2005, p. 290.
DA AUTORIA À CUMPLICIDADE NO CÓDIGO PENAL DE 1886 13

Cavaleiro de Ferreira exorta que «importa distinguir a participação


criminosa, como forma de crime, dos crimes de participação necessária,
bem como do crime de associações criminosas, muito embora em todos
os casos se deva verificar uma pluralidade de agentes».
A participação facultativa num crime é incriminada como forma do
crime monossubjetivo; as incriminações de autoria e cumplicidade são
normas que estendem a punibilidade do crime monossubjetivo aos casos
em que o crime é cometido com a participação de vários agentes.
E trata-se de uma tipificação indireta, e por isso de uma «forma do
crime», porque os preceitos não estão em si mesmos completos; o seu
conteúdo completa-se com referência à norma incriminadora de cada
crime em especial.

2.1. Conceções de autor


Quem pode ser considerado autor de um crime? Quem se esconde
atrás das palavras «todo aquele que ou quem…», com que, em regra,
começa cada uma das disposições incriminadoras. É verdade que quando
a lei fala de autor do crime pretende referir-se a toda a noção genérica
de autor, a qual tanto abrange o autor principal como os autores secun-
dários ou concorrentes: mas em referência ao instituto do concurso de
diversas pessoas no crime, a contraposição entre autor principal e autor
secundário torna-se imprescindível quando se queira conservar vivo, e
até disciplinar detalhadamente, o instituto do concurso de várias pessoas
num crime. Quando se fala de autor procuramos assinalar um processo
lógico, ou melhor, teleológico, a noção do autor do crime, tal como
resulta de uma consideração normativa.
A exata compreensão de todas as questões que se agitam em temas
de concurso, a começar pela natureza das normas sobre a participação,
depende de uma determinação preliminar da noção de autor principal do
crime, ou melhor, simplesmente do «autor». Indubitavelmente, a questão
supera o campo limitado do concurso para se projetar in limine codicis
sobre todas as questões atinentes ao sujeito ativo do crime em geral.
Em relação à noção do autor, são substancialmente duas as conceções
que se enfrentam: uma conceção restritiva e uma conceção extensiva.
Para a conceção restritiva, defendida, entre outros, por Bettiol e
Teresa Beleza, entre a ação praticada pelo «autor» do crime e a praticada
pelo «participante» existe uma diversidade de caráter lógico, na medida
em que só pode ser considerado autor aquele que realiza a ação típica
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descrita na fattispecie abstrata: só é autor do crime de furto aquele que


«se apodera da coisa móvel alheia…» não aquele que apenas instigou
outrem a roubar ou ficou de vigia. Aqui a ação já não é típica em relação
à norma incriminadora principal.
Para a conceção extensiva de autor, pugnada por Cavaleiro de Ferreira
e Eduardo Correia, a diversidade lógica que existe entre a ação «exe-
cutiva» e a participação não deve ser considerada suficiente para negar
a substancial identidade das duas ações, visto que é também sempre
possível abstrair de todas estas formas de atividade um elemento que
lhes é comum, que é a eficiência causal. Por conseguinte, o fundamento
jurídico, tanto para a ameaça como para a aplicação da pena, é o valor
causal de uma ação relativamente a um evento, e não as caraterísticas
da sua estrutura formal.
Nestas teorias, tão resumidamente expostas, debatem-se duas conce-
ções diferentes quanto à noção do crime: uma de caráter formal, a qual
– embora não negando que o substrato da qualidade de autor é sempre
constituído pelo requisito da causalidade, porque quem não ocasionou um
evento não pode em caso algum ser considerado autor do mesmo – põe
em relevo as caraterísticas exteriores do agir, quer dizer, a conformidade
da ação com as notas formais da fattispecie legal;
Outra de caráter substancial, a qual atenta mais na eficiência genética
da ação do que no seu aspeto exterior: é autor quem ocasionou uma
lesão de interesses penalmente tutelados. Se é verdade que a noção de
caráter substancial deveria ter, neste momento histórico, a prevalência
sobre a primeira, é igualmente verdadeiro que a conceção extensiva do
autor, apoiando-se unicamente sobre o requisito da causalidade, acaba
por desembocar num plano naturalístico, que encontra fortes oposições
entre os sequazes das mais recentes correntes valorativas. É assim que
Braun afirma que nem todo o indivíduo que tenha causado um evento
lesivo pode ser considerado autor do mesmo, mas só o pode ser aquele
sujeito que deu ao facto uma determinada marca espiritual de modo a
poder afirmar-se ser só ele o autor do crime. Fundando-se rigidamente
num critério causal seriam «autores» do delito de furto todos aqueles que
cooperam para o realizar, quando a verdade é que só pode ser conside-
rado autor aquele que age com o fim de tirar proveito da coisa roubada4.

Giuseppe Bettiol, Direito Penal, Parte Geral, Tomo III, Coimbra Editora, Coimbra,
4 

1973, pp. 207 a 281, afirma: pensamos que está mais de acordo com a letra e com o espírito
da legislação vigente a noção restritiva de autor. Esta nossa afirmação irá escandalizar
DA AUTORIA À CUMPLICIDADE NO CÓDIGO PENAL DE 1886 15

Consoante a opção legislativa de cada ordenamento jurídico, por uma


ou outra conceção, teremos um tratamento distinto dos agentes do crime,
nomeadamente a da consideração de todos os agentes como participantes
ou da consideração de um autor e participantes do crime5.
Para Eduardo Correia só a conceção extensiva encontra cabal enqua-
dramento no ordenamento jurídico português6, contrariamente ao que

aqueles que insistem unicamente sobre a lesão do bem jurídico, em nome de um rígido e
mecânico princípio de causalidade, mas não se deve esquecer que, mesmo no âmbito de
um sistema teleológico, o ilícito é sempre ainda um ilícito típico, no sentido de que não
é suficiente a lesão de um bem ou de um interesse da vida social tutelado pelo direito,
mas é necessário que essa lesão seja o produto de uma atividade que se apresenta com
determinadas modalidades, de contrario, porém, iria deparar-se-nos o grave inconveniente
de sacrificar no altar de uma presumida justiça substancial os critérios gerais da certeza
e da segurança, mais do que nunca prementes no campo do direito penal.
Sobre este aspeto, a conceção restritiva corresponde a uma posição mental liberal.
Aliás, que seja necessário um critério formal para determinar a qualidade de autor, pode,
também, deduzir-se do autorizado parecer de Manzini, que na primeira parte da definição
põe em destaque o elemento substancial que está, ou que deve sempre estar na base da
noção de autor, e na segunda parte da definição é oportunamente esclarecido o elemento
formal o da correspondência da ação com as modalidades da fattispecie abstrata. Podemos,
por conseguinte, considerar autor «quem realiza culpavelmente com o seu comportamento
um facto previsto como crime por uma lei incriminadora e determina, desse modo, a
lesão efetiva ou potencial de um bem tutelado».
Causalidade e tipicidade não se contrapõem como critérios que determinam duas
conceções do autor inconciliáveis entre elas, antes acabam por fundir-se numa conceção
que de extensiva utiliza, nos limites do possível, o requisito da causalidade, e à restritiva
vai pedir o indispensável requisito da correspondência do comportamento do autor com
o modelo legislativo abstrato
5  Para Cavaleiro de Ferreira, a comparticipação supõe sempre uma pluralidade de

agentes que nela participam. Os agentes do crime são participantes, apenas o modo de
participação é que difere. Há uma participação mais grave, participação principal, que
o Código designa por «autoria», e uma participação secundária, que o Código Penal
designa por «cumplicidade». Os agentes do crime podem ser, assim, autores ou cúmplices.
O artigo 26.º refere-se aos autores como agentes responsáveis pelo crime, como o artigo
27.º se refere aos cúmplices como agentes responsáveis pelo crime.
O Código Penal, ao definir os autores no artigo 26.º, utilizou o conceito de «autoria
mediata», prescindindo de uma definição direta dos autores que o conceito engloba.
E haverá que descobrir o seu real significado na sua interpretação.
6  Conceito extensivo de autoria. Efetivamente, as normas penais descrevem certos

tipos legais de crimes e proíbem o seu preenchimento.


Deste modo, quando, contra a determinação das respetivas disposições jurídico-
-criminais, tais tipos forem preenchidos, a sua imputação objetiva a um ou vários sujeitos
haverá que ser determinada segundo as regras da causalidade: será agente da realização
de um certo tipo legal de crime e da violação dos respetivos valores legais quem lhe
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tiver dado causa. Por outras palavras: será autor de um delito aquela pessoa ou pessoas
que tiverem levado a cabo qualquer comportamento que esteja num nexo de causalidade
com o preenchimento do respetivo tipo legal.
Assim, como quer GETZ, para fundamentar a punição das várias pessoas que cola-
borem e deem causa a um facto criminoso, não seriam necessárias quaisquer normas da
parte geral dos códigos penais: os tipos legais de crimes, ao estatuírem que quem fizer
isto e aquilo será punido desta e daquela maneira, contem implicitamente o fundamento
e a razão de ser da punição de todos os indivíduos que derem causa à sua realização.
Um tal conceito não poderia abranger e deixaria por isso impunes – a não haver
normas da Parte Geral dos Códigos Penais que alargassem o domínio das pessoas a
quem se estende a punição –, deixaria impunes, dizíamos, todos os casos em que, entre
comportamento de um comparticipante e o resultado criminoso, se coloca uma atividade
de outrem.
Efetivamente, sendo esta atividade livre, não poderá dizer-se que o participante
cause o facto punível, já que justamente a liberdade do agente intermediário quebra,
interrompe o nexo de causalidade.
Por outro lado, acrescenta-se: não é exato pretender-se que a descrição do tipo
legal de crime abrange qualquer atividade que direta ou mediatamente produza o seu
preenchimento.
Na verdade, ela só abrange os efetivos atos de execução. Ora, justamente muitos
dos chamados «actos de participação» não são atividades executivas, constituindo, antes,
tão-só meros atos preparatórios, como tais não puníveis.
De resto, que assim é, resulta do reconhecer-se o próprio princípio de acessoriedade,
segundo o qual a punição dos atos dos comparticipantes está dependente da prática do
facto típico, ou seja, da sua execução por outrem, pelo menos na forma de tentativa.
Conceito restritivo de autoria. De tudo isto conclui-se que o fundamento da punição
das atividades que colaboram na produção de um facto criminoso, mas não o executam,
não pode encontrar-se nas normas que descrevem os tipos legais de crime, mas antes
no alargamento da punição – por força de certas disposições da parte geral dos Códigos
Penais – outras formas de colaboração no facto criminoso, que não são autoria.
Desta forma, parte-se de um conceito restritivo do autor. Alargando a responsabilidade
a outras atividades de colaboração ou participação no crime, quais sejam a instigação e
a cumplicidade, ex vi de certas disposições gerais.
Por isso mesmo, a punição destas formas de participação seria tão-só acessória,
resultando do alargamento a outras pessoas, que não são autores, da imputação, supondo,
ou melhor, exigindo sempre, portanto, a existência e a prática de um facto principal, ou
seja, a existência da autoria donde deriva a sua criminalidade.
Crítica: a construção que acabámos de expor parece não deixar de ter certas vantagens.
Crimes próprios. Efetivamente, por exemplo, não sendo autores os instigadores e
os cúmplices, não seria necessário que estes reunissem as qualidades que a lei descreve
como elemento constitutivo de certos tipos legais de crimes, chamados próprios, v. g.,
o funcionário. Assim o extraneus, que não reúne certas qualidades típicas não podendo
ser autor, poderia ser punido como cúmplice ou instigador de tais crimes.
DA AUTORIA À CUMPLICIDADE NO CÓDIGO PENAL DE 1886 17

defende Teresa Beleza7. A divergência concecional tem uma implicância

Só que as desvirtuações e as concessões a que é forçada tal teoria depõem forte-


mente contra a sua legitimidade e conduzem-nos a verificar que o seu fundamento é
totalmente erróneo.
Na verdade, como se disse, a teoria parece oferecer vantagens nos casos dos chamados
«delitos próprios» quando o chamado instigador ou cúmplice é extraneus, logo revela
a sua inanidade quando justamente o comparticipante – instigador ou cúmplice – é um
intraneus, isto é, reúne as qualidades exigidas no tipo legal, e o executor principal é um
extraneus. Efetivamente, neste caso, o executor, não pode ser autor, e sem autoria não
se pode conceber uma punição que dela derive.
Acessoriedade. Tendo a participação natureza acessória, derivando a sua criminali-
dade no alargamento da punição do facto principal, é evidente que a responsabilidade
a que dá lugar está dependente da punição daquele facto, da punibilidade dos autores.
Ora, sendo assim, como punir os cúmplices ou instigadores de um delito levado a
cabo ou executado por um inimputável?
Desta maneira, dir-se-á: recorrendo à teoria do autor mediato. É que, sempre que
alguém arrasta outrem, não imputável ou que não possui as qualidades ou intenções
exigidas num certo tipo legal, a praticar um crime, serve-se dele como instrumento
de realização de tal facto criminoso. Não é pois instigador ou cúmplice, mas autor, e
justamente autor mediato.
7  Teresa Pizarro Beleza, Direito Penal, II Volume, Edição AAFDL, Lisboa, 1995,

pp. 454 ss: A questão fundamental, para a nossa lei e concetualmente, é a distinção entre
autores e cúmplices. Isto é, entre a autoria e a cumplicidade.
Deixando agora entre parêntesis uma terceira possibilidade que é a instigação –
que na nossa lei é consagrada como forma de autoria, mas que teoricamente será mais
rigoroso considerar que é uma forma de participação ao lado da cumplicidade, porque,
assim como os cúmplices, também os instigadores, no fundo, participam num crime que
fundamentalmente é de outra pessoa, essa sim, o verdadeiro autor.
Para além desta questão, que é uma das dificuldades reais e fundamentais da teoria
da participação, a distinção entre autoria e cumplicidade, ou autoria e participação, quais
são as figuras que parece correto distinguir, e qual a terminologia que parece correto
usar dentro da teoria da participação?
Dentro da autoria há que distinguir entre a autoria imediata, a coautoria e a autoria
mediata. E dentro da participação há que distinguir entre cumplicidade e instigação (ou
instigação e cumplicidade por grau decrescente de gravidade…).
Encontramos na doutrina portuguesa uma grande flutuação de terminologia e de
conceitos.
Por exemplo, Figueiredo Dias, por razões de lei escrita, acaba por meter a instigação
na autoria, mas a certa altura já está a tratá-la como forma de participação e torna-se
um pouco confuso.
O professor Cavaleiro de Ferreira diz que não faz sentido no direito português falar
em autoria mediata. Considera que esse conceito não tem interesse, que situações desse
tipo estão no art. 20.º como qualquer forma de autoria.
O prof. Eduardo Correia fala em autoria moral e refere-se dentro dela a autoria
mediata e a instigação.
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prática no ordenamento jurídico quanto ao tratamento dos institutos dos


agentes do crime.
O ordenamento que adote a conceção restritiva tem como conse-
quência imediata a inexistência na Parte Geral do Código de uma norma
referente ao autor do crime, por este ser identificado nos tipos penais
incriminadores na Parte Especial. Pelo contrário, caso a conceção seja
extensiva existirá uma dupla previsão do autor quer na Parte Geral, onde
é enquadrado o autor imediato, moral ou intelectual, e na Parte Especial
pelos tipos penais incriminadores8.
A uma conceção extensiva da qualidade de autor opõe-se, portanto,
o caráter restritivo das normas sobre a participação, ao passo que a uma
noção restritiva do autor se contrapõe o caráter extensivo da norma sobre
o concurso9.

Parece-me que é útil e é correto distinguir entre autoria e participação. Dentro da


autoria, autoria imediata, coautoria e autoria mediata. E dentro da participação, instigação
e cumplicidade.
8  Assim existirá no ordenamento jurídico de conceção restritiva o autor e os partici-

pantes que são: os instigadores e os cúmplices. No ordenamento de conceção extensiva


todos os agentes são participantes e entre os participantes estão os primários autor
imediato, mediato e moral ou instigadores e os participantes secundários os cúmplices.
Para C. de Ferreira, ob. cit., a participação é a conjugação de facto ou ação individual
de cada agente, que se insere no facto ou ação coletiva, o crime como objeto desta, indica
o facto individual, o modo como cada agente participa na obra comum, porém crime em
sentido próprio é sempre o facto individual no qual assenta a responsabilidade penal.
9  Não é de excluir que na base desta diferente conceção da norma sobre o concurso

possa estar uma diversidade de ideologia política, visto a noção extensiva de autor parecer
mais de acordo com uma conceção autoritária do Estado, que no campo penal – indepen-
dentemente de considerações formais – pretenda aplicar sanções penais a toda e qualquer
causa de eventos ilícitos. Parece-nos, porém, mais prementes as considerações de técnica
legislativa e hermenêutica legal. As consequências que resultam da natureza das normas
sobre a participação são diversas conforme se aceite a noção extensiva do autor ou a
restritiva. Se for autor todo o sujeito que se encontre em qualquer relação causal com o
evento lesivo é, na verdade, suficiente a norma particular da Parte Especial do Código
para incriminar penalmente a atividade de qualquer indivíduo que tenha cooperado para
a produção da mesma lesão. Deixa de haver uma razão lógica para distinguir entre autor
e participante, e as normas sobre a participação – quando o legislador não tenha querido
renunciar a elas – seriam supérfluas se não admitissem um diferente tratamento penal
para os participantes, ou apresentariam o caráter de normas restritivas da punibilidade,
e o legislador tivesse previsto um tratamento mais benévolo para os participantes.
Se, pelo contrário, se adota a noção restritiva do autor, pela qual só é autor quem realiza
a ação típica, as normas sobre a participação assumem o caráter de normas extensivas da
punibilidade, porque a atividade do participante, dado que é logicamente diversa da do
autor e na medida em que essa diversidade lógica se projeta sobre o esquema jurídico,
DA AUTORIA À CUMPLICIDADE NO CÓDIGO PENAL DE 1886 19

2.2. Comparticipação vs. participação criminosa


É, portanto, participante, «aquele que concorre para a perpetração
de um crime desenvolvendo uma atividade logicamente distinta da do
autor principal na medida que cai no âmbito das normas incriminadoras
secundárias sobre a participação, que tem caráter extensivo».
«O autor age impelido pela causa objetiva do evento, ao passo que
o participante contribui com uma simples condição.»
Existem legislações em que, não obstante se admitir um critério
objetivo de demarcação entre o autor e o participante, está previsto um
tratamento penal idêntico, isto constitui, no entanto, um forte indício de
uma tendência que, sob o aspeto da causalidade procura nivelar entre elas
todas as pessoas que contribuíram por qualquer forma para a produção
de um evento ilícito.
A partir do Código de 1982, ocorreu uma mudança essencial na
doutrina portuguesa da comparticipação, consistente na adesão à teoria
do domínio do facto pelo que o conceito de autor deixa de se ancorar no
critério da previsibilidade e adequação para abranger apenas o agente que
«domina» o facto, ou seja, de cuja vontade depende a efetiva verificação
do crime. Não basta pois a previsibilidade e o nexo de causalidade, é
ainda necessário que, para que o facto seja atribuído ao dirigente que
deu ordem, que este tenha o domínio do facto produzido pelo executor,
caso em que será responsável a título de autor mediato.
O ato de participação não é elemento constitutivo do crime tal como
o descreve a norma incriminadora, mas é um ato meramente eventual
que, como tal, pode até nem existir; por outro lado, uma vez que ele
esteja efetivamente presente, a sua incriminação depende de uma norma
penal diferente, ou seja, daquela que vem alargar ou integrar a primeira:
da norma da participação10.

não pode ser abrangida pela norma incriminadora principal, mas postula – com base
no princípio da legalidade – a existência de uma norma secundária que, dessa maneira,
alarga a esfera de influência da norma principal.
Aceitando-se a noção restritiva do autor, devemos admitir que as normas sobre o
concurso têm a natureza de normas complementares extensivas da incriminabilidade da
norma principal, no sentido de que «a norma incriminadora especial descreve o crime e
comina a pena para aquele que o realiza, e a norma complementar aumenta a previsão
daquela, e torna, dessa maneira, possível que as suas disposições sejam referidas também
àqueles que, embora não tendo realizado materialmente o crime, contribuíram, porém,
para a sua produção».
10  Cavaleiro de Ferreira, ob. e pp. cits.
20 BENJA SATULA

Assim, é autor singular, aquele que realiza por si só o crime. Quando


este é obra empreendida por vários agentes, a incriminação resulta da
extensão a que procedem as normas sobre a comparticipação e partici-
pação criminosa.
Importa ter muito cuidado com a terminologia, pois os conceitos,
sobretudo o de participação, não são unívocos. O Código Penal nunca se
refere a participação, mas tão-só a comparticipação e comparticipante e
parte importante da doutrina reserva o termo participação para designar
a responsabilidade acessória, nomeadamente dos cúmplices e dos ins-
tigadores, distinguindo os participantes dos autores e dos coautores11.
É comparticipação o facto em que todos os agentes colaboram.
O crime, objeto de comparticipação, indica a realidade em que os agen-
tes participam. É como que um facto complexo, constituído por uma
pluralidade de ações ou factos individuais e consiste numa conexão de
ações ou factos individuais.
A realidade subjacente à noção de comparticipação é a cooperação de
vários agentes na realização de um facto lesivo de interesses penalmente
tutelados12.
O facto lesivo é o resultado da cooperação dos vários agentes. Daí
que, por facilidade e expressão, as legislações e a doutrina designem o
resultado para o qual tende a comparticipação com o mesmo vocábulo
– crime – enquanto a participação individual de cada agente é, como
fundamento da responsabilidade individual, o crime de cada um deles.
Na comparticipação intervêm ou podem intervir agentes (ou compar-
ticipantes) puníveis ou não puníveis. À estrutura da comparticipação não
requer a exigência de que todos os agentes sejam responsáveis penalmente.
Os pressupostos da punição são a ilicitude e a culpa – cada agente é
punido segundo a sua culpa.
Nos termos do artigo 24.º cada agente é comparticipante e é punido
independentemente da punição (ou grau de culpa) dos outros compar-
ticipantes. Entretanto, a existência de um autor é fundamental para que
exista a participação secundária.
A punição de cada agente terá lugar consoante e se relativamente a
cada um se verificar que cometeu um facto ilícito e culpável, indepen-

Idem, p. 284.
11 

Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral I, Editorial


12 

Verbo, Lisboa, 1988, pp. 322 ss.


DA AUTORIA À CUMPLICIDADE NO CÓDIGO PENAL DE 1886 21

dentemente de se verificarem, quanto aos demais agentes, os pressupostos


da punição que são, precisamente, o facto ilícito e a culpa do agente13.
A comparticipação tem de comum o facto de a atividade de todos
os agentes dirigirem-se objetivamente à realização de um facto previsto
como crime, na forma de crime consumado, frustrado ou tentado; a com-
participação deve produzir, objetivamente, como resultado, a realização
de um facto que, se fora cometido por um só agente, seria punível.
A comparticipação é mais de temer que a autoria singular. Por isso,
não apenas os que dão causa ao crime, mas também os que o preparam
ou facilitam, em conjunto com o autor ou autores, são participantes e,
como tais, agentes do crime.
Agentes são os que dão causa ao crime, o possibilitam, preparam
ou facilitam, e que, em função da maior ou menor gravidade da sua
participação na realização do facto comum, a que a todos os modos de
participação objetivamente se dirigem, serão considerados autores ou
cúmplices.
A punibilidade ou não punibilidade dos comparticipantes deriva
exclusivamente da manutenção ou anulação da sua culpabilidade, na
forma de dolo.
Desta exposição podemos afirmar que, independentemente da conce-
ção que se perfilhe, a doutrina é unânime quanto aos agentes do crime
e à sua denominação.
Do que fica dito sobre a comparticipação ressalta que as formas que
reveste são fundamentalmente duas:

1. Autoria material, singular ou coautoria material e autoria e coautoria


moral, também denominada intelectual ou psíquica, que compreende a
determinação ao crime de executores inimputáveis, ou sem culpa, e a
determinação ao crime do executor imputável e com culpa, isto é, a
instigação em sentido estrito.
E, assim, pode haver coautoria material dolosa e culposa, ou coautoria
moral dolosa ou culposa, e coautores impunes ou sem culpa.
Pode haver coautores morais, a título de dolo e a título de culpa,
quando os autores morais «executam» o facto por intermédio de outrem.
A identidade do facto, enquanto resultado da cooperação de todos os
agentes, porém, não é absoluta.

13  Idem.
22 BENJA SATULA

Pode acontecer que o autor material ou coautor material cometa


crime mais grave do que aquele em que efetivamente comparticiparam
os demais autores.

2. A participação ou participação secundária, cumplicidade material


e moral enquanto modo de cooperação na produção do mesmo facto.
O modo de cooperação é que é diverso; o objeto a que se dirige a
cooperação é o mesmo facto (e que usualmente se indica também por
identidade do crime, comum a todos os participantes).
Passaremos agora a fazer uma abordagem sucinta em torno de cada
agente do crime. Por razões de sistematização deixaremos para o fim o
instituto da instigação.

a) Autor
Aos autores, como participantes principais, do art. 20.º, se contrapõem
os cúmplices, participantes secundários (art. 22.º), o CP integrou de forma
expressa a instigação na autoria (n.º 4 do artigo 20.º).

i) Autores materiais
São autores «os que executam o crime, ou tomam parte direta na
execução».
O autor singular também entra em comparticipação com outro ou
outros agentes na medida em que participam no crime autores morais
ou cúmplices. E essencialmente as disposições dos artigos 19.º, 20.º e
22.º referem-se à incriminação da pluralidade de agentes, um dos quais
pode ser o único executor material.
O significado da distinção que a norma habilitada faz entre aquele
que executa o crime por si mesmo e aquele que o executa por intermédio
de outrem.
«Na coautoria material […] cada coautor “toma parte direta na exe-
cução”. Da forma como está redigido o texto, parece resultar que se
refere exclusivamente ao executor ou autor material, direto ou indireto,
imediato ou imediato – e o coautor seja definido como tomando parte
direta ou imediata na execução, com exclusão dos casos em que tome
parte mediata na execução.»
O esclarecimento deste ponto é fundamental para a caraterização da
categoria dos autores que executam o facto por intermédio de outrem,
que foram intercalados.
DA AUTORIA À CUMPLICIDADE NO CÓDIGO PENAL DE 1886 23

A definição de coautor material é quanto à estrutura objetiva de com-


participação, que é a coautoria… a execução por intermédio de outrem,
quando repartida por vários agentes, não equivale a «tomar parte direta na
execução»; só a execução por si mesma, se realizada por vários agentes,
consiste em tomar «parte direta» na execução.
O texto do Código Penal permite a punibilidade dos coautores quando
haja acordo entre eles, isto é, com dolo de todos os coautores e acordo
na comparticipação mas, seguidamente, admite a coautoria quando os
coautores cometem juntamente a execução, excluindo assim a exigência
na coautoria não só de acordo intencional de todos os coautores, como
exigência mesmo de dolo ou negligência em todos eles ou em algum deles.
Haverá, deste modo, coautoria cuja estrutura subjetiva pode consistir em
dolo de um ou negligência de outro ou outros, ou dolo ou negligência
de uns e ausência de culpabilidade em outro ou outros.
E, sendo assim, harmoniza-se a delimitação da coautoria material com
a delimitação da comparticipação, consoante resulta do artigo 24.º do CP
(corresponde ao artigo 29.º do Código Penal Português).

ii) Autores morais


O Código Penal refere-se ao instigador, como autor, no n.º 4, do artigo
20.º (parte final do artigo 26.º do CP Português).
Cavaleiro de Ferreira afirma:
«… Eduardo Correia manifestou clara preferência pela doutrina latina da com-
participação, em especial a francesa, por contraposição à alemã e acrescentou que
“esta diferença de conceções avulta quando se considera o discutível conceito de
instigação, tal como tem sido elaborado na literatura germânica e que no projeto
se resolveu não autonomizar em relação ao da autoria mediata”.
Daí resultou que incluindo entre os autores (autores morais) aquele que determina
outrem ao crime e excluindo-o da categoria da participação acessória o Código
Alemão não admitiu qualquer outra forma de autoria moral.
Não nos parece, porém, que possa considerar-se, no Código Penal, a execução
por intermédio de outrem uma autoria mediata como alargamento da espécie da
execução do crime. E, sendo assim, a inserção no texto do artigo 26.º está deslocada.
Quer dizer, a fórmula de “execução por intermédio de outrem” é inadequada
para significar o seu conteúdo. Tendo-se utilizado um adereço criado pelo
condicionalismo da legislação germânica, obscureceu-se o entendimento da
lei portuguesa14.

14  Cavaleiro de Ferreira, ob. cit., pp. 360 ss.


24 BENJA SATULA

Na verdade, aquele que executa o facto por intermédio de outrem não “executa”
o facto – não é executor, nem imediato, nem mediato – antes determina outrem
a executá-lo.
A diferença com a instigação ou determinação de outrem ao crime constante
da parte final do artigo 26.º está em que muitas vezes o executor pode não ser
imputável ou não ter culpa.
A noção de execução é correspetiva da noção de executor, e há, por isso, que
ponderar a noção de execução que nos fornece o próprio artigo 26.º A noção de
execução serve, no artigo 26.º, igualmente para definir os coautores materiais (os
que tomam parte na execução) e é ainda usada neste ao condicionar a punição do
instigador (autor moral) à “execução ou começo de execução” do facto por outrem.
Não parece de admitir uma diversa noção de execução no âmbito do mesmo
artigo; e, ainda mais, uma noção que possa estar em manifesta contradição com
a noção que nos é dada no seu lugar próprio – na definição de tentativa (artigo
22.º) – e que é uma definição com base no elemento objetivo do facto.
Ora, precisamente na mesma frase, o artigo 26.º estaria a empregar a expressão
execução de modo a abranger a determinação de inimputáveis ou executores
sem culpa, considerando executor o agente que determina outrem à execução,
e a empregar esse mesmo conceito, quanto à coautoria material, considerando
exclusivamente coautores os que, diretamente, por si mesmos, executam o crime.
Idêntica discrepância se observa na parte final do artigo 26.º
A execução ou começo de execução que condiciona a punibilidade do instigador
é a execução e começo de execução consoante vêm definidos no artigo 22.º Se
pudesse antecipar-se o começo de execução para o momento em que o instigador
determina outrem à prática do facto, como também para o momento em que o
autor mediato constrange ou engana outrem, todos os autores morais seriam
puníveis por tentativa de instigação como autores do crime, independentemente
da prática por outrem de qualquer ato de execução.
Uma tentativa de autoria moral (de autoria mediata, segundo o Código Penal)
seria já tentativa punível, ultrapassando os limites da incriminação da tentativa
no artigo 22.º
Parece, assim, mais curial entender que a execução por intermédio de outrem é
ainda execução por outrem, execução direta como na coautoria, e que, adotando
a terminologia da doutrina e legislação alemãs, o CP apenas quis adotar uma
terminologia “mais moderna” sem alterar a noção de execução do crime.
A única restrição – e essa criticável por desconforme com a restante regulamen-
tação – é a que consta da definição do instigador ou, melhor dizendo, de uma
espécie dentro da categoria dos autores morais.»15

Autores morais são no Código Penal os que determinam dolosamente


outrem à prática do facto; a determinação corresponde aqui ao conselho

15  Idem.
DA AUTORIA À CUMPLICIDADE NO CÓDIGO PENAL DE 1886 25

ou instigação sem a qual não teria sido cometido (na definição legal do
Código de 1886) e aos casos em que a determinação de outrem respeita
a executores imputáveis e culpados, bem como os casos de determinação
do executor inimputável ou não culpado (como autores mediatos).

b) Cumplicidade
A comparticipação é constituída pela participação de vários agentes
e é resultado da obra de todos os agentes, artigos 19.º e 22.º do CP.
Denomina-se cumplicidade participação secundária para acentuar a
sua menor gravidade objetiva. Não é de confundir este caráter secundário
com a acessoriedade na comparticipação criminosa, por isso que a aces-
soriedade conota – quando devidamente entendida – a interdependência
ou confluência de todas as participações na comparticipação.

i) Cumplicidade material
Nos termos do artigo 22.º do Código Penal a cumplicidade traduz-
-se num conselho ou instigação não determinantes (1.º) ou em atos de
facilitação ou preparação dispensáveis (2.º, 22.º), «auxílio material».
Adotando assim, o legislador, uma concisa definição de cumplicidade
material, mas manteve-a com clareza e através dos mesmos conceitos:
atos de preparação e atos de facilitação da execução.

ii) Cumplicidade moral


O «auxílio moral» no qual consiste a cumplicidade moral, segundo o
novo Código Penal, é o equivalente de conselho de instigação de outrem
que não constitua autoria moral, isto é, que não «determine» outrem à
prática do facto (Código Penal de 1886, artigo 22.º, n.º 1). Todos os modos
de conselho ou instigação, que não sejam determinantes da resolução
criminosa do autor material, formam o conteúdo da cumplicidade moral.
«Não é quanto ao modo de atuação que se distingue a autoria moral e a cum-
plicidade moral, mas quanto ao seu efeito; na autoria moral, verifica-se como
resultado a determinação de outrem ao crime, enquanto, na cumplicidade moral,
a perpetração do crime por outrem não é consequência necessária do auxílio
moral, que apenas “auxilia”, facilita ou fortalece a decisão do autor material16.

16  C. de Ferreira, ob. cit., pp. 360 ss.


26 BENJA SATULA

As razões invocadas para a cumplicidade material valem também quanto à


cumplicidade moral, para considerar que não é incriminável o auxílio que não
for “direto”; isto é, o auxílio tem de dirigir-se diretamente àquele ou àqueles que
realizam o crime, e, por isso, a pessoas determinadas, ainda que por interposta
pessoa. Não é cumplicidade moral a instigação ou conselho sobre atos prepara-
tivos de um crime, ou sobre a execução de facto indeterminado, como o não é
o aplauso ou a apologia do crime, depois de cometido.»17

c) Instigação

«… Na terceira proposição do artigo 26.º, distingue-se das três restantes figuras


recortadas naquele preceito, quanto ao regime de imputação do facto. O regime
da imputação do facto ao coautor afasta-se daquele que vale para o autor singular
imediato, o autor mediato e o instigador...
Desde logo, a imputação do facto ao instigador não pressupõe a prática, por este,
de qualquer ato de execução, no sentido do artigo 22.º, nem mesmo a intervenção
do instigador na fase executiva: o comportamento do instigador consiste apenas,
nos termos da lei, em “determinar” outra pessoa à prática do facto e, tal “determi-
nação” terá de preceder o início da execução do delito pelo instigado, para que o
instigador possa ser responsabilizado, pois só assim o comportamento deste último
poderá considerar-se “causa” (psíquica) da resolução criminosa do instigado.»18

Eduardo Correia refere que


A Instigação «consiste na criação ou provocação dolosa da determinação de
outrem à prática de um facto criminoso, suposto que o assim determinado o
venha efetivamente a cometer como autor responsável».
Como primeiro elemento exige-se, pois, que a instigação seja dolosa. De uma
maneira geral, confessa-se, porém, tal como vimos para a cumplicidade, ser esta
exigência mais legal do que consequência lógica e necessária do próprio conceito.
Requer-se ainda na definição que as coisas se passem de tal maneira que o ins-
tigado venha realmente a praticar, ou pelo menos a iniciar a execução do facto
como autor responsável19.
Mas sendo assim, questiona Eduardo Correia, qual será a vantagem do conceito
de instigação? Nenhuma, se bem julgamos. Tanto mais que ele não pode afinal
prescindir do conceito de autoria mediata.
Autoria moral, mediata ou intelectual. – Verifica-se sempre que alguém cause a
realização de um facto criminoso, utilizando ou fazendo atuar ou agir outrem por si.

17 Idem.
18 Maria da Conceição S. Valdágua, Do Início da Tentativa na Coautoria, 2.ª Edição,
Lex – Edições Jurídicas, Lisboa, 1993, pp. 111 a 136.
19  Eduardo Henriques da Silva Correia, Direito Criminal, Edição autorizada pelo

autor, 1953, p. 123.


DA AUTORIA À CUMPLICIDADE NO CÓDIGO PENAL DE 1886 27

Neste sentido lato, que abrange os chamados «casos de instigação», a autoria


mediata corresponde à autoria moral: o autor mediato, embora não executando
materialmente a infração, é seu autor moral ou intelectual.
Cremos que o conceito de instigação pode e deve ser abrangido pelo de autoria
mediata, moral ou intelectual, desde que a este se dê um sentido lato que abranja
todas aquelas hipóteses em que «alguém causa a realização de um crime utili-
zando ou fazendo atuar outrem por si»20.
De excluir é, todavia, no nosso direito a possibilidade de uma instigação a uma
instigação.
Efetivamente, nada há no nosso Código que positivamente o permita e, por
outro lado, a sua exclusão resulta claramente da exigência que aflora de que seja
direta a intervenção do comparticipante21 e, exigindo a lei que a intervenção do
comparticipante seja direta, deve tal possibilidade ter-se por excluída22.
Nada há no conceito de instigação que exclua a sua imputação a título de negli-
gência23.

Teresa Beleza entende que


A instigação é ainda uma forma de participação, na medida em que quem instiga
determina outrem à prática de um crime, mas é esse outrem depois que fica,
digamos assim, com o processo nas suas mãos: o instigado «solta-se» do insti-
gador, e vai com a sua decisão adiante, e o instigador já não tem em princípio
controlo sobre essa decisão que levou outra a tomar. E daí pareça ser mais correto
considerar que a instigação ainda é uma forma de participação num crime alheio,
e não uma forma de autoria24.
E, para além disso, o facto de o artigo 20.º considerar que os instigadores são
autores, pode ser entendido como apenas querendo dizer que os instigadores são
punidos com a mesma medida da pena que são os autores. A questão da medida
da pena não parece que altere a definição correta da situação.
A instigação, como uma das formas de participação, quer dizer fundamentalmente
a determinação dolosa de outrem à prática de um crime: uma pessoa convence
(de qualquer forma que não exclua a responsabilidade do convencido) outra a
praticar um crime.
Por outro lado, a instigação é necessariamente dolosa, isto é, se uma pessoa, sem
o saber, convence outra a praticar um crime, fazendo certo tipo de insinuação ou
de referências que levam uma pessoa a decidir-se a cometer um crime isso não

20  Idem, pp. 252.


21  Eduardo Henriques Correia, Direito criminal, edição autorizada do autor, 1953,
pp. 158 a 159.
22  Idem, p. 259.
23  Idem.
24  Teresa Beleza, ob. cit., Lisboa, 1995, p. 459.
28 BENJA SATULA

entra de forma nenhuma na instigação, porque a instigação é necessariamente


uma figura dolosa.

Germano Marques da Silva


São autores morais ou instigadores – quem, dolosamente, determinar outra
pessoa à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução – e
os autores mediatos – quem executa o facto por intermédio de outrem.
No que respeita à instigação, quem tem domínio do facto é o instigado, que por
isso é autor, mas o instigador tem de ser a causa necessária da decisão do insti-
gado em cometer o crime. «O instigador tem, para o ser, de agir com a vontade
de determinar o agente imediato à prática do facto e de prever as concretas
condições de realização deste, o apelo ao domínio do facto servirá só para dar
a exigível tradução, no plano subjetivo, daquela causalidade que objetivamente
carateriza a instigação.»25
Instigador é aquele que, dolosamente, determina outra pessoa à prática do facto.
A lei não qualifica como instigador, mas é a denominação corrente, quando se
pretende distinguir dentre os autores morais o autor mediato, como parece dever
fazer-se face à nossa lei.
Para a nossa lei […] o instigador é quem, dolosamente, determina outra pessoa
à prática do facto, desde que haja execução ou começo de execução.
Na instigação o agente determina outra pessoa à prática do crime, o que acontece
quando alguém consegue criar em outra pessoa a decisão firme de querer praticar
o crime. A determinação de outrem à prática do crime tem de ser concretamente
limitada, podendo ultrapassar a unidade, mas não podendo ser geral e abstrata,
tem de se referir a atos criminosos determinados.
A instigação, como se disse já, tem de ser dolosa, devendo o dolo do instigador
envolver a determinação da resolução da prática do facto e ainda envolver a sua
execução por parte do instigado, que será o autor26.
No que respeita à instigação, a dolosa determinação de outra pessoa à prática
do facto, na expressão do artigo 26.º do Código Penal, deve ser direta, isto é,
deve haver uma relação pessoal entre o instigador e o instigado, no sentido de
que o instigador deve ser a causa da formação da vontade do instigado em pra-
ticar o crime, embora essa relação se possa estabelecer através de um ou mais
intermediários27.
Desde logo, o caráter direto da instigação não afasta a transmissão de um recado
para que o crime seja cometido.

25  Germano Marques da Silva, ob. cit., 2005, pp. 307 ss.


26  Idem, p. 311.
27  Idem, p. 310.
DA AUTORIA À CUMPLICIDADE NO CÓDIGO PENAL DE 1886 29

Na comissão de revisão, o Conselheiro Maia Gonçalves pôs reservas ao projeto


«porque lhe não pareceu justificada a restrição que contém na exigência de que a
determinação seja direta», mas a objeção foi rejeitada por maioria da Comissão,
tendo o autor explicitado que a razão da exigência de que a exigência fosse direta
visava proibir a instigação à instigação, mas esclarecendo que o «diretamente»
é uma fórmula cujo exato preenchimento devia ser deixado à jurisprudência e à
doutrina, não as vinculando exageradamente28.

Também nos parece que a instigação e a autoria mediata têm de ser


diretas, mas importa esclarecer o que deve entender-se por instigação e
autoria mediata diretas.
Lê-se na ata da Comissão29 que, excetuando o Conselheiro Maia
Gonçalves, houve unanimidade quanto a inclusão do diretamente.
«O diretamente é uma fórmula cujo exato preenchimento deve ser
deixado à jurisprudência e à doutrina, não as vinculando exageradamente
[…].»30 É este entendimento doutrinal que constitui o âmago da questão.
Chegados até aqui impõe-se que se esclareça alguns pontos diver-
gentes da doutrina.
A primeira é a de discordarmos com Eduardo Correia ao afirmar
que é possível uma instigação por negligência por esta configurar uma
espécie do género autor moral.
Desta forma é nossa também a opinião perfilhada pelos defensores
da teoria restritiva de autor – o instigador é participante, se preferirmos
participante secundário.
Sendo o instituto da instigação exclusiva e necessariamente dolosa.
Entenda-se que se pretendeu com isto sedimentar a doutrina que subjaz
ao artigo 26.º do Código Penal Português, pois a comissão do crime pelo
autor reveste quer a forma dolosa quer a negligente, defendendo-se a
conceção extensiva outra não seria a posição senão afirmar que sendo
o instigador autor, logo, suscetível de cometer crimes por negligência.
Um raciocínio lógico mas pouco feliz por motivos já supra expostos31.

28  Germano Marques da Silva, ob. cit., p. 309.


29  BMJ n.º 144, pp. 39 a 46.
30  Idem, p. 44.
31  Foi também esta a conclusão a que a Comissão revisora chegou e Eduardo Correia,

apesar de não ser a sua posição, também consentiu ao afirmar «quanto a exigir-se que
determinação seja dolosa, parece, com isto, ir-se ao encontro da melhor doutrina: não
porque, como querem alguns, seja impensável uma determinação por negligência»; in
BMJ n.º 144, p. 44.
30 BENJA SATULA

A segunda, complexa e divergente, é o entendimento que se deve


extrair relativamente à instigação direta.
A doutrina e a jurisprudência são unânimes quanto à instigação ser
direta ou determinada, todavia, o conteúdo e o âmbito desta determinação
é a fonte de toda a discordância.
A Comissão revisora excluiu a instigação à instigação no ordenamento
português. Sem prejuízo da transmissão de um recado. Aqui surge uma
questão fundamental. Que tratamento jurídico-penal fica reservado ao
núncio? Conhecendo o conteúdo do recado fica isento de responsabilidade
penal ou exime de responsabilidade o autor do recado? E se ao invés de
um recado for uma ordem, quid juris?
Como resulta da ata cabe à jurisprudência e à doutrina explicitar a
questão.
Simas Santos e Leal Henriques32 citam a propósito o Ministério Público
do Porto: «mas parece que não foi a intenção do legislador consagrar
essa possibilidade, pois seria ir longe demais no alargamento em que a
punição da autoria moral se traduz».
Parece-nos pouco consistente está afirmação para refutar a instigação
à instigação, porque não sendo o instigador um verdadeiro autor ele tem
um regime sancionatório mas moderado do que do autor propriamente
dito pelo simples facto deste ser punido por negligência e aquele não.
A punibilidade da instigação à instigação permite uma responsabilização
mais realista e eficaz.
Quanto às questões supra expostas somos da opinião que o núncio seja
responsabilizado desde que conheça o conteúdo do recado, logo sendo
admissível a prática de um crime por intermédio de um recado, quanto
mais não seja o cumprimento ou transmissão de uma ordem.
Para os defensores da não punibilidade da instigação à instigação,
a instigação exige uma imediatividade entre aquele que instiga e o que
executa o facto criminoso. Só nessas circunstâncias se poderia afirmar
que alguém determina outrem à prática de um crime. Sempre que sur-
gisse de permeio uma terceira pessoa, não poderia dizer-se que a vontade
dos autores materiais do crime tivesse sido determinada pelo instigador
inicial, mas sim pelo segundo instigado.

32  Simas Santos e Leal Henriques, Código Penal Anotado, I Volume, Editora Rei

dos Livros, Lisboa, 2002.


DA AUTORIA À CUMPLICIDADE NO CÓDIGO PENAL DE 1886 31

«… o instigador que utiliza um intermediário para determinar o autor


material não pratica um comportamento típico, sendo que, se não levanta
qualquer obstáculo quanto à punibilidade do mensageiro.
A punição da instigação à instigação seria uma dilação excessiva do
âmbito de punição da instigação, não contida no espírito legislativo.»33
Para Cavaleiro de Ferreira, «a determinação direta é a instigação de
pessoas determinadas, por confronto com o tipo incriminador da instigação
pública a um crime […], que não é dirigida a ninguém concretamente
visado, cabendo no artigo 26.º, quarta proposição, a determinação por
intermediário»34.
«[…] Nos casos em que não é estabelecida uma relação imediata
entre o mandante do crime e os executores do facto, são puníveis como
instigadores quer aquele que solicita a sua pratica quer aquele que esta-
belece o contacto com o autor.
O que é decisivo é que se possa ainda afirmar que a vontade dos
autores materiais é determinada pelo instigador inicial.
[…] O que importa é que se consiga estabelecer um nexo causal entre
a ação do instigador inicial (determinação) e a ação do autor material
(prática do facto).»35
Catarina Sá Gomes entende que ao «retirar a expressão “diretamente”,
o legislador quis deixar caminho livre para a punição da instigação indireta
ou para a coinstigação. É que, continua ela, ao não se entender assim, se
teria consagrado uma solução injusta, já que, no caso concreto, aquele
que arquitetou todo o plano, que no fundo determinou a vontade dos
autores materiais, sairia impune, sendo todos os outros autores punidos»36.
Germano Marques afirma «no que respeita à instigação, a dolosa deter-
minação de outra pessoa à prática do facto, na expressão do artigo 26.º (do
Código Penal Português), deve ser direta, isto é, deve haver uma relação
pessoal entre o instigador e o instigado em praticar o crime, embora essa
relação possa estabelecer-se através de um ou vários intermediários»37.
Neste diapasão afirma Helena Morão que «[…] o homem-de-trás, ao
contactar o mensageiro e ao transmitir-lhe um recado a comunicar ao
destinatário, cria um risco proibido de nascimento e execução de uma
33  BMJ n.º 144, p. 44.
34  Cavaleiro de Ferreira, ob. cit., p. 370.
35  AA.VV., 2004, 396.
36  Idem, pp. 395 a 399.
37  Germano Marques, A Responsabilidade Penal dos Administradores e Represen-

tantes das Sociedades, edição policopiada, 2006, pp. 60/61.


32 BENJA SATULA

decisão criminosa por parte desse mesmo destinatário e, desse modo,


um risco indireto de lesão ou perigo de lesão do bem jurídico protegido.
A sua atuação enquadra-se, assim, na previsão do último segmento
normativo do artigo 26.º, em atenção ao fundamento da ilicitude do
comportamento instigador nele plasmado, uma vez que a razão da puni-
ção do instigador direto se estende também à instigação indireta, e aos
princípios do sistema jurídico-penal português.
O elo transmissor ao cooperar com o homem-de-trás, promove o risco
de nascimento e execução da decisão criminosa criado por este, pelo que,
vindo realmente a materializar-se um tal risco, aumenta indiretamente o
risco de lesão ou perigo de lesão do bem jurídico tutelado.»38
Mas num segundo nível, ao promover o risco criado pelo instigador
através do exercício da influência psíquica sobre o autor, o seu contributo
participativo possibilita a resolução e a realização do facto por parte do
instigado, apresentando-se, assim, o mensageiro como cúmplice moral
(indireto) do autor principal.
A instigação à instigação cabe no âmbito de proteção da norma sobre
punibilidade dos autores do Código Penal, daí que, sempre que as cir-
cunstâncias concretas o determinem, devem ser punidos todos aqueles
que na cadeia de instigação tenham dado um contributo idóneo suscetível
de imputação objetiva no impulso para a materialização da resolução
criminosa e início de execução por parte do autor principal.

3. Conclusão
É nosso entendimento que em homenagem ao princípio da unidade
jurídica e nos termos da hermenêutica jurídica, o intérprete deve presumir
que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir
o seu pensamento em termos adequados e interpretar de acordo com o
espírito do sistema.
A exigência da imediatividade entre o instigador e o instigado cons-
tituiria um rombo de vulto na interpretação do disposto no artigo 26.º
do Código Penal Português (sendo certo que é aplicável de forma mais
nítida ao artigo 20.º do CP): «… e ainda quem, dolosamente, determinar
outra pessoa à prática de um facto, desde que haja execução ou começo
de execução». Parece-nos que deve ser exigido única e simplesmente
que o facto típico praticado pelo autor seja, ipis verbis, aquele a que o

38  Helena Morão, 2006, pp. 224 a 226.


DA AUTORIA À CUMPLICIDADE NO CÓDIGO PENAL DE 1886 33

instigador primário pretendeu que se praticasse e não um mero contacto


pessoal e verbal.
Tal como se diz o entendimento do «diretamente» que o legislador
«deixou no ar» não se reduz, como já o afirmamos, num contacto pessoal
e verbal, antes na intenção clara, idónea e necessária de pretender formar
aquela convicção e resultado e que sejam dirigidas a pessoas determinadas
independentemente do veículo utilizado. Todos os intervenientes devem
ser responsabilizados, desde que isso resulte do critério de razoabilidade.
O critério de determinabilidade do autor mediato e a consequente
existência do executor material estão claramente definidos e neles não
cabem a condição de punibilidade e de ilicitude do instigador.
Contudo, discordamos que a punibilidade seja eventual ou seja a título
de cúmplice do autor. Porque qualquer classificação, que se queira efetuar,
não passará de «mera questão terminológica que não altera o conteúdo
substancial» uma vez que eles devem ser sempre punidos, apurados que
forem o grau de participação e de culpabilidade na formação do dolo do
autor do facto. Adotando assim o critério amplo de instigação à instiga-
ção, que cabe na parte final do artigo 26.º do Código Penal Português e
no artigo 20.º, n.º 4, do CP.
Exigir-se-á, in concretus, apenas e tão-só que «o desvalor da ação
instigadora dever-se-á projetar num duplo resultado, a aferir em função
de um duplo nexo de imputação objetiva no campo da instigação: não só
a resolução criminosa do instigado terá de consubstanciar uma concre-
tização da esfera de risco criada pelo instigador, como a própria prática
de atos de execução terá de representar e materializar esse risco»39.
Porque quer o homem-de-trás quer o intermediário criam «um risco
proibido de nascimento e execução de uma decisão criminosa que se
materializa numa resolução e início de execução por parte do autor prin-
cipal, concretizado, desse modo, um ataque acessório ao bem jurídico
tutelado»40.
A instigação à instigação cabe no âmbito de proteção da norma do
Código Penal, daí que, sempre que as circunstâncias concretas o deter-
minem, devem ser punidos todos aqueles que na cadeia de instigação
tenham dado um contributo idóneo suscetível de imputação objetiva no
impulso para a materialização da resolução criminosa e início de execução
por parte do autor principal.

39  Helena Morão, 2006, pp. 224 a 226.


40  Helena Morão, ob. cit.

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