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DIREITO PENAL II
Aulas Teórico-Práticas
Ainda assim, para se aferir que um é cúmplice e outro é o autor, tem de haver um
critério: Materialmente, também há uma diferença entre autor e cúmplice e a
diferença tem uma relevância prática, pois há uma diferença em termos de punição,
que vem espelhada nos art. 24.º e 27.º CP. A cumplicidade, dogmaticamente, é uma
circunstância modificativa atenuante da moldura da pena e, portanto, torna-se
bastante relevante saber a que título actua a pessoa, pois a pena que lhe caberá será
diferente, nos termos do art.27.º e 74.ºCP.
Entre o autor e o cúmplice há uma terceira figura cujo seu enquadramento na autoria
ou não é muito questionado pela doutrina e pela jurisprudência: A figura da
instigação. Saber se está é ou não uma forma de autoria ou se é apenas forma de
participar em facto alheio tem gerado alguma discussão doutrinal e alguns problemas
jurisprudenciais porque, por exemplo, no ordenamento jurídico alemão, a distinção
que se faz é entre autoria e participação, isto é, para alguém ser responsabilizado
pela prática do crime tem de ser uma de duas coisas: ou é autor, ou é participante
de facto alheio. Dentro da participação estes ainda distinguem entre cumplicidade e
instigação e estas seriam as duas formas de participação no facto de outrem.
A primeira ideia é a de que autor é aquele que executa a conduta prevista no tipo
legal e que a realiza. Todos sabemos que os tipos legais estão previstos na parte
especial do Código Penal ou em legislação extravagante. Esta ideia foi defendida por
aquilo que se consagrou como teoria formal objetiva e serve como ponto de partida
e como limite obrigatório, porque é aquela que respeita da melhor forma o Princípio
da Legalidade Criminal. Assim, é pois, só se pode punir como autor quem, com a sua
actuação, executa o facto típico. Contudo, esta teoria, por si só, não nos dá um
critério material. Assim, fica-se sem saber o que significa executar o facto e é esse
critério material que se procura no âmbito das chamadas teorias materiais objetivas,
que procuram dar um critério material para se distinguir autor de cúmplice.
Uma das mais representativas, desde logo, entre nós, foi defendida por Eduardo
Correia (autor do anteprojeto português), foi a Teoria Material assente na ideia
de Causalidade. Para este autor, autor era quem tivesse dado causa à realização do
facto, ou seja, quem contribui causalmente para a realização típica/do facto. Sendo
este um grande defensor da teoria da causalidade adequada, para o professor, autor é
quem contribui causalmente para a realização criminosa. Ainda assim, devemos
distinguir o tipo de contributo que cada autor na realização do facto, conduzindo
assim esta teoria àquilo que se chama de conceito extensivo ou unitário de autoria,
que abrange, no fundo, instigador, autor mediato e cúmplice. Todavia, os autores
que defendem esta concepção veem-se obrigados a distinguir o diferente contributo
causal dos intervenientes, porque uma coisa é o facto depender da actuação de
determinado agente e outra coisa é apenas depender do agente as circunstâncias em
que o facto se irá realizar. Assim, distingue-se entre autor verdadeiro (ou autor em
sentido estrito) de autor em sentido amplo, ou participante.
Teríamos autor em sentido estrito, se e onde pudesse afirmar-se que o acto não teria
sido cometido sem a sua actuação, ou seja, a sua actuação é necessária de um ponto
de vista causal para que o facto se dê; e o autor em sentido amplo seria aquele em
que sem a sua actuação, o facto teria acontecido, apenas não teria acontecido do
mesmo modo/ da mesma forma/nas mesmas circunstâncias. No fundo, da sua
actuação depende não o acontecimento do crime, mas as circunstâncias em que o
crime se dá.
Todavia, esta teoria acaba por ser objeto de algumas críticas, sendo estas, em
primeiro lugar, no sentido de que, muitas vezes, torna-se difícil decidir se um
contributo foi ou não necessário para a realização de uma conduta criminosa. O Prof.
Figueiredo Dias, dá o exemplo “do farmacêutico que recebe uma senhora grávida,
que pretende abortar fora das condições legais, e se dirige a ele para obter o
medicamento e este, representando a possibilidade do fim, vende o medicamento”.
Este farmacêutico, é autor em sentido amplo ou autor em sentido estrito? Aplicando
esta teoria, teremos de saber se dele dependeu o acontecimento do crime ou apenas o
modo e, provavelmente, concluir-se-à que esta teoria não é segura. A ideia de
contributo necessário para a realização criminosa para fazer depender a distinção de
autor e cúmplice não é linear, nem segura, pelo que a crítica é feita no sentido da
dificuldade de determinação (por alguma razão a teoria da “condictio sine qua non”
não é a teoria seguida). O conceito da causalidade, para os cientistas não existe, pois
não é possível determinar com 100% de certeza, porém, não nos poderemos guiar
pelas directivas cientificas, caso contrário, a nossa área nunca vingaria.
“Se A paga 50.000,00 Kz a B para este matar C, A apenas deu o dinheiro, estando
apenas em contacto com a vítima B” – o que causa a morte é o disparo executado por
B e diz o prof. Figueiredo Dias que, muitas vezes, não é necessário qualificar o
contributo da realização do facto como necessário para se punir alguém como autor.
Assim, a segunda reserva é que possa acontecer que, nem o autor tenha de dar um
contributo necessário ao crime, e o participante pode ser participante apesar de ter
realizado o crime; isto é, nem o autor, para ser qualificado como tal, tem de ter um
contributo puramente causal, nem aquele que o tem, tem necessariamente de ser
qualificado como autor. Por isso, foram surgindo, outros critérios para delimitar a
sútria e definir quem é autor. Outro critério que também não convence é o assente
nas chamadas Teorias Subjetivas, que nos dizem que autor, seria aquele que actua
com uma vontade mais intensa e, portanto, com vontade de autor (animus auctoris).
Assim, se a pessoa se limita a colaborar num facto que não toma como seu, (facto de
outrem) actua sem animus autoris e será cúmplice. Imediatamente se critica, que
não pode ser o sentimento pessoal do agente que define se estamos perante um autor
ou um cúmplice. Por outro lado, ao remeter-se exclusivamente para o lado
subjetivo/vontade, estamos a aproximar o conceito de autoria a um conceito de
culpa, consoante o facto surgisse como mais ou menos censurado.
O caso “STACHYNSKY, foi decidido por um Tibunal alemão e esta pessoa era um
espião soviético que estava na Alemanha e que, por ordem da União Soviética,
executou dois opositores do regime soviético que estavam na Alemanha”. Este agente
cumpriu a ordem que recebeu, matou os dois opositores e foi submetido a julgamento,
tendo sido punido, à luz da teoria subjetiva, como participante, pois não via o facto
como seu, apenas o tomou como ordem alheia. O tribunal considerou ter sido mero
cúmplice, porque a posição juridicamente mais censurável era daquele que lhe havia
dado a ordem para matar e como executor, não tinha vontade de autor, apenas de
cúmplice.
Séria está uma solução materialmente mais justa? A partir deste caso gerou-se
uma discussão intensa na doutrina alemã e surge a teoria dominante, a teoria do
domínio do facto. Trata-se da teoria dominante na maioria dos ordenamentos
jurídicos e em Angola o legislador tomou essa posicação. O autor que mais
desenvolveu esta teoria foi CLAUS ROXIN, postulada num livro de 1963, que se
tornou numa marca importante. Trata-se de um critério que defende uma concepção
restrita de autor. Esta teoria diz respeito a uma concepção restritiva de autor por
oposição à teoria da causalidade (defendida por Eduardo Correia). Assim, autor será
quem domina o facto e dele “é senhor”, tomando o facto nas suas mãos, de tal modo
que dele depende se e como o crime vai acontecer. No fundo, será autor a figura
central do acontecimento. Dessa forma, esta teoria combina elementos objectivos e
subjectivos, ou seja, autor é aquele que tem vontade de autor e tem o domínio sobre a
execução. O domínio do facto, pode concretizar-se em várias modalidades.
Podemos ter o domínio do facto por dominar a ação – exemplo:
Outro caso é o da co-autoria, onde cada um deles domina uma parte do facto, que
será depois fundamental para que o crime se realize. Aqui o domínio do facto realiza-
se pelo domínio funcional ou condomínio do facto. Para o prof. Claus Roxin, alguém
só pode ser autor se domina a acção, se domina a vontade do executante ou quem
tenha o domínio funcional do facto, sendo essas as modalidades de autoria possíveis:
autoria imediata, mediata e co-autoria. O ordenamento jurídico Angolano e
Português adoptaram a modalidade do domínio funcional, mas foram mais além. O
Prof. Eduardo Correia afirmava que o que está no art. 26.º CPPt resulta de uma
negociação na comissão, havendo uma certa transação, não ficando no código um
conceito amplo de autoria, nem um conceito restrito. É assim, porque no nosso
código há uma quarta modalidade – instigação. “Quando A paga 50.000,00 Kz a B
para matar C, aqui não há o domínio da vontade do executante, mas A domina a
decisão de B de cometer o crime, o que é uma forma, em certa medida, de dominar o
acontecimento vendo o art.26.º CPPt e 24.º do CPA, é punido como autor”:
1) Modalidade: “quem executar o facto por si mesmo” – Autoria
imediata;
2) Modalidade: “ou por intermédio de outrem” - Autoria mediata;
3) Modalidade: “ou tomar parte direta na sua execução, por acordo ou
juntamente com outro ou outros” – co-autoria e;
4) Modalidade: “quem, dolosamente, determinar outra pessoa à prática
do facto”-instigação ou seja, o art.24.º, no fundo, concretiza as 4
modalidades de domínio do facto.
Na autoria mediata, alguém se serve de outra pessoa para cometer um crime, mas o
que significa servir-se de outra pessoa para realizar o facto? Servir-se de outra pessoa
significa que quem executa o facto é outra pessoa, portanto, neste exemplo,
relativamente ao crime de ofensa à integridade física, teríamos autoria imediata
porque o agente exerce o domínio da acção e não domina a vontade do executante.
Quando ele agarra noutra pessoa que usa como objeto, está a executar a ação inerente
à violação à integridade física. O que é então a autoria mediata? Esta prevista na
segunda parte do art.24.º do CP e distingue-se da autoria imediata porque, nesta, o
autor executa o facto por si mesmo, enquanto na autoria mediata, ele executa o facto
por intermédio de outrem.
O homem da frente é alguém que actua de forma que não é penalmente responsável, o
executante ou instrumento não é penalmente responsável, actua sem culpa dolosa. O
homem de trás domina a vontade do homem da frente e quando o homem da frente
actuar de forma puramente responsável, não há autoria mediata – Princípio da auto-
responsabilidade. Se este actua com culpa dolosa (representar que está a cometer um
crime, conformar-se com a possibilidade e querer actuar em desacordo com o direito)
então não está a ser instrumentalizado e não está a ser dominada a sua vontade. O que
delimita a autoria mediata não é o comportamento do homem de trás, mas a
qualificação do homem da frente, relativamente à sua actuação (sem culpa dolosa ou
com culpa dolosa).
Quando o homem da frente actua sem saber o que está a fazer, então há autoria
mediata. É como se, em vez de disparar a arma, servisse-se de alguém para disparar,
mas comandado pelo autor mediato. Neste caso, a autoria é imediata porque o
instrumento não chega a realizar qualquer acção jurídico-penal (descrita no tipo
legal do crime de ofensa à integridade física, ex vi, art.159.º CP).
Do ponto de vista de E, o acto nem pode ser doloso, pois não existe tipo legal, o que
significa que D se usa de uma pessoa (para esta cometer um ato atípico) para ser autor
de um crime, pelo que o homem de trás será considerado autor mediato. A é punido,
mas não tendo sido ele a executar a acção, é autor mediato.
Nos casos em que a vítima realiza um acto atípico, atuando em erro explorado pelo
homem de trás, haverá autoria mediata. Este erro não exclui o dolo do tipo, não é um
erro sobre a factualidade típica, pois não há tipo. O erro sobre a factualidade típica é
aquele em que a pessoa incorre desconhecendo determinadas circunstâncias que
preenchem o tipo, mas aqui não há tipo e não se pode excluir um erro que não está
preenchido relativamente àquela pessoa. Embora o suicídio seja um acto atípico, não
punido por lei, devemos considerar que A instrumentalizou B, dominando o facto e,
por isso, cometendo um homicídio, nos termos do art. 147.º e 24.º segunda
modalidade – autoria mediata.
Assim, está ou não verificada a exigência que o instrumento atue de forma que não é
plenamente responsável? Sim, este é o exemplo clássico da autoria mediate, pois o
homem da frente atua sem dolo, logo, o homem de trás domina a vontade do
executante, sendo ele autor mediato.
Nota: podemos ter autoria mediata e, não obstante, o homem da frente ser punido
criminalmente, mas será sempre punição a título negligente, mediante violação de
dever de cuidado, de onde surge um resultado típico e, mais importante, que o tipo
legal de crime preveja a punição a título negligente. F seria auto mediato de um crime
de homicídio doloso, nos termos do art.147.º e 24.º, segunda modalidade.
Nos casos em que o instrumento actue tipicamente, mas haja uma exclusão do dolo da
culpa ou haja causa de exclusão da ilicitude, o homem de trás deve qualificar-se como
autor mediato. Há um artigo no código que diz que quando o agente sabe que está a
cumprir uma ordem ilícita, cessa o dever de a cumprir e não há causa de justificação.
Neste caso, há uma hierarquia, uma relação de supra-infra ordenação entre uma
ordem dada pelo juiz e uma ordem recebida pelo polícia e o Dr. Nuno Brandão,
defende que quando se obedece a uma ordem emanada por uma autoridade de direito,
deve haver causa de exclusão da ilicitude, emanada pelo art.177.º da CR. Certo é que
o homem da frente actua sem culpa dolosa, de forma não responsável. Significa que o
juiz é autor mediato do crime de sequestro, previsto e punido pelo art.174.º do CP.
Iremos falar num caso a propósito do art.26.º- A pai, diz ao filho B, de 12 anos de
idade para levar a carrinha para casa e depararam-se com uma operação de stop.
Pode o pai ser punido pelo crime de condução sem habilitação legal? O problema
aqui, é que é um típico específico e essa qualidade verifica-se na criança e não no pai
e para punirmos como autor mediato, tem de haver fundamento legal que nos diga que
em situações de comparticipação, basta que um tenha a qualidade para que o outro
seja punido e há essa norma: art.26.º, que permite a comunicabilidade na
comparticipação.
Não há dúvidas que haja comparticipação porque a criança realiza um acto típico e
ilícito e para que haja comparticipação, estes elementos têm de estar presentes. Pode-
se questionar, quando o acto é atípico para um dos agentes, se a autoria será mediata
ou imediata, porem, será sempre punido, seja a que nível de autoria for. Sempre que o
homem de trás se serve de alguém que actua sem saber o que está a fazer, dizemos
que o homem de trás é autor mediato-Principio da auto-responsabilidade.
Há casos especiais em que a doutrina, Roxin, diz que não obstante o homem da frente
atuar dolosamente, considera-se o de trás autor mediato, porque se assim não fosse,
estaríamos perante uma lacuna de oponibilidade. O Prof. Claus Roxin é um autor
alemão e escreve por referência à sua Ordem Jurídica, sendo que a instigação não é
punida como forma de autoria, mas sim de participação. Diz Roxin que há casos
especais em que, apesar de haver actuação dolosa por parte do homem da frente,
admite-se a autoria mediata do homem de trás, porque este tem tanto ou mais domínio
de facto do que o da frente.
Os casos são dois: erro sobre o sentido concreto da acção e aparelhos organizados de
poder ou domínio da organização. Quanto ao primeiro tipo de situações, vejamos o
exemplo: A e B são enfermeiras e A, sabendo que B pretende ofender a integridade
física de C, sendo uma das maneiras dar-lhe uma injeção inócua que ele não precisa.
A contagia a seringa com um vírus, mas não sabia. Na verdade, o que B pensa que
está a fazer é uma ofensa à integridade física simples mas, objetivamente, o que ela
realizou foi ofensa à integridade física grave.
O que domina sabe que está a matar, o executante actua dolosamente. Então, a cabeça
da organização é considerada ter o domínio de facto e sem a ordem dele, não havia
execução do crime, concluindo, que serão casos excepcionais em que deixamos cair o
Princípio da auto responsabilidade e punimos o que domina a organização como autor
mediato. Há três notas que têm de estar presentes para termos figura organizada de
poder:
3º tem de tratar-se de uma organização que atua fora do quadro da Ordem Jurídica. O
soldado que executa a ordem do seu comandate no sentido de eliminar os judeus,
atua dolosamente, mas e o comandante? Se dissermos que não pode haver autor atrás
de autor, punimos o executante como autor e o que deu a ordem como participante,
mas para Roxin é errado e há uma lacuna. Esta figura é uma figura em que a sua
capacidade e discussão não está determinada, discute-se se pode ou ter aplicabilidade
e tem vindo a ser aplicada do tribunal internacional penal.
Tem-se discutido se aquele que domina a empresa pode ser responsabilizado por
crimes da organização, porém, a estrutura rígida de uma máfia não é a mesma de uma
estrutura de organizações e falta, não só a caraterística das empresas atuarem dentro
da Ordem Jurídica, como também a caraterística de haver hierarquização rígida.
Na perspetiva portuguesa, esta figura não coloca os mesmos problemas porque por
Figueiredo Dias, ou o que tem o domínio da organização sabe e representa-o e
punimo-lo como instigador-autor, pois se determina outrem à prática do crime, não
precisamos de alargar o conceito de autoria mediata. A doutrina maioritária não prevê
a instigação como autoria, pois continuam a seguir o que diz a doutrina germânica, tal
como o tribunal internacional penal – Autor Kai Ambos.
Caso Prático:
Ainda assim, se B e C não tivessem ajudado A, D não teria ficado indefeso e A não
teria conseguido apropriar-se da carteira de D. Ainda que a teoria da conditio sine qua
non possa ser invocada, não há da parte dos dois outros, a dimensão subjetiva do
furto, que é um crime doloso, pois não representaram o excesso do co-autor.
Co-autoria – está prevista na terceira alternativa do art. 26.º n.º1 CP. Uma decisão
conjunta e execução comuna são os elementos para que haja co-autoria, sendo
elemento subjetivo e objetivo, respetivamente. É o elemento objetivo que permite
dizer que há domínio funcional do facto, pois na co-autoria, o domínio do facto dá-se
na forma funcional do facto, ambos executam o seu contributo e em conjunto têm o
condomínio do facto. Exige-se decisão conjunta porque se a co-autoria fosse só na
parte subjetiva, quem agarra não está a executar o crime de integridade física e é essa
decisão conjunta que nos deixa imputar a todos a totalidade do facto.
Assim, a razão de ser deste elemento é: elemento necessário pois só através dele se
justifica que cada um dos comparticipantes responda pela totalidade e não apenas por
uma parte da execução. Cada um dos comparticipantes, neste caso, co-autores, é
punido na totalidade porque decidiu conjuntamente. Esta decisão conjunta não tem de
ser necessariamente expressa, tem de ser conjunta no sentido de se ver o facto como
seu, não é meramente acordar/dar acordo para a realização do facto de outrem
simplesmente. Se toma o facto como seu e participação na execução é co-autor, mas
se contribui para facto alheio, é cúmplice. Na co-autoria, todos os co-autores vêm o
facto como seu e o cúmplice vê o facto como alheio, sendo um acordo menos intenso
do que o dos co-autores. Esta decisão não tem de ser expressa/formal, pode ser um
acordo implícito, apenas tem de se provar que houve um acordo entre os agentes.
Quanto à execução conjunta, para alguém ser punido como co-autor, a lei exige que
tome parte direta na execução. Não é necessário que os co-autores praticam um ato
típico, mas que tenham intervenção já depois de iniciada a execução. Só se cada um
dos elementos tomar parte na execução é que se poderá dizer que há domínio
funcional. Podemos punir uma pessoa que engendra um plano e vende o plano para
que outros assaltem o banco? Co-autor não será, pois não tem parte direta na
execução, apenas deu a “arma do crime” e, quanto muito, será cúmplice.
Para punir co-autores, quer por crime consumado, quer tentativa, têm de ter
intervenção na execução.
No nosso caso era importante atender à alínea b) do art.o 150.º . Estas alíneas estão
ligadas a uma especial censurabilidade ou perversidade e há uma culpa agravada do
agente, mostrada através da prática do facto. Em situações de comparticipação, tal é
muito importante. Tínhamos uma esposa que, com a colaboração do amante, mata o
seu marido e nada impede, relativamente a ela, que seja punida por homicídio
qualificado e relativamente a ele, seja punido por homicídio simples. Apenas
poderíamos punir o amante por homicídio qualificado se também ele couber numa das
alíneas, se na base houver esta especial culpa ou censurabilidade. A perspetiva certa é
a de ler o homicídio qualificado do ponto de vista da especial censurabilidade, sendo
esta a perspetiva de Figueiredo Dias, mas já não a da escola de Lisboa. Ver
comentário conimbricense.
Pela leitura do artigo parece que a lei integra a instigação na autoria, todavia,
devemos dizer que cabe no art.24.º a figura da instigação-autoria, isto é, é autor
que tem domínio do facto porque produz, fabrica e cria noutra pessoa a decisão de
cometer o crime. Apenas podemos dizer que a pessoa foi instigadora-autora quando,
de facto, houve esse domínio da decisão de cometer o crime por parte de outrem, este
tem de ter o domínio do facto sob a forma de cometer a decisão sobre o exercício do
crime.
Não são autoria os casos em que o agente se limita a sugerir ou favorecer uma decisão
que já tinha sido pensada pelo agente, ficando, desta forma, fora do art.24.º Assim,
temos aqui duas figuras, e devemos distinguir a chamada instigação-autoria da
chamada instigação-indução. Os actos podem ser de verdadeira autoria (instigação-
autoria) e atos de indução ou auxílio moral e estes cabem na cumplicidade, art.25.º Só
cabe no art.24.º quem tem o domínio do facto, aquele que, no fundo, desde logo, pode
a todo o tempo revogar e impedir a prática do crime. É claro que determinar alguém à
prática do crime é sempre um processo psicológico, para isso é preciso que essa
pessoa manifeste a decisão e pratique atos, e isso vem explicito na parte final do
art.24.º. Por outro lado, na chamada instigação-indução estão em causa actos de
reforço e não basta, para ser autor, que o agente se limite a influenciar.
Para Eduardo Correia, o conceito de autoria é muito mais amplo, todo o que dá um
contributo para a realização do facto é autor e, de certa forma, a consagração da
instigação é uma victória do Dr. Figueiredo Dias, porém, não venceu quanto à
cumplicidade, que saiu deste artigo.
Quanto ao elemento subjetivo da instigação, esta tem de ser dolosa para que seja
punida. Tem de ser uma determinação dolosa de outrem à prática de um crime, pelo
que não há instigação negligente. Tem ainda que representar o facto concreto que o
instigado vai cometer, sendo assim um duplo dolo, de determinação e do ilícito que o
instigado irá cometer. E se a atuação do instigado for para além do dolo do
instigador? Poderia ser o excesso imputado ao instigador? Não, cada um é punido
segundo a sua apropria culpa, o que significa que só se pode punir o instigador pelo
excesso do instigado, se se puder imputar o excesso a título de dolo ou negligência ao
instigador.
Há ainda outra figura que se põe a propósito da instigação, o agente provocador, que
surge ligada à investigação criminal. Como se sabe, para determinado tipo de crimes,
é possível haver agentes infiltrados/encobertos, regra geral, realizados pela SIC.
Quando o agente determina, ele próprio, a prática do crime, em termos substantivos, o
polícia foi instigador, pois determina o suspeito à prática do crime. A lei das acções
encobertas, diz que só não há punição quando o agente encoberto actua com qualquer
forma de autoria, que não seja autoria mediata ou instigação. (Ver a lei de 2021).
A e B seriam punidos pelo crime de homicídio na medida das suas culpas, de acordo
com o art. 26.º, o que significa que A seria instigadora-autora de homicídio
qualificado, os termos do art.o 148 e 24, 4ª modalidade e B seria autor
imediato/instigado do crime de homicídio simples, nos termos do art.o 147.º e 26.º, 1ª
parte.
c) Suponha ainda que C recebe o dinheiro e nada faz. Quid iuris? (É inteligente).
Entramos no domínio da tentativa de instigação e a lei diz que para o instigador ser
punido, o instigado tem de iniciar a execução, no sentido de esta dever ser
concretizada na prática de actos. Há dois tipos de razões que fundamentam a figura:
uma de ordem politico-criminal (sendo psicológica, só sabemos se existiu quando
praticados atos que exteriorizem) e, para além disso, do ponto de vista dogmático, o
homem da frente é plenamente responsável, sabe e representa que está a cometer um
crime e se é assim, o perigo para o bem jurídico começa quando inicia atos de
execução. Na instigação, a tentativa inicia-se quando há prática de atos de execução
por parte do homem da frente, por ele ser plenamente responsável.
A lei diz que só há punição do instigador quando o instigado pratica atos de execução,
uma solução conjunta ou global. Na nossa jurisprudência, tem-se gerado muitos
problemas com estas situações e um dos casos que esteve na base desta discussão está
no ano 18, n.º4 da revista de ciência criminal – caso dos russos contratados para
“cuidar” de uma senhora.
Quando os russos receberam o contacto para matar a senhora, estes ligaram à polícia
que lhes foi dando direções de agir, atuando aqui como informadores. Entretanto,
combinaram pagamento e iam acertar execução e nesse dia quem estava à espera do
mandante era a polícia, tendo sido acusado pelo MP por crime de homicídio na forma
tentada. A 1ª instância absolveu o arguido por falta de prática de atos de execução.
Houve recurso e o acórdão anotado é o do STJ, 16 Outubro 2008 que revoga a decisão
de 1a instância e condena o arguido como autor mediato, na forma tentada pela
prática do crime de homicídio. Isto nunca pode ser autoria mediata porque o que há é
uma tentativa de determinar outrem à prática do crime, os russos tanto sabiam o que
estavam a fazer que informaram a polícia, fazendo o que a Ordem Jurídica manda
fazer.
Entretanto, houve outro acórdão sobre matérias semelhantes, mas ao contrário, sendo
o marido a tentar matar a mulher, onde a solução foi a contrária de não punir porque
instigação e só é punida quando há prática de atos de execução. O tribunal foi, assim,
obrigado a fixar jurisprudência (11 2009 Acórdão fixação de jurisprudência – STJ), e
surpreendentemente diz-se – “é autor de crime de homicídio na forma tentada prevista
e punido pelas disposições conjugadas pelo art. 22.º n.º 1 e n.º2 c), 23.º, 26.º e 131.º,
quem decidiu e planeou a morte de uma pessoa, contactando outra para a sua
concretização que manifestou aceitar, mediante pagamento de determinada quantia,
vindo em consequência o mandante a entregar-lhe parte dessa quantia e a dar-lhe
indicações relacionadas com a prática do facto, na convicção e expectativa dessa
efectivação, ainda que esse outro não viesse a praticar qualquer acto de execução do
facto” – na posição da professor, esta sentença viola o disposto no Código Penal
porque, sendo caso de instigação, só há tentativa com início de atos de execução da
parte do instigado e as declarações de voto de vencido são justamente neste sentido.
Há uma lacuna legal mas não pode o juiz substituir-se ao legislador e criar uma ficção
numa norma que não existe.