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TEORIA DO ESTADO II

AULAS – SLIDES PARA PROVA

Prof.ª Letícia Kreuz leticiakreuz@gmail.com


ESTADO
 Povo

 Território

 Soberania

 Uso da força

 Legitimidade
ESTADO DE DIREITO
 Contenção do poder e de arbitrariedades

 Igualdade entre os cidadãos

 Submissão do soberano ao direito

 Previsibilidade das condutas e consequências

 Democracia?
ESTADO DE DIREITO
Oscar Vilhena Vieira – Estado de Direito (texto completo no material de apoio)

 Para os defensores de direitos humanos, o Estado de Direito é visto como


uma ferramenta indispensável para evitar a discriminação e o uso
arbitrário da força. Ao mesmo tempo, a ideia de Estado de Direito, ao ser
renovada por libertários como Hayek em meados do século XX, passou a
receber forte apoio das agências financeiras internacionais e instituições de
auxílio ao desenvolvimento jurídico, como um pré-requisito essencial para
o estabelecimento de economias de mercado eficientes.
 Do outro lado do espectro político, até mesmo os marxistas, que viam
antigamente o Estado de Direito como um mero instrumento
superestrutural, voltado à manutenção do poder das elites, começaram a
vê-lo como um “bem humano incondicional”. Seria difícil encontrar
qualquer outro ideal político louvado por públicos tão diversos. Porém, a
questão é: estamos todos defendendo a mesma ideia? Obviamente não.
Cada concepção de Estado de Direito, bem como as características que
lhes são atribuídas refletem distintas concepções políticas ou econômicas
ESTADO DE DIREITO
Oscar Vilhena Vieira – Estado de Direito (texto completo no material de apoio)

 De acordo com Stephen Holmes, a principal tese de Maquiavel sobre


esse assunto é que “os governos devem ser levados a tornar o seu
próprio comportamento previsível em busca de cooperação. Os governos
tendem a se comportar como se eles fossem ‘limitados’ pela lei, ao invés
de usar a imprevisibilidade da lei como uma vara para disciplinar as
populações a eles submetidas, (...) porque eles possuem objetivos
específicos que requerem um alto grau de cooperação voluntária (...)”. 

 Assim, a lei seria usada com parcimônia pelo governante a fim de obter
cooperação por parte de grupos específicos dentro da sociedade, o que
ele não teria sem mostrar algum respeito pelos seus interesses. Na
medida em que o governante precisar de mais apoio, mais grupos serão
incluídos na proteção proporcionada pela lei e, em troca desse apoio,
eles se beneficiarão do tratamento previsível do governante. 
ESTADO DE DIREITO
Oscar Vilhena Vieira – Estado de Direito (texto completo no material de apoio)

 Dentro dessa perspectiva, o Estado de Direito é um conceito formal de acordo


com o qual os sistemas jurídicos podem ser mensurados, não a partir de um
ponto de vista substantivo, como a justiça ou a liberdade, mas por sua
funcionalidade.
 A principal função do sistema jurídico é servir de guia seguro para a ação
humana.
 Por favorecer a previsibilidade, a transparência, a generalidade, a
imparcialidade e por dar integridade à implementação do Direito, a ideia do
Estado de Direito se torna a antítese do poder arbitrário.
 Dessa maneira, as perspectivas políticas distintas que apoiam o Estado de
Direito têm em comum uma aversão ao uso arbitrário do poder; essa é uma
outra explicação sobre por que o Estado de Direito é defendido por democratas,
liberais igualitários, neoliberais e ativistas de direitos humanos.
 Em uma sociedade aberta e pluralista, que ofereça espaço para ideais
concorrentes acerca do bem público, a noção de Estado de Direito se torna uma
proteção comum contra o poder arbitrário.
ESTADO DE DIREITO
Oscar Vilhena Vieira – Estado de Direito (texto completo no material de apoio)

 No entanto, o controle do poder estatal e sua submissão à lei não é apenas


uma consequência de como o poder está socialmente distribuído. Nas
sociedades modernas, as instituições são criadas para moldar o
comportamento, através de inúmeras formas de incentivo. Instituições
também podem ser desenhadas para controlar umas às outras. Conforme
notado por Madison: quando a ambição é institucionalmente direcionada
para restringir a ambição, a possibilidade de ter o governo sob controle
aumenta.

 Contudo, o Estado de Direito tem como objetivo mais do que ter um


governo submetido ao controle constitucional e legal. Ele também procura
guiar o comportamento individual e a interação social. 

 Razões pelas quais os indivíduos seguem as leis: cognitivas, morais e


instrumentais.
ESTADO DE DIREITO
 Pietro Costa – origens, ramificações e conotações do conceito
fundamental do paradigma jurídico contemporâneo do Estado
de Direito a partir de uma análise histórica

 Características do Estado de Direito: interrelação entre o Estado


(poder político soberano) e o direito (normas) que confira
“vantagens” aos indivíduos; meio para atingir o fortalecimento
da posição dos sujeitos como titulares de direitos, cidadania

 A Constituição denotaria a afirmação da coletividade e


subordinaria o agir estatal, conformando um contexto de
legitimação do poder constituinte e dos poderes constituídos.
ESTADO DE DIREITO
 Passagem do “absolutismo” para o “liberalismo” –
gradual desvinculação dos indivíduos com os “corpos”,
elevação da liberdade relacionada à lei como fundamento
do direito

 O indivíduo só é livre enquanto age de acordo com a lei,


sendo esta capaz de protegê-lo do arbítrio – visão
fundamentada especialmente por Sieyès e Rousseau

 Soberania nas mãos da nação, legitimando a lei e


protegendo os direitos naturais do povo – valores liberais
ESTADO DE DIREITO
 “A estrutura clássica do Estado de Direito originada pelo
constitucionalismo moderno de fins do século XVIII embasava-se
na versão formal do princípio da igualdade, segundo a qual todos
devem ser tratados igualmente pelo Direito, mesmo que as pessoas
não tenham, entre si, iguais possibilidades de exercitar efetivamente
os direitos que lhes são assegurados.” – Daniel Hachem

 Canotilho – em visão histórico-descritiva, o constitucionalismo


moderno indicaria o movimento político, social e cultural que,
sobretudo a partir de meados do século XVIII, questiona nos planos
político, filosófico e jurídico os esquemas tradicionais de domínio
político, sugerindo a invenção de uma nova forma de ordenação e
fundamentação do poder político.
ESTADO DE DIREITO
 “O constitucionalismo foi utilizado, de um lado, para contrapor ao
contratualismo e à soberania popular, ideias-chave da Revolução
Francesa, os poderes constituídos no Estado. De outro, utilizou-se a
Constituição contra os poderes do monarca, limitando-os.” O ideal
era de se ter na Constituição a contenção dos extremos do poder
monárquico, agora estabelecido dentro do Estado e regido por ele, e
também da soberania popular. Isso porque o povo em si passa a ser
visto como um elemento do Estado. – Gilberto Bercovici

 Com o Estado de Direito, “a relação entre Estado e cidadãos já não


é uma relação entre soberano e súditos, mas sim entre dois sujeitos,
ambos de soberania limitada”. O princípio da legalidade estatal
vincula o soberano à observância da lei, ao princípio da maioria e
aos direitos fundamentais. – Luigi Ferrajoli
ESTADO DE DIREITO
 Gustavo Zagrebelsky – entende que é afortunada a expressão
“Estado de Direito” na ciência jurídica contemporânea, em especial
porque demonstraria a eliminação da arbitrariedade no âmbito da
atividade estatal que afeta os cidadãos.

 O Estado constitucional contém a noção de que a lei vem submetida


a uma relação de adequação e subordinação. O direito deve estar
adequado com a Constituição, além de ser subordinado a ela.

 Assim, “[o] Estado de Direito é um Estado juridicamente vinculado


em prol da autonomia individual, sujeito a princípios e regras
jurídicas.”
ESTADO DE DIREITO
 Rule of Law e Rechtstaadt

 Rule of law: antecedente direto e imediato do Estado de Direito, na doutrina


inglesa

 Fundamentos: “primeiro, a ausência de poder arbitrário por parte do Governo;


segundo, a igualdade perante a lei; terceiro, as regras da Constituição são a
consequência e não a fonte dos direitos individuais, pois ‘os princípios gerais
da Constituição são o resultado de decisões judiciais que determinam os
direitos dos particulares (private persons) em casos trazidos perante as
cortes’. Portanto, ‘a Constituição é o resultado da lei comum da terra’
(ordinary law of the land)” – Manoel Gonçalves Ferreira Filho

 Precisaram posteriormente instituir um “New Bill of Rights” e de uma


“written constitution” – parqa Canotilho, demonstra que não era igual a um
Estado de Direito
ESTADO DE DIREITO
 Rechtstaadt é o Estado de Direito na doutrina alemã

 Estado de Direito é um Estado liberal, limitado à defesa da ordem e


segurança públicas; as questões econômicas e sociais ficaram sob o domínio
dos mecanismos da liberdade individual e da liberdade de concorrência; a
garantia dos direitos fundamentais decorreria do respeito de uma esfera de
liberdade individual, sendo que a liberdade e a propriedade somente
poderiam sofrer intervenções por parte da administração quando tal fosse
permitido por uma lei aprovada pela representação popular; a limitação do
Estado pelo direito teria de estender-se ao próprio soberano, estando este
também submetido ao império da lei; e os poderes públicos, nas áreas de
defesa e segurança públicas, deveriam atuar nos termos da lei (princípio da
legalidade da administração); e, por fim, a existência de um controle judicial
da atividade da administração pública, que, no modelo alemão, poderia ser
feito ou pela jurisdição ordinária ou pela justiça administrativa (tribunais
administrativos). – Canotilho
MODERNIDADE
 Raízes culturais da Modernidade: Reforma Protestante do
século XVI; Renascimento do século XVII; Iluminismo do
século XVIII
 Razão como critério orientador da sociedade. Ideia de
progresso substitui a tradição e a conservação, características
do Antigo Regime.
 Anthony Giddens considera três marcas que estariam
associadas a Modernidade: 1) uma posição que entende o
mundo como aberto à transformação dos homens; 2) um
complexo de instituições econômicas baseadas na divisão do
trabalho, na produção industrial e na economia de mercado e
3) um arranjo de instituições políticas, principalmente o
Estado moderno centralizado e as democracias de massa.
MODERNIDADE
 Críticas: Enrique Dussel
 Conceito emancipador da Modernidade enquanto um mito
eurocêntrico pautado na colonização do “Outro” e na assimilação
cultural
 Aplicação da chamada “violência civilizadora”
 Encobrimento do Outro – “Descobrimento da América”
 Europa colocada como “centro do mundo” – posição ideológica
 O objetivo da Modernidade é a tentativa de fazer a sua
regionalidade se tornar universal –“regionalidade universalizante”
 A questão é que a Europa anterior ao século XIV não é
reconhecida como a “força fundante e essencial”. Ela passa a se
fundar com a realização de seus projetos de domínio a partir de
suas colonizações na América e na África. – Rodrigo Amorim
Castelo Branco
ESTADO
 Bresser-Pereira
 Estado é uma instituição que surge com os impérios antigos,
passa por uma transição quando se formam as primeiras
cidades-Estado na Itália no final da Idade Média, e se torna
moderno no momento em que o estado-nação substitui o
império antigo. O Estado moderno é, portanto, o resultado da
formação dos estados-nação e da Revolução Industrial. No
Estado antigo não se podia falar em uma sociedade civil
separada do Estado, porque todo o poder político estava
concentrado em uma oligarquia representada pela figura do
monarca. 
 Desejo de emancipção política levou à separação do Estado da
sociedade civil pela burguesia francesa revolucionária
ESTADO-NAÇÃO
 Essa separação se expressou em cinco transformações inter-relacionadas:
• a sociedade política deixa de ser una e passa a ser dual, separando-se a
sociedade civil do Estado;
• nessa mesma linha, o aparelho do Estado separa-se do patrimônio privado
dos soberanos e se transforma em administração pública - em uma
organização formada por oficiais públicos profissionais, eleitos (políticos)
e não eleitos (burocratas), que dirigem o Estado em nome do interesse
público e executam suas leis e políticas públicas;
• a ordem jurídica passa a ser constitucional, ou seja, um sistema de direito
baseado no império da lei ou no Estado de direito que submete o
governante;
• os súditos transformam-se em cidadãos, portadores de direitos e deveres;
• a política - negociação dentro do Estado e entre a sociedade e o Estado -
passa a ter existência própria.
ESTADO
 O Estado é a ordem jurídica e a organização ou aparelho soberano que a
garante. Tem poder coercitivo quanto à aplicação da lei e da ordem.
 Weber – o Estado é a ordem jurídica e a organização soberana que detém
o monopólio da violência legítima.
 É uma instituição universal - que se aplica a todos os que vivem em seu
território.
 O Estado moderno é a autoridade suprema que deixa de se confundir
com o monarca, e que rejeita o arbítrio real para assim se tornar a lei
universal.
 É, por um lado, a ordem jurídica à qual cabe o papel de coordenar e
regular toda a atividade social, e, por outro, o aparelho formado por
oficiais públicos (políticos e burocratas e militares) dotados do poder
exclusivo e extroverso de legislar e tributar. Poder "extroverso" porque o
Estado é uma organização que tem poder para regular a vida social,
econômica e política de quem não é seu membro direto: os cidadãos.
DEFINIÇÕES DE ESTADO
 O Estado, hodiernamente concebido, significa uma situação durável de
convivência de uma sociedade politicamente organizada, ou ainda, citando o
conceito da doutrina tradicional, o “Estado é a Nação politicamente
organizada”.

 Manuel Gonçalves Ferreira Filho – Estado é “uma associação humana


(povo), radicada em base espacial (território), que vive sob o comando de
uma autoridade (poder) não sujeita a qualquer outra (soberania)”.

 Sob o aspecto sociológico, Estado pode ser definido como “corporação


territorial dotada de um poder de mando originário (Jellinek)”; sob o prisma
político, o Estado “é comunidade de homens, fixada sobre um território, com
potestade superior de ação, de mando e de coerção (Malberg)”;
constitucionalmente, o Estado “é pessoa jurídica territorial soberana
(Biscaretti di Ruffia)”.
DEFINIÇÕES DE ESTADO
 Para Geörg Jellinek, “o Estado, enquanto ser social é uma realidade
histórico-cultural; enquanto objeto do Direito, ser jurídico, é uma
abstração ideal”, isto é, o Estado possui uma personalidade social e
uma personalidade jurídica.

 Hans Kelsen, nega a realidade social, analisando o Estado sob a ótica


de realidade jurídica, considerando-o “uma pessoa jurídica, ou seja,
como uma corporação”.

 Leon Duguit conceitua o Estado como “criação exclusiva da ordem


jurídica e representa uma organização da força a serviço do direito”.

 O Estado é o instrumento por excelência de ação coletiva da


sociedade - é a instituição através da qual a sociedade moderna busca
seus objetivos políticos.
DEFINIÇÕES DE ESTADO
 Bresser-Pereira:

 É através dele e da ação política (que é sempre uma ação coletiva) que a
sociedade politicamente orientada sob a forma de nação ou de sociedade
civil alcança seus objetivos políticos.

 O que o cidadão espera do Estado é que ele garanta seus direitos de


cidadania ou, em outras palavras, que lhe dê segurança ou o proteja: contra
o inimigo externo, contra a desordem interna, contra a violência do próprio
Estado e de cidadãos e organizações poderosos (direitos civis), contra o
governo autoritário (direitos políticos), contra a desigualdade, contra a
fome e a pobreza, em relação aos cuidados de saúde, na velhice (direito
sociais) e contra a captura do patrimônio público e do meio ambiente
(direitos republicanos). Mas isso não significa que o Estado seja um
instrumento neutro.”
DEFINIÇÕES DE ESTADO
 Bourdieu:

 Estado definido como um princípio de ortodoxia – princípio


oculto que só pode ser captado nas manifestações da ordem
pública, entendida ao mesmo tempo como ordem física e como
o inverso da desordem, da anarquia, da guerra civil, por
exemplo. Sentido físico e sentido simbólico.

 Estado detém o monopólio da violência física e simbólica ou


monopólio da violência simbólica legítima.

 É fundamento da integração lógica e da integração moral do


mundo social – mesmas percepções da realidade e acordo sobre
os valores morais.
DEFINIÇÕES DE ESTADO
 Bourdieu:
 Para que o conflito sobre o mundo social exista, é necessário
haver uma espécie de acordo sobre os terrenos de desacordo e
sobre os modos de expressão do desacordo.
 No campo político, estabelecemos uma série de “regras do
jogo” que comporiam o que Bourdieu chama de ortodoxia. Há
uma rede complexa normativa que estabelece a forma e os
meios pelos quais os conflitos se exprimem no campo
político.
 O Estado é o princípio de organização do consentimento como
adesão à ordem social, a princípios fundamentais da ordem
social. É fundamento não de um consenso, mas da existência
DEFINIÇÕES DE ESTADO
 Bourdieu:

 Estado seria, em tese, o local do “neutro”.

 Bourdieu, no entanto, diz que o Estado é o nome que damos aos


princípios ocultos, invisíveis – para designar uma espécie de deus
absconditus – da ordem social, ao mesmo tempo da dominação
tanto física como simbólica assim como da violência física e
simbólica.

 Estado seria um ilusão bem fundamentada que existe


essencialmente porque se acredita que ele existe. Seria uma
realidade ilusória coletivamente fundamentada pelo consenso. É
uma entidade teológica, que existe pela crença.
NAÇÃO
 Ataliba Nogueira
 Nação é o conjunto dos que se originam da mesma cepa, falam
a mesma língua, têm os mesmos usos e costumes, os mesmos
sentimentos, as mesmas tradições, as mesmas aspirações, de tal
sorte que tudo isto faz nascer a unidade étnica e histórica. Tais
características vinculam por tal forma os da mesma nação, que
facilmente ela se distingue de outras nações.
 Assim, onde a afluência de correntes imigratórias estrangeiras
ocasiona a mistura de sangues diferentes, é falha logo a
primeira nota, a da mesma origem. Este ou aquele ou mesmo
muitos não provêm da mesma cepa. Todavia, apresentam quase
todos os demais caracteres. Pertencem à nação, são nacionais,
muito embora sejam os neointegrados.
NAÇÃO
 Ataliba Nogueira
 Ora, sociedade supõe organização e é o direito que organiza
toda e qualquer sociedade. A sociedade supõe normas de
comportamento editadas pela autoridade social.
 A nação liga entre si os elementos do grupo, biológica,
histórica, sentimental, intelectual e artisticamente,
infundindo-lhes segunda natureza. Não é o direito, pois,
que unifica a nação e que lhe acompanha o
desenvolvimento.
 A nação influi inadvertidamente nas pessoas, modela-as; já
o estado as reduz à unidade pela subordinação, pela
obediência, por vínculos jurídicos.
NAÇÃO
 Significados do termo – Bobbio, Mateucci e Pasquino
 Século XIX – formação do Estado: “Nação deixou de ser
um termo vago, que podia ser atribuído à simples idéia de
grupo, ou à idéia de toda e qualquer forma de comunidade
política.”

 “A história do termo tem sido um grande paradoxo. A


referência à Nação foi, no decorrer da Revolução Francesa
e, mais tarde, desde meados do século XIX até nossos
dias, um dos fatores mais importantes no condicionamento
do comportamento humano na história política e social.”
NAÇÃO
 Significados do termo – Bobbio, Mateucci e Pasquino
 “Normalmente a Nação é concebida como um grupo de
pessoas unidas por laços naturais e portanto eternos — ou
pelo menos existentes ab immemorabili — e que, por causa
destes laços, se torna a base necessária para a organização do
poder sob a forma do Estado nacional. As dificuldades se
apresentam quando se busca definir a natureza destes laços,
ou, pelo menos, identificar critérios que permitam delimitar
as diversas individualidades nacionais, independentemente
da natureza dos laços que as determinam.”
 Primeiro elemento comum de identificação é o racial, que é
bastante frágil para explicar sozinho a concepção de nação
NAÇÃO
 Significados do termo – Bobbio, Mateucci e Pasquino
 “Uma segunda maneira de conceber a Nação nos é dada
pela confusa representação de uma "pessoa coletiva", de
um "organismo" vivendo vida própria, diferente da vida
dos indivíduos que o compõem. A amplitude destas
"pessoas coletivas" coincidiria com a de grupos que
teriam em comum determinadas características, tais
como a língua, os costumes, a religião, o território, etc.”
 Problemas: “a ênfase dada à língua e aos costumes
coloca em crise, em lugar de esclarecer, a idéia vigente
de Nação.”
NAÇÃO
 Significados do termo – Bobbio, Mateucci e Pasquino
 “Uma segunda maneira de conceber a Nação nos é dada
pela confusa representação de uma "pessoa coletiva", de
um "organismo" vivendo vida própria, diferente da vida
dos indivíduos que o compõem. A amplitude destas
"pessoas coletivas" coincidiria com a de grupos que
teriam em comum determinadas características, tais
como a língua, os costumes, a religião, o território, etc.”
 Problemas: “a ênfase dada à língua e aos costumes
coloca em crise, em lugar de esclarecer, a idéia vigente
de Nação.”
NAÇÃO
 Significados do termo – Bobbio, Mateucci e Pasquino

 “Uma última concepção, que remonta a Ernest Renan,


identifica a Nação — para além da existência de
quaisquer laços objetivos — com a "vontade de viver
juntos", o "plebiscito de todos os dias". Na realidade
esta tentativa de definição, em lugar de resolver o
problema, foge dele porque o que definiria Nação
neste caso, distinguindo-a de todos os outros grupos
baseados na adesão voluntária, seria a maneira de
viver juntos.”
NAÇÃO
 Significados do termo – Bobbio, Mateucci e Pasquino

 Nação como ideologia


 Comportamento nacional – manifestações do comportamento
dos indivíduos
 Ideia de fidelidade em relação ao Estado
 “Procurar nos indivíduos, mediante referenciais subjetivos, o
que vem a ser sentimento nacional, leva a esta entidade ilusória.
Utilizando referenciais objetivos encontra-se um Estado, que
todavia não é pensado assim como é, mas como sendo
justamente esta entidade ilusória.”
 Nação vai ganhar uma “existência hipotética”
NAÇÃO
 Significados do termo – Bobbio, Mateucci e Pasquino

 “Desta situação decorre que a Nação é a ideologia de um


determinado tipo de Estado, visto ser justamente o Estado a
entidade a que se dirige concretamente o sentimento de fidelidade
que a idéia de Nação suscita e mantém. Esta conclusão provisória
leva em consideração o conteúdo representativo do termo. A
função da idéia de Nação, como vimos, é a de criar e manter um
comportamento de fidelidade dos cidadãos em relação ao Estado.
A idéia de laços naturais profundos, elemento integrante do núcleo
semântico fundamental do termo, desempenha esta finalidade,
inserindo-se na esfera mais íntima da personalidade dos
indivíduos, unidos justamente por estes laços, a ponto de justificar
a elaboração de um ritual e de uma simbologia pseudo-religiosos.”
NAÇÃO
 Significados do termo – Bobbio, Mateucci e Pasquino

 “Historicamente este sentimento foi criado pela extensão forçada


a todos os cidadãos do Estado de alguns conteúdos típicos da
nacionalidade espontânea (por exemplo, a língua) ou, no caso de
se revelar inviável esta extensão, pela imposição da falsa idéia de
que alguns conteúdos típicos da nacionalidade espontânea eram
comuns a todos os cidadãos (por exemplo, os costumes). Este
processo se concretizou, nos Estados que o levaram até às
últimas conseqüências, mediante a imposição a todos os
cidadãos dos conteúdos característicos da nacionalidade
espontânea predominante e mediante a supressão das
nacionalidades espontâneas menores (a este respeito é
paradigmático o caso da França).”
NAÇÃO
 Significados do termo – Bobbio, Mateucci e Pasquino
 “A evolução do sistema de produção, provocada pela Revolução
Industrial, criou mercados de dimensões "nacionais", ampliou
conseqüentemente os horizontes da vida cotidiana de camadas cada
vez mais amplas da população e ligou ao Estado um conjunto de
comportamentos econômicos, políticos, administrativos, jurídicos que,
na fase anterior, eram totalmente independentes. Concretizavam-se,
assim, algumas das condições necessárias para o nascimento da
ideologia nacional.”
 “A idéia de Nação, mediante a representação de um obscuro e
profundo laço de sangue que orienta na mesma direção e mediante o
ritual pseudo-religioso que acompanha esta representação, foi e
permanece o instrumento mais indicado para criar e manter esta
lealdade potencialmente total.”
 Nação é ideologia do Estado burocrático
NAÇÃO
 Eduardo Rinesi afirma que a palavra Nação é ilusória, uma
ficção, um enigma. Trata-se de uma ideia falsa, uma
ideologia. É uma palavra ambivalente. Ele chega a afirmar:
“... la nación, evidentemente, no refleja una realidad
preexistente dura, cerrada e idéntica a sí misma”.

 Para Weber, haveria elementos sociológicos para se


conseguir apreender o significado de Nação; todavia, o
povo de uma Nação não necessariamente deveria coincidir
com o povo de um Estado. Tratava Weber de afirmar que a
definição de Nação como uma ideia relacionada ao povo de
um Estado gerava uma tensão constitutiva em sua
formação.
NAÇÃO
 Daniella Dias
 “Percebe-se que o conceito de Nação, por albergar inúmeros fatores
objetivos e subjetivos, mantém-se nebuloso, pois não somente
fatores étnicos, históricos, políticos, culturais, éticos e econômicos
são suficientes para defini-lo. Pode-se afirmar que a solidariedade
entre semelhantes e o interesse de viver em comunidade em razão de
desejos, valores e costumes comuns possibilitam a comunhão de
ideias, sonhos e aspirações; no entanto, esses valores e a unidade
étnica e social são insuficientes para a definição do conceito de
Nação.”
 “a Nação pode perfeitamente existir sem o Estado, pois são
realidades completamente distintas. E, por serem realidades
distintas, há a possibilidade de várias Nações reunirem-se em um só
Estado, assim como uma única Nação pode dividir-se em vários
Estados.”
NAÇÃO
 Dallari – o conceito de Nação atingiu importante significação e
recebeu uma conotação emocional forte como forma de
justificar a afirmação dos Estados como ordens territoriais
soberanas, cuja soberania residia na unidade popular, no povo.
 Em nome da nação, lutava-se contra a monarquia absoluta, e
justificava-se a assunção do poder político pelo povo
 Pode-se perceber que o conceito de Nação, apesar de conter
elementos subjetivos e objetivos profundamente complexos, é
absorvido pela teoria política e pela ciência jurídica como um
conceito objetivo para justificar e legitimar o conceito de
soberania. A soberania não mais reside no poder político
exercido pelos monarcas, mas sim no poder político oriundo da
Nação.
NAÇÃO
 Ernesto Araújo – Trump e o Ocidente
 Discurso de Trump em Varsóvia em 2017
 “O tema central é a visão de que o Ocidente – concebido como uma
comunidade de nações (e não como um amálgama indistinto sem
fronteiras) – está mortalmente ameaçado desde o interior, e somente
sobreviverá se recuperar o seu espírito.”
 “Em um momento central do discurso, Trump relembra a primeira
missa do papa polonês em Varsóvia, em 1979, quando um milhão de
pessoas entusiasmadas interrompeu o sermão para gritar “Queremos
Deus”. O presidente americano interpreta, nesse grito, uma fusão do
nacionalismo com a fé, a fé como parte integrante do sentimento
nacional e vice ‑versa: naquele momento, segundo ele “os poloneses
reafirmaram sua identidade como uma nação devotada a Deus”, pois
naquele grito “encontraram as palavras para dizer que a Polônia seria
Polônia uma vez mais”.”
NAÇÃO
 Ernesto Araújo – Trump e o Ocidente

 “O Ocidente é um conjunto, certamente, mas não uma massa disforme,


muito menos um agrupamento de estados baseado em algum tratado, e
sim um conjunto de nações – entidades definidas cada qual em sua
identidade histórica e cultural profunda, e não como entes jurídicos
abstratos – concebidas a partir de experiências únicas e não a partir de
princípios ou valores frios.”
 “O homem pós ‑moderno não tem ancestrais, as sociedades
pós‑modernas não têm heróis. Trump, ao falar de alma, desafia
frontalmente o homem pós ‑moderno, que não tem alma, que tem apenas
processos químicos ocorrendo aleatoriamente entre seus neurônios.”
 “Podemos dizer que Trump propõe um pan ‑nacionalismo – um mundo
onde a busca da paz e da prosperidade precisa basear ‑se nas nações, e
não confrontá‑las.”
NAÇÃO
 Ernesto Araújo – Trump e o Ocidente

 “O nacionalismo, a ideia de nação, está muito ligado ao nascimento do


Ocidente.”
 “Aliás, vem evidentemente do latim a palavra “nação”: natio, nationis
da mesma raiz do verbo nascor, nasci, natum, nascer. A ideia de nação
está assim profundamente ligada à autopercepção de uma comunidade
de pessoas que compartilham uma origem comum. A nação não é uma
escolha, mas um fato indelével e fundacional na vida do indivíduo
como o seu próprio nascimento. Não por acaso o marxismo cultural
globalista dos dias atuais promove ao mesmo tempo a diluição do
gênero e a diluição do sentimento nacional: querem um mundo de
pessoas “de gênero fluido” e cosmopolitas sem pátria, negando o fato
biológico do nascimento de cada pessoa em determinado gênero e em
determinada comunidade histórica.”
NAÇÃO
 Ernesto Araújo – Trump e o Ocidente

 “O Ocidente, o nacionalismo ocidental, é um sistema simbólico. Ao


homem, animal simbólico, o pós‑modernismo vinha negando esse
alimento essencial, o símbolo (“nem só de pão o homem viverá, mas
de toda palavra”). O homem vinha perdendo a função simbólica,
incapaz de pensar senão a partir de algumas categorias estereotipadas
(opressão, justiça, humanidade, etc.) sem jamais se perguntar pela
essência desses conceitos, sem jamais interrogar a sua verdade. Perdia
o símbolo e ao mesmo tempo perdia o raciocínio intelectual. Só eram
permitidas diferentes combinações e recombinações de conceitos
fechados, mas não examinar por dentro cada um desses conceitos.
Quem não tem símbolos não pensa e não sente. Por isso o projeto
político ‑intelectual da pós ‑modernidade e do marxismo cultural
dedica ‑se a desacreditar e proibir qualquer símbolo.”
NAÇÃO
 Ernesto Araújo – Trump e o Ocidente

 Brasil faz parte do Ocidente?


 “O povo brasileiro parece ser autêntica e profundamente
nacionalista e, desse modo, o Brasil não teria por que sentir ‑se
desconfortável diante de um projeto de recuperação da alma do
Ocidente a partir do sentimento nacional. Tenhamos presente
que, hoje, o Brasil pleiteia o ingresso na OCDE, ou seja, na
instituição central que caracteriza o Ocidente econômico.
Sentir‑se o Brasil também parte do Ocidente espiritual, por dizê
‑lo assim, não seria talvez absurdo. Nesta hipótese, o Brasil –
mesmo que o não queira – faz parte do Ocidente, e esse Ocidente
está – mesmo que não o veja – em um conflito de gigantescas
proporções por sua própria sobrevivência. “
POVO
 Giorgio Agamben
 “Toda interpretação do significado político do termo "povo"
deve partir do fato singular de que este, nas línguas
europeias modernas, também sempre indica os pobres, os
deserdados, os excluídos. Ou seja, um mesmo termo nomeia
tanto o sujeito político constitutivo como a classe que, de
fato se não de direito, está excluída da política.”

 Perspectiva marxista de povo vai no mesmo sentido,


englobando a classe operária na categoria
 Agamben fala que o conceito de povo contém uma fratura
biopolítica fundamental
POVO
 Giorgio Agamben
 “o nosso tempo não é senão a tentativa -implacável e
metódica- de atestar a cisão que divide o povo,
eliminando radicalmente o povo dos excluídos. Essa
tentativa reúne, segundo modalidades e horizontes
diferentes, esquerda e direita, países capitalistas e países
socialistas, unidos no projeto -em última análise inútil,
porém que se realizou parcialmente em todos os países
industrializados- de produzir um povo uno e indivisível.
A obsessão do desenvolvimento é tão eficaz no nosso
tempo porque coincide com o projeto biopolítico de
produzir um povo sem fratura.”
POVO
 Friedrich Muller – Quem é o povo?
 Quatro conceitos de povo:
• povo ativo
• povo como instância global de atribuição de
legitimidade
• povo ícone e
• povo destinatário de prestações civilizatórias do Estado
 Defende a utilização do termo como “conceito de
combate”.
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 A tentativa de conciliar o constitucionalismo com a


democracia (enquanto possibilidade de cidadãos participarem
igualmente na escolha de representantes) – Constituição
mexicana de 1917 e na Constituição de Weimar de 1919.
 Democracia pressupõe o pluralismo e o conflito de
perspectivas políticas, de ideologias.
 Século XX – gênese das Constituições democráticas
 Constituições do último período pós-guerra, como as
francesas de 1946 e 1958, a italiana de 1948 e até a alemã
Grundgestz de 1949
 Brasil – Constituição de 1946 e 1988
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 “Já no século dezenove, com o grande desenvolvimento da indústria e do


comércio e a decorrente ampliação do número de trabalhadores, surgiu a
reivindicação de reconhecimento dos direitos básicos aos membros das
camadas sociais economicamente inferiores. Isso ganhou grande ênfase
no século vinte, quando a defesa do Estado de Direito, que era a
exigência do respeito aos direitos fundamentais, com ênfase para a
liberdade, a propriedade e a igualdade dos indivíduos e entre os
indivíduos, surgiu a concepção do Estado Social de Direito. Nessa
concepção está presente a exigência de segurança jurídica para todos,
mas também a busca de realização dos ideais de justiça e igualdade pela
efetivação dos direitos fundamentais proclamados e garantidos em
documentos jurídicos de máxima relevância, como os tratados e as
Constituições. Essa concepção – o Estado Social de Direito – é um
complemento necessário do Estado Democrático, devendo ser buscada a
efetivação do Estado Democrático e Social de Direito.”
 Dalmo Dallari – Estado Democrático e Social de Direito
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 “Em rápidos traços foi essa a caminhada histórica que levou, no


século vinte, às concepções dos direitos humanos individuais e
sociais como direitos fundamentais da pessoa humana, de todas as
pessoas humanas sem qualquer discriminação. E isso foi consagrado
em documentos de natureza política e jurídica, de origem e alcance
nacional, como a Constituição, e de alcance internacional, como as
Declarações, os Tratados, as Convenções e outros documentos que
definem direitos e obrigações dos Estados signatários. No plano
internacional tem especial importância, pelo caráter de
universalidade, a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
aprovada pela Organização das Nações Unidas-ONU em 1948,
proclamando no art. 1º que “todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e direitos”.”

 Dalmo Dallari – Estado Democrático e Social de Direito


ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 “Buscando dar efetividade aos direitos constantes da Declaração


Universal dos Direitos a ONU aprovou, em 1992, dois Pactos
Internacionais, com a natureza e a eficácia jurídica dos tratados,
buscando a obtenção da adesão de todos os Estados existentes no
mundo, visando a garantia desses direitos fundamentais para
todos os seres humanos. E assim foram aprovados e postos em
vigor, ficando abertos à adesão dos Estados, o Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais, que já receberam grande
número de adesões dando importante contribuição para a busca
de universalização dos Direitos Humanos.”

 Dalmo Dallari – Estado Democrático e Social de Direito


ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 Garantia de direitos sociais – Constituição do México


de 1917 foi a primeira, seguida pela “Declaração dos
direitos do povo trabalhador e explorado” redigida no
âmbito da Revolução Russa em 1917 e pela
Constituição de Weimar em 1919.
 Declaração russa declarou abolida a propriedade
privada e a possibilidade de exploração do trabalho
assalariado; estabeleceu tratamento diferenciado dos
titulares de direitos de acordo com a classe social,
restringindo os direitos dos integrantes da classe
burguesa; proclamou o trabalho obrigatório como
dever fundamental comum a todos.
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 “A carta política mexicana de 1917 foi a primeira a qualificar os


direitos trabalhistas direitos fundamentais, juntamente com as
liberdades individuais e os direitos políticos. A importância desse
precedente histórico deve ser salientada, pois na Europa a consciência
de que os direitos humanos possuiriam uma dimensão social só veio a
se firmar depois da primeira grande guerra. A Constituição de
Weimar, em 1919, trilhou a mesma via da carta mexicana, e todas as
convenções aprovadas pela então recém-criada Organização
Internacional do Trabalho, na Conferência de Washington do mesmo
ano de 1919, regularam matérias que já constavam da Constituição
mexicana: a limitação da jornada de trabalho, o desemprego, a
proteção da maternidade, a idade mínima de admissão nos trabalhos
industriais e o trabalho noturno dos menores na indústria.”

 Ilton Norberto Robl Filho


ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 “Entre a Constituição mexicana e a Constituição de Weimar,


eclode a Revolução Russa, um acontecimento decisivo na
evolução da humanidade do século XX.
 Diversas disposições da Constituição mexicana de 1917
foram adotadas pela Revolução Russa, especialmente na
Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado.
Nesse documento são afirmadas e levadas às suas
últimasconsequências, agora com apoio da doutrina
marxista, várias medidas constantes do texto constitucional
mexicano, tanto no campo socioeconômico quanto no
político.”

 Ilton Norberto Robl Filho


ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 “Mas isso é realizado fora do quadro dos direitos humanos,


fundado no princípio da igualdade essencial entre todos, de
qualquer grupo ou classe social. Marx foi um crítico da
concepção francesa de direitos dos homens, separados dos
direitos do cidadão, como consagradora do grande separação
burguesa entre a sociedade política e sociedade civil, dicotomia
essa fundada na propriedade privada.

 Sem dúvida, na Constituição Mexicana de 1917 não se fazem as


exclusões próprias do marxismo, ou seja, o povo mexicano não é
reduzido unicamente à classe trabalhadora.”

 Ilton Norberto Robl Filho


ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 “O que importa, na verdade, é o fato de que a Constituição


mexicana foi a primeira a estabelecer a desmercantilização do
trabalho, ou seja, a proibição de equipará-lo a uma mercadoria
qualquer, sujeita à lei da oferta e da procura. A Constituição
mexicana estabeleceu, firmemente, o princípio da igualdade
substancial de posição jurídica entre trabalhadores e
empresários na relação contratual de trabalho, criou a
responsabilidade dos empregadores por acidentes de trabalho e
lançou, de modo geral, as bases para a construção do moderno
Estado Social de Direito, inclusive e fortemente, no Brasil.
Deslegitimou, com isso, as práticas de exploração mercantil do
trabalho, e, portanto, da pessoa humana.”

 Ilton Norberto Robl Filho


ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 Após a Segunda Guerra Mundial, em resposta aos momentos autoritários


e violadores de direitos ocorridos anteriormente, uma nova ordem
constitucional começa a se projetar, e o Estado de Direito tem papel
fundamental: diferente daquele liberal-constitucional oitocentista, é
hierarquizado, permitindo o controle de constitucionalidade das leis, além
de agasalhar novos direitos aos sujeitos, especialmente os direitos sociais.

 O segundo pós-guerra traz essa noção de Constituição não apenas


normativa, mas também política. Elas englobam a organização do Estado
e também a legitimação do poder, abrangendo toda a sociedade. Vale
dizer, não se restringem apenas ao Estado. A ideia que passa a prevalecer
é a de Constituição como totalidade, em uma dimensão dinâmica e
politizada, com o predomínio de Constituições sociais/programáticas.

 LK
ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

 O Estado Democrático de Direito, portanto, está baseado não apenas


no respeito a direitos individuais, mas na promoção de outros direitos
fundamentais e na decisão coletiva por aquilo que é fundamental.
Leva em consideração a limitação do poder e o estabelecimento de
“regras do jogo”, a partir dos pressupostos elementares de
organização do Estado e de normatização das condutas e pela divisão
dos poderes entre três ramos, de forma a não permitir que um único
indivíduo possa dominar os demais – ou que um único poder possa
ultrapassar as competências que lhe foram atribuídas. O
constitucionalismo se apresenta essencialmente enquanto pacto de
separação de poderes e de garantias dos sujeitos – e os poderes
constitucionais não podem ser concebidos sem essa salvaguarda de
direitos, que pressupõe os poderes divididos.

 LK
DEMOCRACIA
 Bobbio – Três grandes tradições do pensamento
político:

 a) a teoria clássica, divulgada como teoria


aristotélica, das três formas de Governo, segundo a
qual a Democracia, como Governo do povo, de todos
os cidadãos, ou seja, de todos aqueles que gozam dos
direitos de cidadania, se distingue da monarquia,
como Governo de um só, e da aristocracia, como
Governo de poucos;
DEMOCRACIA
 Bobbio – Três grandes tradições do pensamento
político:

 b) a teoria medieval, de origem romana, apoiada na


soberania popular, na base da qual há a contraposição
de uma concepção ascendente a uma concepção
descendente da soberania conforme o poder supremo
deriva do povo e se torna representativo ou deriva do
príncipe e se transmite por delegação do superior para
o inferior;
DEMOCRACIA
 Bobbio – Três grandes tradições do pensamento político:

 c) a teoria moderna, conhecida como teoria de Maquiavel,


nascida com o Estado moderno na forma das grandes
monarquias, segundo a qual as formas históricas de Governo
são essencialmente duas: a monarquia e a república, e a antiga
Democracia nada mais é que uma forma de república (a outra
é a aristocracia), onde se origina o intercâmbio característico
do período pré-revolucionário entre ideais democráticos e
ideais republicanos e o Governo genuinamente popular é
chamado, em vez de Democracia, de república.
DEMOCRACIA
 Platão – A República

 A democracia “nasce quando os pobres, após


haverem conquistado a vitória, matam alguns
adversários, mandam outros para o exílio e dividem
com os remanescentes, em condições paritárias, o
Governo e os cargos públicos, sendo estes
determinados, na maioria das vezes, pelo sorteio”

 Governo do número, de muitos ou da multidão


DEMOCRACIA
 Aristóteles – A Política

 Seis formas de governo, três formas corretas e três formas desviadas.


 Número de governantes: um só, vários e muitos.

 “O critério que permite distinguir a correção do desvio é a resposta à


pergunta: no interesse de quem se governa? Se é no interesse comum,
se trata, segundo a tripartição um-vários-muitos, das três formas
corretas seguintes: monarquia, aristocracia e politeia, ou constituição
moderada. Se é governada, não no interesse de todos, mas no
interesse dos governantes, se trata das três formas desviadas
seguintes: tirania, oligarquia e democracia”.
DEMOCRACIA
 Bobbio sobre Aristóteles

 Critério sobre a “qualidade” das formas de governo: interesse


comum ou o interesse pessoal.

 “As formas boas são aquelas em que os governantes visam ao


interesse comum; más são aquelas em que os governantes têm
em vista o interesse próprio. Este critério está estreitamente
associado ao conceito aristotélico da polis (ou do Estado, no
sentido moderno da palavra). A razão pela qual os indivíduos
se reúnem nas cidades - isto é formam comunidades políticas
— não é apenas a de viver em comum, mas a de "viver bem“.”
DEMOCRACIA GREGA
 Aristóteles, no quinto livro da Política, cita as cidades de
Cos, Rodes, Heracleia, Megara e Cumes como cidades
que tiveram seu regime democrático derrubado pela ação
de demagogos e menciona as cidades de Siracusa, Cálcis
e Ambrácia como cidades em que o povo mobilizou a
transformação de seus regimes políticos em democracia.

 Numa cidade grega com composição democrática, o


conjunto daqueles ali considerados cidadãos participa
diretamente da formulação e execução tanto da
legislação, como de decisões políticas e jurídicas.
DEMOCRACIA GREGA
 O termo grego politeia é frequentemente traduzido nas línguas modernas
por "constituição". Essa tradução não esgota, porém, os sentidos da
palavra no grego antigo. Como observa Mogens Hansen, politeia
 [...] significa, antes, a estrutura política total de uma polis: a 'alma'
da polis, como podia ser metaforicamente denominada. E, uma vez que
a polis é, primariamente, seus cidadãos, politeia também podia em
contextos adequados significar 'direitos de cidadania', ou a atividade
política de um cidadão individual, ou o conjunto do corpo dos cidadãos
como uma entidade. [...] O conceito de politeia era, por natureza e origem,
muito mais amplo do que aquilo que nós entendemos por 'constituição'.
Todavia, na prática ele era usado de forma mais restrita para designar
aquilo que, de um modo especial, ligava os cidadãos em uma sociedade:
mais especificamente, as instituições políticas de um Estado, e, num
sentido especializado, a estrutura dos órgãos de governo do Estado.
DEMOCRACIA GREGA
 Giovanni Sartori: “a pólis era uma cidade - comunidade, uma
koinonía. Tucídides definiu - a com três palavras: ándres gar pólis –
os homens é que são a cidade. É muito revelador que politeia tenha
significado, ao mesmo tempo, cidadania e estrutura (forma) da pólis.”

 Valores:
• Isonomia: igualdade perante a lei, refere-se à igualdade de direitos
dos cidadãos.
• Isegoria: igualdade no falar, mesmo direito à expressão por qualquer
cidadão.
• Isocracia: igualdade no poder , mesma oportunidade de participação
nas instituições democráticas e em suas decisões políticas.
DEMOCRACIA
 Bobbio – Democracia

 Pensamento ocidental segue a tripartição aristotélica

 Marsílio de Pádua (Defensor pacis, I, 8), São Tomás de


Aquino (Summa Theologica, I-II, qu. 105, art. 1); Bodin
(De la repúblique, II, 1), Hobbes (Decive, cap. VII,
Leviathan, cap. XIX), Locke (Segundo tratado sobre o
Governo, cap. X), Rousseau (Contrato social, III, 4; 5, 6),
Kant (Metafísica dos costumes. Doutrina do direito, § 51),
Hegel (Linhas fundamentais de filosofia do direito, § 273).
DEMOCRACIA
 Bobbio – Democracia

 Não faltaram algumas variações, entre as quais se destacam


três principais: a) a distinção entre formas de Estado e
formas de Governo, elaborada por Bodin, com base na
distinção entre a titularidade e o exercício da soberania, com
o que se pode ter uma monarquia, um Estado em que o poder
soberano pertence ao rei, governado democraticamente, pelo
fato de as magistraturas serem atribuídas pelo rei a todos
indistintamente, ou uma democracia aristocrática, como foi
Roma durante um certo período de sua história, ou uma
aristocracia democrática, e assim por diante;
DEMOCRACIA
 Bobbio – Democracia

 b) a supressão da distinção entre formas puras e formas corruptas,


feita por Hobbes, com base no princípio de que para um poder
soberano absoluto não se pode estabelecer nenhum critério para
distinguir o uso do abuso de poder, e portanto o Governo bom do
Governo mau; c) a degradação introduzida por Rousseau, das três
formas de Governo nos três modos de exercício do poder
executivo, ficando firme o princípio de que o poder legislativo,
isto é, o poder que caracteriza a soberania pertence ao povo, cuja
reunião num corpo político através do contrato social Rousseau
chama de república, não de Democracia (que é apenas uma das
formas com que se pode organizar o poder executivo).
DEMOCRACIA
 Bobbio – Democracia

 Democracia na Idade Média – ideia de soberania popular – “o povo


cria o direito não apenas através do voto, dando vida às leis, mas
também rebus ipsis et factis, dando vida aos costumes.”

 Qual poder era maior, do povo ou do príncipe? “transferência


definitiva, tanto do exercício como da titularidade (uma translatio
imperii, no verdadeiro sentido) ou uma concessão temporária e
revogável em princípio, com a conseqüência de que a titularidade do
poder teria permanecido no povo e ao príncipe seria confiado apenas
o exercício do poder (uma concessio imperii pura e simples).
DEMOCRACIA
 Bobbio – Democracia

 Marsílio de Pádua - princípio de que o poder de fazer leis, em que se


apóia o poder soberano, diz respeito unicamente ao povo, ou à sua
parte mais poderosa (valentior pars), o qual atribui a outros não
mais que o poder executivo, isto é, o poder de governar no âmbito
das leis.

 "o poder efetivo de instituir ou eleger um Governo diz respeito ao


legislador ou a todo o corpo dos cidadãos, assim como lhe diz
respeito o poder de fazer leis... Da mesma forma diz respeito ao
legislador o poder de corrigir e até de depor o governante, onde
houver vantagem comum para isso"
DEMOCRACIA
 Marsílio de Pádua - quem governa age pela “autoridade que lhe
foi outorgada para tal fim pelo legislador e segundo a forma que
este lhe indicar”.

 Dois poderes fundamentais do Estado — o legislativo e o


executivo —, o primeiro enquanto pertença exclusiva do povo é
o poder principal, enquanto que o segundo, que o povo delega a
outros sob forma de mandato revogável, é poder derivado.

 Locke e Rousseau também vão falar sobre a titularidade do


legislativo. Para Locke, este deve ser exercido por
representantes, enquanto que para Rousseau deve ser assumido
diretamente pelos cidadãos.
DEMOCRACIA
 Bobbio – Democracia

 A teoria da soberania popular e a teoria do contrato social


estão estreitamente ligados, por duas razões, pelo menos: o
populus concebido como universitas civium é ele mesmo,
na sua origem, o produto de um acordo (o chamado pactum
societatis); uma vez constituído o povo, a instituição do
Governo, quaisquer que sejam as modalidades da
transmissão do poder, total ou parcial, definitivo ou
temporário, irrevogável ou revogável, acontece na forma
própria de contrato (o chamado pactum subjectionis).
DEMOCRACIA
 “Depois do que dissemos sobre a soberania e sobre seus direitos e suas marcas,
é preciso ver quem são aqueles que em toda república detêm a soberania, para
avaliar qual é o estado [estat]. Quando a soberania reside em um só príncipe,
nós o designaremos de monarquia; se o povo tem parte nela, nós falaremos que
o estado é popular; no caso de somente uma parte do povo, podemos avaliar
que o estado é aristocrático. E usaremos essas palavras para evitar a confusão e
a obscuridade que advêm da variedade dos governantes bons e maus, os quais
deram ocasião para que muitos apresentassem mais de três tipos de república.
Mas, se essa opinião tem lugar e o estado das repúblicas é apreciado com base
nos vícios e nas virtudes, haverá um mundo deles. Ora, é certo que, para que
tenhamos definições verdadeiras e resoluções em todas as coisas, não basta que
nos detenhamos nos acidentes, que são inumeráveis, mas, antes, nas diferenças
essenciais e formais. De outro modo, poderemos cair em um labirinto infinito,
em que não cabe ciência. [...] Uma vez que a qualidade não altera a natureza
das coisas, nós diremos que só existem três estados, ou três tipos de república,
a saber a monarquia, a aristocracia e a democracia”. (Bodin, 1583)
DEMOCRACIA
 Conceito de governo em Bodin
• agentes responsáveis pela execução da vontade do soberano; três tipos
distintos de governo: popular, caso todos os súditos participem do
governo; aristocrático, se apenas uma parcela privilegiada participa; e
harmônico, quando se dá uma combinação das duas formas anteriores

• modo de exercício da soberania, com três modelos: real ou legítimo,


senhorial ou despótico e tirânico. Real: os súditos obedecem às leis do
soberano e esse último exerce o poder em conformidade com os
ditames da lei natural; senhorial: república é governada à semelhança
do governo da casa e o soberano age em relação ao seu reino e seus
súditos como o pai de família dispõe dos bens pessoais; tirânico: o
soberano despreza as leis da natureza e de Deus e abusa de seu poder,
reduzindo súditos livres à condição de escravos
DEMOCRACIA
 Bobbio – Três grandes tradições do pensamento político:

 c) a teoria moderna, conhecida como teoria de Maquiavel,


nascida com o Estado moderno na forma das grandes
monarquias, segundo a qual as formas históricas de Governo
são essencialmente duas: a monarquia e a república, e a antiga
Democracia nada mais é que uma forma de república (a outra
é a aristocracia), onde se origina o intercâmbio característico
do período pré-revolucionário entre ideais democráticos e
ideais republicanos e o Governo genuinamente popular é
chamado, em vez de Democracia, de república.
DEMOCRACIA
 Maquiavel: “Todos os Estados, todos os domínios que
tiveram e têm império sobre os homens, foram e são ou
repúblicas ou principados. Os principados são ou
hereditários, quando a estirpe do seu senhor desde longo
tempo os rege, ou novos. Estes, ou são totalmente novos,
como foi o de Milão para Francisco Sforza, ou são como
membros acrescidos ao Estado hereditário do príncipe que
os adquire, como é o reino de Nápoles para o rei da
Espanha. Os domínios assim obtidos ou estão acostumados
a viver sob o governo de um príncipe, ou habituados à
liberdade, e ganham-se ou com as armas de outrem ou com
as próprias, por obra da fortuna ou por virtude [virtù].”
DEMOCRACIA
 Bobbio: “No trecho citado observa-se logo que
Maquiavel substitui a tripartição clássica, aristotélico
polibiana, por uma bipartição. As formas de governo
passam de três a duas: principados e repúblicas. O
principado corresponde ao reino; a república, tanto à
aristocracia como à democracia. A diferença continua
a ser quantitativa (mas não só quantitativa) e é
simplificada: os Estados são governados ou por uma
só pessoa ou por muitas. Essa é a diferença
verdadeiramente essencial.”
DEMOCRACIA
 Bobbio: “Os ‘muitos’ podem ser mais ou menos
numerosos, permitindo distinguir, entre as repúblicas, as
aristocráticas e as democráticas. Mas esta segunda
distinção não se baseia mais numa diferença essencial.
Em outras palavras, ou o poder reside na vontade de um
só - é o caso do principado - ou numa vontade coletiva,
que se manifesta em colegiado ou assembléia - e temos
a república, em suas várias formas.”

 Vontade do soberano único x vontade do soberano


coletivo (pessoa jurídica, fictícia)
DEMOCRACIA
 A república, em sua contraposição à monarquia, não se
identifica com a Democracia, com o “Governo
popular”, até porque nas repúblicas democráticas
existem repúblicas aristocráticas
 República romana seria o perfeito exemplo de um
“governo misto”
 “O destino determinou que eu não saiba discutir sobre a
seda, nem sobre a lã; tampouco sobre questões de lucro
ou de perda. Minha missão é falar sobre o Estado. Será
preciso submeter-me à promessa de emudecer, ou terei
que falar sobre ele.” (Carta a F. Vettori, de 13/03/1513.)
DEMOCRACIA
 “A razão por que Florença sempre variou nos seus
governos reside no fato de que nunca houve ali
república ou principado com as qualidades devidas.
Não se pode dizer que é estável um principado onde
tudo se faz conforme deseja um só, e se delibera
mediante o consenso de muitos; nem se pode crer
que seja duradoura a república onde não se satisfaz
aqueles requisitos que a arruinam, quando não
satisfeitos.” (Exposição sobre a Reforma do Estado
de Florença a Instâncias do Papa Leão)
DEMOCRACIA
 “Quanto a impugnar o Estado de Cosmo, e à afirmativa de
que nenhum Estado pode ser estável se não é um genuíno
principado ou uma verdadeira república, porque todos os
governos intermediários são defeituosos, a razão é
claríssima: o principado só tem um caminho para a sua
dissolução, que é descer até a república; e a república só
tem um meio de dissolver-se: subir até o principado. Mas
os Estados intermediários têm dois caminhos, um no
sentido do principado, outro no sentido da república — de
onde nasce sua instabilidade.” (Exposição sobre a Reforma
do Estado de Florença a Instâncias do Papa Leão)
DEMOCRACIA
 Bobbio: “Essa não é a única contradição entre o
Maquiavel historiador e teórico da política e o
Maquiavel político, conselheiro de príncipes. Mas,
será realmente uma contradição? Os "Estados
intermediários" e os "governos mistos" serão a mesma
coisa? Penso que não. Pode-se sustentar, de fato, que
nem todas as combinações entre diferentes formas de
governo são boas - quer dizer, são governos mistos
propriamente. Não basta combinar uma forma de
governo com outra para chegar a um governo misto.”
DEMOCRACIA
 Bobbio: “o governo misto que Maquiavel identifica
no Estado romano é uma república compósita,
complexa, formada por diversas partes que mantêm
relações de concórdia contrastantes entre si. O
Estado intermediário que ele critica deriva não de
uma fusão de diversas partes, num todo que as
transcende, mas da conciliação provisória entre duas
partes que conflitam, que não chegaram a encontrar
uma constituição unitária que as abranja, superando-
as a ambas.”
DEMOCRACIA
 Modelo idealizado de República para Maquiavel:
entendida em sua oposição ao governo real, como aquela
forma de Governo em que o poder não está concentrado
nas mãos de um só mas é distribuído variadamente por
diversos órgãos colegiados, embora, por vezes,
contrastando entre si, se acham constantemente alguns
traços que contribuíram para formar a imagem ou pelo
menos uma das imagens da Democracia moderna, que
hoje, cada vez mais frequentemente, é definida como
regime policrático oposto ao regime monocrático
DEMOCRACIA
 O príncipe não é um ditador; é, mais propriamente, um
fundador do Estado, um agente da transição numa fase em que
a nação se acha ameaçada de decomposição. Quando, ao
contrário, a sociedade já encontrou formas de equilíbrio, o
poder político cumpriu sua função regeneradora e
"educadora", ela está preparada para a República. Neste
regime, que por vezes o pensador florentino chama de
liberdade, o povo é virtuoso, as instituições são estáveis e
contemplam a dinâmica das relações sociais. Os conflitos são
fonte de vigor, sinal de uma cidadania ativa, e portanto são
desejáveis. (Maria Tereza Sadek – Os Clássicos da Política –
WEFFORT)
DEMOCRACIA
 Maquiavel está preocupado com o mundo do ser, na descrição das
realidades que o circundam
 Ele mesmo reconhece que este é um caminho inovador para a época
 Vê a política como resultado de feixes de forças, proveniente das
ações concretas dos homens em sociedade, ainda que nem todas as
suas facetas venham do reino da racionalidade e sejam de imediato
reconhecíveis
 “aquele que estudar cuidadosamente o passado pode prever os
acontecimentos que se produzirão em cada Estado e utilizar os
mesmos meios que os empregados pelos antigos. Ou então, se não
há mais os remédios que já foram empregados, imaginar outros
novos, segundo a semelhança dos acontecimentos.” (Discursos,
livro I, cap. XXXIX.)
DEMOCRACIA
 Natureza humana - os homens "são ingratos, volúveis,
simuladores, covardes ante os perigos, ávidos de lucro" (O
príncipe, cap. XVII)

 “A história é cíclica, repete-se indefinidamente, já que não há


meios absolutos para "domesticar" a natureza humana. Assim,
a ordem sucede à desordem e esta, por sua vez, clama por uma
nova ordem. Como, no entanto, é impossível extinguir as
paixões e os instintos humanos, o ciclo sé repete. O que pode
variar — e nesta variação encontra-se o âmago da capacidade
criadora humana e, portanto, da política — são os tempos de
duração das formas de convívio entre os homens.” (Maria
Tereza Sadek – Os Clássicos da Política – WEFFORT)
DEMOCRACIA
 “À desordem proveniente da imutável natureza humana,
Maquiavel acresce um importante fator social de instabilidade: a
presença inevitável, em todas as sociedades, de duas forças
opostas, "uma das quais provém de não desejar o povo ser
dominado nem oprimido pelos grandes, e a outra de quererem
os grandes dominar e oprimir o povo”
 Note-se que uma das forças quer dominar, enquanto a outra não
quer ser dominada. Se todos quisessem o domínio, a oposição
seria resolvida pelo governo dos vitoriosos. Contudo, os
vitoriosos não sufocam definitivamente os vencidos, pois estes
permanecem não querendo o domínio. O problema político é
então encontrar mecanismos que imponham a estabilidade das
relações, que sustentem uma determinada correlação de forças.”
(Maria Tereza Sadek – Os Clássicos da Política – WEFFORT)
DEMOCRACIA
 “o poder se funda na força mas é necessário virtù para se manter
no poder; mais nos domínios recém-adquiridos do que naqueles há
longo tempo acostumados ao governo de um príncipe e sua família.
No entanto, nem mesmo o principado hereditário é seguro.

 Um governante virtuoso procurará criar instituições que "facilitem"


o domínio. Consequentemente, sem virtù, sem boas leis, geradoras
de boas instituições, e sem boas armas, um poder rival poderá
impor-se. Destes constrangimentos não escapam nem mesmo os
principados hereditários que pareciam a princípio tão seguros.”
(Maria Tereza Sadek – Os Clássicos da Política – WEFFORT)

 Virtù seria o domínio sobre a fortuna


DEMOCRACIA
 A virtù política exige também os vícios, assim como
exige o reenquadramento da força. O agir virtuoso é
um agir como homem e como animal. Resulta de uma
astuciosa combinação da virilidade e da natureza
animal. Quer como homem, quer como leão (para
amedrontar os lobos), quer como raposa (para
conhecer os lobos), o que conta é " o triunfo das
dificuldades e a manutenção do Estado. Os meios
para isso nunca deixarão de ser julgados honrosos, e
todos os aplaudirão" (O príncipe, cap. XVIII).
 A política tem uma ética e uma lógica próprias.
DEMOCRACIA LIBERAL
 Tom Ginsburg e Aziz Huq consideram uma
democracia constitucional liberal quando esta
apresenta três elementos essenciais, funcionalmente
entrelaçados.
 O primeiro elemento é um sistema eleitoral
democrático com eleições periódicas, livres e
justas, nas quais pessoas adultas podem votar e
eleger seus representantes e em que o lado
perdedor concede poder ao lado vencedor,
aceitando o resultado das urnas.
DEMOCRACIA LIBERAL
 O segundo ponto compreende os direitos de
liberdade, especificamente a liberdade de expressão
e de associação, vistas pelos autores como
estreitamente ligadas à democracia na prática.
 O último elemento é a necessidade de um nível de
integridade da lei e instituições legais – ou seja, é
necessária a efetivação do chamado Estado de
Direito – de modo a permitir o envolvimento
democrático sem medo ou coerção.
DEMOCRACIA LIBERAL
 A democracia liberal promove o respeito aos
direitos básicos das pessoas e políticos das cidadãs,
inclusive os direitos de liberdade, a separação dos
poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário,
eleições livres, periódicas e contrastadas do que
ocupam os cargos decisórios em cada um desses
poderes, possibilidade de alteração da Constituição
e a submissão do Estado e dos seus aparelhos à
soberania popular.
DEMOCRACIA LIBERAL
 A utilização do termo democracia liberal
constitucional tem sentido apenas com a
observância destes três pontos, pois cada um deles
é necessário à existência de um sistema de governo
autônomo. Nessa perspectiva, a democracia
denotaria um nível em que, no sistema político,
estes três predicados institucionais estivessem
operando razoavelmente bem. A falha de um deles
significaria a impossibilidade de uma legítima
democracia constitucional liberal.
DEMOCRACIA LIBERAL
 A utilização do termo democracia liberal
constitucional tem sentido apenas com a
observância destes três pontos, pois cada um deles
é necessário à existência de um sistema de governo
autônomo. Nessa perspectiva, a democracia
denotaria um nível em que, no sistema político,
estes três predicados institucionais estivessem
operando razoavelmente bem. A falha de um deles
significaria a impossibilidade de uma legítima
democracia constitucional liberal.
DEMOCRACIA LIBERAL
 Para além do sufrágio periódico, é essencial ao
constitucionalismo que o texto constitucional regule a
justiça, as relações político-sociais, a relação entre
Estado e cidadão e mesmo os confrontos entre eles, a
partir de concepções plurais e da dimensão de um
Estado preocupado em estabelecer uma ordem
democrática em que diferentes visões de mundo se
apresentam. A democracia é mais que o voto
periódico, ela é um conjunto de ações constantes, de
mediação de conflitos e de estabelecimento de
métodos de coexistência entre sujeitos distintos.
DEMOCRACIA LIBERAL
 O papel da Constituição é simultaneamente o de
controlar o poder, habilitar a competição política e
assegurar um Estado submetido ao Direito – um Direito
democraticamente posto, garantindo direitos e
restringindo poderes.

 “A função fundamental de uma constituição democrática


é contribuir para que a sociedade seja capaz de
coordenar politicamente conflitos e divergências, tendo
como baliza os procedimentos democráticos e os
princípios jurídicos assegurados.” (Oscar Vilhena)
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 Entende-se que a transição democrática se faz
presente quando um “grau suficiente de acordo foi
alcançado quanto aos procedimentos políticos
visando obter um governo eleito; quando um governo
chega ao poder como resultado direto do voto popular
livre; quando esse governo tem, de fato a autoridade
de gerar novas políticas; e quando os Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, criados pela nova
democracia, não tem que, de jure, dividir o poder com
outros organismos.” (Juan J. Linz e Alfred Stepan)
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 A democracia consolidada seria a situação em que o
“único jogo disponível na sociedade” seria o ideal
democrático, “quando nenhum grupo político de
peso faz tentativas sérias de derrubar o regime
democrático, ou propor a secessão do Estado”.
Quando esse regime se estabelece em uma
sociedade, com a expectativa de eleições periódicas e
de direito ao sufrágio para a escolha da representação
a partir de eleições livres, as crises podem existir,
mas não implicarão no colapso da democracia.
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 Na perspectiva de Linz e Stepan, a tradução dessa
consolidação democrática em termos
constitucionais seria a evidência de que,
socialmente, “todos os atores da comunidade
política habituam-se ao fato de que todos os
conflitos políticos serão resolvidos de acordo com
as normas estabelecidas e que as violações dessas
normas serão ineficazes e sairão caras”, mesmo em
meio a crises políticas e econômicas.
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 “Uma democracia é menos uma utopia normativa do
que um acordo quanto a arranjos para a regulação de
conflitos. O próprio Estado deve respeitar as leis e
agir, com relação aos cidadãos, como fonte
reguladora de conflitos.”
 Desse modo, para que possa mediar esses conflitos, é
necessária a extensão territorial das instituições e
capacidade normativa do Estado, bem como a visão
de que este é instrumento utilizável para a solução
das questões evidenciadas pela comunidade política.
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 Linz e Stepan entendiam que o Brasil era em 1999
um caso de democracia não consolidada,
imputando ao sistema multipartidário fragmentado
combinado ao presidencialismo um espectro de
democracia pouco duradoura. Avaliavam que
eventuais desgastes, combinados às desigualdades
sociais fortemente presentes no país, seriam
consequência de problemas decorrentes da
transição, os quais o sistema político fora incapaz
de solucionar.
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 Francisco Weffort, ao conceituar acerca das
chamadas “novas democracias” na década de 1990,
aborda a questão do conflito e da coexistência entre
adversários como um pilar da noção de democracia.
“Como diz o axioma teórico básico de Dahl, uma
democracia é o fruto de uma situação na qual os
adversários consideram a coexistência menos custosa
do que a destruição recíproca. Vai num sentido
semelhante a proposição básica de Przeworski de
que a democracia é resultado de conflitos.”
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 A consolidação democrática representa a
possibilidade de solução de controvérsias dentro
das “regras do jogo” constitucional, possibilitando
a participação de grupos diversos com distintas
concepções sobre o futuro, mas tendo em comum
acordo um ideal de democracia e respeito à
Constituição. Significa dizer que a consolidação
não é a ausência de crises.
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 Juan J. Linz e Alfred Stepan destacam que, no regime
democrático, a questão principal “é que a uma crise de
governo seja resolvida de forma razoavelmente rápida,
antes que se transforme numa “crise de regime”, para
que uma nova coalizão política se forme visando tentar
de novo combinar a eficácia das políticas com a
legitimidade democrática.”
 As definições mínimas de democracia envolvem o voto
secreto, o sufrágio universal, eleições regulares,
competição partidária, direito de associação e
responsabilidade dos executivos.
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 Samuel Issacharoff é de que ela é primeiro e acima
de tudo a habilidade de se contestar a autoridade
estabelecida de um governo e reivindicar um
mandato para um novo grupo político, uma
coalizão que será, futuramente, igualmente
contestada por outros rivais no campo político, a
partir da obtenção de suporte do eleitorado. Assim,
a democracia depende da aceitação, pelo grupo
político opositor, da dinâmica eleitoral como forma
de recuperar o espaço político.
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 Esse é um princípio essencial da concepção de
democracia representativa: o povo, enquanto
coletividade de sujeitos dotados da cidadania e
titulares da soberania popular, elege seus
representantes de forma periódica, a partir de
procedimentos previstos pelos instrumentos
democráticos.
 Há uma expectativa de eleições e também uma
expectativa de que os governantes venham a ser
substituídos justamente a partir dessas eleições, pela
força do voto.
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 Issacharoff vai além afirmando que a democracia é precária
quando não se tem a incerteza eleitoral, ou seja, a dúvida
acerca de quem sairá vencedora do pleito eleitoral, uma vez
que as eleições precisam ser livres, com uma disputa real na
arena política em torno de qual projeto as pessoas entendem
ser a melhor para o momento em que se dirigem às urnas.
 Candidaturas livres, eleições livres, igualdade mínima entre
os cidadãos (ou redução das desigualdades sociais),
aceitação do resultado, previsibilidade de eleições futuras e
retomada do governo a partir da disputa eleitoral (e não de
golpes) são elementos fundamentais para se pensar em uma
democracia consolidada.
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 Francisco Weffort afirmava, em 1992, que a democracia
brasileira não estava consolidada. Compreendia que, além
de um grande nível de desigualdade social, traduzida
também em desigualdade política, era possível perceber
uma baixa institucionalização partidária, impasses
intermitentes entre a presidência da República e o
Congresso Nacional, a presença militar como herança do
regime anterior, ditatorial. Weffort destacava especialmente
a questão das disparidades no campo social como elemento
impeditivo à ideia de uma democracia plenamente
consolidada no país, mas não descartava as questões
institucionais.
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 Saulo Lindorfer Pivetta adverte que, em “acepção
vulgar, crise pode ser compreendida como a
situação em que o funcionamento ordinário de uma
determinada estrutura encontra-se afetado por
condições internas ou externas e que podem
conduzir a decisões sensíveis ou a profundas
mudanças”, além de estar associada a
consequências de momentos de instabilidade.
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 Sanford Levinson e Jack Balkin comentam que o
termo “crise constitucional” é geralmente utilizado
para descrever períodos em que as instituições do
governo estão claramente em conflito. No entanto,
observam que a mera existência de conflito, mesmo
um conflito profundo, não pode ser tomada como
definição de crise, uma vez que as instituições
governamentais estão sempre em conflito.
TRANSIÇÕES
DEMOCRÁTICAS
 A questão central não é pensar a crise como
desentendimentos, mas sim como design
constitucional. Quando o desenho constitucional
quebra, sofre fissuras, ou porque as pessoas o
abandonam ou porque se encaminha a um
“penhasco proverbial”, nas palavras dos autores,
então os desacordos e ameaças assumem uma
urgência especial que merece o nome de “crise”. A
crise constitui um ponto de inflexão na higidez e na
história constitucional.
LIBERALISMO E
DEMOCRACIA

Democracia Democracia
liberal iliberal
Antidemocráticos

(p. ex. Canadá) (p. ex. Polônia)

Liberalismo Ditadura
antidemocrático (p. ex. Rússia)
(p. ex. União Europeia)

Iliberal

Fonte: MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia: por que a nossa liberdade corre perigo e como
salvá-la. Tradução: Cássio de Arantes Leite e Débora Landsberg. São Paulo: Companhia das Letras,
2019.
LIBERALISMO E
DEMOCRACIA
 Yascha Mounk sobre a morte das democracias: um
processo que é gradual e segue alguns fluxos de
retirada de direitos, especialmente direitos de
liberdade, e de quebra com os pressupostos básicos de
competitividade e eleições livres, de aceitação do
resultado eleitoral, entre outros.

 A morte de uma democracia liberal ocorre mais por


um processo incremental que por meio de golpes de
Estado ou ações violentas.
LIBERALISMO E
DEMOCRACIA
 Democracias constitucionais podem também se degradar
de forma gradual sem entrar em colapso. As instituições
podem trazer uma aparência de funcionamento, como se
não houvesse sido abalado seu núcleo.

 Para Ginsburg e Huq, a erosão democrática é o processo


de decadência incremental, mas substancial, nos três
predicados básicos da democracia – eleições livres, justas
e competitivas; direito às liberdades de expressão e
associação; e Estado de Direito.
LIBERALISMO E
DEMOCRACIA
 A erosão depende da constatação de que havia, previamente,
um sistema democrático efetivamente implementado – e,
quando ocorre, ela por vezes vai gerar o que eles chamam de
autoritarismo democrático, com a manutenção de eleições
periódicas, ainda que estas não envolvam a alternância de
poder de fato. Há uma aparência de normalidade mediante a
manutenção das disputas eleitorais.

 Erosão democrática, apodrecimento constitucional, iliberalismo


e outros termos dessa natureza denotam momentos de crise da
democracia liberal em cenários contemporâneos.
CRISE E DEMOCRACIA
 Tom Ginsburg e Aziz Huq: “Mas a história recente mostra
que o maior risco em nosso momento é o caminho lento: a
degradação gradual da democracia. Enquanto esse
caminho às vezes pode levar ao colapso democrático total,
o ponto final mais provável é um regime híbrido, no qual
instituições democráticas são comprometidas até certo
ponto e a competição política restrita.”

 Yascha Mounk: “movimentos populistas em crescimento


no mundo todo atualmente exploram essa crise para
desmantelar elementos cruciais do sistema.”
CRISE E DEMOCRACIA
 Rubens Casara: crise é derivada de termo grego que
significava doença, então pressupunha que a pessoa
acometida ficaria bem ou morreria. Ela passa o caráter de
excepcionalidade que vai gerar efeitos no modelo normal
de desenvolvimento ou de continuidade de algo, mas tem
como ponto central a possibilidade de sobrevivência.

 “Ao se declarar a crise do Estado Democrático de


Direito, afirma-se que ele ainda existe, que seus
fundamentos permanecem íntegros.”
CRISE E DEMOCRACIA
 Jack Balkin: a crise é um momento específico no
tempo, enquanto a erosão é um processo contínuo
de degradação constitucional. Dessa forma, a crise
pontual pode ser um momento de ápice de uma
degradação constitucional crescente – ou pode, em
outra perspectiva, ser um momento inicial de uma
degradação, de modo que a crise se instala em um
momento específico e, através do tempo, a erosão
gera efeitos de um modo efetivo, cristalizado, mas
sem grandes efervescências.
CRISE E DEMOCRACIA
 Cristiano Paixão, comentando os 30 anos da
Constituição de 1988:
 “O conceito de crise já perdeu muito de seu
componente de excepcionalidade. A gradativa
normalização do conceito – fala-se a todo momento
em crise política, crise econômica, crise de valores,
crise da civilização – tem duas consequências: uma
espécie de banalização da ideia de crise e uma certa
opacidade do conceito.”
CRISE E DEMOCRACIA
 Tzvetan Todorov: os inimigos íntimos da democracia
são o populismo, o ultraliberalismo e o messianismo,
constituídos a partir de elementos da própria ordem
democrática: o povo, a liberdade e o progresso.
 Ascensão de líderes populistas vai incidir diretamente
na saúde de democracias constitucionais em todo o
mundo.
 Problema é a existência de líderes carismáticos ou as
trocas que as pessoas estão dispostas a fazer em
relação aos seus direitos fundamentais?
CRISE E DEMOCRACIA
 Emerson Gabardo: “O poder de sedução dos heróis, das cruzadas,
dos gladiadores, da fogueira e da guilhotina faz parte da condição
humana. Por consequência, para a população, este se torna o
escopo maior da nação, mesmo às custas do Direito e dos
direitos.”

 Lilia Schwarcz: “não existe problema, teoricamente, em contar


com um político carismático que tenha capacidade de energizar e
capacitar a população. O problema surge quando tais personagens
acabam por tomar o lugar do Estado e das demais instituições,
tendo como recurso forte a capacidade de falar ‘diretamente’ com
a população, sem a intermediação de outros poderes da
República.”
CRISE E DEMOCRACIA
 Lilia Schwarcz destaca a complexidade do termo populismo,
cujo conceito não contempla uma única definição, mas
indica um “conjunto de práticas políticas que, de uma
maneira geral, apelam para o ‘povo’ e a ‘soberania’ e, assim,
se opõem às ‘elites’ nacionais ou estrangeiras. Em nome do
‘povo’, que é transformado numa espécie de categoria
abstrata e acima das demais, vários expedientes próprios das
democracias representativas são colocados em questão.”

 Políticos populistas em geral se colocam como “vozes do


povo”, anti establishment, contrários à ordem instituída,
avessos ao próprio sistema.
CRISE E DEMOCRACIA
 Constitucionalismo abusivo é um fenômeno observado
especialmente na América Latina, a partir do qual os métodos
constitucionais destinados a aumentar a participação popular nas
democracias são mal utilizados ou utilizados de forma
sistemática intencionalmente, mas com o objetivo gerar
instabilidades pelos governos autoritários para desarticular a
própria democracia.
 A desconstrução democrática é gerada pelo sistema em si
mesmo, que trabalha pela atenuação da participação popular
autêntica e, com isso, gera sua destruição de dentro para fora.
Assim, instrumentos originalmente cunhados para aperfeiçoar a
participação democrática são manipulados a ponto de colocar a
democracia em risco.
CRISE E DEMOCRACIA
 David Landau: constitucionalismo abusivo consiste no
processo de utilização das regras pensadas à proteção da
democracia com o objetivo de enfraquecer o sistema
democrático. O conceito envolve a utilização de
mecanismos democráticos de emenda e substituição
constitucional para minar a democracia de dentro para fora,
sem a necessidade de um fator externo de instabilidade.
 As alterações constitucionais podem se dar tanto por
emenda, através de alterações parciais, como por
substituição constitucional, que é a inserção de uma nova
Constituição.
CRISE E DEMOCRACIA
 São duas as principais formas de enfraquecimento do sistema
democrático:
 a) redução do grau de competitividade de figuras de oposição
em disputas eleitorais e políticas; e
 b) na proteção dos direitos individuais e de grupos
minoritários.
 Landau destaca que conceitualmente, as dimensões
mencionadas acima são independentes e poderiam divergir,
mas nos regimes examinados por ele – Venezuela, Colômbia
e Hungria – parecem todos convergir ao ponto em que o
domínio eleitoral parece estar relacionado diretamente com a
questão de direito.
CRISE E DEMOCRACIA
 São duas as principais formas de enfraquecimento do sistema
democrático:
 a) redução do grau de competitividade de figuras de oposição
em disputas eleitorais e políticas; e
 b) na proteção dos direitos individuais e de grupos
minoritários.
 Landau destaca que conceitualmente, as dimensões
mencionadas acima são independentes e poderiam divergir,
mas nos regimes examinados por ele – Venezuela, Colômbia
e Hungria – parecem todos convergir ao ponto em que o
domínio eleitoral parece estar relacionado diretamente com a
questão de direito.
CRISE E DEMOCRACIA
 Kim Lane Scheppele: legalismo autocrático.
 Declínio democrático traz consigo um conjunto de casos
de ascensão de líderes carismáticos, que chegam ao cargo
eleitos democraticamente para então fazer uso de seus
mandatos eleitorais para desmantelar por lei os sistemas
constitucionais de seus países.
 “Esses líderes pretendem consolidar o poder e permanecer
no cargo indefinidamente, eventualmente, eliminando a
capacidade do público democrático de exercer seus
direitos democráticos básicos, de responsabilizar os
líderes e de mudar seus líderes pacificamente.”
CRISE E DEMOCRACIA
 A autocracia traduz a ideia de um poder ilimitado,
absoluto. Autocracia representa uma antítese do
constitucionalismo na medida em que este depende da
possibilidade de controle e distribuição de poder,
enquanto a autocracia é marcada pela inexistência
desses limites.
 Esta é “análoga, pelo menos em parte, a consideração
que se deve fazer a respeito do ‘autoritarismo’, um
termo que às vezes também tem sido usado para
designar o conjunto global dos regimes contrapostos
aos regimes democráticos.” (Bobbio)
LIBERALISMO E
DEMOCRACIA

Democracia Democracia
liberal iliberal
Antidemocráticos

(p. ex. Canadá) (p. ex. Polônia)

Liberalismo Ditadura
antidemocrático (p. ex. Rússia)
(p. ex. União Europeia)

Iliberal

Fonte: MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia: por que a nossa liberdade corre perigo e como
salvá-la. Tradução: Cássio de Arantes Leite e Débora Landsberg. São Paulo: Companhia das Letras,
2019.
LIBERALISMO E
DEMOCRACIA
 Yascha Mounk sobre a morte das democracias: um
processo que é gradual e segue alguns fluxos de
retirada de direitos, especialmente direitos de
liberdade, e de quebra com os pressupostos básicos de
competitividade e eleições livres, de aceitação do
resultado eleitoral, entre outros.

 A morte de uma democracia liberal ocorre mais por


um processo incremental que por meio de golpes de
Estado ou ações violentas.
LIBERALISMO E
DEMOCRACIA
 Democracias constitucionais podem também se degradar
de forma gradual sem entrar em colapso. As instituições
podem trazer uma aparência de funcionamento, como se
não houvesse sido abalado seu núcleo.

 Para Ginsburg e Huq, a erosão democrática é o processo


de decadência incremental, mas substancial, nos três
predicados básicos da democracia – eleições livres, justas
e competitivas; direito às liberdades de expressão e
associação; e Estado de Direito.
LIBERALISMO E
DEMOCRACIA
 A erosão depende da constatação de que havia, previamente,
um sistema democrático efetivamente implementado – e,
quando ocorre, ela por vezes vai gerar o que eles chamam de
autoritarismo democrático, com a manutenção de eleições
periódicas, ainda que estas não envolvam a alternância de
poder de fato. Há uma aparência de normalidade mediante a
manutenção das disputas eleitorais.

 Erosão democrática, apodrecimento constitucional, iliberalismo


e outros termos dessa natureza denotam momentos de crise da
democracia liberal em cenários contemporâneos.
CRISE E DEMOCRACIA
 Tom Ginsburg e Aziz Huq: “Mas a história recente mostra
que o maior risco em nosso momento é o caminho lento: a
degradação gradual da democracia. Enquanto esse
caminho às vezes pode levar ao colapso democrático total,
o ponto final mais provável é um regime híbrido, no qual
instituições democráticas são comprometidas até certo
ponto e a competição política restrita.”

 Yascha Mounk: “movimentos populistas em crescimento


no mundo todo atualmente exploram essa crise para
desmantelar elementos cruciais do sistema.”
CRISE E DEMOCRACIA
 Rubens Casara: crise é derivada de termo grego que
significava doença, então pressupunha que a pessoa
acometida ficaria bem ou morreria. Ela passa o caráter de
excepcionalidade que vai gerar efeitos no modelo normal
de desenvolvimento ou de continuidade de algo, mas tem
como ponto central a possibilidade de sobrevivência.

 “Ao se declarar a crise do Estado Democrático de


Direito, afirma-se que ele ainda existe, que seus
fundamentos permanecem íntegros.”
CRISE E DEMOCRACIA
 Jack Balkin: a crise é um momento específico no
tempo, enquanto a erosão é um processo contínuo
de degradação constitucional. Dessa forma, a crise
pontual pode ser um momento de ápice de uma
degradação constitucional crescente – ou pode, em
outra perspectiva, ser um momento inicial de uma
degradação, de modo que a crise se instala em um
momento específico e, através do tempo, a erosão
gera efeitos de um modo efetivo, cristalizado, mas
sem grandes efervescências.
CRISE E DEMOCRACIA
 Cristiano Paixão, comentando os 30 anos da
Constituição de 1988:
 “O conceito de crise já perdeu muito de seu
componente de excepcionalidade. A gradativa
normalização do conceito – fala-se a todo momento
em crise política, crise econômica, crise de valores,
crise da civilização – tem duas consequências: uma
espécie de banalização da ideia de crise e uma certa
opacidade do conceito.”
CRISE E DEMOCRACIA
 Tzvetan Todorov: os inimigos íntimos da democracia
são o populismo, o ultraliberalismo e o messianismo,
constituídos a partir de elementos da própria ordem
democrática: o povo, a liberdade e o progresso.
 Ascensão de líderes populistas vai incidir diretamente
na saúde de democracias constitucionais em todo o
mundo.
 Problema é a existência de líderes carismáticos ou as
trocas que as pessoas estão dispostas a fazer em
relação aos seus direitos fundamentais?
CRISE E DEMOCRACIA
 Emerson Gabardo: “O poder de sedução dos heróis, das cruzadas,
dos gladiadores, da fogueira e da guilhotina faz parte da condição
humana. Por consequência, para a população, este se torna o
escopo maior da nação, mesmo às custas do Direito e dos
direitos.”

 Lilia Schwarcz: “não existe problema, teoricamente, em contar


com um político carismático que tenha capacidade de energizar e
capacitar a população. O problema surge quando tais personagens
acabam por tomar o lugar do Estado e das demais instituições,
tendo como recurso forte a capacidade de falar ‘diretamente’ com
a população, sem a intermediação de outros poderes da
República.”
CRISE E DEMOCRACIA
 Lilia Schwarcz destaca a complexidade do termo populismo,
cujo conceito não contempla uma única definição, mas
indica um “conjunto de práticas políticas que, de uma
maneira geral, apelam para o ‘povo’ e a ‘soberania’ e, assim,
se opõem às ‘elites’ nacionais ou estrangeiras. Em nome do
‘povo’, que é transformado numa espécie de categoria
abstrata e acima das demais, vários expedientes próprios das
democracias representativas são colocados em questão.”

 Políticos populistas em geral se colocam como “vozes do


povo”, anti establishment, contrários à ordem instituída,
avessos ao próprio sistema.
CRISE E DEMOCRACIA
 Constitucionalismo abusivo é um fenômeno observado
especialmente na América Latina, a partir do qual os métodos
constitucionais destinados a aumentar a participação popular nas
democracias são mal utilizados ou utilizados de forma
sistemática intencionalmente, mas com o objetivo gerar
instabilidades pelos governos autoritários para desarticular a
própria democracia.
 A desconstrução democrática é gerada pelo sistema em si
mesmo, que trabalha pela atenuação da participação popular
autêntica e, com isso, gera sua destruição de dentro para fora.
Assim, instrumentos originalmente cunhados para aperfeiçoar a
participação democrática são manipulados a ponto de colocar a
democracia em risco.
CRISE E DEMOCRACIA
 David Landau: constitucionalismo abusivo consiste no
processo de utilização das regras pensadas à proteção da
democracia com o objetivo de enfraquecer o sistema
democrático. O conceito envolve a utilização de
mecanismos democráticos de emenda e substituição
constitucional para minar a democracia de dentro para fora,
sem a necessidade de um fator externo de instabilidade.
 As alterações constitucionais podem se dar tanto por
emenda, através de alterações parciais, como por
substituição constitucional, que é a inserção de uma nova
Constituição.
CRISE E DEMOCRACIA
 São duas as principais formas de enfraquecimento do sistema
democrático:
 a) redução do grau de competitividade de figuras de oposição
em disputas eleitorais e políticas; e
 b) na proteção dos direitos individuais e de grupos
minoritários.
 Landau destaca que conceitualmente, as dimensões
mencionadas acima são independentes e poderiam divergir,
mas nos regimes examinados por ele – Venezuela, Colômbia
e Hungria – parecem todos convergir ao ponto em que o
domínio eleitoral parece estar relacionado diretamente com a
questão de direito.
CRISE E DEMOCRACIA
 São duas as principais formas de enfraquecimento do sistema
democrático:
 a) redução do grau de competitividade de figuras de oposição
em disputas eleitorais e políticas; e
 b) na proteção dos direitos individuais e de grupos
minoritários.
 Landau destaca que conceitualmente, as dimensões
mencionadas acima são independentes e poderiam divergir,
mas nos regimes examinados por ele – Venezuela, Colômbia
e Hungria – parecem todos convergir ao ponto em que o
domínio eleitoral parece estar relacionado diretamente com a
questão de direito.
CRISE E DEMOCRACIA
 Kim Lane Scheppele: legalismo autocrático.
 Declínio democrático traz consigo um conjunto de casos
de ascensão de líderes carismáticos, que chegam ao cargo
eleitos democraticamente para então fazer uso de seus
mandatos eleitorais para desmantelar por lei os sistemas
constitucionais de seus países.
 “Esses líderes pretendem consolidar o poder e permanecer
no cargo indefinidamente, eventualmente, eliminando a
capacidade do público democrático de exercer seus
direitos democráticos básicos, de responsabilizar os
líderes e de mudar seus líderes pacificamente.”
CRISE E DEMOCRACIA
 A autocracia traduz a ideia de um poder ilimitado,
absoluto. Autocracia representa uma antítese do
constitucionalismo na medida em que este depende da
possibilidade de controle e distribuição de poder,
enquanto a autocracia é marcada pela inexistência
desses limites.
 Esta é “análoga, pelo menos em parte, a consideração
que se deve fazer a respeito do ‘autoritarismo’, um
termo que às vezes também tem sido usado para
designar o conjunto global dos regimes contrapostos
aos regimes democráticos.” (Bobbio)
CRISE E DEMOCRACIA
 Kim Lane Scheppele: legalismo autocrático.
 Declínio democrático traz consigo um conjunto de casos
de ascensão de líderes carismáticos, que chegam ao cargo
eleitos democraticamente para então fazer uso de seus
mandatos eleitorais para desmantelar por lei os sistemas
constitucionais de seus países.
 “Esses líderes pretendem consolidar o poder e permanecer
no cargo indefinidamente, eventualmente, eliminando a
capacidade do público democrático de exercer seus
direitos democráticos básicos, de responsabilizar os
líderes e de mudar seus líderes pacificamente.”
CRISE E DEMOCRACIA
 A autocracia traduz a ideia de um poder ilimitado,
absoluto. Autocracia representa uma antítese do
constitucionalismo na medida em que este depende da
possibilidade de controle e distribuição de poder,
enquanto a autocracia é marcada pela inexistência
desses limites.
 Esta é “análoga, pelo menos em parte, a consideração
que se deve fazer a respeito do ‘autoritarismo’, um
termo que às vezes também tem sido usado para
designar o conjunto global dos regimes contrapostos
aos regimes democráticos.” (Bobbio)
CRISE E DEMOCRACIA
 Oscar Vieira Vilhena descreve que o “objetivo é
desqualificar a democracia liberal, a proteção dos direitos
de minorias vulneráveis e, sobretudo, daqueles que são
apontados como inimigos da nação. É o que se
convencionou chamar de legalismo autocrático”. A
carência de limites ao exercício do poder legislativo seria a
configuração inicial do conceito de legalismo autocrático,
portanto. O autor observa que, “quando os novos
populistas dispõem de ampla maioria parlamentar, as
emendas constitucionais tendem a ser a ferramenta natural
para se subtrair da Constituição sua essência garantista”.
CRISE E DEMOCRACIA
 Mark Tushnet identifica o conceito de
constitucionalismo autoritário como um sistema de
governo que combina eleições razoavelmente livres
e justas com um moderado grau de controle
repressivo da expressão e limites à liberdade
pessoal. Ou seja, apesar de uma aparência de
democracia, o que se tem a partir da prática
constitucional é uma limitação das liberdades
individuais e uma expressão autoritária do
constitucionalismo.
CRISE E DEMOCRACIA
 Três elementos importantes nesse cenário: o papel das
Cortes, a permanência de eleições e a ausência de
quebra completa das Constituições em sociedades
autoritárias.
 O judiciário é utilizado nesses contextos, com a
nomeação de juízes constitucionais comprometidos
com o autoritarismo do Executivo, de modo a fazer
valer uma autocracia completa. As eleições não são
extintas, mas a competitividade é relativizada – por
vezes, com a retirada de adversários da disputa
política.
CRISE E DEMOCRACIA
 Populismo tende a explorar contradições inerentes ao
liberalismo como forma de subverter o sistema e de
convencer maiorias da necessidade de mudanças
expressivas no modelo adotado.
 Evidenciando contradições internas do sistema, o
populismo busca descreditar os ideais constitucionais
democráticos – e consegue convencer uma parcela da
população com tais argumentos. Scheppele observa que
as maiorias, até mesmo as informadas, podem ser
convencidas a afastar princípios abstratos em nome de
atitudes concretas
CRISE E DEMOCRACIA
 Tom Daly: é necessário compreender a existência de um
novo modo dominante pelo qual a democracia liberal é
ameaçada, distinto da ideia de “morte rápida” imposta por
meio de golpe de Estado, revolução ou invasão estrangeira.
 As democracias de hoje sofrem, na verdade, de uma “morte
lenta”, mais sutil, que perdura no tempo, na forma do que
Daly conceitua como “decadência democrática”. Há
degradação incremental das estruturas e da substância da
democracia constitucional liberal – incremental no sentido
de um esvaziamento sutil, sucessivo e gradual da
governança democrática.
CRISE E DEMOCRACIA
 Rubens Casara – “Estado Pós-democrático”: neste
modelo, “as ‘regras do jogo’ podem ser alteradas de
acordo com os interesses dos detentores do poder
econômico ou dos espectadores do espetáculo”.
 Cristiano Paixão: crise constitucional brasileira se
configura em uma “crise desconstituinte”, a partir
da retirada de direitos e garantias fundamentais do
texto e da proteção constitucional.
CRISE E DEMOCRACIA
 Manuel Castells: binômio neoliberalismo
econômico e autoritarismo político é a fórmula de
resistência da pós-democracia liberal.

 Luís Felipe Miguel: “no Brasil, a democracia


‘desconsolidou-se’ no momento em que grupos-
chave concluíram que o jogo eleitoral não lher
servia mais. Enquanto tais grupos dispuserem deste
poder de veto, qualquer ordem democrática será
frágil.”
CRISE E DEMOCRACIA
 Grau de satisfação com a democracia brasileira
100

90
Very satisfied
80

70
Fairly satisfied

60

Not very satis-


50 fied

40
Not at all satis-
30 fied

20
Don't Know
10

0
1995 1996 1997 1998 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2013 2015 2016 2017 2018

SALGADO, Eneida Desiree. A series of unfortunate events or some kind of karma? 2018 election and Brazil's persistent
conservative alignment. Jack W. Peltason Center for the Study of Democracy – UCI.
CRISE E DEMOCRACIA
 Avritzer (2016): “saída do impasse atual da democracia
brasileira implica estabelecer um forte acordo procedimental
sobre as formas de saída da crise e, ao mesmo tempo, barrar
todas as formas de intolerância e negação de direitos que
têm se manifestado na sociedade”. Propõe um retorno à
Constituição de 1988
 Bruce Ackerman (2020): “A melhor maneira de responder à
alienação política crescente é convocar nova Assembleia
Constituinte em 2023. Uma vez eleitos, os representantes
deveriam reconsiderar as decisões-chave da Assembleia de
1988 já que elas, ao longo das décadas, geraram a atual crise
de confiança pública”.
CRISE E DEMOCRACIA
 Marina Basso Lacerda: novo conservadorismo brasileiro. .
“A ideologia conservadora é produto de intenso conflito
ideológico e social. Ela só surge quando forças sociais que
desafiam a ordem estabelecida se tornam relevantes o
suficiente para apresentar perigo claro e presente às
instituições. O conservadorismo, assim, é a resistência que
existe em um contexto específico, articulada, sistemática e
teoricamente elaborada à mudança.”
 Conservadores nos costumes e neoliberais na economia.
 Desnaturação constitucional: movimento de desconfiguração
dos pressupostos do constitucionalismo da Nova República
LAWFARE
 Uso indevido dos recursos jurídicos para fins de
perseguição política
 Atuação ilegítima de membros do sistema de justiça
que, numa reprodução da lógica amigo-inimigo,
utilizam estrategicamente de mecanismos jurídicos
para influenciar no jogo político. Isso inclui impedir
determinados indivíduos de serem candidatos a cargos
políticos; afetar a credibilidade de determinados
grupos, partidos ou movimentos sociais; coagir a
atuação política; dentre outras possibilidades.
LAWFARE
 Era originalmente utilizado como contrário de
warfare
 “o uso do direito como uma arma de guerra”
 “estratégia do uso (incluindo o mal uso) do direito
como substituto dos meios militares tradicionais para
alcançar um objetivo tradicional”
 Atualmente, designa uma guerra judicial contra um
inimigo, promovida por membros do próprio sistema
de justiça e chancelada pelo Estado como um todo
AUTORITARISMO
 “O adjetivo "autoritário" e o substantivo Autoritarismo, que dele
deriva, empregam-se especificamente em três contextos: a estrutura
dos sistemas políticos, as disposições psicológicas a respeito do
poder e as ideologias políticas. Na tipologia dos sistemas políticos,
são chamados de autoritários os regimes que privilegiam a
autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos
radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma
só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as
instituições representativas. Nesse contexto, a oposição e a
autonomia dos subsistemas políticos são reduzidas à expressão
mínima e as instituições destinadas a representar a autoridade de
baixo para cima ou são aniquiladas ou substancialmente
esvaziadas.” (Mario Stoppino – Dicionário de Política)
AUTORITARISMO
 “A centralidade do princípio de AUTORIDADE (V.) é um caráter
comum do Autoritarismo em qualquer dos três níveis indicados.
Como conseqüência, também a relação entre comando apodítico e
obediência incondicional caracterizam o Autoritarismo. A
autoridade, no caso, é entendida em sentido particular reduzido, na
medida em que é condicionada por uma estrutura política
profundamente hierárquica, por sua vez escorada numa visão de
desigualdade entre os homens e exclui ou reduz ao mínimo a
participação do povo no poder e comporta normalmente um notável
emprego de meios coercitivos. É claro, por conseguinte, que do
ponto de vista dos valores democráticos, o Autoritarismo é uma
manifestação degenerativa da autoridade. Ela é uma imposição da
obediência e prescinde em grande parte do consenso dos súditos,
oprimindo sua liberdade.” (Mario Stoppino – Dicionário de
Política)
AUTORITARISMO
 “Em relação aos regimes políticos, enfim, o termo Autoritarismo
é empregado em dois sentidos: um deles, muito generalizado,
compreende todos os sistemas não democráticos caracterizados
por um baixo grau de mobilização e de penetração da sociedade.
Este último significado coincide em parte com a noção de
ideologia autoritária. Mas só em parte, pois que existem tanto os
regimes autoritários de ordem como os regimes autoritários
voltados para uma transformação, embora limitada, da sociedade.
 (...) o pensamento autoritário não se limita a defender uma
organização hierárquica da sociedade política, mas faz desta
organização o princípio político exclusivo para alcançar a ordem,
que considera como bem supremo.” (Mario Stoppino –
Dicionário de Política)
AUTORITARISMO
 “Geralmente, as doutrinas autoritárias, ao contrário, pelo
menos as modernas, são doutrinas antiracionalistas e
antiigualitárias. (...) De costume, a ordem hierárquica a
preservar é a do passado; ela se fundamenta na desigualdade
natural entre os homens.
 O pensamento autoritário moderno é uma formação de
reação contra a ideologia liberal e democrática. (...) Mais
tarde, com o inexorável avanço da sociedade industrial e
urbana, o Autoritarismo compactuará com o liberalismo,
colorir-se-á de um nacionalismo sempre mais vistoso e
procurará respostas para o próprio socialismo.” (Mario
Stoppino – Dicionário de Política)
AUTORITARISMO CONTEMPORÂNEO

 “Depois da Segunda Guerra Mundial e das conseqüências que dela


derivaram, a ideologia autoritária acha-se frente a um mundo hoje
muito estranho para poder lançar raízes profundas. Não faltam
regimes autoritários de tipo conservador; mas é difícil que eles
encontrem sua justificação numa ideologia autoritária explícita e
decisiva.” (Mario Stoppino – Dicionário de Política)
 Juan Linz – o que caracteriza o autoritarismo é menos a ideologia e
mais a mentalidade.
 Stoppino vê nas tecnocracias a melhor forma de prosperidade ao
autoritarismo.
 Normalmente, relaciona-se o termo “autoritarismo” de um modo
geral para se referir a regimes antidemocráticos e, de um modo
específico, para designar regimes totalitários.
AUTORITARISMO
 "Os regimes autoritários são sistemas políticos com
um pluralismo político limitado e não responsável;
sem uma ideologia elaborada e propulsiva, mas com
mentalidade característica; sem uma mobilização
política intensa ou vasta, exceção feita em alguns
momentos de seu desenvolvimento; e onde um
chefe, ou até um pequeno grupo, exerce o poder
dentro dos limites que são formalmente mal
definidos mas de fato habilidosamente previsíveis".
(Juan Linz)
AUTORITARISMO
 Tipologia dos regimes autoritários – Juan Linz:

 1) Os regimes autoritários burocrático-militares são


caracterizados por uma coalizão chefiada por oficiais e
burocratas e por um baixo grau de participação política. Falta
uma ideologia e um partido de massa; existe frequentemente um
partido único, que tende a restringir a participação; às vezes
existe pluralismo político, mas sem disputa eleitoral livre. É o
tipo de Autoritarismo mais difundido no século XX: são disso
exemplo o Brasil e a Argentina em alguns períodos da sua
história, a Espanha de Primo de Rivera e os primeiros anos de
Salazar em Portugal.
AUTORITARISMO
 Tipologia dos regimes autoritários – Juan Linz:

 2) Os regimes autoritários de estatalismo orgânico são


caracterizados pelo ordenamento hierárquico de uma pluralidade
não competitiva de grupos que representam diversos interesses e
categorias econômicas e sociais, bem como por um certo grau de
mobilização controlada da população em formas "orgânicas".
Existe também amiúde um partido único, com um papel mais ou
menos relevante, ao mesmo tempo que a perspectiva ideológica do
regime assenta numa certa versão do corporativismo. Exemplo
típico do estatalismo orgânico é o Estado Novo português; mas
também há tendências corporativas na Itália fascista, na Espanha
franquista e em alguns países da América Latina.
AUTORITARISMO
 Tipologia dos regimes autoritários – Juan Linz:

 3) Os regimes autoritários de mobilização em países pós-


democráticos se distinguem pelo grau relativamente mais
elevado de mobilização política, a que corresponde o papel
mais incisivo do partido único e da ideologia dominante, e
por um grau relativamente mais baixo de pluralismo
político permitido. São os regimes usualmente chamados
"fascistas" ou, pelo menos, a maior parte deles. O caso mais
representativo é o do fascismo italiano.
AUTORITARISMO
 Tipologia dos regimes autoritários – Juan Linz:

 4) Os regimes autoritários de mobilização pós-


independência são os resultantes da luta anti-colonial e da
conquista da independência nacional, especialmente
espalhados pelo continente africano. Caracterizam-se pelo
surgimento de um partido único ainda débil e não apoiado
pelas formações paramilitares típicas dos regimes fascistas,
por uma leadership nacional muitas vezes de caráter
carismático, por um incerto componente ideológico e por
um baixo grau de participação política.
AUTORITARISMO
 Tipologia dos regimes autoritários – Juan Linz:

 5) Os regimes autoritários pós-totalitários são


representados pelos sistemas comunistas após o processo de
destalinização. São o resultado combinado de diversas
tendências: formação de interesses em conflito — portanto
de um pluralismo limitado —, despolitização parcial das
massas, atenuação do papel do partido único e da ideologia,
acentuada burocratização. São tendências que provocam
uma transformação considerável e sólida do anterior
modelo totalitário.
AUTORITARISMO
 Tipologia dos regimes autoritários – Juan Linz:

 6) totalitarismo imperfeito, que constitui geralmente uma


fase transitória de um sistema cuja evolução para o
totalitarismo é sustada e tende depois a transformar-se em
qualquer outro tipo de regime autoritário, e

 7) “democracia racial”, domínio autoritário de um grupo


racial sobre outro grupo racial que representa a maioria da
população (África do Sul), embora internamente ele se reja
pelo sistema democrático.
TOTALITARISMO
 Segundo H. Arendt, o Totalitarismo é uma forma de domínio
radicalmente nova porque não se limita a destruir as
capacidades políticas do homem, isolando-o em relação à vida
pública, como faziam as velhas tiranias e os velhos
despotismos, mas tende a destruir os próprios grupos e
instituições que formam o tecido das relações privadas do
homem, tornando-o estranho assim ao mundo e privando-o até
de seu próprio eu. Neste sentido, o fim do Totalitarismo é a
transformação da natureza humana, a conversão dos homens
em "feixes de recíproca reação", e tal fim é perseguido
mediante uma combinação, especificamente totalitária, de
ideologia e de terror.
TOTALITARISMO
 A ideologia totalitária pretende explicar com certeza absoluta e de maneira
total o curso da história. Torna-se, por isso, independente de toda
experiência ou verificação fatual e constrói um mundo fictício e
logicamente coerente do qual derivam diretrizes de ação, cuja legitimidade
é garantida pela conformidade com a lei da evolução histórica. Esta lógica
coativa da ideologia, perdido todo contato com o mundo real, tende a
colocar na penumbra o próprio conteúdo ideológico e a gerar um
movimento arbitrário e permanente. O terror totalitário, por sua vez, serve
para traduzir, na realidade, o mundo fictício da ideologia e confirmá-la,
tanto em seu conteúdo, quanto, e sobretudo, em sua lógica deformada. Isso
atinge, na verdade, não apenas os inimigos reais (o que acontece na fase da
instauração do regime), mas também e especialmente os inimigos
"objetivos", cuja identidade é definida pela orientação políticoideológica
do Governo mais do que pelo desejo desses inimigos em derrubá-lo.
TOTALITARISMO
 Carl J. Friedrich e de Zbigniew K. Brzezinski, definem o Totalitarismo com
base em seus traços característicos:
 1) uma ideologia oficial que diz respeito a todos os aspectos da atividade e da
existência do homem e que todos os membros da sociedade devem abraçar, e
que critica, de modo radical, o estado atual das coisas e que dirige a luta pela
sua transformação;
 2) um partido único de massa dirigido tipicamente por um ditador, estruturado
de uma forma hierárquica, com uma posição de superioridade ou de mistura
com a organização burocrática do Estado, composto por pequena percentagem
da população, onde uma parte nutre apaixonada e inabalável fé na ideologia e
está disposta a qualquer atividade para propagá-la e atuá-la;
 3) um sistema de terrorismo policial, que apóia e ao mesmo tempo controla o
partido, faz frutificar a ciência moderna e especialmente a psicologia científica
e é dirigido de uma forma própria, não apenas contra os inimigos plausíveis do
regime, mas ainda contra as classes da população arbitrariamente escolhidas;
TOTALITARISMO
 Carl J. Friedrich e de Zbigniew K. Brzezinski:

 4) um monopólio tendencialmente absoluto, nas mãos do partido e


baseado na tecnologia moderna, da direção de todos os meios de
comunicação de massa, como a imprensa, o rádio e o cinema;
 5) um monopólio tendencialmente absoluto, nas mãos do partido e
baseado na tecnologia moderna, de todos os instrumentos da luta
armada;
 6) um controle e uma direção central de toda a economia através da
coordenação burocrática das unidades produtivas antes independentes.

 Ainda: propaganda e terror


TOTALITARISMO
 Tanto Arendt quanto Friedrich e Brzezinski vêem no Totalitarismo
uma nova forma de dominação política, pelo fato de ele ser capaz de
conseguir um grau de penetração e de mobilização da sociedade que
não tem precedentes nos regimes conhecidos do passado e representa
neste sentido um verdadeiro salto de qualidade. Em segundo lugar, as
duas interpretações concordam ao identificar três aspectos centrais do
regime totalitário numa ideologia oficial, no terror policial e num
partido único de massa.
 Totalitarismo: ele designa um certo modo extremo de fazer política,
antecipando-se a uma certa organização institucional ou a um certo
regime; este modo extremo de fazer política, que penetra e mobiliza
uma sociedade inteira ao mesmo tempo que lhe destrói a autonomia.
(Mario Stoppino)
DITADURA
 “A oposição entre Autoritarismo e democracia está na direção em que é
transmitida a autoridade, e no grau de autonomia dos subsistemas
políticos (os partidos, os sindicatos e todos os grupos de pressão em
geral). Debaixo do primeiro perfil, os regimes autoritários se
caracterizam pela ausência de Parlamento e de eleições populares, ou,
quando tais instituições existem, pelo seu caráter meramente
cerimonial, e ainda pelo indiscutível predomínio do poder executivo.
No segundo aspecto, os regimes autoritários se distinguem pela
ausência da liberdade dos subsistemas, tanto no aspecto real como no
aspecto formal, típica da democracia. A oposição política é suprimida
ou obstruída. O pluralismo partidário é proibido ou reduzido a um
simulacro sem incidência real. A autonomia dos outros grupos
politicamente relevantes é destruída ou tolerada enquanto não perturba
a posição do poder do chefe ou da elite governante.” (Mario Stoppino –
Dicionário de Política)
DITADURA
 “(...) na linguagem política contemporânea, o uso mais comum da
definição se apóia e concentra no modo do exercício do poder,
deixando de considerar a presença ou ausência de um título
legítimo. É claro que, na medida em que isto acontece, cada vez
mais diminui a analogia do significado entre Ditadura e tirania. (...)
As Ditaduras são, por vezes, regimes autocráticos, que se
concentram na figura de um chefe e podem levar muito adiante a
personalização do poder. Existem, porém, Ditaduras não-
autocráticas, nas quais o poder está nas mãos de um pequeno grupo
de chefes, que dependem reciprocamente um do outro.” (Mario
Stoppino)

 Termo “ditadura” ainda é o melhor para designar os regimes


antidemocráticos percebidos no Século XX
DITADURA
 “Governo ditatorial não é refreado pela lei, coloca-se acima dela
e transforma em lei a própria vontade. Mesmo quando são
mantidas ou introduzidas normas que resguardam nominalmente
os direitos de liberdade, ou limitam de outra forma o poder do
Governo, estas normas jurídicas são apenas um véu exterior, com
escassa ou nenhuma eficácia real, que o Governo ditatorial pode
ignorar com discrição mais ou menos absoluta, recorrendo a
outras leis que contradizem as primeiras ou que criam exceções,
utilizando poderosos organismos políticos subtraídos ao direito
comum ou invocando diretamente pretensos princípios
superiores que guiam a ação do Governo e que prevalecem sobre
qualquer lei. Este absolutismo do poder ditatorial torna
caracteristicamente imprevisível e irregular a conduta do ditador
ou da elite ditatorial.” (Mario Stoppino)
DITADURA
 A palavra Ditadura tem sua origem na dictatura romana.
O significado moderno da palavra é, porém,
completamente diferente da instituição que o termo
designava na Roma republicana.
 A Ditadura romana era um órgão extraordinário que
poderia ser ativado conforme processos e dentro de limites
constitucionalmente definidos, para fazer frente a uma
situação de emergência. O ditador era nomeado por um ou
por ambos os cônsules, em consequência de uma proposta
do Senado, ao qual cabia julgar se a situação de perigo
fazia realmente necessário o recurso à Ditadura.
DITADURA
 Os poderes do ditador eram muito amplos: exercia o pleno
comando militar; os cônsules eram a ele subordinados;
seus atos não eram submetidos à intercessio dos tribunos;
gozava do jus edicendi e, durante o período no qual
exercia o cargo, seus decretos tinham o valor de lei; e,
finalmente, contra suas sentenças penais, o cidadão não
podia apelar.
 Assim mesmo, não eram poderes ilimitados. para a
República romana, a Ditadura era a maneira de suspender
temporariamente a sua ordem constitucional a fim de
preservar a integridade e permanência.
DITADURA
 Atualmente, tem sido observado também que este tipo de regime
caracteriza-se pela sacralização do déspota, que aparece como
um Deus ou como um descendente de um Deus ou ainda como
um sumo-sacerdote.
 Partindo das idéias de Francis Bacon, que no início do século
XVII propugnou um despotismo iluminado para instaurar o
Governo da ciência, o iluminismo considerou o despotismo um
fato positivo, desde que este se deixasse guiar pela razão. Os
enciclopedistas falaram então de despotisme éclairé e os
fisiocratas falaram de despotisme légale.
 Há inclusive a vertente de ditadura constitucional e ditadura
inconstitucional, com suas nuances.
DITADURA
 O despotismo e o absolutismo são semelhantes à Ditadura pela
concentração e pelo caráter ilimitado do poder, mas são
substancialmente diferentes dela porque, tanto o absolutismo
como o despotismo, são monarquias hereditárias e legítimas,
enquanto a Ditadura é uma monocracia (ou o Governo de um
pequeno grupo) não hereditária e ilegítima, ou dotada de uma
legitimidade precária.
 Ao contrário do absolutismo e do despotismo, a ditadura está
ligada a uma sociedade em vias de transformação, com uma
participação política ampliada ou incipiente, na qual foi imposto,
ou já se encontra em ascensão, o princípio da soberania popular.
Neste contexto, o regime ditatorial não pode basear-se na
tradição ou na aceitação passiva de grande parte da população.
DITADURA
 A Ditadura apresenta, preferivelmente, uma ruptura
da tradição. Instala-se utilizando a mobilização
política de uma grande parte da sociedade, ao
mesmo tempo que subjuga com a violência uma
outra parte. E não pode garantir sua continuidade,
de modo ordenado e regular, nem com o processo
democrático, de que é a negação, nem com o
princípio hereditário, que contrasta com as
condições políticas objetivas e com sua pretensão
de representar os interesses do povo.
DITADURA
 Com a palavra Ditadura, tende-se a designar toda classe dos regimes
não-democráticos especificamente modernos, isto é, dos regimes não-
democráticos existentes nos países modernos ou em vias de
modernização (com que se podem assemelhar também as tiranias
gregas dos séculos VII e VI a.C. e alguns outros Governos surgidos na
história do Ocidente). Temos, no entanto, de reconhecer que este
significado de Ditadura, embora possua uma indubitável dimensão
descritiva, tem sido frequentemente usado com fins prático-ideológicos,
como alvo de valor negativo a contrapor polemicamente à democracia.
É também por essa razão que, nos últimos anos, o uso de Ditadura em
sentido moderno, corrente nos anos 50 e 60, tende a tornar-se mais raro;
e não falta quem queira restringir a palavra ao significado de órgão
excepcional e temporário, próprio da sua origem romana.
DITADURA
 3 elementos essenciais para designar as ditaduras: a
concentração e o caráter ilimitado do poder; as condições
políticas ambientais, constituídas pela entrada de largos
estratos da população na política e pelo princípio da
soberania popular; a precariedade das regras de sucessão
no poder.
 O Governo ditatorial não é refreado pela lei, coloca-se
acima dela e transforma em lei a própria vontade.
 A Ditadura pode surgir numa sociedade com um grau
moderado ou baixo de modernização econômico-social e
de mobilização política.
DITADURA
 A Ditadura é caracterizada por uma contradição
fundamental, visto que concentra o poder e
transmite rigidamente a autoridade política do alto
para baixo, numa situação na qual prevalece ou está
se afirmando o princípio da soberania popular, na
qual a Ditadura deve, de alguma maneira, apoiar-se
para alimentar sua permanência no poder. As
Ditaduras tendem sempre a apresentar-se como
expressão legítima dos interesses e das necessidades
do povo; daí o elemento cesarista que caracteriza
frequentemente todas as Ditaduras personalistas.
DITADURA
 Tipologia:
 Na natureza do poder, isto é, nos instrumentos de controle adotados
pelas diversas Ditaduras e correlativamente no grau de sua
penetração no tecido social se apóia a tipologia mais rica de
conteúdo e geralmente mais utilizada. Trata-se da dicotomia de
"Ditaduras autoritárias" e "Ditaduras totalitárias".
 Ditaduras "simples", "cesaristas" e "totalitárias". A "Ditadura
autoritária" (ou "simples") baseia-se nos meios tradicionais do
poder coercitivo (exército, polícia, burocracia, magistratura),
possuindo, por isso, escassa capacidade de propaganda e
penetração direta nas instituições e nos grupos sociais, conseguindo
apenas reprimir a oposição aberta e contentando-se com uma massa
apolítica e com uma classe dirigente disposta a colaborar.
DITADURA
 Tipologia:
 A "Ditadura totalitária" emprega, além dos meios
coercitivos tradicionais, o instrumento peculiar do
partido único de massa, tendo assim condições de
controlar completamente a educação e os meios de
comunicação e também as instituições econômicas. Além
disso, pode exercer uma pressão propagandística
permanente e penetrar em cada formação social, e até na
vida familiar dos cidadãos, suprimindo qualquer
oposição e até as críticas mais leves, através de especiais
aparelhos políticos, de polícia e de terror, impondo assim
a aceitação entusiástica do regime a toda população.
DITADURA
 Tipologia:
 "Ditaduras cesaristas” que são, geralmente, Ditaduras
pessoais, caracterizadas pelo fato do ditador ser ou sentir-se
obrigado a formar um apoio popular para conquistar ou
exercer o poder, ou mesmo para ambas as coisas. O elemento
cesarista, que comporta um fascínio exercido pelo chefe sobre
a massa, evidenciando assim um claro componente
carismático, geralmente falta nas "ditaduras simples“, mas
está sempre presente nas "ditaduras totalitárias".
 As "Ditaduras cesaristas" se distinguem das "totalitárias"
porque não possuem um partido único de massa, nem outros
instrumentos de controle e penetração total da sociedade.
DITADURA
 Tipologia:
 Em relação ao fim, distingue-se entre "Ditaduras
revolucionárias" e "Ditaduras conservadoras" ou "de
ordem". As "Ditaduras revolucionárias" visam abater
ou minar, de forma radical, a velha ordem político-
social e introduzir uma ordem nova ou renovada. As
"ditaduras conservadoras" têm como finalidade
defender o status quo dos perigos de uma mudança.
 "Ditaduras reacionárias" dirigem seus objetivos para
dar novamente vida a valores e formações sociais do
passado, que se encontram em via de extinção.
DITADURA
 Tipologia:
 Com referência aos caracteres da elite dominante, os
critérios de classificação mais relevantes são o tipo de
origem ou de recrutamento do pessoal político de cúpula e a
distribuição interna do poder. Com base no primeiro critério,
distingue-se entre "Ditaduras militares" (especialmente
típicas do continente latinoamericano, mas, atualmente, cada
vez mais difundidas também noutros lugares) e "Ditaduras
políticas", conforme o pessoal de cúpula provenha ou seja
recrutado nas fileiras do exército, ou ainda pertença a uma
facção da classe política, geralmente um partido político que
se transforma em partido único após a conquista do poder.
DITADURA
 Tipologia:
 Com referência aos regimes ditatoriais já
consolidados e que tenham chegado à segunda
geração, fala-se também de "Ditaduras
burocráticas" ou "de aparelho", quando o
recrutamento da elite se processa através da
cooptação dos elementos no interior de uma
organização já burocratizada.
 Com base nesse critério, pode-se distinguir entre
"Ditaduras pessoais" e "Ditaduras oligárquicas".
DITADURA
 Tipologia:
 Com referência à base social das Ditaduras, Maurice Duverger
distingue entre "Ditaduras sociológicas", que nascem de uma crise
estrutural da sociedade, juntamente com uma crise de legitimidade
do poder político, e correspondem às necessidades de uma grande
maioria da população, e "Ditaduras técnicas", que têm origem numa
crise apenas conjuntural, juntamente com um trauma do sentimento
público, que aparentemente não prejudica sua legitimidade, e
corresponde apenas às necessidades dos poucos que são seus
protagonistas. As "Ditaduras sociológicas" são endógenas, no
sentido de que em sua base existe uma situação que envolve toda a
sociedade, enquanto as "técnicas" são exógenas, no sentido de que
em sua base estão fatores externos ou fatores internos, porém
isolados da sociedade em seu todo.
DITADURA DO
PROLETARIADO
 Em Conexão com a base social dos regimes políticos, temos a noção
marxista e leninista de "Ditadura do proletariado". Tendo seu lugar numa
concepção que privilegia, de modo radical, o aspecto econômico-social,
tal noção termina por designar alguma coisa que não é um estado
particular, ou seja, uma forma de regimento político, mas a relação
implícita de hegemonia de uma classe social (o proletariado) sobre uma
outra (a burguesia). Neste sentido, o significado de Ditadura, que é
próprio da expressão "Ditadura do proletariado", torna-se secundário e
anômalo em relação àquele que foi tratado até agora. Esse significado
tem uma colocação legítima na história das doutrinas políticas, onde faz
parte de uma teoria particular e de uma particular justificação do poder.
 Assim mesmo, não é utilizável empiricamente na classificação dos
regimes, porque não permite individualizar uma forma específica de
ordenamento político.
DITADURA DO
PROLETARIADO
 Para Marx — que usou a expressão pela primeira vez na Luta de classe
na França (1850) e a retomou especialmente na Crítica do programa
de Gotha (1875) —, a "Ditadura do proletariado" é a organização do
ato revolucionário do proletariado, correspondente à fase intermédia
entre a destruição do Estado burguês e o surgimento da sociedade sem
classes. Marx nunca especificou, e declarou que não se podia
especificar, a peculiar forma política que tal Ditadura deve assumir.
 De um lado, a "Ditadura do proletariado" comportava o
desmantelamento do Estado burguês: a abolição da burocracia, da
polícia e do exército permanente, como emerge de sua obra sobre a
comuna de Paris. De outra parte, a "Ditadura do proletariado"
comportava o exercício da violência armada do proletariado por todo o
período transitório, que deveria desembocar na completa extinção do
Estado e na sociedade sem classes.
DITADURA DO
PROLETARIADO
 Para Engels, a "Ditadura do proletariado" é um semi-Estado ou quase-
Estado, que se extingue quando vem a faltar o objeto da opressão, isto é, a
classe dominada. Por esta razão, seu caráter de Ditadura não figura num
ordenamento político especial, mas na relação de contraposição e de
opressão entre uma classe dominante e uma classe dominada.

 Com Lenin, o contexto teórico e prático no qual se situa o conceito de


"Ditadura do proletariado" muda sensivelmente. De um lado, existe uma
precisa conscientização de que a transição entre capitalismo e comunismo
constitui uma fase inteira da história. De outro lado, a concepção do partido
como "vanguarda do proletariado" e a do "centralismo democrático" são
destinadas a transformar, de fato, a "Ditadura do proletariado" em específica
Ditadura política de partido. Contudo, em Lenin, a expressão "Ditadura do
proletariado" não define um particular regime político, mas uma relação
subjacente entre as classes.
DITADURA DO
PROLETARIADO
 Em A revolução proletária e o renegado Kautsky (1918), Lenin
argumenta difusamente sobre a tese de que todos os Estados são
Ditaduras, essencialmente fundadas sobre a violência, enquanto
expressões vivas da luta entre as classes contrapostas e inconciliáveis,
e correspondentes à dominação e opressão de uma classe sobre outra.
 Num parágrafo da obra Estado e Revolução, que ele acrescentou na
segunda edição de outubro de 1818, escreve com clareza: "As formas
dos Estados burgueses são extraordinariamente variadas, mas sua
substância é única: todos estes Estados são, de uma maneira ou de
outra, em última análise, necessariamente uma "Ditadura da
burguesia". A passagem do capitalismo para o comunismo,
naturalmente, não pode deixar de produzir uma enorme abundância e
variedade de formas políticas, porém, a substância será
inevitavelmente uma só: a "Ditadura do proletariado".
DITADURA DO
PROLETARIADO
 Surge então a questão terminológica se convém empregar o
mesmo nome de Ditadura para designar dois fenômenos diferentes
ou se não é oportuno substituir a palavra em um dos dois usos.

 Nesta segunda hipótese, Bobbio sugere empregar a expressão


usada por Gramsci de "hegemonia", para designar a primazia
política de uma classe sobre outra. Aceitando, porém, a primeira,
devemos distinguir entre uma Ditadura (hegemonia de classe)
liberal (quanto ao seu regime político) e uma Ditadura ditatorial.
De qualquer modo, mesmo quem aceitar a tese marxista do Estado
como instrumento de domínio de classe é obrigado a admitir que
este domínio pode expressar-se politicamente na forma de um
Governo ditatorial ou na de um Governo não-ditatorial.
DEMOCRADURA
 O termo ditabranda é usado pelos saudosos do Regime Militar para
minimizar os efeitos da Ditadura de 1964, um período de torturas e
mortes, devido ao autoritarismo das décadas de 60 a 80. Surge agora uma
nova expressão, ainda não muito veiculada, mas de grande significado, a
democratura. Este termo estabelece que não há mais uma democracia em
vigor, só que ainda não se efetivou, de fato, uma ditadura.
 Democratura, aparentemente, pode parecer apenas a união das palavras
democracia e ditadura, ou até mesmo uma referência a “povo” – em
demo – e “escravatura” contrastando com a liberdade que costuma ser
tirada da sociedade pelas ditaduras. No entanto, a expressão não significa
apenas uma singela junção de palavras ou de sentidos, e sim corresponde
a uma perturbadora e preocupante espécie de democracia simulada, na
qual estamos inseridos. Isso, ao consideramos a atual conjuntura político-
governamental brasileira, com militares no poder, que tiveram sua
ascensão de forma democrática, por meio de uma eleição. (Rose Aguiar)

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