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Princípio da legalidade

O texto trata do tema pertinente ao princípio da legalidade, mostrando a evolução por


que passou desde o seu nascimento, com o Estado de Direito, sob inspiração dos ideais
da revolução francesa, passando pelas transformações advindas com o Estado de Direito
Social e, posteriormente, com os novos elementos introduzidos com o Estado de Direito
Social e Democrático. 1

O princípio da legalidade foi elaborado a partir da instauração do Estado de Direito, na


segunda metade do Estado Moderno. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de
Mello, “enquanto o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse
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privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente


organizada com fins políticos, o da legalidade é específico do Estado de Direito, é
justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria”.

No entanto, a sua configuração não permaneceu estática no decurso do tempo. Os


primeiros passos no sentido da submissão do Estado à lei foram dados ainda no período
do Estado de Polícia; a sua consagração deu-se por influência dos princípios do
liberalismo adotados pela Revolução Francesa; ganhou nova extensão com a formação
do Estado de Direito Social; ampliou-se ainda mais com o Estado de Direito Social e
Democrático, até chegar ao modelo atual, de constitucionalização do direito
administrativo, especialmente dos princípios da Administração Pública.

Importa, portanto, analisar o princípio desde suas origens.

Além do nascimento e evolução do princípio da legalidade, em seus aspectos teóricos, o


texto analisa também a evolução do tema no direito brasileiro, apontando o seu
significado atual e analisando o princípio da reserva de lei, nas feições absoluta e
relativa. E comenta também os limites da função normativa do Poder Executivo e das
agências reguladoras diante do princípio da legalidade.

1. A fonte do direito no período do Estado de Polícia

O Estado de Polícia foi um período da história em que o direito público ficou na


penumbra, pois se esgotava “em um único preceito jurídico, que estabelece um direito
ilimitado para administrar”, consoante palavras de Adolfo Merkl. Era um modelo
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estruturado sobre princípios regis voluntas suprema lex (a vontade do rei é a lei
suprema), quod principi placuit legis habet vigorem (aquilo que agrada ao príncipe tem
força de lei), the king can do no wrong (o rei não pode errar). A vontade do príncipe era
soberana. Ele não se sujeitava à lei nem ao controle judicial.

Segundo García de Enterria e Tomás-Ramón Fernandes, no período do Estado de


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Polícia, “a fonte de todo Direito é a pessoa subjetiva do rei na sua condição de


representante de Deus na comunidade, o que significa que pode atuar tanto por normas
gerais como por atos singulares ou por sentenças contrárias àquelas”.

Para combater o poder absoluto do príncipe, a doutrina alemã elaborou a teoria da


bifurcação da personalidade do Estado. Ao lado do Estado, pessoa política, dotado de
jus imperii, em relação ao qual se aplicava a teoria da irresponsabilidade, idealizou-se a
figura do Fisco, que teria personalidade de direito privado e que administrava o
patrimônio público como se fosse um particular atuando na administração de seus bens.
O primeiro, associação política, pessoa jurídica de direito público, detinha poderes de
mando e praticava atos de império. O segundo, praticando os chamados atos de gestão,
submetia-se ao direito privado e, em consequência, a tribunais independentes, sem
qualquer vinculação ao príncipe. Estes tribunais passaram a reconhecer, em favor do
indivíduo, a titularidade de direitos adquiridos contra o fisco, todos eles fundamentados
no direito privado. Mas o Estado, pessoa jurídica, enquanto poder público, continuava
sem limitações estabelecidas pela lei e indemandável judicialmente pelos súditos na
defesa de seus direitos.

A bifurcação da personalidade do Estado abrandou o sistema, mas não o extinguiu.

A essa bifurcação da personalidade jurídica do Estado correspondeu uma bifurcação de


regimes jurídicos: de um lado, o jus politiae (direito de polícia) que, partindo da ideia de
poder sobre a vida religiosa e espiritual do povo, concentrou em mãos do príncipe
poderes de interferir na vida privada dos cidadãos, sob o pretexto de alcançar a
segurança e o bem-estar coletivos; de outro lado, o jus civile (direito civil), que regia as
relações do Fisco com os súditos e que ficava fora do alcance do príncipe, gerando
direitos subjetivos que podiam ser assegurados por meio de controle judicial.

O grande mérito desse sistema foi o de submeter uma parte da atividade do Estado à lei
e aos Tribunais. Não era ainda o direito público, então inexistente como ramo
autônomo, mas sim o direito civil. Foi um primeiro passo no sentido de submeter a
Administração Pública à lei e ao controle judicial.

Na segunda metade do Estado Moderno, formaram-se os princípios do liberalismo,


voltados para as garantias de liberdade dos cidadãos, sob influência dos princípios da
Revolução Francesa. Como consequência da preocupação com a liberdade do homem,
foi atribuída ao Estado a missão apenas de proteger a propriedade e a liberdade dos
indivíduos, como se verifica pelos arts. 2º e 17 da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de 1789.

2. Origem do princípio da legalidade: o Estado de Direito

Na segunda metade do Estado Moderno, formaram-se os princípios do liberalismo,


voltados para as garantias de liberdade dos cidadãos, sob influência dos princípios da
Revolução Francesa. Como consequência da preocupação com a liberdade do homem,
foi atribuída ao Estado a missão apenas de proteger a propriedade e a liberdade dos
indivíduos, como se verifica pelos arts. 2º e 17 da Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de 1789.

Pelo art. 2º, “o fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e
imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e
a resistência à opressão”.

O art. 17 também protegia a propriedade, ao determinar que “como a propriedade é um


direito inviolável e sagrado, ninguém pode dela ser privado, a não ser quando a
necessidade pública legalmente comprovada o exigir evidentemente e sob condição de
justa e prévia indenização”.
A posição do Estado tornou-se essencialmente negativa, pois ele não devia desrespeitar
os direitos e liberdades inalienáveis do indivíduo. Foi a época do Estado abstencionista,
do “laissez fair, laissez passer”, que impunha ao Estado uma posição mais passiva, em
respeito à liberdade e à propriedade. Era um Estado que não intervinha na ordem social
e econômica, mas prestava apenas os serviços essenciais.

Nas palavras de Manoel Gonçalves Ferreira Filho,5 “este Estado, em sua forma típica e
original, caracteriza-se, primeiro, pelo reconhecimento de que o Poder é limitado por
um Direito superior, que está fora de seu alcance mudar. Tal Direito, natural porque
inerente à natureza do homem, constitui a fronteira que sua atuação legítima não pode
ultrapassar. Visto do ângulo dos sujeitos (passivos) do Poder, esse Direito é um feixe
de liberdades, que preexistem à sua declaração solene, e recobrem o campo da
autonomia da conduta individual. Autonomia que é a regra, a qual sofre apenas as
restrições estritamente necessárias ao convívio social”.

A ideia do direito natural, decorrente da natureza do homem e descoberto pela razão,


está na base da concepção clássica do Estado de Direito.

Com a instauração do Estado de Direito, substituiu-se a ideia da vontade do rei como


fonte de todo o Direito pela ideia da lei como resultante da vontade geral do povo,
representada pelo Parlamento. Adotando-se o princípio da separação de poderes, tirou-
se do Poder Executivo a capacidade de ditar leis gerais, já que estas constituem
expressão da vontade geral; ao Executivo compete apenas editar atos singulares
previamente disciplinados em lei.

Desse modo, o poder só é exercido de forma legítima quando resulta da lei. É a ideia
que veio expressa, de forma clara, no art. 5º da Declaração de Direitos do Homem e do
Cidadão, de 1789.

“A lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo o que não é vedado pela lei
não pode ser impedido e ninguém pode ser forçado a fazer o que ela não ordena”.

A norma completa-se com a do art. 7º, assim redigido:

“Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e
de acordo com as formas por esta prescritas. Os que solicitam, expedem, executam ou
mandam executar ordens arbitrárias serão castigados; porém todo cidadão convocado
ou detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário torna-se
culpado de resistência”.

Por sua vez, a Constituição Francesa de 1791, no art. 3º, estabelece que “não há na
França autoridade superior à da lei. O rei não reina mais senão por ela e só em nome
da lei pode exigir obediência”.

Com tais normas, ficou consagrado o princípio da legalidade, que nasceu junto com o
princípio da separação de poderes (que dá primazia ao Poder Legislativo, colocando os
dois outros sob a égide da lei) e com o princípio da igualdade (pelo qual as leis devem
ser iguais para todos, vedado qualquer tipo de discriminação).
De acordo com a lição de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, “três aspectos avultam no
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que tange à igualdade jurídica: a igualdade de todos perante o Direito, a obrigatória


uniformidade de tratamento dos casos iguais e, face negativa, a proibição das
discriminações”.

Paralelamente ao princípio da legalidade, surgiu a exigência de controle dos atos do


poder público por órgão independente, dotado do atributo da imparcialidade. Legalidade
e controle judicial passaram a constituir os dois lados da mesma moeda.

No livro da Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, no qual


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expusemos a evolução do princípio da legalidade, assim resumimos os pontos


fundamentais da concepção clássica do Estado de Direito, tal como concebido à época
do liberalismo:

1. o reconhecimento da liberdade dos cidadãos, dotados de direitos fundamentais,


universais, inalienáveis;

2. o princípio da legalidade, segundo o qual ninguém pode ser afetado em sua


liberdade senão em virtude de lei e que traz, como consequência, a vinculação da
Administração Pública à lei;

3. o princípio da judicialidade, que exige a existência de um órgão independente


para decidir os litígios;

4. o princípio da igualdade de todos perante a lei, vedado qualquer tipo de


discriminação;

5. a concepção substancial do direito que, fazendo-o decorrer da natureza do


homem, imprime-lhe caráter de justiça.

Na mesma obra, demonstramos que o princípio da legalidade, em suas origens,


coadunava-se com os princípios do liberalismo e, por isso mesmo, não tinha a mesma
extensão que adquiriu em fase subsequente.

Mantiveram-se algumas ideias herdadas do Estado de Polícia e, em especial, da teoria


da bifurcação da personalidade do Estado; tal foi o reconhecimento de que a
Administração Pública tem uma esfera de atuação livre de vinculação à lei e livre de
qualquer controle judicial. Era a ideia de discricionariedade (como poder político, isento
de controle judicial), própria daquele período, e que teve que ser compatibilizada com o
princípio da legalidade administrativa. A consequência foi que este último teve que
receber interpretação mais liberal do que a hoje adotada, aproximando-se do princípio
da autonomia da vontade que prevalece nas relações jurídicas entre particulares: a
Administração podia fazer não só o que a lei expressamente autorizasse, como também
tudo aquilo que a lei não proibisse.

Tal entendimento do princípio ficou expresso na parte inicial do art. 5º da Declaração


dos Direitos do Homem e do Cidadão, em cujos termos “a lei não proíbe senão as
ações nocivas à sociedade...”.
Essa concepção da legalidade, que gerou consequências funestas, ficou conhecida como
doutrina da vinculação negativa da Administração, já que, por ela, a lei apenas impõe
barreiras externas à liberdade de autodeterminação da Administração Pública.

Vinício Ribeiro ensina que “naquelas alturas a Administração encontrava-se limitada


não só pelo texto legal, como pelo limite externo constituído pelos direitos subjetivos
dos particulares; primeiramente, no entanto, as atenções voltaram-se para os direitos
subjetivos; a lei definia apenas as esferas jurídicas dos cidadãos como limites ao arbítrio
da Administração. Esta, dentro dos limites referidos, gozava de liberdade, de uma esfera
de irrelevância ou indiferença jurídica, que era ainda a continuação do estado de coisas
do regime de polícia. Além disso, o Parlamento era o órgão próprio e suficiente que
arcava com a função legislativa”.

García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández9 apontam dois fundamentos para essa


postura: um, de raízes históricas, pois representa “um eco da nefasta doutrina do
‘princípio monárquico’, que pretende justificar, na condição histórica do monarca
como chefe do Executivo, um princípio de liberdade autonômica na organização e no
funcionamento da Administração, que a liberaria da lei, postulada pelo princípio
democrático e pela doutrina genuína da separação dos poderes”. A outra razão, que
operou talvez de modo preponderante, foi “a interpretação heterodoxa da divisão de
poderes que lança o constitucionalismo francês desde suas origens e que se expressa
na isenção jurisdicional do Executivo, e na tendência ao fortalecimento daí resultante”.

Com efeito, os revolucionários interpretaram o princípio da separação de poderes de


forma bastante rigorosa, entendendo que os atos do Poder Executivo não podiam ser
apreciados pelo Poder Judiciário, daí resultando a formação do sistema de dualidade de
jurisdição, ainda hoje adotado na França e em outros países que nele se inspiraram, e
que acabou favorecendo o fortalecimento do Poder Executivo. Daí a tese de que só o
Parlamento pode baixar normas gerais, porque só ele representa a vontade do povo. Daí
também a ideia de que uma parte da atividade administrativa – não pertinente aos
direitos individuais – estaria livre de submissão à lei e ao controle judicial.

3. Uma primeira evolução do princípio da legalidade no Estado Social de Direito

A primeira evolução do princípio da legalidade deu-se com a superação dos princípios


do liberalismo, em decorrência das consequências nefastas que gerou: profunda
desigualdade social, com a formação de grandes monopólios, surgimento do
proletariado, em condições de miséria, doença, ignorância, que tendiam a acentuar-se
com o modelo de Estado não intervencionista.

Em decorrência disso, alguns Estados passaram a adotar regimes totalitários, enquanto


outros preferiram adotar o modelo do Estado de Direito Social, que não deixa de ser
Estado de Direito (que protege os direitos individuais, mediante a sujeição do Estado à
lei e ao controle judicial), mas que passa a preocupar-se também com o bem-comum.
Nesse modelo, também chamado de Estado do Bem-Estar, Estado Providência, Estado
do Desenvolvimento, o Estado assume novo papel: a missão de buscar a igualdade entre
os homens, perdida com o liberalismo; para alcançar esse objetivo, o Estado deve
intervir na ordem econômica e social para ajudar os menos favorecidos. A preocupação
maior desloca-se da liberdade para a igualdade.
Segundo Jean-Jacques Chevallier, “o princípio democrático, longe de contribuir para
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frear a expansão estatal, vai, ele mesmo, servir de poder propulsor; é a favor do
exercício das liberdades políticas e sob a pressão dos eleitores que vão ser
consagrados os direitos novos”, no campo social e econômico. Acrescenta o autor que
“o Estado vai ver erguerem-se as barreiras que entravam sua atuação: não há mais
‘espaço privado’ protegido, ‘sociedade civil’ preservada de suas ingerências; o Estado
vê a ele atribuir-se uma função de regulamentação global, que o leva a imiscuir-se nas
relações sociais de toda natureza, sem se deixar deter por um princípio de liberdade do
comércio e da indústria transformado, no fim dos anos, em uma concha vazia”.

A consequência foi a mudança do papel do Estado, que teve que abandonar a sua
posição passiva e começar a atuar no âmbito das atividades antes exercidas
exclusivamente por particulares. Ampliou-se a intervenção na ordem econômica e
social. Aumentou o rol de serviços públicos a cargo do Estado. Ampliou-se o poder de
polícia, que deixou de se exercer apenas na manutenção da ordem pública, e passou a
atuar em todos os ramos da atividade privada.

Paralelamente à essa mudança no papel do Estado, ocorreu também profunda alteração


no mundo do Direito, que passou a ter notável desenvolvimento no ramo publicístico e
com reflexos também no direito privado e seus princípios fundamentais, dando início ao
que se chamou de publicização do direito civil. Enquanto o individualismo, próprio do
período do Estado liberal, tomou conta do direito privado, o socialismo, próprio do
Estado Social, instalou-se no campo do direito público, em especial do direito
administrativo, que deixou de ser um corpo de normas garantidoras apenas das
liberdades individuais, para transformar-se num corpo de normas disciplinadoras de
toda a atuação da Administração Pública, sempre com vistas à consecução do bem
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comum. Isto não significa que os direitos individuais deixassem de ser reconhecidos e
protegidos; pelo contrário, estenderam o seu campo, de modo a abranger direitos sociais
e econômicos.

Por outro lado, o acréscimo de funções a cargo do Estado – que se transformou em


Estado prestador de serviços, em Estado empresário, em Estado investidor – trouxe
como consequência o fortalecimento do Poder Executivo e, inevitavelmente, sérios
golpes ao princípio da separação de poderes. Já não se vê mais o Legislativo como
único Poder de onde emanam atos de natureza normativa. O grande volume de
atribuições assumidas pelo Estado concentrou-se, em sua maioria, em mãos do Poder
Executivo que, para atuar, não podia ficar dependendo de lei, a cada vez, já que sua
promulgação depende de complexo e demorado procedimento legislativo.

Como consequência, passou-se a conferir atribuição normativa ao Poder Executivo, que


veio a exercer essa competência por meio de decretos-leis, leis delegadas, regulamentos
autônomos, medidas provisórias. O legislador, em inúmeros casos (especialmente no
direito norte-americano), passou a adotar a técnica de editar fórmulas gerais,
“standards”, para serem completados pelo Executivo; este deixou de ser apenas um
executor de normas postas pelo Legislativo.

O direito natural deixou de estar na base do direito positivo. A escola do voluntarismo


jurídico, que defende a ideia de um direito resultante da razão, substituiu a escola de
direito natural, segundo a qual o direito positivo aparece vinculado a direitos
inalienáveis, eternos, independentes da vontade do homem. O direito desvincula-se da
ideia de justiça, passando a lei a constituir apenas uma ordem. Segundo Manoel
Gonçalves Ferreira Filho, essa nova forma de conceber o Direito inspira-se em Thomas
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Hobbes que, no Leviathan, afirmava que a lei não é um conselho, é uma ordem; é a lei
que determina o justo, não é o justo que faz a norma.

A mesma ideia encontra-se em Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito. Segundo ainda
ensinamento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a doutrina positivista de Kelsen
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“exprime o Estado legal. O Direito nada mais é do que norma coativa estabelecida pela
autoridade. Esta é quem como tal estabelece a Constituição, fundada no pressuposto
lógico-transcendental (adotado por Kelsen) de que devemo-nos conduzir como a
constituição prescreve”. Por essa razão, entende o autor que o Estado de Direito se
transformou em Estado Legal.

Realmente, em sua Teoria Pura do Direito, Kelsen deixa clara a sua intenção de retirar
ao direito qualquer conteúdo axiológico. Logo no preâmbulo afirma que sua tarefa é a
de desenvolver uma “teoria pura do direito, isto é, uma teoria depurada de toda
ideologia política e de todo elemento científico-cultural, e consciente de sua
peculiaridade em razão da legalidade própria de seu objeto”. E acrescenta que “desde
o princípio teve por meta elevar a jurisprudência, que aberta ou ocultamente se
dissolvia quase por completo no racionalismo jurídico-político, à altura de uma ciência
autêntica, de uma ciência do espírito”.

Sob o ponto de vista do princípio da legalidade, o Estado de Direito Social (ou Estado
Legal) apresenta avanços e retrocessos. Ele representa um avanço na medida em que
coloca toda a atividade da Administração Pública sob a égide da lei. Aí foi grande a
influência do positivismo jurídico, que não podia conceber uma Administração Pública
desvinculada da lei. Enquanto na fase inicial do Estado de Direito (época do
liberalismo) se reconhecia à Administração Pública ampla discricionariedade (como
poder político) no espaço livre deixado pela lei, no período do Estado Social de Direito
a vinculação à lei passou a abranger toda a atividade administrativa; o princípio da
legalidade ganhou sentido novo, significando que a Administração só pode fazer o que a
lei permite. A discricionariedade passou a ser vista como um poder jurídico, limitado
pela lei.

Segundo ensinamento de Adolfo Merkl, que foi um dos primeiros, no direito


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administrativo, a seguir a lição de Kelsen, “o sentido jurídico do princípio da


legalidade consiste em que cada uma das ações administrativas se acha condicionada
por uma lei formal, da qual deve resultar a licitude ou a necessidade jurídica da ação
administrativa em questão”. Diz ele, ainda, ao tratar do princípio da juridicidade da
administração, que “toda ação administrativa concreta, se quer ter-se a certeza de que
realmente se trata de uma ação administrativa, deverá ser examinada sob o ponto de
vista de sua relação com o ordenamento jurídico. Só na medida em que possa ser
referida a um preceito jurídico ou, partindo do preceito jurídico, possa derivar dele,
manifesta-se essa ação como função jurídica, como aplicação do direito e, devido à
circunstância de que esse preceito jurídico tem que ser aplicado por um órgão
administrativo, mostra-se como ação administrativa. Se uma ação que se pretende
apresentar como ação administrativa não pode ser legitimada por um preceito jurídico
que prevê semelhante ação, não poderá ser compreendida como ação do Estado”.
Com essa extensão do princípio da legalidade a toda a atuação administrativa, o
princípio da vinculação negativa, aplicado no período inicial do Estado de Direito, é
substituído pelo princípio da vinculação positiva da Administração Pública à lei,
traduzido pela conhecida fórmula segundo a qual a Administração Pública só pode
fazer o que a lei permite.

Como consequência, a discricionariedade deixa de ser vista como poder político, livre
de submissão à lei e ao controle judicial, e assume a natureza de poder jurídico, já que
limitado pela lei. Esta não é mais uma barreira externa, fora da qual a Administração
pode agir livremente, já que toda a atuação administrativa passou a desenvolver-se
dentro de um círculo definido pela lei. Fora desse círculo nada é possível fazer.

Esse foi o avanço do princípio da legalidade.

Mas ele também experimentou algum retrocesso, pois a lei deixou de ser manifestação
da vontade geral do povo e instrumento de garantia dos direitos fundamentais, na
medida em que o Poder Legislativo deixou de ser o único a editar normas legais,
assumindo uma posição de dependência em relação ao Executivo, além de promulgar
leis em sentido apenas formal, desvinculadas da ideia de justiça.

Conforme demonstramos no livro Discricionariedade administrativa na Constituição


de 1988, inúmeros aspectos negativos costumam ser apontados pelos doutrinadores
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como decorrentes do Estado Social de Direito: (i) a perda da preeminência do Poder


Legislativo em favor do Executivo, tendo em vista que mecanismos foram criados na
estrutura dos três Poderes, gerando dependência administrativa e financeira do
Legislativo e Judiciário em relação ao Executivo, isto sem falar na preeminência, sob o
aspecto político, da figura do Presidente da República sobre os membros dos demais
Poderes; (ii) a perda do prestígio e da grandeza da lei, em decorrência de sua
desvinculação dos princípios do direito natural e da ideia de justiça, passando de
instrumento de realização do bem comum para instrumento da realização da vontade de
grupos, de classes, de partidos; (iii) a perda, em grande parte, do caráter de
generalidade, abstração, impessoalidade da lei, já que ela passa a atender interesses
parciais da sociedade ou de grupos; (iv) outorga de função normativa ao Poder
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Executivo, que passa a editar normas com a mesma força da lei, gerando instabilidade e
desconfiança que acentuam a preeminência do Poder Executivo sobre o Legislativo em
matérias da maior relevância para os direitos individuais e para o bem-estar coletivo; (v)
enfraquecimento do Poder Judiciário, na medida em que passa a examinar a lei apenas
sob o aspecto formal, sem qualquer preocupação com seu conteúdo material,
desvinculado que ficou dos princípios de direito natural que estavam presentes nas
origens do Estado de Direito.

4. O princípio da legalidade no Estado Democrático de Direito

O Estado de Direito nasceu liberal, voltado para a contenção do poder em benefício da


liberdade, da proteção dos direitos individuais. Daí a expressão Estado Liberal de
Direito. Formou-se com base nos princípios da separação de poderes, da legalidade, da
isonomia, da judicialidade.
A esses aspectos o Estado Social de Direito acrescentou a preocupação com o bem
comum e trouxe em seu bojo a ampliação do princípio da legalidade, que passou a
abranger, não só a lei, mas também os atos normativos postos pelo Poder Executivo.

Nova fase do Estado de Direito foi introduzida com a instituição do modelo de Estado
Democrático de Direito, adotado na Lei Fundamental da República Federal da
Alemanha, de 1949, e, dentre outras, na Constituição Portuguesa de 1976, na
Constituição Espanhola de 1978 e na Constituição Brasileira de 1988.

A Lei Fundamental da Alemanha determina, no art. 20, § 3º, que “o poder legislativo
está vinculado à ordem constitucional; os poderes executivo e judicial obedecem à lei e
ao direito”. A referência à lei e ao direito significa que o princípio da legalidade ganhou
nova amplitude, porque passou a exigir a submissão da Administração Pública à lei e
aos valores, princípios e fins previstos de forma implícita ou explícita na Constituição.

Além disso, a Lei Fundamental inicia com a proclamação dos direitos fundamentais,
afirmando, no art. 1º:

1. A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la é obrigação de todo poder


público.

2. O povo alemão reconhece, portanto, os direitos invioláveis e inalienáveis do


homem como fundamentos de qualquer comunidade humana, da paz e da justiça no
mundo.

3. Os direitos fundamentais a seguir discriminados constituem direito diretamente


aplicável para os poderes legislativo, executivo e judiciário.

Na Introdução dessa Constituição, publicada pelo Departamento de Imprensa e


Informação do Governo Federal de Bonn, de 1986, afirma-se que “suas normas não se
esgotam com princípios sobre estrutura e função da organização pública. A Lei
Fundamental é bem mais do que isso, um ordenamento de valores que reconhece na
defesa da liberdade e da dignidade humana o seu mais elevado bem jurídico. Sua
concepção do homem, contudo, não é a do indivíduo autocrático, mas a da
personalidade integrada na comunidade e a esta vinculada de múltiplas formas. Como
expressão de que seja tarefa do Estado servir ao ser humano, os direitos fundamentais
abrem a Lei Fundamental”.

A Constituição Espanhola de 1978, no art. 103.1, estabelece que a Administração


Pública serve com objetividade aos interesses gerais e atua com submissão plena à lei e
ao Direito.

Por sua vez, a Constituição Portuguesa de 1976, no art. 2º, determina que “a República
Portuguesa é um Estado de Direito Democrático, baseado na soberania popular, no
respeito e na garantia de expressão e organização política democrática...”. Depois, no
art. 266, coloca os princípios fundamentais a que se submete a Administração Pública,
afirmando que ela visa “a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e
interesses legalmente protegidos do cidadão”; pelo item 2, “os órgãos e agentes
administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem atuar com justiça e
imparcialidade no exercício das suas funções”.
E ainda, na parte relativa aos direitos e deveres fundamentais, o art. 16 determina que
“os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros
constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional”; e que “os
preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser
interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do
Homem”.

O importante a assinalar com relação ao Estado de Direito Democrático foi a ampliação


do princípio da legalidade, que passou a abranger, não só os atos normativos, mas
também os princípios e valores previstos de forma expressa ou implícita na
Constituição. Essa ampliação do princípio da legalidade acarretou a redução da
discricionariedade administrativa e, em consequência, a ampliação do controle judicial
sobre os atos da Administração Pública.

5. O princípio da legalidade no direito brasileiro

No direito positivo brasileiro, o princípio da legalidade foi consagrado desde a


Constituição Imperial, de 1824, cujo art. 179, I, já determinava que “nenhum cidadão
pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de Lei”.

Gilmar Ferreira Mendes, em comentário ao art. 5º, II, da atual Constituição, ensina que
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“no primeiro quartel do século XIX, a Constituição Imperial de 1824 incorporou o


postulado liberal de que todo o Direito deve expressar-se por meio de leis. Essa ideia
inicial de ‘Império da Lei’, originada dos ideários burgueses da Revolução Francesa,
buscava sua fonte inspiradora no pensamento iluminista, principalmente em Rousseau,
cujo conceito inovador na época trazia a lei como norma geral e expressão da vontade
geral (volonté general)”. E acrescenta que “a generalidade de origem e de objeto da lei
(Rousseau) e sua consideração como instrumento essencial de proteção dos direitos
dos cidadãos (Locke) permitiu, num primeiro momento, consolidar esse então novo
conceito de lei típico do Estado Liberal, expressado no art. 4º da Declaração de
Direitos de 1789: ‘A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudica ao
outro. O exercício dos direitos naturais de cada homem não tem mais limites que os
que asseguram a outros membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Estes
limites somente podem ser estabelecidos pela lei’”.

A mesma norma contida na Constituição de 1824 repetiu-se nas Constituições


posteriores, com ressalva para a de 1937. Na atual Constituição, consta do art. 5º, II, em
cujos termos “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei”.

Além disso, a Constituição de 1988 inovou ao introduzir em seu texto um capítulo


específico dedicado à Administração Pública. No art. 37, indicou os princípios a que se
submete a Administração Pública, dentre os quais o da legalidade. Inúmeros
dispositivos da Constituição contêm aplicação do mesmo princípio, como o art. 5º,
XXXIX, pelo qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal”; e o art. 150, I, pelo qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”; em
matéria de servidores públicos, o art. 37 exige lei para a fixação e alteração da
remuneração e dos subsídios dos servidores públicos (inciso X) e para a criação de
autarquia (inciso XIX); o art. 61, § 1º, exige lei para a criação de cargos, empregos ou
funções (inciso II, ”a”) e para a criação e extinção de Ministérios e órgãos da
administração pública (inciso II, “e”). Isto para mencionar apenas alguns exemplos.

Na própria legislação infraconstitucional existe previsão expressa do princípio da


legalidade em várias leis. É o caso, por exemplo, da Lei de Processo Administrativo
federal (Lei 9.784, de 29.01.1999), que, no art. 2º, caput, dá o elenco dos princípios do
processo administrativo, incluindo dentre eles o da legalidade; no parágrafo único, I, é
expressa ao exigir “atuação conforme a lei e o Direito”. Também a Lei de Licitações e
Contratos Administrativos (Lei 8.666, de 21.06.1993) faz expressa menção ao princípio
da legalidade em seu art. 3º.

No direito brasileiro, embora a norma do art. 5º, II, venha da Constituição Imperial de
1824, o princípio da legalidade acompanhou a evolução que se verificou em outros
sistemas jurídicos que adotaram o modelo do Estado de Direito.

Pela análise das diferentes fases por que passou o princípio da legalidade, verifica-se
que, em um primeiro momento, do Estado de Direito Liberal, a legalidade equiparava-se
ao princípio da autonomia da vontade, próprio das relações entre particulares,
significando que a Administração Pública pode fazer tudo o que a lei não proíbe. Essa é
a ideia expressa de forma lapidar por Hely Lopes Meirelles e que corresponde ao que
18

já vinha explícito no art. 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de


1789: “A liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem; assim, o
exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que
asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites
somente podem ser estabelecidos em lei”. A mesma ideia resultava do art. 5º da mesma
Declaração, pelo qual “a lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que
não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o
que ela não ordene”.

Além disso, a legalidade, nesse primeiro período, não abrangia toda a atividade
administrativa do Estado, restando, por herança do período do Estado de Polícia, uma
órbita de atuação livre da submissão à lei e ao controle judicial.

Em um segundo momento, do Estado de Direito Social (instaurado no Brasil a partir da


Constituição de 1934 e revigorado na Constituição de 1946), passou o princípio a ser
visto como vinculação positiva à lei, de tal modo que a Administração Pública só pode
fazer o que lei permite. Além disso, a legalidade ganhou maior amplitude, uma vez que,
com a outorga de função normativa ao Poder Executivo, a submissão da Administração
passou a se dar, não só em relação à lei, como ato do Poder Legislativo, mas também
aos atos normativos do Poder Executivo com força de lei, como os regulamentos
autônomos, os decretos-leis, as medidas provisórias. É o chamado “bloco de
legalidade” e que, na realidade, está contido na exigência de que a Administração se
submeta à lei e ao Direito.

A Constituição de 1988, de um lado, adotou o modelo de Estado Democrático de


Direito, com a inclusão de valores e princípios no conteúdo do princípio da legalidade,
para imprimir-lhe conteúdo de justiça e dar à lei um sentido material, além do
puramente formal; de outro lado, reduziu a força dos atos normativos do Poder
Executivo, no que diz respeito aos regulamentos autônomos, que deixaram de existir no
direito brasileiro.
O modelo de Estado Democrático, referido no preâmbulo da Constituição, é afirmado
no art. 1º, caput, e reafirmado no parágrafo único, sendo ainda confirmado pelo art. 3º,
19

que atribui à República, entre outros objetivos, o de garantir o desenvolvimento


nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e
regionais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação; isto sem falar no art. 6º, que garante os
direitos sociais, e no Título VIII, referente à ordem social, que tem como base o
primado do trabalho e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193), com
normas voltadas para a seguridade social, educação, cultura, adolescentes, idosos e
índios; na maioria dos casos, o Estado desenvolverá atividades com participação da
coletividade interessada, acentuando-se o caráter democrático com que se exercerá a
função administrativa do Estado.

Por sua vez, o modelo de Estado de Direito, também referido no art. 1º, significa que
toda atividade estatal está submetida à lei e ao direito, cada um dos Poderes exercendo
suas atribuições com independência em relação aos demais, e cabendo ao Judiciário,
cercado de garantias de imparcialidade e independência, apreciar a legalidade dos atos
da Administração e a constitucionalidade de leis e atos normativos editados pelos
demais Poderes.

O novo modelo veio para atender ao ideal de transformar o Estado Legal em Estado de
Direito, novamente vinculando a lei aos ideais de justiça; o objetivo é o de submeter o
Estado ao Direito e não à lei em sentido puramente formal. A lei de Processo
Administrativo Federal (Lei 9.784, de 29.01.1999), depois de incluir o princípio da
legalidade no caput do art. 2º (que dá um rol de princípios que devem ser observados
nos processos administrativos), no parágrafo único, inciso I, do mesmo dispositivo
exige seja observado o critério de “atuação conforme a lei e o Direito”.

Nas palavras de José Afonso da Silva, “a igualdade do Estado de Direito, na


20

concepção clássica, se funda num elemento puramente formal e abstrato, qual seja a
generalidade das leis. Não tem base material que se realize na vida concreta. A
tentativa de corrigir isso, no entanto, não foi capaz de assegurar a justiça social nem a
autêntica participação democrática do povo no processo político, de onde a concepção
mais recente do Estado Democrático de Direito, como Estado de legitimidade justa (ou
Estado de justiça material), fundante de uma sociedade democrática qual seja a que
instaura um processo de efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do
controle das decisões, e de sua real participação nos rendimentos da produção”.

A lei, no Estado de Direito Democrático, tem sentido formal, pelo fato de que emana do
Poder Legislativo (ressalvadas algumas hipóteses previstas na Constituição, como é o
caso das leis delegadas e medidas provisórias) e sentido também material, porque lhe
cabe o papel de realizar os valores consagrados pela Constituição sob a forma de
princípios fundamentais.

Essas ideias foram inseridas com muita clareza no preâmbulo da Constituição, que faz
referência a inúmeros valores a serem alcançados pelo Estado Democrático, “destinado
a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o
bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das
controvérsias”.

Nesse Preâmbulo estão contidos os valores essenciais que constituem fundamento de


todo o sistema jurídico brasileiro e cuja observância se impõe ao Estado no exercício de
suas funções: legislativa, judicial e administrativa.

Demonstramos, no já referido livro Discricionariedade administrativa na Constituição


de 1988, a preocupação da doutrina em realçar a importância do preâmbulo de uma
Constituição, precisamente por consagrar determinados valores fundamentais que estão
na base de todo o direito. Alguns chegam a afirmar a força obrigatória do preâmbulo.
Georges Vedel e Pierre Delvolvé afirmam que a opinião mais exata é no sentido de que
21

“em todas as suas disposições, tendo natureza de prescrições, o Preâmbulo e os textos


aos quais ele remete possuem regras de direito positivo, de natureza constitucional”.
Os autores citam jurisprudência em que o Conselho de Estado francês admite o valor
jurídico das disposições do Preâmbulo, que invoca como fonte positiva e constitucional
para explicar o alcance jurídico dos “princípios gerais do direito perante a
Administração”.

Héctor Jorge Escola também realça a importância do preâmbulo como meio de definir
22

os fins de interesse público que o Estado deve alcançar. Em sua obra, transcreve frase
de Story, segundo a qual “é uma máxima admitida no curso ordinário da justiça que o
preâmbulo de um estatuto revela a intenção do legislador, faz conhecer os males que
quis remediar e o fim que quis alcançar”.

José Cretella Júnior mostra que as opiniões de juristas brasileiros a respeito dividem-se
23

em dois grupos distintos, o primeiro acentuando a importância do Preâmbulo,


ressaltando-lhe a relação com os dispositivos do texto; o segundo, procurando
minimizar a relação entre a peça vestibular e o próprio texto articulado. Em sua opinião,
“como o Preâmbulo é elemento integrante da Constituição, assim que promulgada não
há a menor dúvida de que a ele se deve recorrer, quando surgem problemas de
hermenêutica, desde que, nessa peça vestibular ou introdutória, haja princípios que se
relacionem mesmo de modo direto ou indireto com os dispositivos constitucionais
questionados”.

Assiste razão ao mestre. Adotando o modelo de Estado de Direito Democrático, em que


existe a preocupação de imprimir conteúdo material à lei, o Preâmbulo, embora não
contenha comandos, com imposição de obrigações ou proclamação de direitos,
contempla uma série de valores considerados essenciais para o cumprimento dos fins do
Estado e que, por isso mesmo, constituem fatores determinantes na interpretação
sistemática das normas constitucionais.

Com a instauração do Estado de Direito Democrático, na Constituição de 1988,


manteve-se o princípio da vinculação positiva à lei, com a ideia de que a Administração
Pública só pode fazer o que a lei determina. Porém, mais uma vez, ampliou-se o
princípio da legalidade, com a inclusão, ao lado da lei, de valores e princípios previstos
de forma expressa e implícita na Constituição. A consequência é a maior limitação à
discricionariedade, tanto legislativa como administrativa, e a ampliação do controle pelo
Poder Judiciário, que passou a examinar aspectos que antes lhe eram vedados.
Como se verá, o princípio da legalidade, no Estado Democrático de Direito,
compreende um sentido restrito, que corresponde à chamada reserva de lei (para as
matérias que só podem ser disciplinadas por lei), e um sentido amplo, que abrange
princípios e valores, cujo principal papel é o de reduzir as opções do poder público, no
exercício de sua competência discricionária.

6. Influência da constitucionalização sobre o principio da legalidade

Embora o vocábulo constitucionalização comporte diferentes significados, o que ora


interessa é o que diz respeito à inserção, na Constituição, de valores e princípios que
passaram a orientar a atuação dos três Poderes do Estado, já que integram a legalidade
considerada em sentido amplo.

Hoje é possível afirmar que a lei, no Estado de Direito Democrático (adotado na


Constituição de 1988), tem sentido formal, pelo fato de que emana do Poder Legislativo
(com ressalva para as medidas provisórias e leis delegadas), com observância das
normas do processo legislativo postas pela Constituição, e sentido material, porque lhe
cabe o papel de realizar os valores consagrados pela Constituição sob a forma de
princípios fundamentais. Nas palavras de José Afonso da Silva, é nesse sentido que o
24

princípio da legalidade está consagrado no art. 5º, II, da Constituição, segundo o qual
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
O texto não há de ser compreendido isoladamente, mas dentro do sistema constitucional
vigente, mormente em função de regras de distribuição de competência entre os órgãos
do poder, de onde decorre que o princípio da legalidade ali consubstanciado se funda na
previsão de competência geral do Poder Legislativo para legislar sobre matérias
genericamente indicadas, de sorte que a ideia matriz está em que só o Poder Legislativo
pode criar regras que contenham, originariamente, novidade modificativa da ordem
jurídico-formal, o que faz coincidir a competência da fonte legislativa com o conteúdo
inovativo de suas instituições, com a consequência de distingui-lo da competência
regulamentar”.

Essa ideia de que a lei tem sentido material (além de formal) se reforça pela própria
leitura do preâmbulo da Constituição, que indica os valores essenciais que constituem
fundamento de todo o sistema jurídico brasileiro e cuja observância se impõe ao Estado
no exercício de suas três funções: legislativa, judicial e administrativa.

A parte introdutória da Constituição (arts. 1º a 4º) contém a afirmação dos princípios


fundamentais do Estado de Direito Democrático. Além disso, em vários outros
dispositivos revela-se a preocupação com determinados valores a serem observados no
desempenho da função estatal e, dentro desta, da função administrativa a cargo da
Administração Pública. Esta já não está mais submetida apenas à lei, em sentido formal,
mas a todos os princípios que consagram valores expressos ou implícitos na
Constituição, relacionados com a liberdade, igualdade, segurança, desenvolvimento,
bem-estar e justiça. A própria moralidade, cuja aceitação, no âmbito do direito, tem
sofrido restrições, foi erigida em princípio constitucional a que se vincula a
Administração (art. 37), além de constituir fundamento autônomo para a propositura de
ação popular (art. 5º, LXXIII). Sua infringência pode constituir lesão à probidade
administrativa (prevista como crime do Presidente da República no art. 85, V) e
constituir fundamento para a perda ou suspensão de direitos políticos (art. 15, V).
Daí poder-se afirmar que, no direito positivo brasileiro, o princípio da legalidade
também sofreu ampliação, que permite falar em submissão à lei e ao Direito, na famosa
fórmula adotada na Constituição Alemã de 1949.

7. Significado do princípio da legalidade

Pelo que foi exposto nos itens anteriores, conclui-se que é possível falar em princípio
da legalidade em sentido estrito e em sentido amplo.

O sentido estrito é reservado para as hipóteses em que a Constituição exige lei para a
prática de determinado ato pela Administração Pública. Por isso também é conhecido
como princípio da reserva de lei. É o caso, por exemplo, do art. 5º, II, pelo qual
ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei; em
decorrência desse princípio fica vedado à Administração impor deveres, aplicar
penalidades ou conceder direitos sem previsão legal. É o sentido original do princípio,
que vem desde a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, e que foi
adotado no direito brasileiro a partir da Constituição de 1824.

É nesse sentido do princípio que se encaixa o ensinamento de doutrinadores brasileiros.


Cite-se o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, quando afirma que, “ao
25

contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a
Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde, administrar
é prover aos interesses públicos, assim caracterizados em lei, fazendo-o na
conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas
disposições. Segue-se que a atividade administrativa consiste na produção de decisões
e comportamentos que, na formação escalonada do Direito, agregam níveis maiores de
concreção ao que já se contém abstratamente nas leis”.

Também aí se enquadra o ensinamento de Gilmar Ferreira Mendes, em seus


comentários ao art. 5º, II, da Constituição, quando afirma que a ideia expressa nesse
26

dispositivo “é a de que somente a lei pode criar regras jurídicas (Rechtsgesetze), no


sentido de interferir na esfera jurídica dos indivíduos de forma inovadora. Toda
novidade modificativa do ordenamento jurídico está reservada à lei”. E acrescenta o
autor que, quando o dispositivo fala em lei, ele está a abranger o bloco de legalidade ou
de constitucionalidade, abrangendo tanto a lei como a própria Constituição. Além disso,
nesse bloco de legalidade estão incluídas “as emendas constitucionais (art. 60), as leis
complementares, as leis delegadas (art. 68) e as medidas provisórias (art. 62), estas
como atos equiparados à lei em sentido formal. São os atos normativos igualmente
dotados de força de lei, ou seja, do poder de inovar originariamente na ordem jurídica”.
O autor ainda lembra que “também os tratados internacionais ratificados pelo Brasil
constituem atos equiparados à lei em sentido formal, igualmente dotados de força de lei,
com especial relevância para os tratados sobre direitos humanos, os quais, com status de
supralegalidade, situam-se na ordem jurídica num patamar entre a lei e a Constituição,
tal como fixado na recente jurisprudência do Supremo Tribunal.”

Em relação à reserva de lei, ainda cabe ressaltar que ela pode ser absoluta ou relativa. A
reserva de lei é absoluta quando a própria lei deve disciplinar determinado assunto, sem
possibilidade de complementação ou regulamentação por atos normativos do Poder
Executivo. Gilmar Mendes indica, como exemplos, o art. 14, § 9º, da Constituição,
27

pelo qual “a lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade”; e o art.


146, que reserva à lei complementar a normatização dos conflitos de competência em
matéria tributária, a regulação das limitações ao poder constitucional de tributar e a
criação de normas gerais em matéria de legislação tributária. É o caso também do art.
61, que exige lei de iniciativa do Presidente da República para uma série de matérias,
como a criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e
autárquica ou aumento de sua remuneração, regime jurídico dos servidores públicos da
União e Territórios, dentre outros. Ainda é o caso do art. 37, X, que exige lei para a
fixação e alteração da remuneração e dos subsídios dos servidores públicos, e do art. 37,
XIX, que exige lei para a criação de autarquia.

A reserva de lei é relativa quando a lei estabelece apenas os parâmetros, as diretrizes, os


standards, deixando que o Poder Executivo regulamente a matéria. O exemplo clássico
é o art. 153, § 1º, que faculta ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites
estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e
V (importação de produtos estrangeiros; exportação, para o exterior, de produtos
nacionais ou nacionalizados; produtos industrializados; e operações de crédito, câmbio e
seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários.

Em sentido amplo, o princípio da legalidade abrange não só a lei (nas várias


modalidades supra mencionadas), como também os princípios e valores contidos de
forma expressa ou implícita na Constituição e que se dirigem aos três Poderes,
limitando a discricionariedade de que dispõem. Nas palavras de Gilmar Mendes, “no 28

caso dos princípios, a estrutura normativa aberta deixa certas margens de ‘livre
deliberação’ (free Ermessen) aos Poderes do Estado. Assim ocorre quando a
Constituição, em seu art. 37, determina a obediência, pela Administração Pública, à
moralidade e à impessoalidade.

No livro da Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, apontamos a


29

importância dos princípios no direito administrativo quanto à interpretação das leis,


quanto à integração (já que devem ser invocados em caso de omissão da lei) e como
importante instrumento de limitação da discricionariedade administrativa. Segundo
entendimento então manifestado, “não se pode negar que, no direito brasileiro, o papel
dos princípios como fonte do direito administrativo passou por uma evolução muito
semelhante à ocorrida na França, ainda que por caminhos diversos. Lá, foi o papel da
jurisdição administrativa que levou a distinguir os princípios com força constitucional,
superiores à lei, e os princípios sem força constitucional. Aqui, foram as alterações no
direito positivo, principalmente a partir da Constituição de 1988. Isto porque, na Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro, os princípios constituíam fonte subsidiária
de interpretação (art. 4º). A partir do momento em que a Constituição de 1988
consagrou uma série de valores e princípios essenciais ao Estado de Direito
Democrático, também se tornou possível distinguir as duas categorias de princípios
referidas no direito francês. Os princípios de valor constitucional passaram a ocupar
posição hierárquica superior às leis ordinárias, tornando-se de observância
obrigatória para os três Poderes do Estado. Especialmente os princípios que decorrem
do Título II da Constituição, pertinente aos direitos e garantias fundamentais, são de
aplicação imediata, por força do disposto no art. 5º, § 1º. Por outro lado, os princípios
fundamentados apenas em leis infraconstitucionais continuam a constituir fonte
subsidiária do direito, nos termos do art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro”.
Como instrumento limitador da discricionariedade administrativa, os princípios
desempenham papel fundamental. Sempre que a Administração Pública tenha várias
opções para atingir a mesma finalidade, ela deve necessariamente optar por solução que
esteja em consonância com os princípios informadores do direito administrativo, grande
parte deles com fundamento constitucional. Por isso mesmo, conforme realçamos na
referida obra,30 “em vez de afirmar-se que a discricionariedade é liberdade de ação
limitada pela lei, melhor se dirá que a discricionariedade é liberdade de ação limitada
pelo Direito. O princípio da legalidade há de ser observado, não no sentido estrito,
concebido pelo positivismo jurídico e adotado no chamado Estado legal, mas no
sentido amplo que abrange os princípios que estão na base do sistema jurídico vigente,
e que permitem falar em Estado de Direito propriamente dito”.

Ainda quanto aos significados do princípio da legalidade, não se pode deixar de


mencionar o ensinamento do francês Eisenmann, lembrado por Odete Medauar. O 31

autor aponta quatro significados para o princípio: “a) a Administração pode realizar
todos os atos e medidas que não sejam contrários à lei; b) a Administração só pode
editar atos ou medidas que uma norma autoriza; c) somente são permitidos atos cujo
conteúdo seja conforme a um esquema abstrato fixado por norma legislativa; d) a
Administração só pode realizar atos ou medidas que a lei ordena fazer”.

O primeiro significado foi o que prevaleceu no período inicial do liberalismo, quando se


adotava o já referido princípio da vinculação negativa da Administração Pública à lei,
semelhante ao princípio da autonomia da vontade que caracteriza a atuação dos
particulares.

O segundo significado é o que corresponde ao sentido atual do princípio da legalidade:


todos os atos da Administração Pública devem ter fundamento em uma norma legal.
Entende-se que tal significado abrange a reserva legal absoluta e a relativa.

O terceiro significado corresponderia a uma reserva legal muito estrita, que excluiria
qualquer regulamentação por parte da Administração. Nas palavras de Odete
Medauar, o terceiro significado “traduz uma concepção rígida do princípio da
32

legalidade e corresponde à ideia de Administração somente executora da lei. Hoje não


mais se pode conceber que a Administração tenha só esse encargo. Esse significado do
princípio da legalidade não predomina na maioria das atividades administrativas,
embora no exercício do poder vinculado possa haver decisões similares a atos
concretizadores de hipóteses normativas abstratas”. Esse terceiro sentido corresponde à
reserva legal absoluta, já referida.

O quarto significado também é excessivamente restritivo da atuação administrativa.


Uma coisa é afirmar que a Administração só pode realizar o que a lei permite; outra
coisa é afirmar que a Administração só pode realizar o que a lei ordena. Esta última
hipótese transformaria a Administração em autômato executor das regras postas pelo
legislador.

Repita-se, portanto, que o segundo significado apontado é o que tem aplicação, já que
todos os atos praticados pela Administração Pública devem ser fundamentados em lei.
8. A função normativa do Poder Executivo diante do princípio da legalidade

A Constituição de 1988, de um lado, adotou o modelo de Estado Democrático de


Direito, com a inclusão de valores e princípios no princípio da legalidade (considerado
em sentido amplo); de outro lado, reduziu a força dos atos normativos do Poder
Executivo, no que diz respeito aos regulamentos autônomos, que deixaram de existir
33

no direito brasileiro.

Quanto a esse aspecto, o direito brasileiro afasta-se da sistemática adotada em outros


países, como a França, que adota o regulamento autônomo, com a mesma força da lei,
nas matérias expressamente indicadas na Constituição. Também nos Estados Unidos
reconhece-se a competência das agências reguladoras para baixar regulamentos com
força de lei.

Com efeito, no direito brasileiro, os atos normativos do Poder Executivo, ressalva feita
às medidas provisórias e às leis delegadas, não têm, a partir da Constituição de 1988, a
mesma força obrigatória que as leis, tendo em vista que não existe mais fundamento
constitucional para os chamados regulamentos autônomos, agasalhados na Constituição
anterior. Todos os atos normativos do Poder Executivo e dos órgãos e entidades da
Administração Pública, baixados por meio de decretos, portarias, resoluções, instruções,
dentre outros, colocam-se em posição hierárquica subordinada à lei.

Na Constituição de 1967, o art. 81, V, outorgava competência ao Presidente da


República para “dispor sobre a estruturação, atribuições e funcionamento dos órgãos
da administração federal”, única hipótese de decreto dessa natureza agasalhada
expressamente na legislação; tratava-se de decreto autônomo sobre matéria de
organização da Administração Pública. A atual Constituição, no art. 84, VI, na redação
original previu a mesma competência para “dispor sobre a organização e o
funcionamento da administração federal”, porém “na forma da lei”. Vale dizer que a
competência regulamentar supõe a existência de lei prévia.

Além disso, o art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, revogou, a


partir de 180 dias da promulgação da Constituição, sujeito esse prazo a prorrogação por
lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo
competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que
tange à ação normativa.

A Emenda Constitucional 32, de 11.09.2001, alterou o art. 84, VI, da Constituição, para
dar competência privativa ao Presidente da República para dispor, mediante decreto,
sobre “organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar
aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos”.

Pode-se dizer que essa é a única hipótese de regulamento autônomo que tem
fundamento constitucional, assim mesmo bastante restrita devido às limitações contidas
no dispositivo. Outra restrição também decorre do art. 61, § 1º, II, “e”, que faz depender
de lei de iniciativa do Presidente da República “a criação, estruturação e atribuições
dos Ministérios e órgãos da administração pública”. Vale dizer que o Poder Executivo
não pode, por meio de decreto, criar Ministérios e órgãos administrativos, mas apenas
estabelecer normas sobre sua organização interna e sobre o seu funcionamento, assim
mesmo sem a possibilidade de aumentar a despesa.
Em decorrência dos preceitos constitucionais citados, os atos normativos baixados pelo
Chefe do Poder Executivo, por Ministros de Estado (estes, com fundamento no art. 87,
parágrafo único, inciso II), por órgãos administrativos ou por entidades da
administração indireta, são válidos se dispuserem sobre aspectos exclusivamente
técnicos, muitas vezes fora do alcance do legislador e sem conteúdo inovador da ordem
jurídica, ou se limitarem seus efeitos ao âmbito interno da Administração, como meio
de instruir os subordinados sobre a forma de cumprir as leis e regulamentos. Tais atos
não podem, sob pena de infringência ao art. 5º, II, estabelecer normas inovadoras na
ordem jurídica, criando direitos, obrigações, punições, proibições, porque isso é
privativo do legislador. Além desse dispositivo, o art. 48 da Constituição outorga
competência exclusiva ao Congresso Nacional para “dispor sobre todas as matérias de
competência da União”.

Combinando-se tais conclusões com o que já foi exposto sobre o princípio da reserva de
lei no item 7, tem-se que entender possível, na hipótese de reserva legal relativa, a
regulamentação pelo Poder Executivo, desde que observados os parâmetros ou
diretrizes postos pelo legislador. Nesse caso, o regulamento não estará inovando na
ordem jurídica, já que essa inovação foi feita por lei; mas estará preenchendo os espaços
livres deixados intencionalmente pelo legislador para serem complementados por atos
normativos da Administração Pública. Nesse caso, entra-se na esfera de
discricionariedade administrativa de que dispõem as autoridades administrativas para a
edição de atos normativos, desde que obedecidos os parâmetros definidos em lei.

Tais atos normativos baixados pelo Poder Executivo e por órgãos e entidades da
Administração Pública são também obrigatórios, porém desde que observadas as
normas contidas em lei, ou seja, desde que observada a hierarquia das normas legais,
segundo a Constituição, e não invadam matéria de reserva de lei.

9. A função normativa das agências reguladoras diante do princípoi da legalidade

Questão que tem sido bastante controvertida no direito brasileiro é a pertinente à função
normativa das agências reguladoras. Com relação a esse aspecto, não há dúvida de que
elas também se sujeitam ao princípio da legalidade, tal como previsto no art. 5º, II, e 37
da Constituição. Em consequência, não podem criar direitos, impor obrigações, prever e
definir infrações e sanções, sem a anterior previsão em lei. No entanto, tem sido
reconhecido a elas o poder de editar atos normativos, observados determinados limites.

Já tratamos do assunto em diferentes oportunidades. Partimos da distinção entre atos


34

normativos estatais, impostos unilateralmente pelo Estado, como é o caso dos


regulamentos de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo, que têm
fundamento no art. 84, VI, da Constituição, e atos normativos decorrentes de consenso
entre o poder público e os interessados e que se enquadram como novo tipo de direito,
ainda que chamados também de regulamentos. Neste segundo caso, o ato normativo
pode ser baixado pelas agências, desde que resulte de negociação, de consenso, de
participação dos interessados. É um direito a que falta a característica da imposição
unilateral de regras de conduta. Contudo, deve colocar-se em nível hierárquico inferior
às normas estatais.

Outra conclusão a que chegamos ao tratar do assunto, parte da distinção entre os atos
normativos propriamente ditos, que ditam regras de conduta futuras, com caráter de
generalidade e abstração, à semelhança da lei, e os atos normativos de efeitos concretos,
os quais, formalmente, apresentam-se como atos normativos, mas que, quanto ao
conteúdo, são verdadeiros atos administrativos, porque decidem casos concretos. À
medida que as agências vão se deparando com situações irregulares, com atividades que
quebram o equilíbrio do mercado, que afetam a concorrência, que prejudicam o serviço
público e seus usuários, que geram conflitos, elas vão baixando atos normativos para
decidir esses casos concretos. Trata-se do tipo de atividade mais típica da função
reguladora: ela vai organizando determinado setor que lhe está afeto, respeitando o que
resulta das normas superiores (e que garantem o aspecto de estabilidade, de
continuidade, de perenidade) e adaptando as normas às situações concretas, naquilo que
elas permitem certa margem de flexibilidade ou de discricionariedade.

Outra possibilidade que se reconhece às agências é a de, por meio de atos normativos,
interpretar ou explicitar conceitos indeterminados contidos nas leis e regulamentos,
especialmente os de natureza técnica. Trata-se de conceitos que se inserem na ideia de
especialização das agências, exigindo definição mais precisa, porém sem inovar na
ordem jurídica.

Mantendo o entendimento anteriormente manifestado, a conclusão é a de que falta


fundamento constitucional para as agências reguladoras baixarem regras de conduta,
unilateralmente, inovando na ordem jurídica, afetando direitos individuais, substituindo-
se ao legislador. Esse óbice constitui-se no mínimo indispensável para preservar o
princípio da legalidade, no qual se insere também o princípio da segurança jurídica. As
agências não podem baixar normas que afetem os direitos individuais, impondo deveres,
obrigações, penalidade, ou mesmo outorgando benefícios, sem previsão em lei. Trata-se
de matéria de reserva de lei.

10. Conclusões

O princípio da legalidade nasceu com o Estado de Direito e quase que com ele se
confunde.

Legalidade e controle judicial constituem os dois lados da mesma moeda e são


essenciais para garantir os direitos individuais e coletivos previstos na Constituição.

Embora desde longa data superado o seu sentido original – levando os incautos a
falarem em crise de legalidade – o princípio, que foi idealizado pelos filósofos da
Revolução Francesa, proclamado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
de 1789 e previsto nas Constituições Brasileiras, desde a Constituição do Império, de
1824, mantém-se como o mais importante princípio do Estado de Direito, essencial para
garantir a liberdade, a igualdade, a dignidade e todos os direitos fundamentais do
homem.

Pela observância do princípio da legalidade é que são modelados todos os institutos do


direito administrativo, postos à disposição da Administração Pública e dos particulares
que com ela se relacionam. Os atos e contratos, os procedimentos, as funções
administrativas (serviço público, polícia, fomento, intervenção e regulação), as
competências dos órgãos e entidades administrativas, o controle, as infrações e
respectivas sanções, tudo tem que ser definido e delimitado por lei.
Ainda que seja impossível a previsão expressa em lei de cada ato ou conduta
administrativa, o princípio da legalidade, como vinculação positiva da Administração
Pública à lei, ainda tem plena aplicação no sentido de que todos os atos, contratos ou
condutas inseridos como função administrativa do Estado, praticados por qualquer dos
três Poderes, têm que encontrar o seu fundamento no ordenamento jurídico.

A exigência de respeito à lei e a possibilidade de recurso ao Judiciário para assegurar a


sua observância constituem a maior garantia de observância dos direitos do cidadão e
são essenciais para a segurança jurídica e demais valores consagrados no preâmbulo da
Constituição.

Notas
1
A análise do tema partiu de estudos elaborados por ocasião da tese sobre
Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988, defendida em 1990 na
Faculdade de Direito da USP, e atualizada nas edições posteriores para acompanhar a
evolução do princípio da legalidade até os dias atuais.
2
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, pp. 102-
103.

3
MERKL, Adolfo. Teoria general del derecho administrativo, p. 96.

4
ENTERRÍA, Eduardo García de; FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho
administrativo, p. 410.

5
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. O Estado de direito e o direito natural.
Estado de Direito e Constituição, p. 12.

6
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição, p. 27.

7
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição
de 1988, p 10.

8
RIBEIRO, Vinício. O Estado de Direito e o princípio da legalidade da Administração.
Coimbra: Coimbra Editora Limitada, 1981, p. 55.

9
ENTERRÍA, Eduardo García; FERNANDEZ, Tomás-Ramón. Curso de derecho
administrativo, pp. 415-416.

CHEVALLIER, Jean-Jacques. L’État de droit. Revue du droit public et de la science


10

politique, v. 2, p. 376.

Cf. RIBEIRO, Vinício. O Estado de Direito e o princípio da legalidade da


11

Administração, p. 60.

12
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição, p. 41.

13
Idem, p. 42.
14
MERKL, Adolfo. Teoria general del derecho administrativo, p. 223.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na


15

Constituição de 1988, pp. 18-20.

Cf. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição, pp. 45-
16

48.

CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang;


17

STRECK, Lenio Luiz (coords.). Comentários à Constituição do Brasil, p. 243.

18
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro, p. 86.

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos


19

Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de


Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da
pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o
pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por
meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

20
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional, p. 105.

21
VEDEL, Georges; DELVOLVÉ, Pierre. Droit administratif, p. 376.

ESCOLA, Héctor Jorge. El interés público como fundamento del derecho


22

administrativo, p. 255.

23
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988, pp. 76-77.

24
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional, p 362.

25
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 108.

In CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang;


26

STRECK, Lenio Luiz (coords.). Comentários à Constituição do Brasil, p. 244 e ss.

CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang;


27

STRECK, Lenio Luiz (coords.). Comentários à Constituição do Brasil, p. 247.

28
Idem, p. 245.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na


29

Constituição de 1988, pp. 156-162.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na


30

Constituição de 1988, p. 162.

31
MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno, p. 122.

32
Idem, p. 122.
Regulamento autônomo ou independente é o que inova na ordem jurídica, porque
33

estabelece normas sobre matérias não disciplinadas em lei. Opõe-se ao regulamento


executivo, que complementa a lei ou, nos termos do artigo 84, IV, da Constituição,
contém normas para “fiel execução da lei”.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: concessão,


34

permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas, pp. 200-


201. E também em artigo sobre “Limites da função reguladora das agências diante do
princípio da legalidade” (Direito regulatório: temas polêmicos, pp. 19-50).

Referências
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 32. ed. São
Paulo: Malheiros Editores, 2015.

CANOTILHO, J. J. Gomes; MENDES, Gilmar Ferreira; SARLET, Ingo Wolfgang;


STRECK, Lenio Luiz (coords.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo:
Saraiva: Almedina, 2013.

CHEVALIER, Jean-Jacques. L´État de Droit. Revue du droit public et de la science


politique, 1988, v. 2, pp. 313-380.

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro:


Forense Universitária, 1990. Volume 1.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Discricionariedade administrativa na Constituição


de 1988. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

__________________. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão,


franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 10. ed. São Paulo:
Atlas, 2015.

__________________. Limites da função reguladora das agências diante do princípio


da legalidade. Direito regulatório: temas polêmicos. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum,
2005, pp. 19-50.

ENTERRIA, García de; FERNANDES, Tomás Ramón. Curso de derecho


administrativo. Madri: Editorial Civitas, 1988. Tomo I.

ESCOLA, Hector Jorge. El interés público como fundamento del derecho


administrativo. Buenos Aires: Depalma, 1989.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Estado de Direito e Constituição. São Paulo:


Saraiva, 1988.

MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 11. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 28. ed. atual. por Eurico
de Andrade Azevedo, Délcio Balestgero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São
Paulo: Malheiros Editores, 2003.

MERKL, Adolfo. Teoria general del derecho administrativo. México: Editora


Nacional, 1980.

RIBEIRO, Vinício. O Estado de Direito e o princípio da legalidade da Administração.


Coimbra: Coimbra Editora Limitada, 1981.

SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1989.

VEDEL, Georges; DELVOLVÉ, Pierre. Droit administratif. Paris: Presses


Universitaires de France, 1984.

Significado do Princípio da legalidade


O que é o Princípio da legalidade:

O princípio da legalidade é um conceito jurídico que parte dos direitos e garantias


fundamentais do indivíduo e estabelece que não existe crime se não estiver previsto
em lei.

A palavra princípio significa algo que vem logo no começo, a causa, o que dá a base. É
portanto uma definição pela qual a teoria se desenvolve. No universo jurídico, os
princípios são criados para estruturar o Estado de Direito.

Legalidade vem de legal, que significa a característica daquilo que está dentro da lei.
Toda ação criada em conformidade com a legislação integra a legalidade.

O princípio da legalidade é, portanto, uma das bases do ordenamento jurídico brasileiro,


e todas as normas devem respeitar esta noção da nulidade de punição no caso de
inexistência de regra prévia. O postulado aparece desde a Constituição Federal de 1988,
assim como também faz parte do Código Penal Brasileiro.

A síntese do princípio da legalidade seria a frase latim nullum crimen nulla poena sine
lege, que na tradução do latim quer dizer que nenhum crime será punido sem que haja
uma lei.

Também de acordo com o Princípio da Legalidade ninguém está obrigado a fazer ou


deixar de fazer algo, a menos que seja previsto em lei. É o que consta no Artigo Quinto,
Inciso II, da Constituição Brasileira de 1988.

Da perspectiva do Direito Penal, o Princípio da Legalidade pode ser entendido como a


garantia individual de que o legislador não vai atuar na criação de leis e penalizações
sobre fatos acontecidos anteriormente.
Por exemplo, não estava previsto em lei que fazer grafite no muro de particulares é
crime, e nem possui punição para tal. Um indivíduo pratica tal ato em um dia. No outro,
uma lei é instaurada estabelecendo pena de até 05 anos para quem vandalize o muro
alheio. O indivíduo não pode ser condenado pelo que fez no dia anterior, apenas pelo
que possa vir a fazer depois de publicada a lei.

O princípio da legalidade é parte importante do Direito Administrativo, e limita a


Administração Pública a fazer apenas aquilo que é previsto em lei. De acordo com o
Artigo 37 da Constituição federal, que diz:

"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência(...)"

Princípio da legalidade: conheça os


principais pontos
O que diz o princípio da legalidade?

Previsto no inciso II, do Art. 5º da Constituição Federal de 1988, o princípio da


legalidade determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei”.

Isso quer dizer que o princípio da legalidade representa a liberdade do cidadão brasileiro
e defende que um sujeito só será obrigado a realizar ou não uma ação se houver prévio
regimento legal.

É um escudo de proteção para o cidadão, atuando como um mecanismo constitucional


que impõe a subordinação da Administração Pública à vontade popular, pontuando
limites entre essas relações.

Sua função central é definir o bom funcionamento do Estado Democrático, garantindo


que a vontade do povo prevaleça e seja ouvida, independentemente dos desejos do
governante.

Esse é um princípio que atua inerente ao Estado de Direito, sendo um dos seus
pressupostos, ou seja, um atua em complemento ao outro. Afinal, o Estado está
submisso à lei, e esta é imprescindível para a sua caracterização.

Características do princípio da legalidade

Entre as características do princípio da legalidade está a garantia da ordem, a


supremacia do interesse público e da impessoalidade — fatores importantes para nortear
as atividades administrativas —, além da sua proteção em relação ao autoritarismo
governamental.
O que garante o princípio da legalidade?

Como mencionado, o princípio da legalidade permeia a legislação brasileira e está


presente na nossa Constituição Federal de 1988, no seu inciso II, estabelecendo que
alguém só será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo por causa da lei.

Essa determinação assegura os direitos do cidadão e evita que ações autoritárias sejam
tomadas por governantes.

Princípio da legalidade na Administração Pública

O Art. 37 da nossa Constituição estabelece que “a Administração Pública Direta e


Indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados e Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência (…)”.

É a partir da quebra dos princípios citados acima que os atos de improbidade


administrativa são classificados.

Sendo assim, o princípio da legalidade deve acompanhar qualquer ato ou decisão


realizada pelos funcionários da Administração Pública, mantendo a conformidade em
todos os entes federativos desse setor.

Basicamente, a Administração Pública deve se submeter à vontade popular e só pode


fazer aquilo que a lei determina.

É importante estar por dentro dos princípios da legalidade, tanto como cidadão que
busca conhecer seus direitos quanto como concurseiro.

Princípio da legalidade
O Princípio da legalidade é um dos princípios mais importantes no Direito
Constitucional. Bandeira de Mello considera-o principio capital para a configuração do
regime jurídico-administrativo, e que este é a essência do Estado de Direito, pois lhe dá
identidade própria.

A atual Constituição brasileira de 1988 estabelece o princípio da legalidade para todos


os indivíduos em território nacional, segundo o texto do artigo 5º, inciso II “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

O princípio da legalidade estabelece a pauta dos direitos e deveres de todos os cidadãos,


e constitui-se como matriz da atuação da Administração Pública, quando esta tem o
poder de sacrificar juridicamente interesses individuais, como a liberdade e a
propriedade privada.

Antecedentes históricos

 Carta Magna de João Sem Terra, de 1215, na Inglaterra;


 Dos Delitos e das Penas, de 1764, de Cesare Beccaria;
 Bill of Rights, de 1772, da Filadélfia;
 Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776;
 Constituição de Maryland, de 1776;

Direito Constitucional

Este princípio está presente na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de


1789 em seu artigo 4º estabelecendo assim a transição entre o Estado de Polícia e o
Estado de Direito transformando as relações do entre individuo e Estado que eram
praticadas de forma antidemocrática e autoritária por este para um período de garantia
da democracia e da liberdade dos indivíduos, cabe ressaltar que esta alteração não foi
instantânea e levou décadas para que se concretiza-se em um direito realmente de todos.

No Brasil, ele encontra-se na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988


em seu artigo 5º, inciso II com a seguinte redação: "Ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;" aqui se encontra a base no nosso
ordenamento jurídico para que se possa transmitir paras as normas infraconstitucionais
devido a hierarquia da Constituição perante das demais normas.[1]

A finalidade deste princípio está,como dito anteriormente, na limitação do Estado e


também dos indivíduos, afinal este princípio é destinado tanto aos Poderes Públicos
quanto aos particulares. Uadi Lammêgo Bulos em Curso de Direito Constitucional
estabelece que:

Quanto aos Poderes Públicos: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário devem agir


dentro da lei; qualquer ação por parte deles, seja para ordenar ato (conduta positiva),
seja para abster fato (conduta negativa), somente será juridicamente válida se nascer da
lei em sentido formal;

Quanto aos particulares: nas relações privadas, tudo aquilo que não for proibido pela lei
é tido como permitido (princípio da autonomia da vontade) .[2]

Sendo assim apenas o ente Legislativo pode criar comandos positivos ou negativos para
que possam vir a ser cumpridos tanto pelos demais poderes quanto pelos particulares,
contudo, ele possui certos limites afinal nenhum princípio é absoluto e cada um deve ser
observado conforme o caso concreto conforme adeptos do pós-positivismo
compreendem que é a partir do caso concreto que se pode ponderar princípios podendo
dar a melhor interpretação para a norma no caso.

Princípio da Legalidade e Princípio da Reserva Legal

O princípio da legalidade possui um estreito laço com o princípio da reserva legal,


entretanto, não tem o mesmo sentido, sendo que a legalidade está contida no elo de
sujeição ou subordinação das pessoas, órgãos e entidades às leis, já o princípio da
reserva legal ou cláusula de reserva da lei estabelece quanto aos direcionamentos que
irão tratar de determinado assunto sendo a reserva absoluta da lei quando o legislador
menciona expressões do tipo: a lei regulará, a lei complementar organizará, a lei poderá
definir; outra ramificação é a reserva relativa da lei que ocorre quando o legislador usa
de fórmulas como: nos termos da lei, no prazo da lei, na forma da lei, com base na lei,
nos limites da lei. Por fim a última é a reserva indelegável da lei que determina que
apenas o Congresso Nacional será competente para discutir determinados assuntos.

Direito penal

Constitui uma efetiva limitação do poder punitivo estatal. Embora seja hoje um
princípio fundamental do Direito Penal, seu reconhecimento percorreu um longo
processo, com avanços e recuos, não passando, muitas vezes, de simples “fachada
formal” de determinados Estados. Feuerbach, no início do século XIX, consagrou o
princípio através da fórmula nullum crimen, nulla poena sine lege. O princípio é um
imperativo que não admite desvios nem exceções pois representa uma conquista da
consciência jurídica obedecendo a exigências da justiça que somente os regimes
totalitários tem o negado. Em termos esquemáticos, pode se dizer que a elaboração de
normas incriminadoras é função exclusiva da lei, ou seja, nenhum fato pode ser
considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da
ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominado-lhe a sanção
correspondente. A Constituição Federal de 1988, ao proteger direitos e garantias
fundamentais em seu art. 5º, inc. XXXIX, determina que não haverá crime sem lei
anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Para que o princípio seja
efetivo, é necessário que o legislador penal evite ao máximo o uso de expressões vagas
ou ambíguas como forma de impedir a imposição a alguém de uma punição arbitrária ou
regime disciplinar diferenciado.

Corolários do princípio da legalidade em matéria penal

 Nullo crimen, nullo poena sine lege praevia (prévia), significa que não há crime sem lei
anterior que antes venha a defini-lo, não há pena sem que haja instituição por lei.( art
1º CPB). Proibição da retroatividade da lei penal (art. 5º, XL, CF);
 Nullum crimen, nulla poena sine lege scripta (escrita), significa a proibição da
fundamentação ou do agravamento da punibilidade pelo direito consuetudinário
(costumeiro). Decorre da segurança jurídica. Proibição da criação de crimes e penas
por meio dos costumes; os costumes só servem para a interpretação da lei (horário do
repouso noturno). Só lei escrita pode prever crimes e penas;
 Nullum crimen, nulla poena sine lege stricta (proibição de analogia), significa a
proibição da fundamentação ou do agravamento da punibilidade pela analogia
(analogia in malam partem);
 Nullum crimen, nulla poena sine lege certa, significa a proibição da edição de leis
penais indeterminadas ou do emprego de normas muito gerais ou tipos incriminadores
genéricos, vazios, imprecisos, dúbios. A lei penal deve ser clara, certa, precisa,
proibindo-se conceitos vagos e imprecisos.

Exemplo

O Rufianismo, a parte que consistia em sedução de mulher honesta e virgem, era crime
previsto no Código Penal Brasileiro até 2009. Se houvesse algum indivíduo cumprindo
pena após este período, por este crime, deveria obrigatoriamente ser libertado e todo
vestígio de condenação apagada de sua ficha criminal, pois lembre-se, a lei nunca
retroage, se não em favor do réu, neste caso, sempre retroage obrigatoriamente.
Direito tributário

No Direito Tributário, o princípio da legalidade consiste em uma limitação ao poder de


tributar reservado aos entes federativos. Segundo o artigo 150, I, da Constituição
Federal, os tributos só podem ser instituídos ou majorados por meio de lei. Via de regra,
isso é promovido por meio de lei ordinária, mas a própria Constituição estabelece que
alguns tributos devem ser criados por lei complementar, como o imposto sobre grandes
fortunas.

É possível a instituição e majoração de tributo por meio de medida provisória, que


possui força de lei (art. 62, caput, CF), com exceção da matéria reservada à lei
complementar e respeitado o princípio da anterioridade tributária.

A lei instituidora do tributo deve conter todos os elementos necessários ao surgimento


da obrigação tributária, como a definição do fato gerador e a fixação da alíquota e base
de cálculo do tributo, conforme o artigo 97 do Código Tributário Nacional.

Mitigações ao princípio da legalidade

Alguns tributos de caráter extrafiscal não precisam respeitar o princípio da legalidade,


podendo ser majorados por meio de ato do Poder Executivo (um decreto, por exemplo),
dentro das condições previamente estabelecidas pela Constituição Federal. Atualmente,
isso se aplica aos impostos reguladores (II, IE, IPI, IOF), à CIDE-Combustível e ao
ICMS-Combustível.

Direito administrativo

O principio da legalidade, junto ao Controle da administração pelo Poder Judiciário,


constitui uma das principais garantias no que diz respeito aos Direitos Individuais . A lei
estabelece limites para a atuação administrativa quando esta tem por objeto a restrição
ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade .Assim, a vontade da
administração pública é aquela que decorre da lei, diferente do que acontece nas
relações entre particulares, onde impera a autonomia da vontade.

Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato


administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor
vedações aos administrados; para tanto, ela depende da lei. Nesse mesmo sentido,uma
ação que pretende apresentar-se como ação administrativa precisa estar legitimada por
um preceito jurídico, que antecipadamente preveja esta ação,e sem o qual esta não
poderá ser compreendida como ação do Estado.

A permissão para a prática de atos administrativos expressamente autorizados pela lei,


ainda que mediante simples atribuição de competência pois esta também provém da lei,
é expressão do princípio da legalidade.[3]

Direito Processual Civil

De forma geral, o princípio da legalidade pode ser resumido a partir do art. 5º, II da
Constituição Federal, que diz que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa, senão em virtude de lei." Esse princípio é o que protege a todos, pois ele
traz limites à atuação do poder público a fim de coibir abusos.

No direito processual civil, ele aparece de forma expressa no Art. 8º do CPC/2015,


quando traz que o juiz tem o dever de aplicar o ordenamento jurídico. Ou seja, ao
desempenhar a função jurisdicional (a função de aplicação da justiça) , o juiz deve
observar a aplicação do princípio da legalidade.

Esse ordenamento jurídico não abrange apenas a lei em sentido estrito, a lei feita pelo
poder Legislativo, mas também inclui qualquer norma editada de forma legítima pelo
poder público além dos princípios gerais, especialmente para os Princípios
constitucionais.

Referências

1.

 «Constituição Federal»
  BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional - 9ª ed. - São Paulo: Saraiva, 2015.

 PIETRO, Matia Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 30. ed. Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2017.

Princípio da Concentração

João Pedro Lamana Paiva¹

O princípio da concentração propugna que nenhum fato jurígeno ou ato jurídico que
diga respeito à situação jurídica de um imóvel ou às mutações subjetivas que possa vir a
sofrer podem ficar indiferentes ao registro/averbação na respectiva matrícula
imobiliária. Esse princípio foi doutrinariamente desenvolvido pelos estudos de Décio
Erpen, desembargador aposentado do TJRS, e João Pedro Lamana Paiva, registrador
imobiliário em Porto Alegre-RS, com a adesão de Mário Pazutti Mezzari, registrador
imobiliário em Pelotas-RS.
Esse princípio tem seu fundamento mais remoto no fato de que o Direito só protege
aquilo que é dado a conhecer às pessoas e, quando isso não se realize publicamente,
pelo menos que chegue ao conhecimento daquelas pessoas que tenham real interesse em
relação a determinada situação jurídica. Os direitos imobiliários, por sua vez, no direito
brasileiro, integram aquela categoria dos direitos que pressupõem a mais ampla
publicidade.
No seu aspecto formal, o princípio da concentração é um dos princípios registrais que
decorre da interpretação da Lei dos Registros Públicos e se consagrou na prática
registral brasileira, tendo sido amplamente reconhecido, não apenas pelos registradores,
mas também pela jurisprudência dos Tribunais.
É, portanto, a explicitação desse princípio, através de um texto legal incisivo, que lhe
conferirá a amplitude e reconhecimento que ele realmente necessita, passando a
promover uma verdadeira revolução no âmbito do Direito Registral Imobiliário
brasileiro.
Assim, a alegação de que esse princípio não seria de obrigatória observância no âmbito
dos princípios do Direito Registral, de modo a justificar o total afastamento de sua
aplicação, tem sido manifestada como justificativa no sentido de que ele não seja aceito
enquanto salvaguarda geradora de segurança aos negócios imobiliários, especialmente
pelos defensores da certidão de feitos ajuizados, que a veem como principal
instrumento adequado a promover essa segurança. Entretanto, esquecem seus
defensores que essa certidão, nos termos da lei, não tem sequer caráter obrigatório para
a realização de alienações e onerações imobiliárias.
O princípio da concentração, por outro lado, fornece maior segurança jurídica aos
negócios imobiliários porque procura garantir que seja consignada, dentre as
informações relevantes sobre o imóvel, num mesmo repositório submetido a grande
controle especializado, também as informações sobre a existência de ações ajuizadas
relativamente ao imóvel, dispensando que se tenha de recorrer a outras fontes para a
obtenção de informação de capital importância à segura realização das transações
imobiliárias.
O que está ocorrendo, no momento, através da proposição de projeto de lei no
Congresso Nacional, o qual pretende inserir diversas alterações no texto da Lei de
Registros Públicos, não é, simplesmente, adotar o princípio da concentração vez que ele
já está consagrado no Direito brasileiro. O que sucede é que a nova lei está preocupada
em explicitá-lo em toda a sua extensão, evidenciando o seu amplo alcance e suas
importantes consequências jurídicas.
Assim, cabe à nova lei esclarecer que, em decorrência do princípio da concentração não
mais serão oponíveis, contra terceiros, os atos e negócios jurídicos que não constarem
da matrícula do imóvel, protegendo a comunidade quanto aos atos que permanecem
ocultos em relação ao imóvel ou que estejam sendo ocultados acerca da real situação do
imóvel, em prejuízo de qualquer interessado na negociação do imóvel.
O grande mérito do princípio da concentração é oferecer uma proteção especial aos
negócios imobiliários, a qual decorre do efeito publicitário conferido pelo Registro de
Imóveis aos atos que nele ingressam.
Dessa forma, o que a nova lei pretende é afastar os riscos a que está sujeito todo aquele
que se aventura, hoje, a adquirir um imóvel no Brasil, porque há inúmeras situações
contra as quais ele não tem como se resguardar, como é o caso do promitente-
comprador que, mesmo não tendo registrado sua promessa de compra e venda na
matrícula, estará legitimado a manejar embargos contra o credor hipotecário ou contra o
credor que tenha promovido ação executiva, situações que, se adotado em sua inteireza
o princípio da concentração, não mais terão lugar.
De acordo com esse novo patamar jurídico, o adquirente também não mais será
surpreendido ao saber que o imóvel que comprou estava tombado, assim como a própria
fraude à execução passará a ser objetivamente caracterizada fazendo cessar uma
infindável discussão jurisprudencial dos Tribunais em torno do assunto e assim por
diante.
Aliás, essa explicitação mais ampla do princípio da concentração que se está
pretendendo realizar com um novo texto de lei não implicará, necessariamente, o fim da
certidão de feitos ajuizados. Ao revés, ela é apenas mais uma das fontes de informação
capazes de comprovar a existência de ações judiciais nas quais esteja envolvido certo e
determinado imóvel, especialmente quanto a ações de conhecimento, já que as
executivas estão contempladas pelo art. 615-A do Código de Processo Civil,
constituindo, portanto, um instrumento opcional, à segurança dos negócios, do qual o
adquirente poderá servir-se ou não.
O que na verdade ocorre é que aquela informação trazida pela certidão de feitos
ajuizados, quando positiva em relação a ações executivas, invariavelmente restará
albergada à matrícula, por iniciativa do exequente, visando aos potencializadores efeitos
da publicidade registral imobiliária, geradora da tão desejada segurança jurídica
àqueles que pretendam negociar o imóvel sem maiores riscos. Ou seja, terá ocorrido a
concretização do princípio da concentração, tornando inócua a exibição da certidão.
Além disso, há toda uma grande expectativa de vários setores da economia em relação à
aprovação desse projeto de lei pelo Congresso Nacional, a exemplo das empresas do
mercado da construção civil, dos bancos, do comércio imobiliário, bem como dos
notários e registradores, não só pela perspectiva de agregar grande segurança aos
negócios, mas também pela economia e agilidade na realização desses negócios, que se
estima poderem ser realizados num prazo três vezes menor do que o atualmente
praticado.
Derradeiramente, o Brasil não pode perder essa oportunidade de aperfeiçoar o seu
sistema registral imobiliário, através da aprovação do Projeto de Lei nº 5.708/2013, que
ora tramita no Congresso Nacional, tornando-o um dos melhores do mundo no
oferecimento de segurança jurídica a negócios de tão relevante e crescente importância
para a economia global como são os negócios imobiliários.
Porto Alegre/RS/setembro/2013
¹ Registrador Titular do Registro de Imóveis da 1ª Zona de Porto Alegre.

Princípio da imediação
O princípio da imediação está inserto no artigo 446, II do Código de Processo Civil
Brasileiro[1], o juiz deve proceder direta e pessoalmente à colheita das provas na
audiência, o que significa que ele deve ouvir as partes em interrogatórios ou
depoimentos pessoais, inquirir as testemunhas através de indagações formuladas pelos
procuradores das partes ou por ele mesmo, pedir esclarecimentos do perito sobre o
laudo pericial e do assistente técnico sobre o parecer técnico.

Ao lado dessa atuação genérica incumbe ao juiz, em especial, dirigir os trabalhos


fazendo uma triagem das perguntas que as partes dirigem aos peritos e às testemunhas,
indeferindo as questões impertinentes ou já respondidas, inquirindo direta e
pessoalmente os depoentes, e reproduzindo-lhes o depoimento, através de ditado, ao
datilógrafo. Atualmente[quando?] no judiciário do Rio Grande do Sul (Brasil) está havendo
uma utilização mais direta do sistema de gravação nos depoimentos principalmente nas
audiências penais.

Na direção dos trabalhos, sempre que necessário, o juiz advertirá os advogados e


representantes do Ministério Público no sentido de que defendam seus pontos de vista
com elevação e urbanidade, respeitando-se mutuamente e às demais pessoas presentes
ao ato.
Os advogados não podem intervir, nem interromper, nem influir, nem muito menos
apartear os que estão depondo, salvo com expresso consentimento do juiz. É que tal
intervenção num aparte pode prejudicar o depoimento, comprometendo a segurança e a
validade da prova, assim colhida e produzida.

Em suma, o princípio da imediação nada mais é do que permitir a produção de todas as


provas de natureza oral perante o juiz que irá proferir a sentença, pondo-o em contato
com as partes, testemunhas e peritos, também em atendimento ao princípio do livre
convencimento fundamentado.

Mas, como em quase todos os regras, existem exceções a esta, também. Por exemplo,
nas cartas rogatórias e cartas precatórias a oitiva das testemunhas e o depoimento
pessoal das partes são realizadas por outro juiz que não o do processo, embora este
possa remeter ao juiz deprecado (juiz que recebe a carta precatória) perguntas que
considerar relevantes. Outro exemplo é o caso da necessidade de intérpretes para a
oitiva de estrangeiros ou surdos-mudos.

Referências

1.

Art. 446 do CPC. Compete ao juiz em especial:


(…)
II - proceder direta e pessoalmente à colheita das provas;

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