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F.

PRIMADO DO DIREITO
E JULGAMENTO JUSTO

O PRIMADO DO DIREITO EM SOCIEDADES DEMOCRÁTICAS


JULGAMENTO JUSTO – ELEMENTO PRINCIPAL DO PRIMADO DO DIREITO
OS ELEMENTOS DE UM JULGAMENTO JUSTO

“O primado do Direito é mais do que o uso formal dos instrumentos jurídicos, é também
o Primado da Justiça e da Proteção para todos os membros da sociedade contra um poder
governamental excessivo.”
Comissão Internacional de Juristas. 1986.
224 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

HISTÓRIA ILUSTRATIVA
Turquia: Farsa de Justiça no Julgamento cia decidiu que as suas declarações eram
de uma Ativista inadmissíveis como provas contra S.. Ne-
nhumas outras provas, testemunhais ou
Em 9 de fevereiro de 2011, S. vai ser jul- forenses, foram apresentadas para estabe-
gada pelo seu alegado envolvimento lecer uma ligação entre S. e a explosão.
numa explosão, em 1998, no Mercado de Verificou-se que uma declaração por escrito
Especiarias de Istambul, que matou sete supostamente feita pela tia de Ö., em que
pessoas e feriu mais de 100. É a terceira alegadamente identificou S. como tendo
tentativa para condená-la pela autoria de visitado a sua casa, foi fabricada, quando
um atentado com bomba letal apesar das se tornou claro que a sua tia apenas falava
provas substanciais de que não teve lugar curdo e não turco, tendo ela testemunhado
um atentado com bomba, mas sim que a que a polícia a tinha forçado a assinar um
explosão resultou de uma fuga de gás. documento cujo conteúdo ela desconhecia.
Em 1998, S., então com 27 anos, trabalha- No tribunal, tanto Ö. como a sua tia afir-
va num projeto de arte de rua em Istambul maram nunca sequer terem conhecido S..
quando foi detida. Um jovem de 19 anos de “O julgamento de S. representa uma per-
idade, Ö., também foi detido. O caso contra versão do sistema de justiça criminal e um
ele baseava-se na alegação, repetidamente abuso do processo equitativo”, disse Emma
negada, de que a explosão tinha resultado Sinclair-Webb, pesquisadora na Turquia
de um atentado com bomba e na acusação da Human Rights Watch, que irá assistir
feita por Ö., durante o interrogatório, da cul- ao julgamento. “A continuidade deste caso
pa de S.. Ö., mais tarde, retirou em tribunal desde há 12 anos viola os requisitos mais
a sua acusação, dizendo que tinha sido co- elementares para um julgamento justo. Es-
agido pela polícia, sob tortura. S. também tas acusações infundadas deveriam termi-
alega ter sido severamente torturada quando nar de uma vez por todas.”
se encontrava sob custódia da polícia. Persistem na Turquia preocupações bem
Inicialmente, os relatórios da polícia retira- fundadas sobre acusações motivadas po-
ram a hipótese de se tratar de um atentado liticamente, disse a Human Rights Watch.
com bomba, sugerindo que a explosão tinha Procuradores e juízes prosseguem proces-
sido causada por uma fuga de gás. O procu- sos, sem justificação, contra jornalistas e
rador que indiciou S. e Ö. rotulou a explosão editores, defensores dos direitos humanos,
como resultante de um atentado com bom- indivíduos que participam em manifesta-
ba, o que mais tarde foi refutado por três ções e pessoas envolvidas em atividades
relatórios separados de especialistas em di- legais políticas pró-curdas.
ferentes departamentos da universidade. Os S. é uma socióloga que fez campanhas e
relatórios da autópsia não referem quaisquer escreveu extensamente sobre questões dos
indícios de que as mortes tivessem sido cau- direitos humanos na Turquia, incluindo
sadas por um atentado à bomba. questões de género, dos direitos dos ho-
Quando Ö. foi absolvido de todas as acu- mossexuais, bissexuais e transsexuais, bem
sações, decisão confirmada pelo Tribunal como sobre os direitos dos curdos e de ou-
de Cassação, o tribunal de primeira instân- tras minorias. O seu julgamento é um dos
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exemplos mais marcantes deste padrão de 2. Quais foram os direitos violados?


julgamentos injustos motivados politica- 3. O que pode ser feito para se prevenir
mente, disse a Human Rights Watch. que situações semelhantes ocorram no-
(Fonte: Human Rights Watch. 2011. Tur- vamente?
key: Activist’s Trial a Travesty of Justice) 4. Quais os sistemas de proteção interna-
cionais que podem ser usados nestes
Questões para debate casos?
1. Quais são os motivos para a acusação
de S.?

A SABER
1. INTRODUÇÃO duma sociedade democrática que se rege
pelo “primado do Direito”.
Imagine-se sentado num tribunal sem
saber porquê. Fica ainda mais confuso O Primado do Direito
quando o juiz começa a ler a acusação – o O primado do Direito abrange várias áreas
crime de que é acusado nunca antes foi e engloba aspetos políticos, constitucio-
considerado ilegal, uma vez que não se nais, jurídicos bem como dos direitos hu-
encontra descrito na atual legislação. Nin- manos. Qualquer sociedade democrática
guém responde às suas questões, sente-se tem de assegurar o respeito pelo primado
completamente incapaz de se defender a do Direito. Tal é essencial para a proteção
si próprio, porém, não lhe é facultado um efetiva dos direitos humanos.
advogado. Pior do que isto, quando se ini-
cia a inquirição das testemunhas, descobre Direito à Democracia
que pelo menos uma delas fala uma língua
que não compreende e que nenhum intér- Apesar de o primado do Direito ser um
prete está presente. Durante o julgamen- pilar da sociedade democrática, não
to, o juiz informa-o que esta é a segunda existe total consenso quanto a todos os
audiência, tendo a primeira decorrido sem seus elementos. Todavia, é comummente
a sua presença. À medida que decorre o aceite que os cidadãos só estão protegi-
julgamento, torna-se claro que todos estão dos contra atos arbitrários de autoridades
convencidos da sua culpa e que, na reali- públicas quando os seus direitos estejam
dade, a única questão é saber qual deve estabelecidos na lei. Esta lei tem de ser
ser a sua pena. de conhecimento público, tem de ser
aplicada de forma igualitária e o seu
Este exemplo demonstra o que acontece cumprimento tem de ser, efetivamente,
quando são violadas as garantias de um aplicado. Assim, torna-se evidente que
julgamento justo. O direito ao julgamen- a execução do poder estatal tem de ser
to justo, também denominado como “boa fundamentada em legislação elaborada
aplicação da justiça”, é um dos pilares de acordo com a Constituição e com o ob-
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jetivo de garantir a liberdade, a justiça e a gos, como Aristóteles, que preferiam o esta-
certeza jurídica. do de direito ao estado discricionário. Outra
etapa pode ser identificada na Inglaterra me-
Em 1993, a Conferência Mundial das Na- dieval onde, em 1066, uma administração
ções Unidas sobre os Direitos Humanos, central foi estabelecida por Guilherme, o Con-
em Viena, reafirmou a ligação inquebrá- quistador. Embora o rei incorporasse os po-
vel entre o princípio do primado do Direi- deres executivo, legislativo e judicial centrais,
to e a proteção e promoção dos direitos ele próprio não se encontrava acima da lei –
humanos. Reconheceu que a ausência do era a lei que o tornara rei. Em consequência,
primado do Direito é um dos maiores obs- os tribunais de direito comum (common law)
táculos à implementação dos direitos hu- e o parlamento, em conjunto com a nobreza,
manos. O primado do Direito fornece os fortaleceram a sua influência no sistema na-
alicerces para a condução justa das rela- cional, estabelecendo a primeira monarquia
ções entre as pessoas, e é um pilar essen- parlamentar na Europa. As pedras angulares
cial do processo democrático. O primado do desenvolvimento do primado do Direito
do Direito também assegura a prestação foram a Magna Charta Libertatum (1215),
de contas e fornece um mecanismo de concedendo certos direitos civis e políticos
controlo daqueles que estão no poder. à nobreza, e a Lei do Habeas Corpus (1679)
que deu, a quem se encontrasse detido, o di-
“Para as Nações Unidas, o primado do reito inegável a ser informado das razões pe-
Direito refere-se a um princípio de gover- las quais a sua liberdade fora restrita.
nação no qual todas as pessoas, insti- Na Europa, o princípio do primado do Di-
tuições e entidades, públicas e privadas, reito ganhou importância no ambiente das
incluindo o próprio Estado, cumprem as revoluções civis, durante os séculos XVII e
XVIII. Atualmente, o primado do Direito é
leis promulgadas oficialmente, aplicadas
um princípio fundamental das instituições
com igualdade e imparcialidade e com-
nacionais e regionais em todo o mundo.
patíveis com os padrões e as normas in-
ternacionais de direitos humanos. Tam-
Primado do Direito, Julgamento Justo
bém requer medidas para a garantia da
e Segurança Humana
adesão aos princípios da supremacia do
direito, igualdade perante a lei, respon- A segurança humana tem a sua raiz no
sabilização em relação à lei, justiça na primado do Direito e no julgamento justo
aplicação da lei, separação dos poderes, e não se concretizará sem estes princípios
participação na tomada de decisões, se- fundamentais. Os princípios do primado
gurança jurídica, proibição da arbitrarie- do Direito e do julgamento justo contri-
dade e transparência processual e legal.” buem diretamente para a segurança da
pessoa, garantem que ninguém seja pro-
(Fonte: Nações Unidas. 2004. The Rule
cessado e preso de forma arbitrária e que
of Law and Transnational Justice in Con-
todos possam ser ouvidos em tribunal pe-
flict and Post-Conflict Societies.)
rante um juiz independente e imparcial.
Desenvolvimento Histórico do Primado A equidade nos procedimentos judiciais é
do Direito uma componente da justiça e assegura a
As raízes do princípio do primado do Direito confiança dos cidadãos numa jurisdição
podem ser encontradas já nos filósofos gre- com base na lei e imparcial.
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Além disso, um sistema judicial forte de- 2. DEFINIÇÃO E DESENVOLVIMENTO


sempenha não só uma função corretiva DA QUESTÃO
mas também uma forte função preven-
tiva; pode também ajudar a reduzir as O Julgamento Justo
taxas de criminalidade e a corrupção, como Elemento Fundamental
contribuindo, assim, para o direito de do Primado do Direito
viver sem medo. Em situações de pós- O primado do Direito significa, primei-
conflito é particularmente importante ramente, a existência e o cumprimento
restabelecer o primado do Direito e o efetivo de leis, de conhecimento público
direito ao julgamento justo para acen- e não discriminatórias. Com este fim, o
tuar a segurança humana através da Estado tem de estabelecer instituições que
certeza jurídica, da administração im- salvaguardem o sistema jurídico, incluin-
parcial da justiça e da boa governação. do tribunais, procuradorias e polícia. Es-
Estas são formas essenciais para que tas instituições encontram-se vinculadas
os cidadãos voltem a confiar e a acre- às garantias dos direitos humanos, como
ditar no Estado e nas suas autoridades. estabelecido nos tratados universais e
No que respeita ao crescimento e desen- regionais de proteção dos direitos huma-
volvimento económico, um clima pro- nos, como o Pacto Internacional sobre os
pício ao investimento também depende Direitos Civis e Políticos (PIDCP), a Con-
fortemente de um sistema administrati- venção Europeia dos Direitos Humanos,
vo e judicial que funcione. Assim, o pro- a Convenção Americana sobre Direitos
gresso económico e o bem-estar social Humanos e a Carta Africana dos Direitos
que asseguram a segurança económica e Humanos e dos Povos.
social e contribuem, diretamente, para o O direito a um julgamento justo está re-
direito de viver sem privações, também lacionado com a administração da justiça,
dependem do primado do Direito e do tanto no contexto civil como no penal. Em
direito ao julgamento justo. primeiro lugar, é importante compreender
que a administração correta da justiça tem
dois aspetos: o institucional (ex: a inde-
pendência e imparcialidade do tribunal) e
“[…] apoiar os direitos humanos e o pri- o processual (ex: equidade na audiência).
mado do Direito, na realidade, funciona O princípio do julgamento justo contem-
para beneficiar a segurança humana. As pla uma série de direitos individuais asse-
sociedades que respeitam o primado do gurando a administração correta da justiça
Direito não acobertam a autoridade do desde o momento da suspeita à execução
executivo, mesmo ao lidar com situações da sentença.
excecionais. Estas sociedades aceitam
o papel essencial do poder judicial e do
poder legislativo para assegurar que os Padrões Mínimos dos Direitos dos Acu-
governos façam uma abordagem equili- sados:
brada e legal dos complexos assuntos de 1. Todos são iguais perante os tribunais
interesse nacional.” de justiça e têm direito a garantias mí-
Louise Arbour, Alta Comissária das Nações Unidas nimas que assegurem um julgamento
para os Direitos Humanos. 2004. justo com total igualdade.
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2. Todos os acusados da prática de um 10. Ninguém deve ser condenado por atos
crime têm o direito a ser, atempada- ou omissões que não constituam um
mente, informados, em pormenor, ato delituoso, segundo o direito na-
num idioma que compreendam, da cional ou internacional, no momento
natureza e causa da acusação contra em que forem cometidos (“nullum
eles formulada. crimen, nulla poena sine lege”). Do
3. Todos os acusados da prática de um mesmo modo, não deve ser aplicada
crime têm o direito à presunção de nenhuma pena mais gravosa do que
inocência até ser provada a sua cul- aquela que era aplicável no momento
pa de acordo com a lei. em que a infração foi cometida.
4. O tribunal deve ser competente, in- 11. Todos têm o direito ao acesso gra-
dependente, imparcial e estabeleci- tuito a soluções judiciais eficazes e
do pela lei. equitativas. Todos aqueles que sejam
condenados pela prática de um crime
5. Todos têm direito a uma audiência equi- têm o direito a que a sentença que os
tativa e pública; termos em que, o público condena seja revista por um tribunal
só pode ser excluído em casos específicos. superior, nos termos da lei.
6. Todos têm o direito a ser julgados (Fonte: Extraídos dos principais instru-
sem demora excessiva. mentos dos Direitos Humanos da ONU.)
7. Todos têm o direito a estar presen-
te no julgamento. A pessoa acusada As disposições internacionais sobre o direito a
tem o direito a defender-se a si mes- um julgamento justo (por exemplo, o artº 14º
ma ou a ter a assistência de um de- do PIDCP que foi especificado e interpretado
fensor da sua escolha; se não tiver pelo Comité dos Direitos Humanos, no seu
defensor, deve ser informada do seu Comentário Geral nº 32, em 2007) aplicam-se
direito de ter um; sempre que o in- a todos os tribunais, quer ordinários quer
teresse da justiça o exigir deve ser- especiais. Em muitos países, existem tribu-
lhe atribuído um defensor oficioso, nais militares ou especiais que julgam civis.
a título gratuito, no caso de não ter Muitas vezes, a razão para o estabelecimento
meios para o remunerar. destes tribunais prende-se com permitir a apli-
8. A pessoa acusada tem direito a in- cação de procedimentos excecionais que não
terrogar, ou fazer interrogar, as tes- obedecem aos princípios normais da justiça.
temunhas de acusação e a obter a Embora o Pacto não proíba estas categorias
comparência e o interrogatório das de tribunais, as condições que estabelece, to-
testemunhas de defesa. A pessoa davia, indicam claramente que o julgamento
acusada tem direito a não ser força- de civis nestes tribunais deve ser excecional
da a testemunhar contra si própria e deve ter lugar em condições que garantam,
ou a confessar-se culpada. plenamente, o estipulado no PIDCP.
9. A pessoa acusada tem direito à assis-
Igualdade perante a Lei
tência gratuita de um intérprete, se
e perante os Tribunais
não compreender ou não falar a lín-
A garantia da igualdade é um dos princí-
gua utilizada no tribunal.
pios gerais do primado do Direito. Proíbe
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leis discriminatórias e inclui o direito a em qualquer altura, pelo governo ou por


acesso igual aos tribunais e tratamento outras autoridades, a sua independência
igual pelos tribunais. institucional ficaria comprometida. Além
O seu aspeto prático mais importante é a disso, se tanto os tribunais como os pró-
igualdade de armas, abrangendo a ideia prios juízes estiverem sob o controlo ou
de que cada parte num processo deve ter influência de entidades não judiciais, o
uma oportunidade igual de apresentar o julgamento justo não poderá ser assegu-
seu caso e nenhuma parte deve gozar de rado. Exemplos deste controlo, que viola o
uma vantagem substancial relativamente à princípio da independência dos juízes, são
outra parte. as condições salariais dos juízes, a possi-
O outro aspeto do tratamento igual pe- bilidade de outros ramos governamentais
los tribunais refere-se a que cada pessoa darem instruções aos tribunais, ameaças
acusada tem direito a ser tratada de forma de transferência de juízes caso as suas de-
igual a outras pessoas, similarmente acu- cisões não coincidam com determinadas
sadas, sem discriminação de qualquer es- expetativas ou instruções, etc.
pécie. Todavia, neste contexto deve-se ter As decisões dos tribunais não podem ser
em conta que o tratamento igual não signi- alteradas por autoridades não judiciais,
fica tratamento idêntico. Significa sim que, exceto no caso de amnistias reconhecidas
onde os factos objetivos são similares, o constitucionalmente, normalmente conce-
tratamento pelo sistema administrativo e didas pelo Chefe de Estado.
judicial tem de ser similar, mas quando os As normas sobre o julgamento justo não
factos encontrados são diferentes, o prin- requerem uma estrutura específica para os
cípio da igualdade impõe tratamento dife- tribunais de justiça que podem ser com-
rente. postos, somente por juízes profissionais,
por painéis mistos de juízes profissionais
Não Discriminação e leigos ou por outras combinações destes.
Todavia, existem normas internacionais
Independência sobre a independência do poder judicial
e Imparcialidade que também incluem disposições sobre a
Um dos elementos básicos de um sistema nomeação de juízes. Nenhum instrumento
baseado no primado do Direito que funcio- internacional de direitos humanos impõe o
na refere-se ao papel desempenhado por julgamento de júri. Contudo, num país que
tribunais independentes e imparciais no tenha adotado o sistema de júri, as condi-
sistema legal. De acordo com o princípio ções da independência e da imparcialidade
da separação de poderes, o poder judicial aplicam-se, também, aos jurados.
tem de estar completamente separado dos
poderes legislativo e executivo. Isto signi-
“As comissões militares estabelecidas pelos
fica que o poder judicial enquanto institui-
presidentes Bush e Obama em Guantána-
ção, assim como os juízes têm de poder
mo não cumprem os padrões internacio-
exercer as suas responsabilidades profis-
nais de justiça e devem ser abandonadas.
sionais sem serem influenciados.
As comissões militares foram estabele-
A independência dos juízes é um dos
cidas especificamente para permitirem
pilares da independência do poder judi-
que as autoridades norte-americanas
cial. Se os juízes pudessem ser removidos,
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contornem as proteções de que os argui- acordo com o qual a imprensa e o público


dos iriam beneficiar num tribunal civil. em geral podem ser excluídos de toda ou
O facto de terem realizado diversas revi- parte da audiência por razões de moralida-
sões estatutárias e processuais sugere que de, ordem pública ou de segurança nacio-
ficaram aquém do padrão de “tribunal nal numa sociedade democrática ou quan-
regularmente constituído”, exigido pelo do os interesses da vida privada das partes
Artigo comum nº 3 das Convenções de assim o exijam ou, na medida do necessá-
Genebra. rio, em circunstâncias especiais em que o
tribunal considere que a publicidade possa
A Amnistia Internacional apela, desde comprometer os interesses da justiça.
há muito, para que qualquer detido de Todavia, mesmo em casos em que o pú-
Guantánamo que os EUA pretendam acu- blico é excluído da audiência, a sentença
sar seja acusado rapidamente e conduzi- em processo criminal ou noutro caso tem
do a tribunal independente e imparcial de ser pública (exceto, quando a proteção
que aplique os padrões de julgamento de interesses de menores assim o requeira
justo, tal como um qualquer tribunal fe- ou quando os procedimentos digam res-
deral dos EUA, para aí receber um julga- peito a disputas matrimoniais ou à tutela
mento criminal justo. [...]” de crianças).
(Fonte: Amnistia Internacional. 2011. Mi-
litary Commissions.) Direito à Presunção
da Inocência
Audiência Pública O direito à presunção da inocência sig-
Para fomentar a confiança na adminis- nifica que todos os que são acusados de
tração da justiça e assegurar uma audi- um crime têm o direito a ser presumidos
ção justa das partes, a audiência deve ser inocentes e serão tratados como inocentes
aberta ao público em geral. De acordo com até serem considerados culpados, de acor-
a máxima que a justiça não deve ser só do com a lei, num julgamento justo. Este
feita, mas deve ser vista a ser feita, o pú- princípio aplica-se desde o momento da
blico tem o direito a saber como a justiça suspeita até à confirmação da sentença de
é feita e que decisões foram tomadas. Uma condenação pelo último degrau de recur-
audiência pública impõe audiências orais so. Assim, no âmbito penal, o Ministério
sobre o mérito da causa que devem ser re- Público tem de provar a culpa da pessoa
alizadas num local onde os membros do acusada e, se existir alguma dúvida razo-
público e da imprensa possam estar pre- ável, a pessoa acusada não pode ser con-
sentes. A este respeito, a informação sobre denada.
a hora e o local da audiência pública deve O direito à presunção da inocência impõe
ser facultada, de forma pública, pelos tri- que juízes e jurados se abstenham de julgar
bunais. O princípio da publicidade tem de antecipadamente um caso. Isto também se
ser plenamente respeitado, a não ser que aplica a todos os outros agentes oficiais
haja razões legítimas que permitam a ex- que englobem o processo. A presunção
clusão do público. de inocência também deve ser respeitada
As razões das restrições estão estabeleci- pelos cidadãos e jornalistas profissionais.
das nos próprios instrumentos internacio- O direito a manter o silêncio e o direito
nais, por exemplo, o artº 14º do PIDCP, de a não ser forçado a testemunhar contra
F. PRIMADO DO DIREITO E JULGAMENTO JUSTO 231

si mesmo ou a confessar-se culpado tam- defensor, a ser informada do seu direito de


bém pertencem ao âmbito do princípio do ter um e, sempre que o interesse da justi-
direito à presunção da inocência. O direito ça o exigir, a ser-lhe atribuído um defensor
a manter o silêncio também impõe que o oficioso, a título gratuito no caso de não ter
silêncio não pode ser tido em considera- meios para o remunerar” (Artº 14º, nº 3,
ção na determinação da culpa ou inocên- al. d) do PIDCP).
cia. O direito a não ser forçado a testemu-
nhar contra si mesmo ou a confessar-se Conteúdo do direito a defender-se a si
culpado implica a proibição do exercício próprio e do direito a estar presente no
de qualquer forma de pressão. julgamento:
- direito a defender-se a si próprio;
Direito a Ser Julgado
sem Demora Excessiva - direito a escolher o seu defensor;
O período de tempo considerado de acordo - direito a ser informado de que tem di-
com as disposições relativas ao julgamen- reito à assistência de um defensor;
to sem demora excessiva engloba não só o
- direito a estar presente no julgamento; e
período até ao início do julgamento, como
a duração total do processo, incluindo um - direito a ser-lhe atribuído um defensor
possível recurso para um tribunal superior oficioso a título gratuito.
até ao Supremo Tribunal ou qualquer ou-
tra autoridade judicial final. Dependendo da severidade da possível
O que constitui uma duração temporal ra- pena, o Estado não é obrigado a nomear
zoável pode ser diferente de acordo com um defensor em todos os casos. Por exem-
a natureza do caso em disputa. A avalia- plo, o Comité dos Direitos Humanos da
ção do que pode ser considerado demora ONU considerou que tem de ser nomeado
excessiva depende das circunstâncias do um defensor a qualquer pessoa acusada
caso, nomeadamente da sua complexida- de um crime punível com pena de morte.
de, da conduta das partes, o que está em Todavia, a uma pessoa acusada de condu-
causa para o queixoso e a atuação das au- ção em excesso de velocidade não tem,
toridades. necessariamente, de ser nomeado um de-
Além disso, deve ser tido em conta que, fensor à custa do Estado. De acordo com
em direito penal, o direito ao julgamento o Tribunal Interamericano dos Direitos
justo sem demora excessiva é também um Humanos, um defensor deve ser nomeado
direito das vítimas. O princípio subjacente se for necessário para assegurar um julga-
da norma está bem patente na frase: “jus- mento justo.
tiça atrasada é justiça negada”. Ao nomear um defensor, deve ter-se em
consideração que o acusado tem o direito
Direito a uma Defesa Adequada a um advogado de defesa experiente, com-
e Direito a Estar Presente petente e eficaz. Tem também o direito a
no Julgamento ter reuniões confidenciais com o seu ad-
Toda a pessoa acusada de um crime tem o vogado.
direito “a estar presente no processo e a de- Apesar da existência do direito a estar
fender-se a si própria ou a ter a assistência presente no julgamento, excecionalmente,
de um defensor da sua escolha; se não tiver podem ser realizados julgamentos na au-
232 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

sência do arguido, por justificadas razões, dimentos, o intérprete traduz, oralmente,


sendo que o cumprimento dos direitos da para o arguido e para o tribunal.
defesa será tanto mais exigido. O defensor
nunca poderá ser excluído dos procedi- Acesso a Mecanismos
mentos. de Proteção Judiciais Justos
e Eficazes
Direito a Obter a Comparência As normas sobre o julgamento justo con-
e a Interrogar ou Fazer têm vários elementos que abrangem a boa
Interrogar as Testemunhas administração da justiça. De certa forma,
De acordo com o princípio de igualdade estes elementos podem ser vistos como
de armas, a defesa e a acusação devem descrevendo as caraterísticas gerais das
estar numa posição de igualdade nos pro- instituições judiciais e traçando amplos
cedimentos. Esta disposição foi concebida parâmetros pelos quais a equidade num
para garantir ao acusado os mesmos pode- processo pode ser, no final, avaliada. Con-
res legais de forçar a comparência de tes- tudo, antes de se chegar ao ponto onde
temunhas e de interrogar ou contrainter- tais avaliações podem ser realizadas, tem
rogar qualquer testemunha disponível ao de ter sido dada à pessoa a oportunidade
Ministério Público. Assegura que a defesa de apresentar o seu caso.
tem a oportunidade de interrogar as tes- Um ponto importante em casos onde se
temunhas que prestem depoimento e de alega a violação do direito de acesso aos
desafiar os depoimentos prestados contra tribunais refere-se ao Estado não poder
o acusado. restringir ou eliminar o recurso judicial
Existem algumas limitações quanto ao in- em determinadas áreas ou para determina-
terrogatório das testemunhas de acusação. das classes de indivíduos. As decisões nos
Aquelas limitações são consideradas tendo procedimentos civis e penais têm de ser
por base a conduta do acusado, no caso passíveis de recurso. Isto significa que se
de a testemunha temer, razoavelmente, têm de institucionalizar, ao nível nacional,
represálias ou se a testemunha estiver in- tribunais de autoridade mais elevada, com
disponível. a competência para reverem e anularem as
decisões dos tribunais de primeira instân-
Direito à Assistência Gratuita cia, contribuindo assim para a prevenção
de um Intérprete da arbitrariedade.
A pessoa que não perceber ou não falar a
língua utilizada em tribunal tem o direi- O Princípio
to à assistência gratuita de um intérprete, “Nulla Poena Sine Lege”
incluindo a tradução de documentos. O A frase em latim “nulla poena sine lege”
direito a um intérprete aplica-se, de igual significa, simplesmente, que ninguém
modo, a nacionais e a estrangeiros que pode ser condenado por atos que não se-
não dominem, em grau suficiente, a lín- jam proibidos por lei no momento em que
gua utilizada no tribunal. O direito a um são praticados, mesmo que depois a lei
intérprete pode ser exercido pelo suspeito seja alterada. Desta forma, não pode ser
ou pelo arguido no momento do interroga- imposta uma pena mais grave do que a
tório pela polícia, pelo juiz de instrução ou aplicável no momento da prática do crime.
durante o julgamento. Durante os proce- Esta denominada não retroatividade da
F. PRIMADO DO DIREITO E JULGAMENTO JUSTO 233

lei assegura que quem vive de acordo com contra uma garantia financeira enquanto
a lei não corre o risco de, repentinamente, aguarda o início dos procedimentos judi-
ser punido pela prática de atos originaria- ciais. A existir na ordem jurídica de um
mente legais. Assim, a aplicação do princí- Estado, o direito à caução não pode ser re-
pio da não retroatividade é indispensável cusado, nem aplicado de forma arbitrária,
para a segurança jurídica. embora o juiz tenha poderes discricioná-
rios na tomada de decisão.

A “Fórmula de Radbruch” Disposições Especiais


para Crianças e Jovens
Na chamada “Mauerschützenfälle” (o caso Alguns tratados internacionais de direitos
dos atiradores do muro que dividia a Ale- humanos, como o PIDCP, a Convenção so-
manha em duas) levantou-se a questão bre os Direitos da Criança, a Carta Afri-
sobre se os guardas de fronteira da Alema- cana sobre os Direitos e o Bem-Estar da
nha Oriental, que tinham recebido ordens Criança e a Convenção Americana sobre
para dispararem contra as pessoas que Direitos Humanos, fazem uma referência
tentassem atravessar a fronteira, podiam especial às crianças e aos jovens. Por
ser punidos por homicídio após a queda exemplo, o artº 14º do PIDCP estabelece
do muro de Berlim, atendendo a que os que, tratando-se de jovens, o processo terá
seus atos não só não eram proibidos, mas em conta a sua idade e o interesse que re-
sim exigidos pela lei da República Demo- presenta a sua reabilitação. Isto significa
crática Alemã. Ao aplicar-se a chamada que os Estados, ao legislarem, devem es-
“Fórmula de Radbruch”, de acordo com tabelecer a idade mínima com que um jo-
a qual no caso de conflito entre o direito vem poderá ser acusado da prática de um
positivo e a justiça substantiva tem de se crime, a idade máxima em que a pessoa
desconsiderar o princípio da certeza jurídi- ainda é considerada jovem, a existência
ca, o Tribunal Federal de Justiça da Alema- de tribunais e procedimentos especiais, a
nha, numa decisão de referência, decidiu existência de leis processuais para jovens
que os perpetradores tinham de ser puni- e a forma como todas estas têm em conta
dos. A decisão foi mantida pelo Tribunal “o interesse que representa a sua reabili-
Constitucional Federal Alemão. tação”. Para os países que não aboliram a
A “Fórmula de Radbruch” reflete a mu- pena de morte, o artº 6º do PIDCP esta-
dança do paradigma do primado do Di- belece que a sentença com pena de morte
reito: no contexto das Leis de Nurem- não pode ser aplicada a crimes cometidos
berga teve de se aceitar que o direito por menores de 18 anos.
positivo foi utilizado para justificar até
as mais terríveis violações de direitos Direitos Humanos da Criança
humanos e que um Estado sob o prima-
do do Direito tem de proteger os direitos
humanos em quaisquer situações. Execuções de Jovens desde 1990
“O uso da pena de morte para crimes
Direito à Caução cometidos por pessoas menores de 18
A maioria dos sistemas jurídicos prevê o anos é proibido pelo direito internacional
direito à caução, ou seja, a ser libertado dos direitos humanos, no entanto, al-
234 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

guns países ainda executam crianças in- e Iémen. Alguns destes países mudaram
fratoras. Estas execuções são poucas, em as suas leis para excluírem a prática. A
comparação com o número total de exe- execução de crianças infratoras represen-
cuções no mundo. O seu significado vai ta uma pequena fração do total de exe-
para além do seu número e questiona o cuções em todo o mundo registadas pela
compromisso dos Estados que realizam Amnistia Internacional, em cada ano. Os
estas execuções em relação ao respeito EUA e o Irão executaram mais crianças
pelo direito internacional. infratoras do que os outros oito países
Desde 1990, a Amnistia Internacional juntos e o Irão excedeu agora o total dos
documentou 87 execuções de crianças EUA, desde 1990, em 19 execuções de
infratoras, em 9 países: China, Repúbli- crianças infratoras.”
ca Democrática do Congo, Irão, Nigéria, (Fonte: Amnistia Internacional. Execu-
Paquistão, Arábia Saudita, Sudão, EUA tions of Juveniles since 1990.)

Execuções conhecidas de crianças perpetradoras de crimes desde 1990:

Execuções
Total de
conhecidas Países que executam crianças perpetradoras
execuções
Ano de crianças de crimes (o número de execuções conhecidas
conhecidas no
perpetradoras aparece entre parêntesis)
mundo
de crimes
1990 2 2029 Irão (1), EUA (1)
1991 0 2086 --
1992 6 1708 Irão (3), Paquistão (1), Arábia Saudita (1), EUA (1)
1993 5 1831 EUA (4), Iémen (1)
1994 0 2331 --
1995 1 3276 Irão (1)
1996 0 4272 --
1997 2 2607 Nigéria (1), Paquistão (1)
1998 3 2258 EUA (3)
1999 2 1813 Irão (1), EUA (1)
2000 6 1457 Rep. Dem. do Congo (1), Irão (1), EUA (4)
2001 3 3048 Irão (1), Paquistão (1), EUA (1)
2002 3 1526 EUA (3)
2003 2 1146 China (1), EUA (1)
2004 4 3797 China (1), Irão (3)
2005 10 2148 Irão (8) Sudão (2)
2006 5 1591 Irão (4), Paquistão (1)
F. PRIMADO DO DIREITO E JULGAMENTO JUSTO 235

Execuções conhecidas de crianças perpetradoras de crimes desde 1990:

Execuções
Total de
conhecidas Países que executam crianças perpetradoras
execuções
Ano de crianças de crimes (o número de execuções conhecidas
conhecidas no
perpetradoras aparece entre parêntesis)
mundo
de crimes
2007 14 1252 Irão (11), Arábia Saudita (2), Iémen (1)
2008 8 2390 Irão (8)
2009 7 714, excluindo Irão (5), Arábia Saudita (2)
a China
2010 1 527, excluindo Irão (1)
a China
2011 3 Não dispo- Irão (3)
nível
(Fonte: Amnistia Internacional: Executions of Juveniles since 1990. Disponível em: http://
www.amnesty.org/en/death-penalty/executions-of-child-offenders-since1990)

3. PERSPETIVAS que por “primado do Direito” (rule of law)


INTERCULTURAIS está estreitamente ligada à noção de “de-
E QUESTÕES CONTROVERSAS mocracia ao estilo asiático”.

O princípio do primado do Direito é, de Direito à Democracia


forma geral, reconhecido. Contudo, dife-
renças culturais consideráveis podem ser Para o gozo dos direitos civis e políticos, as
encontradas ao comparar a interpretação distinções em razão do género são proibidas
que é feita do conteúdo do primado do pelos Artº 2º e Artº 3º do PIDCP. Todavia,
Direito em diferentes países. A distinção em algumas regiões, a Sharia – a codificação
mais óbvia é aquela entre o entendimento islâmica da lei – limita o direito das mulhe-
americano e o entendimento asiático do res ao julgamento justo, uma vez que estas
primado do Direito. Se os juristas ame- não têm o direito de acesso aos tribunais em
ricanos tendem a atribuir ao primado do pé de igualdade com os homens.
Direito caraterísticas específicas do seu
sistema jurídico, como o tribunal de júri, Em muitos países do mundo, as mu-
amplos direitos ao arguido e uma clarís- lheres ainda se encontram excluídas
sima separação de poderes, já os juristas do primado do Direito
asiáticos enfatizam a importância da apli-
cação normal e eficiente da lei, sem, ne- “Assistiu-se no século passado a uma
cessariamente, lhe estarem subordinados transformação no que respeita aos direi-
os poderes governamentais. Esta conceção tos das mulheres, com países em todas
mais restrita, melhor caracterizada por as regiões a ampliarem o alcance dos
“regulação pelo Direito” (rule by law) do direitos das mulheres. No entanto, para
236 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

a maioria das mulheres no mundo, as bem como pelo mau funcionamento dos
leis que existem no papel nem sempre se sistemas judiciais nacionais. O estabeleci-
traduzem na igualdade e na justiça. Em mento de um regime baseado no primado
muitos contextos, tanto em países ricos do Direito que funcione bem é essencial
como pobres, a infraestrutura da justi- à democracia, sendo que tal objetivo de-
ça - a polícia, os tribunais e o judiciário mora a ser alcançado e requer recursos fi-
- falha às mulheres, o que se manifesta nanceiros. Além disso, é difícil alcançar a
através de serviços deficientes e atitu- independência judicial sem uma tradição
des hostis por parte das mesmas pesso- de respeito pelos valores democráticos e
as cujo dever é fazer cumprir os direitos pelas liberdades civis. Contudo, num mun-
das mulheres. Como resultado, apesar do de globalização económica, a exigência
da igualdade entre homens e mulheres internacional de estabilidade, de prestação
se encontrar garantida nas Constituições de contas e de transparência, que só podem
de 139 países e territórios, leis inade- ser garantidas por um regime que respeite
quadas e lacunas no quadro legislativo, o primado do Direito, continua a aumentar.
execuções deficientes e vastos hiatos na
implementação fazem destas garantias As violações do direito a um julgamento
promessas ocas, com pouco impacto no justo não ocorrem apenas em países em
dia a dia das mulheres. [...] Sistemas le- transição. Ao arrepio das garantias dos di-
gais e de justiça a funcionarem bem po- reitos humanos, 171 cidadãos estrangeiros
dem constituir um mecanismo vital para encontram-se detidos (12 dos quais desde
as mulheres alcançarem os seus direitos. janeiro de 2002) no centro de detenções
As leis e os sistemas de justiça moldam a na base naval dos EUA na Baía de Guan-
sociedade, promovendo a responsabiliza- tánamo, em Cuba, sem terem sido formal-
ção, travando os abusos de poder, crian- mente acusados da prática de um crime.
do novas normas que definem o que é Desde 2002, dos 779 detidos apenas uma
aceitável. Os tribunais têm sido um local pessoa foi condenada por um tribunal civil
fundamental para as mulheres reivindi- dos EUA. No seu relatório de 2011 sobre o
carem os seus direitos e, em casos raros, centro de detenções de Guantánamo, a Am-
provocarem uma mudança mais ampla nistia Internacional afirmou que “desde o
para todas as mulheres, através de lití- primeiro dia que os EUA não reconhecem a
gios estratégicos.” aplicabilidade do quadro jurídico dos direi-
tos humanos às detenções de Guantánamo.
(Fonte: ONU Mulheres. 2011. 2011- À medida que nos aproximamos de 11 de
2012 Progress of the World’s Women. janeiro de 2012, o dia 3.653 na vida desta
In Pursuit of Justice.) conhecida prisão, os EUA continuam a não
abordar as detenções num quadro de direi-
Direitos Humanos das Mulheres tos humanos. O agora muito referido objeti-
vo de encerramento do centro de detenções
Alguns dos mais difíceis problemas en- de Guantánamo permanecerá ilusório – ou
frentados pelos países em transição para será alcançado apenas com o custo da deslo-
a democracia estão diretamente relaciona- cação das violações – a não ser que o gover-
dos com os sistemas governativos e legais no dos EUA nos seus três ramos aborde as
caraterizados pela corrupção generalizada, detenções enquanto um assunto que inequi-
F. PRIMADO DO DIREITO E JULGAMENTO JUSTO 237

vocamente cai no âmbito das obrigações in- ma equilibrado de “pesos e contrapesos”


ternacionais de direitos humanos dos EUA.” (checks and balances) que funcione. Mas
(Fonte: Amnistia Internacional. 2011. EUA. como podem todos estes conceitos ser
Guantanamo: A Decade of Damage to Hu- implementados na prática? Basicamente,
man Rights.) são necessárias três etapas: em primeiro,
a lei existente tem de ser revista e as no-
Proibição da Tortura vas áreas jurídicas têm de ser codificadas.
Em segundo, as instituições que garantem
4. IMPLEMENTAÇÃO a correta administração da justiça têm de
E MONITORIZAÇÃO ser fortalecidas, por exemplo, pela garan-
tia da independência judicial, pela forma-
Implementação ção contínua de juízes, entre outras. Por
A proteção dos direitos humanos começa a último, o cumprimento da lei e o respeito
nível nacional. Assim, a implementação do pela lei têm de aumentar. Assegurar o res-
princípio do primado do Direito depende peito pelos direitos humanos e a sua im-
da vontade do Estado para estabelecer um plementação é um princípio fundamental
sistema que garanta o primado do Direi- em todo o processo de implementação.
to e processos judiciais justos. Os Estados
têm de estabelecer e manter a infraestru- “[…] é um simples imperativo assegurar
tura institucional necessária para a corre- que os mecanismos do primado do Direito
ta administração da justiça e promulgar e estejam a funcionar em plena autoridade
implementar leis e normas que garantam e com pleno efeito, nacional e internacio-
procedimentos justos e equitativos. nalmente, para que os pedidos possam ser
atendidos e solucionados, com base nas
O conceito do primado do Direito está disposições da lei e em condições de jus-
estreitamente relacionado com a ideia de tiça.”
democracia, das liberdades civis e polí- Sérgio Vieira de Mello, Alto Comissário das Nações
ticas, e a sua implementação depende da Unidas para os Direitos Humanos. 2003.
compreensão destes valores. Vários ca-
sos de países em transição mostram que Órgãos específicos de assessoria, como a
o estabelecimento do primado do Direito Comissão de Veneza do Conselho da Euro-
fracassa quando os líderes políticos não pa, foram estabelecidos para fortalecer o
estão dispostos a cumprir os princípios primado do Direito. As associações profis-
democráticos básicos, permitindo assim, sionais de juízes ajudam ou monitorizam
a corrupção e estruturas organizacionais o desempenho dos governos.
criminosas.
Monitorização
Como regra geral, o fortalecimento do pri- Na maioria dos países, as disposições bá-
mado do Direito é uma das formas mais sicas sobre direitos humanos estão con-
eficazes para combater a corrupção, logo sagradas na Constituição. A Constituição
a seguir a prevenir que Chefes de Estado, também confere geralmente a possibilida-
recentemente eleitos, adquiram hábitos de de se invocar disposições sobre direi-
autoritários e a fomentar o respeito pe- tos humanos perante tribunais nacionais
los direitos humanos através de um siste- em casos de alegada violação destes direi-
238 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

tos. A nível internacional, os tratados de Tal possibilidade existe, por exemplo, sob
direitos humanos foram celebrados para o Protocolo Facultativo referente ao Pacto
proteger os direitos humanos. Assim que Internacional sobre os Direitos Civis e Po-
um Estado se torna parte de um destes líticos, a Convenção Europeia dos Direitos
tratados está obrigado a garantir e a im- Humanos (Artº 34º), a Convenção Ameri-
plementar as disposições a nível domés- cana sobre Direitos Humanos (Artº 44º) e
tico. a Carta Africana dos Direitos Humanos e
dos Povos (Artº 55º). De acordo com estes
A fim de monitorizar a implementação das tratados, os particulares podem apresentar
disposições de direitos humanos, alguns a sua queixa perante o Comité dos Direi-
dos tratados de direitos humanos, como o tos Humanos da ONU ou o Tribunal Eu-
Pacto Internacional sobre os Direitos Civis ropeu dos Direitos Humanos, a Comissão
e Políticos (PIDCP), estabelecem um me- Interamericana dos Direitos Humanos ou
canismo de supervisão. Este mecanismo a Comissão Africana dos Direitos Huma-
consiste num sistema de relatórios pelo nos e dos Povos. Estes órgãos dos tratados
qual os Estados Partes estão obrigados a analisam a queixa e, caso encontrem uma
apresentar relatórios, a intervalos regula- violação, o Estado em questão é aconse-
res, a um órgão internacional de monito- lhado a tomar as medidas necessárias para
rização, sobre a forma como têm imple- alterar esta prática ou a lei e para reparar
mentado as disposições do tratado. No a situação da vítima. Os Estados Partes es-
que respeita à implementação das obri- tão vinculados às decisões do Tribunal Eu-
gações dos Estados contidas no PIDCP, o ropeu dos Direitos Humanos, do Tribunal
Comité dos Direitos Humanos da ONU Interamericano dos Direitos Humanos e do
comenta os relatórios dos Estados Partes, Tribunal Africano dos Direitos Humanos e
dá sugestões e faz recomendações para dos Povos, em todos os casos em que se-
melhorar a implementação das obrigações jam partes.
dos direitos humanos. Além disso, emite Como parte dos seus procedimentos te-
Comentários Gerais sobre a interpretação máticos, a Comissão de Direitos Huma-
do PIDCP, como o Comentário Geral nº 13 nos das Nações Unidas nomeou relatores
de 1984, sobre a igualdade perante os tri- especiais sobre as execuções arbitrárias,
bunais e o direito a um julgamento justo sumárias ou extrajudiciais (1982), sobre
e público, por um tribunal independente a tortura e penas ou tratamentos cru-
estabelecido por lei (artº 14º do PIDCP), éis, desumanos ou degradantes (1985),
que foi substituído pelo Comentário Geral sobre a independência dos juízes e ad-
nº 32 sobre o artº 14º: Direito à Igualdade vogados (1994), sobre a violência con-
perante os Tribunais e a um Julgamento tra as mulheres, as suas causas e con-
Justo, em 2007. sequências (1994), sobre a situação dos
Alguns dos tratados dos direitos humanos defensores de direitos humanos (2000)
também estabelecem um mecanismo de e sobre a promoção e proteção dos di-
queixa. Após a exaustão dos mecanismos reitos humanos na luta contra o terro-
de proteção domésticos, um indivíduo rismo (2005). Em 1991, foi estabelecido
pode apresentar uma “comunicação” sobre um grupo de trabalho sobre a detenção
uma alegada violação de direitos humanos arbitrária.
que sejam garantidos por aquele tratado.
F. PRIMADO DO DIREITO E JULGAMENTO JUSTO 239

CONVÉM SABER
os países africanos de um poder judicial
1. BOAS PRÁTICAS forte e independente, que beneficie da
confiança do povo, para uma democracia
Escritório para as Instituições Demo- e desenvolvimento sustentáveis, apelou a
cráticas e Direitos Humanos (ODIHR) estes países para adotarem medidas legis-
– OSCE lativas para salvaguardar a independência
O mandato do Escritório compreende do poder judicial; para lhe disponibiliza-
“[…] assegurar o pleno respeito pelos di- rem recursos suficientes para aquele cum-
reitos humanos e liberdades fundamen- prir a sua função; para darem aos juízes
tais, reger-se pelo primado do Direito, condições de vida decentes e condições
promover os princípios da democracia de trabalho aceitáveis para assegurar que
e […] construir, fortalecer e proteger as possam manter a sua independência; para
instituições democráticas bem como pro- se absterem de praticar atos que possam
mover a tolerância em toda a sociedade”. ameaçar, direta ou indiretamente, a inde-
No campo do primado do Direito, o Escri- pendência e a segurança dos juízes e ma-
tório está empenhado em vários projetos gistrados.
de ajuda técnica para fomentar o seu de- Além disso, apelou aos juízes africanos
senvolvimento. O Escritório executa pro- que organizem, a nível nacional e re-
gramas nas áreas do julgamento justo, da gional, encontros periódicos de forma a
justiça criminal e do primado do Direito; trocarem experiências e avaliarem os es-
além de que presta ajuda e dá formação a forços empreendidos, contribuindo para
advogados, juízes, procuradores, funcio- um poder judiciário eficaz e independen-
nários governamentais e à sociedade ci- te. Em 2011, a Comissão adotou os Prin-
vil. Através de projetos quanto a reformas cípios e Diretrizes sobre o Direito a um
legais e revisões legislativas, o Escritório Julgamento Justo e Assistência Jurídi-
ajuda os Estados a colocar as leis domés- ca em África, que incluem os princípios
ticas em sintonia com os compromissos gerais aplicáveis a todos os procedimen-
da OSCE e outras normas internacionais. tos jurídicos (por exemplo, audiências
Neste contexto, o Escritório opera, es- justas e públicas, tribunais independen-
sencialmente, na Europa de Leste e de tes e imparciais, etc.), formação judicial,
Sudeste, bem como na Ásia Central e no direito a soluções eficazes, acesso a ad-
Cáucaso. vogados e serviços jurídicos, assistência
oficiosa e assistência jurídica, direito dos
Fortalecimento da Independência do Po- civis não serem julgados em tribunais
der Judicial e Respeito pelo Direito a um militares, disposições aplicáveis à de-
Julgamento Justo tenção e privação de liberdade, etc. De
Na sua Resolução sobre o Respeito e o acordo com este instrumento, os prin-
Fortalecimento da Independência do Po- cípios e diretrizes estabelecidos devem
der Judicial, adotada em 1996, a Comis- tornar-se conhecidos por todos em Áfri-
são Africana dos Direitos Humanos e dos ca e ser promovidos e protegidos pelas
Povos, reconhecendo a importância para organizações da sociedade civil, juízes,
240 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

advogados, procuradores, académicos e cessos para os tribunais nacionais na anti-


as suas associações profissionais. ga Jugoslávia e assiste-os ao processarem
os casos de crimes de guerra.
“A injustiça em qualquer lado é uma ame- O Estatuto de Roma foi adotado pela co-
aça à justiça em todo o lado” munidade internacional em 1998, entrou
Martin Luther King Jr. em vigor em 2002 e estabeleceu o Tribu-
nal Penal Internacional (TPI). É uma ins-
Fórum da Ásia-Pacífico para a Reforma tituição permanente, com o poder de exer-
Judicial cer a sua jurisdição sobre indivíduos, para
O Fórum da Ásia-Pacífico para a Refor- os crimes mais graves que preocupam a
ma Judicial (APJRF) é uma rede que visa comunidade internacional enquanto um
apoiar as jurisdições da Ásia-Pacífico de- todo, ou seja, o crime de genocídio, crimes
dicadas ao progresso da reforma judicial contra a humanidade, crimes de guerra e o
através da partilha de conhecimentos so- crime de agressão. A jurisdição do Tribu-
bre reformas judiciais, apoiando reformas nal é complementar às jurisdições penais
de justiça baseadas nos direitos humanos, nacionais. Até à data, o Estatuto de Roma
desenvolvendo ferramentas práticas para tem 121 Estados Partes.
uma reforma judicial de sucesso e apoian- Tal como o TPIAJ e o TPIR, os tribunais
do a implementação ao nível nacional. A mistos (“órgãos híbridos”) são estabe-
rede consiste em 49 tribunais superiores lecidos por um determinado período de
e agências do setor da justiça dos países tempo para lidar com situações específi-
com um compromisso com a APJRF. cas. O mandato destes órgãos é o de san-
cionar violações graves de direito interna-
2. TENDÊNCIAS cional humanitário e de direitos humanos
cometidas por indivíduos e ajudar no res-
Tribunais Internacionais tabelecimento do primado do Direito. Os
Como resposta a atrocidades cometidas tribunais híbridos combinam aspetos de
em massa, foram estabelecidos tribunais direito internacional e direito nacional e
internacionais, tais como o Tribunal Pe- são mistos na sua composição. Este mo-
nal Internacional para a Antiga Jugoslá- delo foi utilizado para o estabelecimento
via (TPIAJ) ou o Tribunal Penal Interna- dos tribunais para a Serra Leoa, Timor-
cional para o Ruanda (TPIR), enquanto Leste, Kosovo, Camboja e Líbano. O Tri-
tribunais ad hoc das Nações Unidas, para bunal Especial para a Serra Leoa, por
lidarem com crimes de guerra, crimes con- exemplo, tem mandato para julgar os res-
tra a humanidade e genocídio, pretenden- ponsáveis por violações graves de direito
do responsabilizar os seus responsáveis. internacional humanitário no seu territó-
Atendendo a que estes tribunais foram es- rio, tendo sido estabelecido em conjunto
tabelecidos para julgar crimes cometidos pelo Governo da Serra Leoa e as Nações
num conflito específico e durante um tem- Unidas.
po específico, estes tribunais ad hoc traba-
lham no sentido do cumprimento dos seus Mediação e Arbitragem
mandatos. O TPIAJ, por exemplo, centra- Os Estados estão a apostar de forma ativa
se na acusação e julgamento dos líderes em procedimentos de resolução de dis-
mais relevantes e encaminha outros pro- putas alternativos (mediação e arbitra-
F. PRIMADO DO DIREITO E JULGAMENTO JUSTO 241

gem) para aliviar os tribunais e encurtar mento do primado do Direito em socieda-


os procedimentos judiciais, mas também des pós-conflito:
com o objetivo de criar situações em que - prestação de ajuda no âmbito do primado
ambas as partes saem a ganhar através de do Direito que seja adequada ao país em
soluções mutuamente aceitáveis. questão e construção a partir de práticas
Enquanto os processos judiciais têm por locais;
objetivo substanciar pedidos legais, a me- - consulta, participação e debate públicos ao
diação também tem em consideração as planear reformas do primado do Direito;
necessidades e os interesses dos indivídu- - estabelecimento de comissões nacionais
os e, assim, alcança melhores resultados independentes de direitos humanos;
em assuntos no âmbito comercial, da fa- - inclusão de elementos de uma justiça
mília ou de relações de vizinhança. correta e do primado do Direito em man-
A mediação é um método de resolução de datos de manutenção da paz;
disputas pelas partes com a assessoria e - disponibilização de recursos humanos
a ajuda de um terceiro. A arbitragem é a e financeiros suficientes, na ONU, para
resolução da disputa através da decisão de planear os componentes do primado do
um árbitro, que vincula ambas as partes. Direito das operações de paz.
Muitos países têm mediação obrigatória na Para ultrapassar falhas nas estratégias de
fase anterior ao julgamento. O julgamento pós-conflito passadas e presentes, a Co-
só é necessário se a mediação não condu- missão da Segurança Humana propõe
zir a uma solução. Nos EUA e na Austrália, uma profunda abordagem com base na
por exemplo, existem, periodicamente, as segurança humana que consiste em cinco
denominadas “semanas de conciliação” grupos da segurança humana. Um destes
durante as quais todos os casos judiciais trata de “governação e empoderamento”
são alvo de mediação. E, de facto, um almejando, como uma das suas priorida-
grande número de casos é resolvido com des, o estabelecimento de instituições que
sucesso. Todavia, pode-se argumentar protejam as pessoas e assegurem o prima-
que negar às partes o acesso aos tribunais do do Direito.
como alternativa aos procedimentos judi-
ciais morosos e dispendiosos, pode impor “A justiça é um ingrediente indispensável
uma certa pressão às partes para encontra- num processo de reconciliação nacional. É
rem uma solução. essencial para a restauração das relações
pacíficas e normais entre as pessoas que
(R)Estabelecer o Primado do Direito em viveram sob um reino de terror. Quebra um
Sociedades Pós-Conflito e Pós-Crise ciclo de violência, ódio e retaliação extraju-
Em anos recentes, notou-se um aumento dicial. Deste modo, a paz e a justiça cami-
da atenção das Nações Unidas, de outras nham de mãos dadas.”
organizações internacionais, bem como da Antonio Cassese, antigo presidente do TPIAJ.
comunidade internacional, sobre a ques-
tão de (r)estabelecer o primado do Direito
“Para as Nações Unidas, o primado do
em sociedades pós-conflito. Este aumen-
Direito refere-se a um princípio de gover-
to de atenção sobre o primado do Direi-
nação pelo qual todas as pessoas, insti-
to também levou ao desenvolvimento de
tuições e entidades, públicas e privadas,
determinados princípios para o estabeleci-
242 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

incluindo o próprio Estado, são responsá- 1966 Pacto Internacional sobre os Direi-
veis perante as leis promulgadas oficial- tos Civis e Políticos, artos 9º, 10º,
mente, aplicadas com igualdade e impar- 14º, 15º, 16º, 26º
cialidade e compatíveis com os padrões e 1969 Convenção Americana sobre Direi-
as normas internacionais de direitos hu- tos Humanos, artos 8º, 9º
manos. Também requer medidas para a
1977 Protocolo Adicional (I) às Con-
garantia da adesão aos princípios da su-
venções de Genebra, artos 44º,
premacia do direito, igualdade perante a
nº 4, 75º
lei, responsabilização em relação à lei, jus-
tiça na aplicação da lei, separação dos po- 1977 Protocolo Adicional (II) às Con-
deres, participação na tomada de decisões, venções de Genebra, Artº 6º
segurança jurídica, proibição da arbitrarie- 1979 Convenção sobre a Eliminação de
dade e transparência processual e legal.” Todas as Formas de Discriminação
(Fonte: Nações Unidas. 2004. Relatório contra as Mulheres, Artº 15º
do Secretário-Geral sobre o Primado do 1981 Carta Africana dos Direitos Huma-
Direito e Justiça de Transição em Socie- nos e dos Povos (Carta de Banjul),
dades em Conflito e Pós-Conflito.) artos 7º, 26º
1982 Relator Especial das Nações Uni-
3. CRONOLOGIA das sobre Execuções Extrajudi-
ciais, Sumárias ou Arbitrárias
1948 Declaração Universal dos Direitos Hu- 1984 Convenção contra a Tortura e Ou-
manos, artos 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º tras Penas ou Tratamentos Cru-
1948 Declaração Americana dos Direi- éis, Desumanos ou Degradantes,
tos e Deveres Humanos, artos I, II, artº 15º
XVII, XVIII, XXVI 1984 Protocolo nº 7 à Convenção Euro-
1949 Convenção de Genebra (III) relati- peia para a Proteção dos Direitos
va ao Tratamento dos Prisioneiros Humanos e das Liberdades Funda-
de Guerra, artº 3º, al. d), artos 17º, mentais, artos 1º, 2º, 3º, 4º
82º-88º 1984 Comentário Geral nº 13 sobre a
1949 Convenção de Genebra (IV) relati- Igualdade perante os Tribunais
va à Proteção de Civis em Tempo e o Direito a um Julgamento
de Guerra, artº 3º, al. d), artos 33º, Justo e Audiência Pública por
64º-67º, 70º-76º um Tribunal Independente esta-
belecido pela Lei (Artº 14º do
1950 Convenção Europeia para a Pro-
PIDCP)
teção dos Direitos Humanos e das
Liberdades Fundamentais, artos 5º, 1985 Princípios Básicos das Nações Uni-
6º, 7º, 13º das relativos à Independência da
Magistratura
1965 Convenção Internacional sobre a
Eliminação de Todas as Formas 1985 Regras Mínimas das Nações Uni-
de Discriminação Racial, artos 5º, das para a Administração da Justi-
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F. PRIMADO DO DIREITO E JULGAMENTO JUSTO 243

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das sobre a Independência de Juí- 2007 Comentário Geral nº 32 sobre o
zes e Advogados Artigo 14º: Direito à Igualdade
1994 Relator Especial das Nações Uni- perante os Tribunais e a um Julga-
das para a Violência contra as mento Justo

ATIVIDADES SELECIONADAS
ATIVIDADE I: SER OUVIDO volver capacidades analíticas e demo-
OU NÃO SER OUVIDO? cráticas.
Grupo-alvo: Jovens adultos e adultos
Parte I: Introdução Dimensão do grupo: 15-20
Compreender as regras e os procedimen- Duração: cerca de 90 minutos
tos de um julgamento é essencial para a Preparação: Arranjar a sala como se fosse
compreensão do sistema judicial e para um tribunal. Colocar, à frente, uma mesa
poder defender os seus direitos. para o juiz e outras duas em ângulos cor-
retos em relação àquela, ficando uma em
Parte II: Informação Geral frente da outra, uma para o acusado e para
Tipo de Atividade: Dramatização a defesa, a outra para a acusação (equipa
Metas e objetivos: Experimentar uma de procuradores).
situação de tribunal; identificar a noção Competências envolvidas: Pensamento
de julgamento justo e público; desen- crítico e capacidades analíticas, capacida-
244 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

des de comunicação, de formação de opi- Seguir em frente e motivar o grupo todo a


niões e de empatia. pensar sobre o processo e o objetivo das
duas dramatizações.
Parte III: Informação Específica sobre a - O que foi diferente nos dois cenários e
Atividade porquê?
Instruções: - Será que os participantes se sentiram in-
Explicar que vão representar uma situação comodados com o primeiro cenário?
de julgamento em dois cenários diferentes, - Acham que cenários como o primeiro
um sem a defesa e outro com os mecanis- acontecem na vida real?
mos de defesa. Explicar os papéis e deixar Sugestões práticas:
que os participantes escolham: Tentar não explicar todo o propósito das
- Uma pessoa erroneamente acusada de dramatizações antes de começar. O ele-
uma ofensa criminal, como furto. mento de surpresa pode ter um maior
- Equipa de duas ou três pessoas condu- impacto sobre os participantes e não
zindo a acusação. dificultará o desempenho na dramati-
- Grupo de três ou quatro pessoas que apre- zação. Ter atenção ao desempenho, es-
senta a queixa e a escreve no quadro. pecialmente, na primeira dramatização,
- Um juiz. e interromper se o acusado se começar
Os procuradores e o grupo que apresenta a sentir ansioso ou com medo. Isto não
a queixa têm dez minutos para preparar a quer dizer que a dramatização tenha fa-
sua acusação. lhado mas mostra o quão reais podem
Desempenho da Dramatização: ser as simulações.
No primeiro cenário, não existem advo- Outras sugestões:
gados de defesa e o acusado não se pode No segundo cenário, pode nomear um júri
defender. Os outros participantes são o pú- imparcial de três ou quatro em vez do juiz.
blico no tribunal. Ninguém mais pode dar Nas reações, debater a diferença entre um
a sua opinião. Dizer aos procuradores para júri e um juiz.
apresentarem o seu caso ao juiz e que este
decida só nesta base. Parte IV: Acompanhamento
Depois, no segundo cenário, nomear um Ler alto o artigo 10º da DUDH:
novo juiz para dar a sentença final de cul- “Toda a pessoa tem direito, em plena igual-
pado ou inocente. Nomear também uma dade, a que a sua causa seja equitativa
equipa de defesa com duas ou três pes- e publicamente julgada por um tribunal
soas. Permitir que o arguido fale e que a independente e imparcial que decida dos
equipa de defesa apresente o seu caso. seus direitos e obrigações ou das razões de
O público também pode dar opiniões. Só qualquer acusação em matéria penal que
agora deve o novo juiz tomar uma decisão. contra ela seja deduzida.”
Reações: Explicar, por outras palavras, que isto sig-
Reunir de novo os participantes. nifica que se for a julgamento, este tem
Primeiro perguntar aos que participaram de ser aberto ao público. Uma audiência
na dramatização: pública é aquela em que o arguido está
- Em que medida conseguiram influenciar presente e a prova é apresentada diante
a decisão do juiz e quão real foi a simu- dele ou dela, bem como da sua família e
lação? da comunidade.
F. PRIMADO DO DIREITO E JULGAMENTO JUSTO 245

Aqueles que julgam o acusado não se de- Preparação: Preparar uma ficha informati-
vem deixar influenciar por outros. Com base va com a declaração do advogado de defe-
na dramatização, discutir o facto de que to- sa Gerry Spence (ver abaixo).
dos têm de ter uma oportunidade equitativa Competências envolvidas: Pensamento
de apresentar o seu caso. Isto é válido para crítico e capacidades analíticas, formação
casos criminais como para disputas civis, de opinião, capacidades de comunicação,
quando uma pessoa processa outra. expressar opiniões e pontos de vista dife-
Debater a definição usada pela Nações rentes sobre um assunto.
Unidas sobre o que constitui um tribunal
independente e imparcial: “independente” Parte III: Informação Específica sobre a
e “imparcial” significa que o tribunal deve Atividade
julgar cada caso de forma justa com base Instruções:
nas provas e no primado do Direito, sem Apresentar o tópico, permitindo que os par-
favorecer qualquer uma das partes por ra- ticipantes imaginem criminosos que sejam
zões políticas. seus conhecidos (ou mostrando um vídeo
Direitos relacionados/outras áreas a ex- sobre um deles). Se quiser, pode colocá-
plorar: los no quadro. Deixar que os participantes
A presunção da inocência, o reconheci- imaginem que são advogados de defesa de
mento como pessoa perante a lei, o direito clientes acusados de crimes conhecidos.
a uma defesa competente, elementos da Distribuir a declaração do advogado de
democracia. defesa Gerry Spence, que responde à ques-
(Fonte: adaptado de United Nations Cy- tão que lhe era, frequentemente, colocada:
berschoolbus. 2003. Disponível em:http:// “Como pode defender essas pessoas?”. Ini-
cyberschoolbus.un.org). ciar o debate sobre os direitos dos perpetra-
dores com base nesta declaração.
ATIVIDADE II: COMO PODE - Deve toda a pessoa ser considerada ino-
DEFENDER ESSAS PESSOAS? cente até que se prove a sua culpa?
- Se for acusado de um crime, deve ter sem-
Parte I: Introdução pre o direito de se defender a si próprio?
Esta atividade é um debate baseado em ca- - Deve permitir-se que toda a pessoa soli-
sos da vida real com o objetivo de identifi- cite aconselhamento jurídico e que o ob-
car preconceitos e a correspondente noção tenha de forma gratuita se não o puder
de julgamento justo. pagar?
- Deve toda a pessoa ser considerada igual
Parte II: Informação Geral perante a lei?
Tipo de atividade: Debate Se quiser, pode colocar alguns argumentos
Metas e objetivos: Identificar preconceitos no quadro para resumir o debate.
e limites de uma observação neutra; de-
senvolver capacidades analíticas e demo- Texto para a ficha informativa:
cráticas. Gerry Spence, advogado de defesa:
Grupo-alvo: Jovens adultos e adultos “Bom, acha que o arguido deve ser jul-
Dimensão do grupo: 15-20 gado antes de ser enforcado? Se sim, de-
Duração: cerca de 60 minutos. verá ser um julgamento justo? A ser um
Material: fichas informativas (ver abaixo) julgamento justo, deverá o arguido ter, ou
246 II. MÓDULOS SOBRE QUESTÕES SELECIONADAS DE DIREITOS HUMANOS

poder ter, um advogado? Se tiver um advo- das as garantias necessárias de defesa lhe
gado, deverá o advogado ser competente? sejam asseguradas.
Bom, então, se o advogado de defesa sou- 2 - Ninguém será condenado por ações ou
ber que o arguido é culpado deverá tentar omissões que, no momento da sua prática,
perder o caso? Se não, deverá ele dar o seu não constituíam ato delituoso à face do di-
melhor para que a acusação seja provada reito interno ou internacional. Do mesmo
para além de qualquer dúvida razoável? E modo, não será infligida pena mais grave
se ele der o seu melhor e a acusação não do que a que era aplicável no momento em
for provada para além de qualquer dúvida que o ato delituoso foi cometido.”
razoável e o júri absolver o arguido culpa- Escrevê-lo no quadro e explicar o seu sig-
do, de quem é a culpa? Culpamos o advo- nificado e propósito. Deve ser considera-
gado de defesa que fez o seu trabalho ou o do inocente até ser provada a sua culpa.
Ministério Público que não o fez?” Se for acusado de um crime, tem sempre
(Fonte: Adaptado de: Harper’s Magazine. o direito a defender-se a si próprio. Nin-
1997.) guém tem o direito de o condenar ou punir
por algo que não tenha feito. A presunção
Reações: da inocência e o direito a uma defesa são
Numa ronda de opiniões, pedir aos par- os dois princípios importantes articulados
ticipantes que resumam, brevemente, o neste artigo.
debate: Pode fazer o acompanhamento da ativida-
- Por que acham que os advogados defen- de “Ser ouvido ou não ser ouvido?” rela-
dem criminosos? cionando com isto.
- Acham que estes advogados são vistos
de mesma forma que os criminosos que Parte IV: Acompanhamento
defendem e porquê? Ler em voz alta os artigos 6º e 8º da DUDH.
Sugestões práticas: Artº 6º: “Todos os indivíduos têm di-
Pode apresentar a atividade mostrando um reito ao reconhecimento em todos os
vídeo ou lendo um artigo sobre criminosos lugares da sua personalidade jurídica.”
conhecidos. Pode também referir circuns- Explicar que isto significa que deve ser
tâncias locais e atuais e mencionar pessoas legalmente protegido da mesma forma,
que foram condenadas em debate público em todos os lugares e como todas as
depois de terem cometido um crime grave. outras pessoas. Definição: Uma pessoa
Se o fizer, tenha em conta as emoções que perante a lei é alguém que é reconhe-
tal tópico pode gerar. Não julgar as opini- cido pela lei como sujeito da proteção
ões dos participantes mas dizer claramen- oferecida pelo sistema legal e das res-
te que os direitos humanos são para todos ponsabilidades, por este, exigidas.
e que não podem ser derrogados de forma Artº 8º: “Toda a pessoa tem direito a re-
arbitrária em nenhum momento. curso efetivo para as jurisdições nacionais
Outras Sugestões: competentes contra os atos que violem os
Ler o artigo 11º da DUDH: direitos fundamentais reconhecidos pela
“1 - Toda a pessoa acusada de um ato de- Constituição ou pela lei.” Isto significa que
lituoso presume-se inocente até que a sua lhe deve ser permitido solicitar aconselha-
culpabilidade fique legalmente provada no mento jurídico quando os seus direitos hu-
decurso de um processo público em que to- manos não são respeitados.
F. PRIMADO DO DIREITO E JULGAMENTO JUSTO 247

Direitos relacionados/outras áreas a ex- reito a uma defesa competente, demo-


plorar: cracia.
A presunção da inocência, o reconheci- (Fonte: Adaptado de: Carleton College.
mento como pessoa perante a lei, o di- Correspondence Bias in Everyday Life.)

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