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Noção de Estado de Direito
Antecedentes da noção de Estado de Direito:
Exemplo de precedentes político-filosófico-jurídicos:
a) na filosofia grega a conjugação das ideias de dike (processo), themis (direito) e nomos
(lei) apontava já para a limitação racional dos poderes do Estado;
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Noção de Estado de Direito
Ao nível jurídico:
O velho princípio inglês da Rule of Law colocava o
seu acento tónico:
na proibição do arbítrio, no princípio da «pré-
determinabilidade» do direito penal,
no princípio da legalidade da administração,
na igualdade perante o direito,
na independência dos tribunais,
na protecção das liberdades civis e políticas.
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Noção de Estado de Direito
nos Estados Unidos foram desenvolvidas ideias
semelhantes - Mas ao contrário da Inglaterra (onde
os direitos e princípios atrás assinalados eram
garantidos pelo direito comum — Common Law — e
pelas leis do Parlamento);
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Noção de Estado de Direito
Na França, de forma também diferente do
Rechtstaat e da Rule of Law, desenvolveu-se
o conceito de règne de Ia loi, ligado à ideia
da lei como expressão da volonté générale.
A consciencialização da defesa contra os
abusos da administração conduziu a uma
progressiva acentuação do príncipe de Ia
légalité, que virá a ter um papel fundamental
sobretudo na evolução do controlo jurídico da
actividade administrativa.
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Noção de Estado de Direito
O princípio da legalidade, na sua dimensão
revolucionária, aponta para uma perspectiva
radicalmente nova da compreensão do direito
público:
(a) quanto à fonte, o direito não está em qualquer
poder transcendente à comunidade mas nesta
mesmo;
(b) quanto à forma de manifestação ou revelação, só
a lei geral é expressão legítima da vontade da
comunidade;
(c) quanto aos fins, o direito serve para assegurar a
liberdade dos cidadãos.
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Noção de Estado de Direito
A caracterização «especificamente alemã» do Estado
de direito aparece nos fins do século XVIII e
começos do século XIX.
- A ideia de Estado de direito surge conexionada com
dois pressupostos que constituirão, a sua verdadeira
ratio essendi:
1) A ideia de legalidade de toda a actividade
estadual (mais tarde identificada como elemento
formal do Estado de direito)
2) A ideia de realização de justiça, como fim primário
do poder estadual (elemento material).
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Noção de Estado de Direito
Concretamente, constituía o instrumento da luta
política da burguesia contra o Estado absolutista
centralizador, contra os resquícios do Estado feudal,
contra as sobrevivências estamentais.
Formulado depois em termos filosóficos, o conceito
passou a alicerçar a compreensão do Estado como
Estado que respeita a liberdade ética do homem
individual (KANT) e reconhece uma vinculação
jurídica para os próprios actos.
Neste contexto, é repetida constantemente a
formulação de KANT: «O Estado é a associação de
uma pluralidade de homens sob lei jurídica»,
«pertencendo estas leis à vontade reunida do povo».
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Noção de Estado de Direito
O Estado de direito kantiano concebe-
se a priori como um «Estado de
Razão»: ele é uma exigência universal
da razão porque assegura a
coexistência livre através do direito;
este, por sua vez, entende-se como
normatividade racional, dado que a
«razão constitui o único fundamento da
legislação positiva».
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Noção de Estado de Direito
"Estado de polícia" mas não "Estado polícia"
A doutrina constitucionalista do liberalismo
inicial aproveitará o impulso filosófico para
situar o Estado de direito como um Estado
oposto ao Estado de Polícia, para o
caracterizar como um Estado à medida da
liberdade do indivíduo, na qual a lei e a
administração não constituem um
instrumento autoritário de Policey mas o
fundamento de uma ordem de liberdade.
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Noção de Estado de Direito
Mas em que consiste a «matéria» deste Estado de Direito Material?
I) O Estado é jusracionalisticamente entendido. Afastam-se ideias transpessoais
do Estado como instituição ou ordem divina, para se considerar apenas a
existência de uma res publica no interesse dos indivíduos. Ponto de partida e de
referência é o indivíduo autodeterminado, igual, livre e isolado;
II) Limitação dos fins e tarefas do Estado à garantia da liberdade e segurança
da pessoa e da propriedade individual;
III) Organização e regulamentação da actividade estadual segundo princípios
racionais de modo a construir uma ordem estadual justa: reconhecimento dos
direitos individuais, garantias dos direitos adquiridos, independência dos juizes,
responsabilidade do governo, prevalência da representação política e
participação desta no poder legislativo;
IV) Conceito de lei como eixo da concretização constitucional do Estado de
direito. Em princípio, a lei era a norma jurídica geral que, mediante a aprovação
da representação popular e mediante a adopção de um processo crítico de
discussão e publicidade, garantia a liberdade civil burguesa;
V) Esta lei é juridicamente vinculante para a administração (princípio da
legalidade da administração).
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Noção de Estado de Direito
O Estado de direito reduziu-se a um «sistema
apolítico de defesa e distanciação perante o
Estado».
Porém, esta apoliticidade formal não era mais
que o acentuar da componente burguesa do
Estado de direito.
A partir dela se desenvolveu a construção do
princípio da legalidade da administração, com
o qual, no fim da sua trajectória, se veio
identificar o Estado de direito.
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Noção de Estado de Direito
A teoria do Estado do constitucionalismo tardio, profundamente
marcada pela filosofia hegeliana do Estado, sob o domínio do
positivismo jurídico, acabará por postergar qualquer «raciocínio
político» na constituição jurídica: elimina a ideia de fim do
conceito jurídico de Estado e preocupa-se apenas com os seus
momentos formais.
Estes momentos formais podem sintetizar--se:
(1) desvinculação institucional do Estado da ideia de realização
de quaisquer fins materiais;
(2) acentuação da dimensão distanciadora da esfera livre dos
cidadãos, na qual só a lei podia intervir ou autorizar a
intervenção (reserva de lei, prevalência da lei);
(3) enquadramento legalístico da administração e alicerçamento
do princípio da legalidade da administração.
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Noção de Estado de Direito
As funções políticas e sociais deste Estado de Direito formal têm sido
salientadas:
a) afirmação da burguesia, não como um conglomerado de indivíduos, mas
como corpo político que, através do Estado de direito, visa não propriamente a
emancipação burguesa perante o Estado mas o próprio fundamento burguês do
Estado
b) através do Estado de direito formal, a burguesia assegura a distribuição
conservadora dos bens existentes (institutos jurídicos dessa distribuição:
propriedade privada, contrato, liberdade de profissão e de empresa), não
permitindo a sua inversão no sentido de fins sociais;
c) através do método jurídico exclui-se qualquer crítica intrínseca à ordem social
e política existente;
d) através da garantia de distanciação perante o Estado ocultava-se,
conscientemente, a possibilidade de concentração de poderes não estaduais
(monopólios) e a desprotecção de camadas cada vez mais numerosas da
população.
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O Estado de direito como Estado de legalidade
administrativa
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Importante para a concretização do Estado de Direito
era a definição das relações lei-administração-
indivíduo. THOMA, em 1910, salientará: «o princípio
da legalidade da administração é o fundamento do
moderno Estado de direito».
Mas o princípio da legalidade da administração não
era ainda (segundo THOMA) a realização do Estado
de direito. Para além dele, seria necessária a criação
de uma legislação que determinasse os limites da
actividade estadual, recortasse precisamente a esfera
livre dos cidadãos e criasse para eles garantias
seguras.
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O «programa da ciência do direito administrativo» era pois:
(1) princípio da legalidade da administração, exigindo-se que a
administração não actuasse contra a lei (contra legem) nem
sem fundamento legal (praeter legem, ultra legem);
(2) princípios da prevalência da lei (Vorrang des Gesetzes) e da
reserva de lei (Vorbehalt des Gesetzes);
(3) controlo judicial dos actos administrativos através de
tribunais independentes; (4) consagração da responsabilidade
do Estado e dos funcionários por danos causados por factos
ilícitos no cumprimento das suas tarefas (Staatshaftung) .
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Um papel nocivo, semelhante ao da redução
administrativa do Estado de direito, foi
desempenhada pela teoria kelseniana. Arrancando da
identidade do Estado e do direito, KELSEN seria
conduzido à consequência extrema de que qualquer
Estado é um Estado de Direito: o «Estado é como o
Rei Midas, tudo o que apanha transforma em
direito». Esta «normocracia» vazia não conduziu,
como KELSEN pensava, ao ideal de democracia como
«Fiihrerlosigkeit», antes levou uma parte da
juventude e dos juristas a procurar novos
fundamentos éticos na ideia de ditadura.
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Dimensões fundamentais do princípio do
Estado de direito
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